Fusão de Dados em Ensaios Não Destrutivos Utilizando Decisão Fuzzy para a Avaliação de Soldas Obtidas
pelo Processo de Fricção Linear
(Data Fusion in Non Destructive Testing Using Fuzzy Logic to Evaluate Friction Stir Welding)
Telmo Gomes dos Santos1, Bruno Santos Silva1, Pedro dos Santos Vilaça1, João M. C. Sousa2, Luísa Quintino1
Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico, Instituto de Engenharia Mecânica, Secção de Tecnologia Mecânica, Lisboa, Portugal, [email protected], [email protected]
2
Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico, Instituto de Engenharia Mecânica, Centro de Sistemas Inteligentes, Lisboa, Portugal
1
Resumo
Os últimos desenvolvimentos em Ensaios Não Destrutivos (END) têm-se caracterizado pela criação de sistemas de inspeção
integrados que agregam técnicas distintas de END através da fusão dos seus dados. Este procedimento visa tirar partido da
diversidade, complementaridade e redundância das várias técnicas, com o objectivo de criar sistemas sinérgicos mais confiáveis,
aumentar a rapidez da inspeção e reduzir custos. Neste trabalho apresenta-se um sistema integrado de END para a Soldagem
por Fricção Linear (SFL) designado QNDT_FSW. O sistema proposto utiliza fusão de dados com decisão fuzzy para agregar
os resultados da inspeção por Ultra-sons, ToFD e Correntes de Eddy. O objetivo é conseguir um sistema de inspeção completo
e automático para a Soldagem por Fricção Linear dispensando a intervenção de um perito em END. Os três tipos de sondas
fornecem informação que é tratada através de um algoritmo de fusão de dados com implementação computacional, o qual
devolve Índices de Defeito Interno (IDI) e Índices de Defeito na Raíz (IDR) para cada secção do cordão de solda. Os testes
experimentais do QNDT_FSW demonstraram a sinergia do sistema e forneceram resultados concordantes com a real qualidade
dos cordões de solda, tratando-se portanto de uma metodologia de END válida.
Palavras-chave: Ensaios não destrutivos. Soldagem por fricção linear. Fusão de dados. Decisão fuzzy.
Abstract: Recent developments in Non Destructive Testing (NDT) have been characterized by integrated inspection systems
that aggregate different NDT techniques based on data fusion. This procedure benefit from diversity, complementarity and redundancy of the various techniques, in order to develop more sophisticated and reliable synergetic systems, to increase speed
and to enable costs reduction. This work addresses an integrated system of non destructive characterization for Friction Stir
Welding (FSW) named QNDT_FSW. The proposed system uses data fusion with fuzzy logic in order to integrate the results of
Ultrasound inspection, ToFD and Eddy Currents. The main goal is to achieve a complete and automatic inspection system for
FSW with no need of an expert in NDT. Three types of probes supply the information that is treated through an algorithm of data
fusion with computational implementation, which returns the Root Defect Index (RDI) and the Internal Defect Index (IDI) for
each bead sections. In first simulations trials the QNDT_FSW system was able to detect all the defects previously introduced in
weld trials of test specimens. Thus, the QNDT_FSW system shown to be a valid methodology for NDT of FSW.
Key-words: Non destructive testing. Friction stir welding. Data fusion. Fuzzy logic.
1. Introdução
O processo de Soldagem por Fricção Linear (SFL) foi
inventado em Dezembro de 1991 pelo The Welding Institute,
representando hoje um dos mais importantes desenvolvimentos na tecnologia de soldagem das últimas décadas. No
entanto, a transferência e consolidação industrial do processo
necessitam ainda de técnicas confiáveis de END, cujo estado
(Recebido em 14/07/2006; Texto Final em 03/07/2007).
Soldagem Insp. São Paulo, Vol. 12, No. 3, p.179-187, Jul/Set 2007
atual de desenvolvimento não permite a detecção dos defeitos
(o termo mais correto em END é descontinuidades, mas será
usado o termo defeito com o pressuposto de que qualquer
descontinuidade presente constitui um defeito prejudicial)
com importância no desempenho estrutural, sob esforços
estáticos e de fadiga, assim como a resistência à corrosão
dos componentes soldados [1].
Dada a localização e a especificidade morfológica dos
defeitos característicos da SFL, a sua detecção e dimensionamento torna-se muito difícil. Por isso não existe uma
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Santos, T. G.; Silva, B. S.; Vilaça, P. S.; Sousa, J. M. C.; Quintino, L.
técnica de END, que usada individualmente, assegure uma
inspeção completa e confiável [1], [2]. Para superar este
problema têm sido desenvolvidos alguns trabalhos, com
destaque para o projecto europeu QUALISTIR [3], no qual
se estudou a aplicação de técnicas avançadas de ultra-sons
por phased array. Uma das conclusões deste estudo refere
a necessidade de integrar diferentes técnicas de END com
vista à obtenção de melhores resultados.
Os últimos desenvolvimentos em END para outras aplicações, têm-se caracterizado por inspeccionar com sondas
baseadas em diferentes fenómenos físicos para melhorar o
desempenho das inspeções e reduzir os falsos negativos e
falsos positivos de acordo com os critérios Probability of
Detection (PoD) e Relative Operating Characteristic (ROC)
[4], [5]. Alguns estudos referem uma inspeção mais confiável
usando técnicas complementares num sistema integrado, a
saber: ultra-sons, raios-X, e correntes de Eddy [6]. Nestas
condições, os dados são tratados posteriormente com algoritmos computacionais de fusão de dados, beneficiando da
redundância, complementaridade e diversidade das várias
técnicas. A incerteza, imprecisão, ambiguidade e conflito
da informação proveniente dos diferentes END são outra
motivação para aplicação de fusão de dados. As principais
técnicas de fusão de dados são a probabilística, a estatística,
a lógica fuzzy, a teoria da evidência de Dempster-Shafer
(TEDS) e a inteligência artificial [4], [5]. O conceito de fusão
de dados tem aplicações em áreas muito diversificadas, que
vão desde a indústria militar à medicina, mas a sua aplicação
em END para SFL é desconhecida.
Este trabalho multidisciplinar tem como objectivo a criação de um sistema integrado de END para a especificidade
da SFL. O sistema é composto por duas partes distintas:
1) Hardware – chassis que incorpora, posiciona e transporta as várias sondas de três técnicas de inspeção distintas:
ultra-sons (eco-pulso creeping e medição de atenuação), Time
of Flight Fiffraction (ToFD) e correntes de Eddy;
2) Software – algoritmo de fusão de dados com implementação computacional e respectiva interface gráfica. Este
algoritmo fornece o índice de defeito interno (IDI) e índice
de defeito na raiz (IDR) para cada secção do cordão de solda. O IDI e IDR são o resultado da fusão da informação de
todas as técnicas de END, e são propostos como metodologia
alternativa para avaliar a qualidade global da SFL.
Pretende-se desta forma automatizar a inspeção, aumentar a sua confiabilidade e reduzir a intervenção de um perito
em END, deixando a este apenas a decisão final de aceitação
ou rejeição dos resultados do sistema. Este é um aspecto importante dado que o fator humano (experiência, treinamento,
qualificação, personalidade) é identificado como um dos
elementos principais que afeta a confiabilidade dos END.
Neste artigo começará por se fazer uma breve referência
à SFL, em termos dos fundamentos do processo, defeitos e
aplicabilidade dos END. Apresentam-se alguns elementos
de decisão fuzzy usados no algoritmo de fusão de dados, descreve-se em detalhe o sistema Quantitative Non Destructive
Testing for FSW – QNDT_FSW e discute-se os resultados
obtidos com o teste do QNDT_FSW em alguns cordões de
solda. Por fim, apresentam-se as conclusões.
2. Soldagem por fricção linear
2.1. O processo de SFL
Na SFL a ligação metálica realiza-se a temperaturas inferiores à temperatura de fusão dos materiais envolvidos, o que,
em comparação com os processos de soldagem por fusão,
resulta em menores distorções e tensões residuais, como
consequência direta da menor entrega térmica envolvida.
A solda é formada pela introdução, na junta definida pelas
peças a serem ligadas, de uma ferramenta cilíndrica, não
consumível, e animada de movimento de rotação, conforme se representa na Fig. 1a). O corpo da ferramenta define
uma base da qual se destaca um pino com um comprimento
correspondente à penetração desejada. Após se estabelecerem as condições termo-mecânicas adequadas com o pino
penetrando em toda a sua extensão na junta de soldagem e a
base estando em contacto com a superfície das peças a ligar,
inicia-se o movimento linear relativo entre as peças a soldar
e a ferramenta, que mantém a sua velocidade de rotação.
O movimento da ferramenta ao longo da junta gera calor, resultante do fluxo viscoplástico imposto nos materiais
(dissipação viscosa devido ao atrito interno), e do atrito
interfacial desenvolvido entre os materiais a serem soldados
e a ferramenta de SFL [7], [8], [9].
Figura 1. Soldagem por fricção linear
a) Representação esquemática; b) Exemplo de cordão de solda
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2.2. Defeitos na SFL e aplicabilidade dos END
Apesar da boa repetitibilidade do processo de SFL permitir implementar metodologias de garantia total de qualidade,
existem defeitos que podem ocorrer nos cordões de SFL.
Estes defeitos são muito sensíveis a pequenas variações dos
parâmetros do processo, típicas do ciclo de produção em
ambiente industrial, tais como: preparação inadequada das
juntas, falta de penetração do pino, variação da força vertical de forjagem ou deficiente fluxo viscoplástico. A Fig. 2
mostra uma macrografia da secção transversal de um cordão
de solda em juntas topo-a-topo. Nela podem ser observados
alguns dos principais tipos de defeitos da SFL.
De entre os 9 tipos de defeitos identificados nas juntas
topo a topo [7], destacam-se dois grupos de defeitos de particular interesse, que foram abordados neste trabalho: defeitos
na raiz do cordão e defeitos no interior do cordão. A Tabela
1 resume os tipos de defeitos que o sistema QNDT_FSW se
propõe detectar, bem como as respectivas técnicas de END
aplicáveis. O sistema apenas indicará a existência de defeitos internos ou defeitos na raiz, não distinguindo defeitos
pertencentes ao mesmo grupo.
Figura 2. Macrografia da secção transversal de um cordão de SFL com alguns defeitos típicos [7]
Tabela 1. Defeitos na SFL e aplicabilidade dos diferentes tipos de END
*
Nota: O ToFD apenas detecta o defeito de kissing-bond, depois da propagação da fissura
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3. Fusão sensorial utilizando decisão fuzzy
[
γ
γ
T (µ1 , µ 2 ) = max 0, 1 − (1 − µ1 ) + (1 − µ 2 )

3.1. Teoria da decisão fuzzy
A teoria dos conjuntos fuzzy, proposta em 1965 por Lotfi
Zadeh, é uma metodologia que permite tratar matematicamente realidades envolvendo incerteza e imprecisão. Pode-se
considerar uma generalização da lógica booleana, onde para
além de fazer corresponder 0 para valores falsos e 1 para
valores verdadeiros, também permite valores entre eles.
Considerando que U é o universo de discurso de u, então
um conjunto fuzzy no universo U define um mapeamento de
U para o intervalo [0,1] através de uma função de pertença
µ A (u ) :
µ A (u ) : U → [0,1]
(
S (µ1 , µ 2 ) = min1, µ1γ + µ 2γ

)
1
γ
]
1
γ
, γ > 0


, γ > 0


(2)
(3)
Os agregadores anteriores modelam situações de intersecção e união de critérios, respectivamente. Mas por vezes
é necessário outro tipo de compensação tal como calcular
médias entre os vários critérios. O operador média generalizada modela esta situação convenientemente. Para dois
valores min e max quaisquer entre 0 e 1, as três classes de
operadores permitem cobrir todo o espectro de agregação
desde a menor norma triangular TW = 0 até à maior co-norma
triangular SW = 1 , conforme se pode observar na Fig. 3.
(1)
Para cada u ∈ U a função de pertença µ A (u ) indica
o grau de pertença de u, ou seja, o quanto u pertence ao
conjunto A. O grau de pertença varia de 0, onde u não pertence ao conjunto A, até 1, onde u pertence completamente
ao conjunto A.
3.2. Função de decisão e operadores de agregação fuzzy
As funções de decisão fuzzy combinam e traduzem matematicamente os objectivos do decisor, tendo em conta os
vários critérios envolvidos [11]. Assim, consegue-se modelar
a decisão final de acordo com as preferências específicas
de cada situação. Estas funções fazem uso de operadores
de agregação fuzzy para combinar os vários objetivos e
restrições que afectam a decisão [12], [13]. Os três tipos
de agregação mais usados em decisão fuzzy são: 1) Agregação conjuntiva ( ⊗ - normas triangulares), 2) Agregação
disjuntiva ( ⊕ - co-normas triangulares) e 3) Agregação
compensatória ( ∗ - médias generalizadas). Existe um conjunto de famílias de normas e co-normas triangulares com
determinados parâmetros que ao variarem, produzem um
vasto número de possibilidades para este operador. Na versão
de Yager, as equações da norma e co-norma triangulares são
dadas respectivamente por [14]:
Figura 3. Espectro de agregação dos operadores [14]
4. O sistema QNDT_FSW – Quantitative Non Destructive Testing for FSW
4.1. Descrição do sistema
O sistema QNDT_FSW permite a realização de uma
inspeção completa e automática para a SFL, recorrendo à
fusão dos dados provenientes de cada técnica de END. O
sistema é composto por duas partes distintas:
1) Hardware – chassis que incorpora, posiciona e transporta as várias sondas de três técnicas de inspeção distintas:
ultra-sons (eco-pulso creeping de 4MHz e medição de atenuação), ToFD de 15MHz e correntes de Eddy de 20kHz e
2MHz (Fig. 4);
2) Software – algoritmo de fusão de dados com implementação computacional e respectiva interface gráfica.
Todas as sondas são posicionadas do lado da raiz do
cordão porque aí os defeitos são mais importantes e porque
Figura 4. Dispositivo de inspeção laboratorial e sondas de inspeção
a) Chassis de transporte das sondas; b) Sondas de creeping e atenuação; c) Sondas ToFD; d) Sondas Eddy
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essa superfície permite um melhor acoplamento das sondas.
A inspeção por creeping é efetuada dos dois lados do cordão,
avanço e retrocesso, para fornecer informação redundante ao
algoritmo de fusão de dados. A inspeção por creeping é ainda
complementada com medição de atenuação, para que um
eventual defeito provoque simultaneamente um aumento dos
ecos de creeping e um abaixamento dos ecos da atenuação. A
captação simultânea destes dois sinais permite ao algoritmo
de fusão de dados distinguir entre ruídos e defeitos reais.
O dispositivo de inspeção percorre todo o comprimento
do cordão de solda com velocidade constante, fazendo a
aquisição de dados em várias secções com espaçamento
uniforme. O chassis desenvolvido garante que as condições
operacionais de inspeção se mantêm constantes ao longo
das secções.
O resultado final do algoritmo de fusão de dados consiste
no índice de defeito interno (IDI) e no índice de defeito na
raiz (IDR) para cada secção do cordão. Os IDI e IDR são
o resultado da fusão da informação de todas as técnicas de
END, e são propostos como metodologia alternativa para
avaliar a qualidade global da SFL.
O cálculo destes índices é precedido por três etapas:
Etapa 1 – Aquisição de dados: a informação adquirida
por cada sonda em cada secção do cordão é armazenada
em arquivos que contêm as coordenadas dos pontos que
definem 7 curvas de inspeção: creeping e atenuação para o
lado de avanço e de retrocesso (4 curvas), ToFD (1 curva)
e correntes de Eddy de alta e baixa frequência (2 curvas).
Os tipos de curvas obtidas são exemplificados na Fig. 5. As
características das curvas são idênticas às que tipicamente
se obtém noutros END com condições de inspeção equivalentes. A Fig. 5 apresenta uma curva de creeping com os
dois ecos das ondas longitudinais e transversais referentes a
uma descontinuidade na solda. A curva de atenuação indica
a intensidade sonora transmitida pela sonda de creeping
que chega à sonda de medição de atenuação. A curva do
ToFD é um A-scan comum e as curvas das correntes de
Eddy são um conjunto de pontos obtidos num intervalo de
tempo curto referentes aos valores do módulo e argumento
da impedância elétrica.
Figura. 5. Metodologia usada pelo sistema QNDT_FSW
a) Seccionamento do cordão e curvas obtidas em cada secção; b) Principais etapas
Tabela 2. Descrição das variáveis características Vi
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Santos, T. G.; Silva, B. S.; Vilaça, P. S.; Sousa, J. M. C.; Quintino, L.
Etapa 2 – Extração das variáveis características: a partir
das sete curvas fornecidas pelas sondas faz-se a extração de
nove variáveis características através de um sub-algoritmo
envolvendo tratamento de sinais. As variáveis características
Vi, i=1,…,9 traduzem por números aquelas propriedades
de interesse das curvas que normalmente são usadas pelos
peritos de END para identificar descontinuidades (Tabela 2).
A organização das variáveis características é feita em uma
matriz 9xN, onde 9 é o número de variáveis e N é o número
de secções do cordão de solda.
Etapa 3 – Fuzificação das variáveis características: a
matriz das variáveis características Vi é fuzificada com base
em 9 funções de pertença fuzzy, uma para cada linha da
matriz. Estas funções trapezoidais de pertença a defeito são
constituídas dinamicamente em função do valor das variáveis características em duas situações extremas: padrão de
defeito nulo (material base ou solda bead-on-plate) e juntas
com defeitos padrão muito intensos (defeito total), o que
permite a calibração do sistema (Fig. 6).
As funções de pertença finais, depois de corrigidas, correspondem à curva a contínuo da Fig. 6, onde Z l′ é dado pela
média do valor da variável característica Vi no caso do padrão
de defeito nulo, e Z u′ é dado pela média do valor da variável
característica Vi no caso do padrão de defeito total.
4.2. Cálculo dos índices de defeito
Os índices de defeito (IDI e IDR) para as N secções do
cordão de solda são calculados através de um algoritmo de
decisão fuzzy, composto por uma função de inferência fuzzy,
que engloba alguns operadores de agregação descritos em
§3.2. Por apresentar vantagens consideráveis foi introduzido
o conceito de hierarquia de operadores na construção da função de inferência, conforme se mostra na Fig. 7. O critério de
escolha desta estrutura está relacionado com o conhecimento
pericial dos autores em matéria de END na SFL, e com uma
escolha de operadores visando aumentar o efeito sinérgico do
algoritmo de fusão de dados. Ilustram-se alguns exemplos:
para A1 que agrega µ1 e µ3 escolheu-se um operador média
porque se trata de informação redundante, ou seja, estas variáveis características fuzificadas medem a mesma grandeza
por meio de sensores iguais. Deste modo, o operador média
visa reduzir a incerteza. Para o operador A3 escolheu-se uma
norma triangular porque esta agregação do tipo conjuntivo
simula convenientemente a condição de simultaneidades que
é necessária para se estar na presença de um defeito e não na
presença de uma perturbação do sinal. Sendo A3 o resultado
A1 e A2 referentes à mesma inspeção mas em lados diferentes
do cordão (lado de avanço e retrocesso), então espera-se que
Figura 6. Determinação das funções trapezoidais de pertença a defeito
Figura 7. Arquiteturas da função de inferência fuzzy para IDI e IDR, respectivamente
(M: Operador média ponderada, T: Operador norma triangular, S: Operador co-norma triangular)
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exista uma concordância em ambas as fontes de informação,
dai a escolha deste operador conjuntivo. Para o operador
A6 optou-se por uma co-norma triangular uma vez que este
operador disjuntivo garante que para existir defeito basta a
indicação positiva das correntes de Eddy (resultado de A5)
ou dos ultra-sons (resultado de A4).
4.3. Output do sistema
Como se referiu anteriormente, os objetivos do
QNDT_FSW são aumentar a confiabilidade da inspeção
e garantir a automatização do processo de detecção de
defeitos dispensando a intervenção de um perito em END
na fase de interpretação dos sinais recebidos, ficando apenas a seu cargo a tomada da decisão final. Nesse sentido,
a parte de software do sistema inclui uma interface gráfica
(Fig. 8) que permite de forma simples ter acesso a todos os
resultados produzidos pelo sistema: a evolução do IDI e
IDR é apresentada graficamente em cada secção; pode-se
ter acesso a cada uma das curvas das técnicas de END em
qualquer secção; é possível a representação tridimensional
dos resultados de algumas técnicas ao longo de todo o cordão, entre outras funções.
5.1. Descrição dos testes
Com vista ao teste do sistema QNDT_FSW foram produzidos vários cordões de SFL na liga AA5083-H111 com
7mm de espessura usando as ferramentas e os parâmetros
de soldagem indicados na Tabela 3.
A Fig. 9 mostra a aparência visual das soldas usadas para
testar o QNDT_FSW. A Fig. 9b) representa uma macrografia
transversal do padrão de solda de defeito nulo (solda beadon-plate) e a Fig. 9c) e Fig. 9d) mostram as macrografias dos
padrões de defeito muito elevado com defeitos em volume
e na raiz, respectivamente.
Figura 8. Interface gráfica do Sistema QNDT_FSW
a) IDI e IDR ao longo das secções do cordão de solda; b) A-scan do ToFD; c) Representação 3D do ToFD
Tabela 3. Ferramentas e parâmetros de soldagem
Figura 9. Cordões de solda usados para testar o Sistema QNDT_FSW
a) Amostras na liga AA5083-H111; b) Padrão defeito nulo; c) e d) Padrão defeito total
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5.2. Análise dos resultados obtidos
O sistema QNDT_FSW foi testado em diversas amostras
de cordões de SFL com diferentes níveis e natureza de defeitos, contudo, por questões de espaço será focada a análise de
resultados em apenas uma dessas amostras. Os resultados da
aplicação do sistema são apresentados em termos de índice
de defeitos internos (IDI) e índice de defeitos na raiz (IDR)
para cada secção do cordão de solda. Estes índices de defeito
são calculados com as funções de inferência fuzzy descritas
em §4.2, sendo o resultado da fusão de todas as técnicas de
END. Um índice de defeito igual a 100% significa um alto
nível de defeito, similar ao padrão de defeito total (Fig. 9),
e um índice de defeito igual a 0% significa ausência total de
defeito. Considera-se que 30% é um nível crítico de defeito,
e portanto de rejeição da solda, mas este critério depende
muito da aplicação em causa.
A Fig. 10 mostra o resultado da aplicação do QNDT_
FSW para três cordões de solda sucessivos produzidos com
a ferramenta #1 usando um comprimento do pino de 6.8mm.
A diferença entre estes três cordões é a velocidade de avanço
linear: 160mm/min das secções 1 a 11, 224mm/min das secções 12 a 21 e 320mm/min das secções 22 a 34. Os IDI e IDR
calculados pelo sistema são comparados com o aspecto visual
da superfície de topo e da raiz dos cordões, com a imagem
de raios-X e com macrografias de algumas secções.
Os resultados apresentados na Fig. 10 mostram que os
IDI e IDR traduzem de forma bastante fiel o estado real da
qualidade das soldas, a saber: 1) Os keyholes resultantes
da saída da ferramenta (localizados nas secções 1, 12 e
22) são indicados com elevada percentagem de IDI e IDR,
como seria de esperar; 2) Na secção 8 o IDI revela um vazio
interno. De fato as imagens de raios-X e da superfície de
topo do cordão confirmam a existência de um vazio interno
que se entende até à superfície. Por outro lado, o IDR não
é alterado pela presença de defeitos interno, o que atesta a
independência entre os índices; 3) As secções 14 a 18 apresentam uma percentagem de IDI bastante reduzida, o que
está correcto de acordo com a análise de raios-X. Contudo o
IDR mostra ser sensível à existência ao pequeno defeito na
raiz que existe nessas secções e que é conhecido pela análise
macrográfica e pelo comprimento do pino utilizado. É interessante notar que nessas secções os raios-X não permitem
detectar a existência desse defeito na raiz, pelas razões que
se conhecem; 4) O IDR é gradualmente superior ao longo
dos três cordões de solda, aumentando com o aumento da
velocidade de avanço. Este comportamento é esperado na
medida em que o comprimento do pino é 0.2mm inferior à
espessura da chapa, o que resulta num pequeno defeito na
raiz que aumenta com o aumento da velocidade de avanço.
Os resultados obtidos foram também avaliados sob outro
ponto de vista: fez-se a comparação do IDI e IDR com o
resultado que se obteria usando apenas uma das técnicas de
END, ou seja comparou-se estes índices com cada uma das
variáveis características fuzificadas. Desta comparação pode
verificar-se que o IDI e IDR reproduzem mais fielmente o
real estado da qualidade das soldas do que qualquer variável
característica usada individualmente. Estes resultados atestam o efeito sinérgico que decorre da utilização do algoritmo
de fusão de dados.
Figura 10. IDI e IDR para três cordões de solda consecutivos
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6. Conclusões
Apresentam-se seguidamente algumas conclusões
decorrentes do desenvolvimento e aplicação do sistema
QNDT_FSW:
- Foi desenvolvido e testado um novo sistema integrado de
END para a SFL chamado QNDT_FSW que usa fusão de
dados para agregar a informação de diferentes técnicas de
END em paralelo;
- A metodologia implementada propõe índices de defeito para
o interior (IDI) e para a raiz (IDR) dos cordões de solda como
forma de avaliar a qualidade global da soldagem;
- Usaram-se diferentes parâmetros para a soldagem de
cordões de SFL com vista à produção de soldas livres de
defeitos e também com defeitos internos e na raiz para testar
o sistema QNDT_FSW;
- Os IDI e IDR foram comparados com a análise visual não
destrutivas das superfícies de topo e da raiz do cordão, com a
imagem de raios-X e com os ensaios destrutivos metalográficos, e concluiu-se que estes índices refletem com elevada
fiabilidade a qualidade real das soldagens produzidas;
- Os IDI e IDR permitem concluir também que a fusão de
diferentes técnicas de END é uma vantagem comparativamente à utilização de cada uma individualmente devido à
sinergia resultante do algoritmo de fusão de dados;
- O algoritmo de fusão de dados baseado em decisão fuzzy
e funções de inferência fuzzy para END é uma abordagem
inovadora que demonstrou elevado potencial na aplicação
de END para a SFL. Este conceito não encaixa nas formas
tradicionais de fusão de dados e apresenta vantagens consideráveis comparativamente a metodologias como a inferência
bayesiana, a TEDS ou os motores de inferência fuzzy;
7. Agradecimentos
Os autores pretendem expressar o seu agradecimento às
seguintes instituições:
- FCT – Fundação Para a Ciência e a Tecnologia, Portugal,
pelo suporte financeiro do projecto POCI/EME/60990/2004
(NDTStir) e pela bolsa de doutoramento FCT – SFRH/
BD/29004/2006;
- ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade, Portugal, pelo
suporte técnico na realização dos END;
- TAP Portugal, pelo suporte técnico na realização dos
END.
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PSP3/Qualistir.html>. Acesso em: Junho 2007.
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International, v.33, p.351-362, 2000.
[7] VILAÇA, P. Fundamentos do Processos de Soldadura
por Fricção Linear: Análise Experimental e Modelação
Analítica: 2003. Dissertação (Doutoramento) - Instituto
Superior Técnico, Lisboa.
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