ALEGORIA EM WALTER BENJAMIN: ECOS EM JOSÉ SARAMAGO EDNEY SILVA PAIVA Núcleo de Estudos e Pesquisas: História e Filosofia da Educação – Mestrando Orientadora: Profª. Drª. Luzia Batista de Oliveira Silva I – Introdução Essa pesquisa apontará como Walter Benjamin (1892-1940) retoma o conceito de alegoria do Barroco alemão, presente na literatura moderna, caracterizado pelo traço estilístico dominante no gênero literário: Fragmentos, ruínas e multiplicidade de sentidos. Para Benjamin, a escrita alegórica, longe de qualquer relativismo, desestabiliza o conceito de verdade universal a priori, tão decantado pelo Iluminismo, pela multiplicidade de sentidos, instaurando por isso, a dúvida. Pode-se ver esse estilo literário ressoar nos escritos de José Saramago, falecido recentemente, em 2010, ao conduzir o leitor a descobrir novas significações de um texto mais do que conhecido como as histórias bíblicas do Antigo Testamento no romance Caim. A respeito da alegoria em Walter Benjamin e em José Saramago ver-se-ão outros desdobramentos necessários sobre filosofia e poesia, realidade e ficção, narrativa história e narrativa ficcional. Bem como a possível contribuição que o jogo imagético da alegoria trará para a formação. O que nos remete para o sentido de formação pela imagem (Bildung für das Bild) II - Objetivos e fundamentos teóricos O objetivo é investigar as características do conceito de alegoria em Walter Benjamin como instauração das multiplicidades e dos sentidos pelo recurso literário das imagens, e as ressonâncias que este conceito terá na literatura contemporânea de José Saramago, especificamente na obra Caim (2009). Da mesma forma, buscar-se-á apresentar a alegoria em Saramago e Walter Benjamin, considerando que, em ambos os autores o sentido remete ao de experiência formativa. Para essa empreitada, a pesquisa será de cunho bibliográfico com textos específicos de Walter Benjamin como A origem do drama barroco alemão, As passagens, O Conceito de Crítica de arte, dentre tantos outros fragmentos do referido autor; bem como pesquisadores relevantes. Caim de José Saramago e vários escritos acerca do autor e obra. III- Desenvolvimento A pesquisa se divide em quatro capítulos. O primeiro visa perceber os entrelaçamentos e tensões entre os discursos filosófico e literário. O segundo, apresenta o conceito de alegoria (dizer o outro) do barroco alemão e a análise do traço estilístico dominante no gênero literário: Fragmentos, ruínas e multiplicidade de sentidos. O terceiro, ressalta a presença das características da alegoria barroca na literatura contemporânea de José Saramago, no tocante ao romance Caim. Por fim, veremos como o jogo das imagens alegóricas em Walter Benjamin e José Saramago contribuem para experiência formativa. Deste modo, veremos, no primeiro capítulo, a tensão relacional entre filosofia e literatura para a obtenção da verdade na história do pensamento Ocidental. Em Platão, a poesia não passa de imitação de uma realidade já imitada. Imitação da imitação esse é o atributo que faz com que os poetas sejam expulsos da República platônica, pois são imitadores que se encontram três graus afastados da verdadeira realidade. O verdadeiro conhecimento dever ser almejado no âmbito racional, filosófico. A poesia é mera aparência ilusória, de cunho alienante. Com isso, veremos a relação disciplinar que a filosofia estabelece com a poesia, pois lhe é superior, a compreende. Platão estabelece uma ontologia na qual a realidade está imune contra a arte. Colonização racional. Por outro lado com Nietzsche a obra de arte perde o status platônico de mera ilusão ou signo fraco, desprovido de caráter ontológico e valor de verdade em relação às representações do intelecto consideradas como modelo a ser alcançado para buscar o caráter de “valor de manifestação de verdades e valores essenciais. Para ele, a essência do conhecimento está no âmbito do artístico. Não há conhecimento puro estritamente racional capaz de compreender toda a realidade exterior, seja o conhecimento metafísico ou científico. O atributo de verdade, que fizera Platão pulverizar a arte é usado por Nietzsche justamente para enaltecer o lado artístico do pensamento em relação ao conhecimento. A autenticidade do conhecimento está mais próxima do fingimento poético que a pretensa verdade universal da metafísica. “Os poetas metem muito e são tratado como loucos. A metafísica e a religião mentem como detentoras de uma verdade que não possuem. A mentira leal e, portanto, verdadeira é a mentira da arte como afirmação trágica”. Em seguida, veremos as diferenças entre narrativa histórica e narrativa ficcional, mas o seu entrosamento enquanto obra da imaginação. No entanto, a primeira enquanto ciência busca a verdade objetiva. A segunda, busca se relacionar esteticamente com o passado. Reflexão filosófica sobre o realismo histórico e pensaremos a ontologia da ficção e a ficção da história. No capítulo segundo, apresentaremos a estética do fragmento da escrita alegórica, opondo-lhe ao critério de totalidade orgânica (plástica) do conceito de símbolo do classicismo e romantismo alemão. Veremos que longe de um relativismo subjetivista pós-moderno, compreender na vertente poético-metafórica de Walter Benjamin, o movimento dialético entre extremos que emergem em imagens conflituosas, desestabilizando o conceito de verdade é um afastamento da tradição sistemática de Kant e da dúvida metódica de Descartes ao instaurar a dúvida, a reflexão e o questionamento. Formando a ideia de constelação ou caleidoscópio: produzir uma variedade de imagens do objeto. Com isso, estabelece a separação da filosofia como conhecimento (Erkenntnis) e a filosofia como apresentação (Darstellung) da verdade, ou seja, uma retomada sem fim. Por isso, a verdade deve ser apresentada numa linguagem histórica e não numa linguagem a-histórica geométrica de Descartes. Observaremos os traços comuns entra aura e alegoria de representar o outro, mas se diferem na medida em que o outro alegórico para Benjamin é outro reprimido (como os personagens de Baudelaire: A prostituta, o Flaneur, as Lésbica.... No capítulo terceiro, perceberemos no romance Caim de José Saramago as características de uma escrita alegórica, enquanto forma artística, como fruto do olhar do alegorista com a disposição de traduzir ou apresentar um texto dando nova significação que extrapola o horizonte do sentido delimitado pela intencionalidade do texto no seu contexto original. A significação é atribuída ao alegorista. Ele transforma em algo diferente. Por isso, a heroicidade dos personagens alegóricos de José Saramago é essencialmente paródica é um anti-herói. De posse da ironia ao poder em Caim, o poder está nas mãos do escritor alegorista. Por fim, no capítulo quarto, observaremos as imagens alegóricas, em Walter Benjamin como em José Saramago, como ampliação do horizonte reflexivo no espaço lúdico (Spiel Raum) do jogo entre significado e significante. Na perspectiva de que a alegoria diz ao pensamento que tudo tem mais de uma visão. Como se arte desse leveza ao pensamento para que se liberte do fardo que ele próprio criou. Formação pela imagem: Bildung für das Bild IV – Considerações finais Após esse percurso de intenso estudo, não seria fora de contexto dizer que esta pesquisa, sem intenção inicial, possibilita uma relação reflexiva entre filosofia e literatura ou literatura e filosofia. Ambas como prática formativa, respeitando-se as suas singularidades, mas a polissemia da imagem metafórica poética pode conduzir o estudante ou leitor a pensar ou re-pensar o que antes pensava. Como diria Adorno sobre Kafka, na caracterização do romance contemporâneo: “[...] Ele (Kafka) destrói no leitor a tranquilidade contemplativa diante da coisa lida”. Portanto, a leitura alegórica não oferece prazer ao leitor, mas inquietude intelectual. V – Bibliografia BASTAZIN, Vera. Mito e poética na literatura contemporânea: um estudo sobre José Saramago. Cotia. SP. Atêlie Editorial. 2006. BENJAMIN. Walter. “Experiência e Pobreza”. Trad. Sérgio Paulo Rouanet in: Obras Escolhidas (Vol. I). Magia Técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. _____. Origem do drama trágico alemão. Tradução João Barreto – Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2011. _____. Rua de Mão Única. In. Obras escolhidas (Vol. II). São Paulo, Brasiliense, 1995. _____. Teses sobre o conceito de história. Trad. Jean Marie Gagnebin e Marcos Luís Müller. In. Obras escolhidas (Vol. I). Magia e Técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. GAGNEBIN. Jean Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva 2004. _____. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2009. NUNES, Benedito; PINHEIRO, Victor Sales (Orgs.). Ensaios filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2010. SARAMAGO, José. Caim. São Paulo. Companhia das Letras. 2009. RICOUER, Paul. Tempo e narrativa (Vol. I, II e III). Trad. Cláudia Beliner. São Paulo. Martins Fontes, 2010.