A REALIZAÇÃO DE VIBRANTE SIMPLES EM LUGAR DE MÚLTIPLA EM
ONSET SILÁBICO NA CIDADE DE ANTÔNIO PRADO – RS
THE OCCURRENCE OF FLAP INSTEAD OF TRILL IN SYLLABIC ONSET IN
ANTÔNIO PRADO CITY -RS
Raquel da Costa Corrêa1
Bolsista CNPq - UFRGS
RESUMO: Conforme Monaretto (1997) e Frosi e Mioranza (1983) a realização de vibrante simples
em lugar de múltipla é um fenômeno comum no português quando este sofre influência do italiano. No
Rio Grande do Sul a população de imigrantes e descendentes de imigrantes italianos se faz fortemente
presente, principalmente nas cidades da denominada RCI (Região de Colonização Italiana). Os estudos
realizados por Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) e Battisti e Martins (2011) revelam que o
emprego da vibrante simples em lugar da múltipla é uma prática predominantemente masculina, rural
e realizada pelos falantes mais velhos. Assim, a tendência é que tal realização venha a diminuir ou
desaparecer em gerações futuras. O objetivo geral do presente trabalho é verificar, com base na Teoria
da Variação (Labov, 1972), a freqüência da aplicação de tepe em lugar da vibrante múltipla tanto em
posição intervocálica (murro) quanto em início de palavra (rua) em Antônio Prado – RS e se as
variáveis sociais são mesmo mais relevantes para a aplicação da regra em questão, conforme mostram
estudos feitos em Flores da Cunha e Caxias do Sul, que também fazem parte da região da Serra
Gaúcha. Partimos da hipótese de que os homens de mais idade, moradores da zona rural, tendem a
aparecer como favorecedores da realização da vibrante simples, conforme indica a revisão
bibliográfica. Para que se faça a investigação da freqüência e, especialmente, das variáveis que mais
favorecem a aplicação da regra em questão, estão sendo utilizadas entrevistas de 32 informantes de
Antônio Prado (RS), do Banco de Dados da Serra Gaúcha (BD Ser), de Caxias do Sul (UCS),
considerando as seguintes características: 2 gêneros, 2 locais de residência (urbano e rural), 4 grupos
etários (15-30; 31-50; 51-70; 71 ou mais anos), 2 níveis de escolaridade (1 a 8 anos, primário a
fundamental, e 11 ou mais anos, médio a superior). A quantificação dos dados está sendo feitas através
do programa Goldvarb, integrante do pacote VARBRUL, e os resultados apresentados no presente
trabalho são parciais, objetivando predizer quais as variáveis sociais mais relevantes e quais os fatores
favorecedores da aplicação de tepe em Antônio Prado.
PALAVRAS-CHAVE: tepe. vibrante. contato lingüístico.
ABSTRACT: According to Monaretto (1997) and Frosi and Mioranza (1983), the occurrence of flap
instead of trill is a common phenomenon in Brazilian Portuguese when it is influenced by the Italian
language. In Rio Grande do Sul the population of immigrants and descendants of Italian immigrants is
strongly present, mainly in the ICR (Italian Colonization Region) cities. The studies performed by
Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) and Battisti and Martins (2011) reveal that the use of flap
instead of trill is a predominantly male and rural practice, and mostly performed by older speakers.
Thus, the tendency is to decrease or disappear in future generations. This study aimed (i) to verify,
based on the Variation Theory (Labov, 1972), the frequency of the flap use instead of trill, both in
intervocalic position (murro) as at the beginning of the word (rua), in Antonio Prado – RS; and (ii) to
verify if the social variables are indeed more relevant for the application of the rule addressed, as
1
Mestranda em Teoria e Análise Línguística (Morfologia e Fonologia) na UFRGS, bolsista CNPq.
1
shown by studies performed in Flores da Cunha and Caxias do Sul, which belong to the Serra Gaúcha
region as well. We hypothesized that older men, residents of the countryside, tend to appear as
contributors to the flap occurrence, as shown in the literature. For the assessment of the frequency and,
especially, of the variables which more contribute for the application of the rule addressed, interviews
from 32 informants from Antônio Prado (RS) are being used, taken from Serra Gaúcha Database (BD
Ser), from Caxias do Sul (UCS), considering the following characteristics: 2 genders, 2 places of
residence (urban and rural), 4 age groups (15-30; 31-50; 51-70; 71 or older), 2 educational levels
(from 1 to 8 years, from primary to elementary education, and 11 or older, from high school to higher
education). The data quantification has been done through Goldvarb software (from VARBRUL
package), and the results presented in this work are partial, aiming to predict which social variables are
more relevant and which are the favoring aspects for the application of the flap in Antônio Prado.
KEYWORDS: flap. trill. linguistic contact
1 Introdução
Na presente pesquisa, o objeto de estudo é a realização de vibrante simples em lugar
de múltipla em onset2 silábico em uma cidade do Rio Grande do Sul, Antônio Prado, em que
o português divide espaço com o dialeto italiano, já que se trata de uma comunidade de fala
habitada predominantemente por descendentes de italianos devido à colonização. Enquanto na
fala de língua portuguesa não se prevê a realização de r fraco (vibrante simples) em palavras
como rua e carro, e sim de r forte (vibrante múltipla), na fala dialetal italiana essa
substituição é comum, por exemplo: caroça ~ carroça, cachoro ~ cachorro.
A partir dos estudos realizados por Rossi (2000), Spessatto (2003), Bovo (2004) e
Battisti e Martins (2011) em cidades de colonização italiana no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina, formulou-se a hipótese de que os homens de idade mais avançada e moradores da
zona rural aplicam mais o tepe (vibrante simples). O presente estudo pretende investigar se,
em Antônio Prado, a realização de vibrante simples em lugar de múltipla segue a tendência
indicada em pesquisas anteriores e se as variáveis sociais Gênero, Local de Residência e Idade
apresentam índices semelhantes.
Para realizar a análise quantitativa dos dados nos baseamos na Teoria da Variação
(LABOV, 1972), considerando variáveis linguísticas e extralingüísticas as quais serão
apresentadas ao tratarmos sobre a metodologia. O programa utilizado para rodar os dados foi
o Goldvarb X, que integra o pacote VARBRUL.
Este artigo é baseado no projeto-piloto apresentado no CELSUL 2014, em Chapecó
(SC), portanto trata-se de uma análise de caráter preliminar, visando predizer se a nossa
hipótese tende a ser confirmada. Nesse primeiro momento, foram ouvidas 12 entrevistas do
2
Onset significa início de sílaba.
2
montante de 32 que fazem parte do projeto de dissertação de Mestrado e foram controladas as
variáveis extralingüísticas Gênero e Local de Residência.
2 O conceito de vibrante e o resultado do contato português-italiano
Um som vibrante ocorre por pequenas oclusões produzidas pela língua ou pela
tremulação da úvula através da ação da corrente de ar. Os movimentos vibráteis são feitos
pela ponta ou pelo dorso da língua, que bate repetidamente contra a arcada dentária superior,
contra os alvéolos ou ainda contra o véu palatino. A língua pode, em vez de produzir uma
série de oclusões, não fechar por completo a passagem do ar, fazendo desaparecer a vibração
propriamente dita para dar lugar a um som fricativo ou aspirado (MALMBERG, 1954 apud
BISOL, 1999). Essas modalidades de articulação caracterizam os sons do r-forte, que pode,
pois, ser tanto uma vibrante propriamente dita, quanto uma fricativa ou aspirada. É chamada
também de vibrante múltipla e é enquadrada na categoria das líquidas. (BISOL, 1999)
Há sons de r que podem ocorrer com uma só batida da língua junto aos alvéolos
chamados de tepe ou de vibrante simples, branda ou fraca, encontrados em grupo consonantal
(cravo) e entre vogais (maré) (BISOL, 1999).
Battisti e Martins (2011) resumem essa definição utilizando as seguintes palavras:
Vibrante simples é a consoante que, no nível fonético, é produzida com
uma leve batida da ponta da língua nos alvéolos, como na articulação do segmento
medial de ira. Vibrante múltipla também é produzida pela ponta da língua na região
dos alvéolos, com mais de uma batida do articulador ativo (ponta da língua) no
passivo (região alveolar) (erro). (BATTISTI E MARTINS, 2011, P.146)
Tradicionalmente, considera-se que há duas espécies de r que se opõem
fonologicamente apenas em posição intervocálica (careta: carreta, tora: torra). Nos outros
ambientes a oposição fica neutralizada: em posição inicial só ocorre o r forte (múltiplo), como
segundo elemento de grupo consonântico ocorre de preferência o r fraco (simples) e em
posição pós-vocálica pode ocorrer um ou outro. (CALLOU E LEITE, 2003)
Defendendo a existência de dois fonemas, vibrante simples e vibrante múltipla, devido
ao caráter contrastivo entre esses segmentos, Battisti e Martins (2011) explicam:
A vibrante simples e a múltipla são fonemas no português, uma vez que há valor
contrastivo entre esses segmentos, como se vê no par mínimo muro-murro. Dessas
duas consoantes, apenas a vibrante múltipla realiza se em diferentes fones: vibrante
alveolar [r], fricativa velar [X] e fricativa glotal [h]. Assim, murro, por exemplo,
pode ser produzido como mu[r]o, mu[X]o ou mu[h]o, sem que a diferente pronúncia
implique mudança de significado. (BATTISTI E MARTINS, 2011, P.147)
3
A concepção de que há dois fonemas distintos segue os princípios da fonologia
estruturalista. Câmara Jr (2000 [1970]) aborda o elenco de fonemas consonantais do
português, examinando a posição de início de sílaba. Segundo o autor, o /r/ brando e o /r/ forte
fazem parte desse elenco.
No entanto, há controvérsia quanto ao status fonológico da consoante vibrante no
português. Alguns autores como Monaretto, Quednau e Hora (2005), baseados nos princípios
da fonologia autossegmental, em que os segmentos são definidos em nós de raiz em uma
estrutura ramificada de traços fonológicos hierarquizados, defendem que há apenas o fonema
vibrante brando (tepe) na estrutura da língua portuguesa. Os autores, citando Monaretto
(1992, 1997), afirmam que “há um único fonema r e que a vibrante múltipla intervocálica
funciona como uma geminada heterossilábica”. Assim, na palavra caro, o fonema da
subjacência se superficializa, já na palavra carro, há duas vibrantes fracas, uma em posição de
final de sílaba, outra em posição inicial, formando, juntas, uma vibrante forte. Conforme os
autores, em início de palavra, por uma regra particular, ele se converte em r forte.
Frosi e Mioranza (1983), estudando o contato dos falares dialetais italianos com o
português na antiga região colonial italiana do Rio Grande do Sul (RCI- RS), registram a
frequente realização da vibrante simples em lugar da múltipla no português. Esse seria um dos
traços característicos da fala bilíngue, distinto do falar monolíngue português.
Partindo dessa informação, realizamos a revisão bibliográfica a fim de investigar os
fatores condicionadores da aplicação de tepe através de análises quantitativas e qualitativas
feitas por pesquisadores nos últimos anos.
Rossi (2000) investigou o emprego de vibrante simples em lugar da múltipla no
português falado em Chapecó (SC) e Flores da Cunha (RS), em dados de entrevistas
sociolinguísticas do VARSUL. O total de dados analisados foi de 1044. A vibrante simples
realizou-se em 46% desse total de dados, sendo 45% sua realização em Chapecó, e 52% sua
realização em Flores da Cunha. Os resultados estatísticos apontaram uma forte influência dos
fatores sociais sobre o processo investigado. Os cruzamentos revelaram uma tendência de as
mulheres, independente da comunidade, da idade ou da escolaridade, privilegiarem o emprego
da vibrante múltipla. Segundo a autora, isso pode ser potencializado pela escolaridade, já que
os informantes com maior nível de escolaridade também privilegiaram a vibrante múltipla.
Quanto ao número de sílabas, única variável linguística selecionada pelo VARBRUL, os
resultados apontaram as palavras polissilábicas como favorecedoras da múltipla, as
dissilábicas como favorecedoras da simples.
4
Spessato (2003) investigou as produções de vibrante múltipla e simples apenas em
Chapecó (SC), também com dados de entrevistas do VARSUL (24 entrevistas). A autora
constatou 46% de emprego de vibrante simples em lugar de múltipla, praticamente a mesma
taxa encontrada por Rossi (2000) para Chapecó. As variáveis sociais foram apontadas pelo
pacote de programas VARBRUL como as mais relevantes para o condicionamento do
fenômeno, na seguinte ordem: Escolaridade, Idade, Bilinguismo e Gênero. A única variável
linguística selecionada pelo VARBRUL foi posição do fonema na palavra, sendo a inicial a
que privilegia o emprego da vibrante múltipla.
Bovo (2004) estudou a fala em língua portuguesa de bilíngues português-italiano da
zona rural de Caxias do Sul em dados de vinte e quatro entrevistas do BDSer (Banco de
Dados de Fala da Serra Gaúcha, UCS). Foram 1461 os contextos analisados, e a frequência
total de emprego de tepe em lugar de vibrante foi de 44%, índice próximo aos verificados por
Rossi (2000) e Spessatto (2003) em Chapecó e em Flores da Cunha. Em todas as rodadas da
análise quantitativa, as variáveis sociais foram sempre selecionadas, as linguísticas, exceto
uma, (posição da sílaba na palavra), descartadas pelo pacote de programas VARBRUL. A
autora realizou, além da análise de regra variável, estudo etnográfico sobre gênero na
comunidade de prática Clube de Mães de uma localidade da zona rural de Caxias do Sul e
chegou à conclusão de que ser mulher nessa localidade é realizar práticas sociais distintas,
orientadas à cidade e com emprego de português padrão, de um lado, e, de outro, à
comunidade e à família, o que explica empregarem um pouco mais de vibrante múltipla do
que os homens.
Mais tarde, Battisti e Martins (2011) verificaram a aplicação da vibrante simples em
lugar de múltipla na cidade de Flores da Cunha com base em 32 entrevistas do BDSer,
controlando Idade, Gênero e Local de Residência, além das variáveis lingüísticas Tonicidade
da sílaba, Posição da sílaba na palavra e Número de sílabas na palavra. Concluiu-se que o uso
de tepe é condicionado por idosos do gênero masculino e habitantes da zona rural, e que a
tendência é a diminuição da aplicação da regra. A respeito do estudo etnográfico realizado em
Flores da Cunha, as autoras afirmam:
Cumpridas algumas etapas do estudo etnográfico na comunidade, pudemos
observar, no que se refere às práticas sociais dos jovens, que mudanças sociais
ocorrem na comunidade, o que se relaciona às mudanças linguísticas verificadas. Os
jovens florenses reproduzem em parte as práticas sociais tradicionais, mas se abrem
a inovações. Têm na cidade poucas opções de estudo e lazer, o que os faz
deslocarem-se diariamente a outras localidades para frequentarem faculdade e se
divertirem, mas seguem morando nela, acabam retornando a Flores da Cunha.
Observações como essas nos permitem interpretar os resultados da análise
quantitativa e confirmar a tendência de mudança fonológica no português em Flores
5
da Cunha, a ser concretizada pelas gerações futuras. (BATTISTI & MARTINS,
2011, P. 157)
A revisão de literatura efetuada por Battisti e Martins (2011) mostra que predominam
as variáveis sociais no condicionamento do processo variável em questão, por isso a
importância de controlá-las. A frequência total de aplicação vai de 40% a 50%, e ao menos
uma variável linguística tem papel relevante. Esses resultados relacionam-se a práticas sociais
locais, que seguem dando espaço à fala bilíngue e, assim, à transferência de traços da fala
dialetal italiana para o português.
3 Metodologia
A presente pesquisa fundamenta-se na Teoria da Variação (LABOV, 1972), também
conhecida como sociolingüística quantitativa. Esse modelo de investigação tem como objeto
de estudo a língua falada em situações reais de uso e preocupa-se em descrever o sistema de
uma língua, além de procurar entender seu funcionamento, localizando esse estudo em uma
comunidade de fala ou mais de uma.
Segundo Labov (2008, p. 188), comunidade de fala não pode ser concebida como um
grupo de falantes que usam todos as mesmas formas; ela é mais bem definida como um grupo
que compartilha as mesmas normas a respeito da língua.
Para Guy (2000), existem três características definidoras das comunidades de fala: (i)
características lingüísticas compartilhadas e usadas na comunidade, mas não fora dela
(palavras, sons e construções gramaticais); (ii) densidade de comunicação interna
relativamente alta (entre os indivíduos da comunidade) e (iii) normas compartilhadas (atitudes
em comum sobre o uso da língua, a direção da variação estilística e avaliações sociais a
respeito das variáveis lingüísticas).
A comunidade de fala em questão é Antônio Prado, sexta e última das chamadas
“antigas colônias da imigração italiana”, fundada em 1886. A cidade é contemplada pelo
Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha (BDSer), o qual foi constituído pela Universidade
de Caxias do Sul. São quatro os municípios que compõem o corpus, totalizando de 225
entrevistas sociolingüísticas: Antônio Prado, Caxias do Sul, Flores da Cunha e São Marcos.
As entrevistas seguem um roteiro de questões sobre o cotidiano (conforme o quadro
1), voltadas a motivar os informantes a utilizarem a fala da maneira mais espontânea possível,
num uso que se pode considerar coloquial. As entrevistas têm duração de 45 a 60 minutos e
obedecem à seguinte estratificação: 2 gêneros (masculino e feminino), 2 locais de residência
6
(urbano e rural), 4 grupos etários (15-30; 31-50; 51-70; 71 ou mais anos), 2 níveis de
escolaridade (1 a 8 anos, primário a fundamental, e 11 ou mais anos, médio a superior).
Primeiro bloco
Como é tua família? Ela é grande? Tens irmãos, filhos, netos?
O que eles fazem? Estudam? Trabalham?
Há quanto tempo moras aqui? Gostas do lugar?
Segundo bloco
O que lembras de tua infância? Com que brinquedo tu te divertias?
Foste à escola? Onde? Como eram as aulas? Como era a professora/o recreio?
Terceiro bloco
Qual é a tua opinião sobre o comportamento dos jovens em relação aos pais/ao namoro/ao
estudo/ao trabalho?
O que tu pensas sobre os programas de TV – filmes exibidos, novelas, noticiários? Por quê?
Quadro 1 – Roteiro de entrevista (Battisti & Guzzo apud Baccarin, Barroso & Guzzo, 2008)
Para a análise de regra variável utilizamos o programa Goldvarb X, integrante do
pacote VARBRUL que, segundo BRESCANCINI (2000) tem a função de “tomar um
conjunto de dados linguísticos e organizá-lo, de acordo com a variável dependente, em
ambientes possíveis do ponto de vista linguístico e extralinguístico”. Segundo a autora, o
programa realiza um algoritmo que é capaz de oferecer informações estatísticas para cada
fator condicionador da regra variável. Essas informações estatísticas são dadas na forma de
percentuais e pesos relativos.
Os valores obtidos na análise quantitativa são expressos em percentuais e em pesos
relativos. Os percentuais expressam a distribuição dos dados e realizações variáveis
por fator considerado nas diferentes variáveis controladas. Os pesos relativos
expressam a tendência de o processo estudado ocorrer, como efeito dos diferentes
fatores considerados na análise. Esses últimos estão compreendidos no intervalo de
0 a 1: valores em torno de 0,5 indicam a neutralidade do fator em relação ao
processo estudado, valores abaixo de 0,5 indicam que o fator não condiciona
(desfavorece) o processo, valores acima de 0,5 indicam que o fator condiciona
(favorece) o processo. (BATTISTI E MARTINS, 2011, P. 152)
Foram ouvidas, inicialmente, 12 entrevistas de Antônio Prado, sendo 6 homens (3 de
zona urbana e 3 de zona rural) e 6 mulheres (3 de zona urbana e 3 de zona rural), divididos
por células conforme o quadro 2, e foram controladas apenas as variáveis extralingüísticas
Gênero e Local de Residência.
Célula 1
Homem
Urbana
15-30 anos
Ensino fundamental
Célula 7
7
Mulher
Urbana
71 ou mais anos
Ensino fundamental
Célula2
Homem
Urbana
31-50 anos
Ensino médio
Célula 8
mulher
Urbana
51-70 anos
Ensino superior
Célula 3
Homem
Urbana
31-50 anos
Ensino primário
Célula 9
Mulher
Urbana
15-30 anos
Ensino médio
Céulula 4
Homem
Rural
31-50 anos
Ensino primário
Célula 10
mulher
rural
15-30 anos
Ensino primário
Célula 5
Homem
Rural
51-70 anos
Ensino médio
Célula 11
mulher
rural
71 ou mais anos
Ensino primário
Célula 6
Homem
Rural
31-50 anos
Ensino médio
Célula 12
mulher
rural
31-50 anos
Ensino primário
Quadro 2 – Divisão dos informantes por células
Ao realizar as oitivas foram levantados os contextos considerando apenas a vibrante
em posição inicial de sílaba (onset) como em rua, carro, rato, carreta.
Embora tenham sido controladas apenas duas variáveis extralingüísticas, a codificação
de todas as variáveis, lingüísticas e extralinguísticas, foi realizada e todas foram analisadas
pelo programa. As variáveis estão organizadas da seguinte maneira:
Variáveis lingüísticas
Variáveis extralinguísticas
Tonicidade da sílaba:
Tônica: parreira
Pretônica: reúna
postônica: terra
Posição da sílaba na palavra:
Inicial: roda
Medial: terreno
Final: cachorro, guerra
Gênero
Feminino
Masculino
Idade
15 a 30 anos
31 a 50 anos
51 a 70
71 ou mais anos
Escolaridade
1 a 8 anos: primário + fundamental
11 ou mais anos: médio + superior
Número de Sílabas na palavra:
Monossílaba: rã, rol
Dissílaba: raro
Trissílaba: terreno
Polissílaba: rigoroso
8
Local de residência
Urbano
Rural
Quadro 3 – Variáveis lingüísticas e extralingüísticas
5 Resultados Preliminares
Considerando o caráter piloto do trabalho, o propósito deste artigo é predizer se a
hipótese de que os homens, moradores de zona rural, aplicam mais a vibrante simples em
lugar de múltipla em Antônio Prado. Por esse motivo, inicialmente foram controladas apenas
as variáveis extralinguísticas Gênero e Local de Residência.
Dessa forma, ainda não temos uma boa distribuição dos informantes por célula, como
mostra o quadro 2, o que pode ter influência sobre o valor de input 3 (0.947) que é alto,
conforme podemos observar logo abaixo das tabelas 1 e 2. A amostra contém muitos
informantes que possuem apenas o nível primário de escolaridade e um número considerável
de pessoas de meia idade ou mais. O equilíbrio será alcançado quando houver a oportunidade
de realização da análise de regra variável com o quadro completo de informantes: 32.
Em relação à variável Gênero parece haver tendência a confirmação da hipótese de
que os homens condicionam a aplicação de tepe, conforme mostra a tabela 1:
Tabela 1: Gênero
Fatores
Aplicação/ Total
%
Peso Relativo
Masculino
370/391
94
0.68
Feminino
269/335
80
0.28
Total
639/726
88
Input: 0.947
significância: 0.000
Rossi (2000), Bovo (2004) e Battisti e Martins (2011) explicam a diferença de gênero como
resultado de questões relacionadas à identidade e às práticas sociais:
Para Rossi (2000), a mulher figura como responsável pela transmissão das normas de
comportamento social, incluindo o lingüístico, na socialização da criança, favorecendo a aplicação de
3
O input representa o uso de determinado valor da variável dependente. Deve se aproximar do nível de 0,40,
dadas certas expectativas sobre a distribuição equilibrada dos dados. Quando o valor de input se distancia da
taxa geral, isso indica que a distribuição dos dados através dos vários fatores não é equilibrada. (GUY & ZILLES,
2007)
9
vibrante múltipla. Já o homem parece ter liberdade para quebrar regras sociais, preservando as
características lingüísticas da localidade.
O informante número 138 de Antônio Prado (homem, zona rural, 51 a 70 anos, ensino
primário) é um exemplo. A seguir um trecho da entrevista em que ele comenta sobre suas
práticas sociais:
Pesquisador: Nos fins de semana quando o senhor tem uma folga o que o senhor
costuma fazer?
Informante: Ah, fazer o quê? ir na bodega. (Risos) Fazer o quê? Passar umas horas lá.
Pesquisador: E essa bodega fica aqui perto?
Informante: É...na capela aqui...linha 21 aqui.
Pesquisador: Está sempre aberto ali pra quem quiser ir?
Informante: Não. Abre sábado de tarde e domingo à tarde.
Pesquisador: E o que fazem ali? Jogam?
Informante: Ah o baralho, bocha, essas coisas... pra passar umas horas.
Bovo (2004) corrobora a afirmação de Rossi, utilizando as seguintes palavras: “apesar de ser
lícito ao homem frequentar lugares públicos para beber e conversar, em comunidades mais
conservadoras como as de zona rural não ‘ficaria bem’ para uma mulher de família se expor dessa
forma.”
No que diz respeito à variável Local de Residência também parece haver tendência à
confirmação da hipótese de que os moradores de zona rural favorecem a aplicação da regra.
Tabela 2: Local de Residência
Fatores
Aplicação/ Total
%
Peso Relativo
Rural
410/426
96
0.72
Urbana
229/300
70
0.20
Total
639/726
88
Input: 0.947
significância: 0.000
Os resultados estão de acordo com os estudos anteriores. Battisti e Martins (2011) controlaram
a variável ‘Local de Residência’ em Flores da Cunha e explicam a diferença de local de residência
como resultado do fato de a fala bilíngue português-dialeto italiano ainda ser prática social corrente
nas conversas entre familiares, vizinhos e amigos, que pode ser constatado em festas de capela e nas
propriedades rurais, principalmente entre os mais velhos.
10
Nas entrevistas dos informantes de zona rural podemos atestar essa afirmação de que na zona
rural se preserva mais o dialeto. Informante 144 de Antônio Prado (homem, zona rural, 31 a 50
anos, ensino médio) em resposta à pergunta “O senhor fala dialeto¿”:
Eu falo o italiano aquele... Na verdade não é italiano...é... é exatamente as palavras...
dialeto correto dizer né...mas falo com certeza. A gente tem muita gente do nosso convívio
que a gente só fala italiano. Eu, se eu falar com a minha mãe, eu só falo italiano. Se eu falar
com a minha esposa e com meus filhos eu falo português. Se eu falar com a minha mãe, só
falo italiano. E tem os vizinhos aí, o pessoal mais de idade né... De vez em quando eu falo
com meus filhos em italiano até pra eles irem aprendendo.
O seguinte trecho da entrevista realizada com o informante 159 de Antônio Prado
(homem, zona rural, 51 a 70 anos, ensino médio) também confirma a afirmação de que na
zona rural se utiliza mais o dialeto:
Pesquisador: O senhor fala outras línguas? Italiano...
Informante: Italiano, sim. Italiano, falo.
Pesquisador: O senhor entende tudo, fala tudo?
Informante: Sim, sim
Pesquisador: Com quem que o senhor fala? Com os parentes, com os amigos?
Informante: O italiano?
Pesquisador: É o italiano
Informante: Ah geralmente com os amigos, mas a gente fala quase pouco italiano né.
Agora ali..em Santana ali a gente conversa seguido em italiano. Com o pessoal
lá...joga baralho, a gente se encontra ali..a gente conversa bastante.
Um terceiro exemplo vem do informante 151 (homem,zona urrbana, 31-50 anos,
ensino médio), que embora não seja morador da zona rural, afirma que lá o dialeto está mais
presente:
Pesquisador: Tu sabes falar dialeto?
Informante: Dialeto sim.
Pesquisador: E tu costumas falar com alguém?
Informante: Todos os dias eu falo com meu irmão. De manhã quando estamos
sozinhos falamos o dialeto direto.
Pesquisador: Olha só...então quando tu era pequeno tu aprendeu?
Informante: Praticamente na colônia se falava só o dialeto.
Pesquisador: Então com teus outros irmãos também?
11
Informante: Sim.
Pesquisador: Olha só que bacana.
Informante: Porque eles foram pra colônia com o pai e meu irmão que mora lá e
minha irmã...só dialeto.
Pesquisador: Então quer dizer que tu fala bem e entende bem?
Informante:Sim.
Podemos verificar, ao cruzar as variáveis em questão, que a diferença de gênero, nesse
primeiro momento, se manifesta na zona urbana. Na zona rural homens e mulheres parecem
aplicar a regra quase na mesma proporção, conforme podemos verificar no gráfico 1.
Gráfico 1 – Cruzamento entre as variáveis Gênero e Local de Residência
Devido ao caráter preliminar da análise, os informantes ainda não estão
equilibradamente distribuídos em relação à escolaridade e idade, duas variáveis consideradas
relevantes em estudos anteriores sobre a vibrante na Serra Gaúcha, o que pode estar
contribuindo para resultados nebulosos quando do cruzamento das variáveis controladas nessa
primeira rodada.
Também se faz necessária uma análise que inclua as variáveis lingüísticas para que se
tenha uma visão mais completa a respeito do comportamento da variável dependente em
questão.
12
6 Conclusão
As tabelas de Gênero e Local de Residência apresentam claramente a possibilidade de
confirmação da hipótese de que os idosos do sexo masculino condicionam a aplicação de tepe
em lugar de vibrante múltipla em Antônio Prado.
Já o gráfico que apresenta o cruzamento entre as duas variáveis ilustra a diferença de
gênero existente na zona urbana, no entanto mostra que essa diferença é quase nula na zona
rural, o que deve ser investigado com maior atenção nas próximas etapas da pesquisa, e que
pode estar relacionado ao fato de que, na zona rural, se fala mais o dialeto italiano,
principalmente entre familiares e amigos.
É com muita cautela que informamos esse resultado, pois controlamos apenas Gênero
e Local de Residência, portanto ainda não temos um equilíbrio na composição das células,
conforme mostra o quadro 2. Muitos dos informantes que compõem essa primeira análise têm
apenas o nível primário de escolaridade, fato que pode resultar em valores altos de aplicação e
um alto valor de input.
Com o objetivo de equilibrar a composição das células para que possamos obter resultados
melhores, o próximo passo da pesquisa será a realização das oitivas das 24 entrevistas que não fizeram
parte da análise preliminar, pois acreditamos que seja a única forma de obter resultados mais claros e
equilibrados e que propiciem a análise de todas as variáveis previstas.
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