A DISCIPLINA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNICENTRO: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE SILVA, Kamile de Oliveira1 - UNICENTRO Grupo de Trabalho- Formação de Professores e Profissionalização Docente. Agência Financiadora: Fundação Araucária Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar a disciplina de Estágio Supervisionado na Educação Infantil, oferecida no Curso de Pedagogia da UNICENTRO, buscando identificar quais os embates e desafios vivenciados pelos acadêmicos no momento do estágio, a fim de refletir sobre a contribuição desta disciplina para a formação dos pedagogos que irão atuar com a Educação Infantil. Para isso, inicialmente abordamos de forma breve alguns aspectos relacionados à formação docente para atuar na Educação Infantil no Brasil. Na sequência, discutimos a importância do Estágio Supervisionado na formação de professores. Compreendemos o estágio supervisionado como um fator determinante para a formação docente, momento em que os acadêmicos irão em busca de novos conhecimentos, e nos voltamos sobre a sua relação entre teoria e prática. Em seguida, apresentamos alguns aspectos da disciplina de estágio a fim de contextualizar sobre o seu andamento. Por conseguinte, refletimos sobre as práticas pedagógicas encontradas nas instituições de educação infantil. Como fonte bibliográfica nos apoiamos em autores como Kishimoto (2001; 2002; 2011), Kramer (2011), Pimenta (2002; 2006) e Pimenta e Lima (2012), entre outros. Como fonte de pesquisa utilizamos a ementa da disciplina de Estágio Supervisionado na Educação Infantil e os memoriais de estágio elaborados pelas acadêmicas do 3ª ano do curso de Pedagogia no ano de 2012. Para analizarmos os memoriais de estágio elaboramos alguns questionamentos, partindo do pressuposto que este nos ajudaria a problematizar a relação entre a formação decorrente da disciplina de estágio supervisionado em educação infantil e os desafios enfrentados pelas estagiárias no campo de estágio. Os relatos encontrados nos memoriais de estágio apresentam práticas pedagógicas diferentes daquelas discutidas na universidade, evidenciando assim, um distanciamento entre o plano ideal (universidade) e o plano real (instituições de educação infantil). Palavras-chave: Educação Infantil. Estágio Supervisionado. Formação de professores. Introdução 1 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil – GEPEDIN. Email: [email protected] 7613 O objetivo deste texto é refletir sobre o papel do estágio supervisionado na educação infantil no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), apontando os desafios e as contribuições para a formação inicial dos professores. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, realizada por meio de análise documental, de acordo com Ludke e André (1986, p. 18) “o estudo qualitativo, [...] é que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. É na educação infantil, primeira etapa da educação básica, que a criança tem seu primeiro contato com uma instituição educativa. A partir desta condição, a legislação vigente pontua que essas instituições devem proporcionar o desenvolvimento integral das crianças, por meio de um trabalho educativo-pedagógico que parta das necessidades da criança, em sua singularidade. Com isso, as atividades que são desenvolvidas dentro das instituições devem ser trabalhadas de forma que o cuidado e a educação aconteçam de forma indissociada, no sentido da promoção do desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos de idade. Toda a complexidade e singularidade que envolve o trabalho com as crianças nesta faixa etária exige uma boa formação do profissional envolvido com este atendimento. Partimos do pressuposto, apoiados em autores como Kishimoto (2001; 2002; 2011) e Kramer (2011) dentre outros, que a formação inicial dos profissionais influenciará nas práticas desenvolvidas com estas crianças e que a qualidade da educação oferecida nestas instituições será, em grande parte, reflexo do processo de formação experienciado e vivenciado pelos profissionais. Concretamente, as várias mudanças no âmbito legal ainda não são sentidas na prática, tanto no que se refere à formação dos profissionais como às condições de trabalho e das práticas desenvolvidas com as crianças. Decorrente disto, podemos encontrar atualmente pessoas trabalhando em instituições de educação infantil com pouca ou nenhuma formação na área. Além disso, ainda predomina um preconceito e desprestígio sobre o trabalho com crianças de pouca idade, o que contribui para a compreensão de que quanto menores as crianças, menos necessidade de formação para trabalhar com elas. Nos cursos de formação estas questões também são latentes, prevalecendo um preparo para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental em detrimento da formação voltada para atuar na educação infantil. Assim, as disciplinas específicas para esta faixa etária são em menor número e em muitos casos sofrem um preconceito inclusive por parte de alguns professores do corpo docente dos 7614 cursos, que desqualificam os encaminhamentos tomados e as atividades desenvolvidas. Em geral, compactua-se implícita e explicitamente com a ideia de que para ‘cuidar’ de bebês não é preciso formação. Dadas as necessidades e o franco desenvolvimento vivido pelas crianças na faixa etária da educação infantil torna-se necessário uma formação inicial consistente, em que os acadêmicos sejam capacitados a trabalhar fomentando nas crianças habilidades sociais, intelectuais, físicas e afetivas. Como ressalta Kishimoto (2001), a formação profissional constitui a principal ação capaz de enfrentar a maioria dos desafios da educação infantil. Kishimoto (2011) aponta que mesmo tendo incluído a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental como base, o curso de Pedagogia não modificou a sua estrutura a fim de dar sustento para estas áreas. Desta forma, incluiu-se a formação de professores para atuar na educação infantil, mas quase não houve alteração de currículos como também há falta de profissionais qualificados para direcionar a formação dos futuros professores. Segundo a autora, predominam na estrutura do curso as metodologias para o trabalho com os anos iniciais do ensino fundamental, porém, a carga horária destas disciplinas é aligeirada em relação ao número de disciplinas teóricas, que poucas vezes são vinculadas com a prática do cotidiano escolar. Sabe-se que o curso de Pedagogia é muito amplo e que por este motivo a formação necessária para atuar na educação infantil é conquistada, em grande parte, pelas disciplinas específicas, e tem sua culminância com a realização do estágio na educação infantil. Muitas vezes, é no momento do estágio que muitos acadêmicos têm seu primeiro contato com uma instituição de educação infantil, deparando-se com uma série de surpresas, desafios e descobertas sobre o que é ser professor de crianças de 0 a 5 anos de idade. Com esta compreensão, ganha importância a problematização acerca da relação entre a formação decorrente da disciplina de estágio supervisionado em educação infantil e os desafios enfrentados pelos estagiários no campo de estágio. O intuito é reconhecer qual a contribuição da disciplina na formação inicial dos pedagogos, especificamente para a atuação na educação infantil, bem como reconhecer os principais aspectos apontados nos memoriais de estágio acerca da prática na educação infantil. A reflexão aqui apresentada é resultante da análise dos relatórios de estágio desenvolvidos pelas alunas do terceiro ano do curso de Pedagogia da Unicentro no primeiro semestre de 2012. O estágio na educação infantil: teoria e prática em discussão 7615 Considerando a importância do estágio de docência, focalizamos nosso olhar na disciplina de Estágio Supervisionado na Educação Infantil, a fim de compreender como ela está organizada. Como na disciplina os acadêmicos elaboram, ao final do semestre, um memorial descritivo sobre sua experiência de estágio, debruçamo-nos também sobre estes documentos, buscando captar quais aspectos mereceram maior destaque nos relatos e como estes são abordados pelos futuros profissionais. Faria e Silva (2011, p. VIII) apontam que As idas dos alunos a campos de estágio representam um esforço dos projetos curriculares na direção da valorização de uma experiência de conhecimento que não está localizada apenas em conteúdos disciplinares pertencentes à grade curricular. Elas pautam-se por uma visão que as vê como ocasião de formação. O estágio supervisionado é de suma importância, pois, a partir dele podemos investigar as culturas infantis e as práticas pedagógicas nas instituições. De acordo com Pimenta e Lima (2012) o estágio sempre foi marcado pela problemática relação entre teoria e prática e a autora aponta a seguinte solução “o estágio realizado com pesquisa e como pesquisa contribui para uma formação de melhor qualidade de professores e de pedagogos” (2012, p. 23). Por este motivo, colocamos o estágio como foco de nossa pesquisa. Partindo, do que é proposto na ementa da disciplina de Estágio Supervisionado na Educação Infantil, o momento do acadêmico em campo servirá para investigar e analisar criticamente as práticas encontradas, tanto a dos professores da instituição quanto a sua própria prática enquanto estagiários, futuros professores. Na sua formação, os acadêmicos devem reconhecer a interrelação entre teoria e prática. Desta forma, “o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá” (PIMENTA e LIMA, 2012, p. 45). Assim, parte-se da realidade refletida, para elaborar um projeto de estágio, e aplicá-lo no momento da regência. Segundo Pimenta (2008, Apud SILVA; PAWLAS; PEDRO, 2010, p. 12) O profissional que não entra em contato com o estágio, não terá condições de atuar na área a qual desejar, principalmente se for a área da educação, e o objetivo do Estágio Supervisionado é de complementar a formação profissional assim como as demais disciplinas do currículo. Nesse processo, o estágio deve se somar ao curso, estabelecendo ligação com as disciplinas, mantendo assim uma relação teórica e prática que aparecerá no decorrer de todo o curso e não somente nos períodos de estágio, podendo romper esse distanciamento. 7616 Como sabemos, e respaldados em Pimenta e Lima (2012, p. 33) os cursos de formação apresentam em seus currículos um acúmulo de disciplinas isoladas entre si que estão desvinculadas por completo do campo de atuação profissional dos acadêmicos. Contudo, sabe-se que o privilégio, dentro das universidades, está nas disciplinas ditas “teóricas”, tornando as disciplinas “práticas” relegadas á segundo plano. Este fato pode ser percebido quando dentro do curso de Pedagogia, as disciplinas de fundamentos tem maior carga horária que as disciplinas denominadas práticas, tais como, as metodologias e o estágio supervisionado. Porém, compreendemos esta separação como um erro, pois, todas as disciplinas deveriam abranger aspectos teóricos e metodológicos. Nesta direção, Gatti e Nunes (2008, p. 45) mostram os resultados de uma pesquisa2 em que “fica a observação no desequilíbrio na relação teoria-prática, em favor dos tratamentos mais teóricos, de fundamentos e contextualização”. De acordo com Gatti (2010, p. 1372): Cabe a ressalva já feita na análise das ementas, segundo a qual, nas disciplinas de formação profissional, predominam os referenciais teóricos, seja de natureza sociológica, psicológica ou outros, com associação em poucos casos às práticas educacionais. Certamente, uma sólida formação teórica dará embasamento para o trabalho na escola, como dito anteriormente, mas não deve bastar-se por si só. A prática deve estar atrelada à teoria, numa relação dialética em que ambas têm importância e se retroalimentam (PIMENTA, 2002). Portanto, a concepção de que o estágio é a parte “prática”, instrumental, técnica, da formação deve ser reavaliada. Pois, o estágio não deve ser concebido como um momento em que os acadêmicos irão à campo observar e reproduzir as práticas lá observadas. Pelo contrário, partindo de todo o conhecimento teórico que os acadêmicos já possuem, o momento do estágio deve ser concebido como campo de conhecimento (PIMENTA E LIMA, 2012) onde os acadêmicos irão analisar e refletir as práticas observadas a fim de melhorá-las, intervindo de acordo com a realidade social que a instituição de educação infantil está inserida. Neste interín 2 Esta pesquisa fez parte de um projeto chamado “Formação de professores para o ensino fundamental: instituições formadoras e seus currículos” (Gatti et al., 2008, v. 1 e 2;Gatti & Nunes, 2009) buscou analisar o que se propõe atualmente como disciplinas formadoras nas instituições de ensino superior nas licenciaturas presenciais em Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. (GATTI, 2010). Nesta pesquisa foi feito uma análise dos projetos pedagógicos das disciplinas e também das suas ementas. 7617 O papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são aplicações sempre provisórias da realidade (PIMENTA e LIMA, 2012, p. 43). Assim sendo, o estágio supervisionado representa uma aproximidade entre a teoria e a realidade. Desta forma, ele insere o acadêmico no cotidiano das instituições de educação infantil, permitindo um encontro com a realidade. O estágio é um momento de inserção dos acadêmicos na prática de ensino das instituições de educação Infantil, e propicia um intercâmbio entre a Universidade e a escola, um momento de troca de informações e conhecimentos que visa sempre buscar melhorias no trabalho e desenvolvimento das crianças da educação infantil. Sabemos, deve sobressair a relação teoria e prática, pontuando sua indissociabilidade. De acordo com Pimenta (2006, p. 70) A finalidade do estágio supervisionado é proporcionar que o aluno tenha uma aproximação à realidade na qual irá atuar. Portanto, não deve colocar o estágio como o polo prático do curso, mas como uma aproximação à prática, na medida em que será consequente à teoria estudada no curso, que por sua vez deverá constituir numa reflexão sobre e a partir da realidade [...]. Ou seja, o estágio é mais um momento de formação para os acadêmicos juntamente com as outras disciplinas da matriz curricular do curso. Ele contribui, principalmente, no sentido de permitir aos acadêmicos a inserção direta na prática, podendo proporcionar formação profissional e pessoal. Pois, parafraseando Ostetto (2008, p. 130) “no estágio, não é o aprendizado [...] de um saber-fazer determinado, mas um “saber sobre si”, traduzido no processo de autoconhecimento que se abre da vivência interativa, para a percepção de limites e possibilidades”. Assim, o estágio não é apenas o momento dos acadêmicos colocarem em ação o que foi aprendido durante o curso, o estágio vai além disso, ele torna-se um momento de descobertas, do contato com a novidade. Conforme Broering (2008, p. 110) “o estágio deve ser visto não apenas como um campo de aplicação de conhecimentos, mas também como um campo de produção de conhecimentos”. Desta forma, o acadêmico em campo de estágio, não somente vai preparado para pôr em prática os seus conhecimentos, mas também para construir novos conhecimentos, pois compreende que neste local, não existe um conhecimento pronto e acabado que dê conta de cada situação enfrentada, mas que é um conhecimento que está em processo de construção todos os dias. E que é esta a função do professor, estar em contato com o novo todos os dias, e que por isso, está sempre aprendendo, sempre em processo de 7618 formação. Desta forma, o estágio é somente um aperitivo para o que há de vir depois de formados, pois nunca o estágio será uma completa inserção na realidade das instituições, pois cada instituição, a cada dia tem uma nova realidade, um novo recomeço. Metodologia Foram utilizados como instrumentos de análise 19 memoriais de estágio das acadêmicas3 do 3º ano do curso de Pedagogia - matutino da UNICENTRO que se referem ao estágio realizado no primeiro semestre de 2012, em dois Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) do município de Guarapuava. De acordo Ludke e André (1986, p. 39) Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte “natural” de informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto. Para a realização da análise foram elencadas algumas questões frente ao conteúdo dos memoriais que derivam dos seguintes questionamentos: Como o cuidar e o educar, o brincar, as práticas, a formação e o planejamento são abordados nos relatórios? Quais os principais desafios/dificuldades encontradas em campo de estágio? Quais as principais falas das crianças/professoras citadas nos relatórios? Quais situações mais intrigaram as acadêmicas? Os relatórios destacam a Educação Infantil como uma etapa da educação básica e que decorrente disto necessitam de profissionais qualificados?Como os relatórios apresentam a unidade teoria e prática? Qual a postura dos profissionais dos CMEIs com relação às crianças e as acadêmicas? É possível perceber qual é a concepção formada pelas acadêmicas com relação à disciplina de estágio? Está explicita nos memoriais qual a contribuição desta disciplina para a formação docente? Partimos do pressuposto que as perguntas nos ajudariam a problematizar a relação entre a formação decorrente da disciplina de estágio supervisionado em educação infantil e os desafios enfrentados pelas estagiárias no campo de estágio. Cabe esclarecer aqui que por questões éticas, a fim de preservar tanto as estagiárias quanto os professores e as instituições envolvidas, utilizaremos nomes fictícios ao mencionarmos situações descritas. Cada relatório 3 Iremos nos referir às acadêmicas e estagiárias no feminino, porque esta turma é constituída apenas por mulheres. 7619 foi numerado e assim será referenciado (Ex. M1). Para as instituições campo de estágio referimo-nos como X e Y. A seguir descreveremos a ementa da disciplina de estágio, a fim de situar como ocorre o seu trabalho. A disciplina A disciplina de Estágio Supervisionado em Educação Infantil do curso de pedagogia da UNICENTRO é oferecida no primeiro semestre do 3º ano e possui uma carga horária total de 68 horas, distribuídas em quatro horas/aula semanais. De acordo com a ementa, esta disciplina visa o “reconhecimento do trabalho nas instituições de educação infantil para a realização de práticas em docência e projetos pedagógicos na instituição escolar”. Os objetivos desta disciplina são “proporcionar a articulação dos fundamentos teórico-metodológicos à prática pedagógica em Educação Infantil; analisar as práticas pedagógicas em Educação Infantil a partir de observações, diagnósticos, reflexões, debates e avaliações e elaborar e aplicar projetos pedagógicos em instituições de Educação Infantil”. A metodologia de trabalho da disciplina está organizada em “aulas expositivas, leituras dirigidas, pesquisas, seminários, apresentação de trabalhos e atividades em grupos articulando pressupostos teórico-metodológicos à prática”; em campo de estágio abrange a “observação, participação e regência de turma”; “Elaboração do projeto pedagógico, planos de aula, produções escritas, confecção, organização e aplicação de jogos e materiais pedagógicos variados”; por fim, a “elaboração do memorial de estágio”. Ainda segundo o plano da disciplina, a avaliação ocorre por meio da “entrega de diário de observação de campo e memorial, acompanhamento do professor de estágio, entrega de relatórios e realização de atividades práticas” (regência de turma). De acordo com Broering (2008, p. 109). “o estágio é fundamental na formação do novo educador, e quanto mais sistematizado, mais resultados positivos e aprendizagens significativas haverá”. Da carga horária total da disciplina de estágio, 28 horas são para discussões sobre aspectos da educação infantil e sobre o andamento da disciplina. A carga horária prática, em campo de estágio, totaliza 40 horas, sendo destas 24 horas de observação e 16 horas de regência. 7620 O estágio é desenvolvido em instituições públicas de educação infantil do município de Guarapuava e ocorre da seguinte forma: primeiramente é feito o reconhecimento da instituição onde acontecerão os estágios e a análise do Projeto Político-Pedagógico. Posteriormente, são feitas as observações nas turmas da educação infantil. A mantenedora, Prefeitura Municipal de Guarapuava, não autoriza observações nas salas de berçário, alegando que poderia ocorrer uma desestabilização na rotina das mesmas. Depois de realizadas as observações os acadêmicos regressam à sala de aula da universidade, onde são feitas as discussões sobre as observações e inicia-se a elaboração do projeto de regência de turma, sob a orientação da professora da disciplina e de acordo com o tema fornecido pela instituição. Com relação ao tema do projeto este é outro desafio que os estagiários encontram, pois, muitas vezes, são temas que não condizem com o tempo de duração do estágio (muitos temas para poucos dias), ou então, são temas que se referem a datas comemorativas. O projeto de regência é elaborado sob a supervisão da professora da disciplina de estágio e deve ser aprovado pelas professoras das turmas onde acontecerão os estágios. O passo seguinte é a elaboração dos materiais e posteriormente inicia-se a regência de turma, um momento muito importante e decisivo para os futuros professores, mas que ao mesmo tempo gera apreensão e insegurança devido ao pouco conhecimento sobre a rotina na educação infantil e também por constituir-se em um momento em que os acadêmicos estão sendo avaliados. No momento da regência os estagiários são avaliados pela professora da disciplina de estágio e pela regente da turma onde acontece o estágio. Esta deve preencher uma ficha que contempla os critérios a serem avaliados que dizem respeito aos materiais utilizados, aos conteúdos abordados, à metodologia, à relação professor-aluno, à liderança de turma, à pontualidade e postura dos estagiários. O estágio é feito em duplas, mas a nota é individual. Ao término do estágio os acadêmicos dão início à elaboração do memorial de estágio. Nele devem estar registradas as vivências do estágio, desde o momento da observação até o último dia da regência, devidamente fundamentado com autores da área. De acordo com Broering (2008, p. ) Ao narrar a experiência vivida, o professor aprende sobre si mesmo e sobre sua prática, pois ao organizar o pensamento por escrito, na experiência narrativa, constitui um campo de reflexão: toma distância para aproximar, aproximar para aprofundar, aprofunda e reconstitui o vivido com outras cores, de forma ampliada e integrada. 7621 Logo após o fim do estágio é realizado em sala de aula um momento de discussão sobre as práticas vivenciadas. Os memoriais descritivos do estágio na educação infantil A análise dos memoriais de estágio, além de permitir compreender quais as contribuições da disciplina de estágio na formação, foi de grande valia para reconhecer como o trabalho está sendo desenvolvido com as crianças da educação infantil. Quanto a formação dos profissionais das instituições campo de estágio, na Instituição X são 9 professoras concursadas e 22 estagiárias, algumas com formação inicial concluída outras em andamento. A Instituição Y possui 10 educadoras, sendo 7 professoras regentes e 3 estagiárias, também com formação concluída ou em andamento. Pode-se dizer que a formação não específica dos profissionais que atuam na área da educação infantil é uma grande lacuna observada pela turma no momento do estágio. Decorrente disto, pode-se perceber várias deficiências (em outros cursos de licenciatura que não o de Pedagogia) com relação à prática dos profissionais que atuam com as crianças de 0 a 5 anos de idade. Um dos grandes problemas levantados em todos os memoriais ocorre por conta do planejamento. De acordo com os memoriais, na instituição Y é realizado um planejamento semanal e os professores possuem um dia de hora atividade para o preparo do planejamento para a semana seguinte, como vemos no relato abaixo: As professoras toda a semana tem hora atividade, um momento de reflexão sobre a prática e preparação de atividades para a semana, ressaltando que há um acompanhamento da supervisora a qual orienta e sugere ideias para realização das atividades semanais (M12). Na instituição X, os memoriais relatam que: Quando é perguntado se a escola tem autonomia sobre planejamento para a pedagoga ela responde que: A prefeitura manda o modelo, mas é flexível. É feito por semestre e dura 15 dias cada projeto (M17). Sobre os trabalhos nesta instituição os relatos reafirmam a ausência de planejamento: Já no início da manhã pudemos analisar quanto a postura da professora da turma, percebemos que ela não segue o planejamento, pois quando as crianças chegaram na sala ela falou: “Nossa, deixa eu ver o que eu vou fazer hoje”. Pegou o diário e deu uma olhada. (M14). Não há planejamento pedagógico, tampouco uma rotina. (M2) 7622 Para as estagiárias foi perceptível o despreparo destes professores com relação ao planejamento, que é tão importante para a educação infantil. O planejamento serve para avaliar as próprias ações dos professores, mas também para manter as próprias crianças em segurança. Neste sentido, “planejar é decidir o que se quer para e com as crianças; é discutir os diversos caminhos a serem seguidos, avaliando constantemente as próprias ações e redefinindo os rumos” (ABRAMOWICZ E WAJSKOP, 1999, P. 19). A ausência do brincar nas práticas também foi evidenciado pelas estagiárias, contrariando as orientações que indicam ser ele o eixo do trabalho na educação infantil. Isto porque o brincar tem caráter pedagógico e deve ser encarado como uma atividade de extrema importância que leva ao aprendizado e desenvolvimento das crianças. Em quinze memoriais expressão das experiências na instituição X, o brincar aparece como um fator de desestabilização e afora a preocupação com as condutas entre as crianças não foram observados momentos de organização de espaços para a brincadeira ou de práticas compartilhadas entre os adultos professores e as crianças. Os memoriais indicam a vivência do brincar como um “passatempo”, uma atividade livre em que somente necessita dos cuidados dos adultos para que as crianças não se machuquem, sendo que estas devem brincar do nada e com nada: Logo após a rodinha é a hora do parque, não houve nenhum tipo de atividade dirigida, as crianças brincaram sozinhas e soltas, a educadora apenas estava atenta pra não haver queda não tendo nenhuma iniciativa de mediação. (M7) Ao retornar à sala, as estagiárias da turma colocaram alguns brinquedos no chão para as crianças, os quais não eram o suficiente para todos e alguns não estavam de acordo com sua faixa etária (brinquedos quebrados, de peças pequenas e não higienizados). Esse momento de brincadeira foi totalmente livre, sem interação da regente e estagiárias da turma, nós estagiárias da Unicentro fomos quem interagimos com as crianças nesse momento. (M9) Os brinquedos “bons” eram guardados em prateleiras porque poderiam ser estragados, e os poucos que eram oferecidos para os educandos eram quebrados e velhos, sendo também utilizados vidros vazios de amaciante, shampoo, lenços umedecidos, pet e entre outros. As brincadeiras são vistas pelas professoras, até mesmo pela diretora como “passatempo” para as crianças. (M11) Como notamos nos relatos das estagiárias, o brincar aparece descompromissado, sem interação dos professores. Sabe-se que o brincar livre é de grande importância para o desenvolvimento das crianças e que por isto não deve bastar-se apenas como um momento para distrair e passar o tempo. Salientamos que as crianças precisam ter acesso aos brinquedos (em bom estado) e que estes permitam a elas interagirem umas com as outras. Em 7623 contrapartida, temos na instituição Y um caráter diretivo relacionado ao brincar, que existe e tem tempo marcado dentro da rotina, com hora para começar e hora para terminar. Estes encaminhamentos relacionados ao brincar desconsideram sua importância, como bem assinala Marcellinno (1997, p. 72, Apud ALVES e PAULA, 2011, p. 105): O primeiro e fundamental aspecto sobre sua importância é que o brinquedo, o jogo, a brincadeira, são gostosos, dão prazer, trazem felicidade [...] através do prazer, o brincar possibilita à criança a vivência de sua faixa etária e ainda contribui de modo significativo, para sua formação como ser realmente humano, participante da cultura da sociedade em que vive, e não apenas como mero indivíduo requerido pelos padrões de “produtividade social” [...] a vivência do lúdico é imprescindível em termos de participação cultural crítica e, principalmente, criativa. O olhar e a escuta das acadêmicas voltaram-se atentamente às práticas docentes das instituições, observaram minuciosamente como era proposto o trabalho para as crianças de 0 a 5 anos de idade e como era utilizado o tempo. A partir dos relatos obervamos que na instituição Y foram encontradas, em todas as turmas de estágio, práticas relacionadas ao incentivo à literatura, sendo diariamente dedicada meia hora para leitura de histórias, e também nas sextas-feiras as crianças vão até a biblioteca selecionar um livro de seu interesse para levar para casa no fim de semana: Segundo a professora todos os dias há o momento da história, e como de costume realizou-se a contação de história, na roda. Primeiro a história do livro, depois a história cantada com um fantoche, possibilitando a interação e a participação das crianças, elas podem manipular esse fantoche e cantam junto. (M8) Percebe-se aqui o incentivo da contação de histórias, havendo a participação das crianças não apenas como meros ouvintes. Os relatos também indicam que as atividades eram diversificadas, permitindo que as crianças escolhessem qual atividade participariam: Na Instituição Y o trabalho elaborado com as crianças é diferenciado, pois as atividades são realizadas em mesas diversificadas. Em uma mesa trabalha-se 5 crianças junto à professora a atividade do dia, que neste dia era a da páscoa. Nas demais mesas outras atividades, uma com recorte e colagem, uma com pintura (giz e lápis de cor) e outra com massinha. Dessa maneira as crianças podem fazer o rodízio em todas as mesas, interagindo com todos os colegas e participando de todas as atividades. Sem sentir-se forçada em fazer determinada atividade, mas sim fazem com prazer. (M8) Logo, avaliamos que o trabalho pedagógico da instituição Y estimula a construção da autonomia pelas crianças, pois proporciona a interação nas atividades, sem a obrigação de todos fazerem a mesma coisa ao mesmo tempo. Entretanto, na Instituição X, os relatos 7624 indicam que não foram observadas práticas que permitissem às crianças o desenvolvimento da autonomia e sua participação ativa no processo de contrução do conhecimento: Não houve em momento algum trabalho pedagógico, as professoras relataram que a “parte pedagógica é no período da manhã” esquecendo que todo ato dentro de uma instituição de ensino deve ter um cunho pedagógico. (M7) Este é um grande desafio que a educação infantil ainda necessita enfrentar, a superação do entendimento de que o “momento pedagógico” refere-se apenas às atividades realizadas no papel. Os professores ainda não têm a consciência de que todas as atividades realizadas , desde o brincar até a higienização, tem um cunho pedagógico, mesmo que não explícito ou intencional. Neste sentido, em oito memoriais foi constatado a ausência de conhecimentos pedagógicos para o trabalho com as crianças: As atividades realizadas no período de estágio, na Instituição X observou-se a ausência de práticas pedagógicas, por parte dos professores, que pudessem auxiliar as crianças no processo de imaginação, fundamental para a atividade de brinquedo. (M3) Podemos perceber que novamente há uma divergência entre as práticas das instituições. Na segunda instituição mencionada, as crianças passam muito tempo em “brincadeiras livres”, que muitas vezes não possuem nem brinquedos e quando os tem são inadequados, quebrados. Ainda com relação a esta instituição, o memorial da única dupla que fez observações na turma do berçário ressalta um predomínio do cuidar: Porém pudemos constatar que naquela turma não era desenvolvida nenhuma atividade de estímulo motor e que não passava de um depósito de crianças onde o papel dos professores é de dar de comer e trocar as fraldas (e em condições não muito higiênicas). (M14) Kishimoto (2001, p. 8) ressalta que “[...] desde o berçário, em todas as ações do cotidiano, é preciso integrar ações de cuidado e educação”. Ganha importância portanto um trabalho no sentido de desenvolver a oralidade, a coordenação motora entre outros estímulos que são tão importantes nesta faixa etária, articulado com os cuidados essenciais a essa faixa etária. Para a efetivação de tais práticas ganha importância a formação do profissional, o que muitas vezes fica a desejar nas instituições: Os trabalhos por elas realizados era como se estivessem inseridas dentro de uma fabrica, pois era totalmente mecânico e não parecia estar dentro de um ambiente educacional de desenvolvimento humano. (M6) 7625 As professoras falavam com as crianças em pé, não havia a preocupação de se abaixar, e em nenhum momento dialogavam com elas. As crianças brincavam com os fantoches, algumas brigavam e então o fantoche era rapidamente tomado da mão das mesmas, sem ter a conversa de que se deve compartilhar o que possuem. (M13) Medo. Gritos. Atividades mecânicas. Falta de diálogo com as crianças. Estas foram as realidades relatadas pelas estagiárias, onde o que prevalece é o controle do comportamento das crianças, a hierarquização do poder entre professores e crianças, revelando o controle que os professores querem ter sobre as crianças. Dessa forma, de acordo com Godoi e Silva (2011, p. 135), Assim, os momentos destinados às rotinas ocupam a maior parte do tempo das experiências vividas pelas crianças, constituindo-se em um espaço muito mais institucional que um lugar de vida infantil. Essa forma de organização não favorece a construção da autonomia, ao contrário, termina por educar seus corpos, por modelá-los para que aceitem uma posição submissa (permanecer quieta, imóvel e obedecer às regras e às ordens que são colocadas), posição essa que tem como referencial uma concepção de criança como um ser incapaz, incompetente, frágil, e não como um ser criador de culturas infantis. As agressões dos adultos professores com as crianças foram relatadas em seis memoriais. Estas situações terão, certamente, impactos sobre a constituição das identidades das crianças: Em nossa sociedade fala-se muito sobre BULLYNG e as professoras deveriam esforçar-se para que isso, não ocorra, no âmbito educacional, porém, o que realmente acontece nesta instituição, é o contrario, as próprias educadoras expõem seus alunos ao ridículo, pondo nestes apelidos como: “Tonho da lua, ovo, bobão, fanqueira, samongo, Bega” e assim constrangendo-as. Também foram observadas práticas de racismo, onde uma das crianças por ser morena a educadora se referia a esta, como “eita fanqueira”, “veja não nega a cor, vai ser baladeira”. A criança chamou-a de mãe e esta falou: “eu não tenho filha dessa cor”. As profissionais ali presentes possuem uma formação precária, não estão aptas para uma tarefa tão importante, pois sabemos que as crianças nesta fase estão assimilando, conhecendo as palavras e repetem o que ouvem. (M11) De acordo com Kramer (2011, p. 128), [...] a formação é necessária não apenas para aprimorar a ação profissional ou melhorar a prática pedagógica. Tenho defendido a formação como direito de todos os professores: formação como conquista e direito da população, por uma escola pública de qualidade. Assim sendo, formação que articula teoria e prática deve ser o elemento capaz de superar estas situações e impedir que aconteçam. Na instituição Y as estagiária identificaram ações coerentes por parte dos profissionais 7626 Durante o primeiro dia de estágio na Instituição Y, observamos a grande interação da diretora e supervisora com as crianças e com as professoras. Os alunos foram acolhidos pelas mesmas, as quais ligaram o rádio na entrada com diversas músicas infantis. (M9) Outro fato intrigante analisado nos memoriais é que as falas citadas referem-se às professoras, sendo pelas estagiárias pouco mencionado com relação às falas das crianças. Apenas dois memoriais trouxeram estas falas, como no trecho abaixo: Enquanto todas as outras crianças trouxeram brinquedos industrializados e modernos esse menino trouxe uma capa de caderno e um mouse velho. Ao ser questionado sobre o seu brinquedo sobre para que servia tudo aquilo, logo explicou a real função do brinquedo “É meu computador com ele posso fazer tudo o que eu quiser, ate brincar com todos esses brinquedos que vocês trouxeram, e ate viajar se eu quiser”. (M7) Outro aspecto negativo mencionado em quatorze memoriais está relacionado com a limpeza e segurança nas instituições. Com relação à instituição X descreve-se: Pudemos observar que a questão de higiene é muito precária, [...]. As crianças não fazem higienização das mãos nem antes e nem depois de comer e também não realizam escovação após as refeições. As trocas de fraldas são realizadas na outra metade da sala e as professoras não tem um espaço para lavar as mãos após a troca de fraldas tendo que sair da sala a todo momento quando alguém pede para ir ao banheiro ou quando precisa ser trocada.(M16) O nariz das crianças escorre e as professoras não limpam, ignoram e também no solário há sacos de lixo no chão e as crianças mexem. E depois de brincar no solário foram direto para o refeitório almoçar sem lavar as mãos, uma falta de higiene. (M5) [...] Quando a estagiária 1, sentou-se perto dessa menina perguntou as educadoras: “essa chupeta é dela?”, a auxiliar que estava ali presente respondeu que a chupeta era da creche, que todas usavam, mas que era para deixar com a criança para que essa não chorasse (chupeta coletiva). De acordo Francisco e Machado (2009, p.5), Higiene e Saúde são dois temas intimamente ligados: pode-se seguramente, afirmar que não existindo higiene, facilmente resultará num problema de saúde. As chamadas práticas de higiene são regras simples e fáceis de ser seguidas e servem para proteger a nossa saúde, principalmente contra os inimigos invisíveis. Das experiências de estágio as estagiárias devem escolher uma temática que lhes chamou a a atenção na experiência vivenciada e escrever mais sobre ela. Dos relatórios analisados apareceram como temáticas recorrentes o brincar e a literatura infantil, sendo a escolha justificada pela pouca vivência com estas práticas observada nos estágios. Infelizmente, a despeito das orientações oficiais que indicam o brincar como o eixo das 7627 propostas e práticas pedagógicas na educação infantil, no cotidiano das instituições ele contiua marginalizado. As vivências das acadêmicas em campo de estágio, descritas nos relatórios apontaram para diferenças entre as práticas, marcadas nas duas instituições em questão. Cabe aqui uma ressalva sobre a ementa e os memoriais de estágio, pois, em nenhum momento está colocado na ementa e fora relatado pelas acadêmicas em apenas dois memoriais, um olhar apurado sobre as culturas infantis, sobre o olhar nas crianças, nas suas relações, nas suas peripécias. Quiçá seja por conta do tempo para realização do estágio que é curto, mas o fato é que as crianças são deixadas de lado aos olhos dos acadêmicos com relação á prática dos professores. Façamos nossas as palavras de Moretti e Silva (2011, p. 55) Faz-se necessário repensar a formação inicial e a orientação das novas estagiárias, pois uma disciplina de meio semestre não da conta da transformação deste olhar para a infância, da educação do olhar dos alunos e das alunas para buscarem observar as sutilezas das trocas das crianças nos momentos lúdicos, captando essas nuances nos estágios futuros e relatando-as com maior riqueza de detalhes [...]. Por meio da leitura dos memoriais, verificaram-se muitos embates vivenciados pelas acadêmicas em campo de estágio, que se tornam desafios a serem superados, a fim de proporcionar uma educação infantil de qualidade, além de ofertar maiores condições para que o estágio seja mais consistente para a formação. Um dos embates vivenciados pelas acadêmicas em campo de estágio e percebido em três memoriais foi a resistência das instituição e da mantenedora em constituírem-se como campo de estágio. Isto está relatado pelo não acolhimento institucional e, por exemplo, pelo impedimento pela mantenedora de realização de estágios nas turmas de berçário. Problemas estruturais nas instituições relacionados com a falta de materiais e condições sanitárias também foram bastante mencionados nos memoriais de estágio. Detaca-se também a recorrência nos relatos, principalmente com referência às práticas em uma das instituições, a falta de cuidados de higiene nas ações diárias e cuidados com as crianças. Outro fator que ocasiona um grande embate no momento do estágio é a relação dos educadores das instituições com as crianças. Agressões verbais, e até físicas deixaram transparecem que os profissionais entendem suas ações como um favor para as famílias e não a educação infantil como um direito das crianças. Num dos relatos analisados menciona-se que “as professoras ficavam questionando a vida pessoal das crianças, dizendo que as mães não faziam nada e que poderiam bem ficar com vocês (crianças) em casa” (M17). Outro grande desafio a ser vencido é a concepção 7628 escolarizante da educação infantil, pois as acadêmicas relataram várias práticas como atividades de alfabetização, espaço e tempo determinado para o brincar, fila para entrar e sair da sala, entre outras. Ou seja, por mais que a educação infantil seja considerada como primeira etapa da educação básica, ela não deve configurar-se em práticas que evidenciam uma antecipação do ensino fundamental. O despreparo das acadêmicas para lidar e enfrentar as situações relacionadas ao trabalho com crianças de 0 a 5 anos de idade foi mencionado em alguns relatórios, ficando explícito que infelizmente a prática está distante do ideal, ou seja, há um descompasso entre as discussões realizadas na universidade sobre como dever ser e o que realmente acontece na realidade das instituições. Assim, podemos fazer nossas as palavras de Libâneo e Pimenta (2002, p. 51) Atualmente, em boa parte dos cursos de licenciatura, a aproximação do futuro professor á realidade escolar acontece após ter passado pela formação “teórica” tanto na disciplina específica como nas disciplinas pedagógicas. O caminho deve ser outro. Desde o ingresso dos alunos no curso, é preciso integrar os conteúdos das disciplinas em situações da prática que coloquem problemas aos futuros professores e lhes possibilite experimentar soluções. Isso significa ter a prática, ao longo do curso, como referente direto para contrastar seus estudos e formar seus próprios conhecimentos e convicções a respeito. Isso quer dizer que os alunos precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as situações com que irão trabalhar. Significa tomar a prática profissional como instância permanente e sistemática na aprendizagem do futuro professor e como referência para a organização curricular. Segundo Kishimoto (2011, p. 109), o período de estágio é curto e insuficiente e mesmo que, os cursos de formação de professores tentem colocar os alunos em contato com livros, pouco vão à realidade, para observar e aprender como se processa a relação ensino/aprendizagem. Ou seja, a universidade precisa traçar caminhos a fim de que seja rompido este distanciamento entre o plano ideal e o plano prático. Contudo, podemos dizer que o estágio supervisionado apresenta grandes contribuições para a formação do futuro professor, e na leitura dos memoriais de estágio percebemos que em todos os memoriais as estagiárias o reconhecem como fundamental para a sua formação, pois estas afirmam que: O estágio para mim foi muito bom e me permitiu analisar quais os desafios já vencidos pelos profissionais de Educação Infantil e quais as deficiências que a área ainda tem que vencer (M14) Podemos concluir que o estágio é uma etapa fundamental para nossa formação acadêmica. É por meio dele que podemos ter a experiência de vivenciar as mais diversas situações antes desconhecidas por nós (M16) 7629 O estágio é um momento rico em aprendizados e experiências, fundamental à formação de qualquer profissional, é o que impulsiona a essa formação, pois entramos em contato com a realidade educacional, é a oportunidade de desenvolver um olhar crítico sobre essa realidade. É uma oportunidade para o nosso desenvolvimento como professores (M17). Assim, nos memoriais cuja contribuição do estágio supervisionado para a formação docente fora explicitadas pelas acadêmicas, este é relacionado como extremamente importante para conhecer a realidade das instituições de educação infantil, que muitas vezes é desconhecida pelas acadêmicas e também o relacionam como importante para unificar a teoria estudada durante os primeiros anos do curso com a realidade agora conhecida. Assim, podemos dizer que as acadêmicas relacionam o estágio como um complemento á tudo o que fora estudado durante os primeiros anos em sala de aula, e o entendem como momento de formação. Considerações finais Partindo do exposto, apesar dos imensos desafios e problemas apontados, é possível reconhecer relações positivas entre o plano de ensino da disciplina de Estágio Supervisionado em Educação Infantil e as vivências relatadas nos memoriais. As temáticas relacionadas ao planejamento, ao cuidar e educar e as reflexões propostas acerca da organização do trabalho pedagógico na educação infantil abarcam uma gama de discussões já defendidas pela área e que, ao fazerem parte da formação das futuras profissionais, instigaram-nas a olhar com mais atenção para estas questões. Muito embora exista uma relação entre o plano de ensino da disciplina e os memoriais analisados, ainda persiste uma grande distância entre a formação oferecida em âmbito acadêmico e a prática das instituições. Isto, ao contrário de oferecer um descrédito à formação, demonstra ainda mais a necessidade de melhor preparo e visibilidade, nos cursos de formação de docentes, a momentos específicos de discussão acerca da educação infantil e suas práticas. Desta forma, percebe-se que a inclusão da educação infantil como uma das áreas de atuação do pedagogo não foi contemplada a contento na organização do currículo, pois, sem uma organização e supervisão específica e número de disciplinas que tratem das peculiaridades do trabalho com as crianças de 0 a 5 anos, os futuros profissionais da educação infantil recebem uma formação incompleta, onde questões importantíssimas deixam de ser atendidas gerando reflexões diretas nas práticas desenvolvidas. 7630 Neste sentido, encontramos nos memoriais de estágio, análises das acadêmicas relacionadas apenas às práticas docentes deixando de lado o olhar mais apurado às crianças, de como elas se relacionam, o que elas querem nos transmitir. Ou seja, um olhar para a infância. Porém, a própria duração do estágio não permite este olhar mais específico, pois, em em uma disciplina de meio semestre com poucas horas em campo de estágio, torna-se impossível este reconhecimento. Predominando assim, mais uma vez, um olhar aligeirado sobre as especificidades do trabalho na educação infantil. Frente a estas condições, os cursos de formação precisam ter em mente qual o perfil dos professores de educação infantil que querem formar. Sabe-se que a docência em educação infantil possui especificidades com relação à docência nos demais níveis de ensino, por isso, o perfil do educador infantil deve ser conhecido a fim de atender as particularidades do trabalho com as crianças pequenas. Por conseguinte, os profissionais da área precisam conhecer e dominar os saberes docentes necessários para atuar com as crianças de 0 a 5 anos, para que sua função principal – o desenvolvimento das crianças desta faixa etária – seja cumprida. Nesta direção, o currículo dos cursos de formação que abarcam a educação infantil precisam contemplar de maneira consistente aspectos como a indissociabilidade entre cuidado e educação, a importância do brincar, a literatura infantil, entre outras questões que devem ser trabalhadas de maneira integrada. Podemos considerar que o estágio supervisionado tem muito a contribuir para a formação dos futuros professores, mas que este precisa ser revisto para que seja realmente um espaço de construção de conhecimentos e não apenas para cumprir aspectos meramente burocráticos. Queremos contribuir com esta pesquisa no sentido de que, os cursos de formação comecem a mudar o seu olhar sobre o estágio supervisionado, a fim de que este não se torne uma única disciplina de apenas um semestre, a fim de cumprir carga horária e avaliação dos alunos. Mas que o estágio torne-se essencial desde os primeiros anos do curso, em que os acadêmicos e professores possam estar inseridos dentro das instituições de educação infantil, no sentido de trazer para a universidade discussões acerca das práticas educacionais dentro das instituições. REFERÊNCIAS 7631 ABRAMOWICZ, Anete. WAJSKOP, Gisela. Educação infantil: creches - atividade para crianças de zero a seis anos. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1999. ALVES, Cândida Maria Santos Daltro; PAULA, Roberta Cristina de. O que as políticas públicas de educação infantil e as práticas pedagógicas observadas em creches e pré-escolas no município de Campinas trazem sobre o cuidar e o educar. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; SILVA, Lilian Lopes Martin da; et al. Culturas infantis em creches e pré-escolas: estágio e pequisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2011. ANDRÉ, M. E. D. A; LUDKE, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU (Editora Pedagógica e Universitária LTDA), 1986. BROERING, Adriana de Souza. Quando a creche e a universidade se encontram: histórias de estágio. IN: OSTETTO, Luciana Esmeralda (ORG.). Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 4 ed. Campinas: Papirus, 2008 (Coleção Agere). FARIA, Ana Lúcia Goulart de; SILVA, Lilian Lopes Martin da; et al. Culturas infantis em creches e pré-escolas: estágio e pequisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2011. SILVA, M. R; PAWLAS, N. O; PEDRO, R. F. O Estágio Supervisionado na Educação Infantil e a Formação do Futuro Docente. IV Colóquio Internacional Educação e Contemporaineidade ISSN 1982-3657. Disponível em: < http://www.educonufs.com.br/ivcoloquio/cdcoloquio/eixo_04/E4-71.pdf> Acesso em 18 nov. 2012. FRANCISCO, M. F; MACHADO, Y. L. Higienização das crianças da Educação Infantil na escola Municipal Sagrado Coração de Jesus. 2009. Disponível em: <http://www.efescolar.pro.br/Arquivos/arq_2009_21.pdf> Acesso em 13 jun. 2012. GATTI, Bernadete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010, 1355. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em 4 mar. 2013. GATTI, Bernadete A; NUNES, Marina Muniz Rossa. (coord.) Formação de professores para o ensino fundamental: instituições formadoras e seus currículos. Relatório final: Pedagogia. Fundação Carlos Chagas. São Paulo, SP: 30 de agosto de 2008. GODOI, Elisandra Girardelli; SILVA, Marta Regina Paulo da. “Achadouros de infância”: problematizando a relação entre adultos e crianças na educação infantil. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; SILVA, Lilian Lopes Martin da; et al. Culturas infantis em creches e préescolas: estágio e pequisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2011. KISHIMOTO, T. M. Um estudo de caso no Colégio Dom Pedro V. In: OLIVEIRAFORMOSINHO, J; KISHIMOTO, T. M (org.). Formação em contexto: uma estratégia de integração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. 7632 KISHIMOTO, T. M. A LDB e as instituições de educação infantil: desafios e perspectivas. Rev. Paul. Educação Física, São Paulo, supl. 4, p. 7-14, 2001. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Encontros e desencontros na formação dos profissionais de educação infantil. In: MACHADO, Maria Lucia de A. (org). Encontros e desencontros em educação infantil. 4 ed, São Paulo, Cortez, 2011. KRAMER, Sonia. Formação de profissionais de educação infantil: questões e tensões. In: MACHADO, Maria Lucia de A. (org). Encontros e desencontros em educação infantil. 4 ed, São Paulo, Cortez, 2011. LIBÂNEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido; Formação dos Profissionais da Educação: visão crítica e perspectivas de mudança. In: PIMENTA, Selma Garrido (org). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo, Cortez, 2002. MORETTI, Nara Martins; SILVA, Nélia Aparecida. Brincar na educação infantil transgressões e rebeldias. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; SILVA, Lilian Lopes Martin da; et al. Culturas infantis em creches e pré-escolas: estágio e pequisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2011. OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Formação em Contexto: uma estratégia de integração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. OSTETTO, Luciana Esmeralda. Planejamento na Educação Infantil: mais que a atividade, a criança em foco. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. Campinas, Papirus, 2000. OSTETTO, Luciana Esmeralda. O estágio curricular no processo de tornar-se professor. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda. (org). Educação infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 4 ed. Campinas, São Paulo, 2008. (Coleção Ágere). OSTETTO, L. E. (org); Vários autores. Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 5 ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2008. PIMENTA, Selma Garrido (org). Saberes pedagógicos e atividade docente. 3 ed. São Paulo, Cortez, 2002. PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2006. PIMENTA, S. G; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2012.