segundo vocal no direito. Isso precisava ser eficiente, para que ele pudesse ouvilos simultaneamente ou compará-los. E acabou que cantar desta maneira deu certo, mas eu não vou levar o crédito por refletir e dizer ‘É isso que eu quero que aconteça’. Simplesmente aconteceu. É assim que várias coisas acontecem. Muita coisa brilhante surge de casualidades. “Naquela época, Mike McLean tinha mudado, nos dois estúdios, de microfones tipo valvulados para microfones solidstate, então, para os vocais principais, usamos o Neumann U87, que é a versão solid-state do U67. Marvin se dedicou a fazer os vocais e muitas vezes ele voltava e tentava uma abordagem diferente. Para ‘What’s Going On’, ele fez os vocais no Studio B, usando o seu gorro de tricô, e tudo aconteceu muito tranquilamente.” Embora Gaye tenha adicionado os seus próprios vocais de apoio na forma do refrão “what’s going on”, ele também recrutou os seus amigos do Detroit Lions Mel Farr e Lem Barney para contribuir com um murmúrio de fundo junto com alguns dos Funk Brothers. Por outro lado, a introdução de sax contralto de Eli Fountain não fazia parte da visão original de Gaye, mas ele adorou a melodia e respondeu a declaração de Fountain de que ele estava “apenas brincando” lhe dizendo “você brincou primorosamente”. ‘What’s Going On’ O resultado, depois que Ken Sands cuidou da mixagem, foi uma canção de protesto como nenhuma outra que tinha sido lançada antes; um número que, em vez de perguntar “what’s going on” (“o que está acontecendo?”), respondeu isso relatando os conflitos da América e a luta pessoal de Marvin Gaye sem mágoa ou raiva. De maneira relaxada e despreocupada que exalava empatia e compreensão, Gaye usou um “father, father” em referência às suas conturbadas relações com Deus e o patriarca que acabou matando-o, e passou ao “brother, brother, brother” como um apelo não só para o seu irmão Frankie, veterano do Vietnã, mas para toda a humanidade. “Veja bem, a guerra não é a solução, Porque só o amor pode vencer o ódio,” Gaye entoava, misturando a espiritualidade vocal das suas raízes gospel com a emoção e calor das pausas de sax e ritmos de jazz da canção, mas isso não impressionou Berry Gordy. Pelo contrário, considerando ‘What’s Going On’ como “jazz demais”, depois que Gaye a apresentou a ele com o religiosamente inspirado lado B ‘God Is Love’, o presidente da Motown se recusou a lançar o single. A possibilidade de as declarações políticas de Gaye indisporem certos ouvintes brancos não pode ter sido a principal preocupação de Gordy – no começo dos anos 1970, ele tinha aprovado o lançamento de ‘War’ do Edwin Starr e ‘Ball Of Confusion’ dos Temptations (mixado por Ken Sands com o produtor Norman Whitfield). Ele simplesmente não gostou de ‘What’s Going On’, dizendo a Harry Balk – que tinha vendido os seus selos Impact e Inferno para a Motown antes de dirigir a sua Creative Division – que ela soava “velha” e que ele odiava o “ jazz cantarolado no estilo do Dizzy Gillespie”. Marvin Gaye respondeu se recusando a gravar qualquer outro material até ‘What’s Going On’ser lançada e, quando Gordy pediu para Smokey Robinson – o então Vice Presidente da Motown, além de um dos seus maiores astros – convencer o Príncipe do Soul a mudar de ideia, Robinson o informou que “como um urso defecando na floresta, Marvin não vai mudar de posição.” O impasse durou vários meses até janeiro de 1971, quando Harry Balk encorajou o lançamento do single. Billie Jean Brown do Controle de Qualidade discordou, então eles recorreram ao Vice Presidente de Vendas Barney Ales, que tomou o partido de Balk, resultando em 100.000 cópias sendo produzidas e singles promocionais sendo enviados a estações de rádio. Gordy se aquietou quando o single esgotou em 24 horas, levando à produção de mais 100.000 discos para satisfazer a demanda e ‘What’s Going On’ alcançando o primeiro lugar na parada de R&B naquele março. Chegando ao segundo lugar na Billboard Hot 100, ela acabou vendendo mais de dois milhões e meio de cópias, tornando-a o lançamento de vendagem mais rápida na história da Motown até aquela época. Então, previsivelmente, Berry Gordy autorizou a gravação de um álbum inteiro para aproveitar o sucesso do single. Ken Sands foi responsável pelos instrumentos de cordas e sopro naquelas sessões junto com David Van DePitte no Studio B, gravando também os vocais principais e alguns vocais de apoio. A seção de ritmo e outras partes foram gravadas no Studio A, nos United Sound Studios de Detroit e no The Sound Factory no oeste de Hollywood antes de, de acordo com Sands, ele fazer a mixagem final no décimo andar do Motown Center. Concluído em maio de 1971 e lançado naquele mesmo mês, What’s Going On foi o primeiro álbum de Marvin Gaye a lhe dar um crédito como produtor solo. “Steve Smith fez algumas mixagens e eu fiz a final,” Sands recorda, desmentindo a sabedoria popular de que, depois que ele chegou em LA para o projeto de um filme, Gaye descartou a ‘The Detroit Mix’ e remixou o álbum para dar a ele uma sensação ainda mais leve e mais suave. “Foi a minha mixagem que eu ouvi na rádio,” Sands insiste, “e aquele foi o meu último trabalho para a Motown antes de a empresa mudar para a Costa Oeste.” De qualquer maneira, What’s Going On permaneceu na Billboard Top 200 durante mais de um ano, vendendo mais de dois milhões de cópias, sendo nomeado ‘Álbum do Ano’ pela Rolling Stone, que, em 2003, o colocou no sexto lugar na sua lista dos ‘500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos’. Adeus para tudo isso Mas o sucesso do projeto não conseguiu desviar Ken Sands das suas raízes e fazêlo se juntar à Motown na sua viagem até o outro lado do país. “A minha primeira esposa não queria deixar a família e os amigos em Detroit,” ele explica. “Então ficamos aqui... e mais tarde nos divorciamos. Mesmo assim, não posso reclamar. Eu sou abençoado. Não tinha como dar errado na Motown, e eu mal podia esperar para chegar lá todo dia, porque ficava ansioso para saber o que estava acontecendo com uma música específica, ter um feedback sobre o que eu tinha acabado de fazer ou saber quem, na opinião de Berry, faria mais sucesso. Era empolgante trabalhar lá. Eu também estava buscando o meu caminho, mas tive a sorte de trabalhar com alguns dos melhores profissionais do mundo, desde artistas, compositores, produtores e engenheiros até o pessoal de marketing e promoção. “Quero dizer, onde mais eu poderia ganhar $90 para tocar um pattern de bateria na minha barriga para ‘Shadows of Society’ da Diana Ross e The Supremes? Brian Holland tinha feito isso na parte de trás de uma cadeira em algumas músicas no começo dos anos 1960. Então, quando o [compositor] Jack Goga disse que queria aquele som quando eu estava mixando o álbum Cream Of The Crop, eu fui ao estúdio, bati na minha barriga com as mãos em concha e fui recompensando com um cheque. A minha barriga é famosa!” w w w . s o u n d o n s o u n d . c o m . b r / Julho 2011 91