A REALIZAÇÃO DE VIBRANTE SIMPLES EM LUGAR DE MÚLTIPLA EM ONSET SILÁBICO NA CIDADE DE ANTÔNIO PRADO – RS THE OCCURRENCE OF FLAP INSTEAD OF TRILL IN SYLLABIC ONSET IN ANTÔNIO PRADO CITY -RS Raquel da Costa Corrêa1 Bolsista CNPq - UFRGS RESUMO: Conforme Monaretto (1997) e Frosi e Mioranza (1983) a realização de vibrante simples em lugar de múltipla é um fenômeno comum no português quando este sofre influência do italiano. No Rio Grande do Sul a população de imigrantes e descendentes de imigrantes italianos se faz fortemente presente, principalmente nas cidades da denominada RCI (Região de Colonização Italiana). Os estudos realizados por Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) e Battisti e Martins (2011) revelam que o emprego da vibrante simples em lugar da múltipla é uma prática predominantemente masculina, rural e realizada pelos falantes mais velhos. Assim, a tendência é que tal realização venha a diminuir ou desaparecer em gerações futuras. O objetivo geral do presente trabalho é verificar, com base na Teoria da Variação (Labov, 1972), a freqüência da aplicação de tepe em lugar da vibrante múltipla tanto em posição intervocálica (murro) quanto em início de palavra (rua) em Antônio Prado – RS e se as variáveis sociais são mesmo mais relevantes para a aplicação da regra em questão, conforme mostram estudos feitos em Flores da Cunha e Caxias do Sul, que também fazem parte da região da Serra Gaúcha. Partimos da hipótese de que os homens de mais idade, moradores da zona rural, tendem a aparecer como favorecedores da realização da vibrante simples, conforme indica a revisão bibliográfica. Para que se faça a investigação da freqüência e, especialmente, das variáveis que mais favorecem a aplicação da regra em questão, estão sendo utilizadas entrevistas de 32 informantes de Antônio Prado (RS), do Banco de Dados da Serra Gaúcha (BD Ser), de Caxias do Sul (UCS), considerando as seguintes características: 2 gêneros, 2 locais de residência (urbano e rural), 4 grupos etários (15-30; 31-50; 51-70; 71 ou mais anos), 2 níveis de escolaridade (1 a 8 anos, primário a fundamental, e 11 ou mais anos, médio a superior). A quantificação dos dados está sendo feitas através do programa Goldvarb, integrante do pacote VARBRUL, e os resultados apresentados no presente trabalho são parciais, objetivando predizer quais as variáveis sociais mais relevantes e quais os fatores favorecedores da aplicação de tepe em Antônio Prado. PALAVRAS-CHAVE: tepe. vibrante. contato lingüístico. ABSTRACT: According to Monaretto (1997) and Frosi and Mioranza (1983), the occurrence of flap instead of trill is a common phenomenon in Brazilian Portuguese when it is influenced by the Italian language. In Rio Grande do Sul the population of immigrants and descendants of Italian immigrants is strongly present, mainly in the ICR (Italian Colonization Region) cities. The studies performed by Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) and Battisti and Martins (2011) reveal that the use of flap instead of trill is a predominantly male and rural practice, and mostly performed by older speakers. Thus, the tendency is to decrease or disappear in future generations. This study aimed (i) to verify, based on the Variation Theory (Labov, 1972), the frequency of the flap use instead of trill, both in intervocalic position (murro) as at the beginning of the word (rua), in Antonio Prado – RS; and (ii) to verify if the social variables are indeed more relevant for the application of the rule addressed, as 1 Mestranda em Teoria e Análise Línguística (Morfologia e Fonologia) na UFRGS, bolsista CNPq. 1 shown by studies performed in Flores da Cunha and Caxias do Sul, which belong to the Serra Gaúcha region as well. We hypothesized that older men, residents of the countryside, tend to appear as contributors to the flap occurrence, as shown in the literature. For the assessment of the frequency and, especially, of the variables which more contribute for the application of the rule addressed, interviews from 32 informants from Antônio Prado (RS) are being used, taken from Serra Gaúcha Database (BD Ser), from Caxias do Sul (UCS), considering the following characteristics: 2 genders, 2 places of residence (urban and rural), 4 age groups (15-30; 31-50; 51-70; 71 or older), 2 educational levels (from 1 to 8 years, from primary to elementary education, and 11 or older, from high school to higher education). The data quantification has been done through Goldvarb software (from VARBRUL package), and the results presented in this work are partial, aiming to predict which social variables are more relevant and which are the favoring aspects for the application of the flap in Antônio Prado. KEYWORDS: flap. trill. linguistic contact 1 Introdução Na presente pesquisa, o objeto de estudo é a realização de vibrante simples em lugar de múltipla em onset2 silábico em uma cidade do Rio Grande do Sul, Antônio Prado, em que o português divide espaço com o dialeto italiano, já que se trata de uma comunidade de fala habitada predominantemente por descendentes de italianos devido à colonização. Enquanto na fala de língua portuguesa não se prevê a realização de r fraco (vibrante simples) em palavras como rua e carro, e sim de r forte (vibrante múltipla), na fala dialetal italiana essa substituição é comum, por exemplo: caroça ~ carroça, cachoro ~ cachorro. A partir dos estudos realizados por Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) e Battisti e Martins (2011) em cidades de colonização italiana no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, formulou-se a hipótese de que os homens de idade mais avançada e moradores da zona rural aplicam mais o tepe (vibrante simples). O presente estudo pretende investigar se, em Antônio Prado, a realização de vibrante simples em lugar de múltipla segue a tendência indicada em pesquisas anteriores e se as variáveis sociais Gênero, Local de Residência e Idade apresentam índices semelhantes. Para realizar a análise quantitativa dos dados nos baseamos na Teoria da Variação (LABOV, 1972), considerando variáveis linguísticas e extralingüísticas as quais serão apresentadas ao tratarmos sobre a metodologia. O programa utilizado para rodar os dados foi o Goldvarb X, que integra o pacote VARBRUL. Este artigo é baseado no projeto-piloto apresentado no CELSUL 2014, em Chapecó (SC), portanto trata-se de uma análise de caráter preliminar, visando predizer se a nossa hipótese tende a ser confirmada. Nesse primeiro momento, foram ouvidas 12 entrevistas do 2 Onset significa início de sílaba. 2 montante de 32 que fazem parte do projeto de dissertação de Mestrado e foram controladas as variáveis extralingüísticas Gênero e Local de Residência. 2 O conceito de vibrante e o resultado do contato português-italiano Um som vibrante ocorre por pequenas oclusões produzidas pela língua ou pela tremulação da úvula através da ação da corrente de ar. Os movimentos vibráteis são feitos pela ponta ou pelo dorso da língua, que bate repetidamente contra a arcada dentária superior, contra os alvéolos ou ainda contra o véu palatino. A língua pode, em vez de produzir uma série de oclusões, não fechar por completo a passagem do ar, fazendo desaparecer a vibração propriamente dita para dar lugar a um som fricativo ou aspirado (MALMBERG, 1954 apud BISOL, 1999). Essas modalidades de articulação caracterizam os sons do r-forte, que pode, pois, ser tanto uma vibrante propriamente dita, quanto uma fricativa ou aspirada. É chamada também de vibrante múltipla e é enquadrada na categoria das líquidas. (BISOL, 1999) Há sons de r que podem ocorrer com uma só batida da língua junto aos alvéolos chamados de tepe ou de vibrante simples, branda ou fraca, encontrados em grupo consonantal (cravo) e entre vogais (maré) (BISOL, 1999). Battisti e Martins (2011) resumem essa definição utilizando as seguintes palavras: Vibrante simples é a consoante que, no nível fonético, é produzida com uma leve batida da ponta da língua nos alvéolos, como na articulação do segmento medial de ira. Vibrante múltipla também é produzida pela ponta da língua na região dos alvéolos, com mais de uma batida do articulador ativo (ponta da língua) no passivo (região alveolar) (erro). (BATTISTI E MARTINS, 2011, P.146) Tradicionalmente, considera-se que há duas espécies de r que se opõem fonologicamente apenas em posição intervocálica (careta: carreta, tora: torra). Nos outros ambientes a oposição fica neutralizada: em posição inicial só ocorre o r forte (múltiplo), como segundo elemento de grupo consonântico ocorre de preferência o r fraco (simples) e em posição pós-vocálica pode ocorrer um ou outro. (CALLOU E LEITE, 2003) Defendendo a existência de dois fonemas, vibrante simples e vibrante múltipla, devido ao caráter contrastivo entre esses segmentos, Battisti e Martins (2011) explicam: A vibrante simples e a múltipla são fonemas no português, uma vez que há valor contrastivo entre esses segmentos, como se vê no par mínimo muro-murro. Dessas duas consoantes, apenas a vibrante múltipla realiza se em diferentes fones: vibrante alveolar [r], fricativa velar [X] e fricativa glotal [h]. Assim, murro, por exemplo, pode ser produzido como mu[r]o, mu[X]o ou mu[h]o, sem que a diferente pronúncia implique mudança de significado. (BATTISTI E MARTINS, 2011, P.147) 3 A concepção de que há dois fonemas distintos segue os princípios da fonologia estruturalista. Câmara Jr (2000 [1970]) aborda o elenco de fonemas consonantais do português, examinando a posição de início de sílaba. Segundo o autor, o /r/ brando e o /r/ forte fazem parte desse elenco. No entanto, há controvérsia quanto ao status fonológico da consoante vibrante no português. Alguns autores como Monaretto, Quednau e Hora (2005), baseados nos princípios da fonologia autossegmental, em que os segmentos são definidos em nós de raiz em uma estrutura ramificada de traços fonológicos hierarquizados, defendem que há apenas o fonema vibrante brando (tepe) na estrutura da língua portuguesa. Os autores, citando Monaretto (1992, 1997), afirmam que “há um único fonema r e que a vibrante múltipla intervocálica funciona como uma geminada heterossilábica”. Assim, na palavra caro, o fonema da subjacência se superficializa, já na palavra carro, há duas vibrantes fracas, uma em posição de final de sílaba, outra em posição inicial, formando, juntas, uma vibrante forte. Conforme os autores, em início de palavra, por uma regra particular, ele se converte em r forte. Frosi e Mioranza (1983), estudando o contato dos falares dialetais italianos com o português na antiga região colonial italiana do Rio Grande do Sul (RCI- RS), registram a frequente realização da vibrante simples em lugar da múltipla no português. Esse seria um dos traços característicos da fala bilíngue, distinto do falar monolíngue português. Partindo dessa informação, realizamos a revisão bibliográfica a fim de investigar os fatores condicionadores da aplicação de tepe através de análises quantitativas e qualitativas feitas por pesquisadores nos últimos anos. Rossi (2000) investigou o emprego de vibrante simples em lugar da múltipla no português falado em Chapecó (SC) e Flores da Cunha (RS), em dados de entrevistas sociolinguísticas do VARSUL. O total de dados analisados foi de 1044. A vibrante simples realizou-se em 46% desse total de dados, sendo 45% sua realização em Chapecó, e 52% sua realização em Flores da Cunha. Os resultados estatísticos apontaram uma forte influência dos fatores sociais sobre o processo investigado. Os cruzamentos revelaram uma tendência de as mulheres, independente da comunidade, da idade ou da escolaridade, privilegiarem o emprego da vibrante múltipla. Segundo a autora, isso pode ser potencializado pela escolaridade, já que os informantes com maior nível de escolaridade também privilegiaram a vibrante múltipla. Quanto ao número de sílabas, única variável linguística selecionada pelo VARBRUL, os resultados apontaram as palavras polissilábicas como favorecedoras da múltipla, as dissilábicas como favorecedoras da simples. 4 Spessato (2003) investigou as produções de vibrante múltipla e simples apenas em Chapecó (SC), também com dados de entrevistas do VARSUL (24 entrevistas). A autora constatou 46% de emprego de vibrante simples em lugar de múltipla, praticamente a mesma taxa encontrada por Rossi (2000) para Chapecó. As variáveis sociais foram apontadas pelo pacote de programas VARBRUL como as mais relevantes para o condicionamento do fenômeno, na seguinte ordem: Escolaridade, Idade, Bilinguismo e Gênero. A única variável linguística selecionada pelo VARBRUL foi posição do fonema na palavra, sendo a inicial a que privilegia o emprego da vibrante múltipla. Bovo (2004) estudou a fala em língua portuguesa de bilíngues português-italiano da zona rural de Caxias do Sul em dados de vinte e quatro entrevistas do BDSer (Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, UCS). Foram 1461 os contextos analisados, e a frequência total de emprego de tepe em lugar de vibrante foi de 44%, índice próximo aos verificados por Rossi (2000) e Spessatto (2003) em Chapecó e em Flores da Cunha. Em todas as rodadas da análise quantitativa, as variáveis sociais foram sempre selecionadas, as linguísticas, exceto uma, (posição da sílaba na palavra), descartadas pelo pacote de programas VARBRUL. A autora realizou, além da análise de regra variável, estudo etnográfico sobre gênero na comunidade de prática Clube de Mães de uma localidade da zona rural de Caxias do Sul e chegou à conclusão de que ser mulher nessa localidade é realizar práticas sociais distintas, orientadas à cidade e com emprego de português padrão, de um lado, e, de outro, à comunidade e à família, o que explica empregarem um pouco mais de vibrante múltipla do que os homens. Mais tarde, Battisti e Martins (2011) verificaram a aplicação da vibrante simples em lugar de múltipla na cidade de Flores da Cunha com base em 32 entrevistas do BDSer, controlando Idade, Gênero e Local de Residência, além das variáveis lingüísticas Tonicidade da sílaba, Posição da sílaba na palavra e Número de sílabas na palavra. Concluiu-se que o uso de tepe é condicionado por idosos do gênero masculino e habitantes da zona rural, e que a tendência é a diminuição da aplicação da regra. A respeito do estudo etnográfico realizado em Flores da Cunha, as autoras afirmam: Cumpridas algumas etapas do estudo etnográfico na comunidade, pudemos observar, no que se refere às práticas sociais dos jovens, que mudanças sociais ocorrem na comunidade, o que se relaciona às mudanças linguísticas verificadas. Os jovens florenses reproduzem em parte as práticas sociais tradicionais, mas se abrem a inovações. Têm na cidade poucas opções de estudo e lazer, o que os faz deslocarem-se diariamente a outras localidades para frequentarem faculdade e se divertirem, mas seguem morando nela, acabam retornando a Flores da Cunha. Observações como essas nos permitem interpretar os resultados da análise quantitativa e confirmar a tendência de mudança fonológica no português em Flores 5 da Cunha, a ser concretizada pelas gerações futuras. (BATTISTI & MARTINS, 2011, P. 157) A revisão de literatura efetuada por Battisti e Martins (2011) mostra que predominam as variáveis sociais no condicionamento do processo variável em questão, por isso a importância de controlá-las. A frequência total de aplicação vai de 40% a 50%, e ao menos uma variável linguística tem papel relevante. Esses resultados relacionam-se a práticas sociais locais, que seguem dando espaço à fala bilíngue e, assim, à transferência de traços da fala dialetal italiana para o português. 3 Metodologia A presente pesquisa fundamenta-se na Teoria da Variação (LABOV, 1972), também conhecida como sociolingüística quantitativa. Esse modelo de investigação tem como objeto de estudo a língua falada em situações reais de uso e preocupa-se em descrever o sistema de uma língua, além de procurar entender seu funcionamento, localizando esse estudo em uma comunidade de fala ou mais de uma. Segundo Labov (2008, p. 188), comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que usam todos as mesmas formas; ela é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas a respeito da língua. Para Guy (2000), existem três características definidoras das comunidades de fala: (i) características lingüísticas compartilhadas e usadas na comunidade, mas não fora dela (palavras, sons e construções gramaticais); (ii) densidade de comunicação interna relativamente alta (entre os indivíduos da comunidade) e (iii) normas compartilhadas (atitudes em comum sobre o uso da língua, a direção da variação estilística e avaliações sociais a respeito das variáveis lingüísticas). A comunidade de fala em questão é Antônio Prado, sexta e última das chamadas “antigas colônias da imigração italiana”, fundada em 1886. A cidade é contemplada pelo Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha (BDSer), o qual foi constituído pela Universidade de Caxias do Sul. São quatro os municípios que compõem o corpus, totalizando de 225 entrevistas sociolingüísticas: Antônio Prado, Caxias do Sul, Flores da Cunha e São Marcos. As entrevistas seguem um roteiro de questões sobre o cotidiano (conforme o quadro 1), voltadas a motivar os informantes a utilizarem a fala da maneira mais espontânea possível, num uso que se pode considerar coloquial. As entrevistas têm duração de 45 a 60 minutos e obedecem à seguinte estratificação: 2 gêneros (masculino e feminino), 2 locais de residência 6 (urbano e rural), 4 grupos etários (15-30; 31-50; 51-70; 71 ou mais anos), 2 níveis de escolaridade (1 a 8 anos, primário a fundamental, e 11 ou mais anos, médio a superior). Primeiro bloco Como é tua família? Ela é grande? Tens irmãos, filhos, netos? O que eles fazem? Estudam? Trabalham? Há quanto tempo moras aqui? Gostas do lugar? Segundo bloco O que lembras de tua infância? Com que brinquedo tu te divertias? Foste à escola? Onde? Como eram as aulas? Como era a professora/o recreio? Terceiro bloco Qual é a tua opinião sobre o comportamento dos jovens em relação aos pais/ao namoro/ao estudo/ao trabalho? O que tu pensas sobre os programas de TV – filmes exibidos, novelas, noticiários? Por quê? Quadro 1 – Roteiro de entrevista (Battisti & Guzzo apud Baccarin, Barroso & Guzzo, 2008) Para a análise de regra variável utilizamos o programa Goldvarb X, integrante do pacote VARBRUL que, segundo BRESCANCINI (2000) tem a função de “tomar um conjunto de dados linguísticos e organizá-lo, de acordo com a variável dependente, em ambientes possíveis do ponto de vista linguístico e extralinguístico”. Segundo a autora, o programa realiza um algoritmo que é capaz de oferecer informações estatísticas para cada fator condicionador da regra variável. Essas informações estatísticas são dadas na forma de percentuais e pesos relativos. Os valores obtidos na análise quantitativa são expressos em percentuais e em pesos relativos. Os percentuais expressam a distribuição dos dados e realizações variáveis por fator considerado nas diferentes variáveis controladas. Os pesos relativos expressam a tendência de o processo estudado ocorrer, como efeito dos diferentes fatores considerados na análise. Esses últimos estão compreendidos no intervalo de 0 a 1: valores em torno de 0,5 indicam a neutralidade do fator em relação ao processo estudado, valores abaixo de 0,5 indicam que o fator não condiciona (desfavorece) o processo, valores acima de 0,5 indicam que o fator condiciona (favorece) o processo. (BATTISTI E MARTINS, 2011, P. 152) Foram ouvidas, inicialmente, 12 entrevistas de Antônio Prado, sendo 6 homens (3 de zona urbana e 3 de zona rural) e 6 mulheres (3 de zona urbana e 3 de zona rural), divididos por células conforme o quadro 2, e foram controladas apenas as variáveis extralingüísticas Gênero e Local de Residência. Célula 1 Homem Urbana 15-30 anos Ensino fundamental Célula 7 7 Mulher Urbana 71 ou mais anos Ensino fundamental Célula2 Homem Urbana 31-50 anos Ensino médio Célula 8 mulher Urbana 51-70 anos Ensino superior Célula 3 Homem Urbana 31-50 anos Ensino primário Célula 9 Mulher Urbana 15-30 anos Ensino médio Céulula 4 Homem Rural 31-50 anos Ensino primário Célula 10 mulher rural 15-30 anos Ensino primário Célula 5 Homem Rural 51-70 anos Ensino médio Célula 11 mulher rural 71 ou mais anos Ensino primário Célula 6 Homem Rural 31-50 anos Ensino médio Célula 12 mulher rural 31-50 anos Ensino primário Quadro 2 – Divisão dos informantes por células Ao realizar as oitivas foram levantados os contextos considerando apenas a vibrante em posição inicial de sílaba (onset) como em rua, carro, rato, carreta. Embora tenham sido controladas apenas duas variáveis extralingüísticas, a codificação de todas as variáveis, lingüísticas e extralinguísticas, foi realizada e todas foram analisadas pelo programa. As variáveis estão organizadas da seguinte maneira: Variáveis lingüísticas Variáveis extralinguísticas Tonicidade da sílaba: Tônica: parreira Pretônica: reúna postônica: terra Posição da sílaba na palavra: Inicial: roda Medial: terreno Final: cachorro, guerra Gênero Feminino Masculino Idade 15 a 30 anos 31 a 50 anos 51 a 70 71 ou mais anos Escolaridade 1 a 8 anos: primário + fundamental 11 ou mais anos: médio + superior Número de Sílabas na palavra: Monossílaba: rã, rol Dissílaba: raro Trissílaba: terreno Polissílaba: rigoroso 8 Local de residência Urbano Rural Quadro 3 – Variáveis lingüísticas e extralingüísticas 5 Resultados Preliminares Considerando o caráter piloto do trabalho, o propósito deste artigo é predizer se a hipótese de que os homens, moradores de zona rural, aplicam mais a vibrante simples em lugar de múltipla em Antônio Prado. Por esse motivo, inicialmente foram controladas apenas as variáveis extralinguísticas Gênero e Local de Residência. Dessa forma, ainda não temos uma boa distribuição dos informantes por célula, como mostra o quadro 2, o que pode ter influência sobre o valor de input 3 (0.947) que é alto, conforme podemos observar logo abaixo das tabelas 1 e 2. A amostra contém muitos informantes que possuem apenas o nível primário de escolaridade e um número considerável de pessoas de meia idade ou mais. O equilíbrio será alcançado quando houver a oportunidade de realização da análise de regra variável com o quadro completo de informantes: 32. Em relação à variável Gênero parece haver tendência a confirmação da hipótese de que os homens condicionam a aplicação de tepe, conforme mostra a tabela 1: Tabela 1: Gênero Fatores Aplicação/ Total % Peso Relativo Masculino 370/391 94 0.68 Feminino 269/335 80 0.28 Total 639/726 88 Input: 0.947 significância: 0.000 Rossi (2000), Bovo (2004) e Battisti e Martins (2011) explicam a diferença de gênero como resultado de questões relacionadas à identidade e às práticas sociais: Para Rossi (2000), a mulher figura como responsável pela transmissão das normas de comportamento social, incluindo o lingüístico, na socialização da criança, favorecendo a aplicação de 3 O input representa o uso de determinado valor da variável dependente. Deve se aproximar do nível de 0,40, dadas certas expectativas sobre a distribuição equilibrada dos dados. Quando o valor de input se distancia da taxa geral, isso indica que a distribuição dos dados através dos vários fatores não é equilibrada. (GUY & ZILLES, 2007) 9 vibrante múltipla. Já o homem parece ter liberdade para quebrar regras sociais, preservando as características lingüísticas da localidade. O informante número 138 de Antônio Prado (homem, zona rural, 51 a 70 anos, ensino primário) é um exemplo. A seguir um trecho da entrevista em que ele comenta sobre suas práticas sociais: Pesquisador: Nos fins de semana quando o senhor tem uma folga o que o senhor costuma fazer? Informante: Ah, fazer o quê? ir na bodega. (Risos) Fazer o quê? Passar umas horas lá. Pesquisador: E essa bodega fica aqui perto? Informante: É...na capela aqui...linha 21 aqui. Pesquisador: Está sempre aberto ali pra quem quiser ir? Informante: Não. Abre sábado de tarde e domingo à tarde. Pesquisador: E o que fazem ali? Jogam? Informante: Ah o baralho, bocha, essas coisas... pra passar umas horas. Bovo (2004) corrobora a afirmação de Rossi, utilizando as seguintes palavras: “apesar de ser lícito ao homem frequentar lugares públicos para beber e conversar, em comunidades mais conservadoras como as de zona rural não ‘ficaria bem’ para uma mulher de família se expor dessa forma.” No que diz respeito à variável Local de Residência também parece haver tendência à confirmação da hipótese de que os moradores de zona rural favorecem a aplicação da regra. Tabela 2: Local de Residência Fatores Aplicação/ Total % Peso Relativo Rural 410/426 96 0.72 Urbana 229/300 70 0.20 Total 639/726 88 Input: 0.947 significância: 0.000 Os resultados estão de acordo com os estudos anteriores. Battisti e Martins (2011) controlaram a variável ‘Local de Residência’ em Flores da Cunha e explicam a diferença de local de residência como resultado do fato de a fala bilíngue português-dialeto italiano ainda ser prática social corrente nas conversas entre familiares, vizinhos e amigos, que pode ser constatado em festas de capela e nas propriedades rurais, principalmente entre os mais velhos. 10 Nas entrevistas dos informantes de zona rural podemos atestar essa afirmação de que na zona rural se preserva mais o dialeto. Informante 144 de Antônio Prado (homem, zona rural, 31 a 50 anos, ensino médio) em resposta à pergunta “O senhor fala dialeto¿”: Eu falo o italiano aquele... Na verdade não é italiano...é... é exatamente as palavras... dialeto correto dizer né...mas falo com certeza. A gente tem muita gente do nosso convívio que a gente só fala italiano. Eu, se eu falar com a minha mãe, eu só falo italiano. Se eu falar com a minha esposa e com meus filhos eu falo português. Se eu falar com a minha mãe, só falo italiano. E tem os vizinhos aí, o pessoal mais de idade né... De vez em quando eu falo com meus filhos em italiano até pra eles irem aprendendo. O seguinte trecho da entrevista realizada com o informante 159 de Antônio Prado (homem, zona rural, 51 a 70 anos, ensino médio) também confirma a afirmação de que na zona rural se utiliza mais o dialeto: Pesquisador: O senhor fala outras línguas? Italiano... Informante: Italiano, sim. Italiano, falo. Pesquisador: O senhor entende tudo, fala tudo? Informante: Sim, sim Pesquisador: Com quem que o senhor fala? Com os parentes, com os amigos? Informante: O italiano? Pesquisador: É o italiano Informante: Ah geralmente com os amigos, mas a gente fala quase pouco italiano né. Agora ali..em Santana ali a gente conversa seguido em italiano. Com o pessoal lá...joga baralho, a gente se encontra ali..a gente conversa bastante. Um terceiro exemplo vem do informante 151 (homem,zona urrbana, 31-50 anos, ensino médio), que embora não seja morador da zona rural, afirma que lá o dialeto está mais presente: Pesquisador: Tu sabes falar dialeto? Informante: Dialeto sim. Pesquisador: E tu costumas falar com alguém? Informante: Todos os dias eu falo com meu irmão. De manhã quando estamos sozinhos falamos o dialeto direto. Pesquisador: Olha só...então quando tu era pequeno tu aprendeu? Informante: Praticamente na colônia se falava só o dialeto. Pesquisador: Então com teus outros irmãos também? 11 Informante: Sim. Pesquisador: Olha só que bacana. Informante: Porque eles foram pra colônia com o pai e meu irmão que mora lá e minha irmã...só dialeto. Pesquisador: Então quer dizer que tu fala bem e entende bem? Informante:Sim. Podemos verificar, ao cruzar as variáveis em questão, que a diferença de gênero, nesse primeiro momento, se manifesta na zona urbana. Na zona rural homens e mulheres parecem aplicar a regra quase na mesma proporção, conforme podemos verificar no gráfico 1. Gráfico 1 – Cruzamento entre as variáveis Gênero e Local de Residência Devido ao caráter preliminar da análise, os informantes ainda não estão equilibradamente distribuídos em relação à escolaridade e idade, duas variáveis consideradas relevantes em estudos anteriores sobre a vibrante na Serra Gaúcha, o que pode estar contribuindo para resultados nebulosos quando do cruzamento das variáveis controladas nessa primeira rodada. Também se faz necessária uma análise que inclua as variáveis lingüísticas para que se tenha uma visão mais completa a respeito do comportamento da variável dependente em questão. 12 6 Conclusão As tabelas de Gênero e Local de Residência apresentam claramente a possibilidade de confirmação da hipótese de que os idosos do sexo masculino condicionam a aplicação de tepe em lugar de vibrante múltipla em Antônio Prado. Já o gráfico que apresenta o cruzamento entre as duas variáveis ilustra a diferença de gênero existente na zona urbana, no entanto mostra que essa diferença é quase nula na zona rural, o que deve ser investigado com maior atenção nas próximas etapas da pesquisa, e que pode estar relacionado ao fato de que, na zona rural, se fala mais o dialeto italiano, principalmente entre familiares e amigos. É com muita cautela que informamos esse resultado, pois controlamos apenas Gênero e Local de Residência, portanto ainda não temos um equilíbrio na composição das células, conforme mostra o quadro 2. Muitos dos informantes que compõem essa primeira análise têm apenas o nível primário de escolaridade, fato que pode resultar em valores altos de aplicação e um alto valor de input. Com o objetivo de equilibrar a composição das células para que possamos obter resultados melhores, o próximo passo da pesquisa será a realização das oitivas das 24 entrevistas que não fizeram parte da análise preliminar, pois acreditamos que seja a única forma de obter resultados mais claros e equilibrados e que propiciem a análise de todas as variáveis previstas. 7 Referências: BACCARIN, O.; BARROSO, V. L. M.; GUZZO, D. B.(orgs). Raízes de Antônio Prado. Porto Alegre: EST, 2008. BATTISTI, E.; MARTINS, L.B. A realização variável de vibrante simples em lugar de múltipla no português falado em Flores da Cunha (RS): Mudanças sociais e lingüísticas. Cadernos do IL. Porto Alegre, n.º 42, junho de 2011. p. 146-158. EISSN:2236-6385 Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/ Acesso em: 14.03.2014 BISOL, L. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. BISOL, L.; BRESCANCINI,C. Fonologia e Variação: recortes do português brasileiro. 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