Bens da natureza são bens comuns, não de mercado, diz Boaventura de Sousa Santos - O Globo
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Sociólogo português diz que ausência dos presidentes de Estados Unidos, Alemanha e
Inglaterra indica que problemas socioambientais estão fora de suas agendas
LIANA MELO
Publicado:
16/06/12 - 7h00
Atualizado:
MAIS NOTÍCIAS DE ECONOMIA
16/06/12 - 7h00
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para a Rio+20
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DIVULGAÇÃO
RIO — O sociólogo e professor português Boaventura de Sousa Santos,
convidado para participar dos "Diálogos para o Desenvolvimento
Sustentável", que começam hoje, no Riocentro, promete tirar da zona de
conforto os participantes da Rio+20. Franco e dono de um discurso
incômodo, ele é totalmente cético em relação à conferência e contrário ao
conceito de economia verde que está permeando todas as discussões.
http://oglobo.globo.com/rio20/bens-da-natureza-sao-bens-comuns-nao-de-mercado-diz-boaventura-de-sousa-santos-5225625[18/06/2012 17:16:06]
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Bens da natureza são bens comuns, não de mercado, diz Boaventura de Sousa Santos - O Globo
O GLOBO: O senhor acha que a economia verde pode ser usada para
combater a pobreza?
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fazendo.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: Esse conceito de economia verde
é um dos mais problemáticos da Rio+20. E por quê? Porque a economia
verde consiste basicamente na ideia de que os problemas gerados pelo
capitalismo se resolvem apenas com mais capitalismo. Não é à toa que a
economia verde procura criar novos mercados, a partir de uma relação
inovadora com a natureza e os bens ambientais. E o objetivo principal é
gerar mais lucro, mais até do que aqueles que já existem hoje. Não
acredito que os problemas ambientais possam ser resolvidos com a
criação de novos mercados. Muito menos num mercado livre e não
regulado, como está previsto no documento das Nações Unidas discutido
na Rio+20.
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exibe na TV Fernando Moreira: O Globo
O senhor, então, é cético em relação à conferência?
SANTOS: Estou bastante cético. Estamos hoje discutindo transformar
bens da Natureza, como a água, a biodiversidade e os oceanos, em bens
de mercado, quando eles deveriam ser considerados bens comuns. As
discussões na Rio+20 estão fora de foco e não só por causa da economia
verde, mas também por causa da redução da pobreza. O problema hoje
no mundo não é discutir a redução da pobreza, mas sim a redução das
desigualdades. Países como o Brasil, por exemplo, graças a políticas
compensatórias, como o Bolsa Família, conseguiram incluir um enorme
contingente de desfavorecidos no mercado, mas os ricos ficaram ainda
mais ricos. E isso vem ocorrendo no mundo todo: nos Estados Unidos, na
Ásia. As desigualdades aumentaram muito nestes 20 anos entre a Rio+20
e a Rio 92. Sinceramente, acho essa mesa para a qual me convidaram
uma das mais complicadas, pois se aceitam conceitos e estratégias
altamente discutíveis.
A crise financeira global, que está inclusive atingindo Portugal em cheio,
é apontada hoje como um dos maiores empecilhos ao sucesso na
Rio+20. A crise tem tanta importância assim?
SANTOS: A crise financeira aparece, sem dúvida, em primeiro plano
quando vemos que presidentes de países como Estados Unidos,
Alemanha e Inglaterra não vão participar da Rio+20. Isso é lamentável,
porque indica que os grandes problemas socioambientais, que vão abalar
o mundo nas próximas décadas, estão totalmente fora da agenda política
dos grandes chefes de Estado. Eles são, também, os grandes
financiadores dos projetos para combater os problemas socioambientais
gerados pelo capitalismo. A crise financeira é a razão mais óbvia, mas
não a mais importante. O problema é a predominância de um modelo de
desenvolvimento. O neoliberalismo domina a economia, a ciência, os
parlamentos e o Judiciário, e prega a máxima de que é o mercado, sem
controle e livre, que deve gerir as economias. É curioso porque a
americana Elinor Ostrom chegou a ganhar o Prêmio Nobel de Economia,
há alguns anos, sustentando que bens da Natureza, como água, os
oceanos, por exemplo, deveriam ser considerados bens comuns e não
bens de mercado. Esse neoliberalismo não é baseado na isonomia. A
Europa discute alguns subsídios, mas não abre mão de continuar
concedendo esses mesmos subsídios para a agricultura. Não são
homogêneas as posições na Rio+20, mas não se deve pôr a relação com
a Natureza intermediada pelo mercado. Caminhamos para uma década
de maior conflito político e social, e a Rio+20 não está sendo sensível a
isso do ponto de vista governamental.
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sentido contrário à economia verde"
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DIRETO DA REDAÇÃO
O Canadá é hoje um dos maiores opositores da proposta de criação de
fundo de US$ 30 bilhões para o desenvolvimento sustentável. Por que, já
http://oglobo.globo.com/rio20/bens-da-natureza-sao-bens-comuns-nao-de-mercado-diz-boaventura-de-sousa-santos-5225625[18/06/2012 17:16:06]
Bens da natureza são bens comuns, não de mercado, diz Boaventura de Sousa Santos - O Globo
que o Canadá sempre pautou sua diplomacia internacional pela
solidariedade?
SANTOS: O Canadá mudou totalmente de posição. Em 1992, era uma
força de paz e também de solidariedade internacional. Era um país com
uma presença internacional, que procurava ser uma alternativa aos
Estados Unidos. Hoje, o Canadá, por vezes, é menos agressivo, até
mesmo que os Estados Unidos, em defesa do neoliberalismo e de suas
empresas internacionais, sobretudo as de mineração. Ou ouro, na
América Latina. Nesses últimos 20 anos, o que ocorreu é que as
multinacionais passaram a ter uma presença mundial impressionante e,
hoje, elas são responsáveis por 50% do produto interno bruto (PIB)
mundial. Esse poder econômico de grandes proporções está fazendo
com que as multinacionais passem a influenciar governos nacionais, na
alteração da legislação, inclusive a ambiental. A melhor prova é o que
ocorreu no Brasil recentemente com o Código Florestal, que, apesar dos
problemas internos específicos, tem dinâmicas internacionais. Em todos
os países do mundo, sobretudo na Europa, tem ocorrido um enorme
retrocesso nas legislações ambientais. Nem mesmo as forças de
esquerda da Europa falam mais de desenvolvimento sustentável. Hoje, só
se fala em crescimento. Ora, crescimento infinito, com exploração sem
limites da Natureza, é insustentável. A agenda ecológica e ambiental
desapareceu na Europa desde que a crise começou. Nos bastidores das
discussões, há um trabalho lento e oculto, via lobby em parlamentos, que
vem alterando a legislação ambiental em quase todos os países do
mundo. É um retrocesso global.
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O senhor acha que a agenda da Rio+20 foi capturada por esse
retrocesso?
SANTOS: Não tenho a menor dúvida, até porque são essas forças
hegemônicas e retrógradas que estão atuando de forma invisível nos
bastidores da Rio+20. Basta ver que não se pretende nenhum tipo de
compromisso obrigatório na conferência, depois de sabermos o que
ocorreu com o Protocolo de Kioto. Logo, não há motivo para estar
otimista.
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