Mulheres romanas e o riso: um estudo das Sátiras de Juvenal
Lorena Pantaleão da Silva
Renata Senna Garraffoni
Palavras-chave: Século I d.C., Sátira, Matronas.
Esta pesquisa teve início durante a minha participação em uma disciplina optativa
sobre o estudo de bandidos na Antigüidade por meio da análise de fontes literárias, no caso,
sátiras. Esta experiência associada com o interesse pelas pesquisas de gênero e a possibilidade
de participar do programa de Iniciação Científica da UFPR resultou no trabalho aqui
apresentado, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Renata Senna Garraffoni.
A fonte escolhida para o desenvolvimento desta investigação foi a obra de Juvenal,
autor romano, da virada do século I para século II d.C. Neste momento Roma estava vivendo
o que é tradicionalmente apontado como o Apogeu do Império, ou seja, um momento de
intenso crescimento econômico e cultural. Nosso objetivo foi observar a forma como as
mulheres pertencentes à elite romana são apresentadas por Juvenal. Para tanto, foram
fundamentais o estudo da teoria de gênero, e o estabelecimento de uma análise conjunta com a
teoria literária.
O estudo das mulheres romanas esteve durante um longo período condicionado à
análise de figuras femininas associadas a grandes homens como esposas, mães, filhas e
concubinas. Logo, tais pesquisas apontavam para uma galeria de mulheres célebres, em geral
donas de um comportamento exemplar. Com a influência do movimento feminista na década
de 1960, o estudo de personagens femininas tornou-se cada vez mais constante e abrangente
na disciplina histórica.
Em 1980 como o surgimento da teoria analítica de gênero, diversas áreas das
Ciências Humanas, entre as quais a História, passam por uma virada epistemológica. A
principal característica desta teoria é a dissociação do sexo biológico com gênero, ou seja, a
afirmação de que independentemente do sexo biológico, o gênero é construído social e
culturalmente, e, portanto, de forma diferenciada em diversos locais, momentos e culturas.
Desta forma, em uma única conjuntura podem existir, concomitantemente, diversos formatos
de relação de gênero, os quais perpassam questões como a etnia, grupo social e aspectos
culturais.
Por outro lado, a elaboração de uma pesquisa baseada em uma fonte literária até
1930 era incomum e pouco recomendável devido ao enredo ficcional das mesmas. A mudança
deste paradigma ocorre devido a influência determinante dos Annales para a ampliação dos
objetos de estudo e do conceito de fonte histórica.
Sobre a utilização da literatura como fonte, Silva e Motta1 destacam o aumento do
uso das análises desconstrutivistas na análise de textos clássicos, não os considerando reflexos
do período, nem obras de retórica (o que acabaria por desqualificar o estudo da Antigüidade),
mas, realçando o papel da linguagem na interação sujeito e realidade.
Assim, buscamos elaborar esta monografia considerando as características pessoais
do autor (gênero, idade, nível educacional), e coletivas (como grupo social ou período em que
o autor viveu), e o público ao qual a obra e destinada, conforme apontado por Funari2, bem
1
2
SILVA, Maria; MOTTA, Taíse. REFERÊNCIA INCOMPLETA.
FUNARI, P.P.A. “Análise documental e Antigüidade Clássica” p. 28
como, buscamos realizar ainda a crítica interna do documento, observando os aspectos
metodológicos e estilísticos da obra em questão.
Desta forma foi imprescindível o estudo da teoria específica sobre as sátiras, e o
humor romano. Isto porque, conforme apresentado por Bremmer e Roodenburg3, algumas
características tornam o humor passível de ser objeto de um estudo historiográfico, entre as
quais destaca-se o fato das concepções de graça serem diferenciadas ao longo do tempo, além
de serem determinadas pela cultura. Sobre o humor romano, Minois4 aponta para a existência
de um forte senso de humor, presente nos registros deixados pelos romanos, nas mais variadas
formas, como vestígios materiais ou fontes literárias.
Outro aspecto observado é que, embora o riso esteja relacionado nas obras
acadêmicas com os grupos sociais mais baixos, Roodenburg e Bremmer afirmam que
membros das elites de forma geral conheciam e desfrutaram de material humorístico. Os
autores relembram que, apesar dos intelectuais condenarem determinadas formas de humor, ao
realizarem as críticas eles apresentavam um profundo conhecimento do gênero em questão.
Sobre o alcance que estas obras teriam na sociedade devemos destacar que a
oralidade destas obras permitia que grande parcela da população às conhecessem. Assim
acredita-se que as sátiras aqui observadas, embora tenham sido elaboradas por e para
membros da elite romana, eram conhecidas pelos grupos populares.
Dentro do estilo satírico é muito comum observamos a presença de diversas
personagens femininas, em geral, apresentadas como responsáveis pelos problemas e
desgraças, segundo Hodgart5. Ressaltamos que a sátira sexta, que Juvenal dedica às mulheres
é a mais longa sátira em versos do corpus romano.6
Por outro lado, a utilização de fontes literárias e, especificamente de uma obra
satírica exigiu uma abordagem interdisciplinar, e o estudo do latim que permitiu a realização
de uma breve análise filológica dos termos utilizados pelo autor para se referir as figuras
femininas, pois entre as diversas formas que existem para mencionar as mesmas dentro do
vocabulário latino, a escolha de determinados termos pode indicar novos caminhos para a
interpretação da fonte.
A partir destas observações notamos que a maioria das críticas realizadas por Juvenal
às matronas são as mesmas que ele apresenta em relação aos nobres no restante de sua obra,
utilizando, em diversos momentos dos mesmos expedientes retóricos, como a associação aos
espetáculos romanos como forma de denegrir a imagem destas matronas. Por outro lado,
quando de alguma forma ele deseja apresentar um exemplo de conduta feminina, as
personagens pertencem a grupos populares, esposas de camponeses ou soldados.
Estas diferenciações podem ser observadas pelo uso de termos como Matrona, que
denota uma imagem aristocrática, para a exposição de personagens moralmente denegridas e
termos como uxor, termo utilizado juridicamente para descrever esposa, para descrever
companheiras que se revelavam boas mães e esposas. Por outro lado em determinados
momentos, para apresentar uma prostituta, ao invés de utilizar termos como meretrix, o autor
utiliza a palavra puella, que originalmente significa menina, associada com circus, ou
espetáculos. Desta forma acreditamos que mais do que uma mera critica as mulheres em geral
3
BREMMER, Jan; ROODENBURG, Herman. “Introdução”. In. Uma história cultural do humor.Rio de Janeiro:
Record, 2000.
4
MINOIS, Georges. “O riso unificado dos latinos” In. História do riso e do escárnio. P.77
5
HODGART, Matthew. La sátira. Guadarrama, Biblioteca para el Hombre Actual. Madrid. 1969.
6
JENKINS, Richard. “La Sátira” In. El legado de Roma. P.204.
este autor as dirigia a um grupo social especifico, a elite romana. Por outro lado a grande
quantidade de figuras femininas diferenciadas que surgem na sátira nos permitem apresentar
novas perspectivas sobre as relações de gênero presentes naquele momento, nas quais as
mulheres não surgem sempre sob uma perspectiva submissa e apática, mas participando
ativamente.
Logo, buscamos apresentar o tema de forma plural, considerando os diversos papéis
que poderiam ser assumidos pelas mulheres em diferentes contextos. Enfim, estudamos de
forma mais ampla as diversas representações existentes sobre o grupo específico das matronas
romanas, as divisões e especificidades que podemos encontrar dentro deste conjunto, como,
por exemplo, as relações que estas mulheres teciam com outros grupos sociais. Acreditamos
que pesquisas como esta tendem a ampliar as possibilidades de interpretação do passado,
permitindo a extrapolação de explicações estabelecidas, e, conseqüentemente, o avanço da
disciplina histórica.
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