Problemas e escolhas na reconstrução da biografia de Joaquim Nabuco1
Angela Alonso
“No futuro virão talvez a conhecer-nos intimamente,
sem nenhuma reserva, por duas linhas que deixarmos...
É o caso de queimar todos os autógrafos... “
(Diários de Joaquim Nabuco, 02/01/1900)
A frente do Senado estava apinhada de moços, estudantes, cadetes, jornalistas, cidadãos
comuns, atirando os chapéus para o alto. Muitos traziam ramalhetes iguais aos que usualmente
jogavam aos pés das divas de ópera italiana em moda na cidade. A dama desta feita era uma
senhora casada, catolicíssima, uma princesa. O cavalheiro era Quincas, o Belo. Alto, bem feito
de corpo, com seus vastos bigodes, não perdera ainda, já à beira dos quarenta anos, a idade
madura do tempo, o carisma que fizera dele príncipe dos escravos. De uma das sacadas do
segundo andar, recebeu as rosas e as ovações da multidão, que gritava seu nome: Nabuco!
Nabuco!. Eram três da tarde de domingo, 13 de maio de 1888.
No Império como na República muitos seguiram Nabuco, como que encantados. Primeiro
pelo político, depois pelo intelectual, finalmente pelo mito. Nabuco foi heroicizado nos dois
regimes por razões diferentes. No auge da campanha abolicionista, construiu sua imagem como
político, emblemático do ciclo reformista de fins do Império. Figura desafiadora, antiestablishment, falando de dentro dele; galã sedutor, arrebatando em nome de uma causa
transcendente. Nabuco encarnou a reforma-mãe dos anos 1880, a mudança do regime de trabalho
e, por conseqüência, de todas as instituições sociais alicerçadas na escravidão. Brandindo-a, foi a
materialização do cavalheiro aristocrático do romantismo, combatente diário da grande
propriedade, das instituições imperiais, e do próprio Imperador.
Mas no novo regime, Nabuco trocou o palco pela pena, pesaroso das conseqüências de
seus atos. É que quando seu mundo caiu, Nabuco ficou nostálgico da tradição, apegado a todas as
instituições que achincalhara: a família, a religião e o estado. Converteu-se em amoroso da
monarquia e atraiu a ira dos companheiros de campanha reformista. Virou então homem de
1
Apresentado no Seminário Interno do Departamento de Sociologia - USP, 2008.
letras, escrevendo a história do regime ruído de par com sua própria. Seus livros de elegia ao
Império valeram-lhe o aplauso dos letrados ancient regime.
No começo do século XX, já estragado pelas doenças, Nabuco rompeu com os
Restauradores, de pazes com os correligionários do abolicionismo. Outra vez virou pelo avesso a
casaca e se tornou funcionário da República. Era ainda um senhor galante que se consagrou como
autoridade republicana, mesmo mantendo a alma monárquica. Figura respeitável, perfeito
gentleman nas maneiras, conservador moderado nas opiniões, foi o grande propagador do
panamericanismo. Tornara-se um partidário da real politik, conformado com a mudança de eixo
do mundo da Europa para a América acima de nós e partidário do alinhamento brasileiro com os
Estados Unidos - nas antípodas do anglófilo que fora na juventude.
Nessas suas três vidas, de ativista, de intelectual, de diplomata, Nabuco logrou obter o
amor do público. De sorte que quase um século depois de sua morte ainda vige sua lenda. Nabuco
teve a maestria de se pôr sempre no centro da cena, de pontificar em cenários discrepantes e
lograr a admiração pública no Império como na República. Figura híbrida, viveu entre dois
mundos. Foi sempre um cortesão devotado aos rituais e valores da sociedade aristocrática e um
defensor da modernização que os destruiria. Nabuco experimentou existencialmente esta tensão,
exibindo na vida privada como na pública, no estilo de vida, no ativismo político e em sua
produção intelectual, um amálgama de traços tradicionais e modernos. Por vezes, os harmonizou,
por vezes eles se contraditaram no interior de sua pessoa. Nabuco compõe, assim, um
personagem de transição, que se equilibrou numa difícil combinação entre formas de pensar,
sentir e agir do mundo aristocrático e da sociedade moderna.
Foi talvez essa filiação dúplice ao mundo tradicional e ao moderno que deu a Nabuco a
possibilidade de encarnar na sua pessoa faces diversas e valores díspares - o radicalismo e o
tradicionalismo -, e assim lograr incluir-se dentre os personagens que representam e pensam a
própria nação, um herói civilizador e um “pensador do Brasil”.
1. Problemas: a reputação de um ícone
O disco de Caetano Veloso, Noites de Norte, dá idéia do impacto de Nabuco na cultura
brasileira. Quase um século depois de sua morte, um trecho de sua autobiografia é musicado. O
fascínio que Nabuco suscitou num dos grandes nomes da música popular brasileira não é fato
isolado. Dentre políticos, artistas e intelectuais, Nabuco desponta como exemplo e como ícone.
Esse fascínio se alimenta de uma reputação
1
Nabuco é destas figuras símbolo de uma época, o Brasil de fins do Império. À sua
imagem meio épica, de herói abolicionista, portador de um projeto de reformas que não se
consumou, soma-se a do dândi, um dos homens mais charmosos de seu tempo. Esta alquimia deu
o mito que a literatura não cansou de incensar. Sucessivas releituras de seus atos e de suas obras
foram feitas desde sua morte, praticamente por todas as gerações que o sucederam. Nabuco é um
brasileiro que jamais pode ser visto como membro da classe dos esquecidos. Há sempre novas
edições de suas obras2, há uma fundação estatal que zela por seus documentos e que mantém
uma editora para difusão de seus escritos.
Essa reputação foi produzida no calor da hora por memórias de amigos e correligionários,
por textos de elogio fúnebre contemporâneos e, em parte, pelo próprio Nabuco. Minha Formação
(1900), autobiografia precoce, que publicou aos 40 anos, reconstrói sua carreira até o final do
Império como uma sucessão de sacrifícios em nome de uma grande causa. Escrito durante os
primeiros anos da República, o livro joga a neblina pasteurizante do memorialismo sobre as
discórdias mortais entre liberais e conservadores, católicos e livre-pensadores, para ressaltar a
divisão então mais potente entre republicanos e monarquistas. Politicamente derrotado, Nabuco
busca com suas memórias - assim como com a biografia de seu pai - acertar contas com os
republicanos, ressaltando as qualidades civilizatórias da monarquia. É por isso que em Minha
Formação, Nabuco seleciona como momentos decisivos de sua trajetória as próprias marcas de
seu grupo social: a infância na família patriarcal escravista; a conformação do gosto estético e das
preferências intelectuais na vida de corte; e a experiência político-institucional como
abolicionista como um subproduto do parlamentarismo brasileiro de inspiração inglesa3.
Nesse livro e em Um Estadista do Império, Nabuco constrói uma imagem idealizada de si
mesmo e da carreira política no Segundo Reinado. Na verdade, sua sagração como “intelectual” historiador e homem de letras - começou ainda em vida, precisamente com a publicação de Um
2
Seus principais livros foram editados pela Garnier e suas Obras Completas saíram entre 1934 e 1941,
Companhia Editora Nacional, de São Paulo, e a Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro e, em 1949, pelo Instituto
Progresso Editorial. Nessas coleções estão Balmaceda (1895); A Intervenção Estrangeira Durante A Revolta de
1893 (1896), Escritos e Discursos Literários (1901) e uma versão condensada da sua Primeira Memória para a
questão de limites das Guianas, sob o título O Direito do Brasil (1904). Também aí se encontram seus
Pensamentos Soltos - originalmente publicado pela Hachette, em Paris, em 1906, como Pensées Detachées et
Souvenirs. Minha Formação (1901), O Abolicionismo (1883), Um Estadista do Império. Nabuco de Araújo: sua
vida, suas opiniões, sua época. (1897-9) ganharam várias outras edições. Esse último voltou ao público em dois
volumes bem cuidados da Topbooks, em 1997. A Escravidão (1870), só saiu em edição póstuma da Nova
Fronteira, em 1999. Foi Voulue. Mysterium Fidei (1892-3) foi editada apenas em 1971, pela Université de
Provence e saiu em português ainda mais tarde, em 1985, como Minha Fé, pela Fundaj/Editora Massangana.
3
Em Escritos e Discursos Literários (1901), publicado no ano seguinte, a periodização ganha tônicas: até 1888,
abolicionista; de 1888 a 1894, monarquista; a partir de 1893, religioso; de 1894 a 1898, dedicado a registrar a
vida do pai.
2
Estadista do Império. Foi por esse livro, e não por O Abolicionismo, que ganhou nomeada
intelectual dentre seus contemporâneos. A leitura benevolente dos políticos imperiais, elevados
todos à categoria de grandes estadistas, ganhou franco acolhimento dentre os monarquistas
desamparados com o golpe republicano, mas também dentre os republicanos decepcionados com
o novo regime. Desde seu lançamento no final da década de 1890, Um Estadista do Império
inspirou livros parecidos, de enaltecimento de líderes do Segundo Reinado, que primam por uma
história centrada em personalidades excepcionais. Daí decorre uma vasta linhagem de
historiografia tradicional, que segue Nabuco no elogio da monarquia como ícone de estabilidade
e civilização e lamenta o “ocaso do Império” e o desaparecimento dos grandes homens públicos –
caso de Oliveira Vianna (1925).
A auto-imagem que Nabuco fez de si em Minha Formação e a imagem que fez do
Segundo Reinado em Um Estadista foram reforçadas por contemporâneos monarquistas,
escrevendo, como o próprio Nabuco, memórias no começo da República, caso de Afonso Celso
Junior (Oito anos de Parlamento) e Alfredo Taunay (As Memórias do Visconde de Taunay), que
dão destaque ao próprio Nabuco dentre os “estadistas” do Segundo Reinado, por conta de seu
carisma e de suas qualidades oratórias. Graça Aranha, secretário, amigo e emulador de Nabuco,
escreveu, em 1915, uma glorificação de A Mocidade Heróica de Joaquim Nabuco, onde equipara
o talento do literato ao do político – o que reiterou, em 1923, ao coligir a correspondência entre
Nabuco e Machado de Assis. José Maria Belo (Novos Escritos Críticos. Machado de Assis,
Joaquim Nabuco e outros artigos4), fez o mesmo, em 1917, de maneira mais comedida.
As biografias cumpriram seu papel na construção do cânon, caso de Joaquim Nabuco:
esboço biográfico, de Henrique Coelho, que saiu em 1922, e, sobretudo, da Vida de Joaquim
Nabuco, por sua filha, de Carolina Nabuco, de 1929. Neste livro, Carolina corrobora a
reconstrução que Nabuco fez da própria trajetória em Minha Formação. O livro da filha,
seguindo o do pai, engrandece seus feitos e escritos e omite passagens de sua vida. A censura
familiar pôs na sombra certas dimensões da figura, obscurecendo assim escolhas, impasses e
contradições. Fica, por exemplo, devidamente silenciada a vida afetiva exuberante de Nabuco.
De outro lado, o anticlericalismo aguerrido do jovem Nabuco se dissolve na sombra do católico
fervoroso da velhice.
4
Com pequenas alterações é o texto que aparece em Inteligência do Brasil. Ensaios sobre Machado de Assis,
Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e Rui Barbosa. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938)
3
A consagração de Nabuco se completou com a comemoração de seu centenário, em 1949,
com a edição de suas obras completas5 e com uma leva de artigos e livros encomiásticos, como o
de Celso Vieira, de título auto-explicativo: Joaquim Nabuco. Libertador da raça negra. Saíram
também Joaquim Nabuco 1849-1910, de Victor Tapié; Rui & Nabuco (Ensaios), de Luiz Viana
Filho. No ano seguinte, Olímpio de Souza Andrade publicou Joaquim Nabuco e o PanAmericanismo. Cabe destaque aí para as iniciativas de Gilberto Freyre, que escreveu um pequeno
ensaio (Joaquim Nabuco, 1948) muito sugestivo pela embocadura sócio-psicológica e
extremamente simpático ao biografado. Como deputado federal, Freyre foi o artífice da Fundação
Joaquim Nabuco, criada nesse 1949 e mantida até o presente com recursos federais. Além da
guarda da documentação e da memória de Nabuco, a Fundaj, desde então, fomenta publicações e
promove efemérides em torno de Nabuco. Ainda em 1949, Carolina organizou uma triagem da
correspondência de Nabuco, as Cartas a Amigos em dois volumes. Ainda como produto tardio
dessa leva, em 1952, Oswaldo Melo Braga produziu uma Bibliografia de Joaquim Nabuco,
relação de livros, panfletos, artigos e conferências de Nabuco e sobre ele, e um catálogo de sua
biblioteca. No mesmo ano saiu A Vida de Joaquim Nabuco, de Luiz Vianna Filho, único biógrafo
a ter acesso à documentação pessoal até hoje sob guarda da família Nabuco, e que adendou
aspectos da vida pessoal de Nabuco negligenciados pela filha: o estilo bon-vivant e os casos
amorosos. Ambos os livros, contudo, confluem para a imagem de Nabuco como herói
abolicionista, sem hesitações, sem contradições. O modelo de homem público.
Por conta da seleção empírica que disponibilizaram, essas iniciativas contribuíram para a
grande homogeneidade das interpretações sobre Nabuco. Os livros de Gilberto Freyre, de Luiz
Vianna Filho e sobretudo o de Carolina Nabuco funcionaram como matriz de informações, de
citações de documentos, mesmo de teses, repetidas pelos estudos posteriores, que constroem
análises próprias sem pesquisa empírica original. Foram mais tarde adensados com os detalhes
sobre as campanhas eleitorais de Nabuco e a transcrição de circulares eleitorais, que Fernando da
Cruz Gouvêa, da Fundaj, coligiu em Joaquim Nabuco entre a Monarquia e a República (1989),
sem avançar nova interpretação.
As análises sobre os escritos de Nabuco se avolumaram um pouco mais tarde, a partir dos
anos 1970, com novo enfoque, mas sempre embebidas da fascinação pela figura. Agora em vez
do Nabuco historiador do Império, aparece um proto-sociólogo. As novas interpretações
privilegiaram os textos de juventude de Nabuco, precisamente os que correspondem à vigência da
5
Em suas Reflexões e Reminiscências (2001), Maurício Nabuco conta a história das edições das obras do pai.
4
monarquia. E o leram a partir de chaves contemporâneas, sobretudo o marxismo, buscando em
Nabuco elementos para fazer a crítica do presente. Viram, por isso, O Abolicionismo não como
libelo político referido à sua conjuntura, mas como texto seminal para qualquer projeto de
reforma. O refinamento da análise estrutural da sociedade imperial faria de Nabuco um analista
perspicaz e um crítico contumaz da formação patrimonial e escravista brasileira – capacidade que
o colocaria acima e além de seu tempo. Esse Nabuco “pensador radical” comparece em Joaquim
Nabuco: Teoria e Práxis (1973), de Paula Beiguelman, na análise que Roberto Schwarz (1977)
fez de sua polêmica com José de Alencar, e, sobretudo, em As Desventuras do Liberalismo.
Joaquim Nabuco, a Monarquia e a República (1984), de Marco Aurélio Nogueira. Os escritos de
Nabuco são tomados como lente para a leitura das contradições do Brasil oitocentista, sobretudo
das incompatibilidades e tensões entre escravidão e capitalismo.
Por essa altura, outro centenário chamava a atenção para Nabuco: o da abolição.
Embalada por ele, surgiu uma historiografia da escravidão de tom revisionista, na linha da
história dos vencidos. Trabalhos como os de Célia Azevedo (1987) Maria Helena Machado
(1994) e Sidney Chalhoub (1990), relativizaram o papel de Nabuco no movimento abolicionista
e no próprio desfecho da questão, chamando a atenção para o abolicionismo não parlamentar,
que roubava e escondia escravos, e para levantes dos próprios cativos. Este último sim seria um
abolicionismo radical e “popular”, em contraponto ao “parlamentar” e moderado abolicionismo
de Nabuco. De radical, Nabuco passava a conservador.
Não por acaso, são desse mesmo momento dois artigos que viraram clássicos e que
confluem ambos para uma recuperação da imagem de Nabuco. José Murilo de Carvalho ressalta
e valoriza as teses de Nabuco sobre a abolição em Escravidão e Razão nacional (1988). Já em
Radicalismos (1990), de Antonio Candido, Nabuco é resgatado e posto em companhia de outros
“radicais” brasileiros, mas já com a necessária especificação de que tal radicalismo nunca
encaminhou revolução.
A nova historiografia do abolicionismo acabou suscitando uma reavaliação do sentido da
atuação de Nabuco e de seus escritos, mas também novo interesse por suas obras. Em 1997, saiu
nova e elegante edição de Um Estadista do Império, em cujo posfácio Evaldo Cabral de Melo
tangencia a discussão sobre o suposto conservadorismo de Nabuco, recorrendo a um título que
pergunta: Um Livro Elitista?. A introdução de José Almino Alencar à reedição de O Dever da
Política (2002), desloca a chave de leitura do conservadorismo para o “desencanto”, de modo a
manter o tema do Nabuco radical. E se chama precisamente Radicalismo e Desencanto.
5
Incomodada com que o que considerou um conjunto de iniciativas deliberadas para a
mitificação de Nabuco, Célia de Azevedo, vinculada ao movimento negro, publicou na revista
Estudos Afro-asiáticos, em 2001, texto ferino e provocativo: “Quem Precisa de São Nabuco?”.
Na produção mais recente, o livro de Ricardo Salles, Joaquim Nabuco – Um pensador do
Império (2002), é o texto mais equilibrado. Trata-se de reconstrução da trajetória de Nabuco, com
uma embocadura abrangente, que dá lugar tanto ao seu período radical quanto aos escritos tardios
do católico. Salles, à diferença das análises anteriores, inspira-se em Gramsci para ressaltar a
situação de “intelectual tradicional” de Nabuco, ao mesmo tempo crítico e comprometido com o
status quo imperial. Contudo, embora o livro pretenda analisar pari passu vida e obra, focaliza
muito mais os escritos que a atuação de Nabuco. E acentua a imagem de “pensador do Império”,
que é o título do próprio trabalho. Deixa assim de nos dar a vinculação das obras com o contexto
em que foram produzidas.
Já as análises sobre o período que relacionam obra e ação não privilegiam Nabuco, caso
de Maria Alice Rezende de Carvalho (1998), que toma Nabuco como ângulo para falar de André
Rebouças, e de meu livro anterior (Alonso, 2002), em que Nabuco representa um dos grupos no
interior do movimento reformista da geração 1870.
Quando tratando especificamente de Nabuco, a maioria das interpretações recentes tem
privilegiado os textos de Nabuco. Isso acontece em textos escritos a propósito de novas edições
ou de difusão de suas obras (Faoro, 1997, Alencastro, 1999, Nogueira, 1999, Carvalho 2000). E
aparece também em ensaios, como o de Moriconi (2001), que reconstrói a noção de formação de
Nabuco, e o de Benzaquén de Araújo (2004), que se detém no memorialismo. Já a crítica literária
vem se interessando por análises estilísticas dos textos de Nabuco, como o fizeram recentemente
Luiz Costa Lima (2002) e K. David Jackson (2007)..
Assim, apesar do volume da nabucodologia, a predileção pela análise de discurso fez com
que a maioria dos analistas se detivesse nos livros de Nabuco e se fiasse em relatos de segunda
mão sobre suas ações.
Os estudos biográficos praticamente desapareceram a partir dos anos 50. É verdade que
recentemente saíram estudos sobre o Nabuco diplomata. Daghlian (1988) já estudara a retórica
dos discursos do embaixador, mas apenas agora apareceram trabalhos um pouco mais alentados
sobre sua performance diplomática (Ricupero, 2005, Pereira, 2006, Dennison, 2006). Todavia,
aqui temos o problema contrário: estudos muito focalizados, sobre a atuação do embaixador, que
põem na sombra sua vida pregressa e não se detêm na análise de seus textos. O mesmo se passa
com o Nabuco acadêmico, que, à exceção de um ensaio recente de Carvalho (2003), mapeando o
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empenho e os dilemas de Nabuco na conformação da ABL, não ganhou nenhum estudo
específico.
De modo geral, portanto, as interpretações sobre os textos de Nabuco se diferenciam
conforme a fase da vida de Nabuco que privilegiam, de modo a ressaltar traços “radicais” ou
“conservadores”. Mas escamoteiam a relação entre os textos e a experiência da qual os textos são
resultado. Já as análises sobre sua atuação são muito focalizadas e perdem de vista o conjunto de
constrangimentos e de escolhas que conformou a trajetória de Nabuco.
Assim, não há trabalhos relacionado a trajetória e as reflexões de Nabuco com seu
contexto sociopolítico. Embora esse programa tenha sido muitas vezes enunciado, de modo geral
os estudos novos recorrem aos antigos como sua fonte principal ou bebem da própria narrativa de
Nabuco, por isso repisam as teses já clássicas sobre o grande intelectual ou sobre o herói
abolicionista. As reedições de suas obras e as camadas de interpretação de seus textos, de uma
parte, e a ausência de investigações biográficas recentes, se somam para reiterar a imagem
canônica e assim alimentam a reputação e a mítica em torno de Nabuco.
O primeiro e mais sério problema que tive de enfrentar na produção de uma nova
biografia de Nabuco foi, pois, o de lidar com essa reputação. Primeiro por quê para construir uma
interpretação própria, eu precisava afastar essa imagem edulcorada. Segundo por quê para
construir uma interpretação convincente, eu precisava explicá-la. Isto é, eu tinha de
simultaneamente desconstruir e considerar essa reputação. Para tanto, eu teria de identificar os
traços do indivíduo que lhe facultaram ganhar a consideração de seus contemporâneos e de seus
pósteros, sem, contudo, cair na cilada de considerá-lo como um “homem além de seu tempo”.
Isto é, eu tinha de construir uma embocadura que ao mesmo tempo evidenciasse as singularidades
de Nabuco e as explicasse a partir de seu próprio contexto. Tinha, pois, de lidar com a imbricação
– e não com a interpolação, como as biografias existentes fazem – entre vida íntima e vida
pública e entre biografia e contexto. Tinha também que suplantar a divisão entre o Nabuco
radical e o Nabuco conservador, mas, ao tempo, entender como valores relativos à mudança e à
conservação podiam coexistir na mesma pessoa.
Dois outros problemas se somaram, um relativo à natureza dos materiais empíricos
disponíveis para produzir a biografia, outro sobre a forma de apresentá-la a um público amplo,
não acadêmico. A solução de cada um desses problemas não era simples e obrigou-me a fazer
escolhas de três ordens: de abordagem, de material, de estilo.
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2. Escolhas
2.1. A Abordagem
Alzira Alves de Abreu (1999) remonta a origem do corrente interesse pelo uso das
biografias nas ciências sociais e na história à reação ao estruturalismo e à versão economicista do
marxismo, ali pelos anos 1970. Estudos de E.P. Thompson o Jacob Ginsburg seriam seminais
nessa direção, abrindo espaço para novas temáticas e enfoques e atraindo grandes nomes para
esta seara, caso de Jacques Le Goff, que, em 1996, publicou uma biografia de São Luís, e de
Norbert Elias, cuja biografia inconclusa de Mozart, foi editada em 1991. Avolumaram-se também
as prosopografias, as biografias coletivas, que visam identificar fatores sociais, geracionais e
culturais compartilhados por um dado grupo, como nos trabalhos e Christopher Charle sobre
elites. As biografias individuais, contudo, cresceram exponencialmente, seja como gênero
popular, escritas por jornalistas, seja produzidas por cientistas sociais para o grande público, caso,
por exemplo, de Peter Gay escrevendo sobre Freud.
Embora inevitavelmente as biografias sejam compelidas a lidar com o contexto em que
viveram seus biografados, a relação entre estruturas e processos sociais e a experiência individual
raramente é traçada. O mais comum é que os biógrafos resvalem para a grande armadilha
presente na construção de uma biografia, que Bourdieu chamou de “ilusão biográfica”. Isto é, que
pressuponham que “(...) que a vida é uma história (...), um deslocamento linear, unidirecional
(...), que tem um começo (...), etapas e um fim, no duplo sentido, de término e finalidade (...).”
(Bourdieu, 1996:183). Trata-se da aceitação tácita de uma linearidade na história e da capacidade
de indivíduos singulares conformarem processos e estruturas a um projeto subjetivo e deliberado.
É muito comum, inclusive, que os biógrafos se perguntem por quê dado projeto, tão finamente
elaborado, não se materializou – supondo, assim, portanto, a possibilidade das idéias
integralmente se consubstanciarem em práticas, sem sofrer constrangimentos de outras idéias,
práticas e agentes.
A ilusão biográfica reside, pois, em supor que preferências, opções e decisões se
acumulam coerentemente, numa direção subjetivamente definida. Bourdieu ataca a reconstrução
subjetivista das trajetórias individuais, que atribui demasiada importância aos motivos e escolhas
dos indivíduos, sem mapear o campo de possibilidades em que eles estão inseridos. Mais que
isso, Bourdieu denuncia o anti-sociologismo da biografia que obedece simplesmente ao ciclo
biológico, isto é, toma como armação os eventos naturais que vão do nascimento à morte de um
indivíduo, sem considerar o modo pelo qual os processos sociais lhes dão forma.
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Tanto Bourdieu quanto Elias insistem em que análise biográfica e o estudo das estruturas
e processos sociais não são incompatíveis, antes complementares. Processos e estruturas sociais
ganham sentido como experiências individuais, porém, no mais das vezes colidem no interior dos
indivíduos, gerando destinos paradoxais, que estão longe de serem histórias progressivas. A
trajetória expressa as volições, os desejos, as expectativas do indivíduo, que puderam se
constituir e se materializar na estrutura de oportunidades de seu grupo social e nas circunstâncias
delineadas em seu tempo. Há, assim, um conjunto de escolhas individuais, mas elas não se dão
livremente, dentre todos os caminhos possíveis, mas dentre o conjunto de linhas de ação
disponíveis. Ambos encaminham abordagens relacionais, em que simultaneamente se estudam a
maneira pela qual processos e estruturas sociais atravessam vidas particulares e ganham
concretude por meio delas, e o modo pelo qual, inversamente, o entrecruzamento desses
processos e estruturas produz seres singulares.
Norbert Elias pôs essas idéias em prática em seu audacioso projeto de explicar a produção
social da genialidade. Elias toma o caso mais difícil, o indivíduo ímpar, para mostrar as marcas
sociais presentes na construção do gênio, sobretudo da configuração social que permitiu seu
surgimento. Tomando a biografia de Mozart, argumenta que o conflito entre “os valores e ideais
aristocráticos da corte e os dos estratos burgueses (...) ocorria também no interior de muitos
indivíduos”. Para entender esta dimensão da mudança social não adianta recorrer a
macrocategorias; é preciso, antes, “traçar um quadro claro das pressões sociais que agem sobre o
indivíduo” (Elias, 1991:15-16;28;18), o que só é possível pela reconstrução da experiência social
vivida por um indivíduo particular. Elias elege um indivíduo especial, que está no centro do
processo de mudança investigado, e reconstrói com precisão a tensão entre seus movimentos de
individuação e as pressões sociais que o compelem a reproduzir a tradição e a romper com ela.
Assim, a biografia revela as estruturas de poder da sociedade da corte em operação, e, ao mesmo
tempo, a figuração reconstruída e sua trajetória de mudança iluminam as criações, sentimentos e
escolhas do biografado.
Meu modelo ao reconstruir a biografia de Nabuco foi o Mozart de Elias. Procurei, na
medida das minhas possibilidades e conforme as particularidades de meu caso, seguir essa
abordagem. Assim, não visei salientar um sentido na vida de Nabuco, que lhe desse
uniformidade e direção. Isto significaria resvalar para a “ilusão biográfica”. Procurei, antes,
reconstruir e evidenciar tensões e processos da sociedade imperial que transcendiam Nabuco,
mas que ganhavam concretude e se tornavam visíveis através de sua figura ímpar.
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Meu objetivo foi encarnar ações e idéias, dando singularidade ao homem que as
concebeu, mas, concomitantemente, repor pensamento e personagem no redemoinho de impasses
coletivos vivenciados por sua geração e pela elite política imperial. As transformações, tensões e
conflitos da sociedade brasileira na passagem do Império para a República funcionam como eixo
para entender as escolhas, ações, sentimentos e reflexões de Nabuco. Ao mesmo tempo, a
experiência de Nabuco, isto é, suas escolhas, ações, sentimentos e reflexões, é a matéria-prima
para entender como o processo de mudança foi vivenciado por um de seus epígonos. Concentreime em três dimensões da mudança: as inflexões no estilo de vida, no ativismo político e na
produção intelectual. Em cada um deles as tensões inerentes ao processo de modernização da
sociedade brasileira se exprimem como dilaceramento existencial em Nabuco, reverberando em
sua sensibilidade, carreira e escritos. Em todos esses planos, Nabuco expressa as características
de um personagem de transição.
No estilo de vida, Nabuco oscilou entre os dois mundos, o tradicional e o moderno.
Formado na sociedade de corte, Nabuco é figura representativa do ethos aristocrático, tendo
assimilado os traços psicossociais, os gostos, hábitos e formas de sociabilidade da sociedade de
corte. A reconstituição de seus traços sociopsíquicos permite, pois, reconstruir a persona e o
estilo de vida típicos da sociedade aristocrática brasileira. No entanto, Nabuco andou sempre no
meio fio entre o modo de vida aristocrático e a necessidade burguesa de trabalhar e fazer
dinheiro. Pertencia ao mundo tradicional pela posição social que herdou e à sociedade moderna
por sua situação econômica de homem sem patrimônio. Ele vivenciou intensamente esse conflito.
Nas decisões de ordem privada, na definição da carreira e do casamento, experimentou a tensão
entre o padrão familista, que organizava a sociedade imperial, e o impulso anti-tradicional em
direção ao individualismo e à liberdade de escolha. Foi ao mesmo tempo um namorador, arredio
ao casamento, e um defensor aguerrido do nome de família. Dândi, sempre ousou no vestuário,
mas apreciava todos os formalismos da alta sociedade. Carregando a bandeira da igualdade de
direitos, Nabuco prezou a vida toda as hierarquias sociais – um abolicionista que jamais
prescindiu de um criado. Nabuco exibe neste plano as oscilações próprias à passagem de uma
sociabilidade de corte para outra, pública e burguesa, que começava a assomar no Brasil.
No ativismo político, Nabuco combinou formas modernas e tradicionais de fazer política.
Como herdeiro da política aristocrática imperial, filho de um dos “estadistas do Império”, foi
naturalmente socializado nos cânones da política tradicional: a hierarquização geracional, a
formação de liderança por nome de família, a legitimação de opiniões pelo recurso à autoridade, a
conformação dos partidos como conjunto de facções formadas em torno de personalidades, a
10
tomada de decisões por meio da discussão interpares. Nabuco se apropriou dessa herança. No
entanto, também avançou rumo à política moderna, voltada para a opinião pública, e buscou
legitimidade nela. Por meio dos recém inventados comícios e de panfletos de persuasão, que
desafiavam o sistema político tradicional e davam voz aos que dele não participavam. Vivendo na
fronteira entre os dois campos, o das instituições políticas imperiais e da opinião pública
majoritariamente republicana, Nabuco operou como um pivô. Mas também viveu dividido entre a
fidelidade a cada campo. Foi anti-clerical, mas manteve a crença em Deus. Combateu o
latifúndio, mas nunca pregou a extinção do direito de propriedade. Criticou o sistema político
imperial, mas jamais clamou pela República. Por meio desses dilaceramentos pessoais, se
vislumbram os dilemas emergentes com a crise do sistema político patrimonial do Império e a
configuração de uma tendência rumo a formas laicas e democráticas de organização política e à
expansão da cidadania, então em ascensão na Europa.
Finalmente no plano da produção intelectual, Nabuco também expressa a transição entre o
político-intelectual do Império e o intelectual profissional da República. Durante o Império, seus
escritos foram, como os de seus contemporâneos, produzidos sempre como intervenções no
debate político. Na ausência de demarcação entre campos político e intelectual, os debates
corriam todos numa única esfera pública. Por isso, os textos são simultaneamente interpretativos
e de intervenção. Já na República, quando começa a autonomização da política partidária, com
profissionalização dos membros e regras próprias de socialização e ingresso, vários dos políticointelectuais do Império reagem conformando nichos apartados dos partidos, nos quais forjam
novas identidades para si mesmos, como produtores de idéias. Nabuco trabalhou diligentemente
na produção de uma imagem de si e de sua geração como grupo de “intelectuais”
deliberadamente afastados da lida política. É o que se vê em seus livros a partir dos anos 1880.
Nabuco abandona o engajamento do panfleto, de ataque mordaz à tradição, tal qual em O
Abolicionismo, em favor de gêneros politicamente mais frios, a história (Balmaceda), a biografia
(a do pai, Um Estadista do Império, e a própria, Minha Formação) e o moralismo (expresso em
livros de pensamentos, Pensées Detachées e Minha Fé), por meio dos quais faz o enaltecimento
melancólico da sociedade imperial. Nabuco exprime um movimento que acomete boa parte de
sua geração, alijada pelo florianismo no começo da República, em direção ao ensaio, com
predileção pelo comentário do passado, e o abandono quase completo da análise de conjuntura.
Esses alijados da política institucional se empenharam na autonomização do campo intelectual no
Brasil, nos primórdios da República. Nabuco esteve diretamente envolvido na conformação de
11
uma instituição destinada a destacar a vida intelectual da política – à qual até então estivera
umbilicalmente ligada: a Academia Brasileira de Letras.
A trajetória de Nabuco se presta, sob esses três ângulos, a evidenciar mudanças de monta
na sociabilidade, na política e na vida intelectual brasileira na passagem do Império para a
República, dando assim elementos para desafiar interpretações canônicas, como as de Sérgio
Buarque e de Raimundo Faoro, que privilegiaram as continuidades entre os dois regimes,
atentando pouco para as profundas rupturas que aí se apresentaram.
2.2. Os materiais e o estilo
As interpretações sobre Nabuco, como disse, absorvem a lógica biográfica, fiando-se nas
narrativas do próprio Nabuco e na triagem documental de sua filha. Para fugir desse trilho, a
pesquisa de fontes primárias se fez imperativa.
Para uma biografia, o acesso aos diários de Nabuco era indispensável. Minha primeira
providência foi, pois, procurar a Fundaj, onde, para minha decepção, eles não estavam. A família
Nabuco os detinha e não facilitou meu acesso a eles. Os diários estavam em processo de edição e
eu teria de esperar sua publicação, dois anos mais tarde, para lê-los6.
Na falta do diário, migrei para a correspondência. Li ou reli o muito que encontrei já
compilado e publicado7. Mas fui percebendo lacunas e pontos obscuros, personagens
aparentemente importantes mencionados de passagem. Também logo vi que a seleta de cartas
produzida pela filha excluíra amores (com exceção da esposa) e desafetos. A partir de uma lista
6
O que resta das anotações que Nabuco fez em seu diário ao longo de praticamente toda a vida adulta foram
editados e anotados por Evaldo Cabral de Mello, em 2005, como Joaquim Nabuco. Diários, volume 1 (1873-1888)
e volume 2 (1889-1910), e publicados conjuntamente pela Bem Te Vi Produções Literárias, do Rio de Janeiro, que
pertence à família Nabuco, e pela Editora Massangana, da Fundaj.
7
Ana Isabel de Souza Leão & Rego e Carmem Lúcia de Souza Leão Andrade, em 1978, fizeram o Catálogo da
Correspondência de Joaquim Nabuco. (Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais), cobrindo de
1865 a 1884. Em 1980, com Teresa Cristina de Sousa Dantas, fizeram o volume II, de 1885 a 1889. Carolina
Nabuco organizou a triagem das Cartas a Amigos em dois volumes (de 1864 a 1898 e de 1899 a 1909), para as
Obras Completas do Instituto Progresso Editorial. Antes, em 1923, Graça Aranha coligiu Machado de Assis e
Joaquim Nabuco: Comentários e Notas à Correspondência entre estes dois Escritores. (São Paulo, Monteiro
Lobato & Cia). Em 1985, José Thomaz Nabuco reuniu a correspondência com a British and Foreign Anti-Slavery
Society em Cartas aos Abolicionistas Ingleses (Recife, Massangana). José Almino Alencar e Ana Maria Pessoa
dos Santos editaram, pela Casa de Rui Barbosa, a correspondência com Rui Barbosa (Meu Caro Rui, meu Caro
Nabuco), em 1999, bem como as cartas públicas entre Nabuco e o Barão de Jaceguai (Joaquim Nabuco. O Dever
da Política), em 2002. Há cartas avulsas em Joaquim Nabuco, um Estadista: Sesquicentenário de Nascimento
(1849-1899), (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1999), de Herculano Gomes Mathias, no livro
supramencionado de Vamireh Chacon, e em A Vida do Barão do Rio Branco (Brasília, Senado Federal, 1973), de
Luis Viana Filho. No Acervo Digital da Fundaj estão As Cartas do Presidente Joaquim Nabuco e do Ministro
Americano H. W. Hilliard sobre a Emancipação nos Estados Unidos e a família Nabuco mantém parte da
correspondência privada
12
de personagens e de datas que me pareceram relevantes, comecei um levantamento da
correspondência ainda não publicada de Nabuco e que, supus, estava toda arquivada em
microfilme na Fundaj.
A própria existência da fundação8 e o acesso on-line a resumos da correspondência, passa
a impressão de um corpus documental organizado, com materiais completos e devidamente
catalogados. No entanto, a documentação passou por sucessivos processos de ordenação, sem que
nenhum deles tenha prevalecido. Confundem-se organização cronológica e temática; princípios
de classificação do próprio Nabuco e dos bibliotecários; fontes públicas e privadas. Não há um
catálogo exaustivo do que existe. Não podendo contar com um ordenamento do material, me
coube definir um ângulo de observação e buscar os materiais a partir da minha própria
problemática – torcendo para que fossem localizados. Em sucessivas buscas ao longo da
pesquisa, acabei compilando cerca de 700 cartas inéditas, escritas ou recebidas por Nabuco desde
a juventude até a morte.
Começar com a correspondência acabou se revelando muito produtivo. O diário dá o
ponto de vista apenas de Nabuco, a correspondência dá também o ponto de vista dos
contemporâneos, de parentes, namoradas, amigos, aliados e, mesmo, dos antagonistas. Muitas
vezes as cartas de terceiros descrevem situações, formulam problemas e dilemas que o próprio
Nabuco não vislumbrava – e os quais, portanto, seus diários não poderiam descrever.
Por isso – e também nisso inspirada pelo Mozart -, optei por tomar a correspondência
ativa e passiva de Nabuco como base empírica principal. Embora as cartas também embutam
certa autoconstrução de si e dos eventos que perpassam a biografia de Nabuco, nelas a
experiência aparece ainda desalinhavada, dispersa, sem um fio que lhe dê rumo e univocidade.
Por isso, me aparece estar aí a fonte mais confiável para reconstruir as conexões da trajetória
individual de Nabuco com os processos e estruturas da sociedade imperial.
Além dessa fonte, complementada depois pelo diário, tive de me haver, naturalmente,
com a autobiografia de Nabuco. Minha Formação é uma escrita retrospectiva, produzida com
finalidades políticas, e não uma narrativa objetiva e desinteressada. Por isso, a usei mais como
registro dos sentidos subjetivos atribuídos por Nabuco às suas experiências do que como registro
fidedigno das experiências mesmas. Apenas excepcionalmente, na ausência de outra fonte, tomei
dela informações.
8
Embora a maior parte das cartas, bem como documentos pessoais e panfletos, de Nabuco esteja no acervo da
Fundaj, o Arquivo Nacional duplica parte desse acervo e o Itamarati tem a documentação do embaixador,
catalogada em Joaquim Nabuco em Washington. Guia de Pesquisa (Brasília, Ministério das Relações
Exteriores/UnB, 1981). A ABL guarda material ainda não totalmente inventariado do acadêmico.
13
Optei também por trabalhar com as memórias dos contemporâneos. Elas estão para a
autobiografia como a correspondência está para o diário. O memorialismo também sofre de
anacronismo, contudo, são construções retrospectivas no plural. Cada memória expressa um
ponto de vista e, conjugadas, dão a figuração das opiniões sobre Nabuco. As memórias dos filhos
e dos amigos muito próximos delineiam a intimidade, ressaltam pontos positivos, justificam
atitudes oblíquas e são indulgentes para com os defeitos. Este é o caso das Reflexões e
Reminiscências (2001), do filho Maurício Nabuco, e em Oito Décadas. Memórias (2000), da
filha Carolina, mas também de auxiliares de Nabuco, como a já citada longa introdução de Graça
Aranha à correspondência de Nabuco com Machado de Assis; e às Minhas Memórias dos
Outros, que Rodrigo Octavio publicou em 1934. Embora não tenha escrito memórias, André
Rebouças registrou minuciosamente sua relação com Nabuco e os atos e problemas do amigo em
seu próprio diário.
Os correligionários dão memórias um pouco menos empáticas, caso de Alfredo Taunay
(1946), de Afonso Celso Junior (1898), de Anibal Falcão (1885), onde a figura de Nabuco
desponta, mas agora equilibrada pela menção a muitas outras de quilate similar. Isso acontece
particularmente nos registros sobre a campanha abolicionista, como os de Evaristo de Morais
(1924) e de Osório Duque Estrada (1918), em que José do Patrocínio assoma como um
concorrente à altura de Nabuco, em carisma e liderança. Outras reminiscências, como as de
Clóvis Bevilácqua (1927), dão acesso à opinião média da geração 1870 acerca de Nabuco. Já
Spencer Vampré (1924), Gilberto Amado (1958), Afonso Arinos (1955), reportam os ecos de
Nabuco maduro sobre a geração mais jovem. Dão a visão mais distanciada, por conta das
diferenças de idade e de status.
Talvez as memórias mais reveladoras sejam as dos amigos que se converteram em
adversários. Tendo conhecido intimamente a figura, ganharam destacamento em relação a ela,
mesmo antipatia, e expressaram com acidez juízos que não teriam veiculado publicamente em
vida de Nabuco. Esse é o caso da enorme relativização da importância de Nabuco como
diplomata e da denúncia de sua vaidade incontrolável, feita por seu amigo de juventude,
Salvador de Mendonça (1913) e, mais minuciosamente, por Manuel de Oliveira Lima (1937).
Este último, que conheceu Nabuco ainda na campanha abolicionista e serviu com ele na
diplomacia republicana, desenha um narcisista presunçoso, autoreferido, interesseiro, capaz de
mudar de cara e de idéia conforme o interlocutor. Como sumarizou numa frase, Nabuco, em
Washington “(...) ficara too American, como em Londres fora too British, na Itália too Roman e
14
na França seria too French (...)” (Lima, 1937: 212). É certo que Oliveira Lima, exagera, mas a
caricatura se faz sempre pela exacerbação de traços do caricaturado.
Outro contemporâneo que não deixa barato é José Veríssimo, que, em artigos de jornal e
na Revista Brasileira (ensaios depois reunidos em seus Estudos de Literatura Brasileira),
resenhou praticamente todos os livros de Nabuco. Sem deixar de reconhecer seus méritos como
estilista e historiador, Veríssimo, contudo, aponta o caráter faccioso da escrita de Nabuco na
República, vendo nela, sobretudo em Um Estadista do Império, a reconstrução politicamente
interessada e a defesa benevolente do Segundo Reinado, feita por um “sebastianista”, isto é, pelo
membro do Partido Monarquista que Nabuco então era. Veríssimo também aponta os traços
românticos que sobrevivem na verve de Nabuco e suas escorregadelas nas incursões mais a sério
pela literatura, caso das peças de teatro, dos poemas e de seu livro de “pensamentos” morais.
Esse memorialismo pró e contra me possibilitou reconstruir uma visão menos idealizada
de Nabuco, apresentando-o com qualidades, mas também com defeitos, numa desromantização
da figura.
Da mesma maneira que dei precedência à correspondência em vez de ao diário, e ao
memorialismo dos contemporâneos em vez de à autobiografia, igualmente optei por analisar
mais a atuação que os escritos de Nabuco e, dentre seus textos, dei prevalência não aos livros,
mas a artigos de circunstância: panfletos, artigos de jornal e discursos parlamentares.
Localizar essa produção foi bem difícil porque, ao contrário do que julgava no começo da
pesquisa, as “obras completas” de Nabuco estão longe de fazer jus ao nome. Embora a maior
parte das circulares eleitorais e manifestos e alguns panfletos de Nabuco
tenham sido
reeditados9, muitos deles tiveram de ser garimpados diretamente nos arquivos10. A Invasão
Ultramontana e O Partido Ultramontano, ambos de 1873, e dois opúsculos de 1886, O Erro do
Caso de O Povo e o Trono: Profissão de Fé Política, que saiu sob o pseudônimo de “Juvenal, romano da
decadência”, em 1869, (incluído in Dantas Silva, 1990) e de Eleições Liberais e Eleições Conservadoras, que está
no volume XII das obras completas.
10
Várias das circulares eleitorais, as 1878, 1881, 1885, 1888 e 1889 estão espalhadas em Joaquim Nabuco Entre
a Monarquia e a República. (Recife, Fundaj, 1989), de Fernando da Cruz Gouvêa. A de 1884 saiu pela tipografia
G. Leuzinger & Filhos como Conferência do Sr. Joaquim Nabuco a 22 de junho de 1884 no Teatro Polytheama.
Quase todas as conferências das campanhas eleitorais de 1884 e 1885 foram reproduzidas em Campanha
Abolicionista no Recife: Eleições de 1884: Discursos de Joaquim Nabuco, de 1885, reeditada integralmente pela
Fundaj/Editora Massangana, em 1988. O Manifesto da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, de 1880 (Rio
de Janeiro.Tipografia Leuzinger & Filhos) está na Bibliografia de Joaquim Nabuco, de Oswaldo Melo Braga. A
recusa de candidatura na República em 1890, Resposta às Mensagens de Recife e Nazaré, saiu em Escritos e
Discursos Literários. Porque Continuo a ser Monarquista, de 1890, e em Agradecimento aos Pernambucanos,
1891, foram publicados em Londres, pela Abraham Kingdon & Newnham, e estão no Acervo Digital da Fundaj,
assim como o discurso no Cassino Fluminense, A República é Incontestável, estampado originalmente na Gazeta
de Notícias, em 20 de julho de 1906.
9
15
Imperador e O Eclipse do Abolicionismo e várias de suas conferências panamericanas não
tiveram nova edição. Parte dessa produção vem sendo disponibilizada diretamente em meio
eletrônico em edições fac-similares no site da Fundaj. No entanto, vão direto ao público sem nem
mesmo o estabelecimento de autoria. A Fundaj, por exemplo, pôs na capa de um panfleto
apócrifo de 1886 o nome de Nabuco. Basta lê-lo, contudo, para perceber que se trata de um
panfleto contra Nabuco.
No caso dos discursos parlamentares, há três coletâneas publicadas 11, mas os discursos
editados correspondem a uma pequena parcela do existente, que precisam ser localizados,
página a página, na edição fac-similar das atas no site da Câmara dos Deputados. Para os artigos
de imprensa, a questão é mais crítica. Há várias seletas publicadas, mas a maioria dos artigos de
jornal permanece inédita12. Os artigos de estréia de Nabuco, em A Reforma, a maior parte do que
escreveu como correspondente para o Jornal do Comércio e para La Razón, de Montevidéu, as
colunas para O País, O Comércio de São Paulo e o Jornal do Brasil, e os artigos avulsos para o
Rio News e para The Anti-Slavery Reporter, permanecem inéditos e dispersos em diferentes
arquivos. Levantei uma centena deles, mesmo assim, não consegui a coleção completa.
Mesmos os livros não estão todos disponíveis. As primeiras obras literárias - O Gigante
da Polônia; Le Droit ao Meutre. Lettre a M. Ernest Renan sur L´Homme-Femme; Castro Alves;
L’Amour et Dieu e Escravos! Versos francezes a Epicteto - não receberam reedições.
O acesso à maioria dessa produção inédita me deu outra visão sobre a produção
intelectual de Nabuco. Sobretudo os artigos de jornal desvendam a maneira pela qual seus
grandes livros foram produzidos. No caso emblemático de Minha Formação, não se trata de uma
autobiografia concebida como tal, mas de um conjunto de artigos de circunstância em que
Nabuco expressou seu monarquismo, digamos assim, cultural, quando a censura política do
11
Discursos parlamentares selecionados compõem o volume XI das Obras Completas do Instituto Progresso
Editorial. Sob mesmo título (Discursos parlamentares. Brasília, Câmara dos Deputados, 1983), Gilberto Freire
fez uma coletânea um pouquinho diferente. Vamireh Chacon colige número menor deles em Joaquim Nabuco:
Revolucionário Conservador. Sua filosofia Política. (Brasília, Senado Federal, 2000). Os anais da Câmara e do
Senado do Império estão também publicados na coleção O Parlamento e a Evolução Nacional. (3ª Série – 18711889), do Senado Federal.
12
Estão publicados seus artigos contra José de Alencar, de 1875, em O Globo (Coutinho, 1965). O Abolicionista.
Órgão da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, que circulou entre 1880 e 1881, saiu em edição fac-similar,
em 1988, organizada por Leonardo Dantas Silva, pela Fundaj. Os artigos de “Garrison”, no Jornal do Comércio,
de 1884 e 1885, e uma seleta dos escritos para O País, de 1886 a 1887, estão em Campanhas de imprensa (18841887), volume XII, das Obras Completas, do Instituto Progresso Editorial. Uma seleção de textos para O País,
de fins de 1888, está no de apêndice de Joaquim Nabuco Entre a Monarquia e a República (Recife, Fundaj,
1989), de Fernando da Cruz Gouvêa.
16
governo Floriano não deixava espaço para opiniões políticos. Isto está no título dos artigos, que
se chamavam, bem a propósito, Formação Monárquica.
Procurei ainda pôr a produção de Nabuco em contexto, lendo os panfletos, artigos de
jornal e discursos parlamentares de seus correligionários e adversários. Nisso me vali da vasta
documentação primária sobre o abolicionismo em Pernambuco, coligida por Leonardo Dantas
Silva (1988a, 1988b, 1988c). Como essa seleta privilegia o Recife, foi preciso complementar
com uma pesquisa nos jornais da Corte, muito importantes na campanha abolicionista, e, mais
especificamente, olhar o que escreviam os concorrentes de Nabuco ao posto de líder da
campanha, sobretudo José do Patrocínio. Isto me permitiu acesso aos pontos de vista dos
contemporâneos, às outras posições no espectro politico-intelectual, às opiniões divergentes das
de Nabuco e as concorrentes com ele. Para reconstruir a cena historiográfica como um todo, me
vali muito da vasta bibliografia secundária já existente, sobretudo recorri à historiografia sobre a
campanha abolicionista e a política do Segundo Reinado13. Utilizei também tudo que achei sobre
contemporâneos pouco conhecidos, mas muito importantes para entender a trajetória de Nabuco,
caso de sua madrinha e de sua ex-noiva14.
Apesar de ter compilado tanto material, restaram muitas lacunas. A mais emblemática
delas diz respeito precisamente ao romance de Nabuco com Eufrásia Teixeira Leite,
paradigmático para traçar o entrechoque e as tensões entre escolhas privadas e públicas. Pude
reconstruir o que as poucas cartas que restaram contam ou deixam entrever. Seria fácil suprir os
hiatos com descrições verossímeis. Mas aí a narrativa entraria no reino do romance histórico.
Como diz Le Goff (1989), a biografia histórica é submissa à pressão maior, que é a da
documentação, ela impõe limites ao devaneio e nos diferencia do romancista.
O que também nos diferencia do romancista é o jargão, a linguagem conceitual, o estilo
argumentativo, com suas demonstrações, citações e reiterações. Embora nem todo mundo
obedeça a esse parâmetro, ele funciona como uma marca distintiva do estilo científico. Dele nos
valemos para defender nossas idéias, calçados em teses de autoridades que se aventuraram nos
13
Para citar os principais: O Brasil Monárquico - Do Império à República, de Sérgio Buarque de Holanda e por A
Construção da Ordem e O Teatro das Sombras de José Murilo de Carvalho, ao livro de Richard Graham,
Clientelismo e Política no Brasil, Os Últimos Anos de Escravatura no Brasil: 1850-1888, de Robert Conrad; Da
Senzala à Colônia, de Emília Viotti da Costa. Sobre o começo da República, os fundamentais foram Os
bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, de José Murilo de Carvalho, Os Subversivos da
República, de Maria de Lurdes Jannotti, e Os Radicais da República, de Suely Robles Reis.
14
Informações sobre os elas foram garimpadas respectivamente por Luís Cedro, por Ernesto Catharino e por
Hildete Pereira de Melo e Mirian Brito Falci.
17
assuntos antes de nós. Ao aceitar escrever para o grande público, aceitei o desafio de adotar outro
estilo.
A biografia foi feita de encomenda, no interior de uma coleção destinada ao público
erudito, mas não acadêmico. Daí nasceram duas restrições. A primeira ao uso das citações
acadêmicas – são proibidas as notas de rodapé. A demanda era por texto “leve”, mais próximo da
narrativa literária ou da reportagem jornalística. A segunda restrição está no título da própria
coleção: Perfis Brasileiros. Isto é, a idéia era eleger uma questão ou um aspecto da biografia e
dar-lhe relevo, mesmo hipertrofia, sem deixar de informar o leitor sobre os outros aspectos que
completam a figura.
Esse problema da forma de apresentação tinha então duas metades, uma relativa ao estilo,
outra relativa ao ângulo a ser privilegiado. Nesse segundo caso, deliberadamente elegi tomar
como ponto de vista o homem de corte. Primeiro, porque, creio, essa é a primeira natureza de
Nabuco, socializado para ser um aristocrata refinado. E, em decorrência, essa trilha é a que mais
luz lança sobre a figura e sua trajetória, sobre seu tempo e os dilemas de então. Segundo, porque
esse ponto de vista permitia diferenciar minha abordagem das anteriores, que, em graus variados,
foram presas, tal qual os contemporâneos, do carisma de Nabuco. Busquei proteção contra esse
risco também no estilo. Procurei desconectar minha prosa da de Nabuco, evitando qualquer
semelhança ou mimetismo. Assim, fugi do estilo dramático, da entonação impostada, do tom
solene de Nabuco e optei pela ironia, como arma para produzir distanciamento, e pela linguagem
coloquial, que, além de produzir o contraste – uma maneira também de emitir opiniões - tinha a
vantagem de aproximar minha narrativa de meus potenciais leitores.
O efeito dessa estratégia é difícil de avaliar. E sondar esse campo significaria migrar da
reconstrução da história desse livro para a discussão de sua recepção – tarefa que obviamente não
cabe à sua autora.
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Problemas e escolhas na reconstrução da biografia de