UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MBA em Gestão da Comunicação Online Marketing Digital e Publicidade na Internet DANIELLE BITTENCOURT DELMOND LUTO NO AMBIENTE ONLINE Curitiba 2013 DANIELLE BITTENCOURT DELMOND LUTO NO AMBIENTE ONLINE Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para a obtenção do grau de especialista em Gestão da Comunicação Online pela Universidade Tuiuti do Paraná – UTP. Orientadora: Lucina Reitenbach Viana Curitiba 2013 2 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me dar forças e me iluminar sempre. Aos meus mentores espirituais, que me deram força e clareza para tratar desse assunto tão delicado. In Memorian: Ao meu filho, Enzo Haruo Bittencourt Takakura, por todos os lindos momentos de alegria que me proporcionou. Pela honra de ser sua mãe e por ter realizado o meu maior sonho, ser mãe. Esse estudo foi a maneira que encontrei para te homenagear e também uma forma de ajudar outras mães e pais de anjos como você, para que entendam melhor esse processo e as formas de utilizar as ferramentas disponíveis. A minha mãe, Maria Rita Sotomaior Bittencourt Delmond, por me trazer ao mundo, por sempre estar ao meu lado me apoiando de todas as formas e se preocupando com meu bem estar e meu futuro. Por ser uma mulher de coragem e determinação, e acima de tudo um exemplo de mulher, mãe, filha, esposa e avó. In Memorian: Ao meu pai, Edilson Carvalho Delmond, que mesmo não estando aqui, tenho certeza que está orgulhoso ao ver a forma que tenho encarado essa dura missão. Ao meu marido, Flavio Haruo Takakura, pelo carinho, pela compreensão e principalmente pela cumplicidade. Por sua presença nas horas mais difíceis, por me encorajar e me dar forças. Por ser um dos meus grandes incentivadores, me apoiando, me aconselhando e compreendendo as diversas situações passadas durante o processo de elaboração do luto e também deste trabalho monográfico. A Lucina Reitenbach Viana, pela honra de ter como orientadora deste trabalho. Obrigada pelo incentivo e troca de conhecimentos e, principalmente, pela sensibilidade que sempre teve ao tratar esse tema. A psicóloga Rosicleia Campestrini Cooper, que além de amiga e terapeuta ajudou esclarecer alguns comportamentos dos pais enlutados. Que está ao meu lado durante todo esse processo me ajudando a ver que posso ajudar outras pessoas e tirar grandes lições de vida desse processo tão doloroso que é perder seu único filho. As queridas mães de anjos Priscila Rodrigues, Twane Nathalia Vanzella Silva, Jéssica Ribet de Oliveira Mendes e Ellen Burgel de Souza Scaglioni, por terem aberto seus corações dessa forma tão linda e dividido suas histórias para colaborar com esse estudo. Sei quanto é difícil falar do momento mais doloroso de nossas vidas, sei que cada vez que tocamos no assunto 3 cutucamos uma ferida aberta em nossos corações. Só posso agradecer infinitamente pela confiança em mim e no meu trabalho e admirar a força de vocês ao falarem de forma tão aberta e sincera sobre a perda dos anjinhos de vocês. Não posso deixar de agradecer também a todos familiares e amigos, aqui não citados, pelo apoio, por estarem sempre comigo e por entenderem meus motivos ao negar os compromissos para elaboração desse trabalho. 4 (...) A longa distância apenas serve para unir o nosso amor. A saudade serve para me dar a absoluta certeza de que ficaremos para sempre unidos... E nesse momento de saudade, quando penso em você, quando tudo está machucando o meu coração e acho que não tenho mais forças para continuar, Eis que surge tua doce presença, com o esplendor de um anjo, e me envolvendo como uma suave brisa aconchegante... Tudo isso acontece porque amo e penso em você..." (SHAKESPEARE) 5 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... 3 SUMÁRIO ........................................................................................................................ 6 LISTA DE IMAGENS...................................................................................................... 7 RESUMO .......................................................................................................................... 8 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9 1. METODOLOGIA ....................................................................................................... 11 1.1 RELATO METODOLÓGICO: ................................................................................ 11 1.2 REVISÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA NETNOGRAFIA13 1.2.1 ENTRÉE CULTURAL........................................................................................... 19 1.2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................. 22 1.2.3 ÉTICA DE PESQUISA ......................................................................................... 25 1.2.4 CHECAGEM DE INFORMAÇÕES ..................................................................... 25 1.3 AUTONETNOGRAFIA ........................................................................................... 26 1.4 DISCUSSÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................... 26 2. ELABORAÇÃO DO LUTO ....................................................................................... 29 2.1 FASES DO LUTO .................................................................................................... 31 2.2 ESTADO DE EMERGÊNCIA ................................................................................. 33 3. TRANPOSIÇÃO DO LUTO ...................................................................................... 35 4. REDES SOCIAIS ....................................................................................................... 39 4.1 EXPOSIÇÃO DE DETALHES ÍNTIMOS NAS REDES SOCIAIS ....................... 42 5. GRUPOS DO FACEBOOK ........................................................................................ 51 5.1 O QUE SÃO GRUPOS DO FACEBOOK ................................................................ 53 5.2 GRUPO DE MÃES E PAIS QUE PERDERAM SEUS FILHOS............................ 55 5.3 CONTEÚDO DAS PUBLICAÇÕES ....................................................................... 59 5.4 INTERAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO ENTRE OS USUÁRIOS ............................... 66 5.5 SEGURANÇA .......................................................................................................... 74 5.6 DEPENDÊNCIA....................................................................................................... 77 6. MEMORIAL NO FACEBOOK .................................................................................. 77 6.1 SOLICITAÇÃO DE PERFIL MEMORIAL ............................................................ 84 6.2 NOVAS CONFIGURAÇÕES DO PERFIL ALTERADO PARA MEMORIAL .... 86 7. CONCLUSÃO ............................................................................................................ 87 8. ANEXOS .................................................................................................................... 92 9. REFERÊNCIAS........................................................................................................ 107 6 LISTA DE IMAGENS Figuras: FIGURA 1- VALIDAÇÃO DO GRUPO - INDIVÍDUOS FAMILIARIZADOS ENTRE ELES. .............................................................................14 FIGURA 2 - VALIDAÇÃO DO GRUPO - COMUNICAÇÕES IDENTIFICADAS E NÃO-ANÔNIMAS. ...............................................................15 FIGURA 3 - VALIDAÇÃO DO GRUPO - GRUPOS COM LINGUAGENS, SÍMBOLOS, E NORMAS ESPECÍFICAS. ..............................................16 FIGURA 4 - VALIDAÇÃO DO GRUPO - COMPORTAMENTOS DE MANUTENÇÃO DO ENQUADRAMENTO DENTRO DAS FRONTEIRAS DE DENTRO E FORA DO GRUPO. ....................................................................................................................................................18 FIGURA 5 - ACEITAÇÃO NO GRUPO. ......................................................................................................................................20 FIGURA 6 - ENTREÉ CULTURAL - CONTATO COM A MODERADORA DO GRUPO. ..............................................................................21 FIGURA 7 - FACEBOOK MESSENGER......................................................................................................................................23 FIGURA 8 - EXPOSIÇÃO DA VIDA ÍNTIMA NAS REDES SOCIAIS. .....................................................................................................45 FIGURA 9 - EXPOSIÇÃO DA VIDA ÍNTIMA NAS REDES SOCIAIS. .....................................................................................................46 FIGURA 10 - EXPOSIÇÃO DA VIDA ÍNTIMA NAS REDES SOCIAIS. ................................................................................................... 47 FIGURA 11 - EXPOSIÇÃO DA VIDA ÍNTIMA NAS REDES SOCIAIS (CONTINUAÇÃO DA FIGURA 10) . .......................................................48 FIGURA 12 - CONVITE PARA INGRESSO NO GRUPO. ..................................................................................................................53 FIGURA 13 - NOTIFICAÇÃO DE PUBLICAÇÃO NO GRUPO. ...........................................................................................................54 FIGURA 14 - CRIAÇÃO DE EVENTOS E CONVITE. .......................................................................................................................54 FIGURA 15 - ÁLBUNS DE FOTOS DO GRUPO. ...........................................................................................................................55 FIGURA 16 - TIPOS DE PUBLICAÇÃO – DESABAFO....................................................................................................................60 FIGURA 17 - TIPOS DE PUBLICAÇÃO – DESABAFO....................................................................................................................61 FIGURA 18 - TIPOS DE PUBLICAÇÃO – IMAGENS. ....................................................................................................................63 FIGURA 19 - TIPOS DE PUBLICAÇÃO – IMAGENS. ....................................................................................................................64 FIGURA 20 - TIPOS DE PUBLICAÇÃO – MENSAGENS.................................................................................................................65 FIGURA 21 - INTERAÇÕES POR AFINIDADES. ...........................................................................................................................68 FIGURA 22 - CONTINUAÇÃO INTERAÇÕES POR AFINIDADES. ......................................................................................................69 FIGURA 23 - PERFIL ATIVO DE PESSOA FALECIDA NO FACEBOOK. ................................................................................................81 FIGURA 24 - MEMORIAL FACEBOOK. ....................................................................................................................................83 FIGURA 25 - FORMULÁRIO PARA SOLICITAÇÃO DE ALTERAÇÃO DO PERFIL PARA MEMORIAL. .............................................................85 Tabelas: TABELA 1 - TIPOLOGIAS PUBLICAÇÕES. ..................................................................................................................................60 TABELA 2 - PRIVACIDADE DOS GRUPOS NO FACEBOOK. ............................................................................................................74 7 RESUMO O presente artigo pretende elucidar como ocorre a transposição da manifestação online sobre a offline em relação ao luto, tendo como base um grupo de pais e mães enlutados no Facebook, que é um canal onde os indivíduos desabafam e expõem sentimentos que muitas vezes não evidenciam em sua timeline1. A ideia é mostrar como esse tipo de vivência multiplica as relações e a interdependência entre os usuários do Facebook. A busca dos dados foi realizada através de análise do conteúdo publicado pelos integrantes do grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre2. Foram realizadas entrevistas em profundidade com participantes do grupo e a psicóloga Rosicleia Campestrini Cooper, a revisão bibliográfica foi utilizada para balizar e sustentar o conteúdo analisado, a netnografia como método de coleta e o interacionismo simbólico como ferramenta de análise, norteando a interpretação das percepções dos integrantes do grupo e de como esses relatos se relacionam com as experiências individuais. Palavras Chave: Interação, luto, Facebook, grupos, empatia. 1 Timeline é a linha do tempo das mídias sociais, responsável por situar a ordem cronológica de conversas, informações, postagens e compartilhamentos. Ela permite o registro dos acontecimentos importantes e conta a história de seus usuários. Nas plataformas de redes sociais o formato é bastante utilizado para exibir o fluxo de informações compartilhadas por seus usuários. Twitter e Facebook são exemplos de redes que adotaram essa forma de mostrar o conteúdo aos seus usuários. (Internet Innovation Digital Business School, 2013) 2 O nome do grupo está em itálico para dar ênfase e facilitar a leitura no texto. Link do grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre no Facebook: https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. 8 INTRODUÇÃO O luto ganhou destaque no Brasil de uma forma geral em janeiro deste ano, após a tragédia que aconteceu na Boate Kiss, em Santa Maria, quando duzentos e quarenta e um jovens morreram devido um incêndio. O incidente causou comoção não só no país, mas no mundo, e consequentemente provocou uma grande comoção nas redes sociais, especialmente no Facebook. A facilidade de interação nas redes sociais online predispõe o indivíduo a vivenciar o luto também neste espaço. O luto offline, expressado através da cor preta e flores no cemitério continua tendo seu espaço, mas com simbolismos diferentes no online. O preto foi parar na foto do perfil do Facebook, assim como na foto de capa. As flores são expressadas através de imagens, mensagens e desabafos publicados na rede, em forma de homenagem. Nos dias atuais, pessoas de diversas faixas etárias que possuem acesso à Internet criaram o hábito de expor momentos importantes das suas vidas no ambiente online, como postar fotos de eventos, casamentos, batizados, formaturas, etc. Além disso, através das plataformas de redes sociais é possível programar e convidar pessoas para eventos, bater papo online, participar de grupos de assuntos do seu interesse, entre tantas outras ferramentas disponíveis para facilitar a comunicação e conexão entre os usuários em um mesmo ambiente. Com o luto não foi diferente. Esse momento ganhou espaço também no online, facilitando a troca de experiências entre indivíduos que se encontram na mesma situação, e, também, o apoio de familiares e amigos. Este trabalho direciona-se à verificação da existência deste paralelo através da análise dos textos representativos da condição de luto dispostos em uma rede social online em um grupo de apoio de mães e pais enlutados. Desta forma, busca-se observar, o comportamento ali encontrado, como os indivíduos interagem nesse meio e como ocorre a transposição do luto offline para o online. O primeiro capítulo é direcionado aos métodos aplicados para o levantamento de informações e análise da conexão entre os integrantes do grupo. Para isso foram utilizados como recursos metodológicos a revisão bibliográfica, entrevista qualitativa em profundidade e análise do conteúdo postado no grupo. Nesse capítulo é possível observar como foi realizada a entrè cultural no grupo, os tipos de coletas de dados utilizadas, os pontos cruciais da ética de pesquisa, assim como de que forma as informações foram averiguadas. 9 O método que direcionou a análise da visão e comportamento dos integrantes do grupo foi o interacionismo simbólico. O paradigma interpretativo torna viável compreender a interpretação dos sentimentos desses pais, identificar a percepção dos mesmos em relação ao estado de luto, assim como estudar a exploração das ferramentas disponíveis no Facebook por esses usuários. Já a revisão bibliográfica sustenta toda essa análise através de textos pertinentes ao tema juntamente com as entrevistas qualitativas em profundidade, que exploram as impressões e pontos de vista dos participantes do grupo. No segundo capítulo, intitulado como elaboração do luto, serão abordados temas como a definição do luto, fases do luto, tipos de luto e como cada um interfere na vida da pessoa. Esse capítulo também falará sobre o estado de emergência em que vivemos, pois muitas vezes utilizamos os inúmeros afazeres da rotina diária como válvula de escape para nossos sentimentos, dores e aflições. O terceiro capítulo é focado na transposição do luto propriamente dita, falando sobre as novas nuances da vida social e as dificuldades e medos que os indivíduos têm frente aos relacionamentos face a face. O quarto capítulo é dedicado à explicação sobre as redes sociais, seus atores, formas de conexões, tipos de interações e também sobre o seu funcionamento. Outra questão que esse capítulo abordará é a exposição dos detalhes íntimos da vida pessoal nas redes sociais e os cuidados que isso exige. Os grupos do Facebook são abordados no quinto capítulo, que explora o conceito de comunidades virtuais para explicar como os laços são criados. Em um segundo momento, o capítulo irá explorar o grupo estudado e sua peculiaridades como os tipos mais frequentes de publicações, a interação entre os seus participantes, como as afinidades influenciam nos relacionamentos criados nesse ambiente, assim como as vantagens e desvantagens da imersão no grupo para pais enlutados. O recurso de memorial no Facebook é uma ferramenta estudada no sexto capítulo. O memorial foi uma solução que os organizadores do Facebook encontraram para que os perfis de pessoas que faleceram se tornem um espaço de homenagens e recordações. Como solicitar a alteração do perfil da pessoa falecida para memorial, assim como as mudanças que ocorrerão nessa conta após a alteração serão apontados nesse capítulo que antecede a conclusão. 10 1. METODOLOGIA A fim de estudar o paralelo que existe entre o luto offline e online buscaram-se dados concisos através da análise de textos representativos sobre a condição de luto, dispostos em uma rede social online, pertencente a um grupo de apoio de mães e pais enlutados. Tal observância apontou a importância deste tipo de rede para esses usuários, bem como o seu comportamento e interação. Assim, foi possível observar a necessidade de verificar como ocorre o processo de conexão dos usuários no Facebook que encontram-se enlutados com outros indivíduos que se encontram nessa mesma condição, independente da causa. Pelo fato do assunto ter um alto grau de intimidade, o ponto de observação do luto parte do grupo de pais e mães enlutados, pois nesse ambiente os indivíduos desabafam e falam coisas que não publicariam em sua timeline devido à exposição. O trabalho também pretende explorar outras ferramentas disponíveis na plataforma para esse público, como a mudança do perfil para memorial, que acontece após o falecimento de um usuário, mediante solicitação de parentes. 1.1 RELATO METODOLÓGICO: Os recursos metodológicos que serão utilizados para analisar a manifestação online do luto serão revisão bibliográfica, netnografia, entrevista qualitativa em profundidade e análise do conteúdo postado no grupo feita através de análise documental. O método de revisão bibliográfica virá como uma breve discussão de alguns elementos relacionados às conexões, relações, comunicação e interdependência entre indivíduos. Esse método irá fundamentar e sustentar os demais métodos e poderá ser visualizado melhor na delimitação e discussão do referencial teórico. Pesquisa bibliográfica, num sentido amplo é o planejamento global inicial de qualquer trabalho e pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores acrescidos de suas próprias ideias e opiniões. Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado. (STUMPF, 2005, p. 51) 11 A entrevista qualitativa em profundidade irá explorar as impressões e pontos de vista de duas moderadoras do grupo: Priscila Rodrigues3 e Twane Nathalia Vanzella Silva4 e duas participantes mais ativas do grupo: Jéssica Ribet de Oliveira Mendes5 e Ellen Burgel de Souza Scaglioni6. A psicóloga, Rosicleia Campestrini Cooper7, também foi entrevistada com o objetivo de esclarecer determinados comportamentos dos pais enlutados. As entrevistas também levantarão dados necessários para a pesquisa, objetivando verificar o teor e o conteúdo do material selecionado para análise. Por sua vez, a análise de conteúdo postado no grupo apontará como acontece de fato a relação entre esses usuários, os temas e publicações mais comuns nessa rede, “a análise documental, muito mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, som e imagem, funciona como expediente eficaz para contextualizar fatos, situações, momentos” (MOREIRA, 2005, p. 276) O interacionismo simbólico será usado dentro do paradigma interpretativo para permitir que a pesquisa cumpra o objetivo de investigar o sentido que os atores sociais dão aos objetos, pessoas e símbolos com os quais constroem o seu mundo social. Uma preocupação chave da sociologia interacionista refere-se a como nos definimos a nós próprios, aos nossos corpos e impulsos, como definimos os nossos sentimentos e emoções, os nossos comportamentos e atos, como definimos as situações em que estamos envolvidos, desenvolvemos uma visão da ordem social mais vasta, produzimos relatos explicativos das nossas ações e das nossas vidas. (PLUMMER, 2002, p. 225 e 226) O interacionismo simbólico é uma das formas de se interpretar as percepções das pessoas, o significado e o sentido que elas dão às coisas e como esses relatos se relacionam com as experiências. Trata-se de um método empírico que usa alguns procedimentos como: estudos de caso, entrevistas, observação participante, história de vida, conversações, análise de documentos, 3 Perfil de Priscila Rodrigues no Facebook: https://www.facebook.com/priscila.rodrigues.7315 4 Perfil de Twane Nathalia Vanzella Silva no Facebook: https://www.facebook.com/twany.vanzella 5 Perfil de Jéssica Ribet de Oliveira Mendes no Facebook: https://www.facebook.com/jessica.ribetdeoliveiramendes 6 Perfil de Ellen Burgel de Souza Scaglioni no Facebook: https://www.facebook.com/ellen.burgel 7 Rosicleia Campestrini Cooper - Psicóloga especialista em psicologia clínica e inteligência emocional. 12 cartas, diários, dentre outros. Portanto, é sob a ótica do interacionismo simbólico que serão delineadas algumas considerações. Analisando o contexto deste estudo, foi optado pelo paradigma interpretativo, de modo a tornar possível não só compreender como os pais interpretam as suas emoções, mas também descobrir quais as percepções deles sobre o momento que estão passando e descobrir as dimensões dessa prática em termos de utilização das ferramentas. O interacionismo simbólico proporciona uma visão do indivíduo em relação à sua interação no processo de definir, responder, interagir e raciocinar. Esse conceito direciona ao entendimento do que seja interação social, ou seja, as pessoas são vistas como atores que se relacionam, se comunicam e que interpretam um ao outro. As pessoas agem de acordo com a sua interpretação da situação. Dessa forma, o interacionismo é uma ferramenta teórica que possibilita a compreensão do fenômeno de uma maneira mais ampla. Possibilita, ainda, compreender se esse significado é decorrente da interação que o indivíduo faz com as ferramentas envolvidas no processo. Procura saber se esses elementos são significativos, toda vez que interagem no Facebook e como ele utiliza o processo interpretativo ao agir com as ferramentas. A netnografia permitiu analisar os símbolos que representam os usuários na construção do perfil no Facebook. É um método de pesquisa qualitativo, baseado nos princípios da etnografia virtual, derivado da etnografia, essa última originária da antropologia. A netnografia é o resultado de uma adaptação da etnografia ao ambiente virtual. 1.2 REVISÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA NETNOGRAFIA Por se tratar de uma transposição de metodologia do espaço físico ao espaço online, ao utilizar a netnografia é preciso utilizar procedimentos específicos da tipologia dos objetos estudados. Para isso, um dos primeiros critérios a ser analizado é confiabilidade na filtragem das informações nas comunidades virtuais para contextualização do objeto de estudo. Dentre as maneiras de aferir a confiabilidade, se destacam os critérios utilizados por Kozinets (1997) para a escolha de seus informantes e grupos estudados. “(1) indivíduos familiarizados entre eles, (2) comunicações que sejam especificamente identificadas e não-anônimas, (3) grupos com linguagens, símbolos, e normas específicas e, (4) 13 comportamentos de manutenção do enquadramento dentro das fronteiras de dentro e fora do grupo” (KOZINETS, 1997, p. 9). Ainda segundo o autor, “a intenção da utilização desses quatro critérios garante que se está de fato estudando uma cultura ou uma comunidade, (...) e não simplesmente examinando uma reunião temporária” (AMARAL, NATAL, & VIANA, 2008) Através das imagens abaixo podemos validar o grupo estudado como uma comunidade virtual. Figura 1- Validação do Grupo - Indivíduos familiarizados entre eles. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - meninas boa noite! vim contar uma benção q Deus me entregou.. depois de 2 perdas e muito sofrimento! venho eu aqui contar á vocês que Deus me mandou um presente!!! sim, ESTOU GRÁVIDA! de apenas 3 semanas! Deus é fiel!!! feliiiiiiz demais meninas !!!! beijão (INTEGRANTE_1, 2013) Nessa imagem podemos visualizar a familiariação entre as usuárias, pois além de se chamarem pelo nome, ainda se denominam amigas. 14 Figura 2 - Validação do Grupo - Comunicações identificadas e não-anônimas. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - E hoje se minha anjinha aqui estivesse estaria fazendo 03 anos e 04 meses ...E de lá para cá foram dias de dor,saudade,angustia e tritesa q não passa.Mais hoje em especial ela me deu um presente,sonhei com ela pela primeira.Estava feliz grandinha,andando e brincando comigo seu papai e sua irmazinha foi lindo e mágico...Pena que foi apenas um sonho.. (INTEGRANTE_2, 2013) Nesta segunda imagem podemos observar que as publicações não são realizadas de forma anônima, sempre aparece o nome e a foto do usuário, que também redireciona ao perfil dele no Facebook. 15 Figura 3 - Validação do Grupo - Grupos com linguagens, símbolos, e normas específicas. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - Mãezinha querida…hoje é o seu dia, dia das Mães... mais o seu coração está em pedaços… Não há dor maior do que a perda de um filho… Aprendemos a amá-los de uma forma tão grandiosa, tão completa, que não conseguimos mais enxergar o mundo sem a sua presença ao nosso lado. Descobrimos um tipo de amor que nos faz crescer e nos faz amar a vida como nunca antes havíamos amado. E subitamente são levados…Aos poucos meses, nos primeiros anos…Ou um pouco mais tarde. Levados de nosso regaço através da morte tão cruel. Mãezinha querida…Seu coração pede consolo, pede uma razão para continuar vivendo… E esta razão estará sempre em seu amor por eles. Primeiramente pelo amor aos que ficaram e respiram também o ar de seu amar: filhinhos, esposo, pais, amigos queridos. Mas também pelo amor aos que partiram porque, mãezinha querida, eles continuam a existir e a amá-la como antes o faziam. A morte não mata o Espírito e também não mata o amor. “Um pai, uma mãe, nunca deveriam enterrar seus filhos”–diz o pensamento popular, fazendo menção à ordem natural da vida para os que deveriam partir antes. Porém, a verdade é que você não enterrou seu filhinho, mãe: o que ali foi deixado sob a terra era 16 apenas sua vestimenta corporal para esta breve encarnação. Seu filho, sua filha continuam existindo. E todo amor que construíram no aconchego de seu lar não foi perdido: será a semente de um novo amanhã, quando voltarão a se encontrar. Os planos maiores do Universo –ainda desconhecidos por nós –definiram que precisavam ir mais cedo, por razões especiais. Voltaram para a verdadeira vida, o mundo espiritual, onde estão recebendo todo auxílio necessário para que sejam bem recepcionados em sua nova realidade. Deus está com seus filhos nos braços, mãezinha. Segura-os através de seus tantos trabalhadores do bem, que estão encarregados de receber as almas após a desencarnação. Você não perdeu seus filhos, embora a realidade pareça mostrar isso diariamente, pelo buraco que suas ausências na Terra deixaram. Não…Você não perdeu seus filhos. A desencarnação é apenas o final de uma etapa e começo de outra. Não perdemos as pessoas, assim como não se perde o amor semeado no coração. Quando a saudade apertar e o ar parecer faltar, lembre, mãezinha, dos momentos felizes com eles, lembre de abraçá-los com carinho em suas orações aos céus. Eles receberão seu abraço e ficarão felizes por saber que em sua alma não há revolta,não há ódio ou rancor, há apenas a natural e saudável saudade. Através da oração você poderá manter um contato constante com eles, pois a prece une os ”dois mundos”. Diga que os ama muito, que sente falta,é certo,e que é este amor que lhe sustenta os dias na Terra, esperando o sonhado momento do reencontro. Mãezinha querida…Você não está sozinha neste momento difícil: Deus está com você. Conte com Ele. FELIZ DIA DAS MÃES A TODAS AS MÃES DE ANJOS! COM TODO O AMOR DE UMA MÃE DE ANJO! (INTEGRANTE_3, 2013) Um dos termos e imagens utilizados de forma recorrente para remeter aos filhos que faleceram é anjo. Independente da religião, todos os usuários do grupo acreditam de alguma forma que seu filho foi morar no céu e virou um anjo. 17 Figura 4 - Validação do Grupo - Comportamentos de manutenção do enquadramento dentro das fronteiras de dentro e fora do grupo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - Mães de Anjos. Nós compartilhamos nossas lágrimas e nossa tristeza, Temos dado estímulo uma à outra, Dado a esperança de um futuro melhor, Nós compartilhamos o título Mães de luto. Algumas de nós perderam filhas ou filhos mais velhas, Quem vimos crescer ao longo dos anos, Alguns perderam seus bebês antes de suas vidas começar, Mas não importa a idade, nós choramos as 18 mesmas lágrimas. Nós entendemos a dor uma da outra, A ligação que compartilhamos é muito forte, Juntas nessa jornada não há necessidade de explicação, O caminho que andamos é difícil e de longo prazo. Nossos filhos nos uniu, Eles não queriam nos ver sozinhas nesse caminho tão dolorido, Eles sabiam que precisávamos umas das outras, Para sobreviver à dor da partida. Então pegue minha mão minha amiga, Podemos tropeçar e cair ao longo do caminho, Mas nós vamos levantar e tentar de novo, Porque juntas nós podemos fazer isso dia após dia. Nós podemos dar esperanças uma a outra, Nós vamos criar um lugar onde nos encaixemos, que seja nosso espaço, Juntas vamos encontrar maneiras de lidarmos com essa perda, Porque somos Mães de Anjos e, juntas somos fortes! (Retirado da página Grieving Mother) (INTEGRANTE_4, 2013) Nesta última imagem é possível visualizar um esforço na manutenção e preservação do grupo por seus membros. A penúltima frase demonstra o desejo de tornar o grupo um ambiente próprio e que ajude a lidar com perda de um filho. A partir da validação da comunidade e dos informantes, Kozinets aponta quatro procedimentos básicos de metodologia específicos da transposição da etnografia para a netnografia. São elas: “Entrée cultural; coleta e análise dos dados; ética de pesquisa; e feedback e checagem de informações com os membros do grupo” (KOZINETS, 2007 apud AMARAL, NATAL, & VIANA, 2008) As etapas não ocorrem necessariamente nessa ordem, à exceção da entrée cultural – que consiste na primeira inserção – mas se fundem e se sobrepõem (KOZINETS, 2007). 1.2.1 ENTRÉE CULTURAL A entrée cultural é uma etapa determinada pelo pesquisador como uma preparação para o trabalho de campo. Para se começar um procedimento netnográfico o pesquisador necessita definir quais questões analisará e em que tipo de comunidades, fóruns e grupos pode obter respostas para sua pesquisa. Mesmo sem existir uma preocupação formal com a pesquisa, as minhas primeiras inserções a campo foram de extrema importância para a construção da pesquisa8. Após o falecimento do meu filho Enzo, em setembro de 2012, devido a um acidente de carro, eu comecei a pesquisar grupos de apoio à pais enlutados dentro do Facebook. No decorrer desta pesquisa me deparei 8 Será utilizada a primeira pessoa nesta sessão pela questão da proximidade do tema. Ver o item 1.3 referente a autonetnografia. 19 com o grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre e enviei uma solicitação para entrar no grupo. Fui aceita prontamente e a interação também foi imediata, visto que os participantes do grupo recebem seus novos integrantes de forma amigável, promovendo assim um conforto. Figura 5 - Aceitação no grupo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - XXX XXX OBRIGADO, XXX POR ME ACEITAR, UM GRANDE ABRAÇO, FIQUE COM DEUS. XXX <3 XXX Seja bem vinda e precisando estarei aqui fique com Deus (INTEGRANTE_5, 2013) A segunda etapa da minha entrée cultural remarca o momento em que a abordagem da participação mudou para análise. Aconteceu em fevereiro, quando decidi estudar o luto no ambiente online para homenagear meu filho e ajudar os pais enlutados entender melhor como funciona o processo do luto. 20 Figura 6 - Entreé Cultural - Contato com a moderadora do grupo. Fonte: Facebook Messenger https://www.facebook.com/dannybittencourt. – conta de Danielle Bittencourt: Danielle Bittencourt Boa noite Priscila, tudo bem? Perguntei quem era a moderadora do grupo pq vou começar a fazer o meu TCC do MBA que eu faço, em comunicação digital. O tema dele será o apoio ao luto em redes sociais. Quero fazer essa homenagem ao meu príncipe. E com os dados que eu apurar poder ajudar mais efetivamente outros pais de anjo. Como mais para frente vou precisar de dados do grupo precisava saber quem modetava. Moderava. Vcs podem me ajudar a fazer essa homenagem e pesquisa para os pais de anjo? Bjinhosss Priscila Rodrigues Com certeza Danielle, no que puder ajudar estarei aqui...Bjos! Danielle Bittencourt Obrigada querida! Bjinhosss (RODRIGUES, 2013) 21 Nessa etapa foi verificado quem era o moderador do grupo e estabelecido contato sinalizando o interesse de pesquisa, pedindo permissão para análise e informações pertinente ao estudo. 1.2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS Para a coleta e análise, três tipos de captura de dados são eficazes segundo Kozinets: os dados coletados e copiados diretamente dos membros das comunidades online de interesse; as informações que o pesquisador observou das práticas comunicacionais dos membros das comunidades, das interações, simbologias e de sua própria participação; e os dados levantados em entrevistas com os indivíduos, através da troca de e-mails ou em conversas em chats ou via mensagens instantâneas. (KOZINETS, 2002 apud AMARAL, NATAL, & VIANA, 2008) No caso desta pesquisa, a coleta de dados foi feita basicamente por meio de cópia das postagens gerando arquivo PDF9 do período estudado, onde constam inclusive publicações minhas. O período de coleta de informações foi realizado entre 27 de abril de 2013 e 17 de maio de 2013. Foi optado por este período devido ao Dia das Mães, que proporcionou uma maior movimentação no grupo. Além disso, também foram arquivadas mensagens e conversas eventuais e entrevistas qualitativas de profundidade feitas via Facebook Messenger para dar voz aos atores sociais envolvidos. 9 A sigla inglesa PDF significa Portable Document Format (Formato Portátil de Documento), um formato de arquivo criado pela empresa Adobe Systems para que qualquer documento seja visualizado, independente do programa que o originou. 22 Figura 7 - Facebook Messenger. Fonte: Perfil de Danielle Bittencourt - https://www.facebook.com/dannybittencourt. A cópia dos arquivos foi realizada, principalmente, devido a possibilidade do desaparecimento e da perda de dados, característica da comunicação em rede. Vale ressaltar que os participantes atuantes no grupo são de grande importância para o estudo, pois auxiliam no processo de busca de informações específicas. Para o detalhamento dos fatos e aprofundamento das opiniões dos atores envolvidos no grupo, foram utilizadas como método exploratório as entrevistas individuais em profundidade. Esse método foi escolhido para trabalhar os dados obtidos vinculando as opiniões e vivências pessoais ao trabalho de revisão bibliográfica e observação presencial. O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. (BAUER & GASKELL, 2002, p. 65) As entrevistas individuais foram realizadas com um número reduzido de pessoas, considerando que “nos estudos qualitativos são preferíveis poucas fontes, mas de qualidade, a muitas fontes, sem relevo. (...) uma pessoa só deve ser entrevistada se realmente pode contribuir para ajudar a responder à questão de pesquisa.” (DUARTE, 2005, p. 68). Para isso, foram entrevistadas duas moderadoras do grupo e duas participantes mais ativas, citadas anteriormente. Foram realizadas outras entrevistas além destas, mas não foram incluídas por agregarem pouco ao estudo. Para grande parte dos pais é difícil falar abertamente sobre esse tema. Ao falar 23 sobre a morte do filho, abre-se uma ferida que nunca estará cicatrizada. Essas entrevistas foram muito objetivas, respondendo o estritamente necessário e deixando em branco muitas respostas. Devido essa falta de informações não foram utilizadas. Outro motivo do número reduzido de entrevistas é que neste caso elas se tornam redundantes, os pais são unânimes ao dizer que o grupo é um local seguro, onde podem desabafar com outras pessoas que sentem a mesma dor. Foram criados dois roteiros de entrevistas, um deles direcionado à moderadora do grupo e outro voltado às participantes do grupo. Os dois roteiros são semelhantes, possuindo as mesmas perguntas em determinados tópicos. Estes roteiros, assim como as entrevistas se encontram nos anexos. Os roteiros de entrevista foram divididos de acordo com os temas que gostaria de abordar. O roteiro de entrevistas das moderadoras teve início com a apresentação e um breve relato de como o luto entrou na vida do entrevistado, para conhecer um pouco mais a história delas. Na sequência foi introduzido o objeto de estudo, investigando sobre os motivos que levaram à criação do grupo e sobre o gerenciamento do mesmo. O terceiro momento da entrevista foi sobre a elaboração do luto e como o grupo auxilia nesse processo. O roteiro de entrevista da moderadora encerra questionando sobre o luto online e suas peculiaridades. O roteiro de entrevista das participantes assemelha-se ao das moderadoras, também tendo início com a apresentação e o relato de como o luto aconteceu em sua vida. O segundo momento do roteiro abordou a entrada no grupo e sua recepção pelos participantes do mesmo. Também foi investigado sobre a rotina de atividades no grupo, frequência de publicações e os fatores que levam à publicação. Nesse roteiro, assim como no roteiro da moderadora, foram abordadas a elaboração do luto e as peculiaridades do luto online. As entrevistas com as moderadoras e participantes foram realizadas online, através do Facebook Messenger, pois é o canal de comunicação mais efetivo com essas mães. Foi anexado na conversa um arquivo no formato Word com as perguntas, que elas reencaminharam respondido. A entrevista com a psicóloga foi realizada de forma presencial, tendo como guia os títulos dos capítulos aqui abordados, a partir dos quais foram formuladas perguntas abertas durante a entrevista. Esse procedimento visava evitar que as perguntas soassem muito formais. Outros 24 temas e questões pertinentes ao estudo foram surgindo de forma espontânea conforme iam sendo apresentados os dados obtidos nas pesquisas a campo. Foi importante preservar a naturalidade de uma conversa informal para que a psicóloga pudesse falar sobre os temas sem que fosse induzida à algum tipo de conclusão. As entrevistas sustentarão a revisão bibliográfica com citações pertinentes aos assuntos teóricos tratados e agregarão detalhes às argumentações da análise de dados. Essa análise será realizada através da comparação dos resultados obtidos. 1.2.3 ÉTICA DE PESQUISA Quando houve a decisão de estudar o grupo, foi estabelecido um contato com os moderadores, sinalizando o interesse da pesquisa e solicitando permissão de uso das informações obtidas em postagens. Etapa essa paralela à entreé cultural. Os pontos cruciais que a discussão de uma ética de pesquisa requer, segundo Kozinets (2007) são, até onde a informação contida num site é pública ou privada e o que é o uso consensual de informações no ciberespaço. Sendo a netnografia uma metodologia que se utiliza da captura de informações interativas vindas de pessoas reais, não apenas de informações textuais passadas por uma edição. (AMARAL, NATAL, & VIANA, 2008) Além da garantia de confidencialidade e anonimato aos informantes, também foi incorporado na pesquisa as respostas vindas dos participantes ativos das comunidades. Quando o estudo estiver finalizado será disponibilizado para os entrevistados e publicado no grupo. 1.2.4 CHECAGEM DE INFORMAÇÕES Além de eticamente recomendável, para Kozinets, a checagem de dados com os próprios membros do grupo, legitima e acrescenta credibilidade à pesquisa. Através dos membros do grupo e da solicitação de suas opiniões, foi possível chegar a conclusões além das observadas em campo. A checagem também aconteceu na entrevista qualitativa em profundidade, através do feedback solicitado aos entrevistados ao transcrever trechos das respostas na sustentação da revisão bibliográfica e nas argumentações das análises dos dados obtidos nas entrevistas. 25 1.3 AUTONETNOGRAFIA De acordo com Kozinets, as “netnografias podem variar ao longo de um espectro que vai desde ser intensamente participativa até ser completamente não-obstrusiva e observacional” (KOZINETS, 2007 apud AMARAL, NATAL, & VIANA, 2008). O autor sugere o conceito de autonetnografia para o maior nível de proximidade entre o pesquisador e os sujeitos observados. Dessa forma, vale ressaltar que é praticamente impossível ser imparcial na pesquisa a campo diante do desafio de interpretar e traduzir aquilo que se coloca à minha frente. A imersão se dá de forma reflexiva, não se restringindo apenas ao ato de observação externa, mas refletir sobre o próprio ato e, assim, observar e analisar a si mesmo. A reflexão acontece de forma simultânea sobre os conteúdos e as formas de atuação do pesquisador. Ao mesmo tempo em que o pesquisador expõe algo ele acaba refletindo sobre a maneira como este algo será levado a público, mediado e apresentado. É importante enfatizar que a compreensão sobre a autonetnografia considera a possibilidade de uma narrativa escrita em primeira pessoa, na qual os próprios dados autobiográfcos são pertinentes, já que constituem marcação subjetiva e influência (positiva e negativa) no processo da própria pesquisa e dos contornos enfrentados em relação ao objeto. É necessário também esclarecer o motivo pelo qual as imagens e transcrições foram mantidas. O principal motivo é quantidade de publicações que ocorre no grupo, o que impossibilita que essas imagens e textos sejam localizados posteriormente. O motivo de manter as transcrições na íntegra foi a relevância de alguns comentários, os quais são indispensáveis para a análise. Esse procedimento também foi adotado para manter um padrão para imagens e transcrições. 1.4 DISCUSSÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO Um dos autores que irá conferir embasamento teórico ao trabalho é Zygmund Bauman, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia, e autor de diversas obras publicadas como O Mal-Estar da Pós-Modernidade (1999), Medo Líquido (2008), Modernidade e Ambivalência (2007), Modernidade e Holocausto (1998), Modernidade Líquida (2001) e Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004). 26 Uma das obras deste autor que será abordada é Amor Líquido, onde o autor estende o conceito de líquido para as relações humanas na pós-modernidade. Bauman já deixa claro o objetivo da obra no início: “A misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantêlos frouxos, é o que este livro busca esclarecer, registrar e apreender”. (BAUMAN, 2004, p. 8) Em Amor Líquido Bauman destaca comportamentos cotidianos e os elementos que o homem moderno utiliza em suas relações de amor: seus acessórios tecnológicos, a crença no amor como Oasis em um mundo trágico e violento, as relações em uma rede computacional, a imprevisibilidade das relações, os relacionamentos de bolso – que podem ser usados quando as partes bem entenderem –, entre outros. Já no livro Modernidade Líquida, Bauman aponta uma modernidade onde máquinas mais velozes, invenções e tecnologias fazem com que caibam mais coisas dentro do tempo, com eventos simultâneos, rápidos, conjugados e assim ampliando também o espaço. Nesse ambiente, as pessoas estão cada vez mais dispersas desenvolvendo capital intelectual e interligando as tecnologias, pessoas, objetos, espaços e tempo; que acabam distorcendo a ideia de espaço – aquele espaço físico onde as pessoas se reuniam, trabalhavam e conviviam. (BAUMAN, 2001) Foram selecionados para exame cinco dos conceitos básicos em torno dos quais as narrativas ortodoxas da condição humana tendem a se desenvolver: a emancipação, a individualidade, o tempo/espaço, o trabalho e a comunidade. Transformações sucessivas de seus significados e aplicações práticas são exploradas (ainda que de maneira ainda muito fragmentária e preliminar) com a esperança de salvar os bebês do banho dessa torrente de água poluída. (BAUMAN, 2001, p. 15) Nesta obra, a vida instantânea aparece com múltiplas possibilidades a serem realizadas numa ínfima fração de tempo. Costuma-se dizer que o dia deveria ter mais que vinte e quatro horas para fazer tudo que seria necessário. É como se fosse necessário mais de uma vida para realizar e obter tudo o que desejamos. Bauman discute em Vida para Consumo o acesso à Internet, que transporta o processo de produção de informações para um patamar instantâneo. Uma simples leitura de um jornal online, assim como compras de qualquer tipo de produto, são realizadas com muita facilidade, praticidade e segurança. 27 Com conteúdo de alta relevância para os dias atuais, o livro aborda o fenômeno das redes sociais, que se apresentam como novos canais de mediação das relações sociais. Hoje, através de comunidades online, são estabelecidos novos padrões de comunicação e novas formas de obtenção de informações. Hoje, a construção de relações afetivas transpõe a distância física, sendo suprida apenas pelo simples toque do mouse. Sobre esta ótica, Bauman alerta para o problema da inabilidade social cada vez mais presente na realidade de países imersos na era digital. Onde os indivíduos após se acostumarem com os relacionamentos online, perdem sua capacidade autêntica e espontânea de socialização. (BAUMAN, 2008) 28 2. ELABORAÇÃO DO LUTO O luto é uma série de reações decorrentes da morte de um ser querido. É uma espécie de despedida forçada e para sempre. O processo do luto é necessário e fundamental para preencher o vazio deixado por qualquer perda significativa, não apenas de alguém, mas também de algo muito importante, como um objeto, uma viagem, um emprego, uma ideia, etc. O processo de luto é acompanhado por um conjunto de sentimentos, entre os quais: tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, anseio, torpor, alívio e emancipação. Refletindo-se em sintomas físicos de vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta, falta de ar, falta de energia, boca seca entre outros. (ELÓI, 2012) A tristeza pode vir sem a presença do choro necessariamente. A raiva pode se apresentar por meio de duas origens principais, sendo uma relacionada com o sentimento de frustração de não ter conseguido fazer nada para evitar a perda da pessoa amada, e a outra está relacionada à vivência regressiva, fazendo com que a pessoa enlutada se sinta desamparada. Também é comum o sentimento de culpa e a autorrecriminação, geralmente associados aos momentos que antecederam a morte, mas que, na maioria das vezes, são sentimentos irracionais. A ansiedade aparece como uma forma de expressar a dificuldade de não ser capaz de dar conta de si mesmo e também com relação ao sentimento de consciência da sua própria mortalidade. São comuns relatos de solidão, principalmente pelas pessoas enlutadas que perderam alguém do convívio diário. O desajustamento social pode ser intenso, quando se perde uma pessoa importante. Esses sentimentos são tão profundos que afetam as emoções, o corpo e a vida como um todo, por um longo período de tempo (PARKES, 1998). Forbes e Caselatto, em entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo intitulada A morte de um filho deixa uma dor eterna, afirmam que o luto dura habitualmente de dois a seis meses para pessoas não muito próximas. No caso de filhos que perdem os pais, leva mais de um ano quando a morte é imprevisível. A dificuldade em lidar com a perda é maior entre cinco e quinze anos de idade, quando a pessoa ainda está constituindo a identidade. “Se for antes, fica mais fácil de substituir; depois, já se tem recursos para trabalhar o luto” (FORBES & CASELATTO, 2008). No caso de morte dos pais, decorrente da velhice, a dor é amenizada pela ordem natural das coisas, ou seja, pela imprevisibilidade. “O filho vai se preparando durante toda a vida para a perda dos pais. O trabalho de luto é constante. Ele vai constituindo outra família, repete nomes 29 de antepassados nos filhos, muda de posição em relação aos pais – passa a ser provedor –, começa a falar de herança, etc.” (FORBES, 2008). Dessa forma, a perda vai se transformando em memória. Nos casos que o processo natural é invertido, que sugere que a morte dos pais preceda a de seu filho, pais e mães têm muita dificuldade para se readaptar a uma nova e ilógica realidade, uma vez que sua identidade pessoal está amarrada ao seu filho. Em muitos ambientes você passa a ser visto como mãe de fulano e pai de fulano, e não mais ser chamado por seu nome e visto como indivíduo. A rotina, as decisões, as preocupações giram em torno do filho. A primeira coisa que se pensa antes de tomar uma decisão é no bem estar do filho. Sendo assim, reverter essa visão é um processo complexo e lento. O sentimento de impotência, assim como perguntar-se se não poderia ter protegido o seu filho da morte também é comum nesses casos. A jornada do luto é influenciada não só pela relação que os pais tinham com seu filho, mas também pelas circunstâncias da morte, o sistema de apoio emocional, sua cultura e espiritualidade. Com a morte de um filho, as esperanças, sonhos e planos para o futuro são desmontados, virados de cabeça para baixo, começando uma jornada que é muitas vezes assustadora, dolorosa e avassaladora. Às vezes os sentimentos de dor pela morte de um filho chegam de forma tão intensa que os pais não entendem bem o que está acontecendo. Quando pais perdem filhos de forma previsível os indivíduos também estão sendo preparados para o momento da separação de alguma forma, assim como nos casos em que a ordem natural prevalece. “Ao longo de uma doença do filho, por exemplo, a dor dos pais é terrível, mas haverá elaboração. O luto começa no dia do diagnóstico e eles iniciam a substituição da presença pela memória” (FORBES, 2008). Por contrariar a ordem natural da vida, a morte imprevisível do filho é a que mais desestabiliza o ser humano. O processo de substituição da presença pela memória e de reintegração social se torna mais demorado e doloroso, pois os pais não conseguem lidar com seus sentimentos. “A pessoa, nos momentos imediatamente posteriores à perda, percebe abaladas suas sensações de segurança, esperança, entusiasmo e previsão de futuro – o popular ‘tô sem chão’. Paradoxalmente, essas são as ferramentas para o trabalho de luto. Os pais ficam num vazio absoluto” (FORBES, 2008). 30 A psicóloga Gabriela Caselatto, doutora pela PUC-SP e especialista em luto materno, afirma também em entrevista (FORBES & CASELATTO, 2008), que após a perda, as mães sentem muita culpa. “Por sobreviver, já que o filho, de forma antinatural, morreu antes dela; pelos cuidados que imagina que poderiam ter impedido a morte dele e por sentir prazer na vida depois da morte de um filho” (CASELATTO, 2008). Após a perda, a dificuldade do casal em conviver é outro drama que esses pais e mães enfrentam. No entanto, a maioria dos homens e mulheres – ou, mais especificamente, a maioria dos maridos e das esposas – continua a se surpreender com a diferença em seu jeito de sofrer. Infelizmente, a reação vai além do simples espanto. O desapontamento se instala, conforme um ou outro dos parceiros sente-se abandonado. Então, é mais comum que surja a raiva – um hóspede não desejado cuja presença parece particularmente fora de lugar na ferida que restou após a morte. O distanciamento é outro visitante comum; tanto maridos quanto esposas queixam-se de sentir como se vivessem com um estranho ou que só estivessem morando na mesma casa. “Exclusão” é outro termo que os cônjuges costumam usar para descrever o afastamento doloroso que parece muitas vezes fazer parte da vida dos pais e das mães em luto. (MEHREN, 1997, p. 129) Segundo Gabriela, pesquisas indicam que 80% dos casais que perdem filhos se separam. “Os dois não conseguem conversar. Se o marido não quer falar porque dói e a esposa precisa falar porque ajuda na dor, um incomoda o outro” (CASELATTO, 2008). Essa forma de lidar com a dor interfere diretamente no público do grupo e é abordada no item 5.2. Esse item mostra que as mulheres são maioria, representando noventa e oito porcento dos participantes do grupo, justamente por possuírem maior habilidade em relação aos homens para falar sobre seus sentimentos. 2.1 FASES DO LUTO Para Elói (2012), o luto é composto de fases, são elas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Essas fases não possuem um tempo predefinido para acontecerem, pois depende de como cada indivíduo lida com essa perda. O período que dura mais tempo é o da fase da depressão para a fase de aceitação, algumas pessoas levam décadas de vida e outras nunca conseguem aceitar com serenidade a perda. O que acontece principalmente no caso de perda de um filho. 31 A fase da negação consiste no choque e na descrença. A pessoa se sente perdida nesse momento, pois a perda parece impossível, e o indivíduo não se sente capaz de acreditar. “A dor da perda seria tão grande, que não pode ser possível, não poderia ser real” (ELÓI, 2012). Estes sentimentos de entorpecimento e negação são necessários, principalmente no início, para isolar o indivíduo da realidade da morte até que esteja capaz de tolerar o que ele não quer acreditar. A segunda fase é a raiva, e ela ainda traz resquícios de negação, pois apesar da perda já consumada a pessoa se nega a acreditar. Essa fase traz emoções muito fortes, com muito sofrimento e agitação física. Pensamentos como por que comigo e por que o meu filho, surgem nesta fase, juntamente com sentimentos de inveja e revolta por ter acontecido. Nesta fase palavras de conforto podem soar falsas, pois o enlutado custa a acreditar na veracidade. A fase da negociação surge quando o indivíduo começa a pensar na hipótese da perda, e perante isso tenta negociar, a maioria das vezes com Deus, para que não seja verdade. As negociações com Deus acontecem em forma de promessas ou sacrifícios. A depressão surge quando a pessoa passa a ter consciência da perda de forma inevitável e incontornável. Como não há como fugir da perda, o indivíduo sente o vazio que a pessoa, ou coisa, deixou. O enlutado toma consciência de que nunca mais verá aquela pessoa, e com o desaparecimento dela se vão todos os sonhos, projetos e todas as lembranças associadas a essa pessoa passam a ganhar um novo valor. A aceitação é a última fase do luto, é quando começa a elaboração do sentimento. Esta fase chega quando a pessoa aceita a perda com paz e serenidade, sem desespero nem negação. A dor continua ali, mas guardada em algum lugar dentro da pessoa, para que ela possa dar seguimento à vida de forma diferente de antes, mas com esperança. Devemos sempre valorizar o que temos, enquanto o temos. Pois não sabemos quando o vamos deixar de ter. Curiosamente muitas vezes só nos apercebemos da importância de determinada pessoa ou coisa, quando a perdemos, porque o valor dessas pessoas ou coisas dilui-se no valor das coisas que a rodeiam. Essas pessoas ou coisas são tão sutis ao valorizarem o ambiente envolvente, que o seu próprio valor divide-se entre tudo o que a rodeia, tornando-se quase imperceptível. Porém quando a perdemos, não perdemos apenas a ela, mas muito do valor das coisas que a rodeavam e é aí que notamos a sua falta. Metaforicamente falando, é como se o ambiente que a envolvia “entristecesse” e “perdesse a cor”, e dificilmente voltará a ser como era. (ELÓI, 2012) É entre a fase da depressão e da aceitação que os enlutados passam a procurar formas de lidar com a perda. Nesse momento ele começa a querer ouvir o que as pessoas têm a dizer. A 32 troca de experiências e ajuda mútua dentro do grupo do Facebook dos pais que perderam seus filhos auxiliam no processo de assimilação e convívio com o luto. Alguns especialistas avaliam que dois anos é um período razoável de sofrimento pela morte de um filho. Outros multiplicam esse número por dois. A verdade é que demora o que for preciso – às vezes uma vida inteira. Mas, se você tiver sorte, a dor se transforma. Mesmo as qualidades físicas dela mudarão. Sua presença pesada diminui. A dor torna-se mais suave – menos aterrorizante – e, às vezes, paradoxalmente, quase doce. (MEHREN, 1997, p. 121) Vale ressaltar que nem todos os indivíduos passam por todas as fases. Problemas psicológicos acontecem quando a pessoa para em uma dessas fases. Não sai da depressão, não desapega dos bens materiais que ficaram e não aceita a situação. “Tem gente que não consegue aceitar, continua colocando prato na mesa, continua preso no passado, com a culpa, autopunição e não aceitação”. (COOPER, 2013) Nesse sentido, o grupo auxilia os pais e mães enlutados na elaboração do luto e a superarem a depressão. Lá eles encontram apoio e conforto para lidarem com essa situação, como aponta o item 5.2. 2.2 ESTADO DE EMERGÊNCIA Atualmente o indivíduo possui uma rotina atribulada, com vários afazeres e muitas responsabilidades, que muitas vezes servem de válvula de escape para não pensar em determinadas coisas e fugir de sentimentos que tentamos sufocar. Bauman (2008) menciona o estudo de Nicole Albert que aponta o papel crucial desempenhado pelo “estado de emergência”. Para Bauman, ciclos sucessivos de estados de alerta poderiam preencher todos os potenciais “buracos vazios” da vida e que quanto mais fundo se mergulha na urgência de uma tarefa imediata, mais longe fica a angústia – ou pelo menos ela vai parecer menos intolerável se fracassar o esforço de mantê-la afastada. Ela sugere que nas sociedades atuais o estado e a disposição de ‘emergência’ satisfazem uma série de necessidades existenciais que em outros tipos de sociedade tendem a ser reprimidas ou desatendidas, ou então satisfeitas por meio de estratagemas muito diferentes. Os novos expedientes, com os quais ela disseca a estratégia de um sentimento de urgência intenso e cultivado de maneira ampla, fornecem tanto a indivíduos como a instituições um alívio ilusório, embora bastante eficaz, em seus esforços para atenuar as consequências, potencialmente devastadoras, das agonias da escolha endêmica na condição da liberdade de consumo. (BAUMAN, 2008, p. 121) 33 Bauman afirma que a ausência do cenário do lar torna o indivíduo impaciente com os conflitos que se misturar sob um mesmo teto provoca. Como as habilidades necessárias para conversar e buscar entendimento estão diminuindo, o que costumava ser um desafio a ser confrontado de maneira direta e encarado se transforma cada vez mais num pretexto para romper a comunicação, fugir e queimar pontes atrás de si. (BAUMAN, 2008). As pessoas enlutadas passam por diversos momentos de crises, onde a saudade chega sem pedir permissão. Eu costumo dizer que nós temos uma caixinha dos sentimentos. De vez em quando abrimos ela, lembramos, sofremos e choramos. Depois disso a gente fecha ela, para conseguir seguir a vida. Ela fica guardada em algum lugar dentro de nós e de tempos em tempos a gente abre. Nesse momento em que se está com a caixinha aberta é a hora que os enlutados fogem da comunicação direta. Afinal, ninguém gosta de ser visto chorando e sofrendo, o encasulamento é natural. Desta forma, fica mais fácil estabelecer uma comunicação e desabafar através das ferramentas das plataformas de redes socias pelo imediatismo e pela facilidade de se comunicar sem a interação face a face. O diferencial do grupo online, é justamente quando estamos desesperadas, entramos no grupo e desabafamos, e aparecem vários recadinhos de força, e isso faz com que realmente brote uma nova força pra caminhar mais um pouquinho. (...) É que no grupo encontro pessoas com a mesma dor que eu sinto, e o mais importante elas não me julgam por tanto amor! (MENDES, 2013) Através das entrevistas realizadas é possível observar que o grupo é essencial nesse processo no sentido de que as pessoas que estão naquele ambiente estão passando pelo mesmo momento e entendem perfeitamente os sentimentos que permeiam o luto. Desta forma o grupo acaba se tornando uma ferramenta de apoio ao luto. 34 3. TRANPOSIÇÃO DO LUTO A experiência individual é modulada através da interação com outras pessoas e com o mundo. A forma que as pessoas interagem vai se moldando com o passar do tempo, e quando ocorrem mudanças nesses hábitos o campo da experiência subjetiva também se altera. (SIBILIA, 2008) Atualmente, para as pessoas ligadas à tecnologia, a maior parte da vida social se passa na companhia de um computador, um iPod ou um celular. Essa vida social mediada pelos meios eletrônicos Bauman chama de cibervida. Há uma necessidade de interagir desta forma, quem não se comunica através destes meios ou que zelam demais por sua individualidade correm o risco de uma morte social. Esses desktops, laptops, dispositivos eletrônicos e celulares que muitas vezes cabem na palma da mão facilitam a comunicação com os amigos, vezes atraindo as pessoas e vezes afastando-as. Os meios eletrônicos permitem que você participe da vida de amigos que muitas vezes estão distantes, e que em tempos atrás você perderia facilmente o contato – seja através do correio eletrônico, das salas de bate-papo, do msn, do Facebook, entre outros. certas formas aparentemente anacrônicas de expressão e comunicação tradicionais parecem voltar à tona com uma roupagem renovada — como é o caso das trocas epistolares, dos diários íntimos e até mesmo das atávicas conversas. São os e-mails versões atualizadas das antigas cartas, aquelas que se escreviam à mão com primor caligráfico e atravessavam extensas geografias encapsuladas em envelopes lacrados? E os blogs, podemos dizer que são meros upgrades dos velhos diários íntimos? Nesse caso, seriam versões apenas renovadas daqueles cadernos de capa dura, rabiscados à luz trêmula das candeias para registrar todas as confissões e segredos de uma vida. Do mesmo modo, os fotologs seriam parentes próximos dos antigos álbuns de retratos familiares. E os vídeos caseiros, que hoje circulam freneticamente pela rede, talvez sejam um novo tipo de cartões-postais animados, ou então anunciem uma nova geração do cinema e da televisão. Quanto aos diálogos digitados nos diversos messengers com atenção flutuante e ritmo espasmódico, em que medida eles renovam, ressuscitam ou rematam as velhas artes da conversação? Evidentemente, existem profundas afinidades entre ambos os pólos de todos os pares de práticas culturais acima comparados, mas também são óbvias as suas diferenças e especificidades. (SIBILIA, 2008, p. 14) Para compreender os sentidos das novas práticas que consolidam o atual auge da exibição da intimidade através dos meios eletrônicos, Sibilia sugere que as experiências subjetivas sejam ser estudadas em função de três grandes dimensões ou perspectivas diferentes. As experiências subjetivas podem ser estudadas em função de três grandes dimensões ou perspectivas diferentes. A primeira se refere ao nível singular, cuja análise focaliza a trajetória de cada indivíduo como um sujeito único e irrepetível — é a tarefa da psicologia, por 35 exemplo, ou até mesmo das artes. No extremo oposto a esse nível de análise estaria a dimensão universal da subjetividade, que abrange todas as características comuns ao gênero humano, tais como a inscrição corporal de cada sujeito e sua organização por meio da linguagem — este tipo de estudo é a tarefa da biologia ou da lingüística, por exemplo. Mas entre essas duas abordagens extremas existe um nível intermediário: uma dimensão de análise que poderíamos denominar particular ou específi ca, localizada entre os níveis singular e universal da experiência subjetiva, que visa detectar aqueles elementos comuns a alguns sujeitos mas não necessariamente inerentes a todos os seres humanos. Essa perspectiva contempla aqueles aspectos da subjetividade que são claramente culturais, frutos de certas pressões e forças históricas nas quais intervêm vetores políticos, econômicos e sociais que impulsionam o surgimento de certas formas de ser e estar no mundo. E que solicitam intensamente essas configurações subjetivas, para que suas engrenagens possam operar com maior efi cácia. Esse tipo de análise é o mais adequado neste caso, pois permite examinar os “modos de ser” que se desenvolvem junto às novas práticas de expressão e comunicação via Internet, a fim de compreender os sentidos desse curioso fenômeno de exibição da intimidade que hoje nos intriga. (SIBILIA, 2008, p. 16) Nesse nível intermediário – particular, histórico e cultural — é que podemos analisar a interação dos pais enlutados. A forma de conviver com a dor de perder um filho também se modificou com o passar do tempo. A memória é o legado que fica após a morte de um filho e os enlutados sentem uma necessidade de compartilhar essas memórias. Assim, a comunicação no ambiente online se faz presente na rotina dos enlutados de forma facilitadora. Muitas vezes as pessoas temem um contato pessoal com as pessoas em luto, por não saberem como agirem, o que falarem ou por não querer um contato tão próximo com a dor. Através dos meios eletrônicos fica fácil cumprir o papel social de dar apoio, mas sem muito envolvimento. Um encontro face a face exige o tipo de habilidade social que pode inexistir ou se mostrar inadequado em certas pessoas, e um diálogo sempre significa se expor ao desconhecido: é como se tornar refém do destino. É tão mais reconfortante saber que é a minha mão, só ela, que segura o mouse e o meu dedo, apenas ele, que repousa sobre o botão. Nunca vai acontecer de um inadvertido (e incontrolado!) trejeito em meu rosto ou uma vacilante mas reveladora expressão de desejo deixar vazar e trair para a pessoa do outro lado do diálogo um volume maior de meus pensamentos ou intenções mais íntimas do que eu estava preparado para divulgar. (BAUMAN, 2008) Rodrigues, moderadora do grupo, explica como funciona esse processo de fuga da interação face a face e o constrangimento que isso acarreta ao pai enlutado. Por mais que queiram ajudar, familiares e amigos não sabem lidar com esse sentimento de luto de um filho e muitas vezes acabam falando coisas descabidas e magoando ainda mais o pai e mãe que estão sofrendo. (RODRIGUES, 2013) 36 Outro ponto a favor da comunicação online para os enlutados é a segurança e a facilidade de compartilhar suas memórias. Dentro do grupo os enlutados se sentem seguros para expor o turbilhão de emoções que não sabem lidar. Podem escrever seus desabafos chorando sem que ninguém visualize essa cena e sem deixar notar toda sua vulnerabilidade ao dar apoio a um colega. Na hora em que um participante do grupo dá apoio ao outro que está em um dos momentos de crise, com a caixinha aberta, o indivíduo consolador precisa mostrar-se firme para conseguir ajudar efetivamente o sofredor. A força da pessoa que está ajudando no momento de dor demonstra para o indivíduo enfraquecido que ele também pode ficar bem, lidar melhor com toda essa situação. Ele se sente confortado e motivado a viver da melhor forma possível. ... o grupo um meio de desabafar, um meio de falar tudo o que não conseguimos falar pessoalmente com uma pessoa, então, acaba que falamos tudo o que pensamos, e tbm vemos muitas mãezinhas desabafando, e a maioria das vezes, a mãe que perdeu o filho recentemente, acaba dando forças para outras mãezinhas, tirando força que não sabemos de onde vem, ou melhor eu sei de onde ela vem, a minha força é Deus!!! (MENDES, 2013) Essa ajuda entre os pais enlutados pode ir muito além de um simples consolo, pode até mesmo salvar vidas, já que muitos desses pais em algum momento do luto cogitam a hipótese de suicídio porque a vida não tem mais sentido e a dor é insuportável. Olha eu conheci uma mãe, Deus colocou ela no meu caminho, eu creio assim, pois essa mãe estava a ponto de suicídio, assim ela me contou, e eu tirei forças da onde não tinha para conversar com ela, pois ela tem uma filha e eu disse pra ela que tem que continuar pela que ficou, e conversamos por muitos dias, hoje ela diz que me ama e eu a amo tbm, acabamos nos identificando muito, e ela diz que agradece a Deus todos os dias por ter me encontrado, porque as pessoas a qual ela conversava, só julgava, falavam que ela estava louca, que ela precisava esquecer, há como esquecer?! E ela recebeu a força que Deus mandou para ela, está firme, seguindo, caminhando, com muita dor, mais está seguindo! Pois essa é nossa única alternativa. (MENDES, 2013) Sem as possibilidades que a comunicação online oferece seria impossível transmitir toda essa força, pois não há como não se solidarizar e se comover com a dor do outro sendo essa dor tão sua também. A pessoa iria te ver chorando e você não conseguiria transmitir a força que ela necessita. No grupo, vejo as postagens e me identifico, imagino a dor daquela mãe, daquele parente como a minha dor, como a minha situação, como o meu desespero. Eu sei o que eles sentem, porque passaram e passam pelos mesmos momentos que eu. (...) Leio as postagens com o coração, e volta e meia já me pego chorando, pelo acontecido com aquela pessoa, pela dor dela. Porque a saudade 37 dói e sufoca e se nós não reagirmos afundaremos num mar de angústias que temo não ter mais volta. (SCAGLIONI, 2013) Ao ler um relato de outro pai enlutado é como se você revivesse a sua dor. Não há como não sentir compaixão, impossível não ajudar. A empatia é instantânea. A comunicação online ainda tem outro ponto a favor, a relação custo/benefício. É um meio barato de interação, além de ser apontado pelos entrevistados como meio mais eficiente que terapia, religião e afins. Eu acredito que assim como cada pessoa reage de uma maneira diferente ao luto, cada uma também se identifica melhor com um tipo de terapia, etc, pra mim a maior vantagem é que você não precisa sair da sua casa, também não precisa falar de certas coisas olhando cara-a-cara, também é o meio mais barato. Eu particularmente não quis desde o primeiro instante tomar algum antidepressivo, ou fazer terapia. Pode parecer estranho, mas me sentia até envergonhada por ter perdido o meu filho, me sentia incapaz de ser mãe, via mulheres grávidas ou com crianças, e me perguntava o porquê elas tinham esse direito e eu não tinha mais. Também rejeitava a idéia de tentar novamente ser mãe. Eu fingia pras pessoas que estava tudo bem, não chorava na frente de ninguém. Então nos grupos eu tirava a minha “armadura” e conseguia expor toda a minha dor. (RODRIGUES, 2013) Além de evitar o contato face a face, que muitas vezes é constrangedor, o desabafo dentro do grupo é mais efetivo, pois os enlutados falam abertamente da sua dor, sem medo algum de serem julgados ou criticados. 38 4. REDES SOCIAIS As Redes Sociais são o ambiente em que as pessoas se reúnem por afinidades e com objetivos em comum, sem barreiras geográficas e fazendo conexões com um grande número de pessoas conhecidas ou não. As redes sociais são compostas por dois elementos: atores (pessoas, grupos ou instituições) e suas conexões (interações ou laços sociais). Recuero (2009) afirma que os atores são pessoas envolvidas em uma determinada rede e, através da interação e da constituição de laços sociais, eles são responsáveis por moldar as estruturas sociais. Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem da rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais nem suas conexões. (RECUERO, 2009, p. 24) É comum que os indivíduos tenham vários tipos de relação uns com os outros. O que conecta as pessoas são as relações como amizade, profissional, etc. Um mesmo indivíduo possui várias redes sociais distintas, uma rede que o conecta com seus colegas de trabalho, outra que o conecta com seus familiares, outra que o conecta com pessoas que compartilham uma causa em comum, e assim por diante. Cada indivíduo se conecta de formas diferentes com as pessoas com as quais cria relações sociais. O laço pode ser estabelecido através do pertencimento a um grupo, local, instituição ou até mesmo estar associado a uma ideia. Vale ressaltar que uma pessoa pode conhecer centenas de pessoas e ter contato com elas, mas não tem a mesma intimidade com todos. Os laços estão ligados aos interesses pessoais. A rede existe quando se tem a possibilidade do conectar-se e do desconectar-se. O indivíduo apenas se mantém conectado enquanto aquele tipo de ligação faça sentido. Diferentemente de “relações”, “parentescos”, “parcerias” e noções similares – que ressaltam o engajamento mútuo ao mesmo tempo em que silenciosamente excluem ou omitem o seu oposto, a falta de compromisso –, uma “rede” serve de matriz tanto para conectar quanto para desconectar; não é possível imaginá-la sem as duas possibilidades. Na rede, elas são escolhas igualmente legítimas, gozam do mesmo status e têm importância idêntica. Não faz sentido perguntar qual dessas atividades complementares constitui “sua essência”! A palavra “rede” sugere momentos nos quais “se está em contato” intercalados por períodos de movimentação a esmo. Nela as conexões são estabelecidas e cortadas por escolha. A hipótese de um relacionamento “indesejável, mas impossível de romper” é o que torna “relacionar-se” a coisa mais traiçoeira que se possa imaginar. 39 Mas uma “conexão indesejável” é um paradoxo. As conexões podem ser rompidas, e o são muito antes que se comece detestá-las. (BAUMAN, 2004, p. 12) Trazendo a rede social para o âmbito online, uma rede social ocorre quando uma rede de computadores conecta pessoas ou organizações. Os equipamentos permitem a comunicação, mas ela só se estabelece a partir da ação humana. Atualmente, é comum as pessoas interpretarem a expressão rede social como sinônimo de plataformas de rede social, como Facebook, Instagram, Foursquare, entre outros. Desde já, é necessário salientar que os sites não são a rede social propriamente dita, mas ambientes que favorecem aos indivíduos a formação de redes sociais. As redes constituem a nova morfologia das sociedades e a difusão da sua lógica modifica substancialmente as operações e os resultados dos processos de produção, experiência, poder e cultura. Embora a organização social, sob a forma de rede, tenha existido noutros tempos e lugares, o novo paradigma da tecnologia de informação fornece as bases materiais para a expansão da sua penetrabilidade em toda a estrutura social. (CASTELLS, 2007, p. 605) Hoje em dia é visível uma mudança nos laços sociais provocada pela Internet, pois ela reforça os laços com família e amigos, próximos ou distantes geograficamente. A Internet torna possível que as pessoas se comuniquem de novas formas. Conectadas, as pessoas passam a aproveitar estes novos recursos para formar conexões que praticamente não existiam no passado. A comunicação num ambiente online apresenta alguns traços distintos da realizada fora dele, podemos, por exemplo, manter e criar laços sociais à distância. Há uma nova configuração da relação com o espaço. Bauman (2008) analisa a crescente fragilidade dos vínculos inter-humanos, e conclui que hoje em dia essas ligações tendem a ser vistas – com um misto de regozijo e ansiedade – como frágeis, desintegráveis sem qualquer dificuldade e tão fáceis de romper quanto de estabelecer. A crescente fragilidade dos vínculos humanos é, portanto, experimentada desde o começo, a partir do momento de sua concepção e muito depois de seu desaparecimento, como um misto de bênção e maldição. Ela não reduz a soma total de apreensão, apenas distribui as ansiedades de maneira diferente, e seus futuros meandros são virtualmente impossíveis de prever, muito menos de prescrever e controlar. (BAUMAN, 2008, p. 137) Não é a facilidade de se estabelecer contato, muito menos de estar junto de forma permanente que torna essa forma eletrônica de socialização tão estimada. A possibilidade de se desfazer esses laços instantaneamente, livre de problemas e de forma indolor, é que remete 40 segurança. Para Bauman “num mundo assim, é o ato de se livrar do indesejado, muito mais do que o de agarrar o que se deseja, que é o significado da liberdade individual” (2008). “Instantaneidade” significa realização imediata “no ato” – mas também exaustão e desaparecimento do interesse. A distância em tempo que separa o começo do fim está diminuindo ou mesmo desaparecendo; as duas noções, que outrora eram usadas para marcar a passagem do tempo, e portanto para calcular seu “valor perdido”, perderam muito de seus significado – que, como todos os significados, derivava de sua rígida oposição. (BAUMAN, 2001, p. 127) Se comunicar instantaneamente se faz necessário nos dias atuais. São muitas as pessoas que se mantêm online várias horas por dia e praticamente todos os dias da semana. E uma grande percentagem delas, além de usar a Internet para se informar, faz uso de ferramentas que possibilitam a comunicação no ambiente online. Sempre existe um momento de intervalo na rotina do trabalho, o qual as pessoas utilizam para se comunicar com sua rede de contatos, resolver problemas pendentes, entre outras atividades. Toda essa instantaneidade e a necessidade de estar interagindo com os indivíduos com os quais se tem laços sociais por vezes acabam afastando as pessoas que deveriam estar interagindo no ambiente offline. Bauman relata uma situação que ele presenciou entre dois homens em um restaurante de aeroporto que descreve esse processo. Há alguns meses, sentei com minha mulher num bar de aeroporto esperando por um vôo de conexão. Dois homens por volta dos 30 anos sentaram-se à mesa ao lado, cada um armado de um telefone celular. Em aproximadamente uma hora e meia de espera, não trocaram uma só palavra, embora ambos tenham falado sem interrupção – com interlocutores invisíveis do outro lado da ligação. O que não quer dizer que se ignorassem mutuamente. De fato, era a percepção dessa presença que parecia motivar suas ações. Os dois homens estavam envolvidos numa competição – intensa, frenética e furiosa. Aquele que terminasse a conversa enquanto o outro ainda falava buscava febrilmente outro número para ligar, claramente, o número de conexões, o grau de “conectividade”, a densidade das respectivas redes que faziam deles intersecções, a quantidade de outras intersecções a que podiam se ligar à vontade, eram questões de grande importância, talvez importância máxima, para ambos: eram índices de nível social, de posição, poder e prestígio. Ambos gastaram uma hora e meia no que era, em relação ao bar do aeroporto, um espaço exterior. Quando o vôo que ambos deveriam tomar foi anunciado, trancaram simultaneamente as pastas com idênticos gestos sincronizados e saíram, mantendo os telefones próximos aos ouvidos. Estou certo de que dificilmente terão notado a minha mulher e a mim, sentados a dois metros e observando cada movimento que faziam. (BAUMAN, 2001, p. 176) Nos dias atuais é possível observar claramente situações como essas. Só que a interação no celular é feita através de aplicativos, em vez de estarem falando em voz alta, as pessoas digitam. Mas a busca frenética em estar falando com outras pessoas, mesmo estando nesse ambiente externo, acontece e também está ligada a status e prestígio. 41 Os dois jovens com telefones celulares que observei no bar do aeroporto podem ter sido espécimes (reais ou aspirantes) dessa nova e numericamente reduzida elite dos residentes do ciberespaço que prosperam na incerteza e na instabilidade de todas as coisas mundanas, mas o estilo dos dominantes tende a se tornar o estilo dominante – se não pela oferta de uma escolha atraente, pelo menos pela imposição de uma vida cuja imitação se torna simultaneamente desejável e imperativa, chegando a ser uma questão de auto-satisfação e sobrevivência. (BAUMAN, 2001, p. 177) Como nem tudo é um mar de rosas, a comunicação realizada através de dispositivo móveis da mesma forma que aproximam pessoas que estão longe geograficamente afastam as pessoas que estão ao seu lado, no ambiente offline. E essa busca frenética por aprovação dos outros indivíduos para aquisição de um determinado status para se sentir bem chega à dependência. No caso dos pais enlutados, pode acontecer de estarem em algum evento social e se deparar com alguma cena – como um pai brincando com o filho, por exemplo – que pode o desestabilizar. Para não demonstrar o que estão sentindo, podem usar seu dispositivo móvel como uma máscara, escondendo assim o turbilhão de sentimentos que foram despertados, assim como utilizá-lo para desabafar e encontrar apoio dos integrantes do grupo. 4.1 EXPOSIÇÃO DE DETALHES ÍNTIMOS NAS REDES SOCIAIS A exposição dos detalhes íntimos da vida pessoal nas redes sociais vai além da observação do outro e exposição de si próprio, trata-se de pessoas reais que almejam ser (re)conhecidas. Toda essa divulgação do eu pode alterar a forma de interação entre os indivíduos, além de gerar discussões sobre visibilidade e a privacidade na Internet. Os limites entre público e privado se tornam cada vez mais tênues quando informações sobre onde se está no momento, fotos do que está acontecendo, trânsito e outros eventos cotidianos são compartilhados em sites de redes sociais em tempo real. Informações privadas podem se tornar públicas a qualquer instante através das possibilidades que a Internet oferece. Essa possibilidade de publicação de informações em tempo real tem um impacto direto na Comunicação. “Estamos modificando as artes, a política e o comércio, e até mesmo a maneira de percebermos o mundo. Nós, e não eles, a grande mídia tradicional, tal como eles próprios se ocupam de sublinhar” (SIBILIA, 2008, p. 8). Vivemos em um tempo que publicações de pessoas comuns, com conteúdos gerados pelo consumidor, são disseminadas por todos os caminhos das redes sociais em grande quantidade. A 42 atenção dada aos detalhes da intimidade do outro e a importância da autoimagem vem ganhando grande amplitude e alcançando diversos níveis de interação. A tendência de constante ficcionalização da vida cotidiana através de recursos disponíveis na Internet está ligada a ampliação da busca por experiências que sejam, pelo menos aparentemente, verdadeiras. Esta lógica, segundo Sibilia é absorvida pelo mercado, que encontra aí um campo de atuação: “tudo vende mais se for real, mesmo que se trate de versões dramatizadas de uma realidade qualquer” (2008, p. 195). Tudo indica que essa injeção de dramatismo e estilização midiática, que tomou conta do mundo ao longo do século XX, foi nutrindo uma vontade de acesso a uma experiência intensificada do real. Uma espécie de realidade incrementada cujo grau de eficácia é mensurado, paradoxalmente, com padrões midiáticos. Por isso, se o paradoxo do realismo clássico consistia em inventar ficções que parecessem realidades, lançando mão de todos os recursos de verossimilhança imagináveis, hoje assistimos a outra versão deste aparente contra-senso: uma ânsia por inventar realidades que pareçam ficções. Espetacularizar o eu consiste precisamente nisso: transformar nossas personalidades e vidas (já nem tão) privadas em realidades ficcionalizadas com recursos midiáticos. (SIBILIA, 2008, p. 197) O desenvolvimento de determinados dispositivos contribuiu para que boa parte dos indivíduos tivesse acesso à mídia. Porém, toda esta tecnologia que possibilita a divulgação de todo tipo de conteúdo nos meios digitais, tidos por Sibilia como palcos da confissão virtual, é na verdade, em boa parte um grande gênero sem pretensões maiores “pequenos espetáculos descartáveis”, “celebração da mais vulgar estupidez”. (SIBILIA, 2008, p. 271) No cerne das redes sociais está o intercâmbio de informações pessoais.’ Os usuários ficam felizes por ‘revelarem detalhes íntimos de suas vidas pessoais’, ‘fornecem informações precisas’ e ‘compartilham fotografias. (BAUMAN, 2008, p. 8) A revelação dos detalhes íntimos está intimamente ligada com a aprovação dos outros indivíduos com os quais se interage nas redes sociais. E é dessa forma que os indivíduos se identificam através de seus interesses e as comunidades são criadas. Compartilhar intimidades, como Richard Sennett insiste, tende a ser o método preferido, e talvez o único que resta, de “construção da comunidade”. Essa técnica de construção só pode criar “comunidades” tão frágeis e transitórias como emoções esparsas e fugidias, saltando erraticamente de um objetivo a outro na busca sempre inconclusiva de um porto seguro: comunidades de temores, ansiedades e ódios compartilhados – mas em cada caso comunidades “cabide”, reuniões momentâneas em que muitos indivíduos solitários penduram seus solitários medos individuais. (BAUMAN, 2001, p. 47) 43 Neste cenário de espetacularização do eu e da intimidade, o Facebook é um dos facilitadores de compartilhamentos. Como a rede social de uma pessoa é geralmente formada não apenas por amigos de verdade, mas também pelos parentes e os meio-que-amigos, além dos meio-que-amigos de seus meio-que-amigos, é preciso ter cuidado em relação ao conteúdo publicado. Mesmo com as ferramentas do Facebook que permitem que o usuário defina grupos de amigos mais próximos, isso exige um constante monitoramento daquilo que pode – e não pode – ser compartilhado com determinados grupos ou pessoas. Devido essa demanda de privacidade e segurança foram criados os grupos fechado e secretos no Facebook, que oferecem uma forma de compartilhamento mais íntima. É necessário pontuar que a exposição de detalhes íntimos da vida nas redes sociais, no caso de pais enlutados, também pode ser benéfica. Os pais que perderam seus filhos acabam se tornando referência para outras pessoas, não somente outros pais que também estão passando pelo mesmo processo, mas para pessoas que passam por problemas menores. Quando as pessoas visualizam o pai enlutado seguindo a vida, se divertindo, sorrindo e interagindo com os amigos e familiares passam a ver a vida de uma forma diferente, passam a ter consciência que seus problemas são pequenos e passam a viver de outra forma após ver a forma como alguns pais elaboram o luto e se superam a cada dia. (COOPER, 2013) A dor de perder um filho não precisa ser sinônimo de amargura. Ela nos atinge, fere, abate, mas não precisa nos derrotar. A dor oferece a oportunidade de um mergulho interior, levando à revisão de valores, projetos e propósitos de vida. A grande ultrapassagem é desenvolver a capacidade de transformação dentro de nós mesmos, sem trapacearmos. 44 Figura 8 - Exposição da vida íntima nas redes sociais. Fonte: Perfil de Danielle Bittencourt - https://www.facebook.com/dannybittencourt. Eu, em particular, gosto de adicionar outros pais enlutados como amigos no Facebook. Não coloco nenhum tipo de restrição para visualização do conteúdo que publico. Muitos me relatam que faz bem ver como eu elaboro o luto, como continuo seguindo minha vida, interagindo socialmente e sendo feliz com as pequenas coisas do dia a dia. Eles podem perceber através das minhas fotos, que realmente consigo aproveitar os pequenos momentos de felicidade que a vida oferece e que aquele sorriso ali na foto não é um sorriso amarelo, mas um sorriso que transparece que a gente precisa sim se abrir para viver esses pequenos momentos. 45 Figura 9 - Exposição da vida íntima nas redes sociais. Fonte: Perfil de Danielle Bittencourt - https://www.facebook.com/dannybittencourt. Publiquei a imagem acima no meu perfil. Uma amiga – que é mãe, mas não perdeu seu filho – contou que as minhas publicações a fazem refletir sobre a vida, e que para ela seria muito fácil publicar essa imagem no perfil dela, pois nada de ruim aconteceu com ela. Já quando eu publico uma frase assim, e as pessoas sabem a perda que eu sofri, isso tem um impacto na forma de ver e viver a vida. Outro exemplo foi o desabafo disposto nas Figuras 10 e 11, que foi publicado em meu perfil no Facebook em um momento de indignação. O número de curtidas e os comentários 46 demonstram que o conteúdo não ficou direcionado apenas aos pais enlutados, que pais que não perderam seus filhos também puderam absorver o conteúdo da publicação e que ela promoveu a reflexão. Figura 10 - Exposição da vida íntima nas redes sociais. Fonte: Perfil de Danielle Bittencourt: https://www.facebook.com/dannybittencourt. 47 Figura 11 - Exposição da vida íntima nas redes sociais (Continuação da Figura 10) . Uma situação que presenciei hoje me fez refletir muito o dia todo. Hoje, quando vejo pais ou mães impacientes, cansados, aborrecidos com seus filhos, queria poder dizer-lhes: Mas eles estão vivos, pense que maravilha! Podem dar trabalho e ser um peso, mas estão vivos! Você pode tocá-los que milagre!... Seus filhos e filhas estão vivos. Pensem nisso - não estão mortos, estão vivos! Exultem e cantem.#desabafo — se sentindo indignada. XXXX XXX penso muito nisso Dani.... XXXX XXXX Verdade... Perdi meu amado avô a pouco tempo e falei para uma amiga... Aproveite mt os seus avós enquanto ainda os tem! Danielle Bittencourt É XXXX... O mesmo serve para pais e mães também. Saudades do meu pai tb.. 48 XXXX XXXX O sentimento da perda é mt ruim... Imagino a saudade que sente e admiro a sua vontade de seguir adiante, de viver... XXX XX Concerteza amiga!!! guerreira, eu te admiro pela sua força sempre penso nisso nas vezes que eu perco a paciência!!! XX XX Pois é... todos os dias vejo cenas assim, penso no quanto, muita gente, não sabe nada dessa vida... e também me sinto indignada... X XX Te dou toda razao ... Dani sao poucos pais que para e pensa no modo como trata seus pequeno ,nao sabem o quanto fazem falta nossa vida XX XX X XXXX XX Tb penso a mesma coisa... XXX XXX Acredito q nada acontece em vão nessa vida... nunca esqueço de vcs e acho q o q aconteceu serve pra mostrar pra todos q os conhecem a importância da vida, dos filhos e, principalmente da importância da fé e força nos piores momentos. Vcs com certeza me deram o maior exemplo de força e fé... vou falar mais uma vez q eu os admiro muito. Bjs Danielle Bittencourt Me deixou sem palavras XXX XX XX XX Sem palavras ... XXX XX Eu também admirooooooo sempre e essa lindaaaa é tudooo isso mesmo... XXX XX X XX Sem palavras. Um beijo enorme em você querida!!! vou e preciso compartilhar!!!!! XX X XXX Quem tem ou teve um filho...sabe realmente o que é o AMOR! XX XX XX eu nunca soube como te explicar a forma que está presente em minha vida todos os dias, porque tinha medo de tocar na ferida. sempre que perco a paciência com minha clarinha, eu só consigo enxergar vocês... o quanto você gostaria de estar no meu lugar. então eu respiro e a abraço bem forte. eu sinto muito! obrigada por me ensinar como amar! saiba que você me ajuda todos os dias da minha vida. grande beijo no seu coração. linda Danielle Bittencourt Que lindo XX... É exatamente essa a minha intenção ao publicar esse desabafo. ♥♡♡ XXX XXX Você esta fazendo a diferença ...parabéns... XX XX X XX XX Obrigada e Bia me deixou louca hoje , mas você me fez pensar, muito obrigada. X XXX Vc é uma Licao de Vida! (BITTENCOURT, 2013) Comentários como “Acredito q nada acontece em vão nessa vida... nunca esqueço de vcs e acho q o q aconteceu serve pra mostrar pra todos q os conhecem a importância da vida, dos filhos e, principalmente da importância da fé e força nos piores momentos” e “eu nunca soube como te explicar a forma que está presente em minha vida todos os dias, porque tinha medo de tocar na ferida. sempre que perco a paciência com minha clarinha, eu só consigo enxergar vocês... o quanto você gostaria de estar no meu lugar. então eu respiro e a abraço bem forte. eu sinto muito! obrigada por me ensinar como amar! saiba que você me ajuda todos os dias da minha vida” me fazem perceber que não estou passando do limite de privacidade nas publicações pessoais. 49 Dar acesso às particularidades da minha vida é uma das formas que utilizo para ajudar outros pais que estão passando por esse processo, além de estar sempre disponível para uma conversa e um conselho, independente do horário, pois ao ajudar ao outro acabo me ajudando também. É óbvio que nem tudo deve ser exposto nas redes sociais e que muita gente extrapola os limites, mas a exposição de determinados detalhes da vida pessoal pode ser benéfica, se usada de forma consciente pode ajudar muitas pessoas a encarar a vida de forma diferente. Muitos pais enlutados se resguardam quanto à exposição dos detalhes de sua vida íntima para evitar que sua timeline vire um memorial de sofrimento. Coisas como contar os dias, meses e anos do falecimento de seus filhos, publicar uma foto de algum momento especial para amenizar a saudade ou até mesmo um desabafo que pode soar depressivo para pessoas que não enfrentam o processo de elaboração do luto os pais enlutados ficam na maioria das vezes restrita ao grupo. 50 5. GRUPOS DO FACEBOOK Para falar sobre os grupos do Facebook é necessário que se entenda qual é o significado de comunidades virtuais, esse termo será utilizado porque define os grupos no ambiente online10. “Comunidades virtuais são agregações que emergem da Internet quando pessoas suficientes seguem em discussões públicas por tempo suficiente, com suficiente sentimento humano para formar relações pessoais no ciberespaço”11 (RHEINGOLD, 1998). Segundo ele, esta inevitável construção de comunidades virtuais se dá porque há um crescimento da fome de comunidade nas pessoas em todo o mundo e cada vez mais os espaços públicos informais estão desaparecendo. Através de uma comunidade virtual é possível que os usuários criem novos laços sociais com pessoas que não conhecem offline e também estabeleçam novas formas de interação com pessoas que já conhecem previamente. Assim, pessoas já se conhecem fora da rede podem criar uma comunidade dentro dela para se comunicarem de forma mais efetiva e, também, pode acontecer o contrário: pessoas que não se conhecem no ambiente offline fazerem parte de uma mesma comunidade dentro da rede e promoverem encontros presenciais. Uma comunidade virtual é construída através de afinidades de interesses, da cooperação e troca entre os indivíduos, independendo das proximidades geográficas. As “comunidades da mesmidade”, predeterminadas, mas aguardando serem reveladas e preenchidas com matéria sólida, estão cedendo vez a “comunidades de ocasião”, que se espera serem autoconstruídas em torno de eventos, ídolos, pânicos ou modas. Mais diversificadas como pontos focais, porém compartilhando a característica de uma curta, e decrescente, expectativa de vida. Elas não duram mais que as emoções que as mantém no foco das atenções e estimulam a conjunção de interesses – fugaz, mas não por isso menos intensa – a se coligar e aderir “à causa”. (BAUMAN, 2004, p. 51) 10 Vale ressaltar que o termo virtual está sendo utilizado em decorrência da citação de Rheingold. Devido a evolução natural dos termos e para uma correta utilização, no restante do trabalho será utilizado o termo online. No meu ponto de vista, o uso do termo virtual traz, em seu âmago, alguns aspectos que remetem uma oposição a algo que fundamentalmente estaria centrado na realidade. Optei pela utilização do termo online, pois o grupo é real, só está localizado em um ambiente não é palpável. 11 Tradução da autora para “virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relationships in cyberspace.” 51 Bauman faz uma analogia desse tipo de relação com enxames, que nada mais são do que a soma das partes manifestada na reprodução de padrões de comportamentos semelhantes e se movendo numa direção similar. “Quando a autoconfiança e o sentimento de segurança se vão, os movimentos milagrosamente coordenados de um enxame são o melhor substituto para a autoridaden dos líderes de grupos – e não menos eficazes” (BAUMAN, 2008, p. 101) As comunidades virtuais permitem que os seus integrantes produzam conhecimento e/ou informação para os demais, de modo que uma pessoa pode se tornar provedora desses conteúdos para outras diversas pessoas. A princípio, os integrantes das comunidades virtuais querem se comunicar e estabelecer relações. Com a cibercultura exprime-se o desejo de construir um lugar social, que não seja baseado nem em posses territoriais, nem em relações institucionais, nem em relações de poder, mas na reunião em torno de centros de interesses comuns, no jogo, na partilha do saber, na aprendizagem cooperativa, em processos abertos de colaboração. O apetite pelas comunidades virtuais descobre um ideal de relação humana desterritorializada, transversal, livre. (LÉVY, 1997, p. 136) A participação dos usuários nas comunidade virtuais baseia-se em relações de confiança e na contribuição de cada um. A real participação acontece quando o individual fala mais alto do que o coletivo, quando os participantes passam a se importar com quem disse e não somente com o que foi dito. O relacionamento se torna parte integrante da comunicação. o sentimento reconfortante de pertencer – a impressão de fazer parte de uma comunidade. Como sugere Sennett, a ausência de diferença, o sentimento de que “somos todos semelhantes”, o suposto de que “não é preciso negociar pois temos a mesma intenção”, é o significado mais profundo da ideia de “comunidade” e a causa última de sua atração, que cresce proporcionalmente à pluralidade e multivocalidade da vida. Podemos dizer que “comunidade” é uma versão compacta de estar junto, e de um tipo de estar junto que quase nunca ocorre na “vida real”: um estar junto de pura semelhança, do tipo “nós que somos todos o mesmo”; um estar junto que por essa razão é não-problemático e não exige esforço ou vigilância, e está na verdade pré-determinado; um estar junto que não é uma tarefa, mas “o dado” e dado muito antes que o esforço de fazê-lo. (...) “Estar dentro” produz uma verdadeira comunidade de crentes, unificados tanto pelos fins quanto pelos meios, tanto pelos valores que estimam quanto pela lógica de conduta que seguem. (BAUMAN, 2001, pp. 116 - 117) Quando partilhadas, as vivências de cada integrante do grupo ajudam a superar determinada situação. Cada usuário tem uma competência diferente e essa troca de experiências resulta em um rico aprendizado e fonte de superação no caso do luto. 52 5.1 O QUE SÃO GRUPOS DO FACEBOOK Os grupos do Facebook oferecem um espaço fechado para pequenos grupos de pessoas se comunicarem sobre interesses em torno de uma causa e podem ser criados por qualquer pessoa. Os membros dos grupos devem ser aprovados ou adicionados por outros membros. Figura 12 - Convite para ingresso no grupo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - Os grupos têm administradores que o gerenciam. Eles podem configurar permissões para manter o grupo aberto para qualquer usuário; grupo fechado, onde a entrada de participantes é aprovada pelo administrador ou grupo secreto, que é restrito a convidados. Devido a essas configurações de privacidade, os grupos do Facebook são análogos aos grupos offline. Os administradores também podem nomear “moderadores” que, no entanto, não significa que eles terão a capacidade de administrar o grupo. A comunicação em grupos ocorre através de notificações aos membros quando algum membro publica algo no grupo. 53 Figura 13 - Notificação de publicação no grupo. Fonte: Perfil de Danielle Bittencourt - https://www.facebook.com/dannybittencourt. Os membros dos grupos podem participar de bate-papos, carregar fotos para álbuns compartilhados, colaborar em documentos dos grupos e convidar os membros que são amigos para eventos dos grupos como pode ser observado nas imagens abaixo. Figura 14 - Criação de eventos e convite. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - 54 Figura 15 - Álbuns de fotos do grupo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - 5.2 GRUPO DE MÃES E PAIS QUE PERDERAM SEUS FILHOS O grupo estudado é um espaço onde mães e pais que perderam seus filhos encontram apoio e troca de experiências com pessoas que enfrentam situação semelhante. Neste grupo você encontra pais e mães que não se permitiram sofrer, por medo de que isso doesse além do suportável. Também há aqueles que não puderam parar de sofrer por medo de que, se superassem a perda e vissem sua vida de volta ao normal, perderiam de novo o filho e, desta vez, de forma mais permanente. Nesse ambiente os pais enlutados não se sentem sós, podem observar que a perda de um filho, apesar de não corresponder à ordem natural da vida, é bastante comum. Antes de entrar no grupo é difícil perceber a quantidade de casos em que os filhos se vão primeiro, pois o luto, ainda mais por um filho, não é algo que as pessoas comentam como casamento, gravidez, entre outros 55 eventos cotidianos. O grupo é como um clube ao qual ninguém quer associar-se. Nele, os participantes descobrem outras pessoas que se sentem como eles. Os requisitos para ser um membro desse clube não são nada invejáveis. Você precisa ter sentido o chão afundar o céu desmoronar, num dia horrível, inimaginável. Você tem de ter perguntado se seria capaz de descobrir qual sapato calçar em qual pé, e depois por que deveria se preocupar com isso. Você precisa ter-se encolhido de medo e, talvez, ardido em silêncio, quando todas aquelas pessoas de boa vontade disseram coisas tão inadequadas para você. Você deve ter acreditado que era a primeira pessoa na história do planeta a sentir-se tão vazia. (...) Mas percebe-se depois que o clube não é apenas um bando de semi-humanos de rostos escovados e assombrados que batem no peito e arrancam os cabelos. São pessoas atraídas umas pelas outras porque, como a mulher de São Francisco descobriu mais tarde: “Ninguém mais entende”. É também um grupo grande de pessoas: homens e mulheres de todas as idades, raças, religiões, níveis econômicos e localizações geográficas. (MEHREN, 1997, pp. 165 - 166) E nesse espaço os pais enlutados descobrem que os outros pais também sobrevivem, embora mudados. Segundo a criadora e moderadora do grupo Twane ele foi criado para que os pais enlutados pudessem ouvir a história de outros pais na mesma situação e assim conseguirem ver que não estão sozinhos nessa jornada e através das experiência dos outros poder ter exemplos de como continuar sua jornada por aqui. O contato com outros pais complementa porque assim podemos ver conclusões passadas e resolvidas quase em momento real. Minha intenção não é apoiar ao luto, mas esclarecer fatos causados pelo mesmo e tentar amenizar a dor pela perda do ente querido, no caso filhos. Motivo esse que todos que participam do grupo terem passado pelo mesmo problema. (SILVA, 2013) Juntamente com seu marido na época, Rodrigo Parreira, Twane teve como objetivo inicial ouvir a história de outros pais, pois após consultar vários especialistas sobre a morte de filhos descobre-se que os verdadeiros peritos são os pais e mães que perderam os seus. o que estamos dizendo um ao outro tem um fundamento comum muito forte. É algo intangível de que os “especialistas” profissionais sabem menos do que nós que atravessamos os desertos gelados da dor. É incrível, mas de vez em quando sorrimos, ou mesmo rimos, do cruel absurdo que a maioria de nós tem passado. (MEHREN, 1997, p. 168) Um ponto que precisamos pontuar é que quem perde pai e mãe é chamado de órfão, quem perde marido ou esposa é chamado de viúvo(a), mas não existe uma denominação para a mãe ou pai que perderam um filho – como pode ser visto na assinatura do descritivo do grupo no Facebook. 56 Maes de Anjos. Para a morte de um filho não há cura, tratamento, nem alívio para a dor. A morte de um filho faz sofrer o coração até o fim. Fim que não chega nunca. Morre-se um pouco todos os dias. Enlouquece-se de dor, sem se perder a razão. Dizem que mãe não deveria chorar a morte do filho, mas a dor desta perda é um pranto sem lágrimas, um lamento silencioso. Um verso de Chico Buarque diz que “a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Arrumei o quarto dele, antes mesmo de saber que já estava morto. Talvez, no íntimo já o soubesse. Mas essa não é a maior dor. A saudade do filho que já morreu é a dor de todas as dores. Pensei que pudesse esconder tal dor, mas, no fundo dos olhos o brilho se apagou, e a lágrima é a dor que transborda, que afoga e sufoca. Vejo a vida de meu filho ir-se não de uma vez, mas todas as vezes que me deparo com alguma criança que teria a idade dele hoje. Imaginar como ele estaria. Vendo ali as outras crianças correndo, brincando é quase que impossível... Conto essa história sem mágoas, ódios ou rancores. Mas a angústia que sinto, ao recordar o rostinho do meu bebê e a falta que ele me faz e de como meu filho se foi tão cedo, às vezes me faz fraquejar. Porém, surpreendentemente, Deus me concede uma inexplicável força para ir em frente com a determinação de quem não se entregou à maior dor que uma mãe pode sentir. A dor de ficar sem o seu próprio eu. E só quem prestar muita atenção perceberá lá no fundo dos meus olhos, a dor, aquela, maior de todas. A da mãe- órfã. (Grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre) A falta de uma definição talvez se deva por considerarem que os pais não merecessem viver esta dor ou por corresponder a uma inversão no curso da vida, não exista uma dominação no dicionário. É uma dor que não tem nome. Quem perde um filho nunca deixa de ser pai ou mãe, mas usualmente esses pais e mães se denominam orfãos. O grupo é o ponto de encontro naquelas horas em que a saudade aperta o peito e dá um nó na garganta, pois sempre terá alguém para conversar, indicar um livro, música, filme, ou simplesmente contar como enfrenta essa dor. Pra mim me ajuda pelo fato, de que não sou a única pessoa que sofre desse mal, dessa dor. Saber que tem pessoas que podem me ouvir, sem me julgar, e me dar uma palavra de consolo, porque ela também sente o que eu sinto. (...) Fiz terapia com psicólogo, mas parei. Acredito em Deus e vou onde achar que preciso ir, seja na igreja católica, na evangélica ou no espiritismo. Todos esses meios, inclusive o grupo, tem me ajudado de uma forma ou de outra, e também tenho praticado musicoterapia. (SCAGLIONI, 2013) Assim, o grupo funciona como uma forma alternativa de apoio ao luto, com a facilidade e instantaneidade que a Internet permite. No grupo sempre tem uma pessoa que está melhor e que acaba ajudando as demais. Os integrantes têm empatia e sabem lidar com a situação, pois se colocam no lugar do outro. É uma coisa forte, essencial nesse processo e que falta muito hoje em dia. (COOPER, 2013) 57 Mas não se pode descartar a ajuda de profissionais (psicólogos, por exemplo), que são de extrema importância, pois só um profissional sabe mensurar o momento em que se deve passar por cada fase sem atropelar as coisas, pois cada indivíduo tem seu tempo de superar cada uma delas. É comum as pessoas falarem que o enlutado superar logo a dor da perda, mas o enlutado deve ter em mente que só um profissional pode falar sobre o tempo de superação e que a dor o acompanhará para sempre, mas que é possível conviver com a dor de uma forma menos intensa. Esses pais são naturalmente tentados a reduzir a complexidade de sua situação a fim de tornarem as causas do sofrimento inteligíveis e, assim tratáveis. O grupo auxilia nesse processo de tirar o foco da fatalidade e da dor para entender como funciona o processo do luto. Naquele ambiente cada um passou pela perda e vendo outros casos conseguem ver que tinham que passar por isso e superar. Que não é o fim do mundo, simplesmente aconteceu. Através da experiência do outro, que passou por situação semelhante, consegue entender para elaborar melhor. (COOPER, 2013) Vendo as experiências de outros pais, o enlutado consegue chegar a conclusões que auxiliam a passar por esse processo de uma forma menos dolorosa. O grupo é composto por trezentos e cinquenta e oito membros, destes, apenas oito homens. Entre as mulheres, noventa e cinco porcento são mães que estão na fase adulta, entre vinte e um e trinta e cinco anos, que perderam seus filhos ainda no ventre ou na infância. O fato do número de mulheres ser muito maior do que de homens se dá ao fato da mulher ter uma necessidade maior de falar. A questão da mulher falar mais do que o homem é uma questão biológica, pois são seres diferentes em sua essência. Embora seja doloroso passar pela tensão conjugal acumulada com a dor da perda de um filho ou filha, também pode ser um consolo saber – ao menos isso valeu para mim e para meu marido – que esse tipo de tensão é provavelmente a regra e não a exceção. É sempre arriscado lançar mão de estereótipos sexuais. Mas a queixa comum entre as mulheres parece ser a de que os homens sofrem de um modo por demais frio. Algumas mulheres reclamam que eles se entregam ao trabalho para esconder seus verdadeiros sentimentos, como se fingissem que nada aconteceu. É eficaz demais para ser verdade. (MEHREN, 1997, p. 131) Logo, cada um reage de uma forma, enquanto a mulher precisa desabafar para elaborar o luto, o homem se fecha, pois é muito racional. “Enquanto a mulher não para de falar para desabafar o homem está preocupado com o freio do carro e as contas” (COOPER, 2013). 58 Esse fenômeno é natural, desde o tempo da caverna o homem ia caçar e a mulher ficava em casa cozinhando e protegendo os filhos dos perigos. Dessa forma, as mulheres sempre desempenharam várias atividades ao mesmo tempo. Já o homem não podia falar, não podia ter sentimento, enfrentava o perigo e não contava. (COOPER, 2013) Cooper conta que a mulher é mais emoção e falta um pouco de razão, assim como para o homem falta conseguir extravasar mais as emoções, um exemplo disso, segundo ela, é a maior incidência de infarto em homens do que em mulheres. A mulher tem a necessidade de falar para entender melhor as coisas, por isso acaba lidando melhor com os problemas que vão surgindo em sua vida. “Ela acaba falando com a amiga, colega de trabalho ou vizinha sobre seus problemas e também escuta os conselhos dela. Através das experiências de outras mulheres acaba solucionando seus problemas de forma mais fácil. (COOPER, 2013) Assim, o grupo é composto basicamente de mulheres pelo fato de que elas possuem uma habilidade maior em falar e se relacionar com outras pessoas. Homens tendem a ser mais fechados e passar por momentos difíceis sozinhos, sem procurar nenhum tipo de apoio. 5.3 CONTEÚDO DAS PUBLICAÇÕES A composição das publicações implica numa multiplicidade de linguagens, as quais são utilizadas para compor um corpo ao texto, a fim de abordar e traduzir os diversos sentimentos que necessitam ser exteriorizados. Os usuários valem-se de textos de livros, poemas, músicas e até de outros participantes - e misturam aos pensamentos deles mesmos. Há uma polifonia nas manifestações e linguagens pluralizadas. Os tipos de publicações que mais ocorrem no grupo são imagens, mensagens de otimismo e superação, desabafos. Além dessas publicações também são comumente compartilhadas músicas, divulgação de outros grupos, comunidades e páginas afins. Foi criada uma tabela para indicar a quantidade de cada tipo de publicação durante o mês analisado. 59 CATEGORIAS QUANTIDADE Desabafos 25 Imagens 18 Mensagens de Otimismo 8 Dúvidas 2 Divulgações 1 Solicitações para adicionar membros 1 Tabela 1 - Tipologias publicações. O gênero de publicação mais recorrente no grupo são os desabafos, que geralmente ligados a um momento de crise do participante, como aniversário ou mesversário de falecimento ou nascimento. Mesversário no sentido de que os pais enlutados contam os dias, meses e anos da partida de seus filhos, como no texto abaixo: Figura 16 - Tipos de Publicação – Desabafo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - “Hoje 10 meses sem o meu anjinho.... quanta saudade meu filho... pensei que com o passar do tempo, tudo iria se acalmar dentro de mim, mas não... a cada dia 9 meu coração pula de saudade... te amo meu Kalleb e nada vai tirar voce de dentro de mim...” (INTEGRANTE_6, 2013) Os desabafos também incluem fatos cotidianos, revoltas e tentativas frustradas de uma nova gestação. 60 Figura 17 - Tipos de Publicação – Desabafo. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - Minhas lindas hj fiz os exames,resultados só dia 04/06...agora aguenta a ansiedade né...hj não esta sendo fácil,completa 1 ano q soube q minha bonequinha estava sem vida dentro d mim,lembro d cada detalhe e é mto doloroso td isso...1 ano atras essa hr já estava internada sendo induzida ao parto,e minha pequena só veio ao mundo no dia 09 as 6:00 da manhã...estou tentando desviar o pensamento,não quero chorar,quero q minha pequena fique bem e não me veja triste...sei q d onde ela esta pode me ver...quero dar orgulho pra minha filha,é por isso q luto pra descobrir si tenho ou não trombofilia ou qualquer outra coisa... (INTEGRANTE_7, 2013) O indivíduo se sente à vontade em realizar um desabafo dentro do grupo, pois tem a certeza de que será compreendido, diferentemente do que acontece fora desse ambiente. Como relata uma das moderadoras, Priscila Rodrigues, em entrevista. A principal diferença é que com amigos e parentes eles estão realmente preocupados com você, mas não sabem exatamente o que você está passando e você tem medo de magoar ainda mais a pessoa. O que eles vão querer é que você abandone o luto o quanto antes e alguns vão dizer que já era tempo de você ter “superado”. Enquanto eu no grupo ninguém vai tentar acelerar o seu 61 processo natural, lá todos sabem o que é ter uma ferida aberta dentro do peito, que irá sangrar muitas vezes, mesmo que já faça um, dez ou cinquenta anos. (RODRIGUES, 2013) Ao compartilhar um desabafo o indivíduo tem uma sensação de alívio, conforto e redução da ansiedade. A pessoa tem uma oportunidade de falar sobre suas dificuldades e ter alguém para escutá-la. As outras pessoas, que também estão trilhando o mesmo caminho, ainda podem sugerir soluções através de sua experiência de vida. Às vezes a pessoa está desabafando com alguém não passou pela mesma experiência e o ouvinte acaba ficando com o pensamento longe. Já quando as pessoas passaram pela mesma situação elas não se dispersam e uma entende a outra. Grávidas, por exemplo, podem passar horas falando sobre os sintomas, preparativos, exames e ansiedade. Quando existe uma experiência em comum os conselhos são efetivos, não apenas palpites. (COOPER, 2013) A troca de informações é um dos fatores que levam pais que perderam os filhos procurarem o grupo. Eles querem saber como os outros pais encaram essa perda, o que fazem com as lembranças que chegam sem avisar e procuram por pessoas que passaram por situações semelhantes. As imagens, por sua vez, são o segundo tipo de publicação mais frequente. Compreendem fotografias dos filhos que faleceram e imagens com frases de otimismo, superação e conforto. Como não existe jeito certo ou errado de sofrer, também não há um para relembrar uma criança que pereceu. A publicação de fotos muitas vezes refletem sua personalidade ou passatempo preferido. Publicar a foto desse momento por certo não trará de volta um filho ou filha, que é o que desejamos bem no fundo de nosso coração. Mas algum tipo de recordação formal torna a lembrança mais vital e muitas vezes faz com que outras pessoas compreendam melhor por que sua perda é tão imensa. Geralmente as fotografias vêm acompanhadas de legenda, tentando explicar a dor que sentem como no exemplo abaixo. 62 Figura 18 - Tipos de Publicação – Imagens. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - Mais um mês se passou... Agora já são 4 meses sem você, meu pequeno príncipe, parece que tem anos e anos, eu te amo muito filho amado, eu nunca vou esquecer de você. Nunca me imaginei sem você, porque a gente acha que uma tragédia dessa só acontece com os outros, mas infelizmente bateu a minha porta tambem... e minha rotina sem você é cruel, a mamãe não tem vontade de nada, a mamãe não participa de festa, a mamãe não quer saber de nada, eu só penso em voce... falaram pra mim que o tempo seria meu aliado, meu amigo, mas não é isso que aconteceu... o tempo não está me ajudando em nada, porque cada dia que passa a saudade aperta mais, e cada dia que passa eu tenho tenho mais de você em mim, a cada dia te amo mais. Ah, meu amor, não pude impedir sua partida, é uma pena, o Senhor levou voce pra Ele... mas o meu amor por você é eterno, e ai vem mais uma data pra acabar comigo, dia das mães, que dor... ainda guardo e vou guardar pra sempre todas as lembrancinhas da crechinha que vc fez pra mim... Te Amo meu Miguel, te amoooo... (INTEGRANTE_8, 2013) 63 Ou apenas com um texto de conforto, que ajuda tirar um pouco o foco da dor, lágrimas e sofrimento. Possuem conteúdos focados em proporcionar um bem-estar diante da perda de um filho. Figura 19 - Tipos de Publicação – Imagens. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - As pessoas que amamos nunca nos deixam de verdade. e sempre podemos encontrá-las. basta olhar para o nosso coração. (INTEGRANTE_9, 2013) Em terceiro lugar ficam as mensagens, geralmente de ordem religiosa ou cartas (psicografias e textos fictícios) dos filhos que se foram – indicando como os pais devem agir depois da perda e confortando-os. 64 Figura 20 - Tipos de Publicação – Mensagens. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - 65 Mães de Anjos: "Tenho visto suas lágrimas e me entristeço de te ver assim. Você não sabe que o Papai do Céu tem cuidado de mim? Eu sei que você queria muito que eu estivesse juntinho de você, eu também gostaria de receber seus carinhos, seus beijinhos, o seu amor. Se eu estivesse aí mamãe eu não seria uma criancinha normal como você imagina, pois a minha saúde não estava perfeita, eu iria lhe causar muita tristeza, pois eu seria muito doentinho, você não teria tempo para mais nada, nem mesmo para se alimentar direito. Eu iria ficar mais tempo internado no hospital do que em casa. Os médicos iriam encher meu corpinho de picadas de agulha, meus olhinhos iriam derramar muitas lágrimas de dor. Papai do céu me ama muito, pois Ele me fez a sua imagem e semelhança, Ele não me queria ver sofrer assim, por isto Deus me levou para morar com Ele. No céu mamãe não tem choro, não tem tristeza, não tem dor. Você não seria tão egoísta a ponto de querer que eu estivesse ao seu lado mesmo sofrendo, seria? Acredito que não, não é mesmo mamãe? Eu estou muito feliz aqui, os anjinhos do céu brincam o tempo todo comigo, existe um grande jardim com flores de todas as cores que exala o mais delicioso perfume. Estou enviando um anjinho da guarda para confortar seu coração, ele vai te acompanhar até que você esteja melhor. Mamãe eu quero ver você sorrindo novamente, a minha ausência não é o fim, é apenas um breve intervalo. Um dia a gente vai se encontrar, eu vou poder te abraçar e seremos muito felizes, eu, você e o papai na eternidade. Você não pode morrer junto comigo, se assim fosse o papai do céu teria levado você também, se Ele te deixou na terra é para você continuar vivendo, fazendo planos, e quem sabe arrumar outro irmãozinho pra mim. A vida é tão linda mamãe, olhe ao seu lado e veja tudo de bom que o papai do céu fez para você: • Fez o sol para te aquecer; • Fez as flores para perfumar o seu jardim; • Fez as borboletas para enfeitar a natureza; • Fez a chuva para derramar gotas de alegria sobre a terra; • Fez a semente para germinar esperança no seu coração; • Fez os pássaros para voar como os anjos no céu; • Fez as estrelas para iluminar a sua noite; • Fez o arcoíris com todas as cores para dar mais cor a sua vida; Todas estas coisas somente Deus pode fazer, e somente Ele pode devolver para você a alegria de viver novamente, basta você acreditar que Ele existe. Deus é amor mamãe, Ele só quer o seu bem e o meu também. Não pense que Deus te abandonou, que Ele não ouviu suas orações, Ele ouviu sim, mas Ele te poupou de uma dor ainda maior, a dor de ver seu próprio filho sofrendo. Deus te ama mamãe, com o tempo você vai se conformar, e vai lembrar-se de mim, não com tristeza, mas com saudades. Até logo mamãe, eu te amo e sempre te amarei. Não chore mais." (Autor desconhecido) (INTEGRANTE_10, 2013) As mensagens têm praticamente a mesma função das imagens de superação citadas anteriormente, o que muda é apenas o formato em que são compartilhadas. 5.4 INTERAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO ENTRE OS USUÁRIOS Os relatos coincidentes com a subjetividade do outro evidenciam o sentimento que ali permeia. O grupo é um local onde existe uma memória coletiva, cada um acaba acompanhando a perda do outro, e de certa forma tomando como sua, pois existe uma identificação que une os usuários. Trocamos histórias trágicas, mas de modo trivial, como se estivéssemos discutindo dicas de jardinagem ou tempo... Nunca, mas nunca mesmo, pronunciamos frases feitas de consolo. Nunca expressamos as banalidades que ouvimos com demasiada freqüência. Nunca cuspimos aquelas frases insípidas: “Ora, ora, vai dar tudo certo”... ou – e esta me dá arrepios porque é tão fundamental e ridiculamente mentirosa – “Provavelmente é melhor assim”... ou – outro arrepio – “Pelo menos ele ou ela ficou com você por um tempo”. Sabemos pela intuição e pela experiência 66 que “aquilo” nunca vai “dar certo”. Sabemos que não pode absolutamente ser melhor assim. E não importa por quanto tempo tivemos nosso filho ou filha, não foi suficiente. (MEHREN, 1997, p. 168) Isso ocorre quando os participantes se conhecem bem e confiam uns nos outros, eles trocam experiências como quem troca receitas. A sabedoria dos membros é alcançada com dificuldade, pelo mais alto custo que existe. Vem diretamente da experiência que nos separa para sempre dos demais. Essa identificação se torna ainda mais forte quando há semelhanças no luto. Por exemplo, mães que perderam seus filhos ainda no seu ventre se solidarizam e interagem mais com mães que perderam seus bebês da mesma forma. Assim ocorre com as mães que perderam seus filhos pequenos, as que passaram por isso quando o filho já se encontrava na fase adulta, as que em filhos com o mesmo nome, as que vivenciaram a mesma causa de morte, entre outros. Ao ler uma publicação de uma mãe, tentando explicar o que sente, não tem como não se identificar com aquelas palavras. Desta forma, a afinidade entre os participantes vai se fortalecendo a cada dia, a cada publicação. E como essa dor da perda de um filho nunca tem fim, essa afinidade se mantém com o passar dos dias, meses e anos. A afinidade nasce da escolha, e nunca se corta esse cordão umbilical. A menos que a escolha seja reafirmada diariamente e novas ações continuem a ser empreendidas para confirmá-la, a afinidade vai definhando, murchando e se deteriorando até se desintegrar. A intenção de manter a afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e não promete sossego à vigilância. Para nós, os habitantes desse líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha. (BAUMAN, 2004, p. 46) Pode-se observar que a interação no grupo aumenta quando um integrante conta parte da sua história, descrevendo através de palavras como o luto entrou em sua vida, ou quando desabafa expondo a sua dor. Quando são utilizadas fotos, a interação aumenta ainda mais. Os usuários passam a querer saber mais, e através da identificação, passam a contar um pouco da sua história também, assim como consolar o autor da publicação. Podemos visualizar de forma bem clara essa interação na imagem abaixo: 67 Figura 21 - Interações por afinidades. Fonte: Grupo Pais que perderam https://www.facebook.com/groups/406154739424551/. seus filhos, saudades para sempre - 68 Figura 22 - Continuação Interações por afinidades. 69 Há tempo pra amar e tempo pra viver, mas não sabemos quanto tempo temos ao lado de quem amamos e você deixa esse tempo passar. Esse maldito tempo, o qual só nos damos conta quando não há mais como voltar atrás. Não há mais tempo pra abraçar, conversar, ensinar e brincar... O tempo, maldito, traz a saudade do que não vivi... Hoje é Dia do Índio, impossível não imaginar como seria ir buscar meu pequeno na escolinha e ver ele com o rosto pintado e um cocar na cabeça. Impossível não ver outros pais com seus filhos, passeando de mãos dadas e não sentir a ausência. Quando penso em tudo que vivi, percebo que muito ficou por fazer... Levar para escola, ouvir uma canção, ver comer sozinho, ensinar amarrar o cadarço do tênis, ouvir “mamãe eu te amo”... Coisas simples do dia a dia, mas que trazem tanta alegria... A dor da saudade eu vou sentir pra sempre, e hoje mesmo me perguntei se isso um dia vai passar (mesmo já sabendo que não passa). O que não posso é me permitir sofrer pra sempre, pois uma pessoa que sofre, não vive, e eu quero viver. Domingo completa sete meses que meu príncipe virou anjo, são sete meses de muita dor, saudade e amor incondicional, que me faz seguir em frente. A DOR É INEVITÁVEL, MAS O SOFRIMENTO É OPCIONAL. XXX XXX fico triste por vc ? XXX XXX que graça de menino!! isso dói d++, o que houve com seu pequeno? XXX XXX linda suas palavras ,faço as minhas,dia 24 completa 3 meses sem meu pequeno principe Danielle Bittencourt Foi acidente de carro Carla Sá... O caminhão do lixo furou o sinal e não freou... Transeuntes dizem ver bebida alcoólica no caminhão... Só estávamos nós dois no carro... Uma perda irreparável, uma dor sem fim... XXX XXX oi dani vai faser 5 anos que perdi meu pequenino de 1 aninho parece que foi omtem eu imagino como vc ta olha e triste XXX XXX muinto triste esse ano ele ia faser 6 aninho lembro que poderia ter levado na escola todo dia lembro dele sempre vou lembrar minha vida assim eu chamava ele leonardo fica com deus so ele para nos comfortar. bjs sua mais nova amiga rose Danielle Bittencourt Obrigada pelo apoio. Só quem passa por isso sabe a dor que é. . Bjinhosss XXX XXX XXX XXX Força. XXX XXX Meu pai, triste d++++, pedirei a Deus por vc, pois so Ele para dar as forcas necessarias para continuar nessa longa caminhada... Um forte abraco, fica com Deus! XXX XXX XXX perdi minha filha que viveu apenas 5 horas após o parto e a dor que sinto é insuportável, nem imagino como você está sofrendo, só sabe a uma dor quem passa por ela, forças você é uma guerreira. XXX XXX oi dani como vc esta fiquei muimto triste com que acomteceu com vc eu ssim imagino como vc ta deus proteja vc. e nos maes e pais que perderam nossos amor da nossa vidas. bjs bjs bjs XXX XXX Menino lindo, que deus guie teus passos e acalme sua dor. XXX XX XXX XXX SIM , EU TBM QUERIA SABER QUANDO ESSA DOR VAI PASSAR , PQ DÓI MUITO, ELA ERA TAO AMADA E TAO ESPECIAL , DÁ PRA ENLOUQUECER SÓ DE PENSAR , MES Q VEM NASCE MEU BEBE E QUERIA PODER RECEPCIONA LA DO JEITO Q ELA MERECE AFINAL EU ENGRAVIDEI PARA SALVAR ANA LUISA , MAS INFELISMENTE ELA SE FOI ANTES DA HELOISA NASCER , O QUE FAREMOS PARA AMENIZAR TUDO ISSO ? Danielle Bittencourt XXX, Deus já está te abençoando, te dando outra bênção, que é poder ser mãe de outro ser muito especial... Quanto à dor, ela não passa, mas aprendemos a conviver com ela.. Será nossa eterna companheira XXX XXX XXX infelizmente não há nada a fazer. (BITTENCOURT, Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre, 2013) 70 Nesta imagem pode-se observar comentários de mães que se identificaram por também ter perdido um menino, outras que se identificaram porque perderam filho com a mesma idade e outras pela dor da perda simplesmente. O sentimento comum de superação e compaixão também fica nítido nos comentários desta publicação. As ferramentas das plataformas de interação online permitem essa triagem, que identifica as pessoas mais próximas e com maior afinidade para que os laços criados em um grupo sejam estreitados. O aspecto em que somos semelhantes é decididamente mais significativo que o que nos separa; significativo bastante para superar o impacto das diferenças quando se trata de tomar posição. (BAUMAN, 2001, p. 202) Dessa forma, a empatia é o fator que liga os integrantes do grupo. Empatia significa a capacidade psicológica de um indivíduo sentir o que sentiria outro indivíduo caso estivesse na mesma situação vivenciada por ele. Nesse processo a pessoa se coloca no lugar da outra e tenta compreender seus sentimentos e emoções. A empatia leva as pessoas a ajudarem umas às outras. Está intimamente ligada ao altruísmo – amor e interesse pelo próximo – e à capacidade de ajudar. Quando um indivíduo consegue sentir a dor ou o sofrimento do outro ao se colocar no seu lugar, desperta a vontade de ajudar e de agir seguindo princípios morais. (COOPER, 2013) Quando há algum ponto em comum entre os usuários, fora a perda, é comum observar que o apoio mútuo entre os indivíduos transcende ao grupo. Eles passam a ser amigos no Facebook e também migram para outras plataformas de comunicação, principalmente de dispositivos móveis como WhatsApp12 e Viber13, por exemplo. tenho duas em especial. Pessoas que nem entram mais nos grupos, mas que sempre nos falamos in box, e mesmo morando longe sempre falamos na possibilidade de nos encontrar. Pessoas que me ajudaram demais no momento mais difícil da minha vida, pessoas por quem tenho um carinho 12 WhatsApp é ferramenta de troca de mensagens instantâneas disponibilizada para celulares de qualquer marca e diversas plataformas, como Android, Windows Phone e iOS. Ele permite a criação de grupos, troca de vídeos, fotos e mensagens de texto e voz, sem precisar pagar muito pela utilização. 13 O Viber é um aplicativo que realiza chamadas gratuitas para outros celulares ou computadores que tenham o programa instalado. Através desta ferramenta é possível enviar mensagens, fotos e vídeos e criar grupos. Todas as funcionalidades deste aplicativo são livres de custos. 71 enorme mesmo, estão sempre nas minhas orações, pois acredito que são anjos que Deus colocou no meu caminho para que eu pudesse continuar a caminhar mesmo faltando um pedaço meu... (RODRIGUES, 2013) Como muitos dos participantes se disponibilizam ajudar uns aos outros a qualquer momento, essa participação fora do grupo permite dividir seus sentimentos de forma mais efetiva, instantânea e íntima. Indo contra ao tão comum relacionamento definido por Bauman como “camarada/camarada”, onde as conversas são superficiais e o conteúdo não é importante. Nós entramos nos chats e temos “camaradas” que conversam conosco. Os camaradas, como bem sabe todo viciado em chat, vêm e vão, entram e saem do circuito – mas sempre há na linha alguns deles se coçando para inundar o silêncio com “mensagens”. No relacionamento “camarada/camarada”, não são as mensagens em si, mas seu ir e vir, sua circulação, que constitui a mensagem – não importa o conteúdo. Nós pertecemos ao fluxo constante de palavras e sentenças inconclusas (abreviadas, truncadas para acelerar a circulação). Pertencemos à conversa, não àquilo sobre o que se conversa. (BAUMAN, 2004, p. 52) A instantaneidade dessa comunicação entre os usuários é aumentada pelos dispositivos móveis, grande parte dos participantes do grupo estão conectados à Internet o tempo todo com seus tablets, notebooks e smartphones. Na Figura 22 é possível visualizar essas publicações realizadas através de celular, por exemplo. Você nunca perde de vista o seu celular. A sua roupa de jogging tem um bolso especial para ele, e você nunca sai com aquele bolso vazio, da mesma forma que não vai correr sem o seu tênis. Na verdade, você não iria a nenhum lugar sem o celular (“nenhum lugar” é, afinal, o espaço sem um celular, com o celular fora de área ou sem bateria). Estando com seu celular, você nunca está fora ou longe. Encontra-se sempre dentro – mas jamais trancado em um lugar. Encasulado numa teia de chamadas e mensagens, você está invulnerável. As pessoas ao seu redor não podem rejeitá-lo e, mesmo que tentassem, nada do que realmente importa iria mudar. (BAUMAN, 2004, p. 78) Nesse ambiente é comum ver indivíduos, como eu, que sentem até uma certa abstinência quando não conseguem conectar-se à Internet. Esse cenário facilita a ajuda mútua entre os participantes do grupo, pois a qualquer hora do dia ou da noite haverá alguma pessoa com que se possa conversar e desabafar, principalmente nas noites que a tristeza traz a insônia. Mas é difícil uma pessoa ajudar a outra sem algum motivo aparente. A pessoa tem que merecer ajuda, como no caso dos integrantes desse grupo, que estão em um processo de dor e tristeza permanentes semelhantes. Esta ajuda mútua entra mais como uma ajuda a si mesmo do que ao outro. Quando se ajuda o outro de certa forma se reafirma para si mesmo a importância da fé e da superação. 72 Com efeito, é suficiente perguntar “por que devo fazer isso? Que benefício me trará?” para sentir o absurdo da exigência de amar o próximo – qualquer próximo – simplesmente por ser um próximo. Se eu amo alguém, ela ou ele deve ter merecido de alguma forma... “Eles o merecem se são tão parecidos comigo de tantas maneiras importantes que neles posso amar a mim mesmo; e se são tão mais perfeitos do que eu que posso amar neles o ideal de mim mesmo... Mas, se ele é um estranho para mim e se não pode me atrair por quaquer valor próprio ou significação que possa ter adquirido para minha vida emocional, será difícil amá-lo”. (BAUMAN, 2004, p. 97) A capacidade de se colocar no lugar do outro, que se desenvolve através da empatia, ajuda a compreender melhor o comportamento em determinadas circunstâncias e a forma como o outro toma as decisões. Recuero (2009) enumera alguns valores que são comumente relacionados aos sites de rede social como a visibilidade, que varia de acordo com a atuação de cada ator dentro da plataforma de rede social; a reputação, que é o julgamento do outro; e a popularidade, que está relacionada com a audiência de um determinado ator. Quanto mais um ator está situado no meio da rede, mais tem conexões com outros atores e também potencial de influência mais forte sobre os demais. Um ator manifesta sua popularidade através do número de amigos, quantidade de comentários em suas fotos ou textos e autoridade (poder de influência que possui em determinada rede social somado à percepção que os demais têm da reputação dele). No caso do grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre o ator com maior popularidade não é necessariamente o moderador, mas aquele que possui um maior número de publicações e comentários nestas postagens. A popularidade dele está intimamente ligada com a sua reputação perante os outros usuários. Para Bauman ainda que o eu que a pessoa está tentando mostrar e fazer reconhecido esteja destinado pelo ator a preceder, antecipar e predeterminar a escolha da identidade individual, “é o impulso de seleção e o esforço de tornar a escolha publicamente reconhecível que constituem a autodefinição do indivíduo líquido-moderno” (2008). Na demonstração de identidades nas redes sociais online, o ator necessita de uma aprovação, um reconhecimento, do destinatário. O internauta é reduzido à condição de instrumento de autoconformação pessoal. Na busca da auto-identificação bem-sucedida, os indivíduos automanipuladores mantém uma relação bastante instrumental com seus interlocutores. Estes últimos só são admitidos para certificar a existência do manipulador – ou, mais exatamente, para permitir que os manipuladores façam seus “eus virtuais” caírem na realidade. Os outros são procurados com o único propósito de 73 atestar, estimular e bajular os eus virtuais dos internautas. (JAURÉGUIBERRY, 2008 apud BAUMAN, 2008) Nesse sentido, o grupo evita que a timeline do usuário vire um mural de lamentações, afinal ninguém gosta de ver mensagens sobre dor, sofrimento, perda e superação o tempo todo. No grupo ninguém é recriminado por isso, visto que esse é o canal em que se pode falar sobre seus medos, dores e aflições abertamente. O grupo passa a ser um ambiente em que os participantes se sentem seguros, queridos e cuidados. 5.5 SEGURANÇA Há três opções de privacidade para grupos do Facebook: Aberto, Fechado e Secreto. A Tabela 2 mostra quem pode entrar nesses grupos e as formas como eles são visualizados. Tabela 2 - Privacidade dos Grupos no Facebook. Fonte: https://www.facebook.com/help/220336891328465?sr=1&sid=0Oe6HHPEvS1atxJyH. 74 O grupo fechado do Facebook permite um anonimato dos integrantes, no sentido que somente os membros do grupo podem visualizar as publicações. No grupo Pais que perderam seus filhos, saudades para sempre, que é fechado, os participantes sentem-se seguros, pois podem publicar qualquer conteúdo referente à dor e ao luto sem medo de recriminações. Há dias em que, angustiado, você se sente no meio de uma torrente verbal. Se fosse cartunista, você poderia desenhar as frases caindo do céu, os humildes clichês de morte. A maioria é inofensiva. Todos têm boas intenções. “Oh! Que lástima”, dizem. (E estão absolutamente certos.) “O tempo cura todas as feridas.” (Bem, pode ser; mas, com certeza, vamos levar a vida inteira para descobrir isso.) Algumas palavras, porém, machucam. “Pelo menos você teve a ele ou a ela por um tempo.” (Você gostaria de responder que seu filho, não era um livro da biblioteca.) O pior de tudo, mas de tudo mesmo, é a máxima que mais ouvimos. O simples fato de escrevê-la aqui faz com que me encolha de medo: “Sei como se sente”. (Meu conselho nesse caso é sair andando, o mais rápido e educado possível. Como alguém pode acreditar que sabe como outro ser humano se sente?) Outra das que considero execráveis, reservado a pais e mães que perderam crianças pequenas, é: “Ora, o que é isso, você vai ter outra”. Meu marido e eu a ouvimos muitas vezes. E, apesar da repetição, nunca ficou mais fácil. (MEHREN, 1997, p. 21) Segundo uma das participantes do grupo, Jéssica Ribet de Oliveira Mendes, de 22 anos, o grupo é um local onde as pessoas podem falar abertamente, sem medo de serem punidas de alguma forma, ser tachada de louca, ou até mesmo serem chamadas de egoístas. Nesse ambiente pode-se falar até mesmo sobre aqueles sentimentos que não se tem coragem se falar com parentes e amigos, temendo-se a incompreensão. (MENDES, 2013) As pessoas julgam porque se baseiam em suas experiências e sentimentos. Um sentimento que falta muito é a compaixão, que é muito diferente de pena, significa piedade em relação ao sofrimento alheio, associado a vontade ou ao desejo de auxiliar de alguma forma. A compaixão muitas vezes leva à empatia. (COOPER, 2013) Para evitar o julgamento alheio, o ideal é se abrir apenas com pessoas que possam te entender. Nesse caso, o grupo é o ambiente propício, pois há indivíduos semelhantes e a vantagem de desabafar sem se expor fisicamente. O ambiente seguro propicia a troca de informação. Você pode colocar o nome de Rose sem ninguém saber quem é verdadeiramente a Rose. Ninguém vai te apontar na rua e falar da sua vida depois de desabafar no grupo online, ainda mais porque o grupo envolve pessoas de localidades diferentes. (COOPER, 2013) Em uma época em que as pessoas tendem a serem mais individualistas e em que a confiança anda em baixa, o grupo se torna um ambiente seguro através da confiança que os usuários sentem entre si. 75 A confiança foi condenada a uma vida cheia de frustração. Pessoas (sozinhas, individualmente ou em conjunto), empresas, partidos, comunidades, grandes causas ou padrões de vida investidos com a autoridade de guiar nossa existência freqüentemente deixam de compensar a devoção. De qualquer forma, é raro serem modelos de coerência e continuidade a longo prazo. Dificilmente há um único ponto de referência sobre o qual se possa concentrar a atenção de modo fidedigno e seguro, para que os desorientados possam ser eximidos do fatigante dever da vigilância constante e das incessantes retrações de passos dados ou pretendidos. Não de dispõe de pontos de orientação que pareçam ter uma expectativa de vida mais longa do que os próprios necessitados de orientação, por mais curtas que possam ser suas existências físicas. A experiência individual aponta obstinadamente para o eu como o eixo mais provável da duração e da continuidade procuradas com tanta avidez. (BAUMAN, 2004, p. 113) Os indivíduo necessita de um ambiente seguro quando passa por um evento traumático como o luto, onde seja possível a troca de ideias, informações e consolo. Dessa forma, as pessoas são atraídas para esse local, para um momento de introspecção social, expondo determinados sentimentos somente com seus semelhantes. O impulso na direção de uma "comunidade de semelhança" é um signo de recuo não apenas em relação à alteridade externa, mas também ao compromisso com a interação interna, ao mesmo tempo intensa e turbulenta, revigorante e embaraçosa. A atração de uma "comunidade da mesmidade" é a de segurança contra os riscos de que está repleta a vida cotidiana num mundo polifônico. Ela não reduz os riscos, muito menos os afasta. Como qualquer paliativo, promete apenas um abrigo em relação a alguns dos efeitos mais imediatos e temidos desses riscos. (BAUMAN, 2004, p. 134) Muitas vezes são trocadas informações que são tabu, que não se confessa a ninguém. Neste ambiente encontra-se o apoio efetivo, impossível de se encontrar em outro meio. Pra mim foi de extrema importância, pois no momento em que perdemos a coisa mais preciosa que temos na nossa vida, nos sentimos totalmente desorientadas, e por mais que as pessoas tentem nos consolar, tudo é em vão, pois as pessoas não passaram pelo mesmo que nós, então nada do que nos disserem fará sentido, enquanto que as mamães de anjos sabem exatamente o que estamos sentindo, falamos a mesma língua, não nos sentimos diferentes, temos o mesmo sentimento dentro do coração. Eu participo de outros grupos também, e dentro dos grupos eu me sentia totalmente á vontade pra desabafar, falava coisas que não falava nem pro meu marido. (RODRIGUES, 2013) O grupo assemelha-se a um campo de refugiados, onde as pessoas buscam asilo por não poderem voltar ao local de onde vieram. As pessoas não se sentem confortáveis em publicar desabafos em sua timeline, pois além de se tornarem alvo fácil de julgamento também abrem brecha para que os seus amigos no Facebook façam críticas e façam palpites em relação à sua forma de vivenciar o luto. 76 Quanto à sua nova localização “permanentemente temporária”, os refugiados “estão nela, mas não são dela”. Não pertencem verdadeiramente ao país em cujo território foram montadas suas cabanas ou tendas portáteis. São separados do restante dele por uma cortina de suspeitas e ressentimentos que é invisível, mas ao mesmo tempo espessa e impenetrável. Estão suspensos num vácuo espacial em que o tempo foi interrompido. (BAUMAN, 2004, p. 167) Assim, o grupo é um ambiente único e íntimo. Só se pode entrar com permissão, dessa forma os integrantes estão protegidos de ofensas e de pessoas com objetivo de zombar da dor alheia. Preocupada com a segurança do grupo a moderadora Twane inseriu Priscila como moderadora também. Na história do grupo houve apenas uma intromissão, que foi resolvida pela moderadora Priscila. A pessoa tinha um perfil falso e logo foi descoberta pelos outros integrantes. infelizmente tivemos um fake no grupo que nos fez até chorar com sua falsa situação, simulando uma perda de gêmeos e depois de um feto de 3 meses, seguido da sua própria morte. Algumas pessoas desconfiaram da situação e foram atrás para saber do que se tratava, e eu como moderadora me senti na obrigação de ir atrás também, descobrimos que era realmente uma pessoa que já não era a primeira vez que entrava em grupos de ajuda ás mães que havia perdido os seus filhos, e inventava história mirabolantes. (RODRIGUES, 2013) Nesses casos se faz necessário a presença de um moderador que esteja preocupado com o bem estar dos integrantes, afinal já estão fragilizados pelo luto. O moderador tem a função de gerenciar os conteúdos publicados, pode editar descrições e alterar as configurações do grupo, adicionar outros moderadores e remover membros do grupo em casos de abuso. Ele deve cultivar um bom relacionamento com os usuários, estar disponível, apagar/bloquear postagens de assuntos não pertinentes ao objetivo do grupo, apagar/editar propaganda não autorizada de outros sites ou grupos, evitar que os participantes se desrespeitem de qualquer forma e não deve editar ou apagar tópicos por interesse próprio. 5.6 DEPENDÊNCIA O desejo de sentir-se seguro, querido e cuidado pode ser um sentimento perigoso. O impulso de preocupar com os outros e o desejo de que os outros se preocupem conosco aumenta a probabilidade de dependência, que torna o usuário um refém da ferramenta, principalmente se a 77 pessoa não participa de outros grupos de apoio offline, faz terapia com um psicólogo ou tem apoio na religião. A imagem da comunidade é a de uma ilha de tranquilidade caseira e agradável num mar de turbulência e hostilidade. Ela tenta e seduz, levando os admiradores a impedir-se de examiná-la muito de perto, pois a eventualidade de comandar as ondas e domar os mares já foi retirada da agenda como uma proposição tanto suspeita quanto irrealista. Ser o único abrigo dá a essa visão da comunidade de um valor adicional, e esse valor continua a crescer à medida que a bolsa onde se negociam outros valores da vida se torna cada vez mais caprichosa e imprevisível. (BAUMAN, 2001, p. 208) Como o grupo não compete diretamente com os outros meios de apoio ao luto, a não ser com outros grupos com a mesma finalidade, esse ambiente passa a ser uma escolha segura, ou notoriamente menos arriscada. Assim ele se torna um ambiente que permite desabafos e que proporciona ao usuário a sensação de ser compreendido. A família, colegas de trabalho, a classe e os vizinhos são fluidos demais – no sentido de que não passaram pela mesma situação e não têm como mensurar a dimensão da dor – para que se torne uma referência confiável. ... a recusa a ser integrado – a determinação de situar-se fora do espaço, de construir um lugar próprio, diferente dos lugares abandonados e diferente do lugar em que se está. O exílio é uma definido não em relação a qualquer espaço físico particular ou às oposições entre vários espaços físicos, mas por uma posição autônoma assumida em relação ao espaço como tal. (BAUMAN, 2001, p. 238) A determinação em não se socializar com pessoas que não passaram por tal fatalidade, essa resistência que muitas vezes é penosa e agoniante, mas em determinado ponto de vista correta – devido ao poder de escolha – são algumas das características dos indivíduos que estão no grupo. Pode-se observar que todas essas características se referem a atitudes e estratégias de vida e a questões muito mais espirituais do que físicas. Procurar exemplos, conselho e orientação é um vício: quanto mais se procura, mais se precisa e mais se sofre quando privado de novas doses da droga procurada. Como meio de aplacar a sede, todos os vícios são auto-destrutivos; destroem a possibilidade de se chegar à satisfação. (...) Então é a continuação da corrida, a satisfatória consciência de permanecer na corrida, que se torna o verdadeiro vício – e não algum prêmio à espera dos poucos que cruzam a linha de chegada. (BAUMAN, 2001, pp. 85 - 86) Assim como uma droga é mais bem absorvida quando injetada diretamente na corrente sanguínea, o potencial da Internet para o abuso aumenta com a facilidade de acesso à rede. Por estar tão habituado à instantaneidade das interações através das plataformas de redes sociais e 78 suas ferramentas como o grupo e o bate papo, o indivíduo pode entrar em pânico quando tem a necessidade de desabafar e os demais participantes demoram a responder ou até mesmo quando está sem acesso à Internet ou seu dispositivo móvel está sem bateria. A interação em grupo pode se tornar um vício, os enlutados devem tomar cuidado para não se tornarem dependentes da ferramenta e não usá-la como muleta na elaboração do luto. Pais que perderam seus filhos não podem se fechar apenas no grupo, precisam ter uma vida social para não perderam a habilidade do contato social e continuarem a falar sobre outros assuntos. (COOPER, 2013) O indivíduo não pode apenas pensar e falar sobre o luto, perda e dor, pois além de afastar as outras pessoas de seu convívio também vai acabar perdendo o interesse nas outras coisas. Esse é um sinal de alerta para a dependência da ferramenta. A dependência se inicia efetivamente quando o usuário sente uma dificuldade em ficar longe de dispositivos que permitam o acesso à Internet, e dessa forma ao grupo online. É possível identificar entre os dependentes características como uma alta carga horária diária dedicadas à ferramenta, acompanhada de um rápido e crescente aumento do número de horas online. (COOPER, 2013) Essas características apontadas por Cooper estão ligados a um comprometimento no plano familiar e profissional devido uma preferência pela interação através da Internet. Também estão relacionados a uma incapacidade do indivíduo em controlar o número de horas que permanece online aliada a uma tendência a sentir-se triste, ansioso, depressivo e com um mal-estar quando não conectado à Internet. Esses sinais de dependência podem aparecer de forma sutil e muitas vezes confundido com a perda, por isso tanto o usuário como os familiares devem saber da existência do risco da dependência. Caso haja a necessidade da intervenção da família, eles podem colaborar indicando filmes que tratem desse tipo de dependência, assim como encaminhando mensagens sobre esse teor e contando histórias de outras pessoas, sem falar diretamente que é esse é o caso da pessoa, deixando que ela chegue à essa conclusão sozinha. O grupo de pais enlutados proporciona ao participante uma gratificação instantânea de suas necessidades mais básicas até as mais elaboradas (necessidade de relacionamentos interpessoais, reconhecimento social, etc). Ele funciona como reforço a determinadas necessidades não supridas pelo mundo real e permitem a expressão de certas características de personalidade, antes encobertas. (COOPER, 2013) 79 Pessoas que passam por um processo de luto necessitam meios de apoio ao luto como os grupos de apoio offline, grupos religiosos, e principalmente a psicoterapia. Assim, é necessário ressaltar que a questão das frustrações da vida real contribuírem para o desenvolvimento da dependência pela ferramenta deve ser avaliada por um profissional da área de psicologia. A psicoterapia deve ser realizada por psicólogos habilitados em perda e processo de luto. Nesse momento o usuário irá fazer uma análise de suas perdas, o que o levará ao autoconhecimento e ao entendimento, encontrando assim maneiras de lidar com cada tipo de perda que ocorre na sua vida. (COOPER, 2013) A elaboração do processo da perda acontece através do autoconhecimento, que é obtida através da terapia e pode ser otimizada pelos grupos de apoio ao luto, sejam eles online ou offline. 80 6. MEMORIAL NO FACEBOOK O número de perfis de pessoas falecidas em plataformas de redes sociais como Facebook é crescente. Com isso, as redes sociais acabam virando um “cemitério” no que diz respeito a esses perfis. Pessoas que não possuem uma maior intimidade com a ferramenta ou que ainda não aceitaram o luto acabam deixando os perfis de seus parentes que faleceram ativos. Exatamente em quê deixar um recado num perfil do Facebook/Orkut ou comentário no blog de uma pessoa que morreu é diferente de, por exemplo, deixar uma flor no seu túmulo? Não são ambas maneiras de as pessoas que conheceram a falecida de se lembrar dela, de prestar uma pequena homenagem, de trabalhar o luto, enfim? O que existe de intrinsecamente ruim, nocivo, etc, nesse hábito? (CASTRO, 2008 apud GURGEL, KOVÁCS, MOCHEL, NAKASU, & PORTUGAL, 2011) Esses perfis de pessoas falecidas são mantidos muitas vezes por interesses pessoais, pois pessoas que sentem saudades visitam o perfil e ofertam mensagens de carinho e de lembranças, e continuam tendo interações. Figura 23 - Perfil ativo de pessoa falecida no Facebook. Fonte não inserida para preservar as informações do usuário. 81 XXX XXX Iluminou a Terra e agora volta a iluminar o céu! Que sejamos capazes de continuar tudo que ela começou! Muito amor amiga! XXXX XX minha filha fique com deus. te amo XXX XXX saudades eterna! XXX XXX Que você brilhe no Céu assim como brilhou aqui na Terra!! XXX XXX Linda Lu!!! XX XX XXX eternamente querida! XX XX saudades.... XX XXX querida por todos para sempre!!! XXX XXX A mais linda! O maior amor do mundo (Facebook, 2012) Como demonstração de respeito, muitos amigos, familiares e conhecidos dos falecidos, continuam a postar em seus perfis. Um ato que denota respeito, mas que ao mesmo tempo mantém a pessoa viva, mesmo que em ambiente virtual. Mas e o que fazer com esses perfis? Deletá-los? O Facebook disponibilizou uma ferramenta denominada memorial. Após o falecimento do usuário, amigos e familiares devem notificar o Facebook, apresentando provas que de fato ocorreu o falecimento de algum membro. Desta forma, o Facebook não exibirá mais dados como status e contatos como o e-mail conforme imagem abaixo. 82 Figura 24 - Memorial Facebook. Fonte: http://mediamemoryandhistory.wordpress.com/what-is-a-facebook-memorial/ O perfil memorial tem como objetivo tornar a página um espaço para que os amigos retomem e compartilhem as lembranças vividas com o amigo que se foi. Logo que a página receba a classificação de perfil memorial ela passa a ter novas configurações e só a rede de contatos conseguirá encontrá-lo no sistema de busca. A criação do perfil memorial é uma opção criativa de homenagear quem usou a rede e deixar sua memória viva para os amigos. 83 6.1 SOLICITAÇÃO DE PERFIL MEMORIAL Segundo a Central de Ajuda do Facebook 14 , para proteger a privacidade da pessoa falecida, as informações de acesso da conta não são fornecidas. Os familiares próximos verificados também podem solicitar a remoção da conta de um ente querido. A plataforma protege a privacidade dos usuários do Facebook no sentido de não disponibilizar conteúdos das contas de pessoas falecidas. O Facebook leva em consideração apenas as solicitações referentes a conteúdo de contas de pessoas falecidas enviadas por representantes autorizados. O processo de obtenção de conteúdo de contas é demorado e requer uma ordem judicial. Vale ressaltar que enviar uma solicitação ou preencher a documentação necessária não garante que a plataforma será capaz de fornecer o conteúdo proveniente da conta de um usuário falecido. Para solicitar a alteração do perfil de um usuário para memorial basta acessar o Formulário Solicitação de Memorial15 e preencher os dados corretamente. Inicialmente solicita-se o nome completo da pessoa falecida, conforme listado na conta, o link do perfil da mesma e o endereço de e-mail listado na conta para que seja iniciada a investigação. Na sequência eles solicitam o relacionamento com a pessoa falecida. Perguntam se é um familiar direto como esposo, esposa, pai, mãe, irmão, irmã, filho ou filha; familiar como avós, tias, tios e primos ou não familiar como amigo, colega de trabalho ou colega de classe. Também pedem uma prova de morte, como um link para um obituário ou artigo de jornal. E, por fim, solicita-se o email de contato do requerente. Confira o formulário na Figura 25. 14 Central de Ajuda do Facebook referente à alteração do perfil para memorial disponível em <http://pt- br.facebook.com/help/www/359046244166395> Acesso em: 09 de agosto de 2013. 15 Formulário Solicitação de Memorial disponível em < https://pt- br.facebook.com/help/contact/305593649477238> Acesso em: 09 de agosto de 2013. 84 Figura 25 - Formulário para solicitação de alteração do perfil para memorial. Fonte: https://pt-br.facebook.com/help/contact/305593649477238. 85 6.2 NOVAS CONFIGURAÇÕES DO PERFIL ALTERADO PARA MEMORIAL Quando uma pessoa falece, o Facebook mantém a conta como memorial para proteger a privacidade do usuário. Uma das principais características de contas transformadas em memorial é que nenhuma pessoa poderá se conectar a uma conta transformada em memorial e novos amigos não poderão ser adicionados. Dependendo das configurações da conta da pessoa falecida, amigos poderão compartilhar recordações na linha do tempo da conta transformada em memorial. O conteúdo compartilhado pela pessoa falecida (ex.: fotos, publicações) permanecará no Facebook e ficará visível ao público com o qual o conteúdo foi compartilhado. Um recurso interessante é que qualquer pessoa poderá enviar mensagens privadas à conta da pessoa falecida, mas é necessários que você saiba o nome ou o link do usuário no Facebook, pois perfis transformados em memorial não aparecem no recurso Pessoas que você talvez conheça e em outras sugestões. Por fim, não é permitido criar uma linha do tempo em memória a uma pessoa já falecida. Para isso, é recomendado que se crie uma Página16 para realizar isso. 16 As Páginas do Facebook são semelhantes às linhas do tempo pessoais, mas oferecem ferramentas exclusivas para conectar as pessoas a um tópico pelo qual elas se interessam, como uma empresa, marca, organização ou celebridade. As Páginas são gerenciadas por administradores proprietários de linhas do tempo pessoais e não são separadas das contas do Facebook e não têm as informações de login separadas da sua linha do tempo 86 7. CONCLUSÃO A partir de uma metodologia que envolveu o interacionismo simbólico, que foi o que direcionou esta pesquisa, pode-se observar que o luto online e offline são manifestações distintas. O primeiro trata-se de uma derivação do offline, uma vivência complementar que multiplica as relações e interdependências entre os usuários do Facebook. A forma como vivemos e interagimos se altera com o passar do tempo. Nossos pais se comunicavam e desempenhavam suas atividades sociais de uma forma totalmente diferente da que existe hoje. Devido às possibilidades que as ferramentas de comunicação online nos oferecem, se comunicar e se relacionar com seus amigos ficou muito mais fácil. Podemos manter um contato frequente com um amigo que mora longe, podemos fazer amizades com pessoas que nem sequer conhecemos. A empatia é capaz de criar laços fortes e verdadeiros sem que as pessoas tenham se visto pessoalmente. Elas compartilham da mesma opinião e assim mantém uma amizade que ultrapassa os limites da distância. (COOPER, 2013) Com o luto não seria diferente. A manifestação do luto passou a ser vivida também no ambiente online, com novas caractarísticas. O principal motivo é a troca de informações e saber que não se está sozinho nessa luta. Através dos depoimentos e conselhos de outros indivíduos que estão passando pelo mesmo processo é possível encontrar outras formas de conviver com essa nova situação. Assim acontece também com outros grupos de pessoas que possuem empatia devido outros motivos. Existem grupos com foco na saúde, profissões, esportes, hobbies, entre outros tantos temas. Como todos estão em busca do mesmo objetivo essa troca geralmente é muito rica. Cada participante produz conhecimentos e informações aos outros de acordo com suas competências. Essas vivências quando compartilhadas resultam em uma fonte de aprendizado. No caso de grupos focados na saúde, por exemplo, é possível descobrir tratamentos alternativos, dicas para diminuir os sintomas de uma determinada doença, assim como indicações de profissionais e clínicas. Em grupos de profissões podem ser compartilhados cases de sucesso e de insucesso para melhorar a atuação, indicações de vagas, troca de informações sobre determinado setor de atuação, dicas para lidar com determinada ferramenta de trabalho, entre 87 outras publicações. Já para os pais enlutados é uma forma de aliviar a dor, desabafar, conhecer outros pais que passaram por situações muito semelhantes e elaborar o luto. Dessa forma, a importância do grupo online é notória, como no depoimento – que Elizabeth Mehren cita em seu livro – de Dolores Charboneau, psicóloga e também mãe que perdeu seu filho. Os grupos de apoio com indivíduos que sofreram perdas semelhantes são valiosos. Provavelmente uma das maiores ajudas no processo de cura é acreditar na vida após a morte e num reencontro com nossos seres amados. (MEHREN, 1997) Mesmo que na esfera offline existam outros tipos de apoio, como psicólogos, líderes religiosos, grupos de apoio, ou até mesmo um parente ou amigo disposto a ouvir; os pais e mães enlutados só encontram um apoio e um consolo real dentro do grupo. No grupo há mães e pais que passaram pela mesma dor, que procuram ajudar uns aos outros e, principalmente, têm noção da dimensão da dor que atordoa a rotina diária. Para os participantes desse grupo fica muito fácil colocar-se no lugar do outro. Essa empatia torna a ferramenta um método importante e efetivo na elaboração e convivência com o luto. Em meio ao atual auge da exibição da intimidade através dos meios eletrônicos, o grupo é um local seguro, onde os enlutados podem falar dos seus sentimentos e ser compreendido plenamente. Falar da perda de um filho é muito difícil, com pessoas que não passaram por essa situação fica mais difícil ainda. Não há palavras que descrevam a dor de perder um filho, mesmo que você tente explicar não há como expressar como é realmente. Não importa se a pessoa é da família, é um amigo, psicólogo ou um líder religioso, mesmo que ela tente se colocar no lugar ela não vivenciou a dor de um pai que perdeu seu filho. Para os homens é ainda mais difícil falar dessa dor, por sua natureza são mais fechados e foram criados para não demonstrar emoções e não chorar. Os homens são criados ouvindo seus pais dizendo que homem não chora. Não importa se ele está triste, se machucou ou está passando por alguma situação difícil. Desde muito pequenos foram aprendendo a dissimular seus sentimentos. (COOPER, 2013) Esse fato explica a questão do grupo ser composto por mais mulheres do que homens. Os números falam por si só. São 350 mulheres contra 8 homens. As mulheres têm a necessidade de 88 falar para entender o processo das coisas. Trocam informações com vizinhas, amigas, primas, tias, entre outras pessoas de seu convívio. É dessa forma que essas mães enlutadas conseguem elaborar o luto. Todas as publicações que ocorrem no grupo têm o objetivo de proporcionar algum tipo de alívio, conforto e tranquilidade aos pais enlutados. Funcionam como uma terapia alternativa de apoio ao luto, onde esses pais conseguem entender de uma forma mais ampla a questão da perda de um filho e desta forma elaborar o seu luto da melhor maneira que conseguir. Eles percebem que mesmo não fazendo parte da ordem natural da vida existem muitos pais que também perderam seus filhos e que esses são realmente os especialistas no assunto. Os desabafos proporcionam o alívio porque a pessoa pode extravasar sua dor, com a certeza de ser entendida e auxiliada. Quando o indivíduo coloca para fora toda sua dor, tristeza, revolta e até mesmo inconformismo ele já é capaz de se sentir mais leve. Quando há uma resposta a todos esses sentimentos ele percebe que não está sozinho nessa luta diária. A publicação de fotos, por sua vez, é importante para que esses pais reafirmem a existência do seu filho que faleceu. Os pais enlutados gostam quando falam dos seus filhos, entendem isso como um sinal de que as pessoas não se esqueceram dele, uma prova de que um dia ele conviveu com sua família e amigos e que foi amado por eles também. A publicação de fotos segue a mesma lógica das mães que não perderam seus filhos, a grande maioria mães têm orgulho de seus filhos e gostam de publicar fotos para mostrar momentos e acontecimentos felizes. Os pais que perdem seus filhos não sabem como agir, pois acabaram de perder sua identidade. Eles precisam reverter o processo da maternidade/paternidade. Casais que tinham apenas um filho precisam reaprender o que é ser apenas dois e conviver com todo o silêncio que agora habita o lar. Nesse sentido, as mensagens têm a função de consolar e guiar esses pais nessa jornada. A rede social online permite ainda uma facilidade e um imediatismo que outros meios de comunicação e de apoio não possuem. A qualquer momento do dia pode-se contar com apoio de um indivíduo que está passando pela mesma dor e que mesmo assim está disposto a ouvir (ler) e ajudar de alguma forma. Tudo isso sem constrangimentos que o contato face a face proporciona. Textos, músicas e relatos da própria experiência de vida entram como um bálsamo na vida desses pais. Quando um não está bem o outro ajuda e no dia que esse outro não está bem também 89 haverá um outro para confortar. É desta forma que o grupo funciona e age na vida dessas pessoas. Além de toda essa facilidade, o grupo conta com uma ótima relação custo/benefício. É uma forma barata e efetiva de se comunicar com outros pais enlutados. É possível desabafar sem ter que ir até um local físico. Pode-se publicar um desabafo de qualquer local que se esteja no ambiente offline – desde que se tenha algum dispositivo móvel com acesso à Internet e ao Facebook. Quando um conta, através de uma publicação no grupo, um pouco da sua história, automaticamente outras pessoas se identificam, se solidarizam e comentam a publicação. É uma grande e forte rede de apoio mútuo. O que é visível nas entrevistas realizadas. Essa troca faz os enlutados perceberem que isso é mais comum do que imaginam, mesmo que indo contra à ordem natural da vida, que só não é divulgado. Só quando a perda de um filho acontece é que vem à tona casos muito próximos, de familiares e amigos, antes desconhecidos. Compreender aquilo a que estamos fadados significa estarmos conscientes de que isso é diferente de nosso destino. E compreender aquilo a que estamos fadados a conhecer a rede complexa de causas que provocaram essa fatalidade e sua diferença daquele destino. Para operar no mundo (por contraste a ser “operado” por ele) é preciso entender como o mundo opera. (BAUMAN, 2001, p. 242) Ao ver que o luto ocorre com outros pais e trocar experiências de vida com eles faz com que os enlutados entendam o processo da vida e da morte de maneira mais ampla. Desta forma, conseguem seguir em frente, convivendo com a dor da perda e da saudade e vivendo os dias da melhor forma possível. Mas também existe um contraponto, pois alguns indivíduos acabam utilizando o grupo como a única fonte de terapia ao luto e correm o risco de se tornarem reféns da ferramenta, entrando em um ciclo de dependência. Quando um indivíduo passa a se tornar refém dessa ferramenta passa a perder interesse de se relacionar com outras pessoas que não estejam passando pelo mesmo processo. Ele se encasula e quanto mais tempo ficar assim, mais difícil fica voltar à relacionar-se com familiares, amigos e pessoas desconhecidas. (COOPER, 2013) Esses indivíduos passam por um momento de introspecção pós-traumática que propicia a determinação em não se socializar com pessoas que não vivenciaram a dor de perder um filho e 90 de ter apenas o luto como assunto. Se o enlutado não sair desse isolamento social ele perde gradualmente interesse em interagir com as pessoas que convivia antes do trauma e nas atividades que antes eram de seu interesse. Para que isso não ocorra é muito importante que a pessoa enlutada tenha outras formas de apoio ao luto como a religião, psicologia e até mesmo grupos offline. Elas darão o suporte para que esse indivíduo não se torne dependente da ferramenta. 91 8. ANEXOS ROTEIROS DAS ENTREVISTAS ROTEIRO ENTREVISTA – MODERADORAS 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) 2) CRIAÇÃO E GERENCIAMENTO DO GRUPO • Qual foi a sua motivação para a criação do grupo? • Quem são as pessoas envolvidas que dão suporte ao seu trabalho no grupo? • Como é dividido o gerenciamento do grupo? • Alguma vez você, como moderadora, teve que intervir nas publicações realizadas no grupo? Em que situação? 3) ELABORAÇÃO DO LUTO • Qual a importância do grupo? • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? 4) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? • Como você se sente ao ler as publicações dos usuários no grupo? • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) 92 ROTEIRO DA ENTREVISTA - PARTICIPANTES 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) 2) ENTRADA NO GRUPO • Como descobriu o grupo? • Como recebido no grupo? 3) ROTINA DE ATIVIDADES NO GRUPO • Com que frequência (aproximadamente) faz publicações no grupo? • Geralmente, o que te impulsiona a publicar? ( )desabafar ( ) não saber o que fazer com a dor que às vezes causa desespero ( ) proximidades de datas comemorativas ( ) vontade de dividir com outros pais textos e mensagens que te confortaram ( ) Outros. Quais: 4) ELABORAÇÃO DO LUTO • Qual a importância do grupo? • O que você procurava quando entrou no grupo? • O que você encontrou no grupo? • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? 5) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? 93 • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? • Como você se sente ao ler as publicações de outros usuários no grupo? • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) ENTREVISTAS MODERADORAS: ENTREVISTA TWANE 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) Twane Nathalia Vanzella Silva, 23 anos, auxiliar cabelereira. • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) Planejei minha gravidez demorou pra eu engravidar do Gabriel, mas quando veio a notícia que tinha dado positivo foi uma alegria. Esperamos com muito amor ele, quando ele veio ao mundo todos nos encantamos com o meninão lindo da família. No segundo dia de nascido a médica disse que ele iria fazer raio-x e ecocardiograma e constatou que ele tinha uma má formação no coração. A data de muita felicidade foi dia 10 de março de 2012, no nascimento do meu Gabriel e dia 13 a data triste, do falecimento, dói muitooo. 2) CRIAÇÃO E GERENCIAMENTO DO GRUPO • Qual foi a sua motivação para a criação do grupo? A minha motivação foi ouvir a dor também de outras mães, conversar com pessoas que sentiram a mesma dor que eu e podermos nos ajudar. • Quem são as pessoas envolvidas que dão suporte ao seu trabalho no grupo? Meu marido que hoje é meu ex marido, mas quem entra e administra sou eu agora. Como eu queria protejer mais o grupo e não sabia como pedi pra Priscila Rodrigues me ajudar. • Como é dividido o gerenciamento do grupo? Cuido do grupo com outros dois moderadores: a Priscila Rodrigues e meu ex-marido Rodrigo Parreira, que praticamente não publica nada porque se sente mal. 94 • Alguma vez você, como moderadora, teve que intervir nas publicações realizadas no grupo? Em que situação? Não 3) ELABORAÇÃO DO LUTO • Qual a importância do grupo? Ter contatos com mães de anjos, uma dando força pra outra. • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? Ultimamente procuro ajuda em igreja e alguém que entende do espiritismo quero entender o pq existe essas coisas tão doloridas. • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? O online abrange mais pessoas, assim podemos ajudar mais gente. O contato com outros pais complementa porque assim podemos ver conclusões passadas e resolvidas quase em momento real. Minha intenção não é apoiar ao luto, mas esclarecer fatos causados pelo mesmo e tentar amenizar a dor pela perda do ente querido, no caso filhos. Motivo esse que todos que participam do grupo terem passado pelo mesmo problema. 4) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? Pelo motivo de todos terem ter passado pelo mesmo problema e terem alguma experiência para compartilhar sobre o assunto. O facebook dá condiçoes de abranger um maior número de pessoas. • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? Parentes e amigos não entendem porque não passaram pela mesma dor, então a eles é fácil dizer: supera, já passou, mas aqui dentro vai ficar pra sempre. • Como você se sente ao ler as publicações dos usuários no grupo? 95 Gosto de responder todas publicações, ajudar e gosto quando alguém responde as minhas postagens também. • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) Sim tenho algumas em meu facebook converso com elas,quando da tempo gosto muito das novas amizades que fiz. ENTREVISTA PRISCILA 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) Meu nome é Priscila Rodrigues, tenho 31 anos, casada há 7 anos e sou Professora de Educação Fundamental na Prefeitura de Guarulhos SP • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) Desde que casamos em 2006 sempre sonhamos em ter um filho, mas como estava na faculdade decidimos esperar mais um pouco em 2011 aconteceu para nossa alegria. Logo soubemos que era um menino. Tudo transcorreu normalmente e então no dia 08.02.2012 veio ao mundo me Príncipe Guilherme, de parto cesárea pesando 3580kg e com 49.5cm. Uma criança saudável...Tivemos alta hospitalar e fomos pra casa, mas no dia seguinte notei que meu bebê estava estranho chorando muito e sem querer mamar, notei que o choro se dava enquanto fazia xixi. Parti então imediatamente para o hospital, onde foi examinado e detectado uma infecção de urina. Meu mundo desabou, pois a médica disse que teria que internar ele, já que era muito novo para tomar medicação VO e teria que tomar pela veia. Naquele momento “nos internamos”, sim, pois eu não saí um minuto sequer do lado dele. Tudo segui muito bem, meu bb tinha reagido bem ao tratamento, sem febres ou qualquer outro tipo de alteração, estávamos esperando apenas os dias do antibiótico para ir pra casa. Mas; no dia 15.02.2012, por volta de 9:40h ele estava nos meus braços, quando uma aux. De enfermagem veio administrar as medicações dele e de outra garotinha que estava no mesmo quarto, e de repente notei ele suadinho, além do normal, mostrei imediatamente pra moça, mas ele disse que era normal devido ao calor. Assim que ela saiu do quarto ele começou a chorar muito e nada o acalmava, então coloquei ele na cama pra verificar 96 se não estava de cocô e ao deitar ele na cama ele perdeu a cor. A mamãe que estava no quarto comigo tentou ligar imediatamente na enfermagem, mas não conseguiu, então eu coloquei ele no bercinho (não tinha como correr com ele, já que estava com soro na veia) e corri até as enfermeiras que vieram imediatamente e tb a pediatra. Levaram ele pra UTI e entubaram. Em seguida me disseram que ele havia broncoaspirado, e que havia leite no seu pulmão. Isso nunca entrou na minha cabeça, já que ele não estava mamando, já tinha arrotado e em nenhum momento engasgou. Em seguida ele teve uma parada cardíaca, eu fui até a UTI vê-lo, ele abriu os olhinhos e se despediu de mim. Logo ele teve mais quatro paradas e colocou suas asinhas e voou alto, indo morar com Papai do céu... Até hoje existem muitos questionamentos sobre o ocorrido e a própria polícia abriu uma investigação sobre o caso, eu e meu marido já fomos chamados para prestar esclarecimentos, e fomos informados que os médicos também seriam....A desconfiança, inclusive da minha GO é que ele tenha tomado algum remédio errado ou dose errada, causando assim um choque anafilático... 2) CRIAÇÃO E GERENCIAMENTO DO GRUPO • Qual foi a sua motivação para a criação do grupo? Assim que perdi meu filho, comecei a entrar em alguns sites e blogs e conheci algumas mamães que haviam passado pela mesma situação, uma delas a Twany Vanzella criou o grupo e me mandou o convite para ser moderadora. • Quem são as pessoas envolvidas que dão suporte ao seu trabalho no grupo? A própria Twany que criou o grupo e outras moderadoras. • Como é dividido o gerenciamento do grupo? É baseado mesmo na confiança, onde as moderadoras tem autonomia de aceitar pessoas no grupo sem precisar consultar a dona dele. • Alguma vez você, como moderadora, teve que intervir nas publicações realizadas no grupo? Em que situação? Não realmente intervir, mas infelizmente tivemos um fake no grupo que nos fez até chorar com sua falsa situação, simulando uma perda de gêmeos e depois de um feto de 3 meses, seguido da sua própria morte. Algumas pessoas desconfiaram da situação e foram atrás para saber do que se tratava, e eu como moderadora me senti na obrigação de ir atrás também, descobrimos que era 97 realmente uma pessoa que já não era a primeira vez que entrava em grupos de ajuda ás mães que havia perdido os seus filhos, e inventava história mirabolantes. 3) ELABORAÇÃO DO LUTO • Qual a importância do grupo? Pra mim foi de extrema importância, pois no momento em que perdemos a coisa mais preciosa que temos na nossa vida, nos sentimos totalmente desorientadas, e por mais que as pessoas tentem nos consolar, tudo é em vão, pois as pessoas não passaram pelo mesmo que nós, então nada do que nos disserem fará sentido, enquanto que as mamães de anjos sabem exatamente o que estamos sentindo, falamos a mesma língua, não nos sentimos diferentes, temos o mesmo sentimento dentro do coração. Eu participo de outros grupos também, e dentro dos grupos eu me sentia totalmente á vontade pra desabafar, falava coisas que não falava nem pro meu marido. • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? Eu acredito muito em Deus e sei que não cai uma folha de uma árvore se não for da vontade Dele... Então essa fé tem me ajudado bastante, mas não fiz nenhum tipo de terapia não, apenas pedia muita força pra Deus e entrava nos grupos de mães de anjos todos os dias, passava horas escrevendo, desabafando trocando experiências com outras mães. • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? Eu acredito que assim como cada pessoa reage de uma maneira diferente ao luto, cada uma também se identifica melhor com um tipo de terapia, etc, pra mim a maior vantagem é que você não precisa sair da sua casa, também não precisa falar de certas coisas olhando cara-a-cara, também é o meio mais barato. Eu particularmente não quis desde o primeiro instante tomar algum antidepressivo, ou fazer terapia. Pode parecer estranho, mas me sentia até envergonhada por ter perdido o meu filho, me sentia incapaz de ser mãe, via mulheres grávidas ou com crianças, e me perguntava o porquê elas tinham esse direito e eu não tinha mais. Também rejeitava a idéia de tentar novamente ser mãe. Eu fingia pras pessoas que estava tudo bem, não chorava na frente de ninguém. Então nos grupos eu tirava a minha “armadura” e conseguia expor toda a minha dor. 98 4) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? Hoje com a Internet ao nosso dispor as pessoas ficam mais próximas mesmo estando longe, o que facilita para que as pessoas que estão passando por esse processo tão doloroso se sinta mais amparada, mais acolhida. • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? A principal diferença é que com amigos e parentes eles estão realmente preocupados com você, mas não sabem exatamente o que você está passando e você tem medo de magoar ainda mais a pessoa. O que eles vão querer é que você abandone o luto o quanto antes e alguns vão dizer que já era tempo de você ter “superado”. Enquanto no grupo ninguém vai tentar acelerar o seu processo natural, lá todos sabem o que é ter uma ferida aberta dentro do peito, que irá sangrar muitas vezes, mesmo que já faça um, dez ou cinquenta anos. • Como você se sente ao ler as publicações dos usuários no grupo? Confesso que já chorei várias vezes ao ler o depoimento de alguma mãezinha nova que acabava de chegar, a cada uma que chega sinto que ganhei mais uma irmã na dor, mas fico contente em saber que de alguma maneira poderemos tentar ajudar essa mãezinha mesmo que ás vezes não conseguimos expressar os nossos sentimentos, nem sempre dá tempo de deixar uma palavra de consolo, mas ela se sentir é mais aliviada em saber que sempre terá um lugar para desabafar. • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) Sim, tenho duas em especial. Pessoas que nem entram mais nos grupos, mas que sempre nos falamos in box, e mesmo morando longe sempre falamos na possibilidade de nos encontrar. Pessoas que me ajudaram demais no momento mais difícil da minha vida, pessoas por quem tenho um carinho enorme mesmo, estão sempre nas minhas orações, pois acredito que são anjos que Deus colocou no meu caminho para que eu pudesse continuar a caminhar mesmo faltando um pedaço meu... ENTREVISTAS PARTICIPANTES 99 ENTREVISTA JESSICA 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) Jéssica Ribet de Oliveira Mendes, 22, Secretária • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) Bom essa é a pior parte, e sempre será, relatar o acontecido. O meu príncipe lindo, o Miguel, com 1 ano e 8 meses, a razão do meu viver, pegou uma bactéria viral, que atingiu o seu coraçãozinho, lutou bravamente, durante 5 dias em um uti, mais não resistiu, e foi embora pra longe de mim, levando com ele um pedaço do meu coração, da minha vida, da minha alma. E foi assim que o luto se instalou na minha vida, e é assim que ele vai permanecer, pois o luto em minha vida será eterno! 2) ENTRADA NO GRUPO • Como descobriu o grupo? Uma pessoa que conheceu minha história me colocou no grupo. • Como recebido no grupo? Fui bem recebida. 3) ROTINA DE ATIVIDADES NO GRUPO • Com que frequência (aproximadamente) faz publicações no grupo? Quase não publico, prefiro observar e ler os desabafos das mãezinhas. • Geralmente, o que te impulsiona a publicar? (x)desabafar ( ) não saber o que fazer com a dor que às vezes causa desespero ( ) proximidades de datas comemorativas ( ) vontade de dividir com outros pais textos e mensagens que te confortaram ( ) Outros. Quais: 4) ELABORAÇÃO DO LUTO 100 • Qual a importância do grupo? É que no grupo encontro pessoas com a mesma dor que eu sinto, e o mais importante elas não me julgam por tanto amor! • O que você procurava quando entrou no grupo? Pessoas que me entendessem, e conhecer relatos de outras mães! • O que você encontrou no grupo? Encontrei mães esperançosas, mães sofridas, mães guerreiras, mães fortes, outras mais fracas! Encontrei amor, compreensão, cumplicidade, união. • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? Eu optei pela religião, na verdade optei por Deus, Ele tem me ajudado muito! • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? O diferencial do grupo online, é justamente quando estamos desesperadas, entramos no grupo e desabafamos, e aparecem vários recadinhos de força, e isso faz com que realmente brote uma nova força pra caminhar mais um pouquinho. 5) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? Bom, o grupo é um meio de desabafar, um meio de falar tudo o que não conseguimos falar pessoalmente com uma pessoa, então, acaba que falamos tudo o que pensamos, e tbm vemos muitas mãezinhas desabafando, e a maioria das vezes, a mãe que perdeu o filho recentemente, acaba dando forças para outras mãezinhas, tirando força que não sabemos de onde vem, ou melhor eu sei de onde ela vem, a minha força é Deus!!! • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? Nossa, muito diferente, no grupo falamos abertamente, sem medo de sermos punidas de alguma forma, sem medo de ser chamada de louca, sem medo de ser chamada de egoísta, no grupo falamos tudo que está intalado que não temos coragem de falar com parentes e amigos que na maioria das vezes não iram nos entender. 101 • Como você se sente ao ler as publicações de outros usuários no grupo? Dependendo da publicação, me emociono, até choro mesmo, e as vezes eu vejo que existem pessoas passando por coisas muito piores do que eu, isso conforta um pouco. • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) Sim. Olha eu conheci uma mãe, Deus colocou ela no meu caminho, eu creio assim, pois essa mãe estava a ponto de suicídio, assim ela me contou, e eu tirei forças da onde não tinha para conversar com ela, pois ela tem uma filha e eu disse pra ela que tem que continuar pela que ficou, e conversamos por muitos dias, hoje ela diz que me ama e eu a amo tbm, acabamos nos identificando muito, e ela diz que agradece a Deus todos os dias por ter me encontrado, porque as pessoas a qual ela conversava, só julgava, falavam que ela estava louca, que ela precisava esquecer, há como esquecer?! E ela recebeu a força que Deus mandou para ela, está firme, seguindo, caminhando, com muita dor, mais está seguindo! Pois essa é nossa única alternativa. ENTREVISTA ELLEN 1) QUEM É VOCÊ? • Apresentação (Nome, idade, profissão) Me chamo Ellen Burgel de Souza Scaglioni, tenho 26 anos, sou casada e tenho 1 filha de 3 anos e meio, trabalho como secretária em uma empresa onde meu marido é sócio. • História (breve relato sobre como o luto entrou na sua vida) Com 22 anos fiquei grávida da minha primeira filha, onde minha vida mudou pra melhor, tive uma menina chamada Isabella no final de abril/2010 e 8 meses depois me descobri grávida denovo, mas desta vez de um menino, meu Davi. Surtei, quase enlouqueci, pensava ser o fim do mundo ter dois bebês em casa, e o medo de não dar “conta do recado” me apavorava mais ainda. Mas consegui, e foram 7 meses e meio de muito amor, carinho, chupetas, mamadeiras, viagens e aprendizado. Meus filhos eram benção em minha vida, e eu era a pessoa mais feliz do mundo! Até que meu filho ficou doente exatamente 10 dias antes da festa de aniversário da nossa menina, e sai com ele às pressas daqui da minha cidade Três Lagoas-Ms para São Jose do Rio Preto-SP atrás de uma UTI Infantil, pois aqui onde moro não existem médicos competentes e hospitais com infraestrutura boa. Sobrevivi a 5 dias longe de casa, longe da minha filha, dentro 102 de um hospital com meu pequeno, que se recuperou no mesmo dia em que cheguei por lá. Por erro médico, por incompetência por negligencia médica, me mandaram para um hospital particular, alegando que meu plano de saúde cobriria o que quer que fosse preciso fazer, sendo que ele só precisava de um raio x e um injeção para tirá-lo da crise de bronquite. Enfim, todo o procedimento necessário foi feito, mas precisei ficar por lá mais 4 dias até que ele estivesse fortinho mais um pouco para retornarmos para casa, recebi apoio, atenção e carinho dos médicos, enfermeiros, e colegas da ala infantil do hospital. Fiz amizades, chorei, desabafei, orei por todos aqueles que estavam lá, e pela saúde do meu filho que já estava bem. Desde então aprendi a conviver com o medo, com a angústia, sentia medo de perdê-lo, tinha medo de água gelada, do espirro, da friagem, de tudo que pudesse fazer minhas crianças ficarem gripadas e eu ter de passar por toda aquela situação novamente. Voltamos para casa no dia do aniversário da nossa menina, 30 de abril. Ele (Davi) era só sorrisos por ter a irmã ao lado, e isso apertava meu coração, me doía, pois ela também chegou a ficar “doentinha” por ficar longe de mim e do irmão por longos 5 dias. Voltei pra casa, na raça e na coragem, voltei com meu filho bem de saúde, e pro lado da minha família, que tanto me ajudou cuidando da minha filha enquanto precisei ficar por lá. No dia 5 de maio de 2012, comemoramos a festa da nossa filha, e Davi não saiu em nenhuma foto da festa, pois dormiu o tempo todo, a atenção ficou voltada somente pra nossa menina. Na semana seguinte, nos programamos para o dia das Mães, o meu primeiro e último ao lado do meu pequeno; festa na escola da irmã e viagem a casa da minha sogra em Ribeirão Preto. Sempre íamos e voltávamos na correria, mas desta vez foi diferente, comprei cadeiras novas para as crianças, pois ele já não cabia mais no bebê conforto e a minha filha já não cabia mais na cadeirinha dela, não vimos o tempo passar e retornamos pra casa no fim da noite de domingo. Na segunda-feira, acordei com um telefonema da minha comadre (madrinha do meu filho) que estava vindo do Maranhão, e que chegaria de viagem no outro dia, porém em outra cidade devido ao aeroporto, e combinamos que nós a buscaríamos, pra até então passearmos mais um pouco. Convidei uma amiga pra ir junto comigo e com as crianças, mas no fim da noite da segundafeira, meu marido do nada disse que ele iria junto, pois a estrada era perigosa para ir só mulher no carro e com crianças pequenas. Saímos da minha cidade as 6 da manhã com nossos filhos, uma viagem tranquila de quase 4 horas, chegamos na capital, pegamos minha comadre e pegamos estrada de volta pra casa, insisti para passearmos, mas meu marido disse que tinha trabalho na parte da tarde e que não poderia faltar no serviço. Em meio ao cansaço e alguns 103 cochilos, no meio do caminho, depois de lancharmos pedi ao meu marido que me deixasse dirigir, pois ele estava cochilando no volante e todos no carro dormiam, e em menos de 5 minutos ele já havia pegado no sono forte. Dirigi por pouco tempo, e este foi o pior da minha vida, ao tentar ultrapassar um caminhão, fui fechada e “cai” pro acostamento da estrada, perdendo totalmente o controle do veículo, e ao tentar retornar na pista, ia de encontro ao caminhão que iria ultrapassar, foi quando meu marido acordou assustado e puxou o volante para não batermos, sendo assim capotamos, por varias vezes, meu filho e minha comadre foram arremessados para fora do veículo, e eu, marido e filha permacemos dentro do carro. Depois disso, só me recordo de uma mulher parar na estrada e me dar carona pra levar pro hospital, com meu filho e minha filha nos braços, eu não sentia nada, toda machucada, eu nem sabia onde estava e muito menos o que estava fazendo ali, só me caiu a ficha quando cheguei no hospital e encontrei familiares no desespero. Entrei com meu menino nos braços, implorando ajuda, e ele ainda respirava, vi todo o procedimento de reanimação do meu pequeno, e derrepente o paramédico olha pra mim e diz, ele não resistiu. MORRI ali, naquele exato momento,o mundo caiu, desabou, ficou escuro, perdi aquele que eu amava mais que a mim mesma, perdi a metade do meu coração, eu simplesmente morri, metade de mim não existe mais. Já se foram longos e dolorosos 15 meses, e eu ainda to aqui, sem entender porque, porque ele, porque não eu, porque tinha que ser assim, porque Deus o levou, tantos porquês que eu sei que nunca terão resposta. Sobrevivo por Isabella, minha filha que não teve sequer um arranhão no acidente, luto por ela, mas há dias que a tristeza e saudade me invadem e não há nada mais que eu possa fazer a não ser chorar. Sobrevivo hoje na esperança do reencontro, na esperança de um sonho com ele, sobrevivo porque Deus ainda não me levou, e porque ainda tenho Ela pra cuidar. Enquanto eu respirar, pra sempre eu vou Amar, e enquanto isso aprendo a conviver com o pior sentimento que pode existir nesse mundo: A DOR DA PERDA DE UM FILHO. 2) ENTRADA NO GRUPO • Como descobriu o grupo? Pesquisando na Internet. • Como foi recebida no grupo? Fui muito bem recebida com mensagens de carinho e apoio. 104 3) ROTINA DE ATIVIDADES NO GRUPO • Com que frequência (aproximadamente) faz publicações no grupo? Às vezes uma vez no mês, quando a saudade realmente aperta e eu desabafo • Geralmente, o que te impulsiona a publicar? (x)desabafar ( ) não saber o que fazer com a dor que às vezes causa desespero ( ) proximidades de datas comemorativas ( ) vontade de dividir com outros pais textos e mensagens que te confortaram ( ) Outros. Quais: 4) ELABORAÇÃO DO LUTO • Qual a importância do grupo? Pra mim me ajuda pelo fato, de que não sou a única pessoa que sofre desse mal, dessa dor. Saber que tem pessoas que podem me ouvir, sem me julgar, e me dar uma palavra de consolo, porque ela também sente o que eu sinto. • O que você procurava quando entrou no grupo? Tentar entender o por que de ter acontecido isso comigo, se realmente era só comigo, • O que você encontrou no grupo? Encontrei palavra amiga, carinho e compaixão para com o próximo, respeito. • Você também utiliza outras formas de apoio ao luto, como terapia com psicólogos, religião, leituras, grupo de pais enlutados na sua cidade, etc.? Quais? Fiz terapia com psicólogo, mas parei. Acredito em Deus e vou onde achar que preciso ir, seja na igreja católica, na evangélica ou no espiritismo. Todos esses meios, inclusive o grupo, tem me ajudado de uma forma ou de outra, e também tenho praticado musicoterapia. • Qual o diferencial do grupo online em relação a esses outros meios? No que ele se destaca, quais vantagens, como ele complementa essas outras ferramentas de apoio ao luto? Antes no psicólogo, comentei que eu fazia parte do grupo de pais que perderam os filhos, mas dai então, ela a psicóloga começou a me tratar como uma pessoa débil mental, ia pra la e voltava um lixo, pra mim não foi bom, eu sei o que sinto, ela a profissional entende o que ela leu e estudou, e não o que eu to passando, ali em carne e osso. No grupo, vejo as postagens e me 105 identifico, imagino a dor daquela mãe, daquele parente como a minha dor, como a minha situação, como o meu desespero. Eu sei o que eles sentem, porque passaram e passam pelos mesmos momentos que eu. 5) LUTO NO AMBIENTE ONLINE • Para você, como as plataformas como o Facebook, juntamente com as ferramentas como Grupo, modificaram a vivência do luto? Me distraem, me libertam da solidão, da tristeza. • Quais diferenças entre o desabafo no grupo e fora dele (pessoalmente com amigos e parentes)? O desabafo é o mesmo, o que muda é a forma das pessoas te julgarem, não que eu seja uma coitada, mas as pessoas te veem assim, te julgam assim, elas falam e criticam demais. • Como você se sente ao ler as publicações de outros usuários no grupo? Leio as postagens com o coração, e volta e meia já me pego chorando, pelo acontecido com aquela pessoa, pela dor dela. Porque a saudade dói e sufoca e se nós não reagirmos afundaremos num mar de angústias que temo não ter mais volta. • Você fez amizades no grupo que se estenderam para fora dele? Como é essa relação de amizade? (Adicionou a pessoa como amigo no Facebook e mantém uma amizade fora do grupo) Fiz amizades, porém nenhuma das pessoas mora perto ou próximo de mim. Cheguei a conhecer uma pessoa na minha cidade, mas não tenho tanto contato, quanto as pessoas do grupo ao fazer algum desabafo. 106 9. REFERÊNCIAS AMARAL, A., NATAL, G., & VIANA, L. (2008). Etnografia como aporte metodológico da pesquisa em comunicação digital. 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