1 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da gestão
da educação
Nadia Hage Fialho1
Betania Leite Ramalho2
Introdução
Este trabalho apresenta resultados de estudos e pesquisas relativos ao Projeto
“Tornar-se universitário: do lugar, do sentido e do percurso do Ensino Médio e
da Educação Superior”, desenvolvido mediante apoio da Capes (Procad,
20073) e em regime de cooperação acadêmica entre grupos de pesquisa da
área da educação4, de quatro universidades: Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Federal de Sergipe
(UFS).
O Projeto apresenta uma proposta de criação da Rede de Estudos sobre
a Universidade Pública Inclusiva e a Cultura Universitária, com apoio na
implantação do Observatório Regional do Estudante Universitário (OREU),
centro de documentação e informações (estatísticas e documentos de
referência), de modo a sistematizar estudos, dados e informações que possam
subsidiar a construção de políticas de inclusão e democratização das
universidades, a partir do mapeamento dos processos de acesso, permanência
e sucesso dos estudantes.
O Observatório Regional da Vida do Estudante Universitário (OREU)
está associado ao Observatoire National de la Vie Etudiante (OVE), da
Universidade Paris 8/França, e ao Observatório da Vida do Estudante
Universitário (OVE), já implantado na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN)5.
1
Doutora em Educação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação e Contemporaneidade –PPGEduC, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). <
[email protected] >.
2
Doutora em Ciências da Educação. Professora e pesquisadora do Programa de PósGraduação em Educação –PPGEd, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) .
< [email protected] >.
3
Disponível em: < http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/procad >.
4
O Projeto “Tornar-se universitário” está sob a coordenação de: Dra. Betânia Leite
Ramalho/UFRN (Instituição Líder); Dra. Nadia Hage Fialho/UNEB (Associada 1);Dra. Ana Maria
Iorio Dias/UFC (Associada 2); e Dra. Veleida Anahi da Silva/UFS (Associada 3).
5
O acesso a ambos está disponível nos sítios:< http://www.univ-paris8.fr/ove/ - Paris 8 >;<
http://www.ove-national.education.fr/index.php?lang=fr&page=enqcond_rst.php&enq_id=6 >; <
http://www.comperve.ufrn.br/conteudo/observatorio/index.php >.
2 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
Nesse sentido, o Projeto “Tornar-se Universitário” volta-se para o
desenvolvimento de estudos e atividades de pesquisa sobre a universidade
pública brasileira, no contexto da região Nordeste, na qual os problemas
sociais e educacionais são expressão de históricas desigualdades, com
repercussões graves na qualidade da educação e no acesso da grande maioria
da população aos estudos universitários. Tomando, como foco, a realidade
educacional da Bahia, os resultados aqui relatados reforçam a necessidade de
fortalecer a articulação entre educação superior e educação básica (no caso, o
ensino médio), acompanhando as condições de oferta do ensino aos jovens de
15 e mais anos até o seu ingresso, permanência e conclusão da sua formação
em nível superior, nas universidades estaduais da Bahia. E, sobretudo, revelam
que a gestão da educação possui dimensões pedagógicas que não podem ser
desprezadas sob pena de reproduzirem-se, no próprio sistema de ensino, as
condições que geram ou potencializam a exclusão social.
No âmbito da Bahia, são co-autores institucionais do Projeto, o Grupo de
Pesquisa Educação, Universidade e Região (EdUReg), o Ambiente Acadêmico
para Orientação e Desenvolvimento da Educação Básica e Superior
(Laboratório Aacordes) e o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gestão
Educacional e Formação de Gestores (Nugef6), integrantes da Linha de
Pesquisa Educação, Gestão e Desenvolvimento Local Sustentável, do
Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade
(PPGEduC), DEDC-Campus I/UNEB.
1. Inclusão social, educação inclusiva: por uma base epistemológica no
campo da educação.
O termo “educação inclusiva” tem recebido a atenção de muitos educadores.
Estudos que discutem as problemáticas educacionais derivadas dos processos
de exclusão social procuram identificar e explicar os mecanismos que a
promovem ou a reforçam. O termo chega ao campo da educação carregado de
muitos sentidos, como alertam Lindomar Wessler Boneti, Nizan Pereira e Tânia
Maria Hetkowski, na introdução deste livro: “[...] inclusão” traz certas
ambiguidades conceituais e alguns entraves teóricos [...]”. De fato, muitos são
os termos e expressões, nascidos em outros campos do saber ou distintas
áreas disciplinares, transferidos para o campo da educação sem o necessário
tratamento conceitual, dificultando, assim, a produção de sentidos no campo
para o qual migrou. Esse movimento de pêndulo que se verifica na base
epistemológica (em construção) do campo da educação acentua-se quando se
6
Disponível em < http://www.uneb.br/nugef >.
3 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
trata das fronteiras com a sociologia, a psicologia ou a administração.
(ORLANDI, 1969, 1978, FIALHO, 1988).
Vale recordar, aqui, a noção de consciência pedagógica, desenvolvida
por Luis Benedito Lacerda Orlandi (1969, 1978) como “o saber teórico-prático
que se apresenta como pedagógico em múltiplos registros”, sempre
subordinada à oscilação sincrônica ou diacrônica, exigindo, desse modo, o
permanente exercício da crítica para com as influências que, sobre ele,
incidem. Por meio dos termos ‘oscilação’ ou ‘flutuação’ Orlandi procurava dar
conta das influências de natureza psicológica, econômica, políticoadministrativa, compreendendo-as como a “adesão pré-crítica do saber
pedagógico a estruturas conceptuais limitadas e práticas humanas centradas
em seus objetos específicos.”
Nesse sentido, retomamos, também, a compreensão de Boneti,
conforme apresentação feita junto ao GT-11-Educação Superior, da ANPEd, na
perspectiva de discernir o significado de “educação inclusiva” a partir do
pressuposto de que “ [...] o discurso da educação inclusiva é fundamentado
sobre uma lógica dual do dentro e do fora[...]”. Boneti propõe, então, uma
hipótese que alerta a respeito da lógica que opera por dentro do próprio
sistema7:
[...] a lógica racionalista e dualista impregnada nas instâncias burocráticas do
Estado poderia determinar a construção de parâmetros de determinação da
condição social, especialmente o da pobreza, onde se escondem serviços,
habilidades e bens sociais próprios de segmentos pobres da população, o que
levaria a condição de pobre se constituir no ser e não no estar pobre. Ou seja,
a determinação da condição social a partir de parâmetros racionalistas e
cientificistas das instâncias burocráticas do Estado se materializa, no meio
social, pela construção de identidades coletivas, como as identificadas por
Manuel Castells (1999, p. 22-25) e tais instâncias determinam a construção da
noção da condição social através do que Manuel Castells chama de
«identidade de legitimação» introduzidas pelas instituições dominantes da
sociedade com o objetivo de racionalizar a sua dominação sobre os atores
sociais ...”(p.24), fazendo com que o contexto social assimile a construção da
noção da diferenciação social a partir de uma lógica dualista, positivista e
discriminatória, utilizada pelo Estado, a partir da valorização real e simbólica
dos bens sociais normalmente em poder das classes dominantes. (BONETI,
s/d).
Por essas razões, este trabalho parte da compreensão de que a inclusão
social, no campo da educação, não pode apreender os indicadores
quantitativos de forma simplista e nem deixar-se capturar unicamente pela
dimensão burocrática que se revela – e se encerra – nos procedimentos de
natureza gerencial. Supomos, pois, que a gestão dos sistemas de ensino
7
Disponível em: < www.anped.org.br/reunioes/27/gt11/t1110.pdf >. Acesso 5 maio 2010.
4 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
compreende dimensões pedagógicas e que existe, portanto, uma necessidade
imperativa de estudar e compreender as relações complexas entre
universidade pública e a educação básica, no Brasil.
Numa outra perspectiva de base epistemológica, consideramos a
inserção dos jovens na cultura acadêmica, própria da educação superior: o que
significa, para o jovem, ter acesso à educação superior? O que é ser um
estudante nesse nível de ensino? Como o estudante vivencia essa condição?
O que ele nos relata dessa experiência? Para tanto, acompanhamos Alain
Coulon, autor largamente reconhecido, parceiro e colaborador de
pesquisadores em vários países, a exemplo de Bernard Charlot, Guy Berger,
Jacques Ardoino, Ridha Ennafaa (Paris 8), Jack Katz (UCLA), Edward Rose
(Universidade do Colorado) e Harold Garfinkel (Universidade da Califórnia).
Coulon explora uma forma singular de pensar a vida do estudante a
partir da sua própria trajetória de constituir-se estudante (que é diferente de ser
aluno e que marca uma mudança significativa na vida dos jovens). E, também,
de ressignificar o sentido da aprendizagem (mudando, assim, o foco do ensino,
que ainda prevalece em muitas instituições). Propondo-nos a idéia dos três
tempos (o tempo do estranhamento, o tempo da aprendizagem e o tempo da
afiliação), considera os grandes desafios que enfrenta a sociedade
contemporânea – e as instituições de ensino superior, universitárias ou não -,
nas suas contradições e paradoxos como a ênfase na qualificação profissional
de nível superior e os crescentes índices de abandono dos estudos, pelos
estudantes. Buscando entender essa condição de estudante, Coulon se
pergunta sobre como se dá o abandono, o fracasso e a afiliação, o sentimento
de pertença do estudante nesse nível de formação.
Essas perspectivas tanto implicam o desenvolvimento de pesquisas,
visando articular ações e projetos universitários com as demandas
educacionais do sistema público de ensino, como a criação de estratégias de
inclusão acadêmica e pedagógica que possibilitam a integração entre os
grupos de docentes/pesquisadores da pós-graduação e da graduação (cursos
de formação de professores) com o coletivo de gestores e professores da
educação básica. No caso deste trabalho, tomamos como foco o sistema
estadual de educação superior da Bahia, constituído por quatro universidades
estaduais: Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Universidade do Estado Bahia (UNEB)
e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); e o sistema estadual de
educação, com relação ao ensino médio, correspondendo a 955
estabelecimentos, 655.329 matrículas iniciais, 21.518 docentes (dos quais
15.982 possuem NS, sendo 14.789 docentes com licenciatura completa e
1.193 docentes sem licenciatura).
5 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
A institucionalização do sistema estadual de educação superior da Bahia
é recente; teve início na década de setenta, com a Universidade Estadual de
Feira de Santana – UEFS (1970), prosseguindo, em 1980, com a Universidade
do Sudoeste da Bahia (UESB), a Universidade do Estado Bahia (UNEB, em
1983) e, em 1991, com a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A
implantação de novas instituições federais na Bahia é, também, muito recente,
ocorrendo a partir do Programa de Expansão do Sistema Federal de Educação
Superior8 (Governo Luís Inácio Lula da Silva), no qual se incluem a
Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, criada em 2002,
com unidades nos estados da Bahia (Juazeiro), Pernambuco (Petrolina) e Piauí
(Raimundo Nonato), assim como a Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia - UFRB, criada em 2005, a partir do desmembramento da Escola de
Agronomia da Universidade Federal da Bahia - UFBA, com sede em Cruz das
Almas e Centros de Ensino instalados nas cidades de Cachoeira, Santo
Antônio de Jesus e Amargosa (Relatório GT Universidades, 2007)9.
As universidades estaduais baianas (UEFS, UESB, UNEB e UESC)
abrangem todas as regiões geoeconômicas e todos os territórios de identidade
do estado, conforme Ilustração 1, a seguir. No âmbito do governo estadual da
Bahia, território de identidade é compreendido como “a superação de um
traçado no mapa pela assunção política do reconhecimento da força do local;
pelo entendimento de que a superação de problemas vivenciados na
comunidade só podem ser superados de forma construtiva caso sejam
coletivamente analisados, refletidos e a busca por soluções seja planejada,
implementada e avaliada pelos seus atores.”
8
9
Disponível em < http://portal.mec.gov.br/sesu >
É necessário registrar ainda a expansão recente da UFBA, com a criação de campus em
Barreiras e Vitória da Conquista, além da criação e expansão dos Institutos Federais de
Educação (IF-Bahia e IF-Baiano), que ofertam, além da educação profissional, educação
superior.
6 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
Mas, é também importante ressaltar que a educação superior no estado
da Bahia ganhou contornos bastante complexos em razão da acentuada
expansão do ensino superior privado e da restrita participação da União,
limitada - como se viu - até recentemente, pela presença de apenas uma
universidade federal (UFBA), localizada na Capital (Salvador). Esse panorama
tem sido detectado por diversos estudos, dentre os quais se destaca a
coletânea Educação Superior Brasileira 1991-2004 (Inep, 2006), cujo volume
dedicado ao Estado da Bahia analisou, segundo uma perspectiva histórica, o
período 1808-2004, aprofundando a abordagem com relação ao Censo da
Educação Superior 2004. Verificou-se, por exemplo, que:
a) A Bahia não acompanhou a expansão da educação superior que se deu
no País no entorno da LDB de 1961 e da Reforma Universitária de 1968
e registrou estagnação somente superada décadas depois, com a
implantação do Sistema Estadual de Educação Superior, seguida da
expansão do setor privado que vão responder pela expansão no Estado.
b) A LDB 1996 criou condições de expansão do sistema de educação
superior, em todo o país, via o setor privado [...]. Na Bahia essa
característica de expansão, no período 1996-2004, é ainda mais
acentuada que no Brasil e no Nordeste, como um todo.
c) No período 1996-2004, não houve aumento do número de IES públicas,
mas um decréscimo da participação do setor público, com relação a
1991-1994. Nesse interregno, o crescimento de IES públicas é exclusivo
da rede estadual. Em ambos os períodos, houve estagnação e até
decréscimo do setor público federal. [...]. O retrato da expansão das IES,
na Bahia, é marcadamente privatizante. A expansão das IES, na Bahia,
tem caráter concentrador e não diversificado.
d) A concentração de IES na região metropolitana e em regiões próximas
ao litoral contribuiu para o alargamento do vazio demográfico e
econômico da região central do Estado.
Com base nessas primeiras análises, foi possível identificar três eixos de
abordagem do sistema estadual da educação superior na Bahia, neste estágio
inicial da pesquisa: um, diz respeito à gestão do sistema; outro corresponde à
qualificação institucional das universidades baianas e, outro ainda aponta para
a articulação das universidades estaduais baianas com a educação básica, em
especial, com relação ao ensino médio. O desenvolvimento de cada eixo
motiva a continuidade das análises, ora em curso.
2. TORNAR-SE UNIVERSITÁRIO na Bahia: a trajetória do ensino médio para
a educação superior universitária
Um olhar panorâmico sobre a universidade brasileira, hoje, evidencia que a
expansão do sistema de educação superior tem se dado por conta da
7 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
expansão do setor privado e, no caso das públicas, pela expansão das
universidades estaduais. Mas, a despeito dessa expansão, a taxa de
escolarização superior de jovens com idade entre 18 a 24 anos ainda é muito
baixa, ficando muito aquém dos índices internacionais. No Brasil, a taxa de
escolarização bruta (todos os alunos de 18 a 24 anos matriculados na
educação superior) é de 18,6% e a liquida é de 10,5% (os que freqüentam).
Esse quadro é mais grave nos estados do Norte e do Nordeste que, em
seu conjunto, apresentam as mais baixas taxas em relação à média nacional. A
Bahia, por exemplo, possui uma taxa de escolarização 10 bruta inferior à média
nacional (que superou, pela primeira vez, em 2006, o percentual de 20%,
conforme Censo da Educação Superior, Inep, 2006); na Bahia, cerca de 90%
dos jovens estão fora do sistema superior de educação.
Considerando que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é
prover, até o ano de 2011, a oferta de educação superior para pelo menos 30%
dos jovens de 18 a 24 anos, os números revelam a magnitude das dificuldades
existentes nesses estados, fato que se agrava tanto em razão do desequilíbrio
na matrícula entre as redes pública e privada quanto na qualidade da educação
básica oferecida aos alunos da rede pública, principalmente.
Pesquisa do PNAD, divulgada em setembro/2009, chama a atenção
para o fato de que o acesso à educação superior apresenta mais de 76% dos
estudantes na rede privada; ou seja, menos de 30% estão na rede pública. Em
novembro de 2009, o Inep divulgou o Censo da Educação Superior 2008, com
resultados preliminares. De acordo com o referido Censo, a Bahia apresentou o
seguinte cenário:
a) 125 instituições de ensino superior, dentre as quais apenas 7 (sete) são
instituições públicas11 (UNEB, UEFS, UESC, UESB, UFBA, UFRB e
IFBA)12;
b) 131.159 vagas no ensino superior;
10
A taxa de atendimento refere-se ao percentual da população em idade escolar
que freqüenta a escola. A taxa de escolarização líquida indica o percentual da
população em determinada faixa etária que se encontra matriculada no nível de
ensino adequado à sua idade. E a taxa de escolarização bruta permite que se
compare o total da matrícula em um dado nível de ensino com a população na faixa
etária adequada a esse nível.
11
Não foi incluída a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
tendo em vista que a sua sede é na cidade de Petrolina/PE, a despeito de a mesma
contar com campus no município de Juazeiro/Ba; no documento Plano de
Capacitação 2009 da UNIVASF não há nenhuma referência à Bahia.
12
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS), Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Universidade
Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA).
8 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
c) 61.447 de ingressos no ensino superior; e
d) 224.7766 de matrículas no ensino superior.
O Censo 2008 também demonstrou que a UNEB se destacou entre as trinta
primeiras IES brasileiras em número de matrículas, ocupando a posição 26ª,
com 22.486 matrículas, superando, as demais instituições de ensino superior,
públicas ou privadas, existentes no estado. É esse o panorama que tem nos
levado a refletir sobre as relações entre a educação superior e a educação
básica tendo, por base, a necessária cooperação interinstitucional. A
universidade pública é reconhecidamente uma instituição que produz parte
expressiva dos estudos e pesquisas sobre os sistemas de ensino e a
educação. No entanto, suas possibilidades de intervir sobre as problemáticas
educacionais têm se apresentado, em geral, de forma limitada. Tais limitações
se relacionam a fatores internos e externos. No caso da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), estudos desenvolvidos por Fialho (2005) identificam
alguns fatores internos que podem significar entraves e dificuldades no
processo de definição e implantação das políticas públicas, dentre os quais,
destacamos a inexistência de sistemas de informação e comunicação
consistentes. De outra parte, ou seja, no que se refere aos fatores externos, a
dificuldade em estabelecer uma articulação consistente e permanente com o
sistema de ensino básico tem prejudicado um melhor nível de cooperação e de
atuação da universidade junto à rede pública de educação. O êxito da relação
de cooperação entre universidade e educação básica pressupõe que prevaleça
o sentido de colaboração e não de imposição de uma sobre a outra.
Nessa primeira etapa, concentramos os trabalhos de análise de dados
com relação aos jovens de 15 e mais anos retidos no ensino fundamental.
Assim, o Projeto enfatizou o acesso à base de dados da rede pública estadual
de ensino, tendo em vista o conhecimento específico a respeito da mesma, a
identificação de pontos de estrangulamento no sistema, a caracterização do
fluxo escolar, a defasagem idade-série, entre outros aspectos. Foram
examinados os 417 municípios baianos; os resultados encontrados orientam
análises em termos dos municípios que apresentam o maior e o menor número
de jovens nessa situação; a vinculação das unidades escolares ao sistema de
diretorias regionais de educação, as denominadas Direc; as características e
os indicadores socioeconômicos dos municípios correspondentes; a posição
geográfico-espacial das referidas unidades escolares com relação à capital
(Salvador) e com relação à maior ou menor proximidade com campus
universitário de universidades estaduais (UEFS, UESB, UNEB e UESC); além
de várias outras perspectivas que o estudo vem proporcionando.
Os dados ilustram claramente o enorme desafio a ser enfrentado na
gestão do sistema. Aqui destacamos, por exemplo, o seguinte: dos 2.879.669
alunos matriculados no ensino fundamental no estado da Bahia, 719.277
9 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
estavam com 15 anos e mais; ou seja, eles eram 24,98% dos alunos
matriculados em 2006. Isto significa que, para alocar todos os alunos em
defasagem idade-série no ensino médio, o estado da Bahia precisaria implantar
20.551 turmas de 35 alunos cada uma. Por sua vez, em termos do impacto no
âmbito dos municípios, tal medida corresponderia a um acréscimo de 51
turmas por município, considerando os 417 municípios do estado da Bahia.
Podemos nos perguntar como tratar de uma questão como a aqui
apresentada, como promover mudanças no sistema de educação, como evitar
a retenção de jovens ainda em processo de formação, como ativar
perspectivas de futuro...
Na raiz dessa problemática está, também, o dualismo educacional que
marcou toda a história do Ensino Médio no país, ora de modo mais explicito ora
mais encoberto, mas sempre fundamentado na divisão social do trabalho, que
separa as funções intelectuais e manuais, fazendo-as corresponder às distintas
classes sociais. Não é por demais lembrar que a desigualdade no acesso à
educação superior é produzida ao longo de toda uma vida; não se dá de um
momento para o outro, mas é fruto de uma trajetória que começa nos primeiros
anos de escolarização, atravessa o ensino fundamental e ensino médio,
prossegue, enfim, por todos os períodos ou modalidades de ensino.
Esses resultados e reflexões indicam como opera a lógica dual por
dentro de um sistema de ensino e a sua capacidade de reprodução - ou seja,
de produção da exclusão, a partir do próprio processo de inclusão no sistema
educacional. A escola, por exemplo, tem sido foco de inúmeros programas e
planos que se pretendem reconhecidos no compromisso com a gestão escolar.
Exaustivo, esse conjunto de medidas é, por vezes, repetitivo, desarticulado e
descontínuo. Responsabilizada, quase sempre, pelo insucesso, a escola
encontra-se, na verdade, presa a uma teia de relações, de natureza diversa e
profundamente complexa. Essa questão põe em evidência a problemática das
redes e dos sistemas de ensino: mas, há garantias da existência de sistemas
de educação em contextos de fragmentação inter-relacional, fratura dos
processos decisórios, cisão de co-responsabilidades, dissolução dos processos
formativos? Afinal, por que fracassa a gestão? Esta é a pergunta que segue
incentivando a caminhada e orientando as nossas pesquisas.
Retomando, então, o foco da nossa abordagem, que lição podemos
recolher dessa etapa da pesquisa e das experiências de reflexão que os dados
têm nos proporcionado? O que tudo isso nos ensina? Do ponto de vista da
gestão da educação, qual a dimensão pedagógica possível de ser identificada?
Afinal, nenhum fenômeno educacional com as proporções como as que foram
aqui mencionadas (mais de 700 mil jovens com 15 e mais anos de idade,
ingressados no ensino fundamental, não alcançam o ensino médio) é
produzido de um momento para o outro e nem é fruto de uma única variável.
Isto é fácil concluir. Mas, existem outras implicações. A primeira é: a dinâmica
10 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
que produziu esse contingente de jovens sem acesso ao ensino médio não foi
desmontada, continua operando e, portanto, continua a produzir os mesmos
resultados. Outra: a inevitável constatação de que o aparato educacional que aí
está não é capaz de absorver esses jovens na perspectiva de reinserir no
sistema pelo menos pelo simples fato de que esse mesmo aparato é um dos
fatores que produziu, no interior do próprio sistema, essa modalidade de
exclusão (e não sabemos ainda com qual intensidade); e, finalmente, mais
uma: a certeza de que as medidas capazes de corrigir, superar ou minimizar a
produção de exclusão no interior do próprio sistema tampouco podem produzir
resultados de um momento para o outro, sobretudo se adotados os
mecanismos tradicionais para a abordagem dos processos de ensinoaprendizagem (sempre é bom lembrar que há uma experiência que marca o
jovem que evade, abandona ou permanece repetindo).
Portanto, já sabemos que não há como negar a ocorrência de um
mecanismo que promove a exclusão no interior do próprio sistema de ensino e
que tal mecanismo encontra-se ativado, gerando novos contingentes de jovens
excluídos. Por outro lado, sabemos, também, da necessidade de conceber,
desenvolver, implantar, acompanhar e avaliar formas alternativas para a reinserção dos jovens, de forma a assegurar a integralização dos estudos no
nível médio, deixando-lhe a escolha aberta para o mundo universitário; que é
urgente identificar o que promove essa modalidade de exclusão bem como
identificar como fazer para detê-la; e que é necessário dimensionar e preparar
a infra-estrutura do sistema (em termos físicos, humanos e de material)
dotando-a de condições para absorver e lidar com fenômenos como os aqui
descritos.
CONCLUSÕES
O Projeto TORNAR-SE UNIVERSITÁRIO tem esse propósito: contribuir com a
melhoria da oferta, acesso e permanência dos jovens na universidade pública,
reunindo dados e informações para o sistema estadual de educação, com
ênfase no ensino médio e na educação superior. Baseados nas experiências
desenvolvidas junto às redes e/ou sistemas de educação, tomamos por
fundamento a relação entre a universidade e a educação básica; relação que
aposta numa articulação pautada nas redes de cooperação e de aprendizagem
e que tem como permanente perspectiva a inclusão social.
Destina-se a criar uma rede de estudos sobre a universidade pública
inclusiva e a cultura universitária, bem como possibilitar a cooperação e
consolidação de grupos de pesquisa. Um meio possível de viabilizar este tipo
de relação se consubstancia na explicitação de políticas, programas e projetos
que visem tratar questões comuns aos dois níveis de ensino. Apenas dispor de
dados, no entanto, tem se mostrado insuficiente para definir políticas públicas
11 FIALHO, Nadia Hage, RAMALHO, Betânia Leite. Sistemas de ensino e inclusão social: a dimensão pedagógica da
gestão da educação. In: BONETI, Lindomar Wessler, HETKOWSKI, Tânia Maria, PEREIRA, Nizan (Org.) Inclusão
sociodigital: da teoria à prática. Curitiba/PR: SEAE, 2010. (Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos do Governo
do Estado do Paraná).
que possam promover melhorias educacionais. Um fator preponderante nesse
contexto requer a estreita e eficiente combinação entre os dados obtidos e as
decisões políticas adequadas para enfrentar os problemas educacionais,
notadamente o sucesso escolar dos estudantes. Isso corresponde a dizer que
existe uma necessidade de melhor interpretar e analisar os dados para tomar
decisões acerca do tipo de políticas e programas a serem adotados, tanto
pelas universidades, quanto pelo sistema de educação básica.
Diante dessa necessidade, a implantação do OREU se apresenta como
um possível ponto de convergência de informações, documentos e estudos
relacionados à inserção de estudantes oriundos da rede pública de educação
básica na universidade. Não se trata, no entanto, da simples acumulação de
informações em um repositório. O propósito do OREU se delineia de forma
mais ampla, no desenvolvimento sistemático de estudos e pesquisas que
relacionem docência universitária, políticas públicas de acesso e permanência
na universidade, formação de professores e, de modo geral, a melhoria de
qualidade da educação pública, em especial, o ensino médio.
REFERÊNCIAS
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EdUfba, 2008.
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‘pesquisa’, ‘verticalidade’ e ‘realidade profunda’. Cadernos IFCH, Unicamp, 8, agosto,
1978.
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