Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
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dossier
´
SAUDE
Este suplemento faz parte integrante do Diário de Notícias e Jornal de Notícias de 7 de Abril de 2008 e não pode ser vendido separadamente
> Especial
Dia Mundial da Saúde
Alterações Climáticas e Saúde
Iniciativa:
Colaboração:
Ministério da Saúde
Artigos de:
Ana Jorge, Maria do Céu Machado, Pedro Nunes,
Maria Augusta Sousa, António Tavares, Mário Morais de Almeida,
António Segorbe Luís, Libério Ribeiro, Maria João Marques Gomes
SIDA
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Especial
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Ana Jorge
Ministra da Saúde
Alterações climáticas
e saúde
As alterações climáticas têm um forte impacto na saúde. O clima sempre variou em função de causas naturais, as quais afectam de forma mais significativa os países em desenvolvimento, pelo
facto de disporem de menos recursos para se adaptarem.
E
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Especial
ste é, no entanto, um
problema global. E isto
é visível desde a Revolução Industrial, quando grande parte das
alterações climáticas
passaram a ser provocadas pelo desenvolvimento industrial e
simultaneamente pela acção do Homem,
nomeadamente nos países ditos desenvolvidos.
Assim, assiste-se, por um lado, a um
grande número de doenças infecciosas,
como a malária e a febre-amarela, ou de
doenças transmitidas por alimentos e pela
água, como a cólera e outras diarreias,
havendo o risco de estas últimas poderem ter um crescimento de 10% da sua
incidência em 2030. Surtos potenciados
pelas mudanças nas condições climáticas - de que são exemplo as cheias desencadeiam também situações de fome
e subnutrição.
Por outro lado, não podem, de forma
alguma, ser descuradas todas as alterações climáticas com origem na acção
humana, designadamente os cenários previstos de emissões de Gases de Efeito de
Estufa (GEE), dos quais resultam doenças
do foro respiratório e outras com origem
na poluição.
O efeito de estufa, quando equilibrado,
tem um papel fundamental por manter a
superfície da Terra aquecida e com uma
temperatura amena. Contudo, quando é
excessivo, ou seja, quando se verifica uma
grande concentração de alguns gases na
atmosfera terrestre, o seu efeito passa a
ser nocivo. Isto porque reduz a libertação
de calor para o espaço, provocando um
aumento médio desta temperatura e um
aquecimento do Planeta.
Se as catástrofes naturais são imprevisíveis e inevitáveis, a redução de GEE está
na mão de cada um de nós. Todos devemos estar conscientes de que temos de
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
«No âmbito do Plano
Nacional de Acção Ambiente
e Saúde, cabe também
aos serviços de saúde
intervir na sensibilização,
educação e formação
dos profissionais e de toda
a população em geral,
de forma a minimizar
os riscos para a saúde
associados a factores
ambientais»
adoptar uma atitude responsável para travar o efeito do aquecimento global. Esta
é uma importante medida para prevenir as
referidas alterações climáticas e, consequentemente, as doenças que lhes estão
associadas.
No âmbito do Plano Nacional de Acção
Ambiente e Saúde, cabe também aos serviços de saúde intervir na sensibilização,
educação e formação dos profissionais e
de toda a população em geral, de forma a
minimizar os riscos para a saúde associados a factores ambientais. Ou seja, chamar todos a intervir na promoção da saúde ambiental.
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Maria do Céu Machado
Alta Comissária da Saúde
As alterações climáticas e a
sua saúde dependem de si
Aquecimento global é uma expressão que ganhou significado no nosso dia a dia. Discutem-se as
causas e consequências e atribuem-se responsabilidades. São notícia os governos que se recusam
a desenvolver políticas que tenham impacto no efeito estufa. Percebe-se que é necessário investimento tecnológico mas não há ainda grande convicção quanto ao valor da intervenção individual.
E
stamos cientes de que
as alterações climáticas poderão condicionar importantes problemas de sobrevivência aos nossos
netos, mas não valorizamos, de forma concreta, as possíveis
consequências imediatas.
O clima tem efeito directo e indirecto
sobre a vida humana e as alterações climáticas, para além do impacto sobre o
ambiente ou o desenvolvimento, são também uma ameaça significativa e emergente à nossa saúde e bem-estar.
O aumento em frequência e intensidade das ondas de calor e frio intenso, dos
episódios de seca, das chuvas torrenciais
ou dos furacões determinam os chamados desastres naturais com maior número de mortes por stress, hipotermia, desidratação, doenças cardíacas e respiratórias. E também maior morbilidade por malnutrição e diarreia ou por outras doenças
transmitidas pela água e por vectores
como o mosquito, verificando-se já modificações das zonas endémicas de malária e de dengue.
No Verão de 2003, houve na Europa
mais 27000 mortes do que nos anos anteriores, atribuíveis à onda de calor, muitas
das quais ocorreram em meio urbano,
consequência de um fenómeno chamado ilha urbana de calor. Nas cidades, as
ondas de calor têm uma expressão exacerbada devido à fraca cobertura de vegetação, existência de superfícies complexas e níveis elevados de emissão de
gases, que determinam maior concentração de calor e menos arrefecimento por
evaporação. A temperatura do ar pode
atingir valores 5 a 10ºC superiores aos das
regiões rurais circundantes.
Em 2007, a população mundial que vive
na cidade ultrapassou os 50% e a cidade
em desenvolvimento tornou-se vulnerável, pela grande densidade populacional,
más condições sanitárias e elevados níveis
de poluição interior e exterior. O meio urbano é causa e consequência das alterações
climáticas.
Dois terços da energia solar são absorvidos e aquecem a superfície do globo. O
calor irradia para a atmosfera mas pode
ficar retido pela emissão de gases como
o dióxido de carbono (CO2).
«O aumento em frequência
e intensidade das ondas
de calor e frio intenso,
dos episódios de seca,
das chuvas torrenciais
ou dos furacões determinam
os chamados desastres
naturais com maior número
de mortes por stress,
hipotermia, desidratação,
doenças cardíacas
e respiratórias»
O desenvolvimento industrial e urbano
e os padrões de consumo contribuem
para este processo, sendo os edifícios responsáveis por 20% das emissões globais
de CO2 e os transportes por 13%. O que
nos habituou a pensar que as mudanças
dependem de macro políticas e que estamos excluídos de qualquer responsabilidade.
Obviamente que o compromisso dos
governos é essencial e insubstituível no
planeamento urbano, na regulação da
construção e das fontes de energia alternativas e dos sistemas de transporte sustentáveis. Em Portugal, existe já a Rede
de Cidades Saudáveis, aprovada em 1998
e constituída actualmente por 19 municípios de que o Seixal é o paradigma.
Mas não é suficiente para impedir o
aquecimento global e o futuro depende
do comportamento de cada um de nós.
Sabia que uma fotocopiadora ligada
durante a noite consome energia para
1700 fotocópias? Deixa o carregador do
telefone ligado? Se os habitantes de Lisboa o imitassem, produziriam 10 mil toneladas de CO2 por ano. Sabe que reciclar
uma lata velha consome apenas 10% da
energia de fazer uma nova?
Então recicle. Não use sacos de plástico ou aproveite-os até ao fim, use lâmpadas económicas, troque os electrodomésticos velhos, não imprima todos os
emails que lhe mandam e use a folha escrita de um dos lados como rascunho, compre sprays e detergentes amigos do
ambiente. E ouça o que os seus filhos lhe
dizem porque sabem muito mais de
ambiente do que os pais.
E a mobilidade de que tanto nos orgulhamos, pela sensação de liberdade e
autonomia, produz congestão do tráfego
e poluição do ar. Utilize os transportes
públicos, percorra a pé pequenas distâncias e insista com quem de direito que as
cidades teriam muito menos trânsito se as
escolas públicas e privadas tivessem carrinhas de transporte de crianças.
Faça-o pela Sua Saúde.
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Direcção Geral da Saúde
Protecção da saúde contra
as mudanças do clima
O clima resulta das interacções que se estabelecem entre os cinco componentes do sistema climático: a atmosfera, os oceanos, a biosfera terrestre e marinha, a criosfera (água em estado sólido)
e a superfície terrestre. A sua alteração sempre esteve associada a causas naturais (actividade
vulcânica e solar).
A
utilização intensiva
dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo
e gás natural), cuja
queima liberta para a
atmosfera gases com
efeito de estufa (CO2,
CH4, Vapor de água, NOx e O3), veio, contudo, alterar este paradigma. Tais emissões, provenientes sobretudo das actividades industriais e agrícolas, assim como
da produção de energia eléctrica e do tráfego automóvel, contribuíram para uma
subida média da temperatura à superfície
terrestre de aproximadamente 0,6ºC no
último século. Este aumento, por sua vez,
induziu alterações climáticas, que levam
à ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos, como ondas de calor e de
frio, cheias, secas e tempestades, além
da amplificação dos fenómenos de poluição atmosférica e da alteração geográfica dos vectores de doença que afectam
os determinantes de saúde, particularmente os relacionados com a alimentação, a água e o ar. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 24% das causas
de todas as doenças no planeta estão
associadas a determinantes ambientais.
De entre os fenómenos climáticos extremos, os manifestados por ondas de calor
são os que estão a ocorrer cada vez com
mais frequência e intensidade, amplificando os problemas associados ao stress
térmico, assim como à morbilidade e mortalidade, principalmente nas pessoas que
sofrem de doenças cardiovasculares e respiratórias. As pessoas idosas e as crianças constituem os grupos de maior risco.
Em Portugal, no ano de 2006, registaramse 5 ondas de calor, durante o período de
24 de Maio a 9 de Setembro. Estimou-se
que o número de mortes associado a este
fenómeno foi de 1259. Para mitigar estes
«De entre os fenómenos
climáticos extremos,
os manifestados por ondas
de calor são os que estão
a ocorrer cada vez com mais
frequência e intensidade,
amplificando os problemas
associados ao stress
térmico, assim como
à morbilidade e mortalidade,
principalmente nas pessoas
que sofrem de doenças
cardiovasculares
e respiratórias»
efeitos, o Ministério da Saúde tem um Plano de Contingência específico, implementado desde 2004.
Os fenómenos de poluição atmosférica tendem a aumentar, principalmente
devido à formação de ozono troposférico
e ao índice de partículas (PM2,5). Para Portugal prevê-se um aumento das doenças
respiratórias (alergias, asma e bronquites
crónicas) e cardiovasculares, com os consequentes impactes negativos na morbilidade e mortalidade. Na União Europeia
verifica-se que 370000 pessoas morrem
prematuramente devido a esta poluição.
As secas constituem também um reflexo das alterações climáticas com impacte negativo em Portugal. As regiões mais
afectadas serão principalmente o Algarve
e o Alentejo, onde haverá maior pressão
sobre os Recursos hídricos, com o eventual aumento de doenças transmitidas pela
água e pelos alimentos.
Ao nível dos vectores de agentes que
provocam doença humana, poderão existir condições para o aumento, ressurgimento ou introdução de patologias como,
por exemplo, a febre Escaronodular e a
Doença de Lyme. A Direcção-Geral da
Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Dr.
Ricardo Jorge e as Administrações Regionais de Saúde estão a desenvolver o Programa REVIVE, no sentido de se fazer um
levantamento em cada Região dos vectores de doenças existentes e, subsequentemente, avaliar os futuros riscos face
às alterações climáticas.
A abordagem de toda esta problemática deve passar por medidas de mitigação
e de adaptação, como, por exemplo:
incentivar o recurso às energias renováveis (eólica, hídrica, solar, biomassa); favorecer os transportes públicos sustentáveis; investir na mobilidade sustentável
dos cidadãos (ciclovias e pistas pedestres); promover a eficiência energética;
aumentar as áreas florestais para captação de CO2; implementar sistemas adequados de resposta às novas emergências; pôr em prática um sistema de vigilância, alerta e resposta adequada aos problemas de saúde associados às alterações climáticas, incluindo a avaliação, gestão e comunicação do risco.
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Dia Mundial da Saúde
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Pedro Nunes
Bastonário da Ordem dos Médicos
Urgência na prevenção
e planeamento
Há entre 20 a 30 por cento de doenças associadas a factores climáticos e ambientais, diz a OMS.
Se é verdade que médicos e outros profissionais de saúde, em todo o mundo – mas também no
nosso país –, têm que enfrentar, no seu dia-a-dia de trabalho, esta realidade, também não o é menos que os serviços, nos seus modelos pouco flexíveis, estão mal preparados para dar respostas
a estes problemas, como se conclui do próprio Plano Nacional de Saúde, que refere «a pouca atenção dos serviços de saúde relativamente à poluição atmosférica e às alterações climáticas».
E
xactamente para
melhor nos prepararmos para enfrentar estes problemas
foi elaborado o Projecto de Plano
Nacional de Acção Ambiente e Saúde
(PNAAS) 2007-2013, uma peça que deve
ser a grande referência de um modelo de
organização do sistema de saúde que permita dar resposta aos efeitos das alterações climáticas, mas, sobretudo, enquadrar as medidas de prevenção que permitam atenuar esses efeitos no plano da
saúde pública.
Este Projecto de PNAAS visa isso mesmo – estabelecer boas medidas de prevenção, controlo e redução de riscos para
a saúde com origem em factores ambientais, onde se enquadram os efeitos das
alterações climáticas, e conta, entre os
seus objectivos, com o de «sensibilizar,
educar e formar os profissionais e a população em geral, por forma a minimizar os
riscos para a saúde associados a factores ambientais».
Há sempre uma grande dose de carga
teórica, administrativa e burocrática nas
leis e nos regulamentos, que faz com que
nem sempre seja possível, sequer, dar o
pontapé de saída na sua aplicação. Neste caso, espera-se que seja possível ter o
PNAAS em condições de produzir a eficácia que se pretende e, particularmente,
que dê aos profissionais de saúde os
recursos, as condições e a formação
necessárias.
A questão das alterações climáticas
está a colocar-se mais rapidamente e de
forma mais aguda do que esperávamos
ainda há poucos anos. Importa, pois, que
avance rápido o PNAAS, cujo prazo estabelecido é até 2013.
«Temos um país muito mal
preparado, mas onde
é previsível que os efeitos
das alterações climáticas,
com secas prolongadas
e temperaturas elevadas,
se façam sentir com cada
vez maior frequência
e amplitude»
Por outro lado, é muito importante que,
tal como os outros profissionais de saúde, os médicos sejam envolvidos nas
medidas a tomar e capacitados para dar
as respostas necessárias. Desde a preparação adequada para enfrentar grandes catástrofes, um dos efeitos mais visíveis e mediáticos das alterações climáticas, até à formação na área da prevenção
contra os efeitos mais silenciosos e aos
quais se atribui erradamente pouco valor.
Para além de todas as desvantagens
que costumamos revelar ao nível organizativo, no nosso país temos mais uma,
neste plano da protecção da saúde no
contexto das alterações climáticas ou
ambientais. É a de que o nosso clima brando não nos habituou a lidar com extremos.
Os extremos climáticos que temos tido
são pouco mais do que chuvadas e ventos fortes ou ondas de calor, normalmente passageiros, e que, ainda assim, como
sabemos, provocam mortes absolutamente desnecessárias.
Neste momento temos um país muito
mal preparado, mas onde é previsível que
os efeitos das alterações climáticas, com
secas prolongadas e temperaturas elevadas, se façam sentir com cada vez maior
frequência e amplitude. Nessas alturas,
como já se viu noutras ainda brandas, os
cidadãos virar-se-ão para os médicos que
terão de improvisar e lidar com imensas
dificuldades para dar resposta a uma situação generalizada de catástrofe desta natureza.
Seria bom que se evitasse isso e se
encarasse com determinação a conclusão e aplicação das peças técnicas e organizativas necessárias para se evitar o
improviso, normalmente traduzido em
maior número de mortes. É este o meu
desejo neste Dia Mundial da Saúde.
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Maria Augusta Sousa
Bastonária da Ordem dos Enfermeiros
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
É necessário apostar
numa atitude proactiva
A pertinência dos temas escolhidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para assinalar, em
cada ano, o Dia Mundial da Saúde, é indiscutível. E a efeméride deste ano não foi excepção.
D
epois de todo o trabalho que tem sido
desenvolvido por
diversos organismos na sensibilização das populações
para este problema, e num momento em
que a sociedade começa a ter uma melhor
compreensão de que as alterações climáticas são uma realidade que veio para
ficar, há que apostar numa atitude proactiva, para evitar uma intervenção meramente reactiva.
No que aos profissionais de saúde diz
respeito, não podemos perder de vista que
as alterações climáticas acarretam riscos
de saúde para a população de qualquer
parte do mundo. Sim, porque outra característica das alterações climáticas é a
imprevisibilidade da ocorrência das suas
implicações.
Daí que seja importante que os profissionais de saúde, em todo o mundo, estejam cada vez mais preparados para lidar
com as consequências das alterações climáticas e de catástrofes ambientais. Os
enfermeiros, sendo elementos extremamente vocacionados para o contacto com
as comunidades, poderão desempenhar
um papel relevante tanto na educação das
populações, como no momento de prestar auxílio a vítimas de doenças agravadas por alterações climáticas/catástrofes
ambientais.
Como sabemos, as mudanças de clima estão a alterar os padrões de incidência e de transmissão das doenças infecciosas, em particular das que possuem
maior letalidade. Também estão a modificar as causas de morte (há cada vez mais
pessoas a morrer devido a ondas de calor,
por exemplo) e a evolução de doenças
crónicas relacionadas com aspectos
ambientais.
«Os enfermeiros, sendo
elementos extremamente
vocacionados para
o contacto com
as comunidades, poderão
desempenhar um papel
relevante tanto na educação
das populações, como no
momento de prestar auxílio
a vítimas de doenças
agravadas por alterações
climáticas/catástrofes
ambientais»
É por isso que se torna importante sensibilizar as populações para os riscos,
apostando na sua educação tanto para a
Saúde, como para a defesa do ambiente,
sempre com o objectivo de se obter
ganhos em saúde e conseguir reverter os
efeitos das alterações climáticas. E neste
âmbito, tanto por uma questão de competências como considerando o tipo de
projectos que se desenvolvem em torno
desta temática, os enfermeiros encontramse numa situação privilegiada de proximidade. Conseguem, devido à própria natureza dos cuidados de Enfermagem, envolver as pessoas no sentido de as sensibilizar para hábitos de vida saudáveis e implicações na saúde individual e colectiva,
com grande persistência e continuidade,
inclusive em medidas que parecem
pequenas face ao imprevisível, mas que
são grandes face ao que podemos minimizar. Os enfermeiros conseguem recomendar, por exemplo, que em vez de viajar de carro para o emprego, as pessoas
utilizem transportes públicos ou andem
de bicicleta. É uma medida que ajuda a
reduzir as emissões de monóxido de carbono para a atmosfera, mas também
influencia a saúde individual pelo combate a distúrbios que advêm de uma vida
sedentária como a obesidade ou problemas vasculares.
Também no seio da Enfermagem Mundial se tem vindo a debater a ameaça que
as alterações climáticas representam para
a saúde. O Conselho Internacional de
Enfermeiros (International Council of Nurses - ICN) escolheu, como temática central da sua conferência mundial de 2007,
a necessidade dos enfermeiros estarem
preparados para lidar com o imprevisto. E
um dos temas em destaque foi precisamente a resposta em caso de catástrofes
ambientais. Há que tentar antever as situações e as necessidades que as vítimas
desses acontecimentos poderão ter, para
poder delinear modelos de resposta e de
intervenção o mais adequados possível.
Estou certa que os enfermeiros portugueses estão disponíveis para, juntamente com outros profissionais de saúde e
representantes de outros sectores de intervenção, debaterem as questões em causa e trabalharem em conjunto para fazer
frente às adversidades.
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Especial
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
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Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
Especial
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António Tavares
Coordenador do Departamento de Saúde Ambiental do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
Enquadramento
do problema dos efeitos
das alterações climáticas
na saúde humana
Por todo o mundo, a evidência demonstra que muitos aspectos da saúde humana são afectados por
variáveis meteorológicas. Uma das preocupações crescentes relaciona-se directamente com o aquecimento global, o qual está a alterar o equilíbrio dos sistemas naturais que sustentam a vida.
O
s riscos para a saúde são evidentes e
difíceis de reverter.
Por exemplo, durante a onda de calor
que atingiu a Europa em 2003 morreram a mais 44 mil pessoas, excesso de mortalidade que se relacionou com os seus efeitos nos sistemas
cardiovascular, cerebrovascular e respiratório.
Estes efeitos negativos na saúde, resultantes das alterações climáticas (AC) em
curso, têm sido intensamente investigados ao longo das últimas décadas. Temperaturas baixas e elevadas têm sido relacionadas com excessos de mortalidade.
Mas não é somente através de uma forma directa – aumento do número de casos
de doença ou morte – que as AC fazem
sentir os seus efeitos na saúde. Também
actuam de uma forma indirecta, através
de efeitos adversos na produção de alimentos, disponibilidade de água, qualidade do ar e dinâmica populacional de
vectores (caso dos mosquitos) e distribuição geográfica de microrganismos
patogénicos.
Uma das constatações mais frequentemente sentidas pela população prendese com o aumento da frequência e gravidade de fenómenos meteorológicos extremos, como tempestades, ondas de calor,
secas e cheias.
As AC ameaçam a segurança da saú-
de pública e os seus impactes na saúde
são mais visíveis nas populações mais
vulneráveis. As consequências económicas de todo este panorama são importantes, dado o aumento da frequência
de doenças, o aumento da prestação de
cuidados de saúde daí resultante e a perda de produtividade que lhes é inerente.
Dado que a mitigação dos efeitos das
AC pode ter benefícios imediatos para a
saúde humana e que a adaptação é
necessária, dada a inevitabilidade das
alterações em curso, é necessário que
sejam desenvolvidas e implementadas,
por parte dos Serviços de Saúde, respostas apropriadas com vista à protecção da saúde humana, incluindo medidas de prevenção primária e secundária.
As estratégias do sector da saúde
e o papel do Instituto Ricardo Jorge
Sendo uma instituição do Ministério
da Saúde com competências de investigação e vigilância, o Instituto Ricardo
Jorge desenvolve nesta matéria acções
específicas, integradas na estratégia do
Plano Nacional de Saúde.
Toda a sua actividade relacionada com
as AC, quer de investigação, quer de vigilância, é realizada de acordo com as principais orientações para o sector da saúde sobre esta problemática, as quais
podem ser sistematizadas da seguinte
forma:
1 – Desenvolvimento da investigação
aplicada na caracterização dos perigos
e avaliação dos riscos para a saúde
humana resultantes das alterações climáticas
O Instituto Ricardo Jorge faz a monitorização dos factores de riscos de natureza ambiental que podem ser potenciados
no actual quadro de AC, designadamente poluentes e contaminantes ambientais.
Assim, na área da Saúde Ambiental faz
as análises de água, solo e ar, para caracterização dos perigos e avaliação dos riscos para a saúde humana, estudando e
avaliando a qualidade físico-química,
microbiológica e ecotoxicológica dos
diversos tipos de água e solo, assim como
a qualidade do ar em espaços interiores e
exteriores de modo a identificar fontes de
contaminação que possam pôr em risco
a saúde pública.
No âmbito da Toxicologia Ambiental e
Ocupacional avalia a exposição ambiental e ocupacional a xenobióticos e agentes físicos, através da monitorização biológica com recurso a indicadores de dose,
de efeito e de susceptibilidade, avaliando
assim o efeito do aumento de poluentes
associado às AC.
Na área das Doenças Infecciosas, é feita quer a caracterização dos microrganismos patogénicos, cuja distribuição espaço-temporal é fortemente influenciada pelo
clima, quer o estudo da distribuição das
populações de vectores de doenças (por
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do de saúde das populações, facilitam a
decisão sobre a adopção de novos modelos de intervenção por parte dos serviços
de saúde, mais consentâneos com a realidade epidemiológica resultante da exposição a factores de risco de natureza
ambiental.
exemplo, insectos e outros artrópodes).
Na área dos Alimentos, uma maior frequência de toxi-infecções alimentares está
associada à elevação da temperatura, a
qual contribui com a criação de ambientes propícios ao desenvolvimento de
microrganismos nos alimentos. Quer esse
aspecto, quer a sua própria deterioração
por um aumento de poluentes, são analisados nos laboratórios do Instituto.
Em matéria de Epidemiologia, procede
à vigilância epidemiológica, identificando
e caracterizando as causas de morbilidade e mortalidade associadas aos factores
de risco resultantes das AC, o que permite o estabelecimento do perfil de saúde
da população em geral e de grupos populacionais mais vulneráveis em particular.
Na área da Genética, avalia a susceptibilidade e resistência das pessoas face
aos efeitos genotóxicos dos poluentes
hídricos e aéreos gerados em consequência das AC.
Na área da Promoção da Saúde está
contemplada a prioridade que deve ser
dada aos grupos mais vulneráveis, pela
investigação e proposta de medidas de
actuação no âmbito das doenças crónico
degenerativas, as quais podem ser potenciadas no actual quadro de AC. As determinantes sociais dos níveis de saúde
populacional estão também contidas nesta abordagem, constituindo assim um foco
de atenção por parte do Instituto.
2- Adequação da rede de saúde
pública à necessidade de lidar apropriadamente com as ameaças colocadas pelas alterações climáticas.
O Instituto Ricardo Jorge, através da
monitorização dos factores de risco de
natureza ambiental e da investigação e
vigilância epidemiológica, estudando o
estado de saúde dos grupos populacionais, especialmente os mais vulneráveis,
avalia os potenciais impactes das AC na
eficiência dos serviços de saúde pública.
Avalia assim a capacidade do sistema
de saúde em intervir nas modificações da
distribuição das doenças relacionadas
com as AC, permitindo aos serviços competentes do Ministério da Saúde disporem da evidência epidemiológica que lhes
possibilite tomar as medidas mais con-
«O Instituto Ricardo Jorge,
através da monitorização
dos factores de risco
de natureza ambiental
e da investigação e vigilância
epidemiológica, estudando
o estado de saúde dos grupos populacionais,
especialmente os mais
vulneráveis, avalia
os potenciais impactes d
as alterações climáticas na
eficiência dos serviços
de saúde pública»
sentâneas com uma mais eficiente intervenção por parte dos serviços prestadores de cuidados de saúde.
Essa avaliação é possível através da
construção de indicadores úteis para o
nível de decisão do Ministério da Saúde,
o que também permite medir a efectividade das intervenções que visem a protecção da saúde.
3 – Capacitação dos serviços de saúde para responder a emergências em
saúde pública.
Os fenómenos meteorológicos extremos, como tempestades, ondas de calor,
secas e cheias, incluindo desastres naturais e as graves epidemias que podem
advir desta variabilidade climática são
cada vez mais frequentes. É assim importante a monitorização dos Planos de Contingência existentes no sector da Saúde
para enfrentar estas ocorrências.
A construção de indicadores de natureza previsional, como o Índice Ícaro, construído no Instituto Ricardo Jorge, e que
permite prever a curto prazo os efeitos das
ondas de calor na mortalidade, permitem
adequar as intervenções dos serviços de
saúde em matéria de saúde pública
Por outro lado, os estudos de investigação, feitos com base nos sistemas de
informação que permitem avaliar o esta-
4 – Promoção do desenvolvimento
do sector da saúde e da articulação
inter sectorial
O planeamento urbano e a necessidade de construções mais saudáveis, designadamente lares para idosos, espaços
públicos e locais de trabalho, os transportes, o fornecimento de energia, a produção e o controlo sanitário de alimentos,
os modelos de utilização dos solos, os
recursos hídricos e a qualidade do ar, são
determinantes ambientais da saúde estreitamente relacionados com os possíveis
efeitos das AC na saúde humana.
Para todas estas áreas há um conjunto de organismos públicos e privados que,
no âmbito das suas competências específicas, influenciam os níveis de saúde da
população, devendo as suas actuações
ser adequadas à concretização de estratégias de adaptação, que protejam as pessoas dos efeitos na saúde resultantes das
AC.
Nesse sentido, o Instituto Ricardo Jorge articula-se com estas entidades, em
Grupos de Trabalho, Comissões e actividades, de que resulta a elaboração de
documentos técnicos e científicos e de
planos de actuação.
A elaboração de propostas de alterações em aspectos legislativos específicos,
a implementação de formações especializadas aos profissionais de saúde nesta
matéria e a contribuição para uma correcta
definição das características de uma boa
comunicação do risco às populações são
aspectos sempre presentes.
O Instituto Ricardo Jorge e o futuro
Sendo um organismo de investigação
e vigilância, o Instituto estará atento às
modificações que ocorrem no ambiente.
É sua competência contribuir para a
base de conhecimento, no que concerne
aos efeitos das AC na saúde humana, com
uma monitorização permanente dos factores de risco ambiental e uma vigilância
epidemiológica e individual das pessoas
expostas a estes factores de risco, nomeadamente pela descoberta, validação e aplicação de biomarcadores apropriados.
Essa base de conhecimento cientificamente validado permitirá aos órgãos decisores do Ministério da Saúde gizarem as
intervenções para promover a saúde da
população, de acordo com os melhores
conhecimentos disponíveis.
É assim sua competência investigar,
para que, através da intervenção organizada dos serviços de saúde, o futuro não
apanhe desprevenidas populações expostas a factores de risco de natureza ambiental, designadamente os que se relacionem
com fenómenos meteorológicos extremos
resultantes das alterações climáticas em
curso.
Dia Mundial da Saúde
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Especial
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
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Mário Morais de Almeida
Sociedade Portuguesa
de Alergologia e Imunologia Clínica
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E ALERGIAS
Epidemias preveníveis
Especial
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xistem cada vez
mais alergias! É uma
frase consensual.
Fala-se, sente-se,
conhece-se,
demonstra-se. Um
terço da nossa
população sofre de doenças alérgicas.
Asma, rinite, eczema, urticária, alergia a
alimentos, a medicamentos, a insectos,
são cada vez mais referidas e cada vez
com maior gravidade. Algumas condições
podem ser fatais.
E… a associação das doenças alérgicas é também muito frequente: a maioria
dos asmáticos tem rinite alérgica e mais
de um terço destes têm asma.
E… afecta a população de um modo
transversal, desde a criança nos primeiros meses de vida até ao idoso
Muitos factores estão envolvidos na
expressão das doenças alérgicas. As alterações climáticas também aqui fazem sentir a sua influência.
A acumulação dos gases que provocam o efeito de estufa, em especial relacionada com a utilização de combustíveis
fósseis, provoca agressão directa no organismo humano, em particular na pele e nas
mucosas, interface com o meio exterior.
Mas condiciona também alterações no
ciclo de vida das plantas – as épocas polí-
E
nicas tendem a ser mais precoces e prolongadas, atingindo-se maiores concentrações atmosféricas de alergénios e, nas
zonas mais poluídas, a interacção entre
polenes e poluentes condiciona maior
agressividade dos alergénios, pois as alterações que ocorrem facilitam uma penetração mais profunda nas vias aéreas,
estando estas já mais sensíveis devido ao
efeito directo dos poluentes atmosféricos.
«“Isso é uma alergia, isso
passa”. Mas o “isso” tem
nome: é asma, é rinite,
é rinite e asma, é asma
e eczema,… E o “isso”
com frequência não passa,
pois é um problema
frequentemente crónico»
Também a exposição a insectos se tem
vindo a modificar, em duração e qualidade, influenciando a distribuição de algumas doenças transmissíveis, mas justificando igualmente a ocorrência de maior
número de reacções alérgicas a estes agen-
tes, sendo estas também mais graves.
Aumento das concentrações de poluentes atmosféricos e aquecimento global, provavelmente são condições cíclicas. Mas a
consciência sobre a sua ocorrência e implicações e, em particular, sobre a sua prevenção, só agora está intelectualmente acessível.
Por si, por nós, tentemos alterar a situação. O planeta merece-o.
Mas, no entretanto, que se melhore a qualidade de vida dos alérgicos, uma das situações de saúde epidémicas deste século. O
diagnóstico está acessível mas não é habitualmente efectuado.
“Isso é uma alergia, isso passa”. Mas o
“isso” tem nome: é asma, é rinite, é rinite e
asma, é asma e eczema,… E o “isso” com
frequência não passa, pois é um problema
frequentemente crónico, vem de há muitos
anos, afecta-nos e à nossa família. E agrava, limita-nos. Não passa…
Procure ajuda e ajude. O controlo das
situações alérgicas não é difícil, se existir diagnóstico, avaliação e educação. Evitar algumas exposições, promover alguns hábitos,
usar alguns medicamentos, são a base de
uma intervenção bem sucedida a um custo
muito aceitável.
A falta de intervenção, quer no controlo
das alterações climáticas, quer no controlo
das doenças alérgicas, é que é claramente
intolerável.
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António Segorbe Luís
Presidente da Sociedade
Portuguesa de Pneumologia
As alterações climáticas
e o aparelho respiratório
A
11
Especial
s alterações climáticas, incluindo as
que decorrem do
aumento médio da
temperatura - o
chamado “aquecimento global” -, e
outro tipo de alterações, como a modificação temporal e geográfica do padrão
de precipitação, têm manifesta repercussão na saúde. A onda de calor ocorrida
em 2003 terá causado na Europa cerca de
44000 mortes!
Por outro lado, tem sido dada atenção
às variações de mortalidade causadas
pelo frio (estudo Eurowinter), quando os
Invernos são particularmente agressivos,
com temperaturas mais baixas que o habitual para certa zona do globo. A este propósito, sublinhe-se que as quedas significativas de temperatura ambiente, sobretudo se mantidas e verificadas em zonas
de moderada invernia, se associam a
aumento da mortalidade geral e de causa
respiratória (gripe, pneumonia e DPOC),
mas também por doenças cardio e cérebro vasculares. Nestas circunstâncias, são
particularmente atingidos os idosos, mas
não só, que vivem em casas frias, e os
que, por condição sócio-económica ou
outra razão, se agasalham menos ou
“escolhem” roupa inadequada para o frio.
Lembro-me que nos anos “80” um dos
lemas de campanha do ministério da Saúde era “proteja-se do frio” e não o habitual
alerta para a vacinação anti-gripal.
Voltando ao aquecimento global, cabe
sublinhar que, além do aumento do risco
de sobrevinda de gastrenterite por contaminação de alimentos e da água, advirão
consequências na saúde das populações
por deslocação geográfica de certos vectores de doenças infecciosas, caso da
malária e dengue.
A possibilidade de que a alteração do
clima por obra do homem, antropogénica, tenha contribuído para o verificado
aumento de incidência, prevalência e morbilidade por asma é real, bastando invocar a influência do aumento de temperatura média no intensidade e no alargamento do período de polinização. Também o aumento do teor de CO2 na atmosfera está na origem de maior risco de sen
sibilização polínica, dado contribuir para
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
«Além do aumento do risco
de sobrevinda de gastrenterite
por contaminação
de alimentos e da água,
advirão consequências
na saúde das populações
por deslocação geográfica
de certos vectores
de doenças infecciosas, caso
da malária e dengue»
a existência de um gradiente do meio rural
para o meio urbano dos níveis polínicos
na atmosfera. Por outro lado, as partículas libertadas para a atmosfera pelo tráfego rodoviário promovem uma maior aler-
genicidade de polens sensibilizantes.
A ausência de pluviosidade contribui
obviamente para estes efeitos indesejáveis. O ozono é o componente major do
smog - palavra composta de smoke
(fumo) e fog (neblina). O smog resulta da
reacção fotoquímica – calor e luz solar com gases e partículas poluentes existentes na atmosfera, com origem na queima de combustíveis. O teor de ozono no
ar das grandes urbes aumenta consideravelmente nos dias quentes, no início da
tarde, nas horas de calor mais intenso.
O ozono susceptibiliza o epitélio respiratário, sendo citotóxico, e altera as suas
defesas. Os mais susceptíveis são os portadores de patologia respiratória crónica,
designadamente de asma e DPOC, e os
idosos. Convirá, por fim, não esquecer que
quando se faz exercício em zonas da cidade com maior teor de ozono os efeitos
patogénicos deste no aparelho respiratório aumentam consideravelmente.
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
Especial
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Libério Ribeiro
Sociedade Portuguesa de Pediatria
Alergia num mundo
em mudança
A
doença alérgica
resulta, na grande
maioria das vezes,
da interacção entre
o indivíduo geneticamente predisposto e a sua reacção ao meio envolvente no
qual se desenvolve.
Se na vertente genética, nas últimas
décadas, não houve grandes alterações,
já o mesmo não se pode afirmar em relação ao meio ambiente.
Inúmeras mudanças a nível político,
social, económico e cultural, provocaram
novos estilos de vida, com repercussão
sobre o ambiente e influenciando as condições metereológicas.
As alterações climáticas são globais,
em parte resultantes do chamado “progresso”, com implicações a nível ambiental, alterando equilíbrios e criando condições para mudanças na a flora e outros,
condicionando novas patologias, aumento da prevalência e severidade de outras
e regresso de algumas já consideradas
como doenças do passado.
Sem dúvida que o aumento da prevalência das doenças alérgicas, nos países
desenvolvidos, está relacionada com
vários factores resultantes desse progresso, de onde destacamos a poluição,
o tabagismo, o controlo das doenças
infecciosas, os novos hábitos alimentares, a vida mais sedentarizada e consequente obesidade, o viver cada vez mais
tempo em espaços fechados, criando
condições para um contacto maior e mais
constante com os alergéneos.
Nos últimos 100 anos a população
mundial triplicou, a actividade económica
aumentou vinte vezes e o consumo do
petróleo trinta vezes, com grande incremento do trâfego automóvel, que é um
dos principais responsáveis pela emissão
de gases e partículas.
Estas emissões de gases e poluentes
retêm o calor da atmosfera, levando a uma
elevação da temperatura do planeta, com
as consequentes alterações climáticas,
que alteram as estações do ano, modificam as épocas polínicas, aumentando a
biomassa polínica. Criam-se condições
para a colonização e adaptação das plantas não autóctone e para o desaparecimento de espécies autóctones, criando
desequilíbrios no ecossistema, com repercussões no indivíduo e no seu perfil alérgico.
As alterações climáticas
são globais, em parte
resultantes do chamado
“progresso”, com
implicações a nível
ambiental, alterando
equilíbrios e criando
condições para mudanças
na a flora e outros,
condicionando novas
patologias, aumento
da prevalência e severidade
de outras e regresso
de algumas já consideradas
como doenças do passado.
As partículas diesel, dos motores de
combustão, têm um efeito directo nos alergéneos, aumentando e potenciando a sua
alergenicidade, diminuindo o movimento
do filme muco-ciliar, aumentando a permeabilidade do epitélio respiratório e tendo um efeito pró-inflamatório.
As partículas contaminantes recobrem
os políneos alterando quantitativa e qualitativamente o seu perfil proteico, podendo originar novas proteínas que funcionam como novos alergénos.
Só na Europa mais de 80 milhões de
pessoas têm expressão de alergia, coincidindo este aumento da prevalência com
uma maior persistência e severidade das
patologias alérgicas, em particular da
asma e da rinite.
As condições da temperatura, a velocidade dos ventos, a humidade e as tempestades afectam biologicamente os componentes químicos e a interacção entre
poluição do ar e alergia respiratória.
As mudanças do clima afectam o tempo e a duração das estações, com alterações na polinização, assistindo-se a um
aumento de cerca de onze dias, em média,
nas estações cada ano.
Perante este desafio, não basta evoluir
no diagnóstico e tratamento das doenças
alérgicas, mas é também necessário, alertar os responsáveis políticos, para uma
acção concertada, procurando medidas
que tentem travar a epidemia das doenças alérgicas, que constituem um problema major de saúde pública e que são consumidores de biliões de euros, tanto em
custos directos como indirectos
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Maria João Marques Gomes
Professora Catedrática de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas.
Chefe de Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte - Hospital Pulido Valente EPE. Lisboa
A experiência e o projecto
das doenças respiratórias
do Hospital Pulido Valente
O Hospital Pulido Valente, inaugurado na 1ª década do século passado com o objectivo de ser o Sanatório de Lisboa, tem um longo passado de actividade assistencial na área das doenças respiratórias.
T
13
Especial
em sido sempre, no
entanto um hospital
com os olhos postos no futuro, já que
ao longo das décadas se tem sempre
adaptado às mudanças que têm acompanhado o panorama das doenças respiratórias: mudanças resultantes dos avanços de diagnóstico e terapêutica e que em
muitos casos alteraram radicalmente a história natural de doenças como a tuberculose, mudanças resultantes de novos
conhecimentos fisiopatológicos, como a
Síndrome de Apneia do Sono, mudanças
devidas ao aparecimento de novas patologias, cujo paradigma é a Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida surgida no início dos anos 80 e mudanças resultantes
de novas formas de organização hospitalar, privilegiando estruturas de ambulatório em detrimento do internamento.
Hoje, no Departamento de Pneumologia pratica-se uma Pneumologia moderna, muito diferenciada e organizada, de
forma a dar resposta às necessidades
actuais dos doentes respiratórios. As
imensas enfermarias para doentes tuberculosos internados durante meses, senão
anos, deram lugar a serviços mais pequenos que admitem doentes com as mais
diversas doenças respiratórias. Mantemos
contudo um modelar serviço de tuberculose, com quatro quartos de isolamento e
sistema de ventilação adequada, onde
continuam a ser internados doentes com
tuberculose de difícil tratamento, nomeadamente a tuberculose multirresistente e
a tuberculose XDR. Criaram-se unidades
funcionais altamente especializadas do
ponto de vista técnico, à medida que
novas técnicas de diagnóstico e trata-
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
«Um projecto de doenças
respiratórias não pode
restringir-se à Pneumologia,
especialidade médica
que trata as doenças
do aparelho respiratório»
mento se foram desenvolvendo. Dispomos de uma unidade de técnicas endoscópicas respiratórias, onde, para além de
se praticarem as técnicas endoscópicas
mais comuns da especialidade, como
broncoscopias e pleuroscopias, se pratica uma notável actividade na área da broncologia de intervenção, como laserterapia, árgon-plasma e colocação de próte-
ses, essencialmente no tratamento do
cancro do pulmão.
O hospital está dotado de um moderno laboratório de fisiopatologia respiratória com uma unidade de sono ao nível de
qualquer laboratório internacional. Aqui se
podem fazer provas de função respiratória, essenciais ao diagnóstico e monitorização de muitas das doenças respiratórias e estudos polissonográficos que permitem diagnosticar a Síndrome de Apneia
do Sono. Dispomos também de uma unidade de reabilitação respiratória, uma das
unidades pioneiras nesta área no nosso
país; trata-se de uma área da pneumologia em grande expansão em todo o mundo, tendo em conta entre outros factores,
o aumento do número de doentes com
Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, a
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Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
Especial
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maior sobrevivência dos doentes com
insuficiência respiratória crónica, as técnicas de ventilação invasiva hoje disponíveis e a necessária abordagem multidisciplinar destes doentes.
Ainda nesta área, salientamos a implementação há 10 anos de um serviço de
Apoio Domiciliário a Insuficientes Respiratórios, que permite um apoio domiciliário regular aos nossos doentes. Dispomos
também de uma unidade de cuidados
intensivos pneumológicos, onde se admitem doentes em situação de insuficiência
respiratória aguda ou crónica agudizada.
Assim, na área dos doentes com insuficiência respiratória, dispomos de toda uma
“cadeia” de serviços que correspondem
às necessidades destes doentes nas suas
diferentes fases e estádios: desde os cuidados intensivos até ao apoio domiciliário, passando pelo internamento, hospital
de dia para insuficientes respiratórios, avaliação funcional e reabilitação respiratória.
Acresce ainda a existência há cerca de 20
anos de uma unidade de oncologia pneumológica que segue anualmente cerca de
200 novos doentes com cancro do pulmão, uma unidade de imunodeficiência
adquirida que se dedica ao tratamento de
doentes com Síndrome de Imunodeficiência Adquirida e uma unidade de imunoalergologia que se dedica às doenças
alérgicas.
Nos últimos quinze anos os serviços
ambulatórios sofreram um notável desenvolvimento. As consultas externas foramse especializando, procurando também
dar uma resposta adequada às actuais
necessidades da população. Para além
de consultas de Pneumologia Geral, foram
surgindo consultas diferenciadas em problemas mais específicos. As consultas de
patologia respiratória do sono, consultas
de asma e alergia respiratória, de insuficiência respiratória, reabilitação e de cessação tabágica, são apenas algumas das
consultas especializadas disponíveis.
Cada vez mais se pretende que o tratamento dos doentes em regime de internamento se limite ao mínimo de dias indispensáveis, de modo a manter o doente preferencialmente no seu ambiente familiar,
reduzir as complicações, nomeadamente
as infecções intrahospitalares e reduzir os
custos canalizando estas verbas para
outras áreas da saúde e melhorando assim
a eficiência dos serviços de saúde. Neste
contexto têm-se desenvolvido hospitais de
dia, estruturas que permitem precisamente tratar os doentes em estruturas ambulatórias que permitam a permanência do
doente no hospital por menos de 24 horas,
apenas o tempo necessário à prestação
dos cuidados que necessita, remetendoo à comunidade no próprio dia.
Além da pneumologia
Mas um projecto de doenças respiratórias não pode restringir-se à Pneumologia,
especialidade médica que trata as doenças do aparelho respiratório. Indissociáveis
são a Cirurgia torácica, já que o diagnóstico e o tratamento de algumas situações
passam pela intervenção da cirurgia, a Cardiologia, dada a frequência com que as
doenças respiratórias se complicam de
situações do foro cardíaco e até da Otorrinolaringologia, especialidade que se dedica às doenças do aparelho respiratório
superior, tantas vezes na origem das doen-
ças respiratórias das vias aéreas inferiores.
Além de intensa actividade assistencial, desenvolvem-se, no Departamento de Pneumologia, actividades de
investigação e de ensino pré-graduado,
através de protocolos com a Faculdade de Ciências Médicas, Escolas de
Enfermagem e Escolas Técnicas de
Saúde e ensino pós-graduado.
Poderíamos pensar que o Hospital
Pulido Valente está totalmente preparado para dar resposta às necessidades
dos doentes respiratórios; temos contudo uma falha importante na área do
transplante pulmonar. Ao longo dos
anos têm vindo a crescer as indicações
desta técnica terapêutica sem que até
à data exista resposta suficiente no País:
doentes em fases avançadas de fibrose quística, hipertensão pulmonar primária, fibrose pulmonar e enfisema pulmonar são algumas das actuais indicações do transplante pulmonar, indicações que poderão mesmo estender-se
a outras doenças no futuro. Esta é uma
área que exige ampla discussão a nível
nacional e resposta urgente dos órgãos
de decisão. O Centro Hospitalar de Lisboa Norte - Hospital Pulido Valente EPE
reúne muitas das condições necessárias e não pode deixar de ser envolvido
nesta discussão cuja solução poderá/deverá passar por ele.
O crescimento e desenvolvimento da
Pneumologia do Hospital Pulido Valente só foi possível pelo trabalho desenvolvido por todos os profissionais de
saúde envolvidos, técnicos de excelente formação, elevada motivação e profissionalismo, com uma profunda noção
de serviço à comunidade.
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ENSAIO CLÍNICO
Uma história pessoal
Entrámos na urgência pediátrica com o David depois de já termos ido ao hospital várias vezes,
porque ele tinha muita tosse. Dessa vez, disseram-nos que ele tinha que ficar internado porque
a bronquiolite estava num estado avançado, já tinha uma manchinha no pulmão. Ficou internado uns cinco dias e quando teve alta, fomos chamados pela Dra. Fátima Praça que propôs que
ele entrasse para um estudo com um medicamento. Eu estava com o meu marido e ficámos assim, a olhar um para o outro.
Dia Mundial da Saúde
Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
David tinha cinco
meses quando foi
incluído num ensaio
clínico para avaliar o
efeito de um medicamento em crianças com sintomas
respiratórios associados à bronquiolite
induzida pelo vírus sincicial respiratório.
Além do David, participam neste ensaio
mais de 1100 crianças em todo o mundo,
durante seis meses. Em Portugal, foram
seguidas 20 crianças pelas equipas de
investigação do Centro Hospitalar de Vila
Nova de Gaia e do Hospital Pedro Hispano, chefiadas pela Dra. Fátima Praça e
pelo Dr. Lopes dos Santos, respectivamente. Agora, a caminho dos três anos, o
David entrou numa extensão do estudo,
desta vez apenas observacional, sem
medicação, onde será seguido até aos
seis anos.
Patrícia e Eugénio, pais do David, não
sabiam nada sobre ensaios clínicos.
“Absolutamente nada, para ser sincera.
Achava que eram feitos pelos farmacêuticos, conforme ia sendo necessário, conforme as doenças iam aparecendo”. Por
O
isso, quando surgiu a proposta foi complicado decidir. “Ficámos a pensar que era
um medicamento ainda em estudo, podia
não se saber ao certo todos os efeitos
secundários e ficámos apreensivos.
Demorámos uma meia hora a decidir, o
meu marido leu o Consentimento Informado e ficou ainda mais apreensivo do
que eu. Falámos um com o outro, falámos
com a médica e foi a confiança dela, a
segurança que nos transmitiu, que foi decisiva. Se calhar, se fosse comigo, talvez
não tivesse tantos receios. Porque, apesar de termos aceite no próprio dia, ficaram alguns receios, principalmente quando começámos a dar a medicação. Talvez
o primeiro mês tenha sido o mais difícil,
depois os receios começaram a desaparecer”.
Pensa-se em desistir? “Pelo estudo em
si, não; mas há a parte que custa. Quando ele faz análises e às vezes até tem que
ser picado nos dois braços, dá-me vontade de pegar nele e desistir de tudo. São
pequenos momentos que marcam muito,
porque custa ver o nosso filho a sofrer, dói
muito. O que me vem à ideia é que os
resultados têm sido bons e que se calhar,
Ficha técnica
DOSSIER SAÚDE é uma edição do Departamento de Publicações Especiais da Global Notícias Publicações SA
Redacção Raquel Botelho I Paginação João Taborda I Publicidade – Director José de Sousa I Gestor de Projecto Paulo Brunheim
este pequeno sofrimento, este sacrifício, vale para evitar outros sacrifícios
que poderiam ser bem piores, não é?”.
Vale, também agora, para continuar.
“Uma das razões que nos levou a continuar, foi o acompanhamento que ele
teve. No início do estudo íamos lá de 15
em 15 dias, depois passou a ser de mês
a mês. O David era muito pequenino,
tinha tido um problema grave e eu sentia-me mais segura por ele estar a ser
seguido tão de perto. E correu tudo muito bem”.
A experiência mudou alguma da percepção sobre os ensaios clínicos.
“Apercebi-me daquilo que está envolvido, que se fazem ensaios em Portugal, apesar de continuar a não saber
qual é a proporção disto. Mas fiquei com
mais curiosidade. Quando falam de um
novo medicamento ou de efeitos secundários, chama-me muito a atenção.
Acho que era muito importante que se
falasse disto porque há muito medo,
medo dos efeitos secundários, medo
que ao participar se esteja a prejudicar
a saúde. Se as pessoas estivessem
informadas, o bichinho da dúvida não
seria tão grande”.
Especial
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Especial Dia Mundial da Saude:PAG. SAUDE
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Dossier Saúde Especial - Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo