Criado por Breno Rafael de Souza Gomes A vingança A quela seria uma manhã diferente. Era o dia do meu aniversário e eu não esperava muito de bom para ele. Acordei com um turbilhão de mensagens no celular dos meus vários amigos, mas não vi nenhuma do numero de Marisa. – Como ela pode esquecer? – Me perguntei. Não fazia sentido toda aquela falta de companheirismo que ela vinha demonstrando, alguma coisa ruim estava acontecendo e eu não faria nada para mudar, estava cansada daquele joguinho e não me sentia culpada de nada que justificasse o seu comportamento. “Feliz Aniversário... Não poderia esquecer o seu dia.” Li a mensagem do Cauã. Fiquei tocada com o que tinha lido. Apesar da nossa ultima conversa, ele se mostrou capaz o suficiente de superar, mesmo que não demonstrasse, também pudera, não tivemos a chance de nos encontrar naqueles dias, talvez ele já tivesse me perdoado. Liguei para ele agradecendo. – Não faz sentido mesmo eu brigar com você Alicia. – disse ele com um tom de voz muito diferente do que eu tinha ouvido lá no cemitério. Me senti bem com aquela conversa, na verdade lembrada, por um instante a sensação de estar só mesmo em meio a uma multidão não existia mais e mais uma vez percebi que foi o Cauã o responsável. – Posso passar meia hora com você no seu dia? – Falou me convidando para um passeio de moto. Fiquei receosa, mas aceitei, o fiz prometer não tocar mais em assuntos de cunho sentimental e ele cedeu. Era um dia normal da semana, só estaria eu em casa. Saber que era o meu aniversário me deixava melancólica, afinal é um dia em que ser lembrada faz toda a diferença. Desci para a cozinha para beber alguma coisa, estava sedenta. Ouvi barulhos. Me assustei e mesmo assim continuei caminhando para a cozinha. – Tem alguém ai? – Perguntei para quem estivesse. Continuei a ir lentamente, estava com medo, mas lembrei que eu tinha o meu dom e ele era uma arma mais perigosa do que qualquer outra. Hipóteses e hipóteses surgiram naqueles segundos tensos. – Surpresa! – Gritaram todos que estavam tomando café. Foi uma verdadeira surpresa para mim. Na mesa do café tinha um bolo de aniversário lindo. Meu irmão estava em casa e eu pude presumir que ele tinha ido especialmente por mim. Fiquei radiante, apesar de eles terem contrariado o meu desejo, mas não falei nada, apenas aproveitei o momento. – Feliz Aniversário. – Disse Allan me entregando um presente. Era uma caixa de bombons linda. – Quando você volta? – perguntei para ele. – Hoje mesmo. Eu tive que vir tirar um documento e aproveitei para vir no dia do seu aniversário. – explicou-me. Eu tinha passado uma manhã perfeita. Embora a minha até então melhor amiga não tenha lembrado daquele dia, muitas outras pessoas compensaram a sua ausência. Alan despediu-se ao cair da tarde. Voltaria para Saint Larie então. Eu estava voltando da rodoviária. De longe avistei a moto de Cauã em frente a minha casa. Assustei-me ao lembrar que tinha esquecido do nosso passeio que seria as 19h00, estava meia hora atrasada. Entrei ofegante pela porta da frente e dei de cara com ele vestido numa camisa cinza misturada a um tom café e uma calça jeans básica de corte reto. Era difícil admitir, mas ele estava másculo, obviamente atraente, perdi o fôlego... – Você deixou o Cauã esperando Alicia. – Disse a minha mãe me olhando com censura. – Não foi nada demais. Você teve que acompanhar o seu irmão até a rodoviária. Eu entendo. – Falou ele olhando para mim. Senti o seu perfume estranho, mas naquela hora foi como se sua voz sumisse por um instante, aquele ar amadeirado, misturado à canela e tabaco me fez ficar tensa, parecia que eu estava repousando sobre o seu ombro e indo em direção ao seu pescoço. Voltei à razão, então ele disse em um tom mais grave. - Alicia? Esta me escutando? – ele perguntou. Respondi que sim rapidamente, poderia cometer uma gafe após a hipnose que sofri com seu cheiro, poderia ter beijado sem ao menos me dar conta, respirei fundo e disse – Você espera eu me aprontar? Subi as escadas apressadamente. Entrei no quarto pensando no quanto eu estava alterada por aquele sentimento indefinido. – Ele é apenas meu amigo. – Sussurrei. Estava nervosa... Não sabia o que escolher... Meu desejo era de não faze-lo esperar muito, mas em meio aquelas duvidas, não poderia ser diferente. No fundo eu queria impressioná-lo. Entrei no banheiro com o cabelo preso e tomei um banho ligeiramente. Sequei-me ainda em duvida, então tive a idéia de usar uma meia-calça fio 80, com um jumpsuit bege claro, justo, curto nas pernas e longo nos braços, passando um pouquinho do cotovelo. Eu tinha ganhado da minha mãe no natal passado. Coloquei um sapato preto de salto baixo para não contrastar com a meia-calça. Pendi meus cabelos lisos amarrados como um rabo de cavalo e deixei minha franja longa caindo naturalmente. Caprichei na maquiagem como sempre e usei o meu perfume preferido. Estava pronta. Me olhei no alto espelho que ficava escondido num canto da parede do meu quarto. Eu estava muito menininha, mas conservava um pouco do meu visual sombrio. Senti minha barriga gelar enquanto eu descia a escada, minha mãe parecia estar empolgada na conversa com o Cauã e ele parecia agradar. No momento em que ouviram os barulhos dos meus passos, viraram seus olhares para mim, não era como eu costumava me vestir, mas estava me sentindo bem. Cauã olhou fixamente para mim. Notei que ele estava fascinado e a minha mãe não conseguia disfarçar o quanto estava surpresa por me ver vestida daquela forma. – Você ta... Linda... – disse Cauã me deixando constrangida. – Podemos ir agora? – perguntei. Ele não parava de olhar para mim e nem sequer me respondeu, pareceu congelar no tempo enquanto minha mãe sorria discretamente. – Sim... Vamos... – Murmurou depois de um bom tempo de espera. Sorri novamente para a minha mãe. Ele continuava sentado mesmo vendo que eu estava pronta para ir. – Então levanta! – falei tentando acorda-lo. Ele começou a rir dele mesmo ainda sentado e se recompôs em seguida desculpou-se pelo seu ato de hipnose evidente e então saímos. – Prometo devolve-la sã e salva! – brincou com a minha mãe. Cauã foi atencioso, desde a hora em que atravessamos a porta da minha casa, até o momento em que subimos na sua moto... Sem jeito, peguei o capacete que eu iria usar e que estava nas mãos dele e tentei coloca-lo, ele se apressou e colocou em mim, aquele contato me fez ter a mesma sensação que eu senti ao vê-lo pouco tempo antes. Ele estava pratico, colocou o seu capacete e subiu na moto como se o que estivesse acontecendo não fosse mágico como era pra mim. Sim! Foi um momento mágico. Eu me senti diferente, era uma sensação de ter um vazio preenchido. – Não vai subir Alicia? – falou ele me apressando. Então subi, evitei toca-lo, iria segurando na parte de trás. Ele era um verdadeiro fascinado por motos. Como eu iria me segurar sentada naquela monstruosa maquina? Já tinha passeado de moto outras vezes, mas a dele era enorme, senti estar sentada em um muro médio olhando para o chão e fiquei insegura. – Tem certeza que não vai segurar em mim? – perguntou ele tentando me avisar alguma coisa, mas não dei ouvidos. - Sim. Pode ir. – Tentando demonstrar uma segurança que eu não tinha. O ligar da moto me assustou mais ainda. Cauã acelerava enquanto ela estava parada e os barulhos me fizeram ter terror. - Para de me assustar! – pedi enquanto ele ria de mim - Não estou com medo se é o que você pensa. – completei tentando responder o que ele estava pensando. - Quem aqui falou que você esta com medo? Você esta com medo? – disse irônico. - Isso nunca passou pela minha cabeça. – Menti. – Vai logo, esta ficando chato. - Então pela ultima vez vou te avisar: SEGURA EM MIM! – gritou no mesmo segundo em que deu partida. Cedi no instante em que ele gritou. Coloquei minhas mãos na sua cintura levemente para me sentir segura enquanto sumíamos naquela rua reta, deserta e escura, iluminada por poucos postes. Percebi que o meu corpo parecia querer voar para fora daquele espaço físico que eu estava ocupando. No momento em que viramos a esquina, senti meu corpo balançar para o lado e o segurei com mais força, estava totalmente cravada nele, sentindo o seu perfume e o seu corpo maduro demais, conquistado nas aulas de natação, a qual fazia desde pequeno. Passeamos pelas ruas quase desertas de Saint Marie sem rumo, eu estava vestida numa de minhas melhores roupas para nada, apenas para impressionar aquele que eu desprezei e por ironia estava um pouco arrependida. Eu estava esquecendo o estranho e isso me aliviava na mesma medida em que eu me apaixonava por Cauã, que tinha uma namorada, a Helen. Isso me fazia lembrar Marisa, da noite em que eu beijei o seu irmão e jurei não ter nenhuma intenção com ele. Até então era verdade, mas muita coisa estava sendo mudada. A cidade não era muito grande. Não tínhamos muito pra onde ir. O movimento a noite se concentrava em uma pequena e simples avenida, repleta de pessoas fúteis e não me agrava passar por ali. Paramos em cima da pequena ponte de madeira que separava a cidade, ali passava um pequeno trecho do rio, que não tinha muita força, a água pouco corria. Do outro lado havia pequenas e velhas casas que conservavam perfeitamente toda a influencia arquitetônica desde a época da colonização do Brasil. Uma época em que a bruxaria do sul dominava o país com a sua magia satânica. Cauã desceu da moto comigo ainda sentada. Não entendi porque naquele lugar, mas nada disse. Antes que eu reagisse e tentasse descer, ele apressou-se me segurando pela cintura precisamente com as suas enormes mãos colocadas em cima do cinto largo que eu estava usando entre os seios e o umbigo me fazendo perceber o quando meu corpo era pequeno, ou ele era grande demais. Seu rosto de menino disfarçava os seus 18 anos. Ele não passava tanta masculinidade, era fofo, seus olhos azuis demonstravam isso, não tinha traços rudes como o que eu apreciava, era angelical, nariz reto, cabelos dourados de cachos abertos, porem o seu corpo me fazia ter uma sensação de proteção. Enquanto me segurava, notei que o seu olhar estava vidrado em mim, o meu também estava nele e naquele segundo em que ele me colocou no chão eu senti que iria acontecer alguma coisa. – Porque paramos aqui? – perguntei quebrando o clima. Cauã sorriu. Notei que ele estava com segundas intenções, sua expressão não deixava duvidas. – Estamos passeando... Não é? – respondeu-me com ironia. Sabia que mesmo que eu quisesse não poderia beijá-lo, respirei fundo e não vi caminhos para aquela conversa. – Quero voltar. – falei depois de olhar por segundos calada para ele. Ele continuou não me levando a sério, parecia saber que eu estava mexida e de uma forma ou de outra eu sentia a sua felicidade com isso. - Você gosta de mim não é? – Sussurrou convencido. - Claro que não! – Murmurei. – Ou melhor... Gosto, mas não como você está pensando. - Você sabe o que eu estou pensando? – humorado. - Faço idéia. – fui curta. Engessada... - Eu não estou querendo te beijar se é o que acha. Ou o que você quer... - Agora chega. É claro que esse é um pensamento seu. Você quer que eu o beije e não o contrario. – falei mostrando a verdade. Ele gostava de mim antes de eu gostar dele e foi o que deixei claro, mas não reconheci o sentimento que estava nascendo em mim. - Porque está irritada? Por acaso eu acertei no meu palpite? É tão difícil assim admitir o que você está sentindo? – voltou a responder com ironia. - Seria mais fácil se você aceitasse o que é a verdade. – fui convincente. Então, pouco depois do termino da minha frase, ele segurou agressivamente nos meus braços finos demais para as suas mãos. Podia gritar, ou pedir para parasse e ele atenderia. Sim. Eu poderia persuadi-lo, ou pelo menos pensava que sim, afinal ele sempre esteve nas minhas mãos, mas não consegui. Senti o seu toque que me deixou ofegante e eu esperei com os olhos fixos nos seus lábios vermelhos como os de uma maduro, seu hálito instigante me deixou paralisada... Ele iria me beijar, vi nos seus olhos o seu desejo, mas ele desistiu e mesmo assim continuou me segurando, então me soltou e eu me senti num vácuo. – Eu tinha mesmo razão. – comentou sem entrar em detalhes caminhando lentamente em direção ao outro lado da ponte. - Você tinha razão sobre o que? – perguntei envergonhada e me sentindo submissa. - Sobre você. Sobre o que mais eu poderia ter razão? – Seguro do que dizia ele começou a me ferir com o seu tom de voz. - Eu poderia me defender se soubesse do que você esta falando. – presumi ser sobre não querer vê-lo feliz, como Marisa havia comentando.. - Então você já sabe novamente? Me fascina essa sua astúcia... Se não fosse tão ordinária eu seria capaz de me apaixonar novamente. -... O que... Você... – tentei responder sem acreditar no que eu estava ouvindo. - É isso mesmo. Eu não te amo garota. Ou você acha que eu seria capaz de amar alguém tão egoísta como você? Eu poderia... – falou Cauã e antes que ele concluísse o que eu não estava acreditando ouvir, o interrompi desestabilizada. - Não fala mais nada. – gritei sem pudores... Olhei nos seus olhos ressentida pelas suas palavras e pedi que ele sumisse dali naquela hora. Cauã partiu me deixando só, me veio uma sensação de dejá vu, a mesma situação que aconteceu no cemitério se repetiu, mas agora ele tinha ido porque eu usei os meus poderes, eu estava ferida e com motivos. Pelo contrario, da outra vez, ele tinha usado dos mesmos argumentos que pareciam ter sido entendidos, mas não, ele guardou a sua magoa e ela foi um catalisador. Cauã me feriu realmente. Aquele era o dia do meu aniversário e eu nem sabia como tinha chegado em casa. O que pensar? Estava desolada. Foi estratégico. Lembrei como uma rápida retrospectiva o dia inteiro desde a hora que acordei. A mensagem do Cauã fazia parte de um plano de vingança banal. Ressentimento resumia a sua atitude. Nem mesmo as boas lembranças foram capazes de atenuar as ruins, como o meu irmão fazendo brincadeiras sem sentido durante toda a tarde, as suas piadas e citações humoradas que me faziam rir mesmo que eu estivesse em uma depressão e o momento em que o levei a rodoviária. – Você merece toda a felicidade do mundo Alicia. – disse Alan antes de partir. - Espero que sim. – respondi pessimista. – Mas hoje será um feliz dia. Um dia completo de felicidade do inicio ao fim. – completei. No fundo eu queria dizer que o dia seria feliz por inteiro, porque ao cair da noite eu não iria me trancar no meu quarto para ler a continuação do capitulo de um romance barato vestida com roupa de dormir, ou conversar sandices com a minha avó. Teria sido perfeito. Na minha imaginação estava quase tudo previsto. Até um beijo, que por mais que eu insistisse em não idealiza-lo, eu não conseguia. Mas, pelo contrario foi tudo diferente. Entrei silenciosamente em casa e não vibrante como tinha acontecido. Não deixei que ninguém percebesse a minha chegada e sorrateiramente, enquanto ouvia as vozes da minha mãe e a “vó” conversarem, me tranquei no quarto. Não era tarde. Só tinha passado umas 2 horas fora de casa e estava de volta para de onde eu não deveria ter saído. Antes de tirar aquela roupa, me vi novamente pelo espelho. Comecei desfazendo o penteado, meus cabelos longos caíram rapidamente sobre o meu corpo. Eu não era feia. Era mediana, em todos os sentidos... Meus olhos não tinham uma cor definida, eram azuis acinzentados e mesmo estando com apenas a luz do abajur ligado, eu conseguia ver. – Agora nada mais me resta. – pensei. O amor seguro como o da minha mãe, pelo contrario não iria se realizar com Cauã. O amor instável e provavelmente imaginário não existia alem das minhas alucinações, ou do desenho que eu havia feito na sala enquanto vivia uma situação não muito desejável... Meu celular tocou enquanto eu ainda me olhava conversando comigo mesma em pensamento. – Já estou em casa. No quarto... Cauã me trouxe há pouco tempo. – respondi mentindo para a minha mãe. Ela queria saber que horas eu iria chegar e provavelmente teve uma surpresa ao ouvir minha resposta. – Não aconteceu nada demais. Depois eu conto... Tenho que dormir agora, estou exausta. – justifiquei. Com toda certeza as suas expectativas eram tão altas quanto as minhas, mas não contaria a verdade. Não contaria... FIM