PADRÕES E CERTIFICAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO MERCADO
INTERNACIONAL DE BIOENERGIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA
[email protected]
APRESENTACAO ORAL-Instituições e Desenvolvimento Social na Agricultura e
Agroindústria
BRUNO BENZAQUEN PEROSA; PAULO FURQUIM DE AZEVEDO; PERY
FRANCISCO ASSIS SHIKIDA; FELIPPE CAUÊ SERIGATI; MATHEUS GIRARDI
CAVALARI.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, SÃO PAULO - SP - BRASIL.
Padrões e Certificações Socioambientais no Mercado Internacional
de Bioenergia: uma abordagem teórica
Socio-Environmental Sustainability Standards and Certification on
the International Bioenergy Market: a theoretical perspective
Grupo de Pesquisa: Instituições e Desenvolvimento Social na Agricultura e Agroindústria
Resumo:
A questão da sustentabilidade socioambiental de biocombustíveis tem se tornado cada vez mais
relevante para expansão do mercado mundial destes produtos. Este artigo procura analisar fatores
que influenciarão o processo de certificação socioambiental de biocombustíveis pela ótica de dois
aportes teóricos ligados ao institucionalismo: a Nova Economia Institucional e a Sociologia
Econômica. Dentre os pontos analisados estão questões relativas a definição de direitos de
propriedade em bens ambientais, custos de mensuração e estruturas de governança, dependência de
trajetória tecnológica e institucional, externalidades de rede, construção social dos mercados e a
legitimidade de sistemas de certificação. A partir desta abordagem teórica são traçados perspectivas
para o desenvolvimento das certificações no mercado de biocombustíveis.
Palavras-chave: biocombustíveis; sustentabilidade; socioambiental; padrões; certificações
Abstract:
The socio-environmental sustainability of biofuels is a necessary condition to the expansion of
these products on the international market. This paper aims to analyze the main factors affecting
the development of socio-environmental certification systems through the perspective of two
institutional theoretical approaches: New Institutional Economics and Economic Sociology.
Among the issues analyzed can be mentioned property rights definition of environmental goods,
measurement costs and governance structures choices, technological and institutional path
1
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
dependence, network externalities and legitimacy of certification systems. Considering this
theoretical review this paper made some exploratory considerations about the future development
of certifications on the biofuels market.
Key words: biofuels; sustainability; socio-environmental; standards; certification
1. Introdução e Justificativa
A adoção de biocombustíveis em vários países tem levantado várias questões no que se
refere à sustentabilidade socioambiental destes produtos. Apesar de este tipo de
questionamento ocorrer na maioria dos mercados para bens agrícolas, no caso de
biocombustíveis esta questão é crucial, pois a própria demanda por este tipo de bem
depende do argumento ambiental e de sua eficiência em relação aos combustíveis
derivados do petróleo.
Ademais, a internacionalização da produção dos biocombustíveis em países da África e
América Central reforça os questionamentos sobre a viabilidade de se produzir de forma
sustentável em áreas com condições sócio-econômicas e institucionais tão diversas. Neste
sentido, questiona-se sobre a possibilidade de se estabelecer padrões internacionais de
sustentabilidade, dada a grande heterogeneidade de condições socioeconômicas e,
sobretudo, institucionais dos países produtores. Seria possível estabelecer os mesmos
padrões de exigência socioambiental para o Brasil e para Angola?
Diversos problemas relativos à sustentabilidade socioambiental da produção de bens de
bioenergia têm sido mencionados em relatórios e estudos acadêmicos. Dentre estes, podese mencionar esgotamento de recursos naturais (deterioração do solo e contaminação de
recursos hídricos), concentração da estrutura fundiária, competição com culturas
alimentares, perda de biodiversidade, emissões de gases causadores do efeito estufa e
questões trabalhistas (WWF, 2007).
A comprovação da sustentabilidade na produção e comércio destes bens é um dos
pontos cruciais para viabilizar a construção de um mercado internacional para bioenergia.
A implementação de acordos internacionais poderia garantir o cumprimento destes
padrões. Contudo, estes mecanismos apresentam limitações de aprovação em processos
diplomáticos, dificultando a especificação de regras detalhadas para todos os atributos
socioambientais relevantes. De forma similar, legislações em âmbito nacional que focam
questões ambientais e trabalhistas também poderiam ser utilizadas para regular a
sustentabilidade da produção de biocombustíveis. Apesar de não esbarrarem em problemas
diplomáticos, tais legislações também enfrentam dificuldade de aprovação na esfera
legislativa, estando suscetíveis a pressões de grupos de interesse. De toda forma, tais
mecanismos de regulação são fundamentais para estabelecer princípios básicos de
sustentabilidade a serem cumpridos.
Nos últimos anos, mecanismos de governança privada têm sido utilizados como forma
de complementar legislações nacionais e internacionais de bens ambientais. Apesar de não
poderem ser classificados como uma ferramenta de regulação, a utilização destas
certificações têm facilitado a transmissão de informações sobre critérios socioambientais
em diversos mercados agrícolas. Um exemplo interessante se observa no setor florestal.
2
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Apesar de serem parcialmente reguladas por acordos internacionais como o Protocolo de
Kyoto, as atividades neste setor tem sido objeto de certificações privadas, que hoje
constituem um dos principais critérios socioambientais para atividades econômicas
envolvendo florestas (Cashore, 2002).
Outras certificações já vêm sendo amplamente utilizadas em vários outros mercados
agrícolas, notadamente de alimentos. Os selos orgânicos são um exemplo de sucesso e hoje
representam o principal mecanismo para transmissão de informações sobre o cumprimento
de padrões nestes setores. Segundo Barzel (2003), o uso de padrões permite a redução dos
custos de mensuração em transações multilaterais e impessoais, tornando mais eficiente o
mecanismo de mercado. Se a certificação fosse capaz de garantir o cumprimento destes
padrões, não haveria necessidade de mecanismos de regulação estatais ou de solução
inteiramente privadas, como a integração vertical.
No caso dos biocombustíveis, a certificação socioambiental permitiria a mensuração de
características que não são diretamente observáveis pelos consumidores. Aspectos como a
emissão de gases, o uso de trabalho infantil e outras questões inerentes aos processos de
produção e uso de biocombustíveis poderiam ser incorporadas a características físicas
como a quantidade de energia e rendimento em termos de quilometragem, dando ao
consumidor a possibilidade de comparar diferentes dimensões do produto.
O desenvolvimento das certificações no mercado de biocombustíveis ainda se mostra
incerto. Critérios de sustentabilidade socioambiental já estão presentes em transações
bilaterais por meio de cláusulas contratuais sob fiscalização de terceira parte. Em
comparação com as certificações multilaterais, estes arranjos tendem a gerar custos de
transação mais elevados, pois demandam o desenho de mecanismos contratuais mais
específicos para assegurar o cumprimento dos padrões acordados. A viabilidade de se
utilizar cada opção dependeria de características do produto e das transações, como
freqüência e nível de incerteza entre as partes. Caso os custos de se estabelecer uma
certificação seja muito elevado, o uso de contratos bilaterais poderia prevalecer como
forma de transacionar no mercado internacional. Além do custo, outras questões ligadas ao
estabelecimento de mecanismos de certificações, como a reputação e legitimidade dos
atores envolvidos nesta atividade, podem afetar a forma de governança prevalecente neste
mercado.
Contudo, o sucesso em outros mercados agrícolas sugere que a certificação privada
possui grande potencial para transmissão de características socioambientais de
biocombustíveis. Sob tal perspectiva, este artigo pretende analisar as principais questões
que devem afetar a trajetória de desenvolvimento das certificações socioambientais no
mercado de biocombustíveis, destacando seus pontos fortes e fragilidades.
Com intuito de fornecer uma análise mais aprofundada da expansão das certificações
socioambientais no mercado de biocombustíveis, este estudo se iniciará com uma revisão
teórica de aportes que expliquem questões ligadas ao uso de padrões, certificações e
formas de governança para bens ambientais. Em seguida, à luz dos conceitos teóricos
apresentados, será feita uma discussão exploratória sobre as tendências observadas em
outros mercados agrícolas e a trajetória esperada nas certificações socioambientais de
biocombustíveis. Ao final estarão as considerações finais e futuros passos desta pesquisa.
2. Revisão Teórica
3
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
A presente seção apresentará aportes teóricos que tratam de questões relacionadas ao
estabelecimento de padrões e certificações. Serão discutidos conceitos de duas correntes
teóricas oriundas do institucionalismo: a Nova Economia Institucional e a Sociologia
Econômica. A escolha dos tópicos foi feita visando ressaltar e comparar pontos ligados ao
surgimento e desenvolvimento de padrões, certificações e outras formas de governança
privada. Apesar de se tratar de uma discussão mais abstrata, será dado maior enfoque às
instituições ligadas a questões como a certificação e sustentabilidade.
2.1 Definição de Direitos de Propriedade em Bens Ambientais
A teoria econômica tradicional trata os direitos de propriedade como perfeitamente
definidos, não havendo custos de transação na sua obtenção e defesa. A flexibilização
desta hipótese, considerando a existência de custos de transação na definição dos direitos
de propriedade, motivaram o surgimento de diversas correntes na literatura econômica.
Nesse sentido, alguns ramos da Nova Economia Institucional (NEI) têm se dedicado a
entender os efeitos da definição parcial e custosa dos direitos de propriedade sobre o
comportamento dos agentes econômicos. Outras vertentes da NEI focam o processo de
mudança institucional, considerando as instituições como endógenas (Mueller et al., 2005).
Vale ressaltar que a NEI considera um amplo espectro de instituições formais e informais,
como leis, normas e costumes sociais.
Dentre estas correntes, um importante ramo se desenvolveu buscando analisar o impacto
da definição de direito de propriedade sobre a eficiência e o bem estar social. Em “The
Problem of Social Cost”, Ronald Coase (1960) estabeleceu uma discussão sobre a
definição de direitos de propriedade de bens públicos. O chamado Teorema de Coase
aborda este problema, ressaltando o papel das externalidades que dificultam a alocação
eficiente destes recursos.
Um exemplo tradicionalmente usado para explicitar esta relação seria um rio onde uma
fábrica despeje seus dejetos e um fazendeiro retire a água para irrigar sua plantação
(Mueller et al., 2005). A poluição reduz a renda do fazendeiro, porém ele pode construir
uma estação de purificação a um custo menor do que sua perda em usar água poluída. A
fábrica teria como evitar a poluição pela adoção de um filtro cujo valor é ainda menor do
que a construção da estação de purificação. Caso as duas partes encerrassem suas
atividades o prejuízo seria maior para ambas. O dilema que se propõe é qual tipo de regra
resolveria este problema da forma mais eficiente.
Coase conclui que, caso não houvesse custos de transação, a simples definição dos
direitos de propriedade levaria a alocação eficiente dos recursos. No caso descrito acima, a
fábrica e o fazendeiro negociariam voluntariamente, obtendo a solução ótima.
Independentemente da questão distributiva (quem detém o direito de propriedade levaria a
maior parcela da renda), o teorema sugere que a alocação inicial de direitos de propriedade
não afetaria a eficiência econômica de sua alocação.
Esta conclusão do Teorema de Coase tem sido amplamente aplicada na definição de
direitos de propriedade de bens ambientais (Chichilnisky, 2006). Mercados criados para
internalizar externalidades seguiriam esta regra, não considerando a relação entre
eficiência e equidade. O mercado de carbono criado no protocolo de Kyoto seria um bom
exemplo disso. Por esta lógica, somente seria necessário criar mecanismos de troca que
4
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
reduzissem os custos de transação, permitindo aos agentes econômicos o intercâmbio das
cotas de emissões, independente de quem receberia os direitos de emissões.
Chichilnisky (2006) demonstra que tal conclusão advém da forma como os bens
ambientais vêm sendo classificados como bens privados, sendo rivais em consumo. A
autora defende que os bens ambientais, como a poluição, deveriam ser tratados como bens
públicos, apesar de guardarem certas diferenças em relação a bens públicos
tradicionalmente analisados pela teoria econômica, como segurança e saúde. A poluição
seria um bem ambiental de produção privada, sendo necessário o estabelecimento de
condições adicionais para a alocação eficiente destes recursos. Assim, além da condição
usual de que os preços se igualassem ao custo marginal e à taxa marginal de substituição
entre os bens, a autora argumenta que ainda seria necessária a condição de Lindahl-BowenSamuelson, garantindo que a taxa marginal de transformação fosse igual a taxa marginal de
substituição de bens entre os agentes transacionando.
Diversas características de bens ambientais permitem classificá-los como bens públicos,
seguindo a definição clássica de Samuelson (1954). Em ambos os casos, o consumo é não
exclusivo e não rival, e os bens são indivisíveis, o que dificulta a definição dos direitos de
propriedade e pode levar a falhas de mercado como competição imperfeita e externalidades
(King, 2007). Para evitar estes problemas, tais bens são normalmente administrados pelo
Estado. Este seria o caso de recursos hídricos, cuja distribuição é geralmente controlada
pelo governo. Contudo, seria possível estabelecer mecanismos para regular a alocação
privada deste tipo de bem. O mercado de carbono estabelecido no Protocolo de Kyoto seria
um exemplo desse tipo de instituição.
Além dos problemas envolvidos na definição de direitos de propriedade, outras
características dos bens ambientais também dificultam a mensuração de seus atributos e
valor. A demanda por tais bens é influenciada pelas atitudes, percepções e preferências dos
consumidores, o que torna muito complexo o cálculo do valor econômico destes bens
(Pendse e Wyckoff, 1974).
Vatn (2007) aponta várias técnicas para se calcular o valor de bens ambientais, usando
como exemplo a poluição. Uma primeira constituiria na comparação entre os preços de
bens em áreas com e sem poluição (hedonic price). Outra possibilidade seria analisar o
custo de se deslocar para evitar problemas como a poluição (travel cost method). Um
terceiro método consistiria em compilar a avaliação subjetiva dos consumidores sobre
quanto eles acham que deveriam receber para aceitar a poluição (contingent valuation),
sendo esta a técnica mais aceita dentre as mencionadas. Vatn ressalta que todos estes
métodos esbarrariam no fato de tentar transformar diversas dimensões em uma única
métrica monetária, caracterizando o problema que este autor denominou
“incomensurability”.
Alguns bens, mesmo não tendo características de bens ambientais, podem ter atributos
relacionados a estes bens. Produtos florestais se enquadram nesta categoria, já que, apesar
de terem seus direitos de propriedade e valor bem especificados, tem sua produção
relacionada à manutenção de florestas que por sua vez tem impacto direto no nível de
poluição do planeta. O mesmo poderia ser pensado para qualquer bem cujas características
da produção e do consumo afetassem diretamente um bem ambiental.
Os biocombustíveis também podem ser inclusos nesta categoria. Apesar de vários
atributos destes produtos estarem bem definidos, como o teor energético, algumas
5
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
características ainda não têm seus direitos de propriedade bem definidos. A redução das
emissões de carbono em relação aos combustíveis fósseis é um exemplo. Existe grande
divergência sobre qual seria esta redução, o que torna este atributo incerto para
compradores e vendedores. Outras características ligadas à sustentabilidade socioambiental
da produção destes bens, como o uso da terra e condições de trabalho, também apresentam
problemas na definição de direitos de propriedade.
2.2 Assimetria de Informação e Custos de Mensuração
A perspectiva Walrasiana que serve de base para a construção do modelo
microeconômico neoclássico adota entre suas hipóteses a plena simetria de informações e a
homogeneidade dos produtos. Dessa forma, não se consideram custos relativos à obtenção
de informação sobre preços e atributos de qualidade. Sob tais condições, seria atingido um
equilíbrio no qual os bens acabariam nas mãos dos indivíduos que mais os valorizassem, o
que constituiria uma alocação eficiente. O distanciamento desta situação em relação ao
mundo real, em que as informações não estão disponíveis e são custosas de se obter, levou
ao desenvolvimento de correntes teóricas que buscam tratar dos determinantes destes
custos informacionais.
A investigação destes custos foi objeto de vários trabalhos ligados a economia
institucional. Coase (1937), apesar de não se aprofundar muito nesta questão, aponta o
custo de obtenção das informações sobre preços como uma das principais causas dos
custos de transação incorridos no uso dos mecanismos de mercado. Em “The Nature of the
Firm” Coase aponta tais custos como uma das razões que justificariam a existência das
firmas e o não uso dos mecanismos de mercado para determinadas transações.
Buscando analisar os custos de verificação de atributos de qualidade em transações
econômicas, Nelson (1970) dividiu os bens em duas categorias de acordo com a
capacidade dos consumidores em observar seus atributos: bens de busca (search goods) e
bens de experiência (experience goods). Enquanto na primeira categoria seria possível
verificar a qualidade sem a necessidade consumir o bem, na segunda este procedimento só
seria possível após o consumo. Para tal seria necessário adquirir o bem de forma a testar
sua qualidade. Os consumidores estariam dispostos a verificar os atributos até o ponto em
que o custo marginal deste processo se igualasse a receita marginal da verificação.
Posteriormente, Darby e Karni (1973) introduziram uma terceira categoria de bem, os
chamados bens de crença (credence good), em que mesmo após o consumo, informações
sobre certas qualidades dos produtos só seriam acessíveis a um custo adicional. Desta
forma, ficaram definidas três categorias de bens em relação à mensuração de atributos de
qualidade: pesquisa, experiência e crença. Os autores argumentam que “qualidades de
crença” surgiriam sempre que um bem fosse utilizado em combinação com outros bens
cujas propriedades fossem incertas de forma a permitir um produto mensurável; ou, em
processos produtivos em que o produto fosse de alguma forma estocástico (correlacionado
com o passado). O exemplo mencionado seria o de serviços de reparos mecânicos de
carros, pois o consumidor não teria como saber a qualidade do serviço prestado mesmo
após receber seu automóvel. Mesmo que determinado problema fosse resolvido, não seria
possível mensurar totalmente a qualidade do serviço realizado. Essa fonte de assimetria
poderia levar a atitudes oportunistas por parte do prestador de serviços.
6
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Mais recentemente, o conceito de bem de crença passou a ser utilizado para bens cujos
atributos não seriam observáveis mesmo após seu consumo. Na agricultura haveria vários
exemplos desta espécie de bem, notadamente aqueles em que características dos processos
produtivos implicassem em atributos de qualidade não verificáveis nem mesmo após o
consumo. Um exemplo disso seriam os produtos orgânicos e aqueles produzidos segundo
padrões religiosos, como o Kosher que visa atender aos preceitos da religião judaica.
Outra corrente da NEI, denominada Economia dos Custos de Mensuração (ECM), se
dedicou a analisar a relação dos custos de mensuração de atributos com as estruturas de
governança adotadas pelos agentes para regular as transações. Os trabalhos de Barzel
indicam que transações envolvendo bens cuja qualidade fosse de difícil mensuração,
tenderiam a usar estruturas de governança mais complexas e, portanto, mais custosas.
Apesar de não se referir especificamente aos chamados bens de crença, Barzel (1982)
apresenta um modelo amplo que permite analisar diversos casos, inclusive de bens de
crença e experiência. Este autor analisou os custos incorridos para obtenção de
informações sobre os atributos dos bens transacionados. Ao considerar os custos de
verificação de atributos de qualidade, Barzel defende que erros de mensuração seriam
inevitáveis e sua extinção seria inviável devido aos altos custos incorridos. O modelo
proposto pelo autor indica que os compradores estarão mais dispostos a gastar com a
verificação caso haja maior variabilidade da qualidade dos produtos oferecidos. Neste
sentido, o estabelecimento de contratos de longo prazo seria uma forma de redução destes
custos em transações com freqüência elevada. Nesse caso, a construção da reputação
permitiria a diluição destes custos ao longo do tempo. Barzel também menciona o uso de
“termos de garantia” como forma de reduzir os custos de mensuração de atributos. O autor
ressalta que os vendedores devem buscar formas de desencorajar os consumidores a
verificar a qualidade dos produtos sem, contudo, elevar a qualidade dos produtos de forma
muito custosa.
A Economia dos Custos de Mensuração parte da perspectiva que as instituições seriam
soluções eficientes dos mercados. Neste sentido, o estabelecimento de padrões e
certificações seriam uma clara tentativa de melhor especificar os direitos de propriedade
por meio de uma mensuração mais precisa dos atributos de um bem a ser transacionado.
Barzel (2003, p. 1) defende que o uso de padrões seria fundamental para eficiência das
transações. Segundo este autor “...padrões seriam necessários para comunicação,
facilitando as trocas e reduzindo custos de informação”. A redução nos custos de
mensuração de atributos seria obtida pela maior especificação das características
transacionadas.
2.3 Trajetória Institucional – o conceito de Path Dependence
Ao analisar a trajetória das instituições de mercado, a literatura econômica tem
identificado elementos que condicionam o desenvolvimento destas regras e a forma como
estas afetam o comportamento dos agentes. Apesar do conceito de path dependence ter
sido utilizado inicialmente para analisar a trajetória de desenvolvimento tecnológico
(David, 1985; Arthur, 1989), diversas correntes teóricas ligadas à economia institucional
passaram a aplicá-lo para analisar trajetória de instituições formais e informais.
David (1985) discute o desenvolvimento do teclado utilizado em computadores e
destaca que mesmo havendo opções mais eficientes, este dispositivo manteve suas
7
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
configurações iniciais devido às interconexões na produção e na demanda do mercado de
datilografia estabelecidas nos anos 1880. O autor ressalta que três elementos seriam
responsáveis pela manutenção desta trajetória: inter-relação técnica, economias de escala e
dificuldade de reverter investimentos. Arthur (1989) reforça este argumento explorando a
relação entre a existência de economias de escala e a adoção de tecnologias concorrentes, o
que poderia levar ao chamado lock-in. Arthur ressalta que eventos históricos afetariam a
adoção de certas tecnologias, o que condicionaria a trajetória de desenvolvimento
tecnológico no futuro. Outros trabalhos deste autor expandiram o conceito de path
dependence para outras escolhas além da tecnologia (Arthur, 1994).
Posteriormente, alguns autores passaram a usar este conceito para explicar a emergência
e trajetória de regras e instituições. A difusão desta aplicação do path dependence se deve
em grande parte aos estudos de North (1990; 1994; 2005). Seus trabalhos mostraram como
a construção e trajetória de instituições era condicionada por eventos passados e como
estas tinham forte impacto sobre o desenvolvimento econômico das nações. A perspectiva
histórico-institucional dos trabalhos de North foca mais os impactos do ambiente
institucional, as chamadas macro-instiuições, como o sistema jurídico e outras regras que
regulam a ação dos agentes econômicos.
Outras vertentes da NEI caminharam no sentido de entender os determinantes das
escolhas organizacionais das firmas, as chamadas micro-instituições. Nesta linha, diversos
trabalhos se desenvolveram buscando compreender a existência de path dependence nestas
escolhas. Partindo da premissa que os agentes econômicos buscam estruturas de
governança mais eficientes sob condições de racionalidade limitada (Williamson, 1985), a
vertente da Economia dos Custos de Transação verificou a existência de economias de
escala nas transações econômicas. Tais economias afetam diretamente a trajetória de
desenvolvimentos das formas de governança e também podem levar a um processo de path
dependence destas instituições.
Segundo Lazzarini (2000), a literatura ligada a NEI aponta quatro razões básicas para
justificar a existência de economias de escala nas transações econômicas: confiança,
credible commitment, aprendizado e externalidades de rede. A confiança surgiria de
experiências anteriores, na qual os atores criariam reputação entre si e assim reduziriam as
chances de comportamento oportunista. Dessa forma seria possível reduzir os custos
inerentes a mensuração de atributos e ao desenvolvimento de salvaguardas contratuais.
Esta relação poderia ocorrer tanto em relações duais como em redes, nas quais informações
sobre a reputação transbordariam para outros agentes, mesmo que não envolvidos em uma
transação específica.
O “comprometimento crível” adviria de investimentos específicos e não reversíveis que
geram quase-rendas compartilhadas. Dessa forma, os incentivos a atitudes oportunistas são
reduzidos. Tais atitudes acarretariam em perdas tanto nos investimentos que foram
realizados como nas rendas futuras que seriam obtidas pela parceria. Dessa forma, as
partes elevam sua crença de que não haverá atitude oportunista e assim podem reduzir os
custos devido à menor necessidade de salvaguardas.
O aprendizado está intimamente ligado ao know-how que as partes obtém depois de
repetidas transações. A dificuldade em transmitir esta forma de conhecimento e a
especialização dos ativos (principalmente humanos) elevam a probabilidade de que os
agentes transacionem no futuro. O processo de “transformação fundamental” descrito por
8
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Williamson (1985) representa bem esta situação em que experiências anteriores afetam os
custos de transação inerentes a uma determinada relação contratual, reforçando os vínculos
entre as partes envolvidas. O aprendizado e a especialização explicariam esta queda de
custos.
Ao final, Lazzarini aponta as externalidades de rede como importante fonte de
economias de escala nas transações. Estas elevariam as vantagens em adotar certa
tecnologia ou estrutura de governança devido ao número de agentes que já a utilizam. A
maior parte da literatura sobre externalidades de rede se aplica a escolhas tecnológicas,
porém este conceito mostra grande aderência com algumas escolhas de estruturas de
governança. A eficiência trazida pelo uso de padrões de qualidade e mecanismos de
certificação se mostra intimamente ligada ao número de agentes que os adotarem. Neste
sentido, além da melhor definição dos direitos de propriedade, a adoção dessas formas de
governança dependeria de escolhas passadas e de economias de escala obtidas em
determinadas formas contratuais.
É interessante ressaltar que apesar de parte considerável dos autores da Nova Economia
Institucional adotar como hipótese que as instituições mais eficientes seriam selecionadas
pelo mercado ao longo do tempo, vários trabalhos consideram que a existência de falhas de
mercado, como as economias de escala das transações, poderia levar à sobrevivência de
instituições menos eficientes. North (1990) defende que a persistência de arranjos
ineficientes pode ser em grande parte explicada pelo path dependence institucional. Dessa
forma, algumas estruturas de governança seriam observadas mesmo sendo menos
eficientes e mais custosas do que outras.
Muitos processos de path dependence tecnológico e institucional estão condicionados
por ações passadas. Apesar de não haver consenso sobre o grau de rigidez que uma
determinada escolha implica sobre as escolhas futuras, a maior parte da literatura considera
que existem algumas “escolhas chave” que tem grande impacto sobre a trajetória futura.
Neste sentido, Griffin (1993) formulou o conceito de “conjunturas críticas” (critical
junctures) referindo-se a escolhas difíceis de se reverter pois levariam a processos sociais e
políticos que reforçariam esta trajetória.
Greif (2005) desenvolveu um modelo para analisar o processo de path dependence de
instituições. Para tal, toma-se como princípio que as instituições seriam exógenas aos
indivíduos e endógenas ao sistema. Utilizando conceitos das teorias dos jogos, este autor
considera que as instituições podem ser consideradas estáveis se geram regularidade de
comportamento, pois desta forma os agentes a seguem sob a crença de que os demais
também o farão. Greif considera as crenças institucionalizadas como quase-parâmetros
que, dependendo da forma como se alteram, podem reforçar ou “minar” a continuidade
destas instituições. Esse reforço positivo seria fundamental para a persistência de uma
regra. O modelo de Greif mostra quais tipos de mudanças exógenas poderiam provocar
uma ruptura no processo de path dependence de determinada instituição.
As diferentes visões apresentadas acerca de path dependence têm em comum a noção de
que existe certa rigidez na emergência e trajetória de instituições, sejam estas regras, leis
ou estruturas de governança. Ao se pensar este conceito para o desenvolvimento de
padrões de qualidade e mecanismos de certificação, fica claro que existem diversos
mecanismos de rigidez influenciando a trajetória destas instituições.
9
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
2.4 A Emergência de Instituições e a Construção Social dos Mercados
As correntes teóricas ligadas à sociologia têm buscado entender como se estabelecem e
se mantém as instituições de mercado. Nestes aportes, as instituições são vistas como
expressão de relações sociais baseadas em poder e significados, que muitas vezes podem
ser ineficientes. Ressalta-se que estas instituições não emergiram automaticamente do
próprio funcionamento do mercado, sendo resultado de um processo de construção social.
Sobre isso, Fligstein (2001) discorda da visão oferecida pela teoria econômica de que os
processos de inovação e concorrência seriam formas de seleção baseadas na eficiência. A
estruturação destes processos seria definida pelos atores econômicos e pelos governos. Este
autor ressalta que, se por um lado a Sociologia Econômica propôs uma visão mais realista
do mundo, por outro, ela teria falhado na proposição de uma teoria mais estruturada que
permitisse um diálogo com a visão econômica.
Partindo de uma perspectiva de que as relações econômicas estão imersas em relações
sociais (Granovetter, 1985), a Sociologia Econômica busca entender quais relações de
poder implicariam no surgimento de regras formais e informais que regulam o
funcionamento dos mercados. Autores relevantes desta corrente propõem uma visão mais
política dos processos de criação e manutenção das instituições de mercado. Fligstein
(1996) defende que a definição de direitos de propriedade seria “um processo político
contínuo e contestável, e não o resultado de uma competição pela maior eficiência”.
Diversos setores sociais como empresários, trabalhadores e agências governamentais
buscariam influenciar na constituição dos direitos de propriedade.
Visão semelhante também é adotada para explicar as escolhas de estruturas de
governança, cuja definição se distingue da explicitada na seção anterior e utilizada pela
Nova Economia Institucional. Para Fligstein, estas estruturas se referem às formas como
são definidas as relações de competição, cooperação e a estrutura organizacional das
empresas. As estruturas poderiam ser divididas em dois grupos: leis e regras/práticas
informais. Neste último grupo estariam as chamadas concepções de controle (conceptions
of control), se referindo a forma como os agentes interpretam as práticas e rotinas que
guiam o funcionamento dos mercados. Estes seriam mecanismos fundamentais para
sobrevivência das firmas, pois estabelecem os comportamentos aceitáveis entre estes
atores.
Outra forma de instituição importante para o funcionamento dos mercados seria
constituída pela regra de troca (rule of exchange). Segundo Fligstein, estas regras definem
quem poderia transacionar e sob quais condições essas trocas ocorreriam. Incluir-se-iam
nesta categoria regras que tratam de seguros, cobranças, trocas de dinheiro e o enforcement
dos contratos. Tais regras dependem fortemente da ação do Estado, principalmente do
sistema jurídico.
A criação de um novo mercado dependeria da construção destes três pilares das
instituições de mercado. A internacionalização do etanol de cana-de-açúcar pode ser
pensada sob tais conceitos. Apesar do mercado doméstico deste produto já estar bem
sedimentado, a criação de um mercado internacional ainda depende do estabelecimento de
regras de troca que considerem as questões econômicas, ambientais, sociais e estratégicas
deste comércio (Abramovay, 2009). Em termos de eficiência econômica e energética, o
etanol brasileiro já é aceito como superior aos demais biocombustíveis disponíveis.
Contudo, o mercado internacional ainda demanda ações que garantam a eficiência
10
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
socioambiental e a disponibilidade destes combustíveis para atender a uma demanda mais
ampla de países. Neste contexto, a implementação de mecanismos que garantam a
sustentabilidade socioambiental e a ampliação da produção para outros países na África e
América Central se apresentam como pontos chaves para construção deste mercado.
Nesta perspectiva, a certificação poderia ser classificada como uma dimensão das regras
de troca que precisam ser melhor desenvolvidas na busca de um mercado internacional
para os biocombustíveis. Como discutido por Abramovay (2009), a forma como a
agroindústria canavieira lida com questões como as queimadas e trabalho nas lavouras
ainda são pouco claras e dificultam a aceitação do etanol em outros mercados.
2.5 Legitimidade e Mecanismos de Governança Privada
Outro conceito relevante discutido na literatura de sociologia econômica é a
legitimidade. Tal variável é vista por esta corrente como fundamental para o entendimento
de como se formam e são mantidas as instituições de mercado. Apesar de guardar certa
semelhança com o conceito de reputação adotado pela teoria econômica, a legitimidade é
vista na sociologia econômica como algo mais amplo e que ultrapassa a dimensão
econômica das relações. Cashore (2002) aborda a legitimidade como uma condição
necessária, mas não suficiente para o estabelecimento de regras de mercado. Baseado em
estudos da sociologia organizacional, este autor classifica a legitimidade em três
categorias: pragmática, moral e cognitiva. A primeira estaria vinculada a um cálculo autointeressado dos agentes em relação à suas audiências, como clientes, fornecedores e outros
agentes com quem são realizadas transações econômicas. A legitimidade moral refletiria a
visão do que seria “a coisa certa a fazer”. A legitimidade cognitiva se refere à rotinização
de determinados valores, em situações que os atores incorporam determinada regra, vendoa como legítima em si mesma. A legitimidade pragmática é a que mais se aproxima do
conceito de reputação adotado pela teoria econômica. Ao discutir a emergência padrões
ambientais, Cashore (2002) ressalta que esta seria uma primeira forma de incentivar os
agentes a adotar determinadas práticas sustentáveis. Posteriormente as outras formas de
legitimidade tenderiam a se desenvolver, sendo impensável para estas empresas não adotar
estes processos.
Cashore ressalta que a emergência de mecanismos de governança, aos que ele denomina
Non-State Market-Driven (NSMD) Governance Systems, dependeria fortemente da
legitimidade pragmática em um primeiro estágio, mas posteriormente as outras formas de
legitimidade dariam sustentação a estas regras. Cashore (2002) aplica este conceito ao
desenvolvimento de processos de certificação para bens ambientais, ressaltando que estes
sistemas necessitam de legitimidade para funcionar em âmbito doméstico e internacional.
Uma importante fonte de legitimidade seriam os governos, que por meio de legislações
específicas que dessem sustentação a estes sistemas de certificação, poderiam transferir sua
legitimidade para atores privados. Mas por que os governos não regulam diretamente estes
mercados?
Muitas vezes, questões envolvidas no processo de certificação demandam intervenção
direta nas áreas produtoras, o que pode ferir tratados de soberania das nações. Nestes
casos, restam o uso de mecanismos multilaterais entre países ou formas de certificação
transnacionais privadas. A morosidade e a dificuldade de enforcement de acordos
internacionais fazem com que, em muitos casos, a opção da certificação privada se mostre
11
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
mais adequada. Este é o caso do setor florestal, analisado por Cashore. Contudo, este autor
ressalta que a eficácia de sistemas de certificação depende da legitimidade dos atores
envolvidos em sua implementação. A legitimidade adquirida por entidades certificadoras
no passado (como por exemplo, pela certificação de outros produtos) também seria
fundamental para a aceitação destas como agentes garantidores de padrões. Esta aceitação
adviria tanto dos governos como dos demais atores envolvidos em um determinado setor.
3. Tendências das Certificações no Mercado de Biocombustíveis
Diversos fatores parecem condicionar a trajetória de desenvolvimento das certificações
no mercado de biocombustíveis. A seguir, a luz da discussão teórica feita na seção anterior,
serão apresentados alguns fatos que tendem a influenciar o potencial desenvolvimento das
certificações neste mercado.
Uma primeira questão está ligada a reputação das entidades certificadoras. Mesmo não
havendo ainda um mercado de certificações para biocombustíveis, já se observa um
movimento dos principais players do mercado de certificações de outros setores, como
florestal e alimentar. A maior parte das iniciativas visando a construção de mecanismos de
certificação para biocombustíveis já conta com a participação destas certificadoras. Como
estes atores já puderam construir uma reputação em seus setores de origem, eles contam
com uma vantagem em relação a novos atores que poderiam adentrar neste mercado.
A questão da legitimidade destas certificadoras entre governos e os atores privados
atuando no setor também deve impor barreira a entrada de novos agentes certificadores.
Como demonstrado por Cashore (2002), a construção desta legitimidade passa por um
processo complexo e pode demandar certos recursos políticos disponíveis a poucos atores.
Assim, tais fatores tendem a reforçar a trajetória de desenvolvimento dos padrões a serem
adotados neste mercado.
Outro fator relevante estaria nos relacionamentos estabelecidos entre estes agentes
certificadores e os atores envolvidos em torno das questões socioambientais como ONGs e
associações de consumidores. As organizações que trabalham com questões
socioambientais apresentam laços culturais que podem impor limitantes à entrada de novos
atores. As regras deste “campo” não são explicitadas, o que também dificulta a inserção de
alguns agentes que poderiam facilitar a implementação dos padrões junto aos setores
produtores de bicombustíveis. A heterogeneidade cultural entre estes atores dificulta a
construção de regras e padrões neste mercado. Iniciativas como a mesa redonda dos
biocombustíveis sustentáveis organizada pela Universidade Politécnica de Lausanne
expressam bem este problema. Por contar com a participação de atores muito diversos,
como a UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar) e representantes de governos e da
sociedade civil (principalmente ONGs), verifica-se grande dificuldade na criação de um
diálogo entre setores com interesses e visões tão distintas. De todo modo, iniciativas como
esta apresentam grande potencial devido à abrangência de interesses que buscam
contemplar (Pinto, 2007).
Outra questão que deve afetar a adoção de padrões e mecanismos de certificação está
ligada a eficiência destes em transmitir as características relevantes dos biocombustíveis. A
adoção de padrões passa por um processo de concorrência, sendo que nem sempre os
critérios mais eficientes se firmam no mercado. Os padrões que se estabeleceram antes ou
possuem alguma característica que permita sua rápida difusão, contarão com vantagens em
12
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
relação a novos padrões que poderiam vir a surgir. As externalidades de rede explicam
parte considerável destas vantagens, conferindo maior eficiência a um padrão que já é
utilizado por uma ampla rede de usuários. No caso das certificações, poderia se verificar
uma vantagem de selos já estabelecidos, que devido a sua maior aceitação, inviabilizariam
a expansão de novas certificações. Outras formas de economias de escala da transação
também poderiam afetar este processo, como a confiança e o aprendizado. Assim, uma
certificação que já foi adotada por agentes econômicos, mesmo que de outros setores, já
adquiriu elementos que a tornam mais eficientes do que novos mecanismos.
As forças mencionadas acima tendem a condicionar a trajetórias das certificações que
devem prevalecer num potencial mercado para biocombustíveis. Neste sentido, várias
iniciativas multilaterais sinalizam a tendência de buscar a “adaptação” de certificações de
sustentabilidade já estabelecida em outros mercados para uso no mercado de
bicombustíveis. Segundo Pinto (2007), a certificação do etanol tenderia a seguir o mesmo
modelo que se observa para exportação de madeira, apesar de outras certificações
existentes também terem grande aderência com as especificidades do setor de
biocombustíveis. Uma possibilidade mencionada por este autor seria a RAS (Rainforest
Alliance), que oferece vários critérios de sustentabilidade socioambiental. No entanto, este
e os demais mecanismos de certificação disponíveis não abordam a eficiência energética,
variável de extrema relevância no caso de biocombustíveis.
Dessa forma, seria possível aproveitar a reputação e a legitimidade já construídas em
outros mercados além de fazer uso da gama de usuários que já adotaram este padrão em
outros setores. Com isso seriam criadas economias de escala que tendem a condicionar as
instituições que regularão estas transações no futuro, podendo levar a um processo de path
dependence destes mecanismos (North, 1990).
Ainda assim, a construção ou mesmo adaptação destes padrões é um processo complexo
de orquestração de interesses. Diversas ações têm buscado este objetivo. Bartolomeu
(2008) menciona várias iniciativas tanto em âmbito nacional como internacional na busca
de padrões de sustentabilidade para biocombustíveis. A parceria entre órgãos de padrões e
medidas brasileiro INMETRO e NIST dos EUA na busca de um padrão internacional para
o etanol se mostra promissora. A autora também destaca iniciativa do IMAFLORA que
vem ocorrendo em âmbito nacional e visa certificar a sustentabilidade da cana-de-açúcar
tendo como base a Norma da Agricultura Sustentável (conjunto de práticas estabelecidas
para outras culturas agrícolas). Eis aí um exemplo de adaptação de padrões que reforçam a
dependência da trajetória da certificação de biocombustíveis em relação a outras formas de
certificação já existentes. A grande quantidade de iniciativas nacionais e internacional na
busca de padrões de sustentabilidade para biocombustíveis dificulta a identificação de
padrões nesta direção. Também se observa grande heterogeneidade entre os atores
envolvidos nestas iniciativas. Mapeamento realizado pela UNICA ajuda a ilustrar essa
situação:
13
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Fonte: Unica (2010)
Os mecanismos que já vem sendo utilizados nos contratos bilaterais de etanol também
indicam esta tendência de adaptação de padrões socioambientais de outros mercados. Em
sua maioria, os contratos internacionais que buscam certificar a sustentabilidade de
biocombustíveis se apóiam em critérios utilizados para outros bens de base agrícola, como
produtos florestais e alimentares. As próprias entidades que realizam esta certificação têm
a maior parte de sua atividade nestas áreas e têm buscado adaptar seus selos de forma a
atender o mercado de biocombustíveis. Um exemplo neste sentido foi a iniciativa
envolvendo vários grupos do setor sucroalcooleiro brasileiro e a trading sueca SEKAB,
principal compradora do etanol brasileiro na Europa. Foram fechados contratos para
exportação de etanol seguindo determinados padrões. As usinas se comprometeram a
reduzir emissões de dióxido de carbono, seguirem patamares mínimos de mecanização da
colheita, conservar áreas de mata nativa, banir completamente o trabalho infantil e não
regulamentado, respeitar os pisos salariais do setor e a cumprir as metas estabelecidas pelo
Protocolo Agroambiental. Apesar de não implicarem na formação de mecanismos
multilaterais de certificação, iniciativas como esta contribuem para difundir padrões
socioambientais no setor produtivo de bicombustíveis.
4. Considerações Finais
Considerando as características da demanda por biocombustíveis, a adoção de padrões
socioambientais se apresenta como condição necessária para o crescimento do mercado
14
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
internacional destes produtos. Porém, resta saber quais arranjos institucionais serão
utilizados para regular e transmitir informações a respeito destes padrões ao longo das
cadeias produtivas. No campo da regulação, a utilização de legislações em âmbito nacional
e o cumprimento de acordos internacionais devem predominar como forma de estabelecer
os padrões mínimos a serem seguidos pelos países produtores de bens de bioenergia.
Dentre os mecanismos de transmissão de informações sobre atributos socioambientais,
a certificação demonstra grande potencial no mercado de biocombustíveis. Vale ressaltar
que existe forte relação entre a adoção de certificações e a existência de mecanismos de
regulação, pois uma legislação mais efetiva reduz os custos de adaptação aos padrões que
serão certificados. Em nações com maior fragilidade institucional e onde a legislação é
muito branda ou pouco aplicada, o distanciamento entre os padrões mínimos estabelecidos
e os exigidos pela certificação podem criar uma barreira de difícil transposição e impedir a
expansão da certificação. Apesar dos custos de adaptação aos padrões exigidos por uma
determinada certificação não serem considerados custos de transação relativos à
certificação, estes constituem uma barreira importante a expansão das certificações. Por
outro lado, mecanismos de regulação amplos e efetivos podem reduzir a necessidade de
mecanismos complementares como a certificação. Uma investigação mais acurada sobre
esta relação entre regulação e certificação está entre as próximas etapas desta pesquisa.
Outros elementos que condicionarão a trajetória das certificações também merecem
destaque. Como mencionado na seção anterior, as externalidades de rede devem dar grande
vantagem a certificações já estabelecidas em outros setores, já contando com uma rede
ampla de usuários. Esta tendência deve ser reforçada por questões de reputação e
legitimidade já construídas entre estas certificadoras e os atores envolvidos na construção
das instituições socioambientais.
A utilização da certificação poderia vir a substituir as cláusulas atualmente utilizadas em
contratos bilaterais, permitindo redução de custos de transação e a expansão do mercado
internacional para biocombustíveis. O uso de certificações permitiria que relações de
compra e venda fossem realizadas por meio de estruturas de governança menos integradas
e custosas. Porém, características específicas dessas transações ainda precisam ser melhor
analisadas. Questões como a freqüência e o nível de incerteza destas operações devem
afetar a escolha do mecanismo de transmissão de informação mais adequado.
Entre os próximos passos desta pesquisa estão o levantamento dos custos de transação
envolvidos nas diversas etapas do processo de certificação para biocombustíveis. Também
pretende-se detalhar o mapeamento das principais iniciativas de certificação ocorrendo no
mundo, destacando os atores envolvidos neste processo. Pretende-se ainda analisar a
situação institucional no Brasil e em outros potenciais produtores na África e América
Central, de forma a verificar a compatibilidade dos padrões socioambientais com as
legislações vigentes nestas nações.
15
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Referências Bibliográficas:
ABRAMOVAY, R. (2009), A political-cultural approach to the biofuels market in Brazil. Working
Paper disponível em < http://www.abramovay.pro.br/artigos_cientificos.htm>
ARTHUR, W. (1994), Increasing Returns and Path Dependence in the Economy. Michigan Press.
ARTHUR, W. (1989), Competing Technologies, Increasing Returns, and Lock-in by Historical Events.
Economic Journal 99 (394):116-131.
BARTOLOMEU, D. B. (2008), Mapa da certificação nos sistemas agroindustriais. In Waack et al. orgs.
Governança socioambiental nos sistemas agroindustriais. Instituto para o Agronegócio Responsável (ARES).
São Paulo. CD-ROM
BARZEL, Y. (2003), Standards and the Form of Agreement. Paper presented on the ISNIE Conference at
Cambridge-MA. Available on <www.isnie.org/ISNIE02/Papers04/barzel.pdf>
BARZEL, Y. (1982), Measurement Cost and the Organization of Markets. Journal of Law & Economics,
University of Chicago Press, vol. 25(1), pages 27-48, April.
BARTLEY, T. (2007), Institutional Emergence in an Era of Globalization: The Rise of Transnational
Private Regulation of Labor and Environmental Conditions. American Journal of Sociology 193:297-351
CASHORE, B. (2002), Legitimacy and the privatization of environmental governance: How non state
market-driven (NSMD) governance systems gain rule making authority. Governance Journal, v.15, n.4.
CHICHILNISKY, G. (2006), Global Property Rights: The Kyoto Protocol and the Knowledge
Revolution. Institut du Development Durable et Relations Internationales (IDDRI), Ecole Polytechnique,
Paris, France.
COASE, R. (1960), The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics.
COASE, R. (1937), The Nature of the Firm. Economica 4 (16): 386-405.
DARBY, M.; KARNI, E. (1973) Free competition and the optimal amount of fraud. Journal of Law and
Economics, Chicago, v. 16, n. 1.
DAVID, P. (1985), Clio and the Economics of QWERTY. American Economic Review, 75, 332-37.
FLIGSTEIN, N. (2001), The Architecture of the Markets. N. J. Princeton University Press
FLIGSTEIN, N (1996), Markets as Politics: A Political Cultural Approach to Market Institutions.
American Sociological Review, Vol. 61 pp.656 - 673.
GRANOVETTER, M. (1985), Economic action and social structure: the problem of embeddedness.
American Journal of Sociology, 91:481-510
GREIF, A. (2005). Commitment, coercion and markets: the nature and dynamics of institutions
supporting exchange. In: Claude MÉNARD e Mary M. SHIRLEY (eds). Handbook of New Institutional
Economics. Springer: 727-788.
16
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
GRIFFIN, L. (1993), Narrative, Event-Structure Analysis, and Causal Interpretation in Historical
Sociology. American Journal of Sociology 98 (5): 1094-1133
KING, N. (2007), Economic valuation of environmental goods and services in the context of good
ecosystem governance. Water Policy 9:51-67.
LAZZARINI, S. (2000), Self-reinforcing governance: the analysis of transactional increasing returns.
44p mimeo.
MUELLER, B.; ZYLBERSZTAJN, D.; SZTAJN, R. (2005) Economia dos Direitos de Propriedade. In:
Décio Zylbersztajn; Rachel Stajn. (Org.). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier.
NELSON, P. (1970), Information and Consumer Behavior. Journal of Polirical Economy 311-329.
NORTH, D. (1990), Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge:
Cambridge University Press.
NORTH, D. (1994), Custos de Transação, Instituições e Desempenho Econômico. Rio de Janeiro:
Instituto Liberal: 38 p.
NORTH, D. (2005), Institutions and the Performance of Economies over Time. In: Claude MÉNARD e
Mary M. SHIRLEY (eds). Handbook of New Institutional Economics. Springer: 21-30.
PENDSE, D.; WYCHOFF, J. B. (1974), A systematic evaluation of environmental perceptions, optimum
preferences, and trade-off values in water resource analysis. Oregon State University Press, Water
Resources Research Institute.
PINTO, L.F.G. (2007), Fundamentos da Certificação Socioambiental. In: Certificação socioambiental do
setor sucroalcoleiro.
SAMUELSON, P. (1954), The pure theory of economic expenditure. Review of Economics and Statistics,
36, 387–389.
WWF-GERMANY (2007), Sustainability
<www.oeko.de/service/bio/dateien/wwf.pdf>
Standards
for Bioenergy. Relatório
disponível em
VATN, A. (2005), Institutions and the Environment. Cheltenham & Northampton: Edward Elgar.
WILLIAMSON, O. (1985), The Economic Institutions of Capitalism. London: Free
17
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Download

Padrões e Certificações Socioambientais no Mercado