Livro produzido pelo projeto MARCOS NICOLAU (Org.) Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercultura PIBIC/UFPB Departamento de Mídias Digitais - DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas - NAMID Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas Gmid/PPGC/UFPB Coordenador do Projeto Marcos Nicolau Capa Keila Lourenço Editoração Digital O LIVRO DIGITAL Ana Carolina Medeiros Caldas Marriett Albuquerque Integrantes do Projeto Bruno Gomes Fabrícia Guedes Filipe Almeida Keila Lourenço Marina Maracajá Marriett Albuquerque Rennam Virginio E SUAS MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS EDITORA Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB www.ideiaeditora.com.br L788 O livro digital e suas múltiplas perspectivas [recurso eletrônico] / Marcos Nicolau (org.).-- João Pessoa: Editora Idéia, 2014. CD-ROM; 43/4pol. (2.000kb) ISBN: 978-85-7539-882-1 João Pessoa - 2014 1. Livro digital. 2. Editoração eletrônica. 3. Mídias digitais. I.Nicolau, Marcos. UFPB/BC CDU: 002:004.087 7 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Apresentação Marcos Nicolau .............................................................07 Do códice ao leitor digital: a reconfiguração do livro na cibercultura Rennam Virginio e Filipe Almeida .................................. 08 O livro digital e a interdependência dos fatores da midiatização Rennam Virginio ......................................................... 32 Livros digitais no meio editorial paraibano Marriett Albuquerque ................................................... 52 A Reconfiguração do Livro Didático em Versão Digital: Uma Ideia de Sustentabilidade Filipe Almeida ............................................................. 65 Livro Digital: Percalços e Artimanhas de um Mercado em Reconfiguração Rennam Virginio .......................................................... 81 O Livro Digital e as Novas Necessidades de Produção e Leitura Fabrícia Guedes, Filipe Almeida e Marriett Albuquerque ..... 100 Livros Digitais no Brasil: Analisando as Causas do Insucesso Rennam Virginio ......................................................... 118 A ascensão do livro digital e a autonomia do autor na cibercultura Filipe Almeida ............................................................ 137 Capa Sumário A criação do Projeto Para Ler o Digital: a reconfiguração do livro na cibercultura, no segundo semestre de 2010 trouxe consigo, não apenas a produção de eBooks e ePubs que foram sendo publicados na página do eLivre – livros eletrônicos livres (http://www.insite.pro.br/Livros.html), criada para esse propósito, mas, também a elaboração de artigos científicos apresentados em encontros da área. A presente obra é uma coletânea de todos esses artigos produzidos no decorrer de três anos, por alunos graduandos do DEMID/UFPB, que atuam como pesquisadores PIBIC e PIVIC, e por um mestrando do PPGC/UFPB. Os trabalhos contaram com a nossa colaboração, como co-autor, e foram apresentados em Congressos do INTERCOM Regional ou Nacional, pelos próprios alunos. Esse conjunto de textos compõe uma pesquisa que tem a importância de demonstrar como se deu, não apenas a evolução dos livros, desde a sua concepção como códex, passando pelo avanço da tipografia há pouco mais de 500 anos. Mostra, também, o desenvolvimento dos eBooks e dos ePubs desde suas concepções, assim como os aspectos e as questões que envolvem o mercado dos livros digitais. Constitui, por isso, um trabalho bem fundamentado que está subsidiando inúmeras outras pesquisas - tanto Trabalhos e Conclusão de Curso (TCC), quanto Dissertações de mestrado. Marcos Nicolau Professor do DEMID e do PPGC eLivre 9 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) DO CÓDICE AO LEITOR DIGITAL: A RECONFIGURAÇÃO DO LIVRO NA CIBERCULTURA Rennam VIRGINIO Filipe ALMEIDA2 1 na internet. Buscamos, neste artigo, fazer um apanhado histórico do livro, de seu surgimento a sua reconfiguração no meio digital, expondo os recursos e funcionalidades, além de discutir as discrepâncias das práticas mercadológicas atuais. Palavras-chave: Livros digitais. e-Books. Reconfiguração. Cibercultura. Introdução Resumo Séculos após a invenção da prensa de Gutenberg, que permitiu a produção em massa de livros na era moderna, o livro encontra-se reconfigurado para o meio digital, apresentando-se nos formatos eBook e epub, levando aos usuários uma nova experiência em leitura, agregando as funcionalidades e recursos que o hipertexto permite. Dentro deste contexto, não apenas o livro sofreu transformações: o mercado editorial digital, ameaçado pelos riscos de pirataria e compartilhamento que a “nuvem” possibilita, impõe aos usuários uma série de restrições que buscam impedir a livre circulação dos livros digitais Graduando do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da UFPB/CNPq. E-mail: [email protected] 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGC/ UFPB. E-mail: [email protected] O livro é, sem dúvida, um dos bens mais importantes da humanidade. Através dele, informações e conhecimentos puderam ser armazenados, difundidos e compartilhados por todo mundo ao longo da história. Para Chartier e Roche (apud PINHEIRO, 1999, p.68), livro é um signo cultural, suporte de um sentido transmitido pela imagem e pelo texto. Até a invenção da prensa de Gutenberg, no século XV, os livros eram manuscritos por escribas ou copistas, o que limitava a produção e dificultava o acesso para a leitura destes livros. A máquina criada por Gutenberg permitiu, pela primeira vez na história, a produção em massa de livros, popularizando a leitura e ampliando as possibilidades de um mercado. 1 Capa Sumário Esse desejo muito natural de se ter facilmente livros à disposição, e livros de formato cômodo e portáteis, acompanhou passo a passo a crescente rapidez da lei- eLivre 11 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) tura, que se tornara possível com a impressão do texto em tipos uniformes e móveis, em contraste com a leitura mais dificultosa dos manuscritos. Este mesmo movimento, pela acessibilidade e caráter portátil do livro criou públicos e mercados cada vez maiores, os quais eram indispensáveis ao sucesso de todo o empreendimento gutenberguiano. (MCLUHAN, 1972, p.281) O livro evoluiu e hoje também está disponível no formato eletrônico, conhecido como eBook, podendo ser lido em diversos dispositivos digitais como tablets, computadores e smartphones. Criado na década de 1970, os livros eletrônicos apresentam-se hoje em um crescente mercado, chegando a vender em alguns países mais até do que os livros impressos. Novos produtos são lançados constantemente, e com preços cada vez mais acessíveis, difundindo ainda mais o hábito da leitura de livros digitais entre as pessoas, atraídas pela tecnologia e portabilidade que oferecem. Neste artigo, procuramos fazer um apanhado histórico do livro, do seu surgimento até a sua reconfiguração no meio digital, mostrando seus formatos, suas funcionalidades e a atual problemática das barreiras mercadológicas. Escrita, tipografia e impresso A escrita é considerada uma invenção decisiva para a história da humanidade, uma forma de representar o pensamento e a linguagem humana através de símbolos. Capa Sumário A criação do sistema fonético pelos Gregos fez com que a escrita fosse disseminada por diversos povos pelo planeta. De acordo com Kerckhove apud NICOLAU (2010), o alfabeto grego tinha suas peculiaridades: O alfabeto grego era diferente dos demais sistemas de escrita, pois ao invés de obrigar o leitor a se prender ao contexto, permitiam a remoção de enunciados dos seus pontos de origem e a sua recolocação em outro local. Isso, por um lado, exigia um novo processo cognitivo da leitura e por outro, permitia a decifração e a leitura em voz alta de qualquer linha, mesmo que a pessoa não soubesse o que estava lendo, gerando implicações e desdobramentos para os processos de reprodução textual na atualidade, pois está presente também em todas as máquinas de códigos linguísticos, como uma inovação tipicamente ocidental. (Kerckhove apud NICOLAU, 2010) Alguns elementos da natureza foram responsáveis por servir de suporte à escrita, dentre eles: tabuletas de argila ou de pedra, papiro e pergaminho (considerado um dos precursores do papel). Outros foram aperfeiçoados ao longo do tempo, como é o caso do códice, também denominado de códex, que consiste numa compilação de páginas costuradas, substituindo o rolo de pergaminho e originando o pensamento do livro como objeto. Com a evolução da escrita, houve também a necessidade de organização e padronização das representações eLivre 13 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) gráficas, surgindo assim a tipografia. Os chineses foram os primeiros povos a utilizar tipos bastante rudimentares, entretanto, apenas no século XV, este conceito foi redescoberto pelo alemão Johannes Gutenberg através da prensa tipográfica. A invenção da tipografia marcou a divisão entre a tecnologia medieval e a moderna (USHER, 1929), possibilitando a mecanização da arte do escriba ou copista. Segundo Marshall McLuhan, a invenção tipográfica foi fundamental para o surgimento do impresso: ... do mesmo modo que a palavra impressa foi a primeira coisa produzida em massa, foi também o primeiro “bem” ou “artigo de comércio” a repetir-se ou reproduzir-se uniformemente. A linha de montagem de tipos móveis tornou possível um produto que era uniforme e podia repetir-se tanto quanto um experimento científico. Esse caráter não se encontra no manuscrito. (MCLUHAN, 1972, p.177) Apesar da resistência dos copistas, a impressora com tipos móveis de Gutenberg fez com que o livro fosse popularizado, tornando-o mais acessível através da redução de custos da produção em série. Para Nicolau (2010), tal invenção permitiu também que os textos pudessem ser reconfigurados através de matrizes, tornando possível a reprodução de muitos exemplares. Com isso, a tipografia tornou-se peça fundamental no sistema de impressão, originando o que conhecemos hoje por design editorial. Capa Sumário A prensa de Gutenberg A invenção da impressão a partir de tipos móveis metálicos, por Johannes Gutenberg, alemão nascido em Mainz, acelerou a circulação dos conhecimentos, e por isso é considerada uma das mais importantes invenções da idade moderna. Para entendermos melhor o que foi essa invenção de Gutenberg, vamos partir do significado de impressão. Segundo Costella (2001), impressão é a ação que produz um sinal em um corpo pela pressão de um outro corpo. Enquanto que a tipografia é uma das muitas técnicas de impressão com uso de tinta. Tipografia, portanto, é a técnica de escrever com tipos, isto é, de imprimir sinais gráficos, com tinta, pelo emprego de tipos móveis. Esclareça-se: os tipos móveis são letras soltas, cada uma se apresentando, individualmente, como um minúsculo carimbo. (COSTELLA, 2001, p.35) Antes de Gutenberg criar os tipos móveis metálicos, outros materiais eram usados para a fabricação das matrizes que serviram de base para as impressões. De acordo com Costella (2001), no século VIII já eram utilizados no Japão matrizes de madeira para impressão de talismãs. Usando essa mesma técnica de impressão a partir de matrizes de madeira, conhecida como xilografia, os chineses produziram o primeiro livro impresso que se tem conhecimento, no final do século IX. eLivre 15 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Os chineses também produziram cartas de baralho e papel-moeda. Além disso, criaram os tipos móveis, na metade do século XI, produzidos com cerâmica. Depois, foram criados tipos móveis de madeira, no Turquistão, por volta de 1300. Na Europa, os primeiros livros foram impressos a partir da xilografia, onde eram usadas matrizes de madeira. Isto é, todo o conteúdo estava “preso” numa única matriz. O uso dessa técnica barateou o custo dos livros, pois até então eram manuscritos, o que limitava a tiragem e o acesso da população a estas obras, sendo quase sempre encontrados apenas em bibliotecas e em quantidades limitadas. Porém, segundo Costella (2001), estas matrizes inteiriças de madeiras eram relativamente frágeis e por isso não suportavam numerosas prensagens, e qualquer rachadura ou desgaste em qualquer parte desta matriz, a inutilizava por completo. Além disso, como as letras estavam esculpidas em uma única matriz, não podiam ser reaproveitadas em outras. Diante disso, surgiu a invenção de Gutenberg: uma máquina de impressão tipográfica a partir de tipos móveis metálicos, composto de chumbo, estanho, antimônio e bismuto, que poderiam ser produzidos em grande escala. Esses tipos, de acordo com Costella (2001), por serem de metal, teriam uma maior resistência, permitindo grandes quantidades de prensagens sem danificar os tipos. Além de mais resistentes, os tipos criados por Gutenberg Capa Sumário eram móveis, o que possibilitaria ao artesão combiná-las e recombiná-las, aproveitando para a composição de diferentes páginas de texto. Para Mindlin (1999) esta invenção foi uma revolução mais importante até mesmo que a revolução da informática. A invenção dos tipos móveis, proporcionando a publicação de livros, desde os chamados incunábulos, que são os livros impressos entre 1455, data aproximada da Bíblia de Gutenberg, até 1500, foi uma revolução mais importante, na vida da humanidade, do que está sendo a revolução da informática. (MINDLIN, 1999, p.47) Para McLuhan (1972), graças à impressão e à multiplicação de textos, os livros deixaram de ser um objeto precioso, a ser consultado numa biblioteca: havia necessidade cada vez maior de se poder conduzi-lo com facilidade, a fim de recorrer-se a ele, ou lê-lo, em qualquer lugar e a qualquer hora. Portanto, o que Gutenberg fez, foi um aperfeiçoamento da técnica tipográfica, aliada a já conhecida técnica da prensagem, muito utilizada por papeleiros, vinhateiros e também por xilógrafos. Foi uma das mais importantes invenções da história da humanidade, por contribuir decisivamente no barateamento do livro, e consequentemente, no aumento do seu alcance a várias classes sociais, espalhando conhecimento e informações para uma grande parcela da população mundial. eLivre 17 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Os livros digitais: do surgimento a evolução Mais de cinco séculos depois da invenção da máquina de Gutenberg, que permitiu a impressão de livros em grande escala devido à utilização dos tipos móveis, surgiu um novo tipo de livro, reproduzido em uma mídia diferente do tradicional papel: o livro eletrônico. Segundo Horie (2011), um livro eletrônico, também conhecido como eBook, é uma versão digital de um livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos portáteis. Em 1971, quando Michael S. Hart digitalizou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, deu início ao Project Gutenberg. Enquanto no livro tradicional nos deparamos com o texto impresso, no livro digital nos encontramos um texto virtual, um hipertexto. “Um hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário.” (LEVY, 1996, p.40) A diferença entre um livro impresso e um livro digital não está apenas na mídia que é utilizada. A experiência da leitura também passa por transformações. Levy (1996) explica algumas destas transformações que diferem a leitura de um texto impresso de um texto virtual: O leitor de um livro ou de um artigo no papel se confronta com um objeto físico sobre o qual uma certa versão do texto está integralmente manifesta. Certamente ele pode anotar nas margens, fotocopiar, recortar, colar, proceder a montagens, mas o texto inicial está lá, preto no bran- Capa Sumário co, já realizado integralmente. Na leitura em tela, essa presença extensiva e preliminar à leitura desaparece. O suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não contem um texto legível por humanos, mas uma série de códigos informáticos que serão eventualmente traduzidos por um computador em sinais alfabéticos para um dispositivo de apresentação. A tela apresenta-se então como uma pequena janela a partir da qual o leitor explora uma reserva potencial. (LEVY, 1996, p.39) Como um exemplo de uso dessa “reserva potencial” mencionada por Levy, podemos citar a afirmação de Lemos (2011) na qual diz que o leitor é editor e distribuidor, onde a ação de edição e compartilhamento pode ser feita pelo leitor. Cresce formas e instrumentos de uma cultura letrada que se faz por uma leitura sociabilizada. O leitor é também ‘tipógrafo’ (‘Desafios da Escrita’ de R. Chartier) que pode mexer nas fontes e alterar as localizações das informações. Só há textos e leitores móveis.(LEMOS, 2011)3 De acordo com Procópio (2010), para a leitura de um livro digital, três elementos fazem-se necessários: o Dispositivo de Leitura (Hardware), o Reader e o eBook. O Dispositivo de Leitura é o Hardware utilizado (e-Reader, Notebook, Tablet, PC...). O Reader trata-se do software que auxilia a leitura do livro, e o eBook é o próprio livro, o conteúdo, logo, o mais importante dos elementos, que pode ser encontrado em diversos formatos. 3 Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011 eLivre 19 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Dispositivos de leitura Os livros digitais podem ser lidos em dispositivos não-portáteis como computadores de mesa, ou em dispositivos portáteis como palmtops, celulares e até smartphones. Porém, estes últimos por possuírem um tamanho bastante reduzido, limitam a área de visualização de informações de uma só vez. Em meados dos anos noventa surgiram os e-Readers (dispositivos dedicados a leitura de livros eletrônicos). Foram muitas as tentativas das empresas de se firmarem no mercado dos livros digitais com a venda de e-Readers, porém nenhum fez muito sucesso. O primeiro e-Reader lançado no mercado foi o The Rocket eBook. Em seguida vieram outros modelos, como o MyFriend, eBookMan e o HieBook. Estes dispositivos eram dedicados à leitura de livros e não tiveram sucesso por diversos motivos, como o reduzido número de livros digitais disponíveis e a baixa interoperabilidade dos sistemas. As empresas apostaram depois em um produto que agregava ao e-Reader outras funções, funcionando como um “organizador pessoal”: os Handhelds. Empresas importantes, como a Cassio, a HP e a Compaq lançaram seus Handhelds, porém sem o sucesso esperado. Os Handhelds eram semelhantes aos Smartphones vendidos hoje. Após inúmeros insucessos de grandes marcas, a empresa norte-americana Amazon, já com experiência neste mercado - pois vendia os e-Readers citados – lançou seu leitor de livros digitais, o Kindle, atualmente sucesso de Capa Sumário vendas. A Amazon além de vender o Kindle, vende também os livros digitais que serão lidos no dispositivo. Este ano, a Amazon já vendeu mais eBooks para o Kindle do que livros impressos.4 Outros dispositivos para leitura estão disponíveis no mercado, como o Sony Reader, Cooler, Nook, Alpha, além dos conhecidos Tablets - que também possuem a função de leitura de livros eletrônicos – Ipad, Galaxy Tab e Xoom, entre outros. O sucesso do Kindle não é devido ao dispositivo em si, e sim, porque ele possui uma grande variedade de livros digitais disponíveis para serem lidos. Como foi dito anteriormente, o mais importante é o conteúdo. “Vem hardware e vai hardware, o importante para as editoras é manter o foco no conteúdo. Pois, cada vez mais, é nisso que os consumidores irão apostar, nos equipamentos que mais trouxerem conteúdo relevante” (PROCÓPIO, 2010, p.125) Readers Para lermos os livros digitais precisamos de um software que “rode” o formato utilizado pelo livro digital escolhido. Procópio (2010) diz que um dos entraves para uma maior aceitação dos eBooks é o fato de que a maioria dos Readers (softwares) lêem um único formato de eBook. Disponível em: http://www.revolucaodigital.net/2011/05/23/amazon-venda-ebooks-livro/. Acesso em: 02/11/2011. 4 eLivre 21 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Os primeiros Readers foram: Acrobat eBook Reader, MobiPocket Reader, MS Reader e o Palm Reader (baseado no PeanutPress Reader). Hoje, destacam-se o Adobe Digital Editions (antigo Acrobat), MobiPocket Reader, Saraiva Digital Reader, Sony Reader e o Kindle Reader. Horie (2011) afirma que estes aplicativos de leitura gerenciam a biblioteca de eBooks e a maioria inclusive sincroniza os marcadores de página e anotações entre dispositivos diferentes. Formatos de eBook Os eBooks podem ser encontrados em vários formatos, o que torna mais difícil a convergência dos eBooks com os dispositivos. Procópio (2010) afirma que esse é justamente um dos fatores que impedem uma maior aceitação dos livros digitais. Entre os formatos existentes, podemos citar: ASCII, TXT, HTML, XML, OPF, PRD, PDB, PDF, WAP, WML, DOC, DocPalm, RTF, RB, EXE, SWF, KML, HLP, TK3, Mobi, Kindle Format 8 e ePub. Segundo Procópio (2010), a interoperabilidade é bloqueada a partir do momento em que existem diversos har dwares, diversos softwares para leitura e diversos formatos. Deste modo, nos deparamos com vários tipos de Readers, e-Readers e formatos, impedindo que haja uma convergência que amplie as possibilidades do mercado editorial digital. Três formatos se destacam entre os demais: PDF, Mobi (atual Kindle Format 8) e ePub. Capa Sumário PDF O PDF é o mais popular de todos os formatos, além de ser um dos mais antigos. Horie (2011) afirma que boa parte dos aplicativos e leitores de eBooks lêem este formato nativamente ou com o auxílio de aplicativos quase sempre gratuitos. O PDF apresenta algumas vantagens como a possibilidade de se criar eBooks interativos através de recursos como hyperlinks e a inserção de vídeos e animações e seu reaproveitamento para impressão. Entretanto, o PDF também possui algumas desvantagens, como o tamanho do arquivo, muitas vezes pesado, o que dificulta a leitura na maioria dos e-Readers. Outro problema do PDF é o fato de seu conteúdo ser estático, ou seja, não pode ser redimensionado de acordo com o tamanho e a tela do e-Reader, diferentemente de outros formatos, como ePub e Mobi, que se adaptam a qualquer tamanho e formato de tela. Mobi De acordo com Horie (2011), o Mobi é um formato de eBook desenvolvido pela Amazon especificamente para os eReaders da própria Amazon, o Kindle. Assim como o ePub, o Mobi também redimensiona o conteúdo de acordo com o formato e o tamanho da tela do dispositivo no qual está sendo lido, fornecendo uma visualização mais dinâmica e confortável para os leitores. eLivre 23 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Também podemos encontrar aplicativos gratuitos, desenvolvidos pela própria Amazon e por outras empresas, que permitem a visualização deste formato em computadores de mesas e em outros dispositivos de leitura de eBooks. Recentemente, a Amazon anunciou a substituição do Mobi (conhecido como Mobi 7) pelo Kindle Format 8. A troca ocorrerá devido a chegada do novo Kindle Fire, que permitirá a visualização de eBooks em diferentes diagramações, com suporte a recursos como fontes embutidas, layout fixo, elementos flutuantes, drop caps, texto em imagens de fundo e marcadores. ePub O ePub (abreviação de eletronic publication) nada mais é do que um padrão internacional para eBooks, livre e aberto. Também conhecido como o MP3 dos livros, ele possibilita uma boa leitura em diversos dispositivos tecnológicos, tais como: computadores, notebooks, smartphones eReaders e tablets. Diferentemente do PDF, onde o layout das páginas é fixo e não é permitido se alterar o tamanho da fonte, no ePub, o texto e as imagens são redimensionados de acordo com a tela do dispositivo utilizado. A base do ePub é bastante simples, pois ele é produzido em XHTML, em geral, com os mesmos códigos utilizados no desenvolvimento de uma página simples para web. Além disso, é permitido realizar alterações no estilo Capa Sumário das páginas com CSS, tornando os livros mais atrativos visualmente. De acordo com Horie (2011): Um ePub é composto, basicamente, de arquivos XML que contém o conteúdo de um livro, arquivos de imagens, acrescidos de mais alguns documentos que definem os estilos de parágrafo e caracter e um sumário, todos “envelopados” por um compactador comum. (HORIE, 2011, p.18) O formato surgiu em 2007, organizado por um consórcio de empresas chamado IDPF (International Digital Publishing Forum), entre elas Sony, Adobe, Microsoft, além de grandes editoras inglesas e norte-americanas. A adoção do padrão decorre de necessidades básicas, como a escolha de um padrão aberto que possa ser aperfeiçoado ao longo do tempo, à medida que o mercado evolui e a possibilidade do livro ser lido pela maior quantidade de aparelhos e programas possíveis, facilitando a cadeia de produção. A reconfiguração do livro e as novas possibilidades da leitura hipertextual A reconfiguração do livro para o formato eletrônico não significa apenas uma nova forma de fazer livro, publicado agora em uma mídia digital, mas também significa que o ato da leitura também sofrerá transforma- eLivre 25 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) ções devido aos recursos e facilidades que o livro digital oferece aos leitores. As novas possibilidades de leitura são um grande incentivo para a leitura de livros em plataforma digital. Segundo Levy (1996), as novas formas de apresentação do texto só nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de ler e de compreender. Apesar de todos os recursos e possibilidades que as tecnologias oferecem, pesquisas mostraram que os leitores de eBooks são conservadores5: eles preferem que o eBook seja o mais parecido possível com um livro impresso. Lemos (2011)6 afirma que o sucesso do livro eletrôni- O suporte digital apresenta uma diferença considerável em relação aos hipertextos anteriores à informática: a pesquisa nos índices, o uso dos instrumentos de orientação, de passagem de um nó a outro, fazem-se nele com grande rapidez, da ordem de segundos. Por outro lado, a digitalização permite associar na mesma mídia e mixar finalmente os sons, as imagens animadas e os textos. Segundo essa primeira abordagem, o hipertexto digital seria, portanto, definido como uma coleção de informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e ‘intuitiva’. (LEVY, 1996, p.44) O que estamos vendo é um retorno a experiências anteriores, com o aproveitamento das inovações sociais e tecnológicas do digital, principalmente no que se refere às possibilidades de produção de conteúdo, de compartilhamento de informação e de criação de redes sociais. Os e-readers emulam, com a e-ink7, muito bem o papel e a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-se muito confortáveis para a leitura. O que está em jogo aqui é usar a tecnologia digital e as redes sem fio para proporcionar portabilidade da biblioteca e uma leitura próxima da do livro impresso (sem firulas, links desnecessários, ou interatividade exagerada). O leitor nem sempre quer ser “interator”. Ele quer ler como se lê um livro em papel. A relação material é importante aqui: ler um produto acabado em uma postura corporal similar àquela da leitura dos livros jornais e revistas Os recursos que os eBooks oferecem, facilitam a interação com o conteúdo, além de permitir uma grande portabilidade: um único dispositivo pode carregar milhares de títulos, e ter - através de uma conexão com Internet - acesso imediato a outros milhares de títulos disponíveis gratuitamente ou a venda em sites de todo o mundo. “É possível carregar vários títulos (centenas e até milhares) em um único dispositivo de leitura que cada vez mais estão baratos, leves e com melhor autonomia de bateria e capacidade de armazenamento”. (HORIE, 2011, p.16) Capa Sumário co está na materialidade do dispositivo e na emulação do passado. impressas. (LEMOS, 2011)8 Disponível em:http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=295029 Acesso em: 05/11/2011 6 Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011 7 Também conhecido como “papel eletrônico” ou “tinta eletrônica”, é uma tecnologia que mimetiza o papel impresso em um display. 8 Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011 5 eLivre 27 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Podemos afirmar então, que o livro vem reconfigurando-se sob o apoio dos recursos e facilidades que a tecnologia oferece, entretanto, tentando manter a base já aceita e consagrada dos livros impressos, buscando reproduzir o impresso no digital e agregando novas funcionalidades que gerem uma maior interação leitor-conteúdo. Alguns formatos, como o Mobi, da Amazon, rodam apenas em leitores específicos, comprometendo a convergência do conteúdo. De acordo com Procópio (2010), outra estratégia utilizada pela editoras que lançam livros digitais é a aplicação de DRM, que além de Aspectos configuracionais que dificultam a expansão mercadológica dos eBooks atuar como uma senha de segurança, impedindo a cópia ilimitada de um eBook, também faz todo o traba- Alguns fatores impedem uma maior aceitação dos eBooks: a grande quantidade de formatos existentes, quase sempre, exclusivos para um único e-Reader e as DRM9 (Digital Rights Management) impostas pelas editoras e produtoras de livros digitais a fim de combater a pirataria digital. Essa situação apresenta-se como um verdadeiro paradoxo: as reconfigurações do livro sempre ocorreram visando facilitar o conhecimento do leitor, democratizando cada vez mais a leitura, e hoje, na era da cibercultura, da computação em nuvem (cloud compunting)10 e da Internet em banda larga e móvel, que poderiam funcionar como verdadeiros catalisadores na difusão da leitura diDRM, ou Digital Rights Management, são tecnologias para controlar a distribuição e a visualização de conteúdos digitais. 10 O conceito de computação em nuvem (em inglês, cloud computing) refere-se à utilização da memória e das capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da Internet, seguindo o princípio da computação em grade. Wikipedia 9 Capa gital, nos deparamos com barreiras mercadológicas que freiam essas possibilidades. Sumário lho de porcentagem para terceiros e quantificação de número de cópias vendidas. Para os formatos Mobi e ePub, já existem sistemas de DRM modernos e relativamente seguros. Podemos dar um exemplo dos problemas que um eBook protegido pode gerar: um eBook em um certo formato, protegido por uma DRM, não pode ser convertido para outro formato. Ou seja, se tivermos um eBook em formato Mobi (formato de eBook para leitura no Kindle), não conseguiremos converte-lo em PDF para podermos ler em qualquer outro dispositivo. Diante disso, fica claro que as potencialidades de expansão do conhecimento através dos livros digitais estão comprometidas devido aos interesses mercadológicos, que vem limitando o uso e a liberdade do consumidor para utilizar da maneira que achar conveniente o seu produto. eLivre 29 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Conclusão Após séculos de história, o livro, até então existente apenas em meio impresso, hoje aparece reconfigurado, com uma nova possibilidade de publicação: o formato digital. A dinâmica de produção, difusão e leitura agora é outra - os autores podem publicar diretamente e gratuitamente na web ou podem enviar diretamente para a editora; a facilidade de produção é impressionante. Novas ferramentas e funcionalidades estão disponíveis para os leitores, também atraídos pela interatividade e portabilidade que o livro digital oferece. Entretanto, estas novas possibilidades nem sempre atendem a necessidade dos usuários, acostumados com a liberdade quase sempre presente no ciberespaço. Os entraves mercadológicos e a grande quantidade de formatos existentes impedem uma livre circulação dos livros digitais entre os leitores. É também correto afirmar que mesmo com as restrições tecnológicas e de mercado, sempre há formas de burlar os processos de controle, e as empresas vem trabalhando para desenvolverem formas ainda mais seguras de proteção. Diferentemente do que acontece com um livro impresso, onde o leitor tem total liberdade para emprestá-lo a qualquer momento, com o livro digital isso nem sempre pode acontecer, contrariando a história do livro, que sempre se reconfigurou buscando facilitar o conhecimento do usuário. Capa Sumário O livro não foi invenção de Gutenberg, mas ele permitiu a sua reprodutibilidade como suporte e produto vendável em larga escala; agora essa escala de reprodutibilidade ganha uma dimensão inimaginável. Uma coisa é certa: uma vez lançado na rede, o livro ganha vida própria e não pode mais nem sequer ser retirado da internet, pois passa a habitar a nuvem. O cenário atual do mercado editorial digital mostra um amplo domínio da empresa americana Amazon, que produz o Kindle, leitor de livros digitais e disponibiliza para venda uma imensa gama de títulos para serem lidos neste mesmo leitor, através de um formato exclusivo, o Mobi (agora chamado de Kindle Format 8). Existem outras empresas crescendo no mercado, mas quase sempre impondo essas mesmas práticas, dando prosseguimento às barreiras mercadológicas. Diante dessa situação, os leitores de livros digitais, encontram-se presos aos limites impostos pelo mercado, que contrariam a lógica do livro como um instrumento de difusão do conhecimento e da leitura. Nesse contexto, o usuário, a partir do momento em que ele é impedido de fazer o que bem entender, deixa de sentir-se dono de um livro. Hoje, faz-se necessário repensar as práticas do mercado editorial digital. Livreiros, agentes literários e editores tradicionais vão ter de se adaptar aos novos tempos, buscando ampliar as possibilidades de compartilhamento, permitindo que o livro continue sendo instrumento de difusão de informação, conhecimento e cultura para todos os povos. eLivre 31 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Referências PROCÓPIO, Ednei. 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Introdução O LIVRO DIGITAL E A INTERDEPENDÊNCIA DOS FATORES DA MIDIATIZAÇÃO1 Rennam VIRGINIO2 Resumo Mediante a relevância do processo de midiatização na sociedade e os fatores que compõem esse processo, nosso objetivo é apresentar o livro digital como um exemplo da relação de interdependência entre estes fatores. As interações e recursos possíveis com o livro digital traz aos leitores uma nova ferramenta de leitura, capaz de permitir uma rede de compartilhamento e troca de informações e conteúdos, característicos da midiatização. A partir dos fatores mercadológicos, humanológicos e tecnológicos da midiatização, faremos uma análise de suas atuações e influências no mercado do livro digital, também conhecido como eBook. Palavras-chave: Livro digital. Midiatização. Fatores da midiatização. Mercado editorial. Artigo originalmente publicado no livro Midiatização e Cotidiano: Reflexões sobre as Interações Tecnomediadas (Editora Ideia). 2 Graduando de Comunicação em Mídias Digitais - DEMID/UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC), UFPB/CNPq. Email: [email protected] 1 Capa Sumário Séculos se passaram desde o surgimento do livro impresso como conhecemos hoje. Até chegar ao modelo atual, o livro se apresentou em formato de rolo e foi publicado em papiro e pergaminho. Entretanto, não foram apenas as mídias que sofreram transformações e alteraram os materiais e modelos mercadológicos de certos produtos. Com as novas tecnologias da área comunicacional, os comportamentos e as relações sociais também sofreram mudanças significativas e que hoje caracteriza a “sociedade midiatizada”. De acordo com Fausto Neto (apud SGORLA, 2009, p.63), essa “sociedade” apresenta: sua estrutura e dinâmica calcada na compressão espacial e temporal, que não somente institui, como faz funcionar um novo tipo de real, cuja base das interações sociais não mais se tecem e se estabelecem através de laços sociais, mas de ligações sociotécnicas. Sgorla (2009) resume midiatização como múltiplos entrecruzamentos entre as tecnologias midiáticas, campos e atores sociais, e meios de comunicação social tradicionais e a sociedade. A partir de tal afirmação, podemos incluir o livro digital – também conhecido eBook -, segundo Horie (2011, p.15) “uma versão digital de um livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos portáteis”, como um exemplo de produto integrante do eLivre 35 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) processo de midiatização. O livro digital têm gerado discussões sob as mais diversas perspectivas ideológicas, culturais e mercadológicas, o que aumenta a relevância do produto como um objeto de estudo. As vantagens apresentadas pelo livro em formato eletrônico são várias, como a facilidade de portabilidade e a dispensa do uso do papel para impressão, o que consequentemente torna o livro digital mais barato que o livro impresso. Entretanto, diversos fatores contribuem para que o crescimento do livro digital não seja tão grande quanto o esperado pelos apostadores desta tecnologia, como as artimanhas praticadas pelas editoras e vendedoras de eBooks numa tentativa de impedir a pirataria e manter seus lucros. Todo esse processo, que vai desde a produção dos livros digitais para atender a demanda dos leitores até os entraves mercadológicos, constitui o processo de midiatização, pois altera relações sociais e cria novas situações e modelos de negócios, protagonizado pelo jogo de interesses dos vendedores de eBooks, o que acaba gerando uma situação de heteronomia aos compradores, tornando-os “reféns’ das vontades do mercado, com a impossibilidade de compartilharem seus livros e conteúdos. Diante da relevância desses dois objetos aqui apresentados – midiatização e livro digital -, neste artigo, iremos analisar e exemplificar três dos principais fatores que compõem a midiatização, a partir do estudo Capa Sumário de Nicolau (2012): fator mercadológico, humanológico e tecnológico, demonstrando a relação de interdependência de tais fatores. O livro digital: panorama atual de um mercado em crescimento Percebemos hoje no meio dos livros digitais uma crescente aceitação por parte dos novos leitores desta mídia. Consequentemente, o mercado tem acompanhado este crescimento, sobretudo nos Estados Unidos e no Oeste Europeu, onde estão localizados os países mais ricos deste continente. Nos EUA, a Amazon já vende – desde o ano passado -, mais eBooks do que livros impressos. Vale salientar que esse sucesso deve-se principalmente ao fato de que a Amazon oferece aos leitores um eReader (Kindle) de baixo custo e uma grande variedade de títulos a venda com preços em torno de dez dólares. Deste modo, os usuários tem o “suporte” necessário para comprarem eBooks e continuarem usando essa tecnologia. O mercado é dominado por poucas empresas que detém a maior fatia do mercado, como a norte-americana Amazon – maior vendedora de eBookse e Readers do mundo – e a Kobo, empresa canadense que ganhou espaço nos último anos e já ameaça a Amazon. É importante ressaltar que a Kobo já se instalou no Brasil e iniciou as vendas de seu leitor, enquanto que a Amazon deve iniciar suas atividades no início de 2013. Ambas já adiantaram eLivre 37 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) acordos com editoras brasileiras. Inevitavelmente, a chegada dessas empresas cria uma forte expectativa quanto ao impacto mercadológico que podem causar. Amazon e Kobo encontrarão no Brasil um mercado de livros digitais, ainda pequeno, com poucos títulos e adeptos a esta tecnologia, reservada a um pequeno nicho de consumidores. A aposta destas empresas está no potencial econômico do Brasil e na própria cultura de sua população, movida pelos anseios de compartilhar e interagir com novas tecnologias. Esses anseios são apenas um dos elementos que movem o fator humanológico da midiatização presente no contexto dos livros digitais. Uma nova tendência que vem ganhando espaço e investimentos no mercado dos livros digitais é a “auto-publicação”, que funciona da seguinte maneira: o autor envia seu livro em arquivo PDF ou DOC para uma empresa que oferece este serviço. A empresa contratada fará a editoração digital e a intermediação com as livrarias para que o autor – caso deseje vender -, ganhe a sua porcentagem relativa às vendas do livro digital. No Brasil, a Simplíssimo é a empresa que tem investido neste serviço, firmando parcerias com importantes livrarias, como a Saraiva, Cultura e a iBookstore (Apple). Assim, a empresa consegue atrair clientes, pois garante a venda legalizada do livro digital (em formato ePub) em uma grande livraria. Para os autores independentes, esse serviço surge Capa Sumário como uma interessante opção para aqueles que querem publicar suas obras. Os livros digitais permitem um alcance maior da obra, pois a reprodução é ilimitada, além de não haver gastos com impressão e transporte, o que reduz os custos de produção e, consequentemente, amplia os lucros gerados pelas vendas. Os eBooks no contexto da Midiatização (ou simplesmente “Os fatores da midiatização”) Os livros digitais representam, sem dúvida, um produto decorrente do processo de midiatização, definida por Sodré (2006) como uma ordem de mediações socialmente realizadas, configurando um tipo particular de interação, que podemos chamá-la de tecnomediações. Estas, por sua vez, ainda segundo o autor, são caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível. O conceito de mediação também é definido por Sodré (2006) a fim de diferenciá-lo do termo midiatização. Segundo o autor, mediação é a ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes, através de diferentes tipos de interação. Também é importante explicitar o processo e o contexto histórico no qual se dá a midiatização. De acordo com Fausto Neto (2006, p.2-3), A midiatização situa-se em processos e contextos históricos e em percursos de desenvolvimento de alta com- eLivre 39 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) plexificação que impõem a necessidade de considerar mecanismos de explicação que são atualizados no movimento destes próprios processos históricos e nos quais se passa o desenvolvimento das técnicas, dos processos e das práticas de comunicação. Nestes termos, a sociedade na qual se engendra e se desenvolve a midiatização é constituída por uma nova natureza sócio-organizacional na medida em que passamos de estágios de linearidades para aqueles de descontinuidades, onde noções de comunicação, associadas a totalidades homogêneas, dão lugar às noções de fragmentos e às noções de heterogeneidades. A partir da afirmação de Fausto Neto (apud GARCIA, 2011) de que a midiatização manifesta-se no momento em que surgem novas formas de fazer, de perceber e de apropriar-se dos produtos midiáticos, isto é, quando as práticas sociais são afetadas pela lógica midiática, podemos afirmar que os livros digitais estão incluídos no processo de midiatização, pois os livros digitais trazem uma nova experiência para a leitura e o livro em si, baseada não só nas inovações tecnológicas aqui representadas pelos eReaders e outros dispositivos eletrônicos compatíveis, além dos formatos de publicação que vem ganhando novos recursos e encriptações -, como também nas questões mercadológicas, quem impõem barreiras visando combater a pirataria e aumentar seus lucros. O cenário de conflito provocado pela tecnologia e o mercado, ocorre ao mesmo tempo em que os usuários Capa Sumário – aqui entra o fator humanológico -, querem compartilhar seus conteúdos, mas se veem presos as “artimanhas” provenientes do conflito tecnologia x mercado. O eBook traz ao campo social um situação nova, que contradiz o papel histórico do livro, até então “livre” de barreiras mercadológicas. As tecnologias atuais são capazes de proporcionar aos adeptos dos livros digitais uma experiência de compartilhamento e interação ampla, baseadas nos recursos de hipertexto que, segundo Levy (1997, p.33), é “um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequencias sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos.” O alcance e as possibilidades do hipertexto podem ir além da imaginação humana: “Navegar em um hipertexto significa, portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.” (LEVY, 1997, p.33). Entretanto, essas possibilidades esbarram no atual modelo de negócio utilizado pelas editoras e livrarias que exploram a venda de livros digitais, conseqüente das ações anti-pirataria impostas pelo mercado. Aqui encontramos uma situação de incongruência protagonizada pelos fatores mercadológicos e tecnológicos da midiatização, que por fim acaba prejudicando os usuários, atores que movem o fator humanológico. eLivre 41 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Por se tratar de um processo complexo, a midiatização apresenta-se, portanto, alimentada por “agentes”, aqui denominadas como “fatores”: Existem inúmeros fatores atuantes na cibercultura, capazes de provocar fenômenos comunicacionais os mais diversos e que vêm sendo apontados por muitos autores, como responsáveis por novas ordens sociais que deflagram a midiatização. Flores e Barrichello (2009) afirmam que, além da tecnologia, outro fator decisivo para que a ordem social e o modelo cultural contemporâneo alcancem a feitura atual diz respeito à localização da mídia no centro da sociedade, bem como à expansão de suas lógicas para outros campos sociais. Para essas autoras, também baseadas nos estudos de Sodré (2006) e Fausto Neto (2006), a midiatização é um processo relacional resultante de fatores que interferem nas realidades de origem, sendo configurados de acordo com as lógicas das mídias. (NICOLAU, 2012, p.2) Existem diversos fatores que influenciam na midiatização, entretanto, tomaremos aqui os três fatores apresentados por Nicolau (2012) – Humanológico, Tecnológico e Mercadológico – e suas respectivas ações, influências e consequências no contexto do mercado editorial digital. Fatores humanológicos Segundo Nicolau (2012), o fator humanológico se baseia no desejo latente de participação cultural a partir Capa Sumário do compartilhamento de ideias e opiniões através das tecnomediações, além de sustentar-se em Sodré (2006) ao afirmar que a virtualização das relações humanas presente em determinadas pautas individuais de conduta baseadas nas tecnologias da comunicação, é um dos aspectos que confirma a hipótese de que a sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, processo muito diferente da mediação por este ter um caráter meramente relacional, embora consolidado socialmente. Além dos anseios de compartilhar suas idéias e opiniões fazendo uso das tecnomediações, também podemos destacar como um dos componentes do fator humanológico da midiatização - no que tange a questão dos livros digitais - , a necessidade de portabilidade, pois um único dispositivo eletrônico pode armazenar milhares de livros. Também podemos destacar o interesse dos usuários de acompanharem as tendências tecnológicas e podemos citar como exemplo os produtos da Apple, que viraram uma tendência e hoje atrai uma legião de fiéis usuários que cresce a cada dia. A questão já abordada anteriormente da “auto-publicação” também pode ser considerada: agora os autores não precisam mais de gráficas ou assinar contratos com editoras para terem seus livros produzidos, publicados e vendidos, e isso sem dúvida representa uma alteração no modelo de produção e comércio de livros, que agora pode ser feito totalmente online. “A nossa necessidade premente de participar desta esfera existencial de com- eLivre 43 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) partilhamentos, baseada nos aparatos tecnológicos e movida pelos impulsos mercadológicos, reforçam a grande influência do fator humanológico no processo social da midiatização.” (NICOLAU, 2012, p. 4) No que tange a experiência de ler livros em dispositivos eletrônicos e quais seriam as motivações que estruturam o fator humanológico, podemos considerar a seguinte afirmação de Levy (1996, p.40): “A digitalização e as novas formas de apresentação do texto só nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de ler e de compreender” Temos, portanto, uma relevante quantidade fatores humanológicos, constituído de interesses e transformações sociais que hoje movimentam e participam do processo de midiatização. Fatores tecnológicos Destacamos o fator tecnológico por este exercer uma função de destaque no processo de midiatização, atuando em constante relação com os fatores humanológicos e mercadológicos – que serão conceituados e exemplificados na sequência do presente artigo -, embora essa relação não se configure de forma harmônica. do ações danosas, como a pirataria, que gera incalculáveis prejuízos ao mercado. Percebe-se então a forte relação, tanto positiva quanto negativa, do fator tecnológico e como as funções pensadas a priori para os produtos tecnológicos podem ganhar outros usos, atrapalhando a própria indústria e o mercado. Os aparatos tecnológicos produzidos pela indústria, disponibilizados aos milhões e com alcance global, chegam às mãos das pessoas e ganham vida própria. São transformados, manipulados, adaptados para que possam cumprir funções, muitas vezes, diferentes para as quais foram criados. No âmbito do cenário mundial de tecnologia, instaura-se a computação pervasiva que permeia toda a vida social do planeta em suas distintas sociedades; instaura-se a ubiquidade da comunicação, sem fronteiras de idiomas, raças ou crenças. (NICOLAU, 2012, p.5) O fator tecnológico apresenta, portanto, uma contraditória relação do fator tecnológico com os outros fatores do processo de midiatização aqui destacados e que serão discutidos detalhadamente mais adiante. A indústria é quem movimenta este fator, produzindo os aparatos tecnológicos necessários para a realização das tecnomediações. Entretanto, esta mesma indústria produz softwares e hardwares que acabam possibilitan- Capa Sumário eLivre 45 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Fatores mercadológicos Este fator apresenta importante participação no processo de midiatização no contexto dos livros digitais, uma vez que, as movimentações do fator tecnológico são decorrentes das demandas do fator mercadológico. A partir disto, podemos afirmar que o fator tecnológico é uma consequência do fator mercadológico, e que este, por sua vez, atende aos anseios explicitados no fator humanológico. Temos agora, uma nítida demonstração de que os fatores da midiatização atuam em uma relação de constante interdependência, a qual iremos aprofundar no decorrer deste artigo. As afirmações de Nicolau (2012, p.5) reforçam esta ideia, além de chamar atenção para questão dos direitos autorais, presentes em todos os ramos do mercado das mídias digitais, inclusive dos eBooks: O fator mercadológico é determinante para que sejam desenvolvidas as bases inovadoras das tecnologias da informação e da comunicação, proporcionando a produção dos aparatos técnicos capazes de atender as necessidades comunicacionais. Mas é também no cerne deste fator que tem havido os mais acirrados embates entre os que defendem o controle sobre os direitos autorais e os que pregam a pirataria como uma prática natural na internet, por exemplo. No mercado dos livros digitais, os fatores mercadológicos tem se apresentado como o maior empecilho para Capa Sumário o crescimento deste produto, sobretudo no Brasil, onde as editoras ainda se mostram inseguras neste mercado, lançando poucos livros em formato eletrônico e aplicando preços semelhantes aos praticados nos livros impressos. O fator mercadológico se apresenta, portanto, como um fator decisivo para a midiatização, pois não só age na busca de atender aos anseios do fator humanológico, como também entra em conflito com este mesmo fator e com o fator tecnológico a partir do momento em que começa a impor barreiras e dificuldades comerciais. Tais ações, caso ocorram de modo brusco e duradouro, pode gerar consequências graves, como o desinteresse dos usuários (fator humanológico) em seguir usando tal tecnologia, o que afetaria a indústria (fator tecnológico) e o próprio mercado (fator mercadológico). Os fatores da midiatização no mercado dos eBooks: uma relação de interdependência Após apresentar os três fatores da midiatização escolhidos para serem abordados neste artigo, podemos agora aprofundar no objetivo principal, que é expor a relação de interdependência existente entre estes fatores, elencando um fator ao outro. Essa relação interdependente apresenta-se como uma espécie de “ciclo” contínuo, onde as ações de um fator acabam por influenciar nas ações praticadas e sofridas pelos outros fatores. Podemos elencar diversas situações eLivre 47 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) onde os fatores atuam de forma harmônica ou contraditória, porém, para o presente estudo, exemplificaremos apenas alguns casos. Tomando por base o já mencionado desejo dos usuários de estarem sempre compartilhando informações, opiniões, ideias e conteúdos – caracterizando, portanto, o fator humanológico -, temos por consequência a ação do fator mercadológico, representado pelo interesse das empresas de venderem produtos que atendam a essa demanda, buscando obter o maior lucro possível. Nesse momento, a indústria produz os aparatos tecnológicos necessários para que o mercado atenda às necessidades humanas. Até então, podemos visualizar uma relação de interdependência entre os fatores da midiatização, mas que ocorre sem conflitos entre as partes. Entretanto, a partir do momento em que o fator humanológico desperte interesses que busquem maior autonomia no uso dos produtos, como o compartilhamento livre de conteúdos, o que ameaça os lucros do mercado e gera os primeiros conflitos e contradições dos fatores da midiatização. Vale ressaltar, que os produtos tecnológicos quase sempre permitem brechas – intencionais ou não -, para a pirataria e o livre compartilhamento, que prejudicam o mercado e a própria indústria. Quando os anseios dos fatores humanológicos não são atendidos, não temos apenas um conflito mercadológico x tecnológico, mas também humanológico x mercadológico, conforme afirma Nicolau (2012, p.5): Capa Sumário Voltando ao princípio de que o fator humanológico tem como base as vontades humanas mais intrínsecas de usar os aparatos tecnológicos para relacionamento, participação, opinião, compartilhamento é de se compreender que este se articula com o fator tecnológico e entra em conflito com o fator mercadológico, estabelecendo uma negociação constante. A figura a seguir exemplificará as relações expostas no presente artigo para uma melhor compreensão do estudo. Figura 1 – O ciclo contínuo da relação interdependente entre os fatores da midiatização Fonte: o autor eLivre 49 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) No contexto do mercado dos livros digitais, temos Considerações finais como principal entrave para o crescimento deste produto, protagonizado pelo fator mercadológico, motivado pela questão dos Direitos Autorais. Os leitores de livros digitais não têm a mesma “liberdade” que um leitor de livro impresso, capaz de emprestar ou tirar cópias sempre que quiser, ou seja, o adepto dos eBooks parece não ter a mesma autonomia sobre sua propriedade se comparado a um leitor de livros impressos, gerando um descontentamento e uma pressão sobre as empresas, que, por sua vez, impõem táticas para impedir o livre compartilhamento e pirataria, a fim de evitar prejuízos. Esse caso reforça a ideia de que as relações de interdependência dos fatores da midiatização se constroem tanto de formas positivas e complementativas quanto de formas negativas e conflituosas. Certamente, existem outros tantos casos que podem ser explorados nesta perspectiva, mas que serão tratados neste artigo. Algumas poucas transformações e novidades vêm acontecendo no mercado de livros digitais, principalmente no Brasil, e que merecem atenção, pois podem significar o surgimento de novas formas de relacionamento entre os fatores da midiatização e que deverão ser estudadas futuramente. Capa Sumário O processo de midiatização alterou de várias formas as relações não apenas sociais, mas também mercadológicas, e tal processo é decorrente da influência dos fatores da midiatização apresentados neste artigo. O livro digital apresenta-se como um produto de forte potencial mercadológico, bem como cultural e educativo, pois permite um alcance inestimável após ser lançado na rede mundial de computadores. Esse alcance, que pode representar a difusão de conhecimento é o mesmo alcance que preocupa as editoras, ameaçadas pela pirataria, cuja prática reduz seus lucros. Nos EUA e em alguns países europeus, o eBook já atinge bons números de vendas e aceitação, enquanto que, no mercado brasileiro, o livro digital ainda dá seus primeiros passos e as razões para esse “atraso” são várias, como a resistência das editoras em apostar neste mercado, a falta de mão-de-obra especializada na produção de eBooks em formato ePub, a oferta de e-Readers com preço acessível e indisponibilidade de títulos em português a preço competitivo. Os fatores da midiatização atuam de forma conjunta e interdependente: tanto pode se apresentar de forma harmônica, em que se complementam e beneficiam umas as outras, como também em situações de conflito, quando os interesses de um ou mais fatores são contrariados por outro. eLivre 51 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) De acordo com Garcia (2011), temos a interatividade como principal ferramenta da comunicação no processo midiatizado, isto é, existe a efervescência desse modelo comunicacional participativo, colaborativo e convidativo. O livro digital apresenta essas características, pois é capaz de permitir aos leitores uma troca de conteúdos e, inclusive, de opiniões a partir de softwares e aplicativos que dispõem de recursos como: inserir comentários e marcações no texto, para ser compartilhado e alterado de forma cooperativa entre vários usuários. Nitidamente, existe um impasse, no qual, tanto o total controle dos livros digitais por parte das editoras, quanto à liberação exacerbada desses conteúdos para os leitores, são atitudes extremas e que sugerem a necessidade de se encontrar um meio-termo que atenda ao interesse de todas as partes, gerando assim um modelo de negócio atraente do ponto de vista econômico, mas também garantindo a autonomia dos leitores de livros digitais. Portanto, temos no livro digital um exemplo de como os fatores da midiatização se relacionam de forma interdependente, expondo os anseios dos usuários e os conflitos gerados pelas divergências de interesses entre estes fatores - e é isso que contribui para uma situação de constante negociação que pode vir a beneficiar toda a sociedade. Capa Sumário Referências GARCIA, Adriana Domingues. Nem tudo é midiatização: como entender, ver e analisar a complexidade dos processos comunicacionais sem banalizar. In: Emancipação, Ponta Grossa, 11(2): 215-224, 2011. Disponível em <http://www.revistas2. uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/1757>. Acesso em: 20 de nov. 2012. FAUSTO NETO, Antônio. Midiatização, prática social - prática de sentido. In: Encontro da Rede Prosul: Comunicação, Sociedade e Sentido. 2005, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: UNISINOS, 2006. HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks – Volume 1: Arte-finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Ed. 34, 1997. ______. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996. NICOLAU, M. “Menos Luiza que está no Canadá” e o fator humanológico da midiatização. In: Revista Culturas Midiáticas, João Pessoa, ano 5, n. 8, jan./jul. 2012. p. 1-12. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/ppgc/smartgc/uploads/arq uivos/907aad9df920120611090301.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2012. SGORLA, Fabiane. Discutindo o processo de midiatização. In: Mediação. Belo Horizonte, v. 9, n. 8, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.fumec.br/revistas/index.php/mediacao/article/view/285/282>. Acesso em: 21 de nov. 2012 SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In: MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. 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Além dessa coleta, foram usadas, como base para este artigo, entrevistas feitas com professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) diretamente envolvidos nesse campo de estudo e produção, bem como, com o diretor de uma editoras paraibanas que já começa a se familiarizar com o formato (Editora Ideia). Esse apanhado permitiu Artigo originalmente publicado no XIV Congresso de Ciência da Comunicação na Região Nordeste - Intercom. Recife, 2012. 2 Graduanda em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Integrante do projeto Para Ler o Digital. Email: [email protected] 1 Capa Sumário Quem nunca ouviu a expressão “não julgar um livro pela capa”? Com as plataformas digitais cada vez mais populares hoje em dia, é provável que nos deparemos com uma derivação, “não julgar um livro pelo seu formato”. Primeiro em rolos, depois a utilização de folhas de pergaminho encadernadas. Com a introdução do papel (inventado em 105 d.C. pelo chinês Cai Lun) na Europa, graças à vitória dos árabes sobre os chineses na batalha de Talas em 751 d.C. que permitiu a captura de artesãos que iniciaram a produção de papel em Bagdá cerca de 40 anos após o episódio. Uma importante inovação, para a palavra escrita, foi a de substituir o rolo de papiros ou de pergaminho pela encadernação de folhas de pergaminho, de tamanho regular, sob forma de livro, permitindo que se escrevesse nos dois lados da folha. O difícil processo de ler, mediante o gradual desenrolar de papiros ou pergaminhos, ficou substituído pelo fácil manuseio de um texto escrito em folhas costuradas por sua margem esquerda, ou direita, para eLivre 55 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) certas grafias, graças ao sistema de códex, inventado pelos cristãos no século IV d.C.. (JAGUARIBE, 1999, p. 24) O movimento seguinte, que permitiu a revolução na forma de produzir os livros, deu-se com a invenção dos tipos móveis de metal por Gutenberg, que possibilitaram a reprodução de textos com velocidade e facilidade superior à que era feita até então. Após este grande salto, as tecnologias editoriais continuam avançando até então. A evolução é notável, não só na forma de produção de livros, como no grande investimento em novas plataformas de leitura. Os recursos que os eBooks oferecem, facilitam a interação com o conteúdo, além de permitir uma grande portabilidade: um único dispositivo pode carregar milhares de títulos, e ter - através de uma conexão com Internet - acesso imediato a outros milhares de títulos disponíveis gratuitamente ou a venda em sites de todo o mundo. (ALMEIDA; VIRGINIO, 2012, p.148) Hoje o mercado editorial mundial volta-se para a grande aposta do meio tecnológico: a portabilidade. Com a recente revolução dos tablets, os computadores portáteis que invadiram o mercado, e a acirrada disputa pela preferência dos consumidores, as editoras encontram um mercado promissor cujos resultados já são visíveis. Os eBooks, os livros em formato digital, proporcionam uma completa reconfiguração dos textos para agradar os leitores dessa plataforma. Capa Sumário A reconfiguração do livro para o formato eletrônico não significa apenas uma nova forma de fazer livro, publicado agora em uma mídia digital, mas também significa que o ato da leitura também sofrerá transformações devido aos recursos e facilidades que o livro digital oferece aos leitores. (ALMEIDA; VIRGINIO, 2012, p.148) Sem dúvidas, 2011 foi o ano dos eBooks, oportunidade em que houve grandes avanços, não só na maneira de produzir esse material, mas também nas plataformas necessárias para sua leitura. Altos investimentos das grandes empresas, como Samsung, Sony, Amazon, Apple, dentre outras, tornaram os tablets e e-readers (leitores digitais) os mais novos objetos de desejo do público que está conectado às mídias digitais e à internet. Os investimentos continuam para torná-los cada vez mais funcionais, o que, aliado à progressiva baixa de preços, os tornará, aos poucos, objetos essenciais, tal como são cada vez mais necessários hoje, o telefone celular e o notebook. Com uma vantagem: os tablets, devido às suas funcionalidades e capacidade cada vez mais extensas e por oferecer maior liberdade que o computador pessoal, estão em um meio termo das tecnologias citadas. Portabilidade e praticidade são as palavras-chave no mercado de tecnologias, e se 2011 foi o ano das ferramentas da editoração digital, 2012 servirá para que as expectativas em relação a esse mercado se concretizem de vez. eLivre 57 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Os primeiros passos do ebook, sua popularização e o perfil brasileiro Os ebooks começaram a ser divulgados em 1998, nos EUA, no entanto, sem grande sucesso. O primeiro destaque veio em 1999 com uma obra inédita do novelista estadunidense Stephen King. A decisão do autor em colocar seu conto “Montado na bala” apenas no formato on line pelo custo singelo de U$2,50 acarretou um positivo retorno: mais de 500 mil cópias vendidas em um final de semana, mesmo depois de a obra ter sido disponibilizada gratuitamente na internet por alguns dias (PROCÓPIO, 2010). Atualmente, esse formato já supera a venda de impressos nos Estados Unidos (em aproximadamente 5%), segundo anúncio feito no início de 2011 pela Amazon3, empresa que trabalha com o comércio e produção de eletrônicos, líder de mercado nessa área editorial e que, além do vasto catálogo conta com uma linha exclusiva de e-readers, os aparelhos especializados para a leitura deste formato de livros. No Brasil, esse nicho editorial ainda engatinha, mas começa a mostrar que temos um futuro promissor. Embora ainda haja resistência por parte de muitas editoras, outras aproveitam tanto o apoio governamental quanto o interesse Noticia de O Estado de S. Paulo, versão eletrônica, em 20 de maio de 2011, no link http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-amazon-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm Acesso em 22/05/2011. privado e se preparam para esse futuro próximo. É o caso das editoras Gato Sabido, Saraiva e Livraria Cultura, que começam a configurar um bom acervo de ebooks, ainda que uma boa parte apresente um preço consideravelmente elevado (tendo em conta o barateamento na produção que a nova plataforma possibilita). Dá-se um grande passo em direção à nova realidade editorial. Um ponto decisivo para a consolidação dos ebooks ainda são os tablets e e-readers. Embora estes venham se popularizando cada vez mais no país, ainda possuem preços elevados para o padrão de vida do brasileiro. A situação tende a mudar com a fabricação dos aparelhos em solo nacional. Isso vem sendo discutido junto ao governo, que demonstra interesse em apoiar projetos dessa área, pois a questão também abrange a inclusão digital, já trabalhada no país, além de tratar-se de um ponto que auxilia o desenvolvimento tecnológico. O incentivo fiscal previsto para tablets pode chegar a reduzir mais de 30% dos impostos sobre o produto fabricado com pelo menos 20% de componentes nacionais4. Isso pode dar oportunidade para o Brasil seguir com um modelo democrático de distribuição cultural e intelectual, cujo fortalecimento permitirá igualar-se aos países que hoje se apresentam firmes nessa modalidade editorial. 3 Capa Sumário http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/brasil-ficou-atraente-para-fabricacao-de-tablets-diz-ministro-da-fazenda.html Acesso em 15/12/2011. 4 eLivre 59 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) O objeto de estudo de pesquisadores paraibanos A Paraíba vai aos poucos despertando para esse mercado, e mostra interesse na área principalmente para divulgação junto ao público acadêmico, por se tratar de um meio onde a relação diária com as plataformas digitais é mais comum. A informação é de Henrique Magalhães5, professor e pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e diretor da Editora Marca de Fantasia, um selo independente e artesanal criado em 1995, com enfoque em obras do meio acadêmico e da cultura alternativa. A relação da Editora citada (que age como projeto de extensão universitária) com os livros digitais começou em 2009 com o livro Discurso, poder e subjetivação: uma discussão foucaultiana, de J. J. Domingos. Desde então a produção editorial de ebooks passou a fazer parte do seu conceito, que mostra a preocupação com a adaptação das obras para o meio digital, o que as torna mais atrativas e de fácil leitura. Hoje, não basta fazer apenas um pdf da versão impressa do livro, a obra tem que ser repensada para a plataforma digital, e os recursos existentes (como maior uso de cores, hiperlinks que facilitem a navegação interna e o uso livre do espaço disponível) tem que ser explorados ao máximo. Em contrapartida, os ebooks ainda sofrem bastante preconceito a respeito da sua categorização enquanto Em entrevista concedida para auxiliar nesta pesquisa, em setembro de 2011, o professor dividiu algumas de suas ideias a respeito da área de editoração digital. 5 Capa Sumário livro. Os amantes do impresso ainda relutam em reconhecê-lo como livro no formato digital e mais ainda em aderir a esse tipo de leitura. Sobre isso, Henrique Magalhães assinala também a facilidade do impresso devido sua independência da mídia eletrônica, mas é positivo em relação aos tabletes, que avançam para promover a mobilidade conforme haja melhorias na longevidade das baterias e implementação da hipermídia. Ele frisa: “Ainda temos no Brasil um público conservador, saudosista, romântico, que resiste a abrir mão da materialidade do livro impresso.” Apesar dessa postura ainda enraizada no leitor, há a tentativa de superar esses obstáculos por meio das ferramentas proporcionadas pela própria tecnologia e que podem ajudar a aliviar esse estranhamento. No caso do livro digital, são criados documentos que simulam visualmente o “passar” de páginas, acompanhado do ruído emitido pelo movimento do papel. É como se o objetivo dessa estratégia de contato fosse recuperar e renovar o “contato”, a “confiança” que já está na memória afetiva do leitor, remetendo às características do livro impresso como um lugar reconhecido, do qual se poderia partir com segurança para novas práticas de leitura. (LACERDA; MACEDO, p.48-49, 2011) Na UFPB existe ainda um projeto liderado pelo professor Marcos Nicolau (co-fundador da Editora Ideia, em 1989), que é totalmente voltado ao estudo do mercado editorial digital e à experimentação de modelos editoriais que se encaixem neste novo segmento. eLivre 61 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) O projeto Para ler o digital existe desde 2010 e já ganhou um prêmio EXPOCOM, do INTERCOM6 pelos resultados obtidos, e tem recebido críticas positivas por parte dos usuários que tiveram acesso às obras. Além de fazer esse estudo, um dos principais objetivos do professor Nicolau7 com o projeto é preparar os estudantes para esse novo mercado editorial, dando-lhes as ferramentas necessárias para que eles façam este segmento progredir. Marcos Nicolau atua na área de editoração de livros desde 1978. Com o surgimento do curso de Comunicação e Mídias Digitais na UFPB, em 2010 e seu trabalho em conjunto com a Editora Marca de Fantasia encontrou o apoio necessário para fundar o projeto. A Paraíba, sem dúvidas, sempre foi uma fonte de material intelectual e cultural. A era digital é o grande trunfo para a exposição e disseminação dessas habilidades, como ressaltou o professor Nicolau nessa discussão: “Sempre tivemos aqui grandes valores artísticos, culturais e até mesmo científicos, que podem ser mostrados para todas as demais culturas do mundo”. Falta ainda na UFPB um apoio mais concreto a fim de proporcionar aos seus estudantes e pesquisadores esse acesso dinâmico à informação. A Biblioteca Central da Universidade não conta com nenhum plano que forneça esse tipo de serviço. Mas a diretora Suely Pessoa mostra-se a Edição regional do congresso nacional voltado à área de pesquisa em comunicação. 7 O professor Nicolau também participou da etapa de coleta de dados, respondendo a algumas questões em entrevista. 6 Capa Sumário favor da implantação8, e afirma que uma negociação está em andamento com a ebrary Academic Complete9, e com a concretização desse projeto, a UFPB poderá tornar-se a pioneira no Nordeste a adquirir esse sistema. Editoração digital e o mercado estadual Para além do âmbito acadêmico, uma empresa de mercado que está aos poucos sendo inserida no meio digital é a Editora Ideia. Apesar de ter uma postura tradicional quanto aos seus títulos, mostra-se positiva em relação ao novo modelo. Alguns livros que recebem seu selo ganharam recentemente uma edição digital: obras do professor Marcos Nicolau, que as aproveitou como material de estudo do projeto sobre a reconfiguração do livro na UFPB. Essas novas versões tornaram possível a contínua distribuição destas obras, agora para um número ilimitado de pessoas, facilitando até mesmo seu uso como material didático para o curso de Comunicação em Mídias Digitais. A Editora Ideia tem 22 anos de mercado e trabalha não só com público acadêmico, mas também com os mais diversos segmentos. A visão de Magno Nicolau10, um dos As informações foram cedidas pela atual diretora Sônia Suely Araújo Pessoa, que também foi procurada durante a etapa de pesquisa. 9 Trata-se de uma biblioteca virtual com acervo superior a 76.000 obras de mais de 400 editoras espalhadas pelo mundo. Seus serviços garantem acesso ilimitado aos títulos. Dados coletados na página oficial da empresa: http://www.ebrary.com/corp/index.jsp 10 Com a entrevista do diretor da Ideia, fechamos as fontes diretas de pesquisa envolvidas na produção do artigo. 8 eLivre 63 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) fundadores do selo e que está atualmente à frente da Editora, é a de que: “O mundo ainda tem um longo percurso para o meio digital. Estamos de olho no futuro, mas a longo prazo, assim como as grandes editoras.” Ou seja, aos olhos da editora, o livro impresso não está ameaçado pelo digital como muitos acreditam, mas os devidos cuidados em relação ao futuro precisam ser tomados, mesmo que aos poucos, já que há a necessidade de se pensar nesse novo modelo para não se tornar obsoleto. Conclusão O ebook não é outro produto que não um livro, o que muda entre ele e o impresso é a plataforma na qual está inserido. Esse produto não veio para competir e tentar extinguir o livro tradicional, mas para dar alternativas aos leitores que precisam carregar consigo uma grande quantidade de material e que veem na prática digital a opção mais viável para atender às suas necessidades diárias. Um dos aspectos principais desse novo mercado é a democratização do acesso às obras: nesse contexto é possível que os livros comerciais coexistam com as produções avulsas a serem disponibilizadas gratuitamente. Os autores anônimos, que jamais teriam suas obras comercializadas, podem agora criar e compartilhar seus trabalhos literários diretamente com as pessoas interessadas, a custo zero. Por sua vez, aqueles que jamais teriam condições de comprar livros a preço de mercado, passam a ter acesso às Capa Sumário informações provenientes desses ebooks compartilhados. Com os experimentos que veem sendo feitos na Paraíba, tanto autores, quanto profissionais de editoração e editores estão sendo beneficiados, numa área em franca expansão e com muitas novidades ainda a oferecer. Isso porque, o mercado editorial não é mais uma primazia dos grandes centros do país e suas portentosas editoras. O advento da internet e a revolucionária tecnologia das mídias digitais interativas ampliou de forma imensurável as possibilidades dessa área. Pelo visto, há espaço de mercado suficiente para gerar novos modelos de negócios editoriais, assim como há espaço para o compartilhamento e a democratização do conhecimento, esse patrimônio universal que tem no livro sem principal mensageiro. Referências JAGUARIBE, Hélio. O significado do papel para a cultura. In: DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da USP, 1972. PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010. LACERDA, Luciano; MACEDO, Helton. O vazio da estante: o acesso ao livro digital sob a perspectiva das suas dimensões política e cultural. In: Revista Comunicação Midiática, v.6, eLivre 65 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) n.1, jan./abr. P 44, 2011. ALMEIDA, Filipe; VIRGINIO, Rennam. Do códice ao leitor digital: a reconfiguração do livro na cibercultura. In: NICOLAU, Marcos. (Org.); Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2012. A RECONFIGURAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO EM VERSÃO DIGITAL: UMA IDEIA DE SUSTENTABILIDADE1 Sites http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-amazon-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/brasil-ficou-atraente-para-fabricacao-de-tablets-diz-ministro-da-fazenda.html Filipe ALMEIDA2 Resumo http://www.ebrary.com/corp/index.jsp A mesma portabilidade que originou o livro impresso também está presente no livro digital, com uma grande diferença: ao invés de um, o leitor digital carrega consigo dezenas ou centenas de livros no mesmo suporte do tamanho de um livro tradicional. É no contexto dessa inovação tecnológica que se vislumbra uma nova era para o livro didático, reconfigurando uma prática educacional que poderá contribuir com a inclusão digital e com um modelo de sustentabilidade para a indústria editorial brasileira. Procuramos demonstrar neste artigo, porém, que, no viés Trabalho apresentado na Divisão Temática Comunicação Multimídia, da Intercom Júnior – VII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Integrante do Projeto Para Ler o Digital. Email: [email protected] 1 Capa Sumário eLivre 67 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) de novos hábitos de leitura e acesso ao conhecimento provocado pelo livro digital, bem como de sustentabilidade, há entraves ainda por superar, como, por exemplo, o atual modelo de negócio do livro didático impresso que deverá atrasar uma aceitação imediata do livro didático digital no mercado editorial. Palavras-chave: Livro digital. Livro didático. Mercado editorial. Sustentabilidade. Introdução Cerca de quinhentos anos após o desenvolvimento da prensa tipográfica por Gutenberg, é dado o pontapé inicial para a disseminação do livro digital, por meio do Projeto Gutenberg, criado pelo americano Michael Hart. Os dois marcos não estão interligados apenas pelo nome do inventor alemão, o conceito de portabilidade já existente no surgimento do impresso é o mesmo que permeia o livro eletrônico. O livro digital surgiu em decorrência do grande número de novos aparatos tecnológicos que aparecem atualmente e com frequência no mercado. Com isso, também surgiu a necessidade de novas experiências de leitura, interatividade e portabilidade. Como exemplo dessa atual expansão, no início de 2011, a Amazon comunicou que estava vendendo mais livros digitais do que em papel, pois Capa Sumário a cada 100 livros impressos vendidos, a empresa vendia 205 eBooks3 - o nome mercadológico do livro digital. Entrando na área de livros didáticos convencionais, por fazer parte do mesmo processo do livro impresso, constatou-se necessidades semelhantes. No caso dos livros educacionais, há um problema maior, pois eles servem de base para o aprendizado das crianças e adolescentes nos diversos níveis escolares. Com o avanço da tecnologia, observa-se cada vez menos crianças entretidas com o estudo, e os aplicativos encontrados nos dispositivos eletrônicos são muito mais atrativos e divertidos do que o conteúdo dos livros tradicionais. Outro fator essencial para esta reconfiguração é a sustentabilidade. A produção do livro impresso demanda uma série de recursos naturais, tanto em sua fabricação quanto no transporte. Com os dispositivos de leitura, tem-se uma diminuição considerável no uso de matérias primas do meio ambiente, além de uma redução imensa do espaço físico necessário para o armazenamento dos livros. Pretendemos mostrar neste artigo as vantagens da utilização do livro digital como uma forma de reconfigurar o livro didático para atender às necessidades tecnológicas e sustentáveis da sociedade atual. Mas, também, as dificuldades que esse modelo enfrentará para ser implantado satisfatoriamente. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/ Epoca/0,,EMI234832-15224,00-AMAZON+VENDE+MAIS+LIVROS+ DIGITAIS+QUE+LIVROS+DE+PAPEL.html. Acesso em: 20/04/2012. 3 eLivre 69 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Livros digitais: surgimento e conceituação de se poder realizar leituras de diversos livros em um único dispositivo. Além da economia de espaço físico, os O processo histórico do livro surge com a invenção da escrita pelos sumérios, que foi impulsionada pelo sistema fonético grego, fazendo com que a mesma fosse propagada por vários povos do planeta. Até se chegar aos suportes de leitura que se conhece hoje (livro, computador, smartphone, tablet), um longo caminho foi percorrido e diversos elementos da natureza foram utilizados como base para a escrita. No século XV, Johannes Gutenberg desenvolveu a prensa tipográfica, fazendo com que o livro se transformasse num produto portátil, tornando-o acessível a uma parcela maior da sociedade. De acordo com McLuhan (1972): Esse desejo muito natural de se ter facilmente livros à disposição, e livros de formato cômodo e portáteis, acompanhou passo a passo a crescente rapidez da leitura, que se tornara possível com a impressão do texto em tipos uniformes e móveis, em contraste com a leitura mais dificultosa dos manuscritos. Este mesmo movimento pela acessibilidade e caráter portátil do livro criou públicos e mercados cada vez maiores, os quais eram indispensáveis ao sucesso de todo o empreendimento gutenberguiano (MCLUHAN, 1972, p.281). livros digitais possibilitam a preservação de uma obra sem que haja perda de conteúdo, degradação das folhas, ou ainda o odor de mofo daqueles que passam anos sem ser consultados. O pontapé inicial para a disseminação dos livros digitais foi dado pelo americano Michael Hart. Em 1971, ele criou o Projeto Gutenberg, responsável por arquivar obras culturais por meio de digitalização de livros, em sua maioria, em domínio público. A Declaração de Independência dos Estados Unidos foi a primeira obra a ser disponibilizada gratuitamente de forma eletrônica pelo projeto. Antes disso, em 1945, Vannevar Bush escreveu um artigo para o periódico The Atlantic Monthly, intitulado “As we may think”. Neste artigo, Bush idealizou o primeiro protótipo de uma máquina de leitura, chamado de MEMEX (MEMory EXtesion), algo que ele considerava ser a biblioteca universal do futuro. Com base na ideia de Bush, em 1998, empresas da indústria editorial lançaram dois leitores portáteis, o SoftBook Reader e o Rocket eBook, com capacidade para armazenar cerca de cinco mil páginas de livros. Atualmente, podemos atribuir o surgimento dos livros digitais, movido por um mercado editorial consolidado, à necessidade de portabilidade, à comodidade Capa Sumário eLivre 71 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) A reconfiguração do livro didático e o atual Modelo de negócio Figura 1 – Esboço do MEMEX. Para se entender a necessidade de reconfiguração do livro didático, devemos observar o conceito dessa categoria de livros, estabelecido por MELLO (1999): “É o livro de uso individual do aluno, em geral “indicado” ou “adotado” pelo professor. Dessa forma, especialmente no Brasil, o mais comum é que todos os alunos de uma mesma turma ou classe usem um mesmo livro” 4. Fonte: <http://u-tx.net/ccritics/as-we-may-think.html> Segundo Horie (2011), um livro eletrônico ou digital, também conhecido como eBook, é uma versão digital de um livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos portáteis. O eBook possibilita ao leitor diversas funcionalidades como marcadores de páginas, bloco de anotações, busca de palavras, ajuste no tamanho e no tipo de fontes, além de inúmeros recursos existentes em aplicativos desenvolvidos especificamente para os livros digitais. Como relata Dziekaniak et al. (2010, p.85), “essa é a realidade da leitura virtual, um formato que convida o leitor a interagir e a explorar símbolos e palavras que mudam de cor ou que oferecem a facilidade de manuseio com um simples toque”. Com isso, a leitura virtual, se torna uma experiência agradável, ou seja, um convite para que o leitor possa interagir com elementos capazes de proporcionar um aumento significativo na absorção do conteúdo dos livros. Capa Sumário O Brasil é um dos oito países que mais consomem livros no mundo. Em 2006, foram 310 milhões de livros vendidos, sendo 60% de livros didáticos (PROCÓPIO, 2010). De acordo com a FNDE (Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação), o orçamento do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) em 2012 é de R$1,48 bilhão, destinado à compra de livros didáticos para os ensinos fundamental e médio 5. Segundo o jornal Estadão, para o ano de 2012 só o governo fez uma compra de 170 milhões de livros didáticos 6. Devido à grande quantidade de livros didáticos necessários para o ensino, a demanda por recursos naturais MELLO, Guiomar Namo de. O livro didático no sistema de ensino público do Brasil. Disponível em: http://www.namodemello. com.br/pdf/escritos/outros/livrodidat2.pdf. Acesso em: 02/05/2012. 5 Disponível em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-livro-didatico. Acesso em 02/05/2012. 6 Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-ja-importa-ate-livro-didatico-,837912,0.htm?reload=y. Acesso em 02/05/2012. 4 eLivre 73 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) para a fabricação dos mesmos é de grandes proporções. Com o uso das novas tecnologias e o aspecto sustentável discutido neste trabalho, é possível visualizar uma tendência em que, num futuro próximo, os livros digitais didáticos serão comercializados em larga escala. Algumas instituições de nível médio e superior no Brasil e em grande parte dos Estados Unidos e Europa já utilizam algum tablet como material escolar7. Além do fator de sustentabilidade, o livro didático digital propicia ao aluno uma nova experiência, facilitando o processo de aprendizagem pela interação com diversos elementos audiovisuais. Entretanto, sabemos que viabilizar, de imediato, uma mudança de livros didáticos impressos para livros didáticos digitais esbarra é uma questão mercadológica muito grave. O mercado editorial brasileiro, notadamente o de livros didáticos movimenta quantias de dinheiro significativas. Trata-se de um modelo de negócio consolidado, que gera milhões de empregos e bilhões em lucro. Mas, ao mesmo tempo, faz com que somente famílias de classe média e alta possam comprar todos os livros necessários à educação de seus filhos, comprometendo, com sacrifício, parcela dos recursos financeiros, que poderiam ser destinados a outros benefícios imprescindíveis. O mercado editorial brasileiro produz cerca de 200 milhões de livros didáticos, sendo que, desse total, 150 Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/tablets-substituem-livros-em-escolas-brasileiras/n1597608252795.html. Acesso em: 02/05/2012. 7 Capa Sumário milhões são comprados pelo Governo Federal para distribuir às Escolas Públicas, para o ensino fundamental e o ensino médio, em todo o país, conforme o site Agência de Notícias Brasil Que Lê, do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo8. Essa distribuição é feita através do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dos anos de 1990, conforme Cassiano (2007)9. A Agência de Notícias Brasil Que Lê informou ainda que o mercado editorial de livros escolares esperava faturar, em 2011, dois e meio bilhões de reais, quantia que é 500 milhões de reais a mais do que em 2010. E, desse montante, três quartos seria pago pelo Governo Federal. Vale salientar que esta fatia de livros escolares representa 51 por cento do mercado editorial brasileiro, segundo ainda a referida Agência. Desse modo, podemos deduzir que a produção de livros do mercado editorial brasileiro ultrapassa a casa dos 400 milhões de livros, em média anual. E mesmo que a indústria do livro tenha, parte da sua produção de celulose apoiada pela atividade extrativista de plantio próprio de árvores como Eucalipto, há um significativo impacto ambiental provocado pela fabricação das obras. Disponível em: http://www.brasilquele.com.br/noticia_show. php?noticia=6575. Acesso em: 24/06/2012. 9 CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil. Tese de doutorado da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, 2007. Disponível em: http://ged1.capes.gov.br/CapesProcessos/premio2008/968930-ARQ/968930_5.PDF. Acesso em: 24/06/2012. 8 eLivre 75 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) A questão sustentável Questões comparativas entre o livro de papel e o digital são muito comuns nos dias de hoje, e vários critérios podem ser analisados para tentar definir qual dos dois é melhor, se conforto e experiência de leitura, mobilidade, ou ainda o preço do livro. Há também outro aspecto que está bastante em evidência, a questão sustentável. Por isso decidimos destrinchar um pouco esse processo comparativo entre o passado e o presente dos livros, levando em consideração a sustentabilidade. Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment And Development - WCED), no relatório denominado de “Nosso Futuro Comum” ou “Relatório Brundtland”, definiu o conceito de desenvolvimento sustentável como: “Aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.” (WCED, 1987). Aplicando este conceito em desmatamento de florestas, em 1997, um relatório do World Resources Institute (WRI)10 estimou que quase metade da cobertura original de florestas do planeta já foi destruída. Por meio de uma análise direcionada ao impacto causado pela produção de papel, Dougherty (2011, p.110) afirma que: World Resources Institute. Last Frontier Forests: Ecosystems and Economies on the Edge. Disponível em: http://pdf.wri.org/ lastfrontierforests.pdf. Acesso em: 01/05/2012. 10 Capa Sumário Além de promover a destruição de florestas, a produção de papel consome uma quantidade imensa de energia e, por isso, tem um impacto muito grande de gases-estufa. Considerados em conjunto, os fatos mostram que a indústria do papel é a quarta maior produtora industrial de dióxido de carbono, sendo responsável por 9% das nossas emissões de gases-estufa. Isso está longe de ser sustentável [...] Dougherty (2011) também ressalta os sérios impactos ambientais causados pela quantidade excessiva de água utilizada na indústria do papel, além da queima constante de combustível fóssil para transformar a fibra da madeira em papel seco. Já de acordo com o relatório “Paper Cuts” 11, o Worldwatch Institute informou que “O consumo mundial de papel e papelão tem crescido tão rapidamente que superou os ganhos obtidos com a reciclagem”. Uma análise em vídeo realizada em parceria com um projeto do Banco Santander mostra que cada livro de papel consome 30 litros de água e emite entre 2 e 3 quilos de dióxido de carbono em sua produção. Já o custo ambiental de um livro digital é muito pequeno, entretanto, se faz necessário a fabricação de um dispositivo de leitura. Nesse caso, são gastos aproximadamente 300 litros de água e emitidos de 60 a 100 quilos de CO2 12. Worldwatch Institute. Paper Cuts: Recovering the Paper Landscape. Disponível em: http://www.worldwatch.org/system/files/ EWP149.pdf. Acesso em: 02/05/2012. 12 Baseado no vídeo: Sustentabilidade: Livros x Ebooks. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=CCzFU4b_o40&list=PL54 B22834BFD3F9EE&index=2&feature=plcp. Acesso em: 02/05/2012. 11 eLivre 77 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Dessa forma, podemos observar que o custo ambiental para a produção de um dispositivo de leitura é bem maior do que o custo para a fabricação de um livro impresso. Entretanto, é importante ressaltar que, num único dispositivo eletrônico, é possível armazenar centenas de livros digitais, tornando o eBook uma alternativa sustentável. Outro fator que deve ser levado em consideração é o transporte do livro. No produto impresso, são necessárias inúmeras viagens para o livro sair da fábrica e chegar ao seu destino final, o leitor. Com o meio digital, o livro passa a ser vendido e enviado diretamente pela internet, diminuindo a emissão de gases poluentes do transporte, o tempo de espera para a chegada do livro e o custo final para o leitor. Considerações finais Diante do conteúdo exposto, observamos que o livro digital não é tão recente como muitos imaginam, além de sua origem possuir características que se assemelham bastante ao surgimento do livro impresso. E não se trata de apresentar o livro digital como uma solução pela substituição ao livro impresso. Percebemos que ambos podem conviver simultaneamente, em uma complementação imprescindível para a construção do conhecimento e a consolidação de prática educacional mais produtiva. O aspecto sustentável já vem sendo bastante discutido em eventos cuja temática principal é o meio am- Capa Sumário biente. São muitos os impactos causados pela produção do papel, havendo assim, a necessidade de preservação de sua matéria-prima. O livro digital pode vir a atender às necessidades sustentáveis da sociedade atual, fazendo com que haja uma diminuição considerável na utilização de recursos naturais, redução do espaço físico e nos gastos com transporte. Além de solucionar as questões sustentáveis e tecnológicas, os recursos audiovisuais interativos provenientes do livro eletrônico podem alterar os hábitos de crianças e jovens que não encontram mais no livro didático convencional o estímulo necessário para a aquisição do conhecimento. Do ponto de vista educacional, a aprendizagem torna-se fácil e divertida, com elementos multimídia capazes de prender a atenção do leitor. Com a popularização dos dispositivos portáteis, principalmente smartphones e tablets, o eBook já é uma realidade no mercado, grandes editoras já possuem versões digitais dos seus livros e revistas mais importantes. Várias escolas e universidades também estão aderindo rapidamente aos benefícios decorrentes do livro digital, tornando-o uma ferramenta essencial para a educação. Com isso, entendemos que o livro didático precisa ser reconfigurado, tornando-se uma alternativa sustentável e digital, mas sem perder sua essência, que é a de facilitar o processo educacional. Ganham com essa reconfiguração do livro digital, tanto os estudantes de classes média e alta, quanto os es- eLivre 79 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) tudantes mais carentes, das Escolas Públicas; ganha, enfim, a sociedade brasileira, que precisa urgentemente de um plano educacional mais arrojado para alcançar a tão almejada condição de grande potência no contexto mundial. Referências Acesso em: 02/03/2012. HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks - Volume 1: Arte-finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. MACEDO, Helton Rubiano de. 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Atualmente a empresa norte-americana Amazon já vende mais e-books do que livros impressos, enquanto que o mercado brasileiro ainda dá os primeiros passos. Entretanto, em todo o munTrabalho apresentado no IJ 5 – Comunicação Multimídia do XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 14 a 16 de junho de 2012. 2 Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/UFPB) pelo projeto Para Ler o Digital. Email: [email protected] 1 Capa Sumário eLivre 83 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) do, o mercado editorial digital - pressionado pelas ameaças de pirataria - faz uso de práticas mercadológicas que limitam a liberdade dos leitores. Este artigo busca expor e discutir os percalços e as artimanhas deste novo mercado. Palavras-chave: Livro digital. Mercado editorial. Reconfiguração. Introdução O livro impresso foi um dos principais meios utilizados para a difusão do conhecimento adquirido pelo ser humano. Entretanto, após cinco séculos de supremacia do livro impresso, os avanços tecnológicos e as necessidades do homem moderno, permitiram a criação – ainda na década dos anos de 1970 - de uma nova forma para a publicação de livros, mas que só agora vem ganhando notoriedade e mostrando-se como um forte produto comercial: o livro digital, também conhecido como eBook (abreviação de eletronic book). O livro na versão eletrônica explora os recursos do hipertexto e traz aos leitores uma nova experiência em leitura, podendo conter diversos elementos interativos que dinamizam as possibilidades dos usuários. Muito tem se discutido sobre o livro digital, sua usabilidade, legitimidade e o modo como as livrarias e editoras tem conduzido as atividades mercadológicas deste novo produto. Capa Sumário Os eBooks já são mais vendidos do que os livros impressos na gigante norte-americana Amazon, que também vende o e-Reader mais popular, o Kindle. O segredo do sucesso está no modelo utilizado, aliando preços acessíveis a um produto de qualidade. Entretanto, no Brasil, poucas livrarias e editoras resolveram entrar no mercado e os leitores (e-Readers) ainda são vendidos a altos preços, impedindo o crescimento comercial no país. Essa realidade pode mudar com a chegada da Amazon ao Brasil a partir de setembro deste ano. O objetivo deste artigo é mostrar as práticas atuais do mercado editorial digital, - com todas as suas contradições e dilemas para implantação de um sistema de vendas que seja satisfatório - exemplificando os principais casos, com destaque para a Amazon, maior vendedora de livros digitais do mundo, além de fazer um apanhado do mercado nacional e das novas possibilidades de publicação de obras a partir do modelo digital, que permite que autores independentes publiquem suas obras sem muitos custos. Do impresso ao digital: a evolução do livro O livro depois da prensa de Gutenberg Desde o surgimento da máquina de prensa criada pelo alemão Gutenberg, no século XV, o livro passou a ser um importante produto comercial e de difusão de informações e conhecimentos durante todos estes séculos. eLivre 85 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Antes da prensa de Gutenberg, os livros eram manuscritos ou produzidos a partir de matrizes de impressão feitas de materiais pouco resistentes, como cerâmica ou madeira, que se estragavam rapidamente e tornavam-se totalmente inutilizáveis, enquanto que a máquina criada por Gutenberg possibilitou a cópia em grande quantidade de livros a partir de uma única matriz feita de metal e com tipos móveis, que possibilitava a combinação e a recombinação livre dos tipos sempre que necessário. McLuhan (1972) reforça a importância da criação de Gutenberg para a história do livro, concluindo que esta invenção confirmou e estendeu a nova tendência visual do conhecimento aplicado, dando origem ao primeiro bem de comércio uniformemente reproduzível, à primeira linha de montagem e à primeira produção em série. Entretanto, a criação de Gutenberg não foi a primeira grande contribuição para a formação do livro impresso tal qual conhecemos hoje: Uma importante inovação, para a palavra escrita, foi a de substituir o rolo de papiros ou de pergaminho pela encadernação de folhas de pergaminho, de tamanho regular, sob forma de livro, permitindo que se escrevesse nos dois lados da folha. O difícil processo de ler, mediante o gradual desenrolar de papiros ou pergaminhos, ficou substituído pelo fácil manuseio de um texto escrito em folhas costuradas por sua margem esquerda, ou direita, para certas grafias, graças ao sistema de códex, inventado pelos cristãos no século IV d.C.. (JAGUARIBE, 1996, p.24) Capa Sumário Percebemos, então, que antes mesmo da prensa de Gutenberg, o livro passou por diversas transformações, tanto no material utilizado – começou com papiros e pergaminhos, até chegar ao papel -, quanto em seu formato, conforme vimos na afirmação de Jaguaribe. O livro na era da cibercultura Atualmente, na era da tecnologia e da cibercultura, o livro também se apresenta em formato digital, possibilitando aos leitores uma nova experiência de leitura, conhecido como eBook (abreviação para eletronic book). Os livros digitais surgiram no início dos anos de 1970, a partir do Projeto Gutenberg, liderado pelo norte-americano Michael Hart. O projeto visava a produção e distribuição gratuita de livros eletrônicos. Passaram-se algumas décadas e hoje os livros digitais movimentam um lucrativo mercado, que vem crescendo ano após ano. Além dos próprios livros digitais, também são vendidos os aparelhos dedicados a leitura destas obras em versões eletrônicas: os e-readers (leitores eletrônicos). Apesar dos eBooks poderem ser lidos também em computadores de mesa ou notebooks com auxílio de simples softwares, o mercado de e-readers também movimenta milhões e é amplamente lucrativo para os principais desenvolvedores, como a Amazon, empresa norte- eLivre 87 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) -americana que atualmente domina os mercado de livros digitais e leitores eletrônicos, com seu popular aparelho Kindle, e-reader lançado em 2007 custando US$399,00 Dólares mas que já pode ser encontrado por menos de US$100,00 em suas versões mais simples. Vale lembrar que os livros digitais também podem ser lidos em tablets, como o famoso iPad da Apple. Os livros digitais apresentam uma diferente forma de texto, conhecido como hipertexto. Segundo Lévy (1996), hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário. Esse tipo de recurso é bem explorado não só nos livros digitais como também nas revistas lançadas em formatos digitais, que vem trazendo cada vez mais recursos interativos que tornam a leitura mais dinâmica e inovadora. Pierre Levy ainda afirma que “a digitalização e as novas formas de apresentação do texto só nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de ler e de compreender” (1996, p.40). Portanto, atualmente temos os livros – ou pelo menos parte deles – disponíveis em dois formatos: o impresso e o digital. Cabe ao leitor encontrar o formato que mais lhe agrade e atenda às suas necessidades enquanto leitor. Faça você mesmo: os livros digitais facilitam a publicação de autores independentes Uma atividade que ganhou força com a cibercultura e as possibilidades que a Internet oferece, foi a cultura do “faça você mesmo”, que consiste na prática independente de algum trabalho ou atividade, dispensando o auxílio de serviços profissionais. Na Internet, através de ferramentas disponíveis – quase sempre gratuitamente – na grande rede, qualquer usuário pode publicar seus trabalhos. Sites como Youtube3 e MySpace4 revelaram e ainda revelam novos artistas de diversas áreas devido ao alcance inestimável que esses serviços permitem. O mesmo processo também pode acontecer agora com escritores independentes. Para estes escritores, lançar um livro é sempre um desafio devido aos altos custos que o processo de edição, impressão e distribuição que um livro requer. Muitos acabam financiando a impressão por conta própria em gráficas e o resultado geralmente é abaixo do padrão editorial e com uma pequena tiragem. Os livros digitais permitem aos autores independentes a publicação de suas obras com valor acessível – podendo até ser de graça, caso o próprio autor faça a edição e diagramação em formato digital – e com um alcance enorme, pois estaria disponível para download na Internet. 3 4 Capa Sumário Disponível em: www.youtube.com - Acesso em: 27/03/2012 Disponível em: www.myspace.com - Acesso em: 27/03/2012 eLivre 89 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Além do já citado Amazon’s Kindle Direct Publishing, podemos citar a Simplíssimo, editora nacional, que produz livros digitais em formato ePub. O autor envia o texto, e a editora faz a diagramação em formato ePub, podendo ainda disponibilizar para venda em grandes lojas. Figura 2: Pacotes de servições oferecidos pela editora Simplíssimo. deve-se ao Facebook e ao Twitter, redes sociais que contam com os maiores números de usuários. Aproveitando esse sucesso, Amazon e Submarino criaram redes sociais especiais para os leitores de livros digitais que compram em suas respectivas lojas. As redes sociais funcionam como uma grande rede de interação entre os usuários e possibilita o agrupamento de pessoas com interesses afins. Tanto a rede social da Amazon quanto a do Submarino, a Submarino Digital Club, buscam criar interações entre os leitores de eBooks. O aplicativo permite que os usuários possam criar comunidades, fazer anotações, comentar sobre os livros, avaliar, adicionar e seguir outros usuários, e mercar os livros que já leu, que está lendo e que pretende ler. A interação, nesse caso, tem seus atrativos, entretanto, nenhuma das duas redes emplacaram. No Brasil, já existia uma rede social voltada para os leitores de livros, o Skoob5, mas este era voltado para leitores de livros impressos. Mas fazendo uma análise dos recursos e funções que cada um agrega, não encontramos muitas diferenças, Fonte: http://www.simplissimo.com.br/autores-livres/ apenas uma divisão do público entre leitores das versões As redes sociais para os leitores de livros digitais: uma nova ferramenta de interação As redes sociais vêm crescendo a cada ano, e já são os sites mais acessados do mundo. Muito desse sucesso, Capa Sumário digitais e leitores das versões impressas. 5 http://www.skoob.com.br/ - Acesso em: 23/03/2012 eLivre 91 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Segundo Procópio (2010), uma das estratégias utilizada pela editoras que lançam livros digitais é a aplicação de DRM6’s, que além de atuar como uma senha Figura 3: Submarino Digital Club Disponível em: http://submarino.thecopia.com/home/index.html O mercado editorial e suas artimanhas O mercado de livro impressos já está consolidado, enquanto que o mercado de livros digitais ainda engatinha e sofre para encontrar um modelo de mercado que seja viável diante das ameaças de pirataria, constantes na Internet. O que encontramos no mercado atual de livros digitais são uma série de empecilhos surgidos a partir das práticas mercadológicas impostas pelas editoras que se lançaram no mercado dos livros digitais e descaracterizam as propriedades de um livro impresso. Por exemplo, o simples ato de emprestar um livro a um amigo, torna-se uma tarefa um pouco complicada de ser realizada quando tratamos de livros digitais. Capa Sumário de segurança, impossibilitando a cópia ilimitada de um eBook, também faz todo o trabalho de porcentagem para terceiros e de quantificação do número de cópias vendidas. Essas DRM’s são facilmente “quebradas” por hackers, inclusive nos formatos de eBooks que possuem sistemas de DRM mais modernos e seguros, como o Mobi e o ePub. Vendo-se ameaçadas a perderem grande parte de seus lucros, as editoras restringem ao máximo a liberdade do leitor com o livro digital. O ePub foi criado com a intenção de tornar-se um formato universal para eBooks, entretanto, cada editora busca usar um formato diferente e limitar a leitura destes arquivos em um software específico criada por ela mesma. Hoje encontramos o Saraiva Reader, Amazon Reader e alguns outros. Essa falta de convergência acaba bloqueando naturalmente o interesse dos consumidores de adquirir um livro digital. Apesar de termos o caso da Amazon como um exemplo de sucesso na venda de eBooks, faturando milhões nas vendas de livros eletrônicos – hoje superior a venda de livros impressos -, o sucesso talvez não seja fruto do interesse dos leitores pelo livro digital em si. Lemos (2010) afirma que o fetiche do papel migra para o fetiche do dispositivo, como os Tablets e os e-readers e DRM, ou Digital Rights Management, são tecnologias para controlar a distribuição e a visualização de conteúdos digitais 6 eLivre 93 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) talvez esteja aí uma das razões para o relativo sucesso deste mercado. Outro fator que influencia no sucesso da Amazon, é a grande quantidade de livros digitais a venda para serem lidos no Kindle: mais de um milhão. Os eBooks já são populares nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, enquanto que no Brasil este mercado ainda está dando os primeiros passos, pois o mercado brasileiro ainda não oferece uma plataforma eficiente e segura que dê suporte e variedade de livros digitais que atraia os consumidores – como acontece com o Kindle nos EUA -, além de não possuir no mercado um leitor (e-reader) com bom custo benefício. No cenário atual, encontramos diversos modelos de negócios para o mercado dos livros digitais, porém, apenas a Amazon têm obtido êxito, ao mesmo tempo em que muitas outras editoras e livrarias ainda não conseguiram emplacar neste mercado, sobretudo no Brasil. O Kindle pode ser encontrado em quatro versões: Kindle, com WI-FI, tela de 6 polegadas e manuseio através de botões; Kindle Touch, com tela de 6 polegadas e que também está disponível com conexão 3G, além de WI-FI e manuseio a partir de toque na tela; Kindle Keyboard, com configurações semelhantes ao Kindle Touch, mas que também vem com um teclado físico, que permite ao leitor fazer anotações e escreve mais rapidamente; e o Kindle DX, similar ao Kindle Keyboard, mas com tela de 9,7 polegadas. Recentemente a Ama- Amazon: um modelo de sucesso zon lançou o Kindle Fire, mas este caracteriza como um A partir de uma análise do modelo de negócio da Amazon, compreendemos porque esta empresa vem faturando cada vez mais: ela oferece suporte a escritores e leitores, além de disponibilizar para venda uma grande variedade de livros. Aqui no Brasil, são poucos os livros que saem em formato digital e impresso. Na Amazon você pode comprar o e-reader Kindle a partir de 79 dólares. O aparelho já vem com WI-FI, permi- Capa tindo conexão sem fio com a internet aos usuários. Através desta conexão, é possível acessar a loja virtual, que disponibiliza mais de um milhão de títulos para compra, grande parte com preço até 10 dólares. O leitor pode baixar gratuitamente um trecho do livro para degustação e decidir se efetuará a compra ou não. Após a confirmação da compra, o download do livro é realizado e em poucos segundos já é possível ler o livro. Sumário Tablet e não como um e-reader. O Kindle possui uma tela com tecnologia e-ink, também conhecido como “papel eletrônico” ou “tinta eletrônica”, que é é uma tecnologia que mimetiza o papel impresso em um display, o que permite uma leitura agradável e sem reflexos da luz, como acontece em telas de LED, LCD e Plasma. eLivre 95 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Recentemente, a empresa norte-americana confirmou a abertura de suas atividades no Brasil para o dia 1 de setembro deste ano, vendendo Cd’s, DVD’s, livros impressos, games, softwares e o Kindle e, dependendo dos resultados obtidos na vendas dos primeiros três meses, venderão também eletrônicos em 2013. A chegada da Amazon ao Brasil pode ser um divisor de águas para o mercado de livros digitais, que até agora mostrou resultados pouco expressivos. Figura 1: Um dos modelos do Kindle vendido no site na Amazon. eBooks no Brasil: um mercado que não empolga Fonte: http://www.amazon.com/gp/product/B0051QVESA/ ref=famstripe_k Entretanto, há limitações: os eBooks comprados na Amazon podem ser lidos apenas no Kindle ou em um software específico e não podem ser compartilhados. A Amazon também pensou nos escritores independentes e permite que qualquer pessoa coloque seu livro a venda e ainda promova-o, sob algumas condições. Basta efetuar um cadastro no Amazon’s Kindle Direct Publishing7, formatar o eBook, enviar e pronto. https://kdp.amazon.com/self-publishing/signin?ie=UTF8&ld=AZK indleMakeM - Acesso em 22/03/2012 Podemos apontar diversos fatores como causas para o fraco desempenho das vendas de livros digitais no Brasil, como o reduzido número de livros digitais colocados a venda, deixando o leitor com poucas opções, o elevado preço dos eBooks, quase sempre próximo ao valor do livro impresso, a ausência de um e-reader com bom custo-benefício e as limitações impostas pelas editoras e livrarias aos livros digitais. No mercado brasileiro, é desvantajoso para o consumidor comprar um e-reader. O Cool-er, comercializado pela Gato Sabido8, sai em média por R$800,00 e o Alfa, da Positivo, por R$700,00. O preço assusta os consumidores, que acabam preferindo adquir um Tablet, que custa um pouco mais, porém conta com muito mais recursos. O problema é que com um e-reader, o consumidor consegue se 7 Capa Sumário 8 www.gatosabido.com.br - Acesso em: 22/03/2012 eLivre 97 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) voltar mais para a leitura, pois o aparelho se limita a isto e a uma simples navegação monocromática pela internet, enquanto que o Tablet conta com diversos aplicativos, games e funções, além de uma tela colorida. Todos esses elementos distraem o usuário e este perde o foco pela leitura. Algumas das grandes livrarias nacionais já vendem – mesmo que timidamente – livros digitais: a Saraiva, a Leitura, além da Gato Sabido, pioneira no Brasil e o gigante do e-commerce Submarino, que recentemente lançou um aplicativo para leitura de eBooks que opera também como uma Rede Social e que veremos mais a frente. Também está no mercado o IBA, lançado pela editora Abril e que é dedicado para a venda das versões digitais interativas de suas revistas, como a Veja, Super Interessante, VIP e muitas outras, além de livros literários e jornais de todo Brasil. O IBA, a Saraiva e o Submarino lançaram aplicativos para a leitura de seus eBooks, enquanto que a Gato Sabido e a Leitura permitem que as obras digitais adquiridas em suas lojas possam ser lidas com o Adobe Digital Editions, leitor de eBooks da Adobe, no qual o usuário efetua o login e tem acesso a sua “biblioteca”. O brasileiro se vê diante de muitas opções de livrarias digitais para adquirir seu eBook, mas o número limitado de livros disponíveis, o preço ainda elevado tanto das obras quanto dos leitores dedicados (e-readers), o livro digital ainda parece inviável para a nossa realidade. Capa Sumário As limitações impostas pelas vendedoras de eBooks no Brasil são semelhantes as praticadas pela Amazon. A diferença é que na Amazon os leitores têm variedade, suporte e preços acessíveis, que tornam o livro digital bastante compensável. É compreensível que as editoras tomem certos cuidados diante das ameaças de pirataria, porém o mercado brasileiro mostra-se ainda um pouco temeroso com um mercado que teria tudo pra crescer e gerar grandes lucros. O livro digital não dá custo para impressão e transporte, portanto, não há uma explicação lógica para que os preços do livro impresso e o livro digital sejam tão próximos. Temos à frente um entrave gerado pelas artimanhas do mercado editorial digital: se por um lado temos as livrarias e editoras se protegendo contra a pirataria, e bloqueando o máximo possível a liberdade do leitor com seu livro digital, do outro temos os autores que precisam divulgar seu material, mantendo a histórica função do livro como um meio de difusão da informação e do conhecimento, e que precisa ser compartilhada. Conclusão O livro ganhou novos suportes e formatos de publicação consequentes do avanço tecnológico característico da era da cibercultura. Essas transformações mudaram o mercado editorial de alguns países e a perspectiva é que esse processo se expanda. Muito tem se discutido sobre eLivre 99 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) o livro digital e os rumos que o mercado editorial pode tomar, principalmente no que se diz respeito aos livros impressos e seu futuro. É fato que o livro digital vem ganhando espaço no mercado, assim como também é fato que o livro impresso ainda detém a maior fatia de participação no mercado e que essa realidade não deve mudar, pelos menos por algum tempo. O que temos agora são diferentes opções para publicação de livros que procuram atender às necessidades de acordo com o perfil de cada leitor. No Brasil, o livro digital ainda não ganhou notoriedade por diversas razões, tais como a pequena variedade de livros digitais disponíveis a venda e o alto preço dos e-Readers vendidos no país, como o Alfa, do Grupo Positivo e o Cool-er, importado pela Gato Sabido, pioneira na venda de eBooks no Brasil, além das limitações impostas pelas livrarias e editoras. Muitas dessas “artimanhas” praticadas pela livrarias e editoras, como a proteção dos livros digitais por DRM’s, são conseqüências das ameaças que a pirataria digital oferece, podendo gerar grandes prejuízos ao mercado. Porém, embora essa atitude seja válida do ponto de vista mercadológico – apesar de em muitos casos ter-se mostrado ineficiente - deparamo-nos com um paradoxo: de um lado temos a subsistência das editoras e livrarias - mas estas só publicam o que lhes interessam; de outro, a possibilidade de todo e qualquer autor publicar sua obra por conta própria, no processo natural de difusão do conhecimento. Por- Capa Sumário tanto, diante deste entrave, faz-se necessário a criação de um novo modelo que contemple as necessidades de todos sem prejudicar o autor, a editora ou leitor. Referências JAGUARIBE, Hélio. O significado do papel para a cultura. In: DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999. LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http:// andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 02/04/2012 LÉVY, Pierre. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da USP, 1972. PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010. Sites www.amazon.com www.iba.com.br www.submarino.com.br www.gatosabido.com.br www.simplissimo.com.br www.positivoalfa.com.br eLivre 101 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) O LIVRO DIGITAL E AS NOVAS NECESSIDADES DE PRODUÇÃO E LEITURA1 Fabrícia GUEDES2 Marriett ALBUQUERQUE3 Filipe ALMEIDA4 Palavras-chave: Livro impresso. Livro digital. Produção editorial. Leitura. Resumo Inseridos na sociedade em rede e envolvidos pela tecnologia do digital, vimos surgir uma era de convergência responsável por grandes transformações midiáticas. Entre Trabalho apresentado no IJ06 – Interfaces Comunicacionais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013. 2 Graduanda no curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIVIC) da UFPB/CNPq. Integrante do Projeto Para Ler o Digital. Email: fabriciakguedes@ gmail.com 3 Graduanda no curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da UFPB/CNPq. Integrante do Projeto Para Ler o Digital. Email: kmd.albuquerque@ gmail.com 4 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/ UFPB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/PPGC e do Projeto Para Ler o Digital. Email: [email protected] 1 Capa elas, o advento do livro digital, uma nova forma de produzir, difundir e ler livros, diferente do processo que conhecemos há mais de 500 anos, com a cultura do impresso. Produzidos em formatos chamados de eBook, o livro digital, longe de querer substituir o livro impresso, vem, antes de tudo, para suprir e atender novas necessidades e usos de uma sociedade que tem na internet seu novo ambiente de interação e democratização do conhecimento. Portanto, diante das mudanças editoriais que nos arrebatam, queremos saber que necessidades nos movem à produção e leitura desse atual formado de livro. Sumário Introdução O livro tem como características básicas, o fato de ser um suporte manual de conteúdos, passível de ser transportado e lido, página a página pelo seu usuário, permitindo destaques e anotações em trechos, para posterior uso. E tem sido assim durante mais de quinhentos anos, desde que Johannes Gutenberg criou a prensa tipográfica para reprodução mecânica de textos. Embora tenha se originado do códice, com seu ajuntamento de páginas presas pelo dorso há mais de dois mil anos, é com os recursos de impressão que o livro ganha produção em série e permite eLivre 103 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) a criação da figura do leitor. De acordo com Parry (2012, p. 59), o livro teve uma trajetória extraordinária: Originalmente uma maneira de registrar tanto os poemas épicos da mitologia grega quanto os pertences dos ricos, apresentava-se sob uma forma que mal seria reconhecível hoje. Tornou-se objeto de veneração cristã, ao alcance apenas de uma elite, para depois converter-se no primeiro meio de comunicação de massas, tendo por muito tempo preponderado em relação aos demais. Como principal dispositivo humano de comunicação por dois milênios, deu origem a um imenso leque de gêneros que revelaram notável capacidade de resistência perante os jornais, a radiodifusão e a Web. Porém, estamos vivenciando uma época de surpreendente desenvolvimento de tecnologias digitais, que afetam todos os meios de comunicação tradicionais, entre eles, o livro, objeto de nosso estudo. Trata-se de transformações estruturais movidas, não apenas por novos modelos de negócio ou por inovações tecnológicas, mas, principalmente pelo surgimento de novas necessidades e usos para os livros, frente a uma sociedade de informação que tem a comunicação em rede como seu grande processo de funcionamento. De volume impresso, o livro passou para uma tela digital em um artefato tecnológico cuja grande vantagem é permitir o armazenamento, não mais de uma, mas de centenas de obras. As exigências de uma vida corrida e dinâmica impõem modos de leituras fragmentadas, em Capa Sumário qualquer hora e lugar. E não há como dar conta da atualização de conteúdos tão diversificados se não for pelo sistema de formatos em eBooks e que se disponibilizam por computadores, tablets e smartphones. O objetivo do presente artigo, portanto, é traçar uma trajetória do livro, mediante sua elaboração e funcionalidade, no sentido de compreender como estão se instaurando as novas necessidades e usos de produção e leitura no contexto das tecnologias digitais. Procuramos compreender como está se comportando o mercado editorial, as resistências ao novo suporte tecnológico, bem como as emergências pessoais e profissionais que o livro digital está atendendo. Contexto histórico: sobre os usos do livro O valor histórico e social do livro físico é incalculável. Hoje, é impossível imaginar um mundo onde ele não exista. É através do impresso que a humanidade registra suas memórias e difunde as experiências, ideias e o conhecimento construído através dos séculos. Utilizado, a princípio, como meio de documentação e registro pelas antigas civilizações, por meio de tabuletas de argila, o artefato que hoje conhecemos como livro, lentamente percorreu o caminho até a popularização do ato de leitura. O invento do sistema fonético, pelos gregos da antiguidade, permitiu o desenvolvimento das narrativas que, em quantidade foram sendo transcritas em papiros e eLivre 105 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) pergaminhos, dando origem, então, ao livro-rolo, conhecido como volumen. Entre várias plataformas, o códice é o que mais se assemelha ao padrão conhecido de livro que tradicionalmente se consagrou. Com ele, a transcrição de textos começava a ganhar dinamicidade e os volumes, maior mobilidade, podendo ser transportados e acessados com facilidade. Por muito tempo, este formato foi utilizado pelo Cristianismo, oportunidade em que surgiu a necessidade de disseminação de seus ensinamentos para além da fala. A religião tornava-se difusor desse veículo. (GHAZIRI, 2009). Assim, aos poucos era configurado o formato de livro que conhecemos hoje, com folhas de papel encadernadas e protegidas por capas. Um avanço fundamental, neste sentido, foi o surgimento da prensa e depois dos tipos móveis. O livro, sempre escrito à mão, começava a ser impresso e reproduzido em série, passando a ser cada vez mais portátil, popular e acessível. Deixava a restrição dos mosteiros e das bibliotecas, nas quais se concentravam de forma volumosa e pesada. Esses novos fatores possibilitaram condições para o surgimento da ideia de leitor. O livro, aos poucos, tornava-se um produto disponível ao público consumidor. A multiplicação dos livros é garantida, primeiro, pela invenção de Gutenberg, segundo, no século XIX, pela industrialização da atividade gráfica e, enfim, no século XX, pela multiplicação das tiragens graças aos livros de bolso. Diante dessa multiplicação, há aqueles que Capa Sumário estão em condições de dominá-la porque sua cultura e os instrumentos que ela construiu permitem orientar-se racionalmente nesse mundo prolífico, e aqueles que, completamente desarmados diante desta profusão, fazem as más escolhas e são como que asfixiados ou afogados pela produção escrita. (CHARTIER, 1998, p.110) O pensamento de que a produção em escala de livros foi bem aceita desde o princípio é equivocada. Assim como o livro eletrônico é rejeitado pelos leitores tradicionais, o livro também sofreu restrições quando começou a ser disseminado na forma impressa, pois causava perturbações na ordem social da época. O eletrônico aliado ao impresso Com a recente popularização dos livros eletrônicos, também chamados de eBooks, surge o receio de que este venha a substituir a tradição do impresso por completo. Esta questão vem incomodando os amantes do livro e fazendo com que grande parte deles crie certo preconceito, recusando o formato digital como livro. Mas, para um artefato tecnológico deixar de existir é necessário que, primeiro, perca-se o interesse nele. E o livro impresso dificilmente perderá seu valor, sempre terá seu fiel público leitor, interessado na imersão da leitura de suas páginas. Da mesma forma que o livro digital traz praticidade para a vida moderna, o impresso também continuará eLivre 107 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) se fazendo necessário e por muitas vezes mais adequado em determinadas situações, pois configura outro perfil de leitura. A questão é que os eBooks e livros físicos são produtos distintos, apresentados em mídia e formato diferentes; são lidos de formas diferentes e atendem a variados interesses. Mesmo para os que já nasceram no contexto digital, os chamados cibernativos, é importante que tenham a experiência do impresso, dada a abstração de pensamento que este permite. Sobre isso, Logan (2012, p.220) traz uma reflexão oportuna em sua recente obra: [...] a leitura em uma tela, não importa quão boa seja a resolução, é uma atividade complicada. O lado direito do cérebro converte os pixels em letras e o lado esquerdo do cérebro converte as letras em palavras e frases. Há uma grande quantidade de tráfego através do corpo caloso. Portanto, não há como dizer que um formato ocupará o espaço do outro. Ao contrário, os livros eletrônicos vêm para agregar ou suprir necessidades da vida moderna. Digital e impresso quase se completam, proporcionando ao leitor um leque maior de opções e facilidades, de acordo com seus interesses pessoais. Mas qual a diferença entre livro físico e digital? Segundo Machado (1994, apud PAULINO, 2009, p.3) o livro impresso é “todo e qualquer dispositivo através do qual uma civilização grava, fixa, memoriza para si e para a posteridade o conjunto de seus conhecimentos, de suas descobertas, de seus sistemas de crenças e os Capa Sumário vôos de sua imaginação”. Partindo desta definição, este autor faz a seguinte reflexão: O livro, então, pode ser entendido como o veículo ou suporte, tangível ou não, de um conjunto específico de dados, informações ou conhecimentos. O livro eletrônico seria justamente o veículo eletrônico de um conjunto específico de dados, informações ou conhecimentos. Atente-se para o fato de que o Dicionário Aurélio já consigna a expressão “livro eletrônico” como sendo “versão de um livro publicada em mídia digital, como, p. ex., CDROM”. (PAULINO, 2009, p.4) Essa diferença de produto é real. E as pessoas, aos poucos, acostumam-se e percebem a importância do novo formato, não só pelo aspecto da portabilidade e da tecnologia, mas, pela democratização do acesso ao conhecimento. Contexto atual O número de brasileiros que lê livros digitais cresce a cada dia. No final do ano passado, esse número já ultrapassava nove milhões de leitores5. Com a chegada da Amazon.com ao Brasil, maior varejista de eBooks do mundo, o país definitivamente entrou no mercado dos livros digitais. O setor, que está consolidado lá fora, vinha engatinhando a cerca de dois anos por aqui. Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/central_ de_videos/tablets-vs-e-readers-saiba-mais-das-diferencas-entre-os-dois-tipos-de-aparelho. Acesso em: 22/04/2013. 5 eLivre 109 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Conhecida por suas promoções e preços baixos, a Amazon causou rebuliços ao chegar no Brasil. Porém, esses descontos não chegaram por aqui. A diferença de preços entre os eBooks e os impressos ainda é pequena aqui no país, diferentemente dos Estados Unidos. Os e-readers, leitores de livros digitais, ainda estão caros no mercado brasileiro, comparado ao americano. O dispositivo de leitura digital Amazon Kindle 4 custa R$299,00 no Brasil, nos Estados Unidos o mesmo dispositivo custa R$180,00. O Kobo Touch está sendo vendido no Brasil por R$399,00 e nos Estados Unidos por R$190,006. A entrada dessas empresas mudou o cenário das vendas de eBooks no Brasil, instaurando a concorrência entre as lojas brasileiras, Saraiva e Cultura, e as gigantes internacionais, Amazon, Apple e GooglePlay. Com essa disputa, o aperfeiçoamento dos dispositivos, tanto dos aparelhos quanto dos preços mais acessíveis, deverá acontecer em pouco tempo. Além disso, o consumidor passou a ter mais facilidade para comprar eBooks e acesso a uma lista extensa de obras. Resistência aos ebooks O nascimento do livro digital é movido por um mercado editorial ávido por explorar o oportunismo das novas tecnologias digitais com ambientes de grande presença Disponível em: http://www.ebookbr.com/2013/03/os-e-readers-venda-no-brasil.html. Acesso em: 22/04/2013. 6 Capa Sumário de usuários. O livro eletrônico surge a partir dos recursos tecnológicos aliados à necessidade de nova forma de leitura por meio de dispositivos diferentes, da portabilidade, da interatividade. A expansão dos eBooks está cada vez maior devido a essa adequação dos livros digitas às necessidades da sociedade em rede. Essa expansão é comprovada com o comunicado da Amazon ao anunciar recentemente que a venda de eBooks cresceu cerca de 70% no ano de 20127. Apesar de todo esse crescimento no mercado, os eBooks ainda não se firmaram como meio de acesso a leitura. Estudos apontam que os estudantes ainda têm resistência aos livros digitais. A Escola de Administração Ted Rogers, da Universidade de Ryerson, no Canadá, divulgou uma pesquisa na qual os universitários dizem preferir o livro impresso ao digital8. Foram entrevistados 386 estudantes que passaram a usar textos em formato digital nas aulas. Esses universitários foram questionados sobre as facilidades e dificuldades do digital e demonstraram preferência ao modo tradicional de leitura, o impresso. Os alunos apontaram a dificuldade de concentração como uma problemática, assim como a impossibilidade de fazer anotações e esboços no eBooks. Porém esse recurso existe aos livros digitais. É possível fazer essas anotações em Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/amazon-vende-70mais-ebooks-apenas-ano/. Acesso em: 20/04/2013. 8 Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/universitarios-resistem-adocao-ebooks/. Acesso em: 19/04/2013. 7 eLivre 111 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) PDFs ou em aplicativos de tablets e smartphones. Esse estudo aponta as dificuldades dos alunos em lidar com a tecnologia do eBook. Dispositivos de leitura digital, como o tablet, ainda enfrentam resistência dos leitores. Sua tela dificulta a leitura porque possui a luminosidade semelhante à de um computador comum, o que deixa uma sensação de cansaço com o tempo de uso. Além disso, a leitura também é prejudicada em ambientes de grande luminosidade, como sob a luz do Sol, o que exige aumento de brilho no dispositivo. A tela ainda é responsável por boa parte do consumo de energia do dispositivo, pois precisa ser atualizada continuamente para manter a exibição das páginas do livro. A duração da bateria, cerca de 10 horas, é considerada curta para os que usam tablets com o objetivo de leitura. Carregar a bateria diariamente não é satisfatório para esses leitores. Além de ter que enfrentar a inexperiência do usuário, um grande desafio dos eBooks é explorar os recursos multimídias (áudio, vídeo, animação, etc.) e interação, para, assim, quebrar de vez a resistência dos estudantes universitários ou de qualquer outro leitor. Os livros eletrônicos vieram para suprir e adicionar as necessidades que o impresso não pode atender. O impresso e o digital coexistem para o leitor, não há pretensão de um eliminar a existência do outro. Capa Sumário Novos usos do livro digital Aqui, passamos a mostrar os novos usos e necessidades do livro digital, situações estas que, em determinados casos promovem um distanciamento entre o impresso e o eletrônico, em outros, acabam por aproximar bastante as duas versões. Conforme postula Darton (2010), podemos pensar o livro digital como suplemento ao impresso: O mundo do saber vem mudando tão rapidamente que ninguém consegue prever como estará daqui a dez anos. Acredito, porém, que continuará dentro dos limites da galáxia de Gutenberg – ainda que essa galáxia vá se expandir graças a uma nova fonte de energia, o livro eletrônico, que servirá como suplemento, e não substituto, da grande máquina de Gutenberg. (DARNTON, 2010, p.95). Não se trata de substituir o impresso pelo digital, acreditamos na convivência entre os dois modelos, já que eles suprem necessidades diferentes e o livro eletrônico apresenta novos usos que, combinados, geram uma nova experiência ao leitor. Com o livro digital, é possível reunir e consultar centenas de obras em um único dispositivo. Geralmente mais leve e mais fino que um livro impresso, o livro eletrônico necessita de menos espaço físico para armazenar e transportar o acervo. Para Darton (2010), essa característica do eBook é essencial para as bibliotecas de pesquisa, já que não será mais preciso estocar grandes quantidades eLivre 113 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) de obras impressas, além de facilitar o processo de busca para o usuário. O recurso de busca do livro digital facilita a organização de leituras rápidas, com foco em exames, concursos ou palestras. Quando não há muito tempo para a leitura, pode-se realizar buscas por assuntos ou até mesmo por palavras-chave que remetam ao conteúdo procurado. Para quem lida com obras novas e antigas, os livros digitais impedem que a degradação das folhas ou o odor de mofo nas páginas seja um empecilho para a leitura. Muitos leitores e pesquisadores não podem estar em ambientes que reúnem obras empoeiradas, assim, os eBooks proporcionam uma leitura ou estudo em melhores condições, com possibilidade de armazenamento, sem perdas e restrições. Do mesmo modo como ocorre na versão impressa, o livro eletrônico também possibilita a inserção de fichamentos, anotações e marcações. Segundo Ghaziri (2009, p.69), “os comportamentos diante da tela, apesar de parecerem novos, carregam traços do suporte anterior, o impresso”. Como a versão é digital, o usuário também pode editar, deletar e até exportar as anotações e compartilhá-las com outras pessoas. Passamos a vivenciar uma democratização da informação, já que a difusão do conhecimento se dá de forma gratuita e inclusiva. É possível produzir uma obra e difundi-la sem custos, compartilhar livros de outros auto- Capa Sumário res que porventura não estejam no circuito das editoras, inclusive com comentários e opiniões a respeito do livro ou trechos específicos do mesmo. Obras antigas, que jamais poderiam ser examinadas por grande parte da sociedade, agora podem ser exibidas, em trechos ou capítulos. Observamos, assim, um favorecimento ao uso coletivo, pois professores e palestrantes podem projetar o conteúdo de um livro sem que o mesmo esteja no local da apresentação. O eBook pode ser visualizado em diferentes dispositivos portáteis, como o notebook, smartphone e tablet. Cada aparato tecnológico possui algumas especificidades, como o tamanho e o tipo de tela, além da capacidade de processamento e armazenamento. Encontramos, também, diferentes formas de intervenção na obra, a partir da utilização de variados aplicativos para diferentes fins. Softwares que reconhecem arquivos PDF e ePub nos permitem fazer anotações e marcações; já os editores de texto, como o Microsoft Word, fazem com que o usuário possa reescrever trechos da mesma obra. Observamos diversos formatos de conteúdo (textual, imagético, sonoro), além da visualização de vários gêneros (obras, quadrinhos, filmes, revistas). Lévy (1999, p.96), destaca alguns destes formatos a partir da utilização do livro digital: “posso não apenas ler um livro, navegar em um hipertexto, olhar uma série de imagens, ver um vídeo, interagir com uma simulação, ouvir uma músi- eLivre 115 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) ca gravada em memória distante, mas também, alimentar essa memória com textos, imagens etc.”. Na medida em que fazemos intervenções nas obras, anotando e criando códigos de cores, formas e traços, estamos criando novos padrões de linguagem que ajudam a repassar impressões, dicas e opiniões. Sempre estamos criando novas maneiras de intervenções, por meio da inclusão de cores ou traços, para realçar determinado trecho relevante, ou por meio de formas e emoticons, para demonstrar a importância de algum tema, sem precisar repetir sempre o mesmo texto. De modo geral, o livro digital pode ser lido em dois tipos de telas, uma que utiliza a reflexão da iluminação do ambiente, e outra, que emite luz. As telas reflexivas são produzidas com a tecnologia E Ink, um papel eletrônico capaz de simular com perfeição a legibilidade do papel convencional. As telas que funcionam a partir da emissão de luz, usualmente de LCD ou LED, estão presentes nos monitores de computadores e notebooks, smartphones e tablets. Os dispositivos que utilizam telas emissivas possibilitam, a partir do uso de bateria, a leitura em lugares escuros ou desprovidos de energia. Alguns dispositivos, como o Kindle, da Amazon, possuem dicionários embutidos, capazes de realizar uma pesquisa instantânea pelo conteúdo do livro. Já o iPad, da Apple, a partir do aplicativo iBooks, permite que o leitor consulte informações pertinentes com a integração de serviços de busca (Google e Wikipédia) por meio de uma conexão com internet. Capa Sumário Os custos de produção e comercialização são reduzidos drasticamente, uma vez que o próprio autor torna-se capaz de editar e diagramar o livro, a partir de softwares com interfaces cada vez mais amigáveis. Não é mais preciso financiar a impressão, qualquer autor pode comercializar seu livro digital no valor que achar conveniente ou compartilhá-lo por meio de grandes empresas, a exemplo da Amazon e da Apple, que cobram apenas uma porcentagem por livro vendido. Conclusão O livro impresso existe há mais de 500 anos. Desde seu aparecimento vem agregando e cumprindo funções a fim de atender às necessidades que surgem com a evolução do estilo de vida das sociedades, tais como entreter, educar, informar, disseminar conhecimento etc. Nos últimos anos, entretanto, são significativas as transformações pelas quais os livros vêm passando. O surgimento do formato eletrônico acarretou inúmeros investimentos no desenvolvimento, não só dos modelos de eBooks, mas de suas plataformas de leitura, como tablets, e-readers e smatphones. Todas essas mudanças devem-se ao surgimento dessas novas necessidades de uso para o livro. Elas demonstram a importância do digital e garantem ao leitor que opta por este formato, portabilidade e flexibilidade tão necessárias nos dias atuais. eLivre 117 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Essa nova forma de lidar com o livro não chegou ao fim, ela deve continuar se estendendo à medida que novas necessidades de uso, além das observadas neste artigo, surjam, de forma a tornar cada vez mais prática a relação dos usuários de livro eletrônico. Porém, o importante é que entramos em uma era de democratização do conhecimento, em que a produção, a difusão e o acesso ao saber estão cada vez mais disponíveis, em um processo irreversível. Do mesmo modo que os celulares estão chegando ao alcance das classes mais pobres, os conteúdos midiáticos também, afinal o próprio celular é fonte de acesso a esses conteúdos, inclusive no formato ePub, o livro digital próprio para este aparato tecnológico pessoal. Nesse contexto, tanto a permanência do livro impresso proveniente do mercado editorial, quanto a ampliação de uso do livro digital somarão forças para que o desenvolvimento social e cultural esteja ao alcance de toda a sociedade. Afinal, conforme diz Parry (2012, p. 60): “Como tipo de mídia, o livro encontra-se em excelente forma, e vai escrevendo um novo capítulo de sua história nesta era dos meios de comunicação digital”. GHAZIRI, Samir. A leitura na tela do computador. São Paulo: Baraúna, 2009. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. LOGAN, Robert. Que é Informação? A propagação na biosfera, na simbolosfera, na tecnosfera e na econosfera. Rio de Janeiro: Editora Contraponto - PUC/Rio, 2012. PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a história dos meios de comunicação de Gilgamesh ao Google. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. PAULINO, Suzana Ferreira. Livro tradicional x Livro eletrônico: a revolução do livro ou uma ruptura definitiva? In: Revista Hipertextus. n° 3, junho, 2009. Disponível em: http://www. hipertextus.net/volume3/Suzana-Ferreira-PAULINO.pdf. Acesso em: 10/04/2013. Referências CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1998. DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Capa Sumário eLivre 119 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) nosso objetivo é apresentar e discorrer sobre as causas que têm impedido o crescimento das vendas de eBooks e eReaders no Brasil. LIVROS DIGITAIS NO BRASIL: ANALISANDO AS CAUSAS DO INSUCESSO1 Palavras-chave: Ebooks. Livros digitais. Mercado editorial. Causas do insucesso. Rennam VIRGINIO2 Introdução Resumo Desde o surgimento da prensa de Gutenberg até os dias atuais o livro passou por diversas transformações. Mas, nenhuma tão significativa como as recentes mudanças. Com o advento das tecnologias digitais, um novo formato de livro é produzido e comercializado: o eBook, também conhecido como livro digital. Este artigo busca apresentar um breve levantamento da situação atual do mercado de eBooks no mundo e no Brasil, uma vez que, até o momento, não alcançou os resultados esperados, mesmo após a chegada de gigantes do ramo no último ano, como a Amazon, o Google Books e a Kobo. Diante desta problemática, Trabalho apresentado no IJ 5 – Rádio, TV e Internet do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013. 2 Graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela Universidade Federal da Paraíba. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/UFPB) pelo projeto Para Ler o Digital. Email: virginiorennam@ gmail.com 1 Capa Sumário Na segunda metade do século XV, uma invenção mudou os rumos dos livros na história: a prensa de Gutenberg. Com esta criação do alemão que dá nome ao invento, tornou-se possível a impressão e a produção em grande de escala de livros impressos, criando a categoria de leitor e permitindo a circulação obras na Europa e no mundo. McLuhan (1972, p.176) reforça tal importância, afirmando que a prensa “confirmou e estendeu a nova tendência visual do conhecimento aplicado, dando origem ao primeiro bem de comércio uniformemente reproduzível, à primeira linha de montagem e à primeira produção em série.” A máquina criada por Gutenberg, na realidade não foi uma “invenção”, ou algo inédito, e sim, o aperfeiçoamento da técnica de impressão. Deste modo, não podemos afirmar que a prensa de Gutenberg é uma criação, e sim uma inovação, sendo esta a introdução de tipos móveis metálicos, que poderiam ser reutilizados e recombinados eLivre 121 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) várias vezes, possibilitando uma grande quantidade de cópias a partir de uma única matriz - o que até então não era possível, pois as matrizes eram de madeira e com os tipos fixos, provocando o rápido desgaste das tábuas. Antes da prensa de Gutenberg, os livros eram manuscritos, o que limitava o número de exemplares, tornando a leitura um hábito caro e restrito aos mais nobres e ao clero, como afirma DeFleur e Ball-Rokeach (1993, p.37): (...) O número de livros disponíveis ficava severamente restrito e só podiam ser adquiridos por pessoas de consideráveis recursos. A impressão trouxe uma modificação fantástica. Centenas ou mesmo milhares de cópias de um determinado livro podiam ser reproduzidas com grande precisão. Foi uma invenção fabulosa que espantou o mundo alfabetizado da época. bém comercial, com um lucrativo mercado. Entretanto, atualmente o livro impresso não é mais o único suporte oferecido quando se trata de leitura. Junto com os livros impressos, o mercado também oferece hoje os eBooks (do inglês “eletronic book”, livro eletrônico), mais conhecido no Brasil como livro digital. Horie (2011, p.15) define o eBook como “uma versão digital de um livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos portáteis”. Os livros digitais geralmente são lidos em dispositivos portáteis como tablets e eReaders, aparelhos produzidos especificamente para a leitura de eBooks e que possui a tecnologia E-Ink, ou tinta eletrônica, um tipo de tela anti-reflexiva que mimetiza com o papel e possibilita uma leitura mais confortável e similar a do livro impresso. Geralmente, os livros digitais são pro- O livro, antes mesmo da prensa de Gutenberg, já duzidos nos formatos ePub ou PDF. havia passado por transformações, não só em seu modo Na Europa Ocidental e, principalmente nos EUA, de produção, mas também em seu formato e sua matéria- os livros digitais compõem um mercado muito lucrativo, -prima. A princípio os livros eram de papiro e escritos em sobretudo a Amazon, principal empresa do ramo que já rolos, também chamados de volumen. Em seguida pas- vende mais eBooks que livros impressos desde 20113. O saram a ser feitos de outro material, o pergaminho, e no mesmo acontece no Reino Unido desde 20124. Entretanto o sucesso dos livros digitais não se re- formato conhecido como códice, que é o livro como conhecemos hoje. Quase sempre, eram manuscritos um a Mais de cinco séculos se passaram e a produção de livros impressos cresceu continuamente, tornando-se não só um produto de importância cultural como tamCapa Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-amazon-ebook-vende-mais-que-livro-de-papel,721630,0.htm Acesso em: 24/04/2013 4 Disponível em: http://blog.crb6.org.br/artigos-materias-e-entrevistas/amazon-afirma-vender-mais-ebooks-kindle-do-que-livros-impressos-no-reino-unido/ - Acesso em: 24/04/2013 3 um pelos copistas. Sumário eLivre 123 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) pete no Brasil, mesmo com o país contando com três dos o livro, enquanto que o PDF não possui essa caracterís- principais grupos do mercado: Amazon, Kobo e Google, tica. Por esta razão, o PDF é um formato pouco utilizado sem contar a Apple, que também vende eBooks em sua para a venda de eBooks. loja online, o iTunes Store e outras grandes redes de livra- O ePub é o formato de eBook comercializado na rias nacionais interessadas no comércio de livros digitais, grande maioria das lojas, enquanto que o Kindle Format 8 mesmo que em menor escala. é exclusivo para os e-Readers da Amazon, principal ven- O presente artigo tem o propósito de expor e dis- dedora de livros digitais e e-Readers no mundo. cutir os fatores que colaboram para o insucesso des- Para “rodar” estes formatos, são necessários sof- te mercado no Brasil, apesar dos avanços obtidos em twares ou aplicativos específicos, que podemos chamar 2012, como a chegada de eReaders e surgimento de de Readers. O Kindle tem seu reader específico, mas exis- novas lojas de eBooks. tem outros para PC’s e Tablets que são muito utilizados, como o Adobe Digital Edition, Adobe Reader, Aldiko e o Os livros digitais: formatos, readers, e-Readers e as semelhanças com o impresso brasileiros Saraiva Reader e IBA. As possibilidades de leitura de livros digitais são Uma das principais diferenças do livro digital em relação ao impresso é quanto ao texto. No digital, surge o hipertexto, definido por Levy (1997, p. 33) como “um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequencias sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos.” Os livros digitais estão disponíveis em diversos formatos, sendo o ePub, o Kindle Format 8 e o tradicional PDF. Os dois primeiros são formatos “dinâmicos”, que permitem que os livros se ajustem automaticamente ao tamanho da tela do dispositivo no qual já está sendo rodado Capa Sumário grandes, existem diversos dispositivos compatíveis, como smartphones, tablets e PC’s. Ma,s o ideal é a leitura em um e-Reader (do inglês “eletronic reader”, leitor eletrônico), que assim como foi dito anteriormente, é um dispositivo produzido especificamente para a leitura de livros digitais, contando, inclusive, com tecnologia de tela que não cansa a vista e simula o papel, o que torna a leitura do livro digital muito próxima da leitura de livros impressos. André Lemos reforça e descreve esta semelhança, ressaltando que os leitores de eBooks buscam unir a portabilidade que o digital oferece com a experiência de leitura próxima do impresso: eLivre 125 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Os e-readers emulam, com a e-ink, muito bem o papel e a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-se muito confortáveis para a leitura. O que está em jogo aqui é usar a tecnologia digital e as redes sem fio para proporcionar portabilidade da biblioteca e uma leitura próxima da do livro impresso (sem firulas, links desnecessários, ou interatividade exagerada). O leitor nem sempre quer ser “interator”. Ele quer ler como se lê um livro em papel. A relação material é importante aqui: ler um produto acabado em uma postura corporal similar àquela da leitura dos livros jornais e revistas impressas. (LEMOS, 2011)5 A afirmação de Levy (1997), de que o hipertexto retoma e transforma antigas interfaces da escrita, reforça essa discussão sobre as semelhanças e diferenças entre o digital e o impresso. Chartier (1999) corrobora com o pensamento de Levy quando diz que o texto em tela cria uma organização e estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se deparava o leitor do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso. Nestes formatos, o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas. Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 25/04/2013 5 Capa Sumário Figura 1: Livros impressos e o Kindle, eReader da Amazon. Fonte: www.dualpixel.com.br As causa do insucesso dos eBooks no Brasil O mercado de livros digitais no Brasil só veio apresentar crescimento relevante no último ano, mesmo assim, ainda aquém da expectativa inicial dos grandes investidores, que viam no país um mercado promissor. Até o primeiro semestre de 2012, poucas livrarias e lojas online vendiam eBooks, como a Saraiva e o Submarino. Nos últimos meses de 2012, a Amazon se instalou no Brasil e iniciou as vendas do seu eReader, o Kindle e também de eBooks. Junto a Amazon, a Kobo, empresa canadense e uma das principais concorrente firmou parceria com a livraria cultura e também começou a vender seus eReaders e eBooks. Além destas, o Google e a Apple eLivre 127 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) começaram a comercializar livros digitais no Google Play e na iTunes Store, respectivamente. Segundo dados da DLD (Distribuidora de Livros Digitais) - empresa que distribui os eBooks das editoras Objetiva, Planeta, Record, Rocco, L&PM, Novo Conceito e Sextante -, as vendas de livros digitais teve um crescimento de 900% entre dezembro de 2011 e dezembro de 20126. Vale ressaltar que esses são dados apenas relativos às vendas da DLD. O crescimento é factual, mas as previsões apontavam prospecções mais positivas para o mercado brasileiro. Essa “demora” para o alavancamento dos livros digitais no Brasil, segundo nossa análise, é consequência de um conjunto de fatores que atrapalham e desestimulam os brasileiros a lerem eBooks, além de um fator de cunho estrutural: o impacto logístico no modelo de mercado editorial praticado atualmente no país. Portanto, os fatores – ou causas -, do insucesso dos livros digitais no Brasil são quatro: eReaders com altos preços, pouca de variedade de eBooks em português, livros digitais caros e o impacto no modelo atual de negócio. Alto custo dos e-readers Os livros digitais podem ser lidos em vários dispositivos, mas são nos eReaders que se concentram as comDisponível em: http://www.tiposdigitais.com/2013/01/o-tamanho-do-mercado-de-ebooks-no-brasil.html Acesso em: 25/04/2013 6 Capa Sumário pras de eBooks; por serem dispositivos específicos para a leitura, são bem mais confortáveis para ler do que os tablets ou computadores e notebooks. Por simular eficientemente um livro impresso, boa parte dos compradores de eBooks são aqueles que possuem um leitor dedicado, como o Amazon Kindle ou o Kobo. No Brasil, os leitores dessas duas gigantes do mercado editorial digital chegaram no segundo semestre de 2012, vendendo eBooks e seus eReaders. Antes da chegada destas empresas, o leitores eletrônicos vendidos no Brasil eram poucos, basicamente o Alfa, da Positivo e o Cool-er, importado e vendido pela Gato Sabido. Entretanto, os preços eram incompatíveis com a realidade do mercado, custando entre R$600,00 e R$800,00. Os consumidores por vezes, preferiam pagar valor semelhante a um tablet, que possui mais funcionalidades. Enquanto isso, nos EUA, um Kindle de modelo mais simples, poderia ser comprado por 79 dólares, algo em torno de R$160,00. A chegada da Amazon e da Kobo ao nosso país e a consequente comercialização de seus leitores indicavam uma queda nos preços e um primeiro passo pro crescimento dos eBooks no Brasil. A Amazon chegou e hoje vende seu modelo mais simples, com tela de 6’, WI-FI e sem touchscreen por R$299,00 e a Kobo vende seu leitor mais barato, o Kobo Mini, com tela de 5’, WI-FI e tela sensível ao toque por R$289,00 na Livraria Cultura. Esses valores já estão bem abaixo do que era vendido anteriormente, mas ainda sim, eLivre 129 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) muito acima dos preços desses mesmos aparelhos nos EUA, que custam, 69 Dólares (R$140,00) e 80 Dólares (R$160,00) respectivamente. Recentemente, as concorrentes lançaram outros modelos no mercado brasileiro, o Kindle Paperwhite e o Kobo Glo, mas os preços seguem muito acima do valor vendido no exterior conforme mostra as imagens abaixo: Fonte: www.pontofrio.com.br Podemos constatar que os preços no Brasil, em alguns casos, chegam a custar mais que o dobro dos preços praticados nos Estados Unidos. O alto custo de um dispositivo que oferece basicamente uma funcionalidade, acaba por desmotivar os brasileiros a investirem em um eReader, e isso se reflete, consequentemente, em um número menor de vendas de eBooks. Figura 2: Kindle Paperwhite é vendido Pouca variedade de títulos a venda pelo equivalente a R$240,00 nos EUA. Não menos importante, há também o fator variedade. O número de eBooks em língua portuguesa à venda nas lojas brasileiras é muito inferior a quantidade de títulos em inglês e que são vendidos no exterior. Para se ter uma ideia da desproporcionalidade do número de obras a venda, a Amazon possui mais de um milhão de e meio de eBooks em inglês, enquanto que o número de eBooks em português agora que atingiu a casa dos vinte mil títulos.7 Muitas editoras nacionais ainda não fecharam acordos e por isso não produzem eBooks, ou seja, muitos livros ficam só no impresso, o que acaba limitando as opções dos leitores, e esse fator também influência na hora Fonte: www.amazon.com Figura 3: Kindle Paperwhite vendido no Brasil custa o dobro. Disponível em: http://www.amazon.com.br/s/ ref=amb_link_366167302_33?ie=UTF8&rh=i%3Adigital-text%2Cn%3A5475882011&pf_rd_m=A1ZZFT5FULY4LN&pf_rd_ s=left-4&pf_rd_r=09SFY7Y8T3C73SRT53TT&pf_rd_t=101&pf_rd_ p=1514834982&pf_rd_i=6311441011 - Acesso em: 25/04/2013 7 Capa Sumário eLivre 131 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) de migrar ou não para o digital, pois há sempre o risco do leitor não encontrar certos títulos na versão digital. Figura 4: Busca no site da Amazon mostra o número de obras disponíveis em português. Fonte: www.amazon.com.br Figuras 4 e 5: Comparativo de preços do mesmo livro em formato impresso e digital na Cultura. eBooks caros É verdade que os eBooks já foram mais caros em nossa terra, mas com a chegada da Amazon, Kobo e a entrada do Google e a da Apple no mercado, a disputa ficou mais acirrada, o que acabou refletindo na queda dos preços. Porém, os preços ainda estão um pouco longe da realidade daqueles praticados no exterior, onde o mercado se firmou e confronta diretamente com os números dos livros impressos. Capa Alguns livros digitais já são vendidos a preços um pouco mais baixos que os livros impressos, mas boa parte ainda é comercializada a preços iguais ou até mesmo mais caro. Vale ressaltar que o livro impresso no Brasil também custa caro e um eBook, quando vendido a preço similar, não indica vantagem. O custo de produção de um livro digital é muito mais baixo que a de um livro impresso, pois é dispensado o uso de papel, de impressão e o transporte que leva os livros até as lojas. O leitor compra o livro e faz o download direto para o dispositivo no ato da compra, portanto, é incompreensível um livro digital custar tão caro quanto um livro impresso. Alguns especialistas apontam que a causa desse alto custo é a pouca mão de obra disponível no mercado para a produção de eBooks, pois o processo é mais complexo que a dos livros impressos. Sumário Fonte: www.livrariacultura.com.br eLivre 133 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) O comparativo mostra o livro digital aproximadamente 20% mais barato que o impresso, porém, continua caro para um livro digital literário e muitos leitores preferem pagar a obra em formato tradicional. Na Amazon norte-americana, a maioria dos eBooks custa até 10 dólares, o equivalente a R$20,00, um preço bastante competitivo e que tem dado certo, visto o sucesso de vendas de livros digitais daquela empresa. A tendência é que os preços continuem a baixar com a chegada de novas lojas e o aumento da mão-de-obra que produza eBooks, mas isso deve acontecer a médio prazo, deixando os livros digitais com o preço ainda um pouco acima da média, por um tempo. Impacto no modelo atual do mercado editorial brasileiro Além dos fatores apresentados anteriormente, que estão ligados ao livro digital em si, também existe um fator que influencia decisivamente no crescimento ou não do mercado de eBooks do Brasil - e que acontece de forma mais discreta. O impacto que um provável sucesso e crescimento repentino dos livros digitais causaria no modelo atual do negócio do livro no país fez com que muitas editoras e livreiros agissem contra a chegada das gigantes dos eBooks aqui e continuam resistindo a este mercado. Uma prova deste fato é uma carta pública assinada pela ANL – Associação Nacional de Livrarias e que foi enca- Capa Sumário minhada para a imprensa no ano passado, intitulada “Carta Aberta da ANL sobre o livro digital no Brasil”. O documento foi uma resposta da ANL à chegada da Amazon ao Brasil. Na Carta, a ANL faz algumas recomendações às livrarias brasileiras sobre como reagir ao livro digital. Entre as recomendações estão: a) estabelecer um intervalo de 120 dias entre o lançamento dos livros impressos no formato de papel no mercado brasileiro e sua liberação nas plataformas digitais; b) que o desconto para revenda do livro digital para todas as livrarias e para as demais plataformas seja uniforme, possibilitando igualdade de condições para todos os canais de comercialização nesse novo suporte de leitura ; c) diferença de preço do livro digital para o formato impresso seja no máximo igual a 30%; d) Na hipótese de a editora ou distribuidora vender diretamente ao consumidor final, o desconto nos livros digitais não poderá exceder 5%. Estas recomendações públicas deixaram claro a resistência das livrarias brasileiras com os livros digitais e reforça a preocupação destas com o impacto que o crescimento deste mercado poderia causar, gerando prejuízos não só aos livreiros, como também aos fabricantes de papel e prestadoras de serviços de transporte. Conclusão O livro digital surgiu para coexistir com o impresso. Não é um concorrente, e sim, apenas um novo produto, eLivre 135 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) uma nova opção para os leitores, o que torna o mercado editorial mais dinâmico e mais diversificado, oferecendo outras experiências em leitura que pode vir a atender novas necessidades. Sucesso nos EUA e na Europa, o livro digital chegou sem muita força ao Brasil e gerou expectativas de grande crescimento com a vinda da Amazon e Kobo. Porém, o sucesso esperado ainda não foi atingido pelos fatores apresentados neste artigo, que vão desde questões como a falta de mão-de-obra - que encarece os eBooks -, passa pelos altos impostos cobrados no país - que torna os eReaders duas vezes mais caros -, até chegar a problemas logísticos, influenciando diretamente nos demais. Temos um ciclo de causas que afasta dos brasileiros o interesse em conhecer mais de perto as vantagens dos livros digitais e impossibilita o crescimento deste mercado no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos os leitores podem comprar eReaders a menos de 100 Dólares e variados títulos por menos de 10 Dólares, o brasileiro ainda encontra eReaders caros, e pouco variedade de títulos, a maioria a alto custo, tudo isso somado aos entraves que as livrarias provocam por resistir aos livros digitais. A expectativa, agora, é que esses problemas sejam contornados e em médio prazo possamos ter um mercado de eBooks próximo do norte-americano, o que não só aumentaria os lucros das livrarias e editoras que apostassem neste mercado, como também incentivaria a leitura, pois os custos seriam mais baixos. Capa Sumário Vale lembrar que o livro impresso e seu mercado passaram por diversas transformações ao longo dos cinco séculos que transcorreram desde a prensa de Gutenberg até o surgimento dos processos digitais. Nesse contexto, os editores, escritores e leitores se adaptaram a estas transformações e ajudaram a constituir o livro impresso como conhecemos hoje. Segundo Parry (2012), apesar do boom das empresas pontocom na primeira década deste século, o livro em suas diferentes formas, parece ter sido o meio de comunicação de crescimento mais rápido, no que diz respeito à quantidade de unidades produzidas. Para se ter uma ideia, conforme o autor, no ano de 2011, apenas nos Estados Unidos, a previsão era de que cerca de 300 mil novos títulos seriam publicados no formato tradicionalmente impresso, batendo o recorde em relação a qualquer ano anterior. Além disso, haveria mais de 12 milhões de livros disponibilizados anualmente em outros formatos, a exemplo das modalidades eletrônicas e como arquivos em PDF. Nesse sentido, arremata Parry (2012, p. 60): “Como tipo de mídia, o livro encontra-se em excelente forma, e vai escrevendo um novo capítulo de sua história nesta era dos meios de comunicação digital”. Parece-nos, portanto, tratar-se de um movimento sem volta essa jornada do livro rumo aos novos formatos eletrônicos, ao qual o mercado editorial e a sociedade deverão se adaptar, sob pena de serem engolidos pelo atraso que já nos distancia dos países mais avançados. eLivre 137 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) Referências CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1998. DEFLEUR, Melvin L.; BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. A ASCENSÃO DO LIVRO DIGITAL E A AUTONOMIA DO AUTOR NA CIBERCULTURA1 HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks Volume 1: Arte-finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. Filipe Almeida2 LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http:// andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011 LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Ed. 34, 1997 Resumo MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da USP, 1972. O livro digital está ganhando espaço e aceitação no mercado editorial brasileiro, mesmo diante da relutância dos leitores acostumados com o livro impresso. Não há evidências de que este artefato tecnológico suplantará o livro impresso, mas, na prática, os eBooks, como são denominados, estão despontando como versões capazes de atender à novas necessidades e de criar novos usos que os livros impressos já não atendem no contexto da cibercultura. Essa ascensão do livro digital tem reflexos diretos na produção e negociação dos autores junto à grandes editoras: a autonomia destes frente ao modelo tradicional PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a história dos meios de comunicação de Gilgamesh ao Google. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. Sites www.amazon.com www.amazon.com.br www.livrariacultura.com.br www.pontofrio.com.br Artigo originalmente apresentado no VI Simpósio Nacional da ABCiber, Curitiba, 2013. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/ UFPB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/PPGC e do Projeto Para Ler o Digital. E-mail: [email protected] 1 www.kobo.com Capa Sumário eLivre 139 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) do mercado editorial está provocando mudanças consideráveis na indústria do livro. O presente artigo tem o propósito de compreender as transformações proporcionadas pelo livro digital junto a leitores, autores e mercado editorial, a partir das necessidades emergentes e de suas implicações mercadológicas. Palavras-chave: Livro digital. Mercado editorial. Autonomia do autor. Cibercultura. Introdução O livro é um gênero literário cuja hegemonia no formato impresso tem cerca de 500 anos, participando de forma significativa de grandes mudanças sociais. Embora seu formato de folhas manuscritas reunidas em bloco tenha se iniciado com o códex, no Egito Antigo, foi Johannes Gutenberg, criador da prensa de tipos móveis, quem imprimiu os primeiros 180 exemplares da Bíblia, no período de 1450 a 1455 (PARRY, 2012). Daquela época até então, a indústria do livro desenvolveu um sistema editorial de grandes proporções, cujo modelo de negócios vende milhões de exemplares, anualmente, em todo o mundo. Autores, editores, distribuidores e livreiros participam ativamente desse mercado, cujo produto representa uma das mais profícuas formas de expressões do saber e da cultura humana. Nesse contexto, Capa Sumário o autor, responsável pelo conteúdo das obras, é quem menos ganha no processo mercadológico de levar importantes obras a todas as áreas de atuação do ser humano. Esse império do livro impresso, porém, foi instigado a rever a continuidade de sua hegemonia, diante do surgimento do livro digital no âmbito da cibercultura. E mesmo que não haja indícios de que esse novo formato e padrão editorial de livros que transitam pela tecnologia das mídias digitais, venham suplantar o livro impresso, trata-se de uma inovação que já está modificando o modo como nos relacionamos com as obras, a partir de novas necessidades de produção e consumo do conhecimento. Além disso, é um processo editorial que atinge e modifica consideravelmente os modos de criação e distribuição dos livros por parte dos autores, dando-lhes uma autonomia comercial que abala diretamente as práticas editoriais estabelecidas desde o surgimento da indústria cultural. As tecnologias da informação e da comunicação que se estabeleceram a partir da computação pervasiva e engendramento dos sistemas midiáticos fixos e móveis, tiveram na internet o espaço apropriado para a produção e o compartilhamento de informações e conhecimentos em escala global. Passaram a atuar sob a égide das conhecidas leis da cibercultura, em que se instaurou a distribuição do polo de emissão, a conectividade de toda a sociedade e a reconfiguração de práticas midiáticas (LEMOS, 2005). O que estamos presenciando é a ascensão do livro digital, chamado de eBook e que tem formatos (PDF, eLivre 141 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) ePub3 entre outros) e versões diversas, capazes de serem transportados, distribuídos e lidos em computadores, tablets, smartphones e eReaders4, passíveis de serem produzidos, editados e vendidos ou compartilhados gratuitamente pelos próprios autores. São responsáveis por significativas mudanças estruturais no mercado editorial em grande parte do mundo. Que transformações são essas verificadas, tanto no modo de produção, formato estético e consumo, quanto no processo de editoração e comercialização das obras? E quais as implicações desse sistema digital que envolve o livro no cerne das sociedades contemporâneas? Responder essas perguntas é o objetivo maior do presente artigo. O surgimento do livro digital no contexto da cibercultura De acordo com os estudos de Lemos (2005), a cibercultura pode ser caracterizada por três “leis fundadoras”: a liberação do polo de emissão de informações, mensagens, opiniões etc., o princípio de conexão e compartilhamento em rede e a reconfiguração dos formatos midiáticos e práticas sociais. O livro digital, na atual Abreviatura de electronic publication, o ePub é um padrão internacional para eBooks, livre e aberto. Por ter um layout fluido, o texto e as imagens presentes no livro podem ser redimensionadas de acordo com o tamanho da tela do dispositivo, possibilitando uma boa leitura nos mais variados aparatos tecnológicos, principalmente nos portáteis. 4 Pequeno aparelho que tem a função de mostrar na tela o conteúdo dos livros digitais. Nele podem ser armazenadas inúmeras obras. 3 Capa Sumário conjuntura, passa a ser orientado pelas mesmas leis que regem a cibercultura. Com a liberação da emissão, podemos encontrar quase todo tipo de informação circulando na rede, independentemente da influência exercida pelo difusor. Nos livros eletrônicos, observamos a aplicação da primeira lei na medida em que qualquer pessoa pode escrever um livro e publicá-lo sem custo algum. Softwares para a editoração de eBooks estão cada vez mais intuitivos, a exemplo do iBooks Author, aplicativo gratuito da Apple que permite ao escritor realizar todo o processo de diagramação com a inserção de recursos de áudio, vídeo, galeria de imagens, infográficos interativos e objetos em três dimensões. O princípio da conectividade generalizada, como discute Lemos (2005), teve início em meados da década de 1970, com o surgimento dos primeiros computadores pessoais. Entre os anos de 1980 e 1990, o PC foi transformado em uma plataforma coletiva com o surgimento e popularização da internet. Hoje, o caráter portátil dos dispositivos eletrônicos promove uma série de alterações nas práticas sociais, permitindo ao usuário conexão à rede em qualquer lugar. Obedecendo à lei da conectividade, encontramos os livros digitais disponíveis na internet de forma gratuita ou paga, cabendo somente ao autor decidir de que forma irá difundir sua obra. Os eBooks também podem conter links externos, associados a outros livros ou à páginas da web, eLivre 143 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) favorecendo a aplicação do princípio da conexão em rede. A reconfiguração, terceira lei que rege a cibercultura, expõe a necessidade de se repensar as práticas midiáticas. Para Parry (2012, p.21), “cada nova tecnologia cria novos formatos de mídia, que ao mesmo tempo acrescentam e modificam seus antecessores”. Do ponto de vista mercadológico, talvez tenhamos uma das questões mais recorrentes quando o assunto é livro eletrônico: será que, com a expansão deste novo formato, estamos nos aproximando do fim do livro impresso? Acreditamos que não; o livro se encontra em processo de reconfiguração, portanto, não se trata da simples substituição do impresso pelo digital. O livro digital surge para suprir novas necessidades que, com os novos recursos audiovisuais interativos, geram uma nova experiência de leitura. não pode ser deixada de lado. Segundo Dziekaniak et al. (2010, p.85), “essa é a realidade da leitura virtual, um formato que convida o leitor a interagir e a explorar símbolos e palavras que mudam de cor ou que oferecem a facilidade de manuseio com um simples toque”. Com esses recursos, a leitura virtual torna-se uma experiência agradável, um convite para que o leitor possa interagir com elementos capazes de proporcionar um aumento significativo na absorção do conteúdo dos livros. Mas, a presença do livro digital está revelando inúmeros outros aspectos intrínsecos à vida contemporânea que fazem dele uma necessidade. A urgência da vida pessoal e profissional confere novos usos e práticas para esses aparatos técnicos e permitem que alguns autores postulem que podemos pensar o livro digital como suplemento do impresso: Livro digital: novos usos e necessidades As gerações que nasceram sob a égide do livro impresso, ainda mantêm apreço e saudosismo por um objeto de forte significado na cultura. Folhear um livro e passar os dedos sobre as letras é uma experiência que se prolonga desde a infância. E pensar em trocá-lo por um livro digital que fica condicionado a uma tabuleta de metal e vidro não é uma ideia que se aceita de imediato. Porém, quando começamos a conviver com os tablets e os eReaders, aos poucos vamos percebendo que Capa existe outra dimensão nessa nova concepção de livro, que Sumário O mundo do saber vem mudando tão rapidamente que ninguém consegue prever como estará daqui a dez anos. Acredito, porém, que continuará dentro dos limites da galáxia de Gutenberg – ainda que essa galáxia vá se expandir graças a uma nova fonte de energia, o livro eletrônico, que servirá como suplemento, e não substituto, da grande máquina de Gutenberg. (DARNTON, 2010, p.95). Uma constatação imediata é a de que o padrão de livro digital permite reunir e consultar centenas de obras em um único dispositivo. Geralmente mais leve e mais eLivre 145 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) fino que um livro impresso, o livro eletrônico como suporte tecnológico necessita de menos espaço físico para armazenar e transportar o acervo. Segundo Darton (2010), essa característica do eBook é essencial para as bibliotecas de pesquisa pelo fato de que não será mais preciso estocar grandes quantidades de obras impressas, além de facilitar o processo de busca para o usuário. Além dessas, uma série de outras observações foram levantadas em recente pesquisa realizada por Guedes, Albuquerque, Almeida e Nicolau (2013), visando demonstrar as necessidades e usos do livro digital. Dotado de versátil recurso de busca em seus diferentes formatos, o livro digital facilita a organização de leituras rápidas para quem está focado em exames, concursos ou palestras. Quando não há muito tempo para a leitura, pode-se realizar buscas por assuntos ou até mesmo por palavras-chave que remetam ao conteúdo procurado. Diante da preservação e pesquisa em obras novas e antigas, os livros digitais impedem que a degradação das folhas ou o odor de mofo nas páginas sejam um empecilho para a leitura. Muitos leitores e pesquisadores não podem estar em ambientes que reúnem obras empoeiradas. Nesse caso, os eBooks proporcionam uma leitura ou estudo em melhores condições, com possibilidade de armazenamento, sem perdas e restrições. No tocante ainda a obras antigas e que jamais poderiam ser examinadas por grande parte da sociedade, estas, agora, podem ser exibidas, em trechos ou capítulos. Tal facilidade favorece Capa Sumário o uso coletivo dos livros, uma vez que professores e palestrantes podem projetar seus conteúdos sem que a obra esteja no local da apresentação. O livro digital, tal qual o livro impresso, também possibilita a inserção de fichamentos, anotações e marcações. Segundo Ghaziri (2009, p.69), “os comportamentos diante da tela, apesar de parecerem novos, carregam traços do suporte anterior, o impresso”. Como a versão é digital, o usuário pode editar, deletar e até exportar as anotações e compartilhá-las com outras pessoas. Alguns dispositivos de leitores digitais, como o Kindle, da Amazon, por exemplo, possuem dicionários embutidos, capazes de realizar uma pesquisa instantânea pelo conteúdo do livro. Já o iPad, da Apple, a partir do aplicativo iBooks, permite que o leitor consulte informações pertinentes com a integração de serviços de busca (Google e Wikipédia) por meio de uma conexão com internet. A possibilidade de produção e difusão de um livro sem custos é uma premissa importante para a democratização da informação, já que a difusão do conhecimento se dá de forma gratuita e inclusiva. Por sua vez, pode-se compartilhar obras de outros autores que porventura não estejam no circuito das editoras, inclusive com comentários e opiniões a respeito do livro ou trechos específicos do mesmo. O leitor pode estar em qualquer parte do mundo, seus eBooks podem ser visualizados em diferentes dispositivos portáteis, como o computador, smartphone, tablet e eReader. Cada aparato tecnológico possui algumas eLivre 147 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) especificidades, como o tamanho e o tipo de tela, além da capacidade de processamento e armazenamento para conter quantos livros digitais forem necessários. Outros aspectos técnicos próprios dos livros digitais permitem diferentes formas de intervenção na obra, a partir da utilização de variados aplicativos para diversos fins. Softwares que reconhecem arquivos PDF e ePub permitem fazer anotações e marcações. Editores de texto, como o Microsoft Word, por exemplo, fazem com que o usuário possa reescrever trechos da mesma obra. Além de todas essas possibilidades, alguns outros aspectos se destacam, como o fato de podermos lidar com formatos de conteúdo (textual, imagético, sonoro), além da visualização de vários gêneros (obras, quadrinhos, filmes, revistas). Nesse caso, as obras podem conter sons e vídeos ou mesmo ser representadas por gêneros diversos, como ocorre nas obras infantis. Seguindo essas perspectivas de propriedades intrínsecas ao padrão do livro digital, percebemos que, na medida em que fazemos intervenções nas obras, anotando e criando códigos de cores, formas e traços, estamos criando novos padrões de linguagem que ajudam a repassar impressões, dicas e opiniões. Podemos criar novas maneiras de intervenções, seja por meio da inclusão de cores ou traços, para realçar determinado trecho relevante, em diferentes níveis ou de formas e emoticons, para demonstrar a importância de algum tema, sem precisar repetir sempre o mesmo texto. Mais uma vantagem do livro digital é a possibilidade Capa Sumário de leitura em locais inóspitos, com escuridão e ausência de energia elétrica. Os eBooks podem ser lidos em dois tipos de telas, uma que utiliza a reflexão da iluminação do ambiente e outra, que emite luz. As telas reflexivas são produzidas com a tecnologia E Ink, um papel eletrônico capaz de simular com perfeição a legibilidade do papel convencional. As telas que funcionam a partir da emissão de luz, usualmente de LCD ou LED, estão presentes nos monitores de computadores e notebooks, smartphones e tablets. Os dispositivos que utilizam telas emissivas possibilitam, a partir do uso de bateria, a leitura em lugares escuros ou desprovidos de energia. Por fim, vale salientar que os custos de produção e comercialização dos livros digitais são reduzidos drasticamente, uma vez que o próprio autor torna-se capaz de editar e diagramar o livro, a partir de softwares com interfaces cada vez mais amigáveis. Como não é mais preciso financiar a impressão, qualquer autor pode comercializar seu livro digital no valor que achar conveniente ou compartilhá-lo por meio de grandes empresas, a exemplo da Amazon e da Apple, que cobram apenas uma porcentagem por livro vendido. A autonomia do autor e as novas relações editoriais com o mercado O conceito de autonomia comunicacional, referente ao autor tem respaldo em Nicolau (2010), para quem eLivre 149 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) a trajetória do texto, do livro e do autor parece ter progredido historicamente a partir do sistema fonético grego, passando pela prensa de Gutenberg e chegando à instauração da internet. Para este autor, o modo de escrita dos sumérios, egípcios e fenícios estava preso a uma referencialidade própria do contexto. Eram textos que falavam dos reis, faraós e deuses ou ainda das posses e dos rituais, que faziam parte da existência imediata desses povos. Foram os gregos, porém, que desenvolveram um sistema de escrita responsável pela criação de narrativas e expressão de suas ideias capazes de se perenizar no tempo e no espaço; de ser lido por outras culturas e ser aplicável à existência humana de forma generalizada. Em um segundo momento, essa autonomia comunicacional concretizou-se como autonomia do suporte, no caso, o livro impresso. Foi a prensa de Gutenberg que permitiu aos textos, antes manuscritos pelos copistas em pergaminhos, serem reconfigurados a partir dos tipos móveis, cujas matrizes permitiam a reprodução de muitos exemplares. Segundo Nicolau (2010), não apenas os textos já existentes, mas também os novos textos podiam estar nas mãos de uma nova categoria de receptor: o leitor. Com isso, diversos autores, apoiados em novas práticas de difusão de informação, espalharam suas obras pela Europa e por todo o mundo. Após o surgimento da Internet e a instauração da Web, no contexto mais amplo da cibercultura, outra lógica Capa Sumário comunicacional tornou-se evidente, apoiada na autonomia do texto e na autonomia do suporte: a autonomia do autor. Nessa trajetória, porém, percebe-se a implantação de um sistema de mercado que regeu a indústria do livro durante séculos. Com o surgimento da prensa de tipos móveis, inventada por Gutenberg por volta de 1450, os primeiros impressores também desempenhavam as funções de editor e vendedor, a partir da abertura de livrarias com a finalidade de escoar toda a produção impressa. Conforme Parry (2012), o impressor era quem detinha o real valor do livro, acumulando lucros bem maiores que os do próprio autor. Apenas no século XVIII, os autores passaram a ter a escrita como profissão, encorajados pelas leis de direitos autorais. Nos séculos seguintes, o modelo de negócio do livro impresso foi aperfeiçoado e consolidado, culminando numa estrutura sólida composta por autores, editoras, distribuidores e livreiros. Durante muito tempo coube às editoras o ofício de selecionar apenas os títulos mais prováveis de serem comercializados, ou de autores vendáveis, já conhecidos pelo público leitor. Inúmeras obras se perdiam em meio a vasta relação de livros rejeitados para publicação. Ao autor restava apenas arcar com o alto custo da impressão para visualizar alguns exemplares expostos nas prateleiras das livrarias. Pela primeira vez, mais de quinhentos anos após o surgimento do livro impresso, o mercado editorial passa por uma grande reformulação com o advento do livro digi- eLivre 151 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) tal. Agora, não há mais o custo elevado da produção, armazenamento e transporte das obras, e o mais importante, qualquer autor pode se tornar vendável. A instauração da cibercultura, com base nas três leis citadas anteriormente, possibilitou o surgimento de um novo autor, com a oportunidade de escrever seu próprio livro, diagramá-lo e difundi-lo sem depender do filtro das editoras e, de maneira geral, do oneroso processo de publicação do impresso. No processo de reconfiguração, o fator mercadológico também é modificado. Os altos custos na produção do livro impresso dificultam a distribuição das obras de autores independentes. Para Virginio e Nicolau (2012), os livros digitais permitem que estes autores publiquem suas obras com menos gastos, e ainda, disponibilizem seu conteúdo a uma parcela maior da sociedade, por meio da internet. Os softwares de diagramação estão com interfaces cada vez mais intuitivas, permitindo que usuários leigos sejam capazes de realizar todo o processo de editoração facilmente. Visualizamos uma tendência de desenvolvimento de softwares especificamente para autores, a exemplo do iBooks Author5, da Apple. O aplicativo da empresa do Vale do Silício permite a inserção de áudio, vídeo, galerias de imagens, objetos em três dimensões, diagramas interativos, entre outros recursos. Ao término da inclusão de todo o conteúdo, o autor deve escolher enO software produz multi-touch books, termo cunhado pela Apple para tratar de livros com recursos audiovisuais interativos. Disponível em: http://www.apple.com/br/ibooks-author/. Acesso em: 03/09/2013. 5 Capa Sumário tre disponibilizar seu livro de forma gratuita ou cobrar por cada download realizado. Hoje, é possível encontrar diversas plataformas de auto publicação, e a maior parte delas abrange todas as etapas de produção e comercialização do livro digital. Uma das plataformas mais utilizadas no cenário mundial é o KDP6 (Kindle Direct Publishing). A ferramenta da Amazon permite a publicação de obras de forma independente, sendo possível publicar um eBook e distribuí-lo em até 24 horas, além de realizar alterações no conteúdo a qualquer momento e contar com um sistema automatizado de gerenciamento para controlar a quantidade de livros vendidos em cada país. Fazendo uso dessa ferramenta, o escritor americano John Locke atingiu o número de um milhão de eBooks vendidos em apenas cinco meses, comercializando-os por US$0,997. Não há custo algum para o autor incluir sua versão do livro eletrônico na plataforma KDP, entretanto, a Amazon cobra uma taxa de 30 por cento por livro vendido, de acordo com o plano de comercialização escolhido. Acompanhando a tendência da auto publicação, no primeiro semestre do ano, a Livraria Saraiva lançou o Publique-se8. A plataforma da maior rede de livrarias brasileiDisponível em: https://kdp.amazon.com/self-publishing/ signin?ie=UTF8&language=pt_BR - Acesso em: 06/09/2013. 7 Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Revista/ Common/0,,EMI243323-17180,00-SEM+AJUDA+DE+EDITORA+AUT OR+VENDE+MILHAO+DE+EBOOKS.html - Acesso em: 06/09/2013. 8 Disponível em: http://livrariasaraiva.com.br/publique-se/ - Acesso em: 06/09/2013. 6 eLivre 153 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) ra dispõe de um manual prático para autores, que contém, de conceitos básicos relativos ao livro digital, a instruções de como preparar o eBook para publicação. Assim como ocorre no KDP, a diagramação pode ser feita no Microsoft Word e convertido automaticamente pelo sistema. O mercado editorial em busca de adequações O avanço tecnológico e a popularização dos dispositivos portáteis deu origem a novos mercados, notadamente o de livros digitais, que em grande parte dos países, incluindo o Brasil, ainda está dando seus primeiros passos. Entretanto, de acordo com um infográfico desenvolvido pelo site Now Novel, os livros eletrônicos já correspondem a 9 por cento e 30 por cento do mercado editorial da China e dos Estados Unidos, respectivamente9. estão exigindo as adequações necessárias. Uma delas é o sistema de vendas da Amazon a U$ 0,99 e que está gerando desconforto nos autores. Qualquer autor pode vender sua obra por U$ 0,99 diretamente no site da Amazon e vai receber 70 por cento do lucro das vendas. Porém, caso o público desse livro seja de nicho, é necessário que o preço fique mais alto, trazendo desvantagens para o autor. Nesse caso a Amazon corta a remuneração pela metade, pagando 35 por cento do valor, o que gera uma perda dupla para o autor. Aqui no Brasil, com a chegada da Amazon em 2013, o problema vem seguido de outro. Para ter 70 por cento do lucro das vendas, além do critério acima é necessário dar exclusividade à editora norte-americana. Na Inglaterra, os autores estão se organizando para desenvolver ações que não sejam tão prejudiciais a eles. Entre elas, para enfrentar essa situação criada pela Amazon, os autores estão preferindo diversificação de canais por acreditarem que é melhor vender em outros lugares do que depender exclusivamente da Amazon10. Com o surgimento de um mercado promissor, os agentes do até então consolidado mercado editorial estão buscando adequar suas práticas a esse novo modelo engendrado pelos eBooks. Estamos em fase de ajustes, na qual a adaptação aos aparatos portáteis torna-se um requisito obrigatório para que editoras e livrarias sobrevivam no competitivo cenário digital. Parece-nos que a adoção do ePub como formato padrão de livros eletrônicos demonstra a atual conjuntura dessa transformação. Mas, alguns problemas no decorrer desse processo Outro aspecto importante a ser considerado é o fato de muitos dos livros lançados pelo sistema de auto publicação Kindle Direct Publishing possuirem conteúdos copiados de forma ilegal. Os spammers, como são conhecidos os falsos autores, agem de duas maneiras: geram um novo livro a partir de conteúdo disponível livremente na internet, ou copiam trechos de outros livros eletrô- Disponível em: http://www.nownovel.com/blog/is-there-money-in-ebooks/ - Acesso em: 20/08/2013. Disponível em: http://revolucaoebook.com.br/pequenos-escritores-britanicos-protestam-contra-termos-amazon/. Acesso em: 16/set/2013. 10 9 Capa Sumário eLivre 155 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) nicos a venda na própria Amazon. De acordo com o Los Angeles Times, geralmente esses eBooks são encontrados em valores promocionais (algo em torno de US$ 0,99) e correspondem a cerca de 10 por cento do faturamento da multinacional norte-americana11. As consequências dessa modalidade de publicação já podem ser vistas no desenvolvimento de sistemas cada vez mais complexos para a análise de conteúdo por parte da Amazon, de forma a garantir a manutenção de sua integridade. Em junho do corrente ano ocorreu um fato inusitado com um autor brasileiro que pretendia publicar sua obra utilizando o KDP. Paulo Roberto Purim, conhecido pelo pseudônimo Paulo Brabo, reuniu alguns dos textos de sua autoria presentes em seu site para publicação na Amazon, entretanto, seu conteúdo foi rejeitado por estar disponível gratuitamente na internet. Após o autor ter retirado o conteúdo do site e com a repercussão da notícia12, a Amazon voltou atrás e autorizou a venda do livro. Considerações finais Estamos imersos em uma tecnologia pervasiva que nos proporcionou a ubiquidade da comunicação e isso nos Disponível em: http://articles.latimes.com/2011/jun/16/business/ la-fi-kindle-spam-20110616. Acesso em: 15/09/2013. 12 Disponível em: http://www.baciadasalmas.com/2013/punido-pela-distincao-como-ser-popular-demais-me-impediu-de-ser-publicado-pela-amazon/#identifier_0_2902. Acesso em: 15/09/2013. 11 Capa Sumário trouxe inúmeras novas necessidades comunicacionais e midiáticas. A principal delas é saber lidar cada vez mais com o imenso fluxo de informações que nos permita gerar e gerir os conhecimentos exigidos para viver em uma sociedade em rede. A presença do livro digital na sociedade contemporânea é uma realidade premente e sem volta. Principalmente porque este circula nos mesmos aparatos tecnológicos das demais mídias digitais, tais como computadores, tablets, smartphones e eReaders, e estão presentes em todas as instâncias da vida social, inclusive nas escolas, complementando o livro didático impresso. Do códice ao livro impresso e deste para o livro digital, apesar das distâncias que separam um instrumento do outro, constatamos uma trajetória significativa para consolidar todo um aparato tecnológico que visa suprir a necessidade de produção e difusão do conhecimento humano, e que caminhou rumo a uma autonomia comunicacional, por parte do autor, que se presentifica agora no contexto da cibercultura. Mas, a ascensão do livro digital e a autonomia autoral não se estabelecem de forma irrestrita e tranquila: passam pelos crivos de uma sociedade demarcadamente capitalista e apegada a seus artefatos mercadológicos que movem grandes cifras financeiras e constitui a base de muitos conglomerados nacionais e internacionais. É nesse contexto que são regidas as tentativas de estabelecer regras e normas que assegurem um modelo de negócio lucrativo. eLivre 157 O livro digital e suas múltiplas perspectivas - Marcos Nicolau (Org.) O presente estudo mostra que o conceito de livro digital está no cerne da própria cibercultura, uma vez que, a descentralização do polo de emissão estabelecida pela autonomia do autor, a conectividade dos dispositivos fixos e móveis para compartilhamento das produções e a reconfiguração das práticas midiáticas nas mãos de qualquer cidadão provocam significativas transformações em diferentes níveis de nossas vidas. Ler livros não é mais uma simples atividade cultural de aquisição do conhecimento, e sim, uma estratégia fundamental de capacitação e instrumentação dos cidadãos para conviver numa ciberdemocracia. E publicar livros não é mais uma prerrogativa dos editores que, por muito tempo, dominaram a indústria do livro, mas uma prática acessível aos cidadãos/autores espalhados por todas as partes do mundo. Assim como, não é mais o mercado editorial quem dita o que deve ou não ser publicado pelos seus critérios mercadológicos: são os próprios leitores que poderão fazer deste ou daquele livro um “best seller” pelo compartilhamento e não pela prospecção de vendas das editoras. Além do que, um livro pode ter valor de conteúdo significativo para um pequeno grupo de leitores e mesmo assim garantir sua existência editorial. Enfim, em tempos de cibercultura, o embate entre os autores de obras digitais e a indústria do livro ainda está longe de terminar, porém, já é possível vislumbrar os ganhadores: todos nós, leitores e produtores de conteúdos para as mídias digitais interativas. Capa Sumário Referências CARR, Nicholas. O que a internet está fazendo com nossos cérebros: a geração superficial. Rio de Janeiro: Agir, 2011. DZIEKANIAK, Gisele Vasconcelos et al. Considerações sobre o e-book: do hipertexto à preservação digital. In: Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação. Disponível em: http://www.seer.furg.br/index.php/biblos/article/ viewFile/1899/1035. Acesso em: 01/04/2012. DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. GHAZIRI, Samir. A leitura na tela do computador. São Paulo: Baraúna, 2009. GUEDES, Fabrícia; ALBUQUERQUE, Marriett; ALMEIDA, Filipe; NICOLAU, Marcos. 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