EJA – HISTÓRIA DA VIDA PARA A VIDA STREHL,Vivian 1 BASSO, Berenice Geschwind 2 Palavras-Chaves: Educação de Jovens e Adultos; (Re)construção; Vida. Introdução Este trabalho enfoca uma história de vida e foi desenvolvido a partir das reflexões e diálogos nas aulas da disciplina Educação de Jovens e Adultos - EJA, na UNICRUZ e busca suporte teórico, especificamente, nos ensinamentos de FREIRE. As obras do autor enfocam a opressão contida na sociedade e no universo educativo, trazendo contribuições significativas, em especial, na educação/alfabetização de adultos. A opressão é apresentada como um problema crônico social, visto que as camadas menos favorecidas são oprimidas e terminam por aceitar o que lhes é imposto faltando conscientização que leva à libertação. A libertação é um processo de mudança conforme afirma o autor em estudo, pois a superação da opressão exige o abandono da condição servil, condição esta que faz com que muitas pessoas apenas obedeçam ordens, sem questionar ou compreender a realidade que convivem. A dicotomia encontrada neste universo precisa buscar o desenvolvimento da conscientização, pois a realidade é, em sua maioria, domesticadora, ou seja, vantajosa para o opressor que garante a atitude de conformismo do oprimido. A educação como prática de liberdade busca a liberdade de ação, animando-se da generosidade autêntica, humanista e não humanitarista, pois se propõe à construção de sujeitos críticos e comprometidos com sua ação no mundo. Metodologia A disciplina EJA, ministrada no Curso de Matemática, no segundo semestre de dois mil e dez, na UNICRUZ, oportunizou reflexões sobre o processo ensinoaprendizagem e sobre a função político-social da educação. No sentido de compreender ___________________________ 1 2 Acadêmica do Curso Licenciatura Matemática – Unicruz – [email protected] Professora Disciplina EJA – [email protected] as relações entre os assuntos estudados e a realidade presente fora das paredes da academia, realizou-se uma pesquisa orientada. Mais especificamente, buscou-se histórias de vida de sujeitos que não puderam estudar na infância e adolescência. Através de uma entrevista semi estruturada se procurou deixar que os mesmos falassem sobre suas trajetórias vividas . Estas falas, ricas em vivências e cheias de esperança passaram a ser objeto de estudo em sala de aula, pois se revestiam em inúmeras significações. Lua (nome fictício para preservação de identidade), contou-nos um pouco de sua história de vida. Sua infância e adolescência humildes, vivida com muitas dificuldades e preconceitos. Eram quatro filhos, ela e mais três irmãos homens, todos iam para escola, mas como seus pais não tinham condições de manter o estudo, acabaram tirando seus irmãos da escola para auxiliar na renda familiar e só Lua continuou na escola. Estando na sétima série e repetindo a mesma várias vezes, seu pai começou a ficar enfurecido. Dizia que Lua estava matando tempo e gastando dinheiro com escola. Assim, como tinha muitas dificuldades com matemática e sob a pressão que seu pai empunha, acabou desistindo dos estudos. Seu sonho de crescer foi adiado... Foi então, trabalhar de diarista pois queria ter sua renda própria e sair da condição de ser totalmente dependente dos pais. Quando tinha 17 anos conheceu Sol (nome fictício). Apaixonou-se e engravidou. Os dois jovens resolveram casar e assumir o filho. Os pais de Sol ajudaram a montar uma casa modesta. A vida era dura... Sol trabalhava e Lua cuidava do filho. Na região onde moravam, não havia creche à disposição das famílias. E assim, foram vivendo com uma renda pequena e com muitas dificuldades. Lua sempre participava das reuniões que eram realizadas pela assistência social do lugar onde viviam. Sempre se interessou pelos estudos realizados lá. Pensava nos temas das reuniões com freqüência. Era movida por um imenso desejo de crescer. Sabia que só o estudo poderia alimentar seu sonho... O tempo passou e quando seu filho já tinha quatro anos, a Prefeitura divulgou um curso de EJA, que seria realizado a noite, na cidade, para quem tivesse interesse em completar o Ensino Fundamental e Médio. Lua adorou a idéia, era o que ela mais queria. Terminando seus estudos poderia conseguir um emprego e melhorar a situação de vida do casal. Conforme Freire (1987, p.78) "Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão." Sol apoiou a idéia e passou a cuidar do filho (a noite), enquanto Lua ia estudar. Para Sol EJA, mudou sua vida, pois começou a perceber toda a beleza que existe no aprender. Passou a se relacionar com outras pessoas, a trocar idéias, a compreender a temida matemática, que não era tão feia e difícil assim... O estudo trouxe a esperança de uma vida melhor e isso fez com que percebesse que nas situações de aprendizado, e nas trocas estabelecidas, construía conhecimentos da vida para a vida. Aprender começou a ser bom. O momento mais especial foi o da sua formatura, quando provou a seu pai e a si mesma que era capaz de aprender e superar, certos tabus que a cercavam como: “mulher casada não precisa mais ir na aula, vai fazer o que lá”, ou então “aquela moreninha acha que pode estudar, porque não vai trabalha de faxineira” entre tantas outras falas desencorajadoras que ouvia com frequência . Para Freire (1987, p.31): A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo... Lutando pela restauração de sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira. Lua foi forte, e dedicou-se ainda mais estudando em casa. No primeiro concurso que fez na Prefeitura, foi aprovada. Hoje ela tem um emprego. Tem uma função digna. Exerce seu direito ao trabalho. Sempre alegre e interessada motiva o filho a estudar e nunca desistir dos sonhos que possui. Sua vida é modesta, mas bem melhor que antes. Possui uma vida digna enquanto pessoa que acreditou em si mesma e buscou algo melhor, não só para ela, mas outros também. Seu filho cresce cercado de referências que permitirão a mesmo fazer escolhas ao longo de seu desenvolvimento. Resultados e Discussões Percebeu- se nesta história de vida uma relação entre a educação e a utopia que está na base do pensamento de Freire. Para construir o futuro é preciso primeiro sonhálo, imaginá-lo. Não se pode curvar à fatalidade do neoliberalismo, negador da possibilidade de mudanças. A pedagogia é um guia na construção do sonho. Não basta sonhar, precisa-se conhecer os saberes necessários para realizar o sonho. A pedagogia projeta primeiramente o futuro, um futuro melhor para todos nós, a utopia. Depois é que ela se dobra para o presente e o passado. Freire (1987) afirma que a libertação através da educação só é válida se for um esforço coletivo: Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão. As mediações estabelecidas entre professor e alunos garantiram à Lua a condição de ser sujeito, de refletir sobre sua condição de ser e estar no mundo num processo de troca e crescimento mútuo. E assim, o referido autor complementa: (1981,p. 79) “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Conclusão Parece história fictícia mas não é! Aconteceu com uma vizinha de porta da casa. E o mais incrível, uma cidadã que muitas vezes, por falta de atenção, passou em branco em nosso olhar. Na correria do cotidiano as histórias se movimentam... Se movimentam e se transformam... Lutar pela transformação da realidade como Lua fez requer compromisso e compreensão da vida para a vida. Implica em fazer a leitura de um mundo que nos coloca como sujeitos de uma história em constante (re)construção. Sendo assim, enquanto acadêmicos em fase de conclusão de curso, podemos levar como aprendizado das aulas de EJA, o fato de olhar os sujeitos, ao nosso redor, como pessoas humanas que possuem uma história de vida que merece ser lida. Podemos buscar nas labutas de vida destas pessoas formas de estabelecer relações entre os fatos vividos e os estudados. Isto nos move no sentido de apurar a escuta, o olhar e o sentimento humanizador. Referências FREIRE, Paulo "Pedagogia do Oprimido". Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.