COMPREENSÃO DO VALOR POSICIONAL DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO
DECIMAL: SIGNIFICANTES E SIGNIFICADO
Célia Finck Brandt
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Idemar Vizolli
Universidade do Vale do Itajaí
RESUMO
O presente estudo compreendeu a replicação de uma prova proposta por KAMII
(1992) e foi aplicada a uma criança do 2o ciclo do ensino fundamental e a um adulto
em fase de alfabetização. Buscamos investigar a compreensão do valor posicional
presente na estrutura do Sistema de Numeração Decimal, a partir da atribuição de
significação aos dígitos da representação de quantidades, com a utilização do
numeral arábico. Tomamos por referência a teoria de representações de Vergnaud
(1993), para analisar as respostas dadas pelos sujeitos às diferentes tarefas que
compõem a prova e o método clínico-crítico, para conduzir e fazer a análise
interpretativa dos desempenhos e condutas dos sujeitos. Utilizamos categorizações
já levantadas por outros pesquisadores para situar os perfis de condutas
identificados e avaliar a compreensão do valor posicional que os sujeitos possuem.
Apresentamos alguns dados empíricos e analisamos as representações simbólicas
que são carregadas de sentidos atribuídos pelo sujeito em sua relação com as
situações e os significantes. Buscamos nos dados empíricos, os esquemas
evocados pelos sujeitos que permitiram a identificação do sentido atribuído à
situação e aos significantes. Estes esquemas foram revelados em suas condutas,
suas formas de se organizar e em suas formas de atribuir significados aos símbolos.
Os resultados encontrados basearam-se na análise das diversas representações
utilizadas pelos sujeitos ao contar, desenhar, escrever o numeral representativo da
quantidade e na atribuição de significados aos dígitos da representação. Os
resultados nos permitiram afirmar que em relação à quantificação e sua
representação, existem diversos aspectos a serem considerados: relativos à
contagem; à inclusão; e as relações entre significantes e significados.
PALAVRAS CHAVE: valor posicional, sistema de numeração, significantes e
significados.
2
1. Introdução
Investigar a construção do conceito do sistema de numeração decimal (SND)
em crianças e adultos em fase de alfabetização, possibilita-nos identificar aspectos
relevantes à aprendizagem da estrutura, da contagem e da quantificação de
quantidades contínuas ou discretas. Nesse estudo replicamos uma prova proposta
por Kamii (1992), prova esta que foi aplicada por ROSS (1986, apud KAMII, 1992) a
crianças americanas, por SILVERN (1988, apud KAMII, 1992) a crianças do leste do
Alabama e por Teixeira (1996) a crianças de 6-7 anos de curso preparatório da
região parisiense. Os valores apresentados nas provas foram: 16; 54 e 25. A nossa
prova compreenderá além destes valores outros, que serão justificados frente às
categorias que estabelecemos.
Para investigar a compreensão do valor posicional de crianças que
freqüentam as séries iniciais do ensino fundamental e de
adultos em fase de
alfabetização, analisamos as notações (escrita e desenho) feitas para a
representação de quantidades.
2. PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
A prova previamente selecionada e organizada, foi aplicada aos dois sujeitos,
em entrevista clínico-crítica, para conduzir as provas e proceder a análise
interpretativa dos desempenhos e condutas dos sujeitos. Face à limitação deste
trabalho, não descrevermos o método clínico-crítico proposto por Piaget, no entanto
sugere-se a leitura das obras de Delval (2002), Carraher (1994). A leitura de
algumas obras de Piaget permite identificar a caracterização do método e as
reformulações que o mesmo sofreu no desenvolvimento das diversas pesquisas por
ele desenvolvidas.
O processo de análise não trata da comparação de resultados entre os
sujeitos, mas da natureza de suas respostas em termos de categorias ou formas de
compreensão. Para tanto, tomamos como referência categorias já encontradas por
outros pesquisadores, como
KAMII (1992) e TEIXERA (1996). As categorias
elencadas foram adaptadas para fazer a análise interpretativa dos dados desta
investigação.
3
2.1 - Procedimentos de coleta de dados: provas para investigação da
compreensão do valor posicional
A seguir apresentamos a prova que consiste na atribuição de significados aos
dígitos de um numeral representativo de quantidades, com suas diversas tarefas e
as categorias para análise dos dados concernentes: à compreensão do valor
posicional presente na estrutura do SND; à compreensão das notações numéricas; à
forma de representação de quantidades, pelos sujeitos da pesquisa, com seus
registros escritos e desenhos.
Tarefa 1
-
Apresentou-se quinze fichas para os sujeitos e pediu-se para que contassem
as fichas, anotando as estratégias utilizadas e escrevessem o numeral
representativo da quantidade. A seguir pediu-se que eles circulassem o
número de fichas correspondentes ao dígito 1 e ao dígito 5 da representação.
Tarefa 2
-
Entregou-se aos sujeitos cartões nos quais estavam escritos os numerais 24
e 36
e pediu-se para que eles separassem
conjuntos de fichas que
equivalessem à quantidade dos numerais. A seguir solicitou-se para que
circulassem a quantidade de fichas que correspondiam ao 2 do 24 e ao 3 do
36.
Tarefa 3
-
Solicitou-se aos sujeitos para que contassem as figuras dos desenhos a
seguir, e escrevessem o numeral que correspondia à quantidade contada,
destacando nos desenhos, a quantidade de figuras que correspondiam a
cada dígito do numeral.
a)
b)
4
c)
2.2 Categorias para análise
O conjunto de dados relativos às respostas, procedimentos e argumentos
apresentados pelos sujeitos às
tarefas
da prova, foi analisado segundo as
categorias estabelecidas a seguir. Tais categorias foram utilizadas para todos os
numerais apresentados na prova (12,15, 24, 36, 28 e 84).
1. O numeral como um todo representa toda a quantidade, porém, cada dígito tem
um significado de acordo com os agrupamentos de dezenas ou unidades, sendo
que o sujeito tem uma visão parcial sobre como isto funciona, isto é o valor
posicional atribuído a cada dígito isoladamente é incompleto ou inconsistente.
Exemplos:
a. O sujeito não se incomoda em atribuir significado para as fichas que
sobram e não foram circuladas.
b. O sujeito procura atribuir significado às fichas que sobraram e não
foram circuladas.
c. Ambos os dígitos significam unidades. Exemplo: o sujeito circula uma
ficha para o 1 do quinze e cinco fichas para o 5 do quinze;
d. Ambos os dígitos representam unidades e os objetos são contados
duas vezes. Exemplo: o sujeito circula o 1 para o 1 do quinze e volta a
incluí-lo para a contagem dos 5 do quinze.
2. Os dígitos da representação representam centenas, dezenas e unidades de
acordo com a posição do dígito na representação. O sujeito identifica no signo
numérico os referenciais do código numérico (base, reagrupamentos e
quantidade referida pelos algarismos).
3. - RESULTADOS: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
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Os diálogos travados com R(9;3) E S(48;1) revelam suas condutas na tarefa 1
da prova ao contar e representar a quantidade 15 e as fichas circuladas
representativas dos dígitos da representação escrita.
Condutas de R(9;3)
E – Vou te dar umas fichinhas para
você contar pra mim. Conta pra mim,
por favor?
R – (Conta um a um) Uma, duas ...
quinze. Tem quinze.
E – Tem quinze. Escreva pra mim
esse 15, no papel.
R – Escreve o número 15.
E – Você desenha elas no papel, por
favor?
R – Desenha as quinze fichinhas.
E – Agora esse quinze que você
escreveu aqui, eu vou fazer um
risquinho em volta dessa parte
(circula o 1 do 15). Você é capaz de
dizer quantos fichinhas dessas que
você desenhou representam esse
número que eu circulei?
R – Uma.
E – Então circule no desenho pra
mim.
R – (Circulou uma fichinha do
desenho).
E – Agora eu vou circular essa outra
parte do nº 15 (circula o 5). Eu quero
que circule o nº de fichinhas dessas
que você desenhou. Você sabe o que
significa essa parte?
R – Sei. Cinco.
E – Então circule pra mim.
R – (circula 5 fichinhas).
E – Essas que sobraram não tem
nada a ver com esse nº aqui?
(Apontando para o 15).
R – Não.
E - Por quê?
R – Porque já acabou esse valor. Já
gastou todas.
Condutas de S(48;1)
E – Seu S. temos algumas fichinhas e
eu gostaria que o senhor as
contasse.
S – Conta as fichinhas uma a uma
(um, dois, ..., quinze).
E – Eu gostaria que o senhor
escrevesse esse número no papel.
S – (Escreve o número 15).
E – O senhor desenharia essa
quantidade de fichinhas?
S – Desenhar as bolinhas?
E – Sim.
S – Pode ser meio quadradinhas?
(Desenha as quinze fichinhas e
confere contando-as uma a uma)
E – Pode! Isso não é problema!
Agora eu gostaria que o senhor
destacasse,
aqui
no
desenho
(indicando o desenho das fichinhas),
essa parte do quinze (circula o 1).
S – (Destaca a primeira ficha).
E – Eu gostaria que o senhor
destacasse a segunda parte do
quinze (circula o 5).
S – (Destaca cinco fichas, contando
com a que já havia destacado).
E – Qual era o número que a gente
tinha aqui (indicando para o número
quinze).
S – Quinze.
E – O que significa este “um” do
quinze? (apontando para o 1 do 15).
S – Que um sozinho faz “um”, mais o
5 faz 15.
E - Quando o senhor destacou, aqui
no desenho das fichinhas, o senhor
destacou
uma
fichinha
correspondente ao “um” do 15.
Depois o senhor destacou 5 fichinhas
correspondendo ao 5 do 15. Porque
que sobraram estas outras fichinhas,
aqui no desenho?
S – Essas sobraram porque não fez
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parte de nenhum dos números.
E – E se eu lhe disser que essas
fichinhas que sobraram fazem parte
do número quinze. O que o senhor
me diz?
S – Que pode sobrar.
E – Como que o senhor acha que
pode?
S – Pode porque se contar mais 15 dá
30.
A conduta de R(9;3) revela a utilização da contagem para avaliação da
quantidade e o respeito aos princípios lógicos da contagem, demonstrando que o
seu desempenho se caracteriza por uma competência que o leva a quantificar
corretamente. Podendo falar sobre o que fez, o sujeito consegue expressar como ele
percebe a forma de quantificar uma coleção de objetos. Ao ter que lançar mão de
um registro desta quantificação ele utiliza em primeiro lugar a notação arábica
escrita que corresponde à sua formulação verbal. Quando da solicitação do
desenho, o sujeito lança mão da correspondência biunívoca que também esta na
base da quantificação. Isto pôde se observado em cada pontinho colocado dentro
das fichinhas desenhadas. Esta análise ideográfica é que permite identificar as
condutas específicas utilizadas para o registro: notação escrita, desenho e
formulação verbal. Neste procedimento identifica-se na atividade de contagem a
associação de cada palavra utilizada na formulação verbal a um objeto da coleção,
numa correspondência um para um. Porém, para destacar a quantidade de fichas
correspondentes aos dígitos da representação percebemos, na conduta do sujeito,
que suas hipóteses não estão de acordo com as convenções e com as regras do
sistema de numeração. Neste confronto cognitivo que lança em jogo o aspecto
operativo, saindo do figurativo, que é transitório e estático, a criança passa a lidar
com transformações entre estados e tem que lançar mão de invenções que são de
natureza empírica: um objeto corresponde a uma ficha do conjunto de fichas
desenhadas ou dispostas em sua frente. Seu conhecimento prévio do número,
advindo de uma transmissão social, foi integrado e transformado para a formulação
da hipótese. Em todos os momentos a criança lançou mão deste conhecimento
social para quantificar, escrever números e realizar operações aritméticas de adição,
subtração, multiplicação e divisão. Nunca teve que refletir ou pensar sobre os dígitos
7
da notação escrita e sobre sua significação. Podemos analisar o erro levando em
consideração as características morfossintáticas..
Esta criança não apresenta um erro sintático, em se tratando de notação
arábica escrita, pois não escreve 105 para representar o 15 e nem um erro léxico
escrevendo 51 ao invés de 15.
Porém, ao circular somente um objeto como
representativo do 1 do 15, ela revela a sua incapacidade de processar relações
entre os dígitos da representação e a quantidade de fichas correspondentes. Mas
este erro só pode ser detectado a partir do momento em que o sujeito for solicitado a
identificar a quantidade de objetos correspondentes a cada dígito da representação.
Foi esta tarefa específica da prova que nos permitiu identificar este tipo de erro.
A representação semântica da notação arábica escrita não está explicitada na
formulação verbal 15, isto é, não está explicitado que 15 é (1 x 10) + 5. Para esta
trans-codificação seria necessário que neste primeiro nível a criança estivesse
compreendendo o conhecimento de que este 1 vale 1 x 10. A criança fragmentou a
notação escrita estabelecendo um sentido para ela, não levando em conta as regras
do sistema de numeração. Ela justapõe ou compacta os dígitos da representação
sem levar em conta estas regras. Segundo Sinclair et al (1990), as atividades de ler,
escrever e manipular números escritos, não repousam sobre a estrutura
multiplicativa do sistema de numeração. Quando a criança tem que explicitar o
significado atribuído a cada dígito da representação, e verbalizar sobre isto, é
possível investigar quais hipóteses, princípios ou regras, ela construiu para dar
sentido a este tipo de registro particular.
Na conduta desta criança pôde-se identificar tipos de notação diferentes aos
quais ela lançou mão para representar as quantidades:
a formulação verbal, a
notação arábica escrita (um só número representando a coleção) e o desenho. As
diversas notações utilizadas pela criança compreendem aspectos do sistema
numérico, tal como identificado por Sinclair et al (1990). Concordamos com esses
autores que o conhecimento dos algarismos não é suficiente para a utilização de
grafias de maneira apropriada. A utilização de uma única grafia revela a presença da
pluralidade de objetos idênticos, a cardinalidade e a ordinalidade da coleção, já
estabelecidas pela criança. Ainda existe, porém, uma centração na posição do
dígito, visto que cada dígito ainda corresponde a um objeto da coleção. Não há a
compreensão da composição multiplicativa e, por esta razão, ela circula 1 ficha para
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o 1 do 15 e 5 fichas para o 5 do 15. Esta centração não permite que a criança
atribua significado ás fichas que sobram na representação por desenho.
Para as demais quantidades apresentadas a partir de um numeral escrito num
cartão as mesmas condutas são identificadas.
Vergnaud (1989; 1990; 1993), nos coloca que na conceitualização do real há
um homomorfismo entre os significantes e os significados e que esta relação, nas
situações, não é imediatamente nítida porque os constituintes da língua natural ou
algébrica são somente identificados pela sua significação. No sistema escrito
existem propriedades que representam o significado, no caso, as regras do sistema
de notação arábica escrita são as propriedades que representam a quantificação (o
significado). Estas regras compreendem as composições aditivas e multiplicativas.
As propriedades não são as mesmas para a formulação verbal (princípios lógicos de
contagem) e que também se relacionam com o significado (a quantificação). Nem
para a representação, por desenhos, que coloca em jogo a correspondência
biunívoca. No sistema de notação arábica escrita são necessárias operações de
pensamento diferentes das necessárias para a formulação verbal e para as
representações por desenhos, de modo que possam receber as significações
veiculadas pelas formas simbólicas.
Segundo o autor, são os significantes e os significados que dão sentido aos
conceitos matemáticos, mas o sentido não está nem nas situações, nem nas
palavras e nem nos símbolos matemáticos. As representações simbólicas são
carregadas de sentidos atribuídos pelo sujeito em sua relação com as situações e os
significantes. São os esquemas evocados, pela criança, por esta situação e pelos
significantes, que permitem a identificação do sentido atribuído à situação e aos
significantes. Estes esquemas são revelados nas suas condutas, nas suas formas
de se organizar e nas suas formas de atribuir significados aos símbolos.
Encontramos como resultados, após a análise das condutas desta criança,
frente às categorias elencadas, que para R(9;3): na representação escrita, os
numerais conjuntamente representam a quantidade total de fichas; o numeral como
um todo representa toda a quantidade, porém, cada dígito tem um significado de
acordo com agrupamentos de dezenas ou unidades, sendo que a criança tem uma
visão parcial de como isto funciona e neste caso, a criança não se incomoda em
atribuir significado para as fichas que sobram; ambos os dígitos da representação
significam unidades uma vez que a criança circula 1 para o 1 do 15 e 5 para o cinco
9
do 15, 2 para o 2 do 25 e 5 para o 5 do 25, 2 para 2 do 24 e 4 para o 4 do 24, 3
para o 3 do 36 e 6 para o 6 do 36, 1 para 1 do 12 e 2 para 2 do 12, 3 para 3 do 30, 8
para 8 do 84 e 4 para 4 do 84; a criança não interpreta a decodificação dos
algarismos de um numeral em relação às operações de soma e produto (15 = 10 +
5; 25 = 2 x 10 + 5; 24 = 2 x 10 + 4; 36 = 3 x 10 + 6; 30 = 3 x 10; 12 = 1 x 10 + 2;
84 = 8 x 10 + 4); a criança atribui hipóteses para a trans-codificação oral-escrito em
relação à mudança de unidades e não aos agrupamentos de agrupamentos e aos
rótulos verbais; a criança atribui significações diferentes na manipulação de
diferentes registros de representação de quantidades.
S(48;1) efetua
a notação arábica escrita do número 15 e o desenho
representativo da quantidade de fichas. De acordo com Sinclair et al (1990), o sujeito
usa tipos de notações não excludentes e complementares: um numeral de dois
dígitos para representar toda a coleção (em termos de notação arábica escrita);
grafismos abstratos cuja grafia não tem relação com a forma e a notação (representa
a coleção inteira enquanto coleção e estas grafias estão sempre alinhadas). A
notação gráfica já representa a pluralidade de objetos idênticos, a correspondência
termo a termo, a cardinalidade e a ordinalidade da coleção.
Para fazer a notação numérica da quantidade de fichas, escreve os dígitos da
esquerda para a direita, isto é, escreve primeiro o 1 seguido do 5 (15), ao mesmo
tempo em que pronuncia “quinze”. Ao representar, através de desenho, as 15
fichinhas pergunta se as bolinhas podem ser meio quadradinhas. Isso revela que o
sujeito reconhece a forma das fichinhas ao mesmo tempo em que faz uma abstração
referente à forma de representar cada um dos elementos da coleção (pluralidade). A
pergunta relativa à forma do desenho certamente é motivada por uma dificuldade
motora de representar um círculo, embora se esforce para que o desenho
assemelhe-se à forma do elemento físico apresentado.
Se faz mister registrar que só os desenhos representativos das quantidades,
embora nos permita a visualização, não contempla a totalidade da compreensão que
o sujeito possui do sistema de numeração decimal. Para efetuar o desenho da
quantidade correspondente ao número 15, o sujeito iniciou também da esquerda
para a direita, assim como na notação arábica. Isso revela a convenção estabelecida
socialmente em relação à ordem de efetuar a notação de números, palavras e
desenhos representativos de quantidades numéricas.
10
Ao destacar, no desenho, a quantidade corresponde ao 1 do 15, o sujeito
destaca o primeiro desenho, como aparece na figura 5 e ao destacar a quantidade
correspondente ao 5 do 15, destaca mais quatro desenhos, como se o primeiro
fizesse parte do 5. Aqui temos alguns aspectos importantes pois o sujeito não
reconhece o 1 do 15 como sendo uma dezena, nem na notação arábica, nem no
desenho das fichinhas e nem ao se referir à quantidade de fichinhas destacadas no
desenho. O sujeito adulto não consegue fazer a trans-codificação numérica entre a
formulação verbal e a notação arábica escrita. Isto porque, estes dois tipos de
notações apresentam diferenças, e, para que haja trans-codificação seria necessário
que o sujeito conhecesse as regras da notação arábica escrita. O sujeito não
compreende que 15 é 10 mais 5, ou seja sua representação semântica, não se
baseia nesta compreensão que não está refletida na compreensão do sistema
numérico verbal.
Existe um processamento centrado nos componentes léxicos, como por
exemplo marcas de 1 e 5, correspondentes a cada tipo de unidade. Seu erro resulta
de uma aplicação errada de concatenação (relações de produto) e é cometido
porque o sujeito fragmenta a expressão escrita em segmentos, com sentido para ele,
sem levar em conta as regras da notação arábica escrita. A notação arábica e o
desenho representativo das quantidades são duas notações diferentes, que
possuem significados atribuídos pelo sujeito.
Segundo Vergnaud (1989; 1990; 1993) não existe homomorfismo entre
significante (notações utilizadas) e significado (quantificações) que indique, por parte
do sujeito, uma conceitualização. A conduta do sujeito revela que somente a
utilização de notações simbólicas não é garantia de conceitualização. O sujeito
comunica, representa a quantidade, mas isso não o ajuda a conceitualizar. As
formas lingüísticas utilizadas não são ferramentas de pensamento que permitem as
trans-codificações necessárias. Concordamos também com Vergnaud (idem), que o
simbolismo matemático não é, matematicamente falando, nem uma condição
necessária nem uma condição suficiente para conceitualização. Como o sentido não
está nem na situação, nem nas palavras, nem nos símbolos, ele está certamente
nos esquemas evocados pelo sujeito na situação. Os esquemas são reveladores da
conduta do sujeito e sua organização. A situação e o simbolismo não permitiram que
fossem evocados os esquemas necessários.
11
Partes dessas observações já constam dos estudos feitos por Kamii (1992),
mas são os estudos de Teixeira (1996), que alertam que o problema da
compreensão situa-se entre a conceituação e a representação. Isso pôde muito bem
ser observado nas condutas do sujeito, quando destacou uma fichinha para o 1 do
15, 2 fichinhas para o 2 do 25 e assim sucessivamente.
O sujeito não reconhece o valor posicional dos números, isto é, não
compreende a estruturação do sistema de numeração. Ao destacar no desenho, a
quantidade correspondente a cada dígito do número 15 não é reconhecida na
quantidade de desenhos. Quando é indagado a respeito da quantidade de fichas
desenhadas e não destacadas busca, na adição, argumentos para justificar a sobra.
E, mesmo obtendo o número 30 através da soma, não percebe que está se tratando
do número 15. A princípio ele não procura atribuir significado para os objetos que
sobram. A partir do contra-argumento, de que os objetos que sobram têm a ver com
o número, o sujeito continua a considerar que somente o 1 e o 5, justapostos, e não
somados, formam o 15. Ao considerar os demais (os que sobram) soma-os com os
15, obtendo 30. Na conduta do sujeito percebe-se a justaposição e a compactação
dos dígitos da representação ao falar que se juntar 1 (1 ficha) com 5 (5 fichas) dá 15.
Esta justaposição não leva em conta as regras que regem a composição na escrita
de numerais. O adulto organiza a escrita do numeral em função das pistas
morfossintáticas que ele deduz da expressão numérica verbal. O mesmo ocorreu
para os demais números.
Ao se tratar de pessoas adultas há que se observar que o contato diário com
notações numéricas, não garante a compreensão do sistema de numeração. As
notações numéricas com as quais nos deparamos no contexto social, muitas vezes,
primam pela informação e não necessariamente obedecem às regras estabelecidas
convencionalmente para representar os números.
Os resultados encontrados a partir da análise das diversas representações
utilizadas pelo sujeito adulto ao contar, desenhar, escrever o numeral representativo
da quantidade e da atribuição de significados aos dígitos da representação, nos
levam a concluir que para este sujeito: os numerais conjuntamente representam a
quantidade total de fichas; o numeral como um todo representa toda a quantidade,
porém, cada dígito tem um significado de acordo com os agrupamentos de dezenas,
centenas ou unidades, sendo que o sujeito tem uma visão parcial sobre como isto
funciona e o sujeito procura atribuir significado para as fichas que sobram e que não
12
foram circuladas; ambos os dígitos significam unidades sendo que os objetos são
contados duas vezes ao circular o 1 para o 1 do 15 e voltar a contá-lo para
representar o 5 do quinze; não interpreta a decodificação dos algarismos do numeral
em relação às operações de soma e produto enquanto notação arábica escrita (15 =
10 + 5; 25 = 2 x 10 + 5; 36 = 3 x 10 + 6; 12 = 10 + 2); apresenta significações
diferentes para o ler e escrever; atribui hipóteses para a trans-codificação oralescrito em relação à mudança de unidades, aos agrupamentos de agrupamentos e
aos rótulos verbais; atribui significações diferentes na manipulação de diferentes
registros de representação de quantidades.
5. DISCUSSÕES
Os resultados da presente investigação apontaram que é possível elaborar
provas que permitem identificar, nas condutas dos sujeitos, as relações que os
mesmos estabelecem entre os significantes e significados. Apontaram também, que
não é suficiente o estabelecimento de relações entre partes e todo e entre partes e
partes, ou seja, a inclusão no campo das classes, para levar o sujeito a
conceitualizar este objeto matemático. Isso nos leva concordar com Teixeira (1996),
quando diz que “a análise da conceituação tendo em vista o papel das diferentes
formas simbólicas utilizadas nas atividades de numeração, mais particularmente da
numeração posicional e da tradução não tem sentido se não recorrermos a uma
teoria de representação. [...] Esta teoria da representação é articulada em torno de
duas questões distintas: a conceitualização e a simbolização.” (p. 198,199)
Com base no referencial teórico adotado, e, nas análises das informações
obtidas nas entrevistas, pode-se afirmar que em relação à quantificação e sua
representação, existem diversos
aspectos
a serem considerados. Dentre eles
podemos destacar: os aspectos relativos à contagem; à inclusão; e as relações entre
significantes e significados. Isso evidencia a necessidade de se aprofundar as
investigações no ambiente escolar, no sentido de propor situações didáticas que
possibilitem
aos sujeitos estabelecer relação entre significante e significado, na
perspectiva de conceitualizar o objeto em estudo. As situações didáticas devem
levar em consideração os elementos constitutivos dos significantes e significados,
bem
como
as
relações
que
se
estabelecem
no
interior
dos
sistemas
13
significantes/significados e as possíveis representações para um mesmo objeto de
estudo.
Segundo Vergnaud (1990), o simbolismo numérico contribui essencialmente
para uma conceitualização, mas outros significantes também são poderosos tais
como diagramas, desenhos e possuem o laconismo indispensável para a seleção e
o tratamento de informações e relações de pertinência. Por esta razão, a
necessidade de organizar situações didáticas significativas para os conceitos que
queremos ensinar, e, analisar as tarefas cognitivas apresentadas pelos sujeitos na
realização destas situações. Nesta análise podemos identificar os esquemas, as
ações e os simbolismos aos quais os sujeitos lançam mão para organizar suas
condutas para uma classe de situações dadas.
Os resultados encontrados apontaram que tanto o sujeito criança como o
sujeito adulto, dispõem de um repertório variado de condutas frente a diversos tipos
de material (escrito, desenhado, etc) e que eles vão empregando estratégias que
repousam sobre hipóteses específicas construídas por eles. A diferença encontrada
entre o sujeito adulto e o sujeito criança diz respeito à contagem dupla dos objetos
unitários correspondentes aos dígitos da representação e à atribuição de sentido aos
objetos que sobram e não foram circulados. Mas são hipóteses construídas
e
inferidas individualmente, mostrando que o sujeito em ação explicita tais hipóteses.
Os resultados apontaram que o conhecimento de algarismos não é suficiente
para a utilização apropriada e correta de grafias. Por esta razão, evidenciamos a
necessidade de pensar nas formas mais convenientes e adequadas de organização
de situações, que incluam as relações entre significantes e significados necessários
as conceitualizações. Será necessário um conhecimento das formas adequadas de
organização combinada com o conhecimento dos elementos cognitivos que
permitam a compreensão e a utilização do sistema de numeração escrita.
Para Vergnaud (1985, apud Teixeira, 1996), “a função principal da
representação é conceitualizar o real para agir eficazmente [...] distinguir entre o
plano dos significantes (linguagem natural, gestos, desenhos, esquemas, tabelas,
álgebra ...) e entre os diferentes componentes do significado (invariantes,
inferências, regras de ação, predição).” (p.200) Os significantes podem designar os
invariantes, acompanhar as inferências, explicitar as regras de ação e de predição,
daí sua importância. Tendo em vista que os significantes só cobrem parte do
significado, nosso estudo aponta para a importância de representar quantidades em
14
diferentes registros de representação. Dentre eles, podemos destacar: o registro
escrito em linguagem natural ou matemática; o agrupamento de coleções pela
manipulação de materiais diversos; o desenho dos agrupamentos; a representação
das quantidades no ábaco e/ou e material multibase.
A utilização desses diferentes recursos se constituem em significantes e
poderão levar os sujeitos a lançar mão de esquemas mentais que, ao entrarem em
ação, podem combinar e recombinar os objetos a serem representados. No
processo de considerar as relações que se estabelecem no interior dos sistemas
significados/significantes aliadas às possíveis representações conduzirão os sujeitos
a identificar os invariantes operatórios e chegar a conceitualização.
Os resultados apontaram que há uma íntima relação significado/significante e
que o significado não se exprime da mesma maneira no significante. Muitas vezes o
significante está relacionado ao símbolo ou mesmo à marca de um objeto do
contexto imediato e o significado, muitas vezes está relacionado ao uso ou a
utilidade que se faz do objeto real, sem nenhuma relação com a operatividade de
conceitualização. Daí a necessidade de se observar nos significantes, quais são os
aspectos do significado que são engajados. No processo de construção do
conhecimento, proveitoso será investigar as relações entre os significantes e o
significado para a situação referente. Esses resultados mostram que através da
organização de uma diversidade de situações didáticas, pode-se conduzir os
sujeitos à compreensão da estrutura do SND. Da mesma forma que quando as
situações didáticas são previamente pensadas e elaboradas, e suas tarefas bem
articuladas, pode-se investigar as compreensões que os sujeitos possuem acerca de
um objeto, assim como, permitir que o conceitualizem.
Respondendo à pergunta da investigação concluímos que o sujeito criança do
2o ciclo do ensino fundamental SND e o sujeito adulto em fase de alfabetização
possuem compreensão parcial do SND mas, esta se manifesta de forma diferente de
acordo com o tipo de registro ao qual lançam mão para representar as quantidades.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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compreensão do valor posicional do sistema de numeração decimal