ID: 60812995 03-09-2015 Tiragem: 14670 Pág: 10 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 26,00 x 28,76 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 3 Sob pressão para receber mais refugiados, Governo começa a reagir Crise Na próxima segunda-feira o grupo de trabalho do Governo reúne-se, pela primeira vez, para começar a coordenar a resposta de Portugal - criticada por ser tímida - à crise migratória. Bruno Faria Lopes e Margarida Peixoto [email protected] A tragédia daquela que é a maior vaga de refugiados e migrantes desde a II Guerra Mundial já se arrasta desde o início do Verão. Só até Agosto, foram mais de 350 mil as pessoas que chegaram às costas europeias a pedir acolhimento. Somam-se 2.643 mortos, numa contagem que não pára de crescer. É neste contexto de agravamento sem fim à vista que na próxima segunda-feira o Governo português se reune para começar a decidir como é que vai receber cerca de 1.500 refugiados. Entretanto, a pressão para aceitar mais pessoas aumenta. Ao que o Diário Económico apurou junto de fonte governativa, o encontro agendado para a próxima semana será o primeiro. Vai ser uma reunião técnica e política, onde vão estar seis secretários de Estado (entre os quais o da Imigração, Segurança Social, Administração Interna, Negócios Estrangeiros e Saúde), juntamente com dirigentes de organismos públicos. Este será ainda o início de uma resposta coordenada. As diferentes tutelas já terão começado a desenhar as suas respostas sectoriais, mas é preciso coordenar todas as iniciativas. Portugal não tem, por enquanto, nenhuma estratégia operacional montada no terreno para receber os refugiados. O que há é um protocolo para responder a pedidos de asilo expontâneos. Será o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tutelado pelo Ministério da Administração Interna, a coordenar a resposta integrada. O plano de acção deverá definir, por exemplo, como é que os refugiados serão alojados, de quem é a respon- sabilidade de lhes encontrar um alojamento, como serão integrados no mercado de trabalho, como podem aceder à saúde, a benefícios sociais, entre outros aspectos. Um dos dados importantes para fechar esta questão será o perfil dos refugiados a receber: fará toda a diferença se são maioritariamente famílias ou crianças órfãs, ou qual o seu grau de formação, por exemplo, para facilitar a sua integração em Portugal. O Governo não considera que haja um atraso na resposta, argumentando que todos os Estados europeus estão numa fase idêntica nos preparativos, estando ainda por fechar exactamente quantos refugiados serão recebidos por cada país. Nas negociações europeias, em Julho, o Governo português insistiu para que a situação eco“Temos a responsabilidade ética e moral de sermos solidários com aqueles que nos procuram”, devendo “acolher quem queira viver connosco”, defendeu Passos Coelho. “Nós somos capazes de mais”, defendeu o provedor da Santa Casa da Misericórdia, Pedro Santana Lopes, referindo-se à quota de 1.500 refugiados. nómica e o nível de desemprego fossem critérios ponderadores para a quota de pessoas a receber. O primeiro número proposto pela Comissão tinha sido de 2.400 pessoas para Portugal, mas este valor foi considerado excessivo pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete. Em seguida, a presidência luxemburguesa propôs uma quota a cada país ponderada pelo PIB e população - Portugal respondeu com os 1.500, um número que o Governo garante ser ligeiramente acima da proposta inicial do Luxemburgo. Contudo, dada a dimensão da estratégia, é provável que os valores sejam revisitados. No sábado haverá uma reunião política informal de ministros dos Negócios Estrangeiros, cujo tema serão as migrações. E para 14 de Setembro está agendado um conselho extraordinário também para debater o assunto. Ainda ontem, na apresentação dos candidatos pelo círculo de Lisboa às legislativas, Passos Coelho abordou o tema: “Não somos indiferentes às notícias que mostram até onde as pessoas estão dispostas a ir para arriscar e ter uma oportunidade de chegar à Europa”. O primeiro-ministro defendeu que a Europa não pode resolver o problema sozinha - há que atacar também as causas do movimento migratório - mas frisou que “até lá temos a responsabilidade ética e moral de sermos solidários com aqueles que nos procuram”, devendo “acolher quem queira viver connosco”. A resposta de quem não quer ficar à espera dos políticos Enquanto os políticos debatem, quem está no terreno, e quem vê a tragédia relatada pelos meios de comunicação social, já está a agir. O Conselho Português para os Refugiados, por exemplo, está a montar uma rede de apoio e contactos que permitam dar depois resposta rápida no alojamento das pessoas, à medida que forem chegando. Fonte oficial da organização adiantou ao Diário Económico que já há 12 autarquias que manifestaram, informalmente ainda, a sua disponibilidade para receber algumas destas pessoas. Falam em dois ou três agregados familiares, mas a oferta chega dos quatro cantos do país e tudo somado supera facilmente uma centena de lugares disponíveis. Lisboa anunciou, por exemplo, a criação de um fundo de dois milhões de euros para receber os refugiados. A este movimento somam-se os telefonemas e emails constantes (por dia, chegam mais de cem) de particulares que se disponibilizam para receber refugiados. Por enquanto, o CRP dá uma resposta uniformizada a todos, garantindo-lhes que os contactará de volta caso a ajuda venha a ser necessária, mas as pessoas avançam com informações expontâneas, como os seus rendimentos ou as condições das suas casas para receber os necessitados. É por isso que a presidente do CRP, Teresa Tito de Morais, defendeu terça-feira que Portugal “rapidamente poderia acolher mais” do que os 1.500. Ontem, Pedro Santana Lopes, provedor da Santa Casa da Misericórdia, garantiu que respeita as negociações a nível internacional, mas somou a sua voz: “Nós somos capazes de mais”, defendeu. A Santa Casa da Misericórdia já disse que consegue acolher 350 refugiados. ■ ID: 60812995 03-09-2015 Tiragem: 14670 Pág: 11 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 26,00 x 28,98 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 2 de 3 Uma lição à Europa, de Olhão a Barcelona O poder local começa a criar redes informais para acolher mais migrantes. António Freitas de Sousa [email protected] Enquanto a Hungria constrói um muro para travar a vaga de refugiados e os ministros do Interior da União Europeia só arranjaram um buraco na agenda para, a 14 de Setembro, debater a crise migratória, os cidadãos e o poder local começam a mobilizar-se à margem dos governos. Na Islândia, por exemplo, uma petição de quase 12 mil pessoas forçou o primeiro-ministro a criar um conselho especial para avaliar quantos mais refugiados pode o país receber além dos 50 previstos. Em Munique, as autoridades tiveram de suspender os donativos de roupa, brinquedos e alimentos para receber uma vaga de 590 refugiados sírios. E na Península Ibérica, de Olhão a Barcelona, as autarquias começam a desenhar planos paralelos perante a rigidez dos governos conservadores em aumentar as quotas de acolhimento de refugiados. A presidente da autarquia catalã, Ada Calau – eleita por uma coligação de que faz parte o Podemos – propôs a criação de uma rede de cidades que colocassem terrenos e infra-estruturas à disposição de refugiados e liderassem a angariação de fundos para as necessidades primárias. A primeira adesão à iniciativa de Barcelona veio de Manuela Carmena, presidente de Madrid (eleita por uma coligação de que faz parte o Podemos e que foi apoiada pelo PSOE), que se irá reunir amanhã com Calau para desenvolver um plano de auxílio. Valência também quer aderir e lança outra ideia: juntamente com a Cruz Vermelha e a Comissão Espanhola de Ajuda aos Refugiados (CEAR), quer abrir negociações com os bancos para alojar refugiados no parque imobiliário detido pelo sistema financeiro e que se mantém vazio. Corunha e Pamplona, que têm em comum com as outras uma liderança na órbita da esquerda, também querem juntarInfografia: Marta Carvalho | [email protected] -se à rede de cidades-refúgio proposta pelos catalães. O governo central, liderado Mariano Rajoy, era um dos mais reticentes em aumentar a quota de cerca de 2.750 refugiados que Bruxelas tinha proposto para Espanha, mas a posição parece estar a mudar desde que se encontrou com a chanceler Angela Merkel esta semana. Em Portugal também cresce a onda de solidariedade autárquica. O presidente da câmara de Lisboa anunciou ontem que a autarquia vai criar um fundo de dois milhões de euros para apoiar os refugiados na cidade. A Santa Casa da Misericórdia, o Conselho Português para os Refugiados (CPR) e a Cruz Vermelha são as entidades chamadas a gerir esse fundo, adiantou Fernando Medina. Também a câmara de Olhão está interessada em fazer parte do movimento e já reuniu com a presidente do CPR, Teresa Tito de Morais. ■ Estados europeus violam tratados? De todo o lado surgem protestos pela forma como os países europeus estão a lidar com os que procuram a Europa para fugir da guerra e da pobreza extrema. Itziar Ruiz, advogado da Amnistia Internacional, veio a público afirmar que a União Europeia “viola as obrigações do Direito Internacional para proteger refugiados”. Enrique Gimbernat, um professor de Direito Penal, avança que o fracasso da UE em lidar com o problema poderia levar o Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo “a condenar alguns Estados a partir de casos particulares de refugiados cujas alegações para pedir asilo não foram sequer estudadas”. Os líderes europeus estarão a violar o artigo 14 da Declaração dos Direitos Humanos: “Em caso de perseguição, toda a pessoa tem direito a procurar asilo noutros países”. E também não cumprem a Convenção de Genebra no que diz respeito ao Estatuto dos Refugiados, nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem o Protocolo de Dublin, nem a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. ID: 60812995 03-09-2015 Tiragem: 14670 Pág: 1 País: Portugal Cores: Preto e Branco Period.: Diária Área: 6,43 x 4,81 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 3 de 3 Governo reúne para decidir acolhimento de refugiados Reunião terá lugar segunda-feira para decidir a estratégia de acolhimento dos refugiados. Até Agosto, chegaram à Europa mais de 350 mil e o número não pára de aumentar. ➥ P10