Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Doutorado em Saúde Coletiva Simone Agadir de Azevedo Santos Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro Rio de Janeiro – RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 2012 Simone Agadir de Azevedo Santos Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Orientadora Professora Doutora Letícia Fortes Legay Rio de Janeiro – RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 2012 S238 Santos, Simone Agadir de Azevedo. Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas de suicídio por intoxicação exógena no Rio de Janeiro/ Simone Agadir de Azevedo Santos. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2012. 86 f.; 30cm. Orientador: Letícia Fortes Legay. Tese (Doutorado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2012. Referências: f. 119-127. 1. Tentativa de suicídio. 2. Suicídio. 3. Envenenamento. 4. Substâncias tóxicas. 5. Sistemas de informação em saúde. 6. Análise de dados. I. Legay, Letícia Fortes. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 362.28 4 Resumo Introdução: A intoxicação exógena é um dos três principais meios utilizados nas tentativas e suicídios. Este estudo objetivou descrever um modelo de monitoramento de informações para tentativas e suicídios por intoxicação exógena no estado do Rio de Janeiro. Método: Trata-se de um estudo seccional descritivo, no qual foram analisados registros sobre os casos de tentativas e suicídios de residentes do estado do Rio de Janeiro constantes nos bancos de dados do SINAN, SIM e CCIn-Niterói, referentes ao período 20062008. O SIH-SUS foi utilizado somente para avaliação da importância da tentativa de suicídio por intoxicação exógena como causa de internação, pois, não se apresentou como base possível de ser utilizada no relacionamento de bancos para o modelo final. O estudo foi dividido em três partes: 1) análise da frequência de tentativas e suicídios; 2) discussão sobre o acesso ao meio para os agravos estudados; e 3) descrição de um modelo de monitoramento de informações para tentativas e suicídios por intoxicação exógena. Resultados da primeira etapa: foram analisados 940 registros sobre tentativas de suicídio do CCIn e 470 do SINAN. Para o suicídio, foram identificados 33 registros (CCIn), 23 (SINAN) e 180 (SIM). O SINAN apresentou o pior desempenho como sistema de informação para os agentes tóxicos. Resultados da segunda etapa: cerca de 71,0% dos casos de tentativa de suicídio (SIH-SUS) foi devido à intoxicação, com uma razão homem/mulher de 1:1. Quanto ao suicídio, segundo dados do SIM, os agrotóxicos se destacaram em ambos os sexos e o uso de medicamentos foi mais frequente em mulheres (28,9%) do que em homens (17,3%). A razão entre homens e mulheres foi de 2:1, contudo entre os pré-adolescentes (10-14 anos), as mulheres predominaram (4:1). Resultados da terceira etapa: a análise da incompletitude mostrou que os campos do nome da mãe e a data de nascimento variaram de excelente a muito ruim (0% vs 15,9% vs 62,3%) nos sistemas. De trinta e um (31) suicídios por intoxicação exógena captados pelo CCIn, apenas 12 (38,7%) foram registrados como suicídio no SIM (classificação diagnóstica pela CID-10). Os resultados deste estudo para o suicídio mostraram a elevada discordância quanto à classificação da CID – 10. Conclusão: Chamou atenção neste estudo a 5 contribuição das informações hospitalares que permitiu observar a razão homem/mulher de 1:1 nas tentativas de suicídio e a mortalidade feminina devido aos agrotóxicos (também uma razão de 1:1), enquanto que o esperado seria uma maior frequência feminina na primeira e masculina na segunda. Surpreendeu a presença do álcool como causa básica para o suicídio por intoxicação e a sobremortalidade masculina por este agente (razão 7:1). Já nos sistemas como um todo, o grupo de jovens (10 a 19 anos) teve importante participação, confirmando a necessidade de maior atenção a este grupo, sendo que o de 40 a 59 anos também superou o de 60 anos. Sabe-se da importância da informação para a vigilância e formulação de políticas públicas, além de tomadas de decisão. Assim torna-se importante maior atenção e prioridade na padronização e comunicação entre os sistemas de informações em saúde. Estes pontos são fundamentais para a expansão do método de relacionamento de bancos de dados, mostrando-se eficaz e permitiria a identificação dos problemas existentes em cada sistema, proporcionando melhor qualidade das informações e maior proximidade das situações reais de agravos complexos e graves como o comportamento suicida. Palavras-chave: Tentativa de suicídio; Suicídio; Envenenamento; Relacionamento de banco de dados; Sistema de informação em saúde; Vigilância epidemiológica. 6 Abstract Introduction: The poisoning is one of three main means used in attempts and suicides. This study has aimed to describe a model of monitoring information for attempts and suicides by poisoning in Rio de Janeiro state. Method: This is a descriptive cross-sectional study, which has analyzed records on the attempted suicides cases of people living in the state of Rio de Janeiro, registered by SINAN, SIM and CCIn-Niterói databases, for the period 2006-2008. The SIH (Hospital Information System) has been used to evaluate the importance of poisoning suicide attempts as a cause of hospitalization. The study has been divided in three parts: 1) analysis of the frequency of attempts and suicide, 2) discussion of the measures access to the injuries studied, and 3) description of a model for information monitoring on suicide attempts and suicide by poisoning. Results of the first stage: 940 suicide attempts records were analyzed from CCIn and 470 from SINAN. Records for suicide, were identified as follows, 33 (CCIn), 23 (SINAN) and 180 (SIM). The SINAN has shown the worst performance for toxic agents information on attempts / suicide. Results of the second stage: around 70.0% of the cases of suicide attempt (SIH-SUS) were due to poisoning and men and women ratio was 1:1. As for suicide, according to data from SIM, pesticides have excelled in both sexes; medication use was higher in women (28.9%) than in men (17.3). Men and women ratio was (2:1) and among adolescents women predominated (3:1). Results of the third stage: the incompleteness analyze showed that the mother's name and date of birth scores ranged from excellent to very poor (0% vs 15.9% vs 62.3%) systems. Only 12 (38.7%) of the thirty-one (31) suicides by poisoning captured by CCIn, were recorded as suicide in the SIM (diagnostic classification in ICD10). The results of this study for suicide, showed the high disagreement regarding the classification of ICD - 10. Conclusion: It was noteworthy in this study the contribution of hospital information that has allowed us to observe the male/female ratio of 1:1 in suicide attempts and female mortality due to pesticides (also a ratio of 1:1), as would be expected the most frequent presence of female in the first and of male in the second. It has also surprising of the alcohol as a basic cause of suicide in male and the excess mortality due 7 to alcohol (ratio 7:1). To the systems as a whole, the group of young people (10 to 19 years) had an important presence, confirming the need of greater attention towards this group. As the group of 40 to 59 years for suicide overcoming the age group above 60 years. We know the importance of information for surveillance, public policy formulation and decision making. So it becomes important more attention and priority in standardization and communication among health information systems. These are the main points to the increasing of the method for relationship databases, which proved to be effective and would allow the identification of problems in every system, providing better information and greater proximity to real situations of serious and complex injuries such as suicidal behavior. Keywords: Suicide attempted; Suicide; Poisoning; Record linkage; Health information system; Epidemiological surveillance. 8 Sumário Resumo 4 Abstract 6 Agradecimentos 10 Epígrafe 11 Lista de ilustrações 12 Lista de tabelas 13 Lista de siglas 14 1 Introdução 15 1.1 Tentativas e suicídios 16 1.2 Tentativas e suicídios por intoxicação exógena 20 1.2.1 Toxicologia e toxicovigilância 20 1.2.2 Magnitude das tentativas e suicídios por intoxicação exógena 21 1.3 O suicídio na Classificação Internacional de Doenças e Problemas 32 Relacionados à Saúde (CID-10) 2 Sistemas de informação em saúde no Brasil 33 2.1 Sistemas oficiais de informação em saúde com dados sobre tentativas e 35 suicídio por intoxicações exógenas 2.1.1 Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 35 2.1.2 Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde 39 (SIH-SUS) 2.1.3 Centros de Controle de Intoxicações de Niterói (CCIn-Niterói) 42 2.1.4 Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 43 9 3 Justificativa 46 4 Objetivos 49 4.1 Objetivo geral 50 4.2 Objetivos específicos 50 5 Metodologia 51 5.1 Desenho do estudo 52 5.2 População do estudo 52 5.3 Sistemas de informações em saúde utilizados 52 5.4 Relacionamento de banco de dados (Linkage) 54 6 Artigo Tentativas e suicídios por intoxicação exógena, no Rio de Janeiro: 56 dados dos sistemas oficiais de informações 7 Artigo Acesso e medidas restritivas para prevenção: o caso das substâncias 78 tóxicas utilizadas como meio para tentativas e suicídios 8 Artigo Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento 97 das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro Referências 119 Anexos 128 10 Agradecimentos À minha família, por sempre me apoiar e incentivar, tolerar os longos períodos de isolamento frente ao computador, muito obrigada! Ao Lucas, meu querido afilhado, Nadir e Kátia por torcerem por mim... Sempre! À professora Drª. Letícia Legay, minha orientadora, pela paciência, confiança e carinho que tanto me estimularam nesta longa trajetória. Aos professores Drª. Lúcia Abelha, Drª. Jacqueline Cintra e Dr. Giovanni Lovisi por todo apoio e estímulo ao longo do curso. Aos professores Drª. Rosany Bochner, Drª. Katia Sanches e Dr. Sergio Pacheco pela generosidade com que contribuíram para o meu crescimento e aperfeiçoamento deste trabalho, além da gentileza de terem aceitado o convite para compor minha banca. À professora Drª. Edinilsa Ramos de Souza, por mesmo à distância ter colaborado com este estudo. À professora Drª. Claudia Medina, por ter me recebido no LABMECS e apoiado durante a realização do linkage probabilístico. E em particular quero agradecer à Fernanda, Claudinha, Patrícia e Marli, que tanto me ajudaram e acalmaram, afinal... Todos têm problemas, não é mesmo Fernanda! risos Ao Diego, por sempre me socorrer nas dúvidas estatísticas. Às minhas terapeutas Tatiana, Daianna e Edna, pela força e paciência nos momentos mais difíceis. E não poderia deixar de agradecer as minhas eternas parceiras Priscila, Vivian, Daniele, Guará, Margarida, Laura e Érika, vocês são D+! 11 “O conhecimento e a informação são os recursos estratégicos para o desenvolvimento de qualquer país. Os portadores desses recursos são as pessoas." Peter Drucker 12 Lista de ilustrações Quadro 1 Estudos internacionais sobre tentativas e suicídios devido intoxicação exógena e método de relacionamento de bancos de dados 26 Quadro 2 Estudos nacionais sobre intoxicação exógena e tentativas e suicídio 28 Quadro 3 Fluxo de formulário e de informações do SINAN 38 Quadro 4 Periodicidade 38 Quadro 5 Fluxo do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde 41 Quadro 6 Fluxo do Sistema de Informações sobre Mortalidade 44 Gráfico 1 (seção 7 Artigo) Distribuição da frequência de internação por tentativas de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo categorias de substâncias, Brasil, período de 1998 a 2009 82 Gráfico 2 (seção 7 Artigo) Distribuição da frequência de suicídios devido à intoxicação exógena, segundo categorias de substâncias, no Brasil, período de 1998 a 2009 84 Figura 1 (seção 8 Artigo) Distribuição e desmembramento dos arquivos com registros sobre casos de intoxicação exógena dos bancos de dados do SINAN, CCIn-Niterói e SIM. Estado do Rio de Janeiro, período de 2006 a 2008 106 Quadro 1 (seção 8 Artigo) Campos utilizados nos passos durante a blocagem e pareamento 107 Figura 2 (seção 8 Artigo) Número de pares identificados de casos de tentativas e suicídio devido intoxicação exógena no processo de relacionamento dos bancos de dados dos sistemas SIM, SINAN e CCInNiterói. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008 110 Figura 3 (seção 8 Artigo) Distribuição dos suicídios segundo sistemas CCInNiterói, SIM e SINAN. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008 111 13 Lista de tabelas Tabela 1 (seção 6 Artigo) Distribuição das variáveis relacionadas às tentativas de suicídio por intoxicação exógena no estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008 64 Tabela 2 (seção 6 Artigo) Distribuição das variáveis relacionadas às tentativas de suicídio por intoxicação exógena, segundo sexo, para o estado do Rio de Janeiro, no período de 2006-2008 65 Tabela 3 (seção 6 Artigo) Distribuição das variáveis relacionadas aos suicídios por intoxicação exógena, no estado do Rio de Janeiro, período 20062008 66 Tabela 4 (seção 6 Artigo) Distribuição das variáveis relacionadas aos suicídios por intoxicação exógena, segundo sexo, para o estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008 67 Tabela 1 (seção 7 Artigo) Distribuição da frequência de internações por tentativas de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo sexo, Brasil, período de 1998 a 2009 83 Tabela 2 (seção 7 Artigo) Distribuição da frequência de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo sexo, Brasil, período de 1998 a 2009 85 Tabela 1 (seção 8 Artigo) Incompletitude dos campos dos sistemas SINAN, SIM e CCIn-Niterói. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008 109 14 Lista de siglas AIH Autorização de Internação Hospitalar ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CCIn-Niterói Centro de Controle de Intoxicações de Niterói CID Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DO Declaração de Óbito IE Intoxicação Exógena IML Instituto Médico Legal LDNC Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória RENACIAT Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica SES Secretaria de Estado de Saúde SI Sistema de Informação SIH-SUS Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação SINITOX Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas SIS Sistema de Informação em Saúde SMS Secretaria Municipal de Saúde SUS Sistema Único de Saúde SVS Secretaria de Vigilância em Saúde TS Tentativa de suicídio WHO World Health Organization WWW World Wide Web 15 1 Introdução 16 1.1 Tentativas e suicídios No ano 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS) calculou cerca de um milhão de óbitos por suicídio, representando uma taxa global de 16 por 100 mil habitantes. A projeção para o ano 2020 é ainda pior: a OMS estima que mais de 1,5 milhões de pessoas morrerão por suicídio (WHO, 2012; BERTOLOTE, FLEISCHMANN, 2002). Calcula-se que o número de tentativas de suicídio seja de 20 a 40 vezes maior que o número de suicídios (WHO, 2012; SCHMIDTKE et al., 1996). Com isto, a imagem que melhor exibe o problema é de um iceberg. A ponta, a parte visível, representando os suicídios e a parte submersa, a grande maioria dos comportamentos suicidas sobre os quais não se tem conhecimento, dentre eles a tentativa. Para compreender a tentativa e o suicídio, faz-se necessário uma breve discussão sobre suas definições. Em 2002, no Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, a OMS propôs o conceito comportamento suicida e descreveu seus componentes, os quais não seriam sequenciais e teriam como desfecho máximo, o suicídio. Esses componentes seriam a ideação suicida, planos, gestos, tentativas e suicídio. Esta definição abrangente surge como uma possibilidade de conciliar diferentes definições para o suicídio, principalmente, no que diz respeito à intenção de morte e consciência do ato. Uma vez que esta relação nem sempre está clara, procurou-se, assim, um termo que permitisse avaliar os diversos fatores relacionados ao incremento do risco para o suicídio (WHO, 2002). Contudo, o mesmo relatório destaca que este termo não finalizou a discussão sobre a necessidade de uma definição consistente, tanto para suicídio quanto para tentativas de suicídio, de modo a permitir uma melhor comparação entre os estudos, resolvendo problemas metodológicos gerados por diferentes definições. Assim, a OMS sugeriu definições sínteses de “comportamento suicida não fatal” para atos suicidas que não resultam em morte e “comportamento suicida fatal”, para aqueles que resultam em morte. Estas foram as definições adotadas no presente estudo. A coleta de informações sobre o suicídio é um grande problema para o conhecimento da real dimensão deste evento no mundo. A OMS recebe dos 17 países-membros dados recentes disponíveis sobre mortalidade. Contudo, há países sem infraestrutura e recursos para obter os dados de todos os óbitos que ocorrem num determinado período. Estas informações sobre esse agravo são retiradas das Declarações de Óbito (DO), que são instrumentos padronizados internacionalmente, sendo os óbitos classificados segundo a causa básica (Classificação Internacional de Doenças – CID) (OMS, 2000). Há uma grande variação no modo como essas informações sobre a mortalidade são preenchidas. A OMS recomenda cuidado no uso dos dados sobre o suicídio, mesmo nos países com critérios padronizados de registro, pois a aplicação do mesmo pode ainda assim variar. São inúmeros os motivos que levam ao mau registro dessas informações. Questões burocráticas como datas de encerramento para estatísticas oficiais; variações dentro de um mesmo país por causa das fontes de dados; aspectos culturais e religiosos que podem encobrir o suicídio e a classificação como causa indeterminada (WHO, 2002). Estas questões dificultam a utilização dos dados e isto gera ausência de conhecimento real das informações estatísticas sobre o suicídio. Bertolote e Fleischmann (2002) relatam que, em alguns lugares, é possível que a subnotificação esteja entre 20 a 100%. Para o Brasil, estudos alertaram para o fato de algumas variações nas taxas de suicídio serem decorrentes da qualidade das informações sobre este tipo de morte, uma vez que, além dos aspectos morais e culturais, inclui a existência de cemitérios clandestinos. Outro aspecto é o fato de alguns casos de suicídio ou de tentativas serem difíceis de diferenciar de acidentes, por exemplo, o acidente de trânsito que pode mascarar o ato autodestrutivo (LESSA, 2009; MINAYO, 2005; CASSORLA e SMEKE,1994). Quanto à magnitude das taxas de suicídio, convencionou-se utilizar a classificação desenvolvida por Diekstra e Gulbinat (1993). Os autores realizaram um grande estudo epidemiológico das taxas de suicídio em três continentes, América, Ásia e Europa, definindo os seguintes parâmetros: até 5 óbitos por 100 mil habitantes foram consideradas taxas baixas; entre 5 e 15, médias; entre 15 e 30, altas e acima de 30 óbitos por 100 mil habitantes seriam taxas altíssimas. Estes foram os parâmetros utilizados neste trabalho. As taxas de suicídio variam de acordo com país, sexo e idade. Em 2005, o Leste Europeu destacou-se com taxas para o sexo masculino altíssimas. 18 Para Lituânia e Rússia, por exemplo, os valores foram de 68,1 e 58,1 óbitos por 100 mil habitantes, respectivamente. É reconhecido que a Europa sempre exibiu taxas elevadas para alguns de seus países, entretanto, semelhanças são observadas entre países de diferentes continentes. A Estônia, por exemplo, apresentou a taxa de 35,5 óbitos masculinos por 100 mil habitantes em 2005 e a Guiana, país sul-americano, a taxa de 33,8 óbitos, para o mesmo período. Quanto ao sexo, o país que apresentou a menor taxa masculina de suicídio foi o México, com 7,0 óbitos por 100 mil habitantes, também em 2005. No suicídio entre as mulheres observa-se que a disposição dos países muda e há o predomínio das taxas médias: China, Lituânia e Guiana, com 13,1; 12,9; e 11,6 óbitos por 100 mil habitantes. Já as menores taxas femininas se apresentam no México e Costa Rica, com 1,4 e 1,9 óbitos por 100 mil habitantes, respectivamente (WHO, 2009). As faixas etárias também apresentam informações diferenciadas, contudo, com menor variabilidade entre os países. De modo geral, a OMS aponta que apesar das taxas serem altas entre o grupo de idosos, também ocorre um aumento importante destas na população jovem, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O suicídio é a terceira causa de óbito na população mundial de 15 a 44 anos (WHO, 2012; BERTOLOTE e FLEISCHMANN, 2002). No Brasil, durante o período de 1980 a 2000, a taxa de mortalidade por suicídio aumentou em 21,0%, colocando-o entre os 10 primeiros países com a maior frequência absoluta (MELLO-SANTOS, BERTOLOTE e WANG, 2005). Pesquisas têm revelado a tendência progressiva de aumento nas suas taxas, principalmente entre as idades de 15 a 24 anos (SOUZA, MINAYO e MALAQUIAS, 2002; YUNES e ZUBAREW, 1999). Um estudo realizado no Rio Grande do Sul (1980 a 1999) apresentou taxas que variaram de 9,0 para 11,0 óbitos por 100 mil habitantes. Os maiores coeficientes correspondiam aos idosos, embora também tenha ocorrido elevação na população de adultos jovens (MENEGHEL et al., 2004). Em Campinas, foi analisada a tendência das taxas brutas por suicídio no período de 1997-2001, segundo o sexo. Os autores encontraram uma sobremortalidade masculina na faixa etária de 35 a 54 anos, predominando o enforcamento e 19 armas de fogo nos homens e o envenenamento nas mulheres (MARÍN-LEÓN e BARROS, 2003). Um estudo recente construiu uma série histórica do suicídio no Brasil, no período de 1980 a 2006 (LOVISI et al., 2009). A região Sul apresentou as maiores taxas por suicídio no Brasil em todo o período estudado (de 8,1 a 10,4 óbitos por 100 mil habitantes), seguida pelas regiões Centro-oeste (de 4,4 a 7,7 óbitos por 100 mil habitantes) e Sudeste (de 4,3 e 5,2 óbitos por 100 mil habitantes). Dentre as informações sobre suicídio por meio de envenenamento, constatou-se que o uso de agrotóxicos foi maior nas regiões Sudeste (29,7%), Sul (28,6%) e Nordeste (19,8%). Bem como o uso de medicamentos no Sudeste (7,0%), Sul (4,1%) e Nordeste (3,7%). Quanto aos meios mais utilizados no comportamento suicida fatal destacam-se o enforcamento, armas de fogo e envenenamento (LOVISI et al., 2009; MARÍN-LEÓN, BARROS, 2003; WHO, 2002). Quanto às informações sobre tentativas de suicídio, a confiabilidade das mesmas é difícil pelos mesmos motivos vistos nos casos de suicídio, sendo que há um agravante, não existe um documento padronizado internacionalmente e de registro obrigatório como a DO. Minayo (2005) ressalta que os registros elaborados nos hospitais relatam apenas a causa secundária, ou seja, a lesão ou trauma consequente das tentativas. Calcula-se que apenas 25% das pessoas que tentam suicídio procuram hospitais públicos, não sendo estes casos necessariamente os mais graves. Os registros são importantes para a pesquisa e prevenção, pois, aqueles que tentam suicídio estão mais sujeitos a novos comportamentos suicidas, podendo inclusive vir a cometer suicídio (WHO, 2002). Quanto aos hospitais ou clínicas particulares não conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), não há qualquer informação a respeito. Desse modo, a magnitude detectada das tentativas de suicídio depende muito do objetivo e metodologia aplicada aos estudos, os quais são desenvolvidos a partir do perfil e aspectos clínico-epidemiológicos que se pretende investigar. Pesquisas descrevem diferenças no perfil de quem morre por suicídio e daqueles que tentam. As pessoas que cometem suicídio são, na sua maioria, do sexo masculino e mais propensos a utilizar meios mais violentos, faixas etárias entre 15 e 44 anos e acima de 75 anos, 20 desempregados, aposentados, solteiros ou separados (BRASIL, 2006; MELLOSANTOS et al., 2005; MARÍN-LEÓN e BARROS, 2003; CASSORLA, 1991). Nas tentativas de suicídio, o perfil muda em alguns aspectos: predomina o sexo feminino, com faixa etária entre 15 e 35 anos, solteiras ou separadas, mais propensas a utilizar meios menos violentos (WERNECK et al., 2006; KACHAVA e ESCOBAR, 2005; RAPELI e BOTEGA, 2005; CASSORLA, 1991; NUNES, 1988). Na população jovem de 15 a 44 anos, as lesões ou traumas decorrentes das tentativas de suicídio são a sexta maior causa de problemas de saúde e incapacitação física (WHO, 2002). Estes dados colocam as tentativas de suicídio como um sério problema mundial, que vem atingindo cada vez mais a população jovem e gerando graves problemas de saúde, psicológicos e socioeconômicos. 1.2 Tentativas e suicídios por intoxicação exógena 1.2.1 Toxicologia e toxicovigilância Toxicologia é a ciência que define os limites de segurança dos agentes químicos. Segurança significa a probabilidade de uma determinada substância não causar danos em determinadas condições (KLAASSEN, AMDUR, DOULL, 2007). Por intoxicação exógena entende-se como uma consequência da interação entre o agente tóxico e o organismo, portanto, o agente tóxico rompe o equilíbrio orgânico produzindo alterações fisiológicas e bioquímicas. A toxicidade então seria o potencial, em maior ou menor grau, de instalar um estado patológico como resposta à interação com o organismo (LARINI, 1987). A toxicovigilância consiste num conjunto de medidas e ações que visam conhecer a ocorrência e fatores relacionados às intoxicações, promovendo sua prevenção ou controle (CVE, 2000). Portanto, como bem aponta Moraes e Barbosa (2005), o principal objetivo da toxicovigilância é gerenciar o risco das substâncias químicas sobre a saúde humana e ambiental. Mas para isto, as informações deverão ser confiáveis e adequadamente disseminadas aos 21 profissionais e população, desencadeando ações para a redução e controle dos riscos para as intoxicações. Sendo, portanto, fundamental o desenvolvimento de sistemas de informações que garantam o seu adequado funcionamento. 1.3.2 Magnitude das tentativas e suicídios por intoxicação exógena Suicídio por intoxicação exógena é um grave problema mundial. Existem inúmeras substâncias que podem ser utilizadas como meio para tentativas e suicídios, tais como agrotóxicos, raticida, produto veterinário, de uso domiciliar e químicos industriais, metais, drogas de abuso, plantas tóxicas, além de alimentos e outros (SINAN, 2012; CDC, 2012; WHO, 2012). Contudo, as substâncias medicamentos e agrotóxicos são os mais utilizados em todo o mundo (WHO, 2012; GUNNELL e EDDLESTON, 2003; BERTOLOTE e FLEISCHMANN, 2002). No Brasil, o cenário não é diferente, dados do SINITOX, para o ano de 2010, mostram de todos os casos registrados (N= 86.700) pelos Centros de controle de intoxicação, as tentativas de suicídio ficaram em segundo lugar com 18,3% (acidente individual representou 57,5%). O uso de medicamentos aparece como meio o mais utilizado (61,2%), seguido pelo uso de agrotóxicos (16,8%) e raticida (9,3%). Já entre todos os óbitos devidos à intoxicação (n= 388), 64,2% se associaram ao suicídio, 11,1% ao uso abusivo de tais substâncias (11,1%) e 7,0% aos acidentes individuais (SINITOX, 2012). Jeyaratnam (1990) afirma que o suicídio contribui para aproximadamente 2/3 de todas as causas de intoxicação aguda por agrotóxicos. E o fato deste tipo de intoxicação ser mais comum em países em desenvolvimento ocorre devido à alta toxicidade dos agrotóxicos, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos, nos quais o suicídio por este meio possui um valor muito reduzido, como os Estados Unidos cuja porcentagem do total de intoxicação aguda por agrotóxicos é de apenas 0,8%. 22 Gunnell e Eddleston (2003) afirmam que em países industrializados, como na Inglaterra, o uso de medicamentos como meio para o suicídio é usado em aproximadamente 0,5% destes óbitos. Porém, nos países em desenvolvimento, o suicídio por agrotóxicos é observado entre 10% a 20% de todos os óbitos. Os autores destacam que em área rural, o suicídio por agrotóxicos ultrapassa 60%, como em Sri Lanka (71%) e Malásia (90%). Contudo, afirmam que não há evidência de que a intenção suicida seja mais frequente em países de maior consumo de agrotóxicos. Um estudo avaliou o impacto da regulação sobre o uso de agrotóxicos em Sri Lanka. O resultado apresentado revelou que as restrições na importação e venda desses produtos altamente tóxicos, no período de 1995 e 1998, coincidiram com a redução do número de suicídio em ambos os sexos e em todas as idades naquele país. Variáveis como desemprego, guerra civil, abuso de álcool, divórcio e uso de agrotóxicos não foram associadas a esse declínio nas taxas (Gunnell et al., 2007). No Brasil, raros estudos avaliaram as intoxicações exógenas e o suicídio. Normalmente, observam-se dois grandes grupos de estudos: 1) Estudos que investigam intoxicação por agrotóxicos ou medicamentos e, nos resultados, obtêm-se informações sobre tentativas e suicídio; e 2) Estudos que investigam o suicídio e nos resultados apresentam informações sobre intoxicação exógena. Faria, Fassa e Facchini (2007) avaliaram os sistemas de informações nacionais para intoxicação por agrotóxico, para os anos de 2003 e 2004. Embora o objetivo do estudo não tenha sido analisar dados sobre suicídio e tentativas, os autores encontraram informações importantes, como o fato das tentativas de suicídio representarem 19,0% das intoxicações por agrotóxicos no SINITOX-BG1, 31,0% dos registros no CIT-RS2, 41,0% no SINITOX-BR3 e 37,0% no CIVITOX-MS4. Os autores verificaram ainda que 78,0% dos óbitos por suicídio constante no SINITOX-BR ocorreu por uso de agrotóxicos. Os 1 Sistema de Informação sobre Intoxicações de Bento Gonçalves/Rio Grande do Sul. Centro de Informação e Assistência Toxicológica/ Rio Grande do Sul. 3 Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. 4 Centro Integrado de Vigilância Toxicológica/Mato Grosso do Sul. 2 23 autores concluíram que nenhum dos sistemas avaliados responde adequadamente ao papel de sistema de vigilância. Lima e Reis (1995) investigaram intoxicação por carbamato através dos dados do Centro de Controle de Intoxicações, do Estado do Rio de Janeiro, para o ano de 1993. Dos 189 registros, 65,0% representaram tentativa de suicídio e 35,0%, ingestão acidental. A faixa etária mais prevalente nas tentativas foi de 20 a 29 anos (31,0%). Quanto à mortalidade, sete casos do grupo das tentativas de suicídio evoluíram ao óbito e apenas um, do grupo de ingestão acidental, faleceu. Os autores concluíram que as autoridades devem agir a fim de acabar com o comercio ilegal dessa substância. Marín-Leon e Barros (2003) descreveram a tendência do suicídio e o perfil sociodemográfico do município de Campinas, em São Paulo, no período de 1976-2001. A mortalidade por suicídio variou entre 1,1 e 4,1 óbitos por 100 mil hab. A sobremortalidade masculina apresentou uma relação de 2,7:1 para cada suicídio feminino. Os métodos mais utilizados entre as mulheres foram o envenenamento (24,2%) e entre os homens, destacou-se o enforcamento (36,4%). O estudo não discriminou as substâncias ingeridas no envenenamento. As autoras concluíram que, durante o período estudado, as taxas se apresentaram estáveis, com maior risco de morte no sexo masculino. Filardi et al. (2004) descreveram informações epidemiológicas de 391 laudos de suicídios do Instituto de Medicina Legal de Belo Horizonte, no período de setembro de 2004. O sexo masculino prevaleceu com 77,2% dos suicídios. A faixa etária mais atingida foi a de até 40 anos (58,0%) para ambos os sexos. O método mais utilizado entre os homens foi o enforcamento (52,6%) e entre as mulheres a intoxicação/veneno (34,8%). Exame positivo para consumo de álcool foi identificado em 20,9% dos homens e 3,4%, das mulheres. Os autores encontraram associação entre ser do sexo feminino e o uso de métodos não violentos e entre o uso de álcool e o uso de métodos violentos (p < 0,05). Os autores concluíram que um grande número de laudos foi inadequadamente preenchido (10,7%), impossibilitando a descrição desses casos. E reforçaram a necessidade de mais estudos epidemiológicos que permitam a identificação de fatores de risco. Foi realizada uma revisão da literatura sobre os estudos que investigaram as tentativas e suicídios devido intoxicação exógena. A pesquisa 24 bibliográfica foi realizada nas bases da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/BIREME) e PubMed. Não foi determinado um período, buscando abarcar assim o maior número possível de estudos. Na pesquisa feita pela BVS utilizaram-se apenas descritores em português devido a sua interface com inglês e espanhol. Os descritores foram: tentativa de suicídio e intoxicação exógena; tentativa de suicídio e envenenamento; suicídio e intoxicação exógena; suicídio e envenenamento; tentativa de suicídio e sistema de informação em saúde; suicídio e sistema de informação em saúde; linkage e tentativa de suicídio; linkage e suicídio. Foram encontrados 118 títulos. Na base PubMed, os descritores em inglês foram: suicide and poisoning and information system; suicide attempt and poisoning and information system; suicide and exogenous intoxication and information system; suicide attempt and exogenous intoxication and information system; suicide and exogenous intoxication and record linkage; suicide attempt and exogenous intoxication and record linkage; suicide and poisoning and record linkage; suicide attempt and poisoning and record linkage. Foram encontrados 116 títulos. Do total de 234 títulos, nove foram excluídos por serem duplicados nas duas bases. A pesquisa resultou em 225 artigos, destes apenas 20 estudos investigaram tentativas e suicídios por intoxicação exógena. Para o quadro sobre tentativas e suicídios devido intoxicação exógena e o método de relacionamento de bancos de dados utilizou-se os seguintes critérios para a seleção dos artigos: 1) ter como objetivo do trabalho a investigação sobre tentativas e/ou suicídios devido intoxicação exógena; e 2) ter como método o relacionamento de bancos de dados. Apenas quatro trabalhos internacionais foram selecionados (Quadro 1). Para o quadro sobre tentativas e suicídios devido intoxicação exógena priorizou-se apenas os estudos nacionais. Utilizouse apenas o critério de ter como objetivo do trabalho a investigação sobre tentativas e/ou suicídios devido intoxicação exógena. Foram selecionados 16 trabalhos (Quadro 2). Os estudos internacionais citados no Quadro 1 utilizaram o método probabilístico sem o objetivo de avaliar a qualidade das informações dos sistemas usados, portanto não desenvolveram nenhum tipo de orientação nesse sentido. Os trabalhos objetivaram o perfil epidemiológico e/ou 25 conhecimento dos danos clínicos causados pela intoxicação exógena, além de quais outros fatores poderiam estar associados (ALLGULANDER, FISHER, 1990; SELLAR, GOLDACRE, HAWTON, 1990; REITH, WHYTE, CARTER, MCPHERSON, 2003; CARTER, REITH, WHYTE, MCPHERSON, 2005). O trabalho de Sellar, Goldacre e Hawton (1990) foi o único daqueles captados pela pesquisa bibliográfica que avaliou a concordância diagnóstica e duplicidade, contudo, sem ser este o objetivo principal do estudo. Os autores apenas apontaram que os dados são úteis se o objetivo do estudo estiver correto. 26 Quadro 1. Estudos internacionais sobre tentativas e suicídios devido intoxicação exógena e método de relacionamento de bancos de dados. Autor/ano de publicação Estado/ Cidade Carter, Reith, Whyte e McPherson, 2005 New South Reith, Whyte, Carter e McPherson, 2003 Allgulander e Fisher, 1990 Sellar, Goldacre e Hawton, 1990 Wales/ Austrália Austrália Estocolmo Oxford Período do Estudo Dados/Fontes Resultados Dados secundários Janeiro Dados de 1987registros dezembro toxicológicos e 2000 dados de mortalidade 31 casos e 93 controles foram selecionados O número de drogas consumidas incrementou 2,59 o risco de suicídio e o uso abusivo de álcool ou drogas em 2,33 vezes Dados secundários Dados de registros toxicológicos e dados de mortalidade Amostra: 441 registros de adolescentes Tentativas de suicídio (84,5%), uso abusivo (15,0) e acidente (0,5%) 8 (1,8%) resultaram em suicídios A taxa de suicídio masculino aumentou 22 vezes e o feminino em 14 vezes Dados secundários Registros médicos e registros de causa de óbito Amostra: 8.895 casos de TS devido intoxicação exógena Mulheres: n= 5.514; 4,8% (n= 262) cometeram suicídio e 20,0% (n= 1.089) repetiram a tentativa Homens: n= 3.381; 6,8% (n= 231) cometeram suicídio e 19,0% (n= 646) repetiram a tentativa Perda de informação sobre a substância utilizada foi cerca de 2,0% Dados secundários Registros médicos e registros de alta com o diagnóstico Amostra: 1.123 casos de envenenamento 1.081 (96,3%) estavam corretamente diagnosticados como intoxicação por drogas e medicamentos e destes, 1.065 (95,0%) foram diagnosticados como tentativa devido intoxicação exógena 27 (2,4%) registros estavam relacionados com drogas e deveria ter tido outra classificação por outra droga 8 (0,7%) registros estavam mal classificados sem qualquer menção à substância Dois (0,2%) registros estavam duplicados e 5 (0,4%) não foram encontrados 19911995 19691985 19801985 27 Os estudos citados no quadro 2 apresentaram uma grande diversidade metodológica, porém, ressalta-se que não constituiu como objetivo de nenhum dos estudos que utilizaram sistemas de informações a avaliação da qualidade dos mesmos. Apenas o trabalho desenvolvido por Sodré e colaboradores (2010) forneceu informações sobre os dados constando como ignorados ou em branco, mas não discutiram a importância dos mesmos para o monitoramento do comportamento suicida. Os demais apresentaram informações acerca das intoxicações como meios utilizados nas tentativas e suicídios de acordo com o objetivo de suas pesquisas. Os estudos que utilizaram apenas dados dos sistemas SINAN e centros de controle de intoxicações embora apresentem amostras e análises estatísticas diferentes, todos sem exceção mostram o grave cenário que é o uso de substâncias como meio para tentativas e suicídios, seja no meio urbano ou rural. Os autores apontaram a necessidade de campanhas de conscientização para o uso racional de medicamentos, inclusão de variáveis como o estado civil, maior monitoramento e fiscalização das vendas de medicamentos controlados nas farmácias. Também ressaltaram que os médicos devem ter maior cuidado na prescrição de medicamentos antidepressivos aos pacientes, a importância dos levantamentos estatísticos descritivos no ensino e prática da Toxicologia e uma maior participação dos centros de controle de intoxicações, estes podendo servir como fonte de informação ao médico assistente, mas não apenas quanto aos aspectos toxicológicos, mas também quanto à gravidade do evento (VERAS; KATZ, 2011; BERNARDES; TURINI; MATSUO, 2010; SODRÉ; LEITE, 2010; SILVA; VILELA; BRANDÃO, 2010; MARGONATO et al., 2009; VALOIS, 2008; RIOS et al., 2005; PIRES et al., 2005; REGADAS et al., 2000; SOUGEY et al., 1998). Os estudos que trabalharam com método quali-quantitativo ou apenas qualitativo apresentaram informações importantes sobre motivações, dinâmica familiar, história de tentativas anteriores e o quadro clínico das intoxicações (BUCARETCHI et al., 2009; VIEIRA et al., 2007; ROMÃO; VIEIRA, 2004; SUCAR, 2002; BELLASALMA; OLIVEIRA, 2002; MARCONDES FILHO et al., 2002). 28 Quadro 2 (Continua). Estudos nacionais sobre intoxicação exógena e tentativas e suicídio. Autor/ano de publicação Veras e Katz, 2011 Bernardes, Turini e Matsuo, 2010 5 Estado/ Cidade Recife Paraná, Londrina Período do Estudo Dados/Fontes Metodologia Resultados Maio de maio de 2010 Secundários Centro de Assistência Toxicológica – CEATOX Estudo descritivo Amostra: 21 registros de adolescentes do sexo feminino Idade entre 13 e 19 anos Praguicidas: 61,9% Medicamentos: 38,1% Estudo descritivo Amostra: 206 registros Dos 206 pacientes, 79,1% eram do sexo feminino A faixa etária de maior frequência foi a de 20-25 anos, correspondendo a 46,1% do total No sexo feminino, mais de 40,0% dos pacientes necessitaram de hospitalização Houve associação com outras substâncias em 51,5% dos casos, sendo mais frequente entre os homens (51,1%) o uso de medicamento com bebida alcoólica, e entre as mulheres (84,8%) as associações se referiram a medicamentos Os grupos farmacológicos de maior frequência foram os tranquilizantes (25,5%), antidepressivos (17,0%), anticonvulsivos (15,0%) e 5 AINES (11,9%), respectivamente 1997 a 2007 Antiinflamatórios não-esteróides. Secundários Centro de Controle de Intoxicações CCI – Londrina 29 Quadro 2 (Continua) Autor/ano de publicação Sodré e Leite, 2010 Margonato, Thomson e Paoliello, 2009 Bucaretchi et al., 2009 Valois, 2008 Estado/ Cidade Minas Gerais, Formiga Paraná, Maringá São Paulo, Campinas Santa Catarina Período do Estudo Metodologia Resultados Secundários Sistema de Informação de Agravos de Notificação Estudo descritivo Amostra: 236 registros Informações sobre as intoxicações segundo a classificação da CID 10 Mulheres representaram 72,0%, com idade de idade de 20 a 29 anos (18,6%) e idade de 30 a 39 anos (16,5%) Os homens se destacaram com idade de 20 a 29 anos (11,0%) Houve um caso menor de 1 ano e um caso de 5 a 9 anos 53,8% de dados eram ignorados ou em branco para o sexo feminino; já a idade teve 47,0% de dados como ignorados ou em branco para o sexo feminino e ocupação Secundários Centro de Controle de Intoxicações CCI – Maringá Estudo descritivo Amostra: 546 registros de intoxicação por medicamentos 38,3% com intenção e 61,7% como acidente Tentativas de suicídio: 60,1% Acidentes individuais: 25,3% O sexo feminino apresentou maior prevalência em todos os casos - Primários Hospital das Clínicas – Universidade Estadual de Campinas Estudo de caso Homem de 52 anos, admitido três horas após ingestão intencional de 150 ml de metanol 99,9% sem coingestão de etanol O paciente desenvolveu acidose metabólica leve/moderada, sem acidemia, sendo liberado no quarto dia de internação 2003 a 2007 Secundários Centro de Informações Toxicológicas CIT – Santa Catarina Estudo descritivo Amostra: 1.333 registros Os medicamentos foram utilizados em 70,0% dos casos e agrotóxicos em 17,0% Foram registrados dois óbitos por medicamentos e dois por agrotóxicos Abril de 2007 – setembro de 2008 20032004 Dados/Fontes 30 Quadro 2 (Continua) Autor/ano de publicação Vieira et al., 2007 Rios et al., 2005 Pires, Caldas e Recena, 2005 Romão e Vieira, 2004 Estado/ Cidade Ceará, Fortaleza Goiás Mato Grosso do Sul Ceará, Sobral Período do Estudo Fevereiro a abril de 2005 Dados/Fontes Primários 20032004 Secundários Centro de Informações Toxicológicas CIT – Goiás 1992 a 2002 Secundários Centro Integrado de Vigilância Toxicológica da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Mato Grosso do Sul CIVITOX Abril e maio de 2000 Primário Hospital de emergência Metodologia Estudo qualitativo Relato de dois casos Resultados Adolescente de 19 anos, mulher, desempregada, usuária de drogas Adolescente de 18 anos, alcoolizado, homem, agricultor, irmão de 19 anos se suicidara 1 ano antes e um primo, que se suicidou com agrotóxico Estudo descritivo e quantitativo Amostra: 597 registros No período de 2003 houve 237 casos e no ano de 2004, 360 casos, 50,0% a mais de notificações Os psicofármacos, os analgésicos e os antinflamatórios não esteroidais representaram mais de 60,0% de todos os casos de tentativas de suicídio Cerca de 80,0% ocorreu com o sexo feminino, com baixo índice de letalidade (0,8 – 2,5%) Em 2003, o suicídio representou 0,8% e 2,2%, em 2004 Estudo descritivo Amostra: 506 registros Tentativa de suicídio: 11,3 por 100 mil hab Suicídio: 2,9 por 100 mil hab Para o período, a média por todos os meios de suicídio foi de 6,5 óbitos por 100 mil habitantes Agriculturas do algodão, trigo e soja: maior consumo de inseticida e herbicida Estudo qualitativo Amostra: 14 casos Os motivos alegados foram problemas familiares e sociais As substâncias ingeridas foram: praguicida; diazepan; gás de cozinha; óleo diesel; querosene; ácido muriático; e álcool 31 Quadro 2. (Continuação) Autor/ano de publicação Sucar, 2002 Marcondes Filho et al., 2002 Bellasalma e Oliveira, 2002 Regadas et al., 2000 Sougey et al., 1998 Estado/ Cidade Pernambuco, Recife Paraná, Londrina Paraná, Maringá Ceará, Fortaleza Pernambuco, Recife Período do Estudo Dados/Fontes Metodologia Resultados 2001 Primário e secundário Seccional e descritivo de série de casos Centro de Assistência Toxicológica de Recife CEATOX Estudo qualiquantitativo 1º momento, levantamento dos casos registrados no sistema 2º momento, a entrevista Amostra: 220 registros O risco de complicações do quadro clínico tóxico é 2,4 vezes maior entre aqueles que apresentaram interações medicamentosas aos que tomam vários medicamentos sem interação. E 13 vezes maior em relação aos que tomam apenas 1 tipo de medicamento Janeiro de 1994 a julho de 1999 Primários Centro de Controle de Intoxicações do Hospital Universitário, Universidade Estadual de Londrina CCI-HURNP Estudo qualiquantitativo 1º momento, levantamento dos casos registrados no CCI 2º momento, a entrevista Amostra: 70 registros As tentativas ocorreram nas residências (87,3%), com o uso de medicamentos (70,4%) e praguicidas (18,3%). Dez adolescentes (14,1%) e 25 familiares (35,2%) referiram histórias prévias de tentativas. Seis adolescentes do sexo feminino relataram abuso/violência sexual na infância Abril e maio de 2000 Primários Centro de Controle de Intoxicações CCI - Maringá Estudo qualitativo Amostra: 9 registros Com relação ao agente tóxico, oito utilizaram medicamento e um agrotóxico doméstico Dezembro de 1998 a maio de 1999 Secundários CEATOX Estudo descritivo Amostra: 446 registros Medicamentos (52,0%); raticidas (22,0%); agrotóxicos (13,0%); outros (13,0%); agrotóxicos mais relacionados ao óbito (60,0%) – 83,0% eram homens 1995 Secundários CEATOX Estudo descritivo Amostra: 89 registros Medicamentos (73,0%); raticidas (14,6%); óbitos (4,5%); mulheres por medicamentos (66,1%) 32 1.3 O suicídio na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) As mortes por suicídio encontram-se situadas no grupo das mortes por causas externas. A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão/CID–10 (OMS, 2000), implantada no Brasil em 1996, inclui o capítulo XX - Causas Externas de Mortalidade e Morbidade, no qual as mortes por suicídio por todos os meios passam a ser classificadas nos códigos X60 a X84, sendo os códigos X60 a X69 referentes aos suicídios devido intoxicação exógena. Na versão anterior (CID – 9ª revisão), os óbitos por causas externas (homicídios, suicídios, acidentes de trânsito e outros agravos acidentais) eram parte do capítulo XVII referente à Classificação Suplementar de Causas Externas de Lesões e de Envenenamentos. 33 2 Sistemas de informação em saúde no Brasil 34 Por sistema de informação (SI), entende-se um conjunto de computadores, um ou mais bancos de dados, programas e mesmo pessoas. As principais características do SI são captação, processamento e difusão de dados, possuindo ainda a importante característica de armazenar e recuperar um grande número de registros. E ainda, o SI pode ou não processar os dados de maneira informatizada, mas é a interpretação desses dados pelos usuários (individuais ou grupos) que produzirá diversos resultados. Estes resultados determinarão a função do sistema: controle, monitoramento, planejamento etc. Portanto um SI também é um modelo que serve para descrever um determinado aspecto do mundo real (OLIVEIRA E GARCIA, 2006; SANCHES, CAMARGO JÚNIOR, COELI E CASCÃO, 2006; CARVALHO E EDUARDO, 1998). A qualidade das informações é intrínseca à confiabilidade dos dados. No Brasil, a partir das décadas de 80 e 90, ocorreu uma expansão dos sistemas de informação em mortalidade, morbidade e nascidos vivos. Contudo, falhas na sua cobertura; falta de uma maior padronização e normatização dos sistemas; dificuldades de compatibilizar e acessar as informações provocavam uma má qualidade das informações, impedindo uma correta apresentação das condições de saúde das populações. Ações foram desenvolvidas visando à superação dos problemas nos sistemas de informação de abrangência nacional, como os sistemas SIM e SINASC que tiveram as variáveis padronizadas dos instrumentos básicos de coleta das mesmas (ALMEIDA, ALENCAR, 2000). Outro passo importante para a superação dos problemas foi a implantação, em 1996, da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa), pelo Ministério da Saúde, em cooperação com a Organização PanAmericana da Saúde (OPAS). A Ripsa surge para produzir e disponibilizar as informações, no contexto das relações das três esferas do Sistema Único de Saúde (SUS), outros setores de governo e as entidades de ensino e pesquisa. Contudo, apesar dos avanços e reconhecimento da Ripsa como instância qualificadora de informações em saúde, ainda se faz necessário uma maior interação com os gestores de saúde, os diversos setores de governo e outros segmentos sociais estratégicos, visando mobilizar os serviços de saúde para a 35 melhoria da qualidade dos dados e seu devido aproveitamento na gestão (RISI JÚNIOR, 2006). 2.1 Sistemas oficiais de informação em saúde com dados sobre tentativas e suicídio por intoxicações exógenas Apresentar-se-á alguns dos principais sistemas de informação em saúde com abrangência nacional para os programas de controle de doenças e agravos à saúde, dentre estes o suicídio, como também aqueles relacionados às intoxicações exógenas, objeto deste estudo. 2.1.1 Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) No Brasil, as tentativas e suicídios não possuem uma ficha de notificação compulsória própria. Em 2008, foi incorporada à Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória (LNDC, Portaria GM/MS Nº 104/2011a) a Ficha de Notificação/Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências, elaborada pela Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) como uma das ações da implantação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (Portaria GM/MS Nº 737/2001), do Ministério da Saúde, em 2001. Entretanto, esta ficha possui apenas quatro variáveis que investigam o comportamento suicida: A lesão foi autoprovocada?; Meio de agressão; Consequências da ocorrência detectadas no momento da notificação; e Natureza da lesão. Observa-se assim, que a ficha não permite conhecer de fato mais detalhadamente os casos de tentativas e suicídio. Por isto não nos serve de referência no momento. O SINAN foi criado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), com apoio do DATASUS, em 1990. Com exceção do SINAN-Aids, que possui cobertura nacional, o sistema começou a ser implantando gradualmente em 1993 pelas Secretarias Estaduais de Saúde, de acordo com a estrutura das coordenações estaduais. O SINAN tem como objetivo coletar e disseminar 36 dados gerados rotineiramente pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das três esferas de governo, por intermédio de uma rede informatizada, para apoiar o processo de investigação e dar subsídios à análise das informações de vigilância epidemiológica das doenças de notificação compulsória (SANCHES, CAMARGO JÚNIOR, COELI E CASCÃO, 2006). A partir de 1998, o uso do SINAN foi regulamentado pela Portaria nº 1.882/1997, tornando obrigatória a alimentação regular da base de dados nacional pelos municípios, estados e Distrito Federal, designando a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a gestora nacional do sistema, por meio do Cenepi, hoje, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) (LAGUARDIA et al., 2004). Este sistema é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória (LDNC), mas é facultado aos estados e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região. A LDNC é composta por doenças e agravos de diferentes naturezas, como Aids, hanseníase, acidente por animais peçonhentos e intoxicação exógena (SINAN, 2009). Sendo este último tipo de agravo o objeto de estudo do presente trabalho. Os instrumentos de coleta são padronizados pelo Ministério da Saúde, contudo, a impressão e distribuição dos formulários são de responsabilidade do estado ou do município, assim como a sua numeração (CAETANO, 2009). O formulário de entrada de dados é composto de dois documentos distintos: 1) a ficha individual de notificação (FIN) é preenchida pelas unidades assistenciais e encaminhada aos serviços responsáveis pela vigilância epidemiológica, a partir da suspeita clínica da ocorrência de algum dos agravos notificáveis, sendo relativamente padronizada para todas as doenças e agravos. E 2) a ficha individual de investigação (FII), na maior parte das vezes, funciona como um roteiro de investigação distinto por tipo de agravo, sendo basicamente utilizada pelos serviços municipais de vigilância e enviada ao nível estadual e, posteriormente, deste para o nível federal. As FIIs muitas vezes são diferentes para cada tipo de agravo, mas possuem campos de informação que são relativamente comuns para análise e tomada de decisão, são eles: número da notificação, data da notificação, semana da notificação, código do município, 37 nome do município, nome do paciente, idade, sexo, nome da mãe, instrução, zona de residência, diagnóstico, critério de diagnóstico e evolução. Como o fluxo do SINAN é desencadeado pelo preenchimento da FIN, o sistema fica sujeito a problemas de cobertura pelo não preenchimento dos formulários obrigatórios pelos profissionais de saúde. Se esta é uma limitação do sistema, Waldman (1998 apud CAETANO, 2009) afirma que através de uma avaliação periódica nos serviços, qualificando e quantificando a proporção e tipo de perdas de informação, essa subnotificação não seria um impedimento para a utilização do sistema a fim de conhecimento da realidade epidemiológica de determinadas áreas. O SINAN não possui um fluxo único para documentos e informações, além das diferenças entre os diversos agravos, existem também a diferença de fluxo entre os diversos estados embora o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b) com o “Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN: normas e rotinas” esteja buscando formalizar um fluxo-padrão para todos os casos notificados. As FINs devem ser preenchidas nas unidades assistenciais, que mantém uma segunda via arquivada. A original seguirá para os serviços de vigilância epidemiológica responsáveis. Já as FIIs devem ser preenchidas pelo responsável pela investigação, seus dados devem ser enviados ao nível estadual (Quadro 3). E as secretarias estaduais de saúde deveriam encaminhar quinzenalmente o banco de dados do estado para o Ministério da Saúde (Quadro 4) (CAETANO, 2009). 38 Quadro 3. Fluxo de formulário e de informações do SINAN6. Quadro 4. Periodicidade. 6 Quadro 3 e 4 foram retirados do texto A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde (BRASIL, 2009, p. 44). No Quadro 3, foi corrigido a caixa de texto FIN para FII, logo após a caixa de texto SMS. 39 Segundo Caetano (2009), esses seriam o fluxo e periodicidade previstos na concepção do sistema: remessa imediata das FIIs e FINs quando fechamento do caso, viabilizando assim a agilidade na consolidação dos dados de notificação. Contudo, a realidade local pode provocar atrasos importantes devido a demora no processo de investigação epidemiológica. Desse modo, observa-se que nos locais onde o SINAN possui melhor cobertura, é possível obter indicadores importantes para o sistema de saúde, tais como taxas de incidência, prevalência e letalidade (SANCHES, CAMARGO JÚNIOR, COELI, CASCÃO, 2006). Com isto se consegue planejar pesquisas que identifiquem os fatores de risco para este agravo nestas localidades, subsidiando políticas públicas para restrição de acesso as substâncias encontradas resultando em estratégias de prevenção. 2.1.2 Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) O SIH-SUS foi implantado em 1991 em substituição ao Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS), criado em 1983, pelo Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social (Plano Conasp) (PEPE, 2009). O SIH é alimentado pelos dados da Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que contém informações sobre morbidade e mortalidade e, também, informações com as características demográficas e clínicas do paciente, além de dados sobre o processo de atendimento, alguma informação sobre os prestadores de serviços e dados sobre o resultado do atendimento. A AIH se apresentar em dois formulários, tipo 1 e 5. O tipo 1 refere-se à internação inicial, ou seja, o seu preenchimento ocorre na primeira internação e através de um número de identificação único, o qual será copiado para o formulário do tipo 5 que trata da continuidade (longa permanência) (Brasil, 2011). Assim, o SIH é um banco de dados de abrangência nacional contendo dados informatizados sobre internações hospitalares desde 1984. Atualmente, 40 reúne mais de 12 milhões de informações sobre as internações hospitalares realizadas no país, tratando-se, portanto de grande fonte de dados sobre enfermidades e importante para o conhecimento da situação de saúde e gestão de serviços. Esses bancos são importante fonte de dados sobre morbidade. SIH utiliza o Código Internacional de Doenças – 9ª Revisão (CID-9) de 1984 a 1997 e a 10ª Revisão (CID-10) a partir de 1998, para fornecer os diagnósticos principal e secundário. O SIH destaca-se por conter um grande banco de dados sobre a produção de serviços médico-hospitalares, criado para atender necessidades de ordem administrativa e contábil. Entretanto, bancos de dados administrativos vêm sendo utilizados, com grande frequência, como fonte de dados secundários em estudos de avaliação de qualidade, em particular por possibilitar a execução de estudos menos dispendiosos. Os estabelecimentos de saúde são responsáveis pelo preenchimento da AIH, após a alta do paciente, enviando um consolidado mensal à secretaria municipal de saúde ou, quando o município não está ainda habilitado, à secretaria estadual de saúde. O laudo médico é encaminhado à unidade autorizadora, onde é emitida uma AIH para ser utilizada pelo hospital. Nas internações realizadas através do setor de emergência, o hospital tem até 72 horas para solicitar a emissão de uma AIH. Uma vez terminada a internação (alta do paciente, óbito ou transferência), o estabelecimento de saúde deverá digitar os dados relativos ao atendimento e pelo encaminhamento mensal de um consolidado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) ou a Secretaria Estadual de Saúde (SES), que faz a crítica das AIHs, consolida as informações e prepara o relatório para o pagamento. Nesta etapa, quando as AIHs rejeitadas retornam ao hospital, as mesmas poderão ser refeitas e reapresentadas (Quadro 5). 41 Quadro 5. Fluxo do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde7. 7 Quadro adaptado do texto A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde (BRASIL, 2009, p. 66). 42 Algumas críticas quanto à qualidade das informações são apontadas, tais como, o sistema não identifica reinternações e transferências de outros hospitais. Isto eventualmente leva a duplas ou triplas contagens de um mesmo paciente e a possibilidade de sub-registro por parte das instituições de saúde (hospitais de ensino, filantrópicos e de pequeno porte) que trabalham com orçamento global, ou seja, o valor anual definido pela sua inserção na rede de serviços e desempenho em relação a metas estipuladas (CARVALHO, 2009). 2.1.3 Centro de Controle de Intoxicações de Niterói (CCInNiterói) A Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat), criada e coordenada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2005, é formada atualmente por 35 unidades (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) distribuídas em 18 estados e no Distrito Federal. No caso do Rio de Janeiro, o centro denomina-se Centro de Controle de Intoxicações, localizado no município de Niterói (CCIn-Niterói) e fornece informação e orientação sobre o diagnóstico, prognóstico, tratamento e prevenção das intoxicações e envenenamentos, incluindo informações sobre a toxicidade das substâncias químicas e biológicas e os riscos que elas podem provocar à saúde, isto tudo através do Disque-Intoxicação, que é um serviço gratuito aos profissionais de saúde e público em geral (FIOCRUZ, 2009). Esses centros podem fazer parte da estrutura de algum hospital, onde são realizados os atendimentos às vítimas de envenenamento. O CCIn-Niterói encontra-se inserido no Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense. Assim, além dos atendimentos telefônicos, o centro também monitora os casos que buscam o atendimento hospitalar, normalmente os setores de emergência. 43 2.1.4 Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi criado pelo Ministério da Saúde em 1975 para a obtenção regular de dados sobre mortalidade no país. E desde 2003, o órgão gestor passou a ser a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), através do Decreto nº 476/2003. O sistema oferece aos gestores de saúde, pesquisadores e entidades da sociedade informações da maior relevância para a definição de prioridades nos programas de prevenção e controle de doenças, a partir das declarações de óbito coletadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde, em cooperação com o DATASUS (MELLO JORGE, LAURENTI, GOTLIEB, 2009). A operacionalização do sistema é composta pelo preenchimento e coleta do documento padrão - a Declaração de Óbito (DO), sendo este o documento de entrada do sistema nos estados e municípios. Estes dados são importantes para a vigilância sanitária e análise epidemiológica. As DO são coletadas pelas secretarias municipais ou estaduais de saúde das unidades de saúde e cartórios. As declarações são então codificadas e transcritas para um sistema informatizado e remetidas à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. É a SVS que consolida e disponibiliza os dados para o DATASUS (SENNA, 2009). A coleta de dados, fluxo e periodicidade de envio dessas informações sobre óbitos para o SIM são regulamentadas pela Portaria MS/Funasa Nº 474, de 31 de agosto de 2000. Vale ressaltar que no caso de óbito por causas externas (homicídios, suicídios, acidentes, mortes suspeitas) em localidade com IML, o médico legista deverá emitir a DO independente do tempo entre o evento violento e a morte propriamente. Caso não exista o IML, o preenchimento poderá ser efetuado por qualquer médico da localidade, investido pela autoridade judicial ou policial, na função de perito legista eventual (ad hoc) (BRASIL, 2009a). 44 Quadro 6. Fluxos do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Fluxos da informação sobre óbitos8,9 Óbitos hospitalares Óbitos por causas naturais em localidades sem médico 8 Fluxos para óbitos hospitalares e por causas naturais foram retirados do texto A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde (BRASIL, 2009b, p. 99 e 100). 9 Fluxo para óbitos por causas externas foram adaptados do Manual de Instruções para o preenchimento da Declaração de Óbito (Brasil, 2011, p. 13 e 14). 45 Óbito por causa acidental e/ou violenta ocorrido em localidade com Instituto Médico Legal10 (IML) (Art. 25 da Portaria nº 116 MS/SVS de 11/02/2009): 10 No caso de óbito por causa acidental e/ou violenta ocorrido em localidade sem IML, a DO deverá ser preenchida pelo médico da localidade ou outro profissional investido pela autoridade judicial ou policial na função de perito legista eventual (ad hoc) (Art. 26 da Portaria nº 116 MS/SVS de 11/02/2009). 46 3 Justificativa 47 O presente projeto foi desenvolvido a partir dos resultados do trabalho intitulado Prevalência de transtornos mentais nas tentativas de suicídio em um hospital de emergência no Rio de Janeiro, Brasil (SANTOS et al., 2009), no qual 70,0% dos indivíduos utilizaram a intoxicação exógena como meio para a tentativa de suicídio. Tratou-se de um estudo seccional desenvolvido com a participação da autora (em anexo). Os resultados supracitados trouxeram a necessidade de avaliar os sistemas de informações em saúde como instrumento de vigilância do comportamento suicida devido intoxicação exógena. Verificou-se que os processos de intoxicação humana têm se constituído em grave problema de saúde pública no Brasil devido à falta de estratégias para o controle e prevenção das intoxicações provocadas pelas mais diversas substâncias, as quais são de fácil acesso para a população. O acesso ao meio utilizado no suicídio é um ponto-chave para trabalhar a prevenção ao suicídio e tentativas e algumas das substâncias que causam a intoxicação exógena vêm sendo apontadas como um dos principais meios. Estudos internacionais têm apresentado importante redução nas taxas de suicídio ao implementar políticas públicas para restrição ao acesso ao agrotóxico e medicamentos (GUNNELL et al., 2007; CANTOR, BAUME, 1998; JEYARATNAM, 1990). Entretanto cabe enfatizar que o assunto tentativas e suicídios possui inúmeros componentes que necessitam ser abordados, tais como a disponibilidade e acesso aos meios (ver seção 6 Artigo). Contudo, para subsidiar políticas públicas que visem ações de prevenção ao suicídio por intoxicação exógena, torna-se necessário sistema de informação com dados fidedignos e consistentes. A qualidade dessas informações é que permitirá planejamento e criação de mecanismos eficientes e eficazes para tratamento e prevenção. Para isto, a avaliação desses sistemas é um importante aliado para a melhoria da qualidade das informações geradas. Apesar do estado do Rio de Janeiro apresentar uma taxa de suicídio (2,6 óbitos por 100 mil hab - 2006) abaixo da taxa nacional (4,6 óbitos por 100 mil hab 2006) (DATASUS, 2009), não foi encontrado nenhum estudo que avaliasse a qualidade dos sistemas de informação do estado para obter informações sobre o comportamento suicida por intoxicação exógena. 48 Estudos recentes sobre tentativas de suicídio realizados no estado apresentaram resultados nos quais as intoxicações exógenas se destacaram. Werneck e colaboradores (2006) encontraram uma frequência de 52,0% de casos por ingestão de agrotóxicos e 39,0% de medicamentos. Santos et al. (2009) referiram a presença do medicamento (39,6%) e do uso de pesticidas (33,3%) como os principais meios utilizados nos casos de tentativas de suicídio atendidos em um grande hospital de emergência no município do Rio de Janeiro. O serviço de toxicologia do IMLAP11 afirma que, no ano de 2002, ocorreram 800 casos confirmados de intoxicação no serviço, que não alimentaram nenhuma das bases de dados relacionadas às intoxicações humanas (FIOCRUZ, 2002). Assim como foi visto no quadro de revisão de literatura, que nenhum dos poucos estudos que analisaram as informações disponíveis nos sistemas de informação realizou qualquer crítica a respeito, quando muito, apresentaram a proporção dos dados ignorados. Este contexto indica a necessidade de maior investigação sobre a contribuição dos sistemas de informação em saúde sobre as tentativas e suicídios por intoxicações exógenas no estado do Rio de Janeiro, possibilitando desenvolver orientações que aprimore esses sistemas como instrumento de vigilância dos agravos citados. 11 Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto do Estado do Rio de Janeiro. 49 4 Objetivos 50 4.1 Objetivo geral Descrever um modelo de monitoramento de informações para tentativas e suicídios por intoxicação exógena em residentes no estado do Rio de Janeiro. 4.2 Objetivos específicos Descrever o perfil epidemiológico das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no estado do Rio de Janeiro, período de 20062008. Analisar as frequências dos meios e discutir medidas preventivas e de restrição ao acesso. Descrever e comparar quais as variáveis pertinentes ao estudo que constam em cada sistema. Estimar a subnotificação dos casos de tentativas e suicídios por intoxicação exógena. Analisar as informações obtidas, visando fornecer subsídios e melhorar o sistema de informação para vigilância das violências. 51 5 Metodologia 52 5.1 Desenho do estudo Trata-se de um estudo seccional exploratório sobre a ampliação da informação utilizando-se o método de linkage probabilístico sobre bases de informação qualitativamente distintas. 5.2 População do estudo A população do estudo consistiu em todos os dados sobre tentativas e suicídios existentes nos três sistemas de informações em saúde, ocorridos no estado do Rio de Janeiro, no período de 2006 a 2008. 5.3 Sistemas de informação em saúde utilizados Nos sistemas do SINAN e CCIn-Niterói se identificou os casos de intoxicação exógena que descrevam variáveis relacionadas às tentativas e suicídios. O SIM, por compilar dados oficiais da declaração de óbito, é o único sistema que permite uma identificação direta dos casos de suicídio e, por este motivo, o procedimento buscou os registros de suicídio, identificando aqueles relacionados à utilização de medicamentos e outras substâncias. Os dados utilizados foram retirados de três grandes sistemas nacionais de informação em saúde, para o período 2006-2008. Os bancos de dados são do sistema de informação de mortalidade (SIM), de agravos de notificação (SINAN) e tóxico-farmacológicas (CCIn-Niterói). A escolha do período se deu pelo fato deste estar contemplado em todos os bancos a serem analisados, isto é já haverem resíduos de notificação adicionados aos mesmos. Em todos os bancos foram computados os dados ignorados ou em branco para avaliar a magnitude das perdas de informação. As variáveis referentes às tentativas e suicídios por intoxicações exógenas que foram analisadas em cada sistema: 53 SIM: Sexo, faixa etária, escolaridade, estado civil, raça/cor, local de ocorrência, óbitos por residência e categoria CID10. Na categoria da CID – 10 foi selecionados: X60 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a analgésicos, antipiréticos e anti-reumáticos, não-opiáceos); X61 (autointoxicação por e exposição, intencional, a drogas anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos, não classificadas em outra parte); X62 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos], não classificadas em outra parte); X63 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo); X64 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas e às não especificadas); X65 (auto-intoxicação voluntária por álcool); X66 (auto-intoxicação intencional por solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores); X67 (autointoxicação intencional por outros gases e vapores); X68 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a pesticidas); e X69 (auto-intoxicação por e exposição, intencional, a outros produtos químicos e a substâncias nocivas não especificadas). SINAN: Faixa etária, sexo, escolaridade, raça, zona residência (urbana, rural, periurbana), agente tóxico (medicamento, agrotóxico agrícola, agrotóxico doméstico, agrotóxico saúde pública, raticida, produto veterinário, produto de uso domiciliar, cosmético, produto químico, metal, drogas de abuso, planta tóxica, alimento e bebida, outro), circunstância (tentativa de suicídio), evolução (óbito por intoxicação exógena, óbito por outra causa, perda de seguimento, cura com sequela, cura sem sequela). CCIn-Niterói: Faixa etária, sexo, circunstância (tentativa de suicídio), zona de ocorrência (urbana, rural, outra), agente tóxico (medicamentos, agrotóxicos/uso agrícola, agrotóxicos/uso doméstico, produtos veterinários, raticidas, domissanitários, cosméticos, produtos químicos industriais, metais, drogas de abuso, plantas, 54 alimentos, desconhecido, outro), evolução (cura, cura não confirmada, sequela, óbito, óbito por outra causa, outros). Como visto, os sistemas analisados apresentam diferentes categorizações dos agentes tóxicos, portanto, os mesmos foram agrupados de modo a permitir o levantamento de informações sobre o perfil epidemiológico registrados nos três sistemas. Assim, foi adotado o seguinte agrupamento para esses agentes: Medicamentos Drogas e medicamentos não especificados Agrotóxicos Drogas Álcool Produtos químicos Domissanitários Gás Metal Cosmético Planta Alimento Produto veterinário Outro Ignorado 5.4 Método de relacionamento de banco de dados (Linkage) O linkage consiste em relacionar bases qualitativamente distintas, podendo ser determinístico ou probabilístico. O linkage determinístico exige um campo identificador único e campos com excelente qualidade (completitude, consistência e outros), ou seja, campos perfeitos. Já o linkage probabilístico utiliza funções que permitem comparar campos que apresentam erros de digitação, divergência de grafias de nomes ou a falta de completitude de variáveis, mas que pertencem ao mesmo indivíduo. Assim, esta técnica permite uma interface com bancos de dados de forma flexível, permitindo ao usuário definir as regras de associação entre duas tabelas (CAMARGO JR., COELI, 2002a; 2002b). Desse modo, o relacionamento probabilístico vem sendo 55 utilizado como importante técnica para ampliar a qualidade da informação (SILVEIRA, ARTMANN, 2009). Os campos utilizados por serem úteis ao processo de relacionamento probabilístico foram: nome do paciente, sexo, data de nascimento, nome da mãe, número e data de notificação (SINAN e CCIn), número da DO (SIM), data de óbito (todos os bancos), endereço de residência, bairro, município e CEP. Foram excluídos os registros sem nome ou mesmo com apenas o primeiro nome, mas sem quaisquer outras informações (por ex., nome da mãe, data de nascimento, endereço), uma vez que não permitem o relacionamento. E foi usado o software Reclink III (http://reclink.sourceforge.net/). A escolha deste sotfware foi feita por tratar-se de um programa livre e já validado por Camargo Júnior e Coeli (2000). Foram executados os seguintes processos: 1) aplicação de rotinas de padronização do formato das variáveis dos bancos (por exemplo, foram retirados acentos, cedilhas, espaços e caracteres especiais e também manter formatos de campos idênticos em diferentes arquivos); 2) blocagem, que é a criação de conjuntos comuns de registros a partir da chave de identificação; 3) aplicação de algoritmos para comparações aproximada de cadeias de caracteres, controlando erros fonéticos e de grafia; 4) cálculo de escores, estes indicam o grau de concordância entre registros de um mesmo par; 5) definição de limiares para o relacionamento dos pares de registros classificados como verdadeiros, duvidosos e não-pares; 6) revisão manual dos pares duvidosos, visando a sua reclassificação como pares verdadeiros ou não-pares (VIEIRA, 2010; COELI, CAMARGO JR., 2002b). A metodologia aplicada encontra-se melhor descrita no artigo intitulado Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro (ver seção 8 Artigo). 56 6 Artigo: Suicídios e tentativas de suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro: análise dos dados dos sistemas oficiais de informação em saúde, 2006-2008 57 Suicídios e tentativas de suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro: análise dos dados dos sistemas oficiais de informação em saúde, 2006-200812,13 Resumo Objetivo: Descrever o perfil de suicídios e tentativas por intoxicação exógena e completitude dada pelos sistemas de informações do Centro de Controle de Intoxicações de Niterói (CCIn), de Agravos de Notificação (Sinan) e sobre Mortalidade (SIM), para o estado do Rio de Janeiro (RJ). Métodos: Verificou-se a frequência de suicídios e tentativas, período 2006-2008. As variáveis analisadas foram sexo, idade, zona de ocorrência, circunstância, evolução, agentes tóxicos e causa básica (CID-10: X60-X69). O percentual de informações ignoradas/em branco foi classificado em excelente (≤ 10%), bom (10-29,9%) e ruim (≥ 30%). O programa SPSS foi utilizado para as análises estatísticas. Resultados: Foram analisados 940 registros sobre tentativas do CCIn e 470 do Sinan. O sexo feminino e o grupo etário de 20-39 anos predominaram, assim como o uso dos agentes tóxicos medicamentos e agrotóxicos. Quanto ao suicídio, foram identificados 33 registros (CCIn), 23 (Sinan) e 180 (SIM). No CCIn foram mais frequentes mulheres e grupo etário de 15-29 anos, através do Sinan e SIM de 40-59 anos. Para ambos os eventos, mais de 70% dos medicamentos eram psicotrópicos. O Sinan apresentou o pior desempenho para os agentes tóxicos. Conclusões: Apesar dos avanços para melhorar a qualidade das informações geradas pelos sistemas, problemas quanto à cobertura e completitude dos dados permanecem comprometendo a análise da magnitude dos agravos. O estudo aponta para a necessidade de compatibilizar os sistemas e aperfeiçoar a qualidade das informações geradas. Palavras-chave: Tentativa de suicídio. Suicídio. Intoxicação exógena. Sistemas de informação em saúde. Vigilância Epidemiológica. 12 Artigo aceito para publicação pela Revista Brasileira de Epidemiologia, em 28/05/2012, conforme anexo. 13 Financiamento da pesquisa: Pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj – Processo nº E-26/101.416/2009). 58 Abstract Objective: To describe the profile of suicide and attempts suicide by exogenous intoxication and completeness of data from the Center for Poisoning Control in Niterói City (CCIn), Information System for Notifiable Diseases (Sinan), and Mortality Information System (SIM) for Rio de Janeiro state (RJ). Methods: It was verified the frequency of suicide attempts and mortality in Rio de Janeiro state, period 2006-2008. The variables analyzed were sex, area of occurrence, circumstance, evolution, age, toxic agents and cause (ICD-10: X60-X69). The percentage of unknown information/blank was classified as excellent (≤ 10%), good (10 to 29.9%) and poor (≥ 30%). SPSS was used for statistical analysis. Results: Nine hundred and forty records of attempts (CCIn) and 470 (Sinan) were analysed. The female and the age group of 20-39 years predominated, as well as use of toxic agents like medicines and pesticides. About suicide, were identified 33 records (CCIn), 23 (Sinan) and 180 (SIM). In CCIn were more frequent female and age group of 15-29 years, through Sinan and SIM from 4059 years. For both events, psychotropic drugs accounted for more than 70% of drugs. The Sinan system has shown the worst performance for toxic agents. Conclusions: Despite advances in improving the quality of information generated by the systems, problems regarding the coverage and data completeness remain committing the analysis of the magnitude of injuries. The study points out to the needs of systems compatibility and the improvement of the quality of information that are generated. Keywords: Attempted suicide. Suicide. Poisoning. Information systems in health. Epidemiologic surveillance. 59 Introdução A taxa global de suicídios foi de 16 óbitos por 100 mil habitantes no ano 20001. No Brasil, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), esta taxa não é elevada (5 ób/100 mil hab, em 2008) quando comparada com a taxa mundial. Entretanto, foi observado um aumento de 29,5% no período de 1980 a 2006. Sendo a intoxicação exógena um dos três principais meios utilizados nos suicídios e nas tentativas, a intoxicação é provocada em aproximadamente 70% dos casos2,3,4,5. Estudos nacionais e internacionais demonstraram que as principais substâncias usadas nesses eventos são os agrotóxicos, estes variando entre 60% a 90%, principalmente nos países em desenvolvimento, enquanto que os medicamentos ficam entre 12% a 60% e mais frequentes nos países desenvolvidos3,5,6,7,8,9,10. No Rio de Janeiro poucos estudos foram desenvolvidos para investigar tentativas e suicídios por intoxicação exógena. Pesquisas realizadas em dois hospitais de emergência geral observaram maior frequência do uso de agrotóxicos (33% a 52%) e de medicamentos (39%), em ambos os serviços5,9. Devido ao pouco conhecimento sobre a magnitude e perfil das intoxicações exógenas nos casos de tentativas e suicídios no Estado do Rio de Janeiro, o presente artigo tem por objetivo descrever o perfil de tentativas e suicídios por intoxicação exógena e a completitude das informações registradas no Centro de Controle de Intoxicações de Niterói (CCIn-Niterói), Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), para o estado do Rio de Janeiro. Metodologia Desenho de estudo Realizou-se um estudo exploratório descritivo das frequências de tentativas de suicídio do Estado do Rio de Janeiro, registrados no CCIn-Niterói, Sinan e SIM, durante o período de 2006 a 2008. Neste estudo, não foi 60 realizado uma avaliação da cobertura entre bases, sendo o objetivo específico identificar primeiro a qualidade das informações sobre tentativas e suicídios por intoxicação exógena. Grupos de estudo Os casos analisados foram divididos em dois grupos: 1) Os casos de tentativas de suicídio (TS) por intoxicação exógena foram identificados através da variável circunstância nos sistemas Sinan e do CCInNiterói e foram disponibilizados pela Subsecretaria de Vigilância em Saúde e pelo Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense, respectivamente. Os sistemas de registros de informações sobre intoxicações Sinan e o CCIn-Niterói foram selecionados por serem os únicos sistemas oficiais que concentram informações específicas acerca dos agravos. O SIHSUS também oferece essas informações, contudo, limita-se às internações hospitalares em unidades públicas ou conveniadas ao SUS e sem o detalhamento necessário ao monitoramento das intoxicações exógenas. E o SIM possui apenas os registros dos óbitos. 2) Os casos de suicídio por intoxicação exógena foram identificados através da variável evolução nos sistemas Sinan e CCIn-Niterói. No SIM a variável causa básica foi utilizada para identificar os casos de óbitos pertinentes ao estudo. Desse modo, foram incluídos todos os óbitos com causa básica codificada entre X60-X69, segundo a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da OMS. Os dados desse sistema também foram disponibilizados pela Subsecretaria de Vigilância em Saúde. Fontes oficiais de dados sobre intoxicação exógena O CCIn-Niterói faz parte da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat) que é coordenada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) , sendo o único centro de referência para o Estado do Rio de Janeiro. Os profissionais do centro registram os atendimentos em fichas e os digitam em um banco de notificação. São atendimentos à 61 demanda espontânea de indivíduos intoxicados, profissionais de saúde ou público leigo que buscam informações sobre tratamento e/ou orientações sobre procedimentos a serem realizados em caso de intoxicação. O Sinan é alimentado pelas informações presentes nas fichas de notificação e de investigação de doenças e agravos que constam na Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória11 e outros problemas de saúde do interesse de estados e municípios. Até o ano de 2006, o Sinan registrava somente as intoxicações causadas pelos agrotóxicos. A partir desse período, o sistema passou a notificar também diversos tipos de agentes tóxicos. As fichas são preenchidas pelos profissionais das unidades de saúde (públicas, conveniadas e privadas) que atendem os casos de intoxicações em âmbito nacional. O sistema permite consulta on line (http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/) à sua base de dados. O SIM é um dos primeiros sistemas de informações em saúde nacional. O sistema é alimentado pelas informações contidas nas Declarações de Óbitos (DO), sendo as causas de morte padronizadas pela CID-10. O seu preenchimento é realizado pelo médico ou pelo perito legista. O sistema também permite a consulta on line à sua base de dados no site do Departamento de Informática do SUS (Datasus) (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php ). Variáveis estudadas As variáveis analisadas foram sexo, idade, agentes tóxicos e zona do local de ocorrência. As idades foram estratificadas em 10-14, 15-19, 20-29, 3049, 50-59, ≥ 60 anos, segundo a OMS. Os agentes tóxicos foram agrupados como medicamentos, drogas e medicamentos não especificados, agrotóxicos e outros. Foram agregados em “outros”, as substâncias que tiveram incidência igual ou menor que 5%. A análise detalhada dos tipos de medicamentos foi realizada sobre um único grupo de estudo (tentativas + suicídios) para gerar um maior número de observações. Os medicamentos utilizados foram reunidos nas seguintes classes terapêuticas: antidepressivos, ansiolíticos, anticonvulsivantes, 62 analgésicos, neurolépticos, sedativos-hipnóticos, anti-hipertensivos, antibióticos, outros medicamentos especificados e medicamentos sem especificação. A variável “outros medicamentos especificados” agregou os agentes tóxicos com incidência igual ou menor que 5%. Já a variável “medicamentos sem especificação” refere-se aos dados mencionados apenas como “medicamentos”. Quanto ao percentual de informações ignoradas ou em branco, foi utilizada a classificação: excelente, quando o percentual de ignorado foi menor ou igual a 10%; bom, entre 10% e 29,9%; e ruim, quando igual ou superior a 30%12. As frequências relativas de cada grupo estudado foram utilizadas para apresentação dos respectivos perfis epidemiológicos. Elas foram calculadas levando em consideração o número absoluto de tentativas e suicídios, no total de casos de intoxicação por grupo de substâncias envolvidas, entre 2006 e 2008. O programa SPSS 13 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) foi utilizado para as análises estatísticas. Considerações éticas Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nº 68/2009 CEP/IESC/UFRJ). Este estudo não envolve conflito de interesses. Resultados Foram analisadas variáveis relacionadas aos 940 casos de tentativas e suicídio registrados no banco de dados do CCIn-Niterói, o que representou 15,0% de todas as causas de intoxicação. O mesmo foi feito com os 470 casos de tentativas e suicídio registrados no Sinan, isto é, 12,2% de todas as causas de intoxicação. No SIM havia 180 casos de suicídio por intoxicação exógena (17,4% do total de registros de suicídios por qualquer método). Como foi dito anteriormente, essas análises foram realizadas para o período de 2006 a 2008. 63 Ao analisar o preenchimento do campo circunstância, o Sinan exibiu 73,6% de dados ignorados/em branco para o campo circunstância, campo essencial para a identificação dos casos de tentativas de suicídio, enquanto que o CCIn-Niterói 2,4% de registros eram ignorados ou em branco; na identificação dos agentes tóxicos contribuiu com mais de 30% para a ausência de informação. Quanto ao campo evolução, os sistemas Sinan e CCIn registraram 22,3% (n= 105) e 12,6% (n= 119), respectivamente, como perda de seguimento/ignorado/em branco. Casos de tentativas de suicídio A Tabela 1 mostra que o sexo feminino predominou nos dois sistemas. Os adultos de 20 a 49 anos representaram entre 60 a 76% de todos os casos nos sistemas, embora os adultos mais jovens se destacassem (27,3% e 33,0%, CCIn e SINAN respectivamente). Enquanto o grupo a partir de 50 anos ocorreram em 14,7% (CCIn) e 10,7% (SINAN). Resultados mais detalhados sobre ingestão de agrotóxicos mostraram, pelo Sinan, uma relação de 4,5:1 (n= 112 vs n= 25), para o uso do chumbinho quando comparado aos outros tipos de agrotóxicos, enquanto se observou pelo CCIn-Niterói uma relação 1,14:1 (n= 165 vs n= 144). 64 Tabela 1. Distribuição das variáveis relacionadas às tentativas de suicídio por intoxicação exógena no estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. Variáveis CCIn- Niterói Sinan (n= 907) (n= 447) n (%) n (%) Homem 289 (31,8) 127 (28,4) Mulher 618 (68,2) 320 (71,6) CCIn- Niterói Sinan (n= 894)** (n= 382)** n (%) n (%) 10-14 75 (8,4) 6 (1,6) 15-19 140 (15,6) 43 (11,2) 20-29 244 (27,3) 126 (33,0) 30-49 304 (34,0) 166 (43,5) 50-59 81 (9,1) 23 (6,0) ≥ 60 50 (5,6) 18 (4,7) CCIn- Niterói Sinan (n= 904)*** (n= 273)*** n (%) n (%) Medicamentos 454 (50,2) 118 (43,2) Agrotóxicos 309 (34,2) 134 (49,1) Outros* 79 (8,7) 15 (5,5) ≥ 2 agentes diferentes 62 (6,8) 6 (2,2) Sexo Faixas etárias Agentes tóxicos * Drogas, álcool, produtos químicos, domissanitários, gás, cosmético, planta, produto veterinário e outro. ** Foram excluídos registros como ignorado/branco: CCIn (n= 13; 1,4%); Sinan (n= 65; 14,5%). *** Foram excluídos registros como ignorado/branco: CCIn (n= 3; 0.3%); Sinan (n= 174; 38.9%). 65 A Tabela 2 mostra o agente toxicológico envolvido nas tentativas de suicídio segundo sexo. Os dados do Sinan apresentados na tabela 1 não exibem diferenças entre as substâncias utilizadas (medicamentos e agrotóxicos), enquanto no CCIn a diferença é evidente, havendo nítida predominância dos medicamentos. Neste caso, os registros do CCIn estariam coerentes com a predominância de mulheres registradas. Além disto, o Sinan apresentou elevado percentual de informações ignoradas/em branco (cerca de 30%) que foram retiradas para o cálculo das frequências. Tabela 2. Distribuição das variáveis relacionadas às tentativas de suicídio por intoxicação exógena, segundo sexo, para o estado do Rio de Janeiro, no período de 2006 a 2008. CCIn-Niterói Agente toxicológico Sinan Homem Mulher Homem Mulher (n= 289) (n= 614)** (n= 80)*** (n= 195)*** n % n % n % n % Medicamentos 85 29,4 373 60,7 14 17,5 103 52,8 Agrotóxicos 148 51,2 164 26,7 57 71,2 80 41,0 Outros* 29 10,0 40 6,5 3 3,7 10 5,1 ≥ 2 agentes diferentes 27 9,4 37 6,0 6 7,5 2 1,0 * Drogas, álcool, produtos químicos, domissanitários, gás, cosmético, planta, produto veterinário e outro. Sinais convencionais utilizados: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento. ** Foram excluídos 4 (quatro) registros (0,6%) como ignorado/branco. *** Foram excluídos registros como ignorado/branco: Homem (n= 47; 37,0%); Mulher (n= 125; 39,1%). Casos de suicídio Nos resultados da Tabela 3, chama atenção o fato de que, pelos dados do CCIn-Niterói, ocorre uma sobremortalidade feminina (60,6% vs 39,4%), enquanto pelos dois outros sistemas dá-se o inverso. Cerca de 50% dos suicídios no Sinan e SIM era de indivíduos com idades entre 20 a 49 anos; no CCIn 28,2% era crianças e adolescentes, entre 10 e 19 anos. 66 Tabela 3. Distribuição das variáveis relacionadas aos suicídios por intoxicação exógena, no estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. Variáveis CCIn-Niterói Sinan SIM (n= 33) (n= 23) (n= 180) n (%) n (%) n (%) Homem 13 (39,4) 17 (73,9) 102 (56,7) Mulher 20 (60,6) 6 (26,1) 78 (43,3) CCIn-Niterói Sinan SIM (n= 33) (n= 20)** (n= 180) n (%) n (%) n (%) 10-14 2 (6,1) - 3 (1,7) 15-19 4 (12,1) - 15 (8,3) 20-29 7 (21,2) 4 (20,0) 30 (16,7) 30-49 11 (33,3) 6 (30,0) 72 (40,0) 50-59 2 (6,1) 7 (35,0) 29 (16,1) ≥ 60 7 (21,2) 3 (15,0) 31 (17,2) CCIn-Niterói Sinan SIM (n= 32)*** (n= 16)**** (n= 180) n (%) n (%) n (%) 11 (34,4) 4 (25,0) 20 (11,1) - - 11 (6,1) Agrotóxicos 15 (46,9) 11 (68,7) 103 (57,2) Produtos químicos 5 (15,6) 1 (6,2) 33 (18,4) Outros* 1 (3,1) - 13 (7,2) Sexo Variáveis Faixas etárias Variáveis Agentes tóxicos Medicamentos Drogas e medicamentos não especificados * Drogas, álcool, gases e vapores. Sinais convencionais utilizados: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento. ** Foram excluídos 3 (três) registros (13,0%) como ignorado/branco. *** Foi excluído 1 (um) registro (3,0%) como ignorado/branco. **** Foram excluídos 7 (sete) registros (30,4%) como ignorado/branco. 67 A Tabela 4 traz a análise dos agentes toxicológicos no suicídio, no qual em linhas gerais, o uso de medicamentos, agrotóxicos e produtos químicos se sobressaíram. Quanto às classes terapêuticas dos medicamentos utilizados nas tentativas e suicídios, apenas os sistemas CCIn-Niterói e Sinan disponibilizam esta informação. Os dados dos dois sistemas mostraram que mais de 70% dos medicamentos utilizados foram os psicotrópicos. Tabela 4. Distribuição das variáveis relacionadas aos suicídios por intoxicação exógena, segundo sexo, para o estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. CCIn-Niterói Sinan SIM Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher (n= 13) (n= 19)** (n= 13)*** (n= 3)*** (n= 102) (n=78) Agente toxicológico n % n % n % n % n % n % Medicamentos 4 30,8 7 36,8 2 15,4 2 66,7 7 6,9 13 16,7 Drogas e medicamentos não especificados - - - - - - - - 7 6,9 4 5,1 Agrotóxicos 7 53,8 8 42,1 11 84,6 - - 56 54,9 47 60,2 Drogas - - - - - - - - 7 6,9 2 2,5 Produtos químicos 1 7,7 4 21,0 - - 1 33,3 23 22,4 10 12,8 Domissanitários 1 7,7 - - - - - - - - - - Outros* - - - - - - - - 2 2,0 2 2,6 * Álcool e gás. Sinais convencionais utilizados: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento. ** Foi excluído 1 (um) registro (5,0%) como ignorado/branco. *** Foram excluídos registros como ignorado/branco: Homem (n= 4; 23,5%); Mulher (n= 3; 50,0%). Discussão Os sistemas apresentaram informações diversas inclusive sobre diferentes agentes tóxicos. O uso de tipos diferentes de produtos e substâncias nas tentativas e suicídios já foi referido em outros estudos nacionais2,4,13. 68 Existe uma grande dificuldade em comparar as freqüências das intoxicações exógenas como meio nas tentativas e suicídios, devido à diversidade metodológica empregada nos estudos nacionais e internacionais realizados sobre o tema. Ao se utilizar diferentes fontes de informação para análise desta mesma temática, também ocorrem dificuldades similares, devido tanto a diversidade entre as propostas dos sistemas, quanto entre as variáveis que compõe os mesmos. Entretanto, essa dificuldade não impediu que se corroborasse as evidências apontadas por outros autores5,9,14 sobre, por exemplo, o impacto do fácil acesso ao raticida alcunhado chumbinho. No Rio de Janeiro, os agrotóxicos carbamatos e organofosforados comumente compõem uma substância com a denominação popular de chumbinho muito comercializado ilegalmente como raticida e, também, muito utilizado nas tentativas e suicídios5,9,14. Contudo, de modo geral, não se observou diferença na relação chumbinho vs outros agrotóxicos nos casos de suicídio, permanecendo uma relação de 1:1 (CCIn-Niterói e Sinan). O SIM não especifica os grupos químicos dos agrotóxicos. Outra informação presente nos sistemas (CCIn-Niterói e Sinan) e que parece indicar o uso e dispensação irregular desse agrotóxico, é o fato de que cerca de 90% dos casos de tentativas e suicídios ocorreram em zona urbana e não em zona rural, onde se poderia justificar o acesso com outras finalidades. Outros estados brasileiros, através de dados dos centros de informações sobre intoxicações, também têm registrado o uso do chumbinho em tentativas e suicídios com taxas próximas a 75% (Bahia, n= 415 15; Santa Catarina, n= 47816). Nos nossos achados, ocorreram 7 óbitos (46,7%) por essa substância, registrados no CCIn-Niterói e 6 suicídios (54,5%) no Sinan. Os casos notificados mostram a necessidade de maior fiscalização e controle por parte dos órgãos responsáveis, ficando evidente o seu comércio urbano ilegal. A produção do agrotóxico carbamato Aldicarb, cuja marca comercial é Temik®, da Bayer, é exclusivamente indicado para uso como praguicida na agricultura. Segundo a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, em 2001, o tráfico de Aldicarb movimentou cerca de R$ 3 milhões de reais por ano, apenas no Rio de Janeiro17. 69 Quanto aos agrotóxicos em geral, em 2010, a Anvisa informou que pelo menos dez produtos com agentes agrotóxicos, usados livremente nas lavouras brasileiras, foram proscritos na União Européia, Estados Unidos da América do Norte, entre outros. O Brasil, hoje, é o maior consumidor de agrotóxico do mundo18. Giraldo19 argumenta que legislação de 1976 favoreceu a esta situação atual, uma vez que condicionou o crédito rural ao uso de agrotóxicos, resultando num modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio. Desse modo, observa-se que, no Brasil, o processo de revisão desses produtos é prejudicado pela postura política e jurídica favorável à produção e não à proteção da saúde. Estudos internacionais têm mostrado resultados importantes na redução do número de suicídios com medidas restritivas ao uso de agrotóxicos 6,20. No Brasil, como discutido acima, torna-se necessário maior celeridade na formulação de suas políticas de modo que estas não sejam um entrave à saúde da população. O outro grupo de agentes que se destacaram foram os medicamentos. Os nossos achados não diferiram daqueles em países europeus e outros estados brasileiros. Estudo realizado em Madri mostrou que cerca de 80% (n= 1240/1508) das intoxicações eram tentativas e 68% das tentativas usaram psicofármacos. Os autores apontaram que na Espanha, como em outros países industrializados, o consumo de tranquilizantes tem crescido em torno de 5% ao ano, desde 2005, sendo as mulheres as principais consumidoras Paraná, Margonato et al. 22 21 . Em (2009) analisaram 546 dados do Centro de Controle de Intoxicação de Maringá, dos quais 38,3% eram tentativas, destacando-se os psicotrópicos (43,3%). Rios et al.23 (2005) também apontaram a presença de psicofármacos em 60% de todos os casos de tentativas de suicídio estudados por eles. Quanto ao uso de psicotrópicos, ressalta-se que a sua prescrição não é exclusiva de psiquiatras. Estudos têm mostrado que o clínico geral é a categoria médica que mais prescreve psicotrópicos, principalmente, os ansiolíticos e antidepressivos24,25 Apesar da legislação que visa a regulação de medicamentos controlados26, com parâmetros para a prescrição e venda desses produtos, observa-se que os médicos muitas vezes dispensam psicotrópicos sem uma avaliação adequada e algumas vezes fora da consulta 70 formal25. Essa discussão mostra que mais do que um esforço fiscalizador, fica clara a necessidade de se rever o modelo regulatório adotado, uma vez que as medidas implantadas não estão alcançando os resultados desejados. A OMS argumenta que embora o medicamento seja o recurso terapêutico com melhor relação custo – efetividade, o seu uso inadequado torna-se um problema mundial, com consequências à saúde e à economia28. Estudos nacionais têm mostrado que o estoque domiciliar de medicamentos favorece a automedicação e o acesso como meio para tentativas e suicídios28,29. Uma medida que poderá mudar essa situação é o fracionamento de medicamentos. O projeto de Lei 7.029 de 2006 visa garantir a obrigatoriedade na venda de medicamentos fracionados, contudo, o mesmo ainda se encontra em tramitação na Câmara Federal. O que se observa é que a despeito das políticas públicas existentes, pouco se avançou efetivamente como medidas de prevenção e restrição ao acesso destes insumos. Entidades sociais, setores da saúde e da indústria farmacêutica têm discutido sobre o projeto de Lei, porém sem considerar a urgência de soluções. Outra observação foi a predominância dos homens no uso do agrotóxico como meio para tentativas/suicídio, em ambos os sistemas, enquanto que entre as mulheres predominou a ingestão de medicamentos nas tentativas (CCIn e Sinan) e agrotóxicos nos óbitos (CCIn e SIM). Estes resultados encontram-se em consonância com a literatura5,13,21,30. Sobre estas diferenças, a literatura destaca que os homens utilizam métodos mais letais e por isto obtém êxito nas tentativas de suicídio. Entretanto, Beautrais31 argumenta que se no suicídio a mortalidade é masculina, o peso da carga da morbidade é feminino uma vez que a mulher tenta em média duas vezes mais suicídio que o homem. Canetto & Sakinofsky33 defendem que a letalidade do método não está diretamente relacionada à intenção de morte em si, mas sim, a uma aceitação social envolvendo o gênero na escolha por um determinado método suicida. Assim, a escolha das mulheres pelo uso de medicamentos como meio de suicídio seria socialmente mais aceito do que para os homens. Resultados de diversos estudos parecem corroborar com esta argumentação, uma vez que mesmo sendo acessíveis a ambos os sexos, as mulheres utilizam mais os medicamentos. Esta discussão é particularmente importante para um país como o Brasil, onde muito pouco se compreende sobre o papel da diferença 71 entre sexos no comportamento suicida. Fica clara a necessidade de estudos que investiguem os papéis de gênero e a influência da cultura na escolha do meio para a tentativa e suicídio, visando subsidiar de maneira adequada tanto assistência aos casos quanto controle de meios. Instrumentos nesta pesquisa, os sistemas de informações, como já foi amplamente defendido, são relevantes para análises de situação de saúde. Para isto, torna-se primordial a qualidade dos dados. Dentre as dimensões da qualidade, os dados preenchidos como ignorado/em branco afetam a magnitude de agravos ou doenças. Neste estudo, a ausência de informação se deu nos campos circunstância, agentes tóxicos e evolução, ou seja, os campos-chaves para a vigilância. E o que pode ter interferido negativamente na magnitude do suicídio. Ainda sobre os sistemas de informação CCIn-Niterói, Sinan e SIM, destaca-se que os sistemas têm funções diferentes. Deste modo, torna-se importante justificar que não foi objetivo do trabalho realizar uma comparação entre os mesmos, mas sim, acessar a melhor cobertura dada por cada um deles e a qualidade das informações extraídas. A proposta do CCIn-Niterói é atingir o universo de demandas espontâneas sobre intoxicações exógenas no estado do Rio de Janeiro. Funciona em plantão diário, prestando informações à população leiga, profissionais e instituições de saúde. O registro dos eventos de intoxicação exógena é baseado principalmente em consultas telefônicas. Já o Sinan é um sistema nacional para notificação compulsória de agravos e doenças onde devem ser registrados todos os casos de intoxicações exógenas. Os registros são realizados nas unidades assistenciais e por profissionais de saúde. Finalmente o SIM tem a função de captar dados sobre mortalidade subsidiando ações e políticas em saúde, além de pesquisas. Essas características são importantes para compreender a completitude dos registros em cada sistema. Alguns estudos já vêm mostrando melhora importante na qualidade dos sistemas de informações quando se realiza integração de sistemas, particularmente o relacionamento entre bancos de dados, investimento em capacitações de recursos humanos, com a organização de oficinas e fóruns de discussão permanentes, resgate e complemento das informações através de diferentes fontes33,34,35,36. 72 Observa-se deste modo que estratégias têm sido adotadas visando melhorar a qualidade dos dados. Contudo, é necessário que se avalie as diferentes metodologias adotadas e suas limitações, orientando na adoção daquela mais adequada à realidade local enfrentada pelos profissionais envolvidos no processo de construção e disseminação dessas informações. As limitações deste estudo se referem principalmente a heterogeneidade quanto à captação de dados (demanda espontânea vs notificação obrigatória) não permitindo uma comparabilidade quanto à cobertura das informações. Outra fragilidade é a impossibilidade em consultar as unidades de saúde que atenderam os casos de tentativas e suicídios por intoxicação exógena nesse período. O acesso a tais informações aumentaria a confiabilidade do perfil epidemiológico dos agravos. Apesar disto, a padronização dos registros permitiu uma boa caracterização dos casos. Conclusão Sabe-se da importância da informação para a formulação de políticas públicas e tomadas de decisão. Assim seria desejável que o CCIn-Niterói atuasse complementando as informações do Sinan, desenvolvendo uma intercomunicação entre eles, favorecendo a vigilância dos agravos, permitindo maior agilidade e precisão na tomada de decisões. Padronização de variáveis como grupo de agentes tóxicos, ocorrência, via de exposição e evolução, poderia contribuir para essa intercomunicação. Outra informação importante a ser considerada nos dois sistemas é sobre a origem dos medicamentos utilizados, se são de uso próprio ou de terceiros. São informações importantes para obter um perfil epidemiológico real das intoxicações exógenas. Quanto ao SIM, embora o presente estudo não tenha realizado uma avaliação sobre subnotificação entre os sistemas, ficou evidente que suicídios por intoxicação não foram registrados no Sinan e CCIn-Niterói. Seja por perda de seguimento ou por dados ignorados/em branco, fica claro a necessidade de avaliações sistemáticas e desenvolvimento de mecanismos que permitam a integração desses sistemas. 73 Avanços foram realizados nos últimos anos, contudo, permanecem problemas quanto à cobertura dada pelos sistemas e a necessidade de aperfeiçoamento quanto a sua qualidade, de modo que venham a subsidiar de forma segura as políticas e ações em saúde. 74 Referências 1. World Health Organization. Suicide [Internet] Disponível em: http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/ 2. Damas FB, Zannin M, Serrano AI. Tentativas de suicídio com agentes tóxicos: análise estatística dos dados do CIT/SC (1994 a 2006). Rev Bras Toxicol 2009; 22 (1-2): 21-26. 3. Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha L, Valencia E. Epidemiological analysis of suicide in Brazil from 1980 to 2006. Rev Bras Psiquiatr 2009; 31(Supl. II): S86-93. 4. Macente LB, Santos EG, Zandonade E. 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A prevenção e o controle mais eficaz dessas violências depende da correta classificação. Contudo, a dificuldade dos serviços para identificar adequadamente a intoxicação como intencional e não-intencional, assim como a conhecida subnotificação da tentativa/suicídio por motivos socioculturais e econômicos10,11 torna difícil o conhecimento real da magnitude dos mesmos. Outro aspecto que dificulta a classificação adequada são os óbitos por causa indeterminada. Neste ponto, é interessante incluir aqui o estudo de Pritchard e Hean12 no qual a frequência de óbitos por causa indeterminada em relação aos suicídios em países latinos é maior do que nos países desenvolvidos. Uma possível explicação seriam as atitudes tradicionais religiosas e culturais que favoreceriam a classificação dos óbitos como indeterminados, à semelhança do que ocorre em países islâmicos. A escolha pelo meio utilizado na tentativa/suicídio abrange aspectos psicossociais, de gênero, aceitabilidade sociocultural, além da disponibilidade no acesso13,14,15. Existem evidências de que medidas restritivas de acesso ao meio têm conduzido à redução da frequência de determinados tipos de suicídio16,17,18. Raros estudos nacionais ampliaram a discussão sobre medidas restritivas e acesso aos meios utilizados na tentativa/suicídio. O presente estudo se propõe estimar a frequência dos casos de tentativa/suicídio por 14 Artigo submetido à revista Cadernos de Saúde Coletiva, em 22/07/2012, conforme anexo. 80 intoxicação exógena a partir dos sistemas de informação oficiais e disponíveis. Além de ampliar a discussão sobre medidas preventivas e de restrição aos meios. Metodologia Trata-se de um estudo descritivo exploratório sobre as frequências de tentativa/suicídio por intoxicação exógena encontradas nos Sistemas de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) e sobre Mortalidade (SIM), período de 1998 a 2009, do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde (MS). Os dois sistemas de informações possuem suas bases de dados disponibilizadas via internet (http://www.datasus.gov.br/), pelo DATASUS, as quais permitem a tabulação online das variáveis de interesse. O recorte feito em ambos os sistemas foi dirigido somente aos casos de intoxicação exógena. Por intoxicação exógena entende-se como consequência da interação entre o agente tóxico e o organismo que ocorre quando o agente tóxico rompe o equilíbrio orgânico, produzindo alterações fisiológicas e bioquímicas. A toxicidade então seria o potencial, em maior ou menor grau, do surgimento de um estado patológico como resposta19. Neste artigo, foram consideradas as categorias de causas codificadas como X60-X69 de acordo com a 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10)20 que tratam das causas referentes às intoxicações exógenas, segundo as substâncias tóxicas. Essas categorias foram agrupadas em: medicamentos (X60-X64); álcool (X65); outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67), pesticidas (X68) e substâncias nocivas não especificadas (X69). Os períodos foram escolhidos de acordo com a disponibilidade dos dados e melhor qualidade das informações. Importante ressaltar que não é objetivo do estudo realizar avaliações e análise de cobertura dos sistemas, embora comparações entre os dados a partir das frequências obtidas sejam feitas. As variáveis estudadas foram as mesmas nos dois sistemas: sexo e faixas etárias (10 a 14, 15 a 19, 20 a 59, 60 e mais). 81 Quanto à concepção dos sistemas, o SIH-SUS fornece dados sobre internações hospitalares provenientes da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) emitida por estabelecimento hospitalar público ou conveniado ao SUS21. Além das variáveis comuns já citadas, também foram analisados os óbitos hospitalares decorrentes da tentativa/suicídio. O SIM fornece dados a partir das declarações de óbito coletadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde 22. O programa TabWin do DATASUS/MS foi utilizado para a tabulação dos dados e o cálculo das frequências. Os gráficos e tabelas foram construídos através do aplicativo EXCEL, versão 2007. Considerações éticas Os dados utilizados são de acesso livre via internet (http://www.datasus.gov.br/). Resultados Perfil das tentativas de suicídio por intoxicação exógena No Brasil, foram registradas 112.295 internações devido à tentativa de suicídio, durante o período de 1998 a 2009, sendo que 70,7% destes indivíduos haviam ingerido substâncias tóxicas, segundo dados do SIH-SUS. Observando as categorias de substâncias causadoras das intoxicações, o uso de medicamentos atuou em 46,2% das internações, seguido pelo uso do álcool (29,8%) e pesticidas (15,1%). O gráfico 1 mostra o comportamento das frequências de acordo com as categorias das substâncias utilizadas. Ao longo da década os medicamentos predominaram, em freqüência elevada e crescente até 2008. Detalhe interessante é que tanto em 1998 quanto em 2008, os medicamentos apresentaram seus maiores patamares. Por outro lado o álcool também se destacou como substância utilizada nas tentativas e, embora em freqüência menor, foi também constante, com pequena queda em 2005, ascendendo novamente no final do período. O uso do álcool foi o que apresentou maior aumento (29,6%), enquanto que o uso de pesticidas e 82 medicamentos foi reduzido em 27,6% e 7,4%, respectivamente, ao longo de todo o período. Por outro lado, a categoria substâncias nocivas não especificadas (X69) aumentou em 20,8%. O que significa um indicador ruim. Gráfico 1. Distribuição da frequência de internação por tentativas de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo categorias de substâncias, Brasil, período de 1998 a 2009. 60.0 Medicamentos (X60-X64) 50.0 Álcool (X65) 40.0 30.0 Outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67) 20.0 Pesticidas (X68) 10.0 Substâncias nocivas não especificadas (X69) 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 0.0 Fonte: SIH-SUS/DATASUS/MS. Segundo a tabela 1, 56,4% das internações são de homens. Agrupandose os casos por faixas etárias mais frequentes vemos que 82,1% destas internações estão na faixa etária dos adultos em idade produtiva, de 20 a 59 anos. Entre as mulheres, 76,5% estão na mesma faixa. Entre os adolescentes 10,0% são do sexo masculino e 24,4% feminino. Quanto às tentativas com uso de medicamentos, as mulheres se destacaram, correspondendo à 63,6% do total. Por outro lado, quanto à ingestão de álcool para a tentativa, os homens foram mais frequentes (45,5%). Novamente, as substâncias responsáveis pelo maior número de óbitos entre as mulheres foram o uso de medicamentos (46,1%) e entre os homens, o álcool (45,5%). Não se pode deixar também de ressaltar que cerca de 30% dos óbitos em ambos os sexos, foi devido ao uso de pesticidas. 83 Tabela 1. Distribuição da frequência de internações por tentativas de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo sexo, Brasil, período de 1998 a 2009. Homem (n= 44.828) Mulher (n= 34.589) Total (n= 79.418) n % N % n % 10 a 14 anos 1371 3,1 2183 6,3 3554 4,5 15 a 19 anos* 3114 6,9 6114 17,7 9229 11,6 20 a 59 anos 36815 82,1 23922 69,1 60737 76,5 60 e mais 3528 7,9 2370 6,9 5898 7,4 Medicamentos (X60-X64)* 14666 32,7 22006 63,6 36673 46,2 Álcool (X65) 20384 45,5 3278 9,5 23662 29,8 Outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67) 613 1,4 439 1,3 1052 1,3 Pesticidas (X68) 6230 13,9 5730 16,6 11960 15,1 Substâncias nocivas não especificadas (X69) 2935 6,5 3136 9,1 6071 7,6 Faixa etária Categorias de causas Homem (n= 1560) Mulher (n= 842) Total (n= 2402) n % N % n % Medicamentos (X60-X64) 408 26,2 388 46,1 796 33,1 Álcool (X65) 454 29,1 66 7,8 520 21,6 Outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67) 36 2,3 12 1,4 48 2,0 Pesticidas (X68) 478 30,6 255 30,3 733 30,5 Substâncias nocivas não especificadas (X69) 184 11,8 121 14,4 305 12,7 Óbitos * As variáveis faixa etária e categorias de causas apresentaram apenas um único registro como ignorado cada, 0,01% e 0,003%, respectivamente. Fonte: SIH-SUS/DATASUS/MS Perfil dos suicídios por intoxicação exógena Enquanto na primeira parte deste estudo analisamos as tentativas de suicídios e seus meios a partir dos dados do SIH-SUS, aqui avaliamos as mesmas características dos óbitos por suicídio, partindo do SIM. No período de 84 1998 a 2009, foram registrados 96.011 óbitos por suicídio, no Brasil. O principal meio utilizado para o suicídio foi enforcamento (55,1%), em segundo lugar vem arma de fogo e intoxicação exógena com percentuais semelhantes (15,0%, ambos), segundo dados do SIM. Sendo objeto deste estudo os óbitos causados por intoxicação exógena, o gráfico 2 mostra que a frequência do uso de pesticidas apresentou ligeiras oscilações em 2001 e 2005, mantendo-se praticamente estável durante o período analisado (entre 40% e 50%). Enquanto isto, a frequência no uso de medicamentos variou entre 19,0% a 25,6%, sugerindo que após 2009, o seu uso continuou a se elevar. Devido a sua importância como indicador de qualidade de informação, a categoria substâncias nocivas não especificadas (X69) apresentou valores relevantes (acima de 30%). Gráfico 2. Distribuição da frequência de suicídios devido à intoxicação exógena, segundo categorias de substâncias, no Brasil, período de 1998 a 2009. 60.0 Medicamentos (X60-X64) 50.0 Álcool (X65) 40.0 30.0 Outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67) 20.0 Pesticidas (X68) 10.0 Substâncias nocivas não especificadas (X69) 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 0.0 Fonte: SIM/DATASUS/MS. Cita-se também a sobremortalidade masculina na faixa etária de 20 a 59 anos (82,0%). Entre os adolescentes as mulheres predominaram (3:1), por outro lado, entre os indivíduos de 60 anos e mais, a razão foi de 2:1 para os homens. Observou-se pouca diferença entre os sexos no caso de ingestão de pesticidas (49,2% vs 42,7%, homens e mulheres, respectivamente), já quanto ao uso de medicamentos, as mulheres se sobressaíram (28,9% vs 17,3%) (Tabela 2). 85 Tabela 2. Distribuição da frequência de suicídio devido à intoxicação exógena, segundo sexo, Brasil, período de 1998 a 2009. Homem (8.953) Mulher (5.504) Total (14.457) n % n % n % 10 a 14 anos 47 0,5 176 3,2 223 1,5 15 a 19 anos 463 5,2 837 15,2 1300 9,0 20 a 59 anos 7340 82,0 4124 74,5 11464 79,3 60 e mais 1103 12,3 367 6,7 1470 10,2 Medicamentos (X60-X64) 1552 17,3 1589 28,9 3141 21,7 Álcool (X65) 153 1,7 54 1,0 207 1,4 Outros sólidos, liquídos, gases e vapores (X66-X67) 191 2,1 68 1,2 259 1,8 Pesticidas (X68) 4400 49,2 2351 42,7 6751 46,7 Substâncias nocivas não especificadas (X69) 2657 29,7 1442 26,2 4099 28,4 Faixa Etária Categoria de causas Fonte: SIM/DATASUS/MS. Discussão Como limitação do estudo, os diferentes tipos clínicos de intoxicação (aguda, sub-aguda e crônica) não são considerados nos sistemas, portanto, não entraram nas análises. Este fato, entretanto não altera o perfil dos casos analisados, já que pode ser compreendido através da informação sobre a evolução do caso, isto é ir a óbito ou não. Outro aspecto é o fato dos dados do SIH-SUS registrar apenas as tentativas de suicídio que precisaram de internação, o que reforça a reconhecida subnotificação dos casos de tentativa/suicídio. A subnotificação se deve a questões culturais/religiosos e legais, como mencionado anteriormente. O erro de classificação é outro aspecto importante para a subnotificação causada, por exemplo, por imprecisões encontradas na determinação dos casos em estudos de mortalidade23. Estudo realizado na Suécia mostrou que a incerteza na classificação sobre o tipo de morte estaria ligada a causas como 86 envenenamento e afogamento, devido à variação nas impressões do legista. As orientações para apoiar a investigação policial e o exame médico-legal devem ser subsidiadas por uma coleta de dados primários, com boa qualidade e em todas as fases da investigação de uma morte não natural, visando assim à redução do número de casos indeterminados para possíveis suicídios 24. O presente estudo busca contornar parcialmente suas limitações quanto às subnotificações e erros de classificação, trabalhando com dados de diferentes fontes oficiais. Nossos resultados mostraram que a intoxicação exógena é a primeira causa de internação por tentativas de suicídio e a segunda causa de óbito por suicídio, segundo os sistemas de informação analisados. No caso das tentativas de suicídio, o número total de homens que tentaram suicídio foi maior do que o de mulheres a partir dos 20 anos de idade, no período considerado, contrariando a literatura que sempre apontou uma sobremorbidade feminina3,6,25,26,27. Quanto aos dados do SIM, permanece a sobremortalidade masculina, principalmente a partir dos 20 anos de idade. Já segundo o óbito hospitalar (SIH-SUS), a sobremortalidade é feminina. Esta mortalidade não é em geral a considerada pelos autores que utilizam o SIM como a fonte de referência para a mortalidade por suicídio. Outra questão que surpreende, é que, embora o número de tentativas de suicídio entre as adolescentes seja reconhecidamente mais elevado do que naqueles do sexo oposto, o número de óbitos entre elas também foi mais elevado, o que não é o esperado. Esses resultados levam a pensar em possíveis mudanças no padrão de comportamento suicida deste grupo. A letalidade (probabilidade de morte) é um aspecto importante nos meios utilizados para suicídio e tentativas. Estudos mostram uma sobremorbidade feminina nas tentativas de suicídio, enquanto os homens cometeriam mais suicídio devido ao maior uso de métodos letais 26,28. Pesquisas recentes têm mostrado que a sobremortalidade masculina tem estado presente mesmo em métodos considerados menos letais ou que permitam maior chance de socorro, tais como a intoxicação exógena 14,29,30. Existem hipóteses que sugerem que a diferença na escolha de métodos mais letais pelos homens seria a maior intenção de morrer, impulsividade, agressividade, uso de álcool, isolamento social, demora em buscar ajuda, além 87 de fatores socioeconômicos, como o desemprego que poderia favorecer à depressão e ansiedade3,17,31. Estas constatações apontam a necessidade de se investigar outros fatores que seriam intrínsecos à escolha do método para o suicídio, tendo em conta que possivelmente seja o grau da letalidade que diferencie os dois agravos. Inúmeros estudos já chamaram a atenção para a gravidade do uso indiscriminado tanto de medicamentos quanto de pesticidas 2,3,4,25,32. Entretanto, só conseguimos contribuir para esta questão, neste estudo, apontando que os óbitos femininos estão se igualando aos masculinos quando se trata dos suicídios por pesticidas. O presente estudo não responde a esta possível mudança no padrão das intoxicações, mas levanta questões para trabalhos futuros. A aceitabilidade social também tem sido apontada como importante papel na escolha dos métodos utilizados nos suicídios e tentativas. Alguns autores argumentam que a letalidade do método não estaria diretamente relacionada à intenção de morte em si, mas a uma aceitação social que teria o gênero como base para a escolha do método suicida. Deste modo, a escolha das mulheres pelo uso de medicamentos como meio de suicídio seria socialmente mais aceito do que para os homens, dos quais se esperaria um meio mais violento como enforcamento ou uso de arma de fogo 17,27. A combinação em certo grau entre aceitabilidade social e disponibilidade ao método para o suicídio são importantes aspectos para a escolha, sendo pouco provável que um método seja escolhido sem um desses dois aspectos 13,33. O predomínio apontado por diversos estudos sobre o uso de medicamentos pelas mulheres parece corroborar com esta argumentação, uma vez que mesmo sendo acessíveis a ambos os sexos, as mulheres utilizam mais os medicamentos. A disponibilidade ao método escolhido pelo indivíduo tem sido apontada em diversos estudos como outro importante fator de risco para o suicídio e tentativas13,17,33,34. A questão com o tema disponibilidade é o fato de que não se trata de controlar todos os meios utilizados, inclusive porque isto seria impossível, mas sim, reduzir ao máximo o fácil acesso. No caso da intoxicação exógena como método, alguns estudos apontam resultados importantes 88 quando diminuíram a toxicidade de alguns produtos como gases e pesticidas, além de medidas de proteção em frascos de medicamentos, por exemplo. O uso de pesticidas nos suicídios e tentativas é marcante nos países asiáticos e da América Latina, representando uma frequência entre 60% a 90%35, principalmente em áreas rurais. E se este fato é comum nos países em desenvolvimento, nos países industrializados as substâncias mais utilizadas na intoxicação são os medicamentos. O conhecimento dos métodos é importante para se pensar na prevenção. Ajdacic-Gross e colaboradores33 analisaram dados da OMS e identificaram uma polarização entre o suicídio por pesticidas e arma de fogo, enquanto que o enforcamento teria uma posição intermediária. Uma hipótese para esta polarização do uso de pesticidas e arma de fogo seria o impacto da disponibilidade em relação aos outros métodos, além de facilitarem os suicídios não planejados, baseados no impulso, por exigirem pouco conhecimento técnico, rápido uso e alta letalidade. Já Gunnell e Eddleston8 trazem a discussão sobre a maior frequência de suicídio por uso de pesticidas em países em desenvolvimento devido ao modelo de prática agrícola, a qual favoreceria um maior número de pessoas manipulando os produtos, além de os armazenarem próximo às residências, inclusive, dentro das mesmas. Isto facilitaria tanto a disponibilidade quanto aceitabilidade no uso das substâncias nos suicídios. Os autores também argumentam que tendo os impulsos suicidas geralmente uma curta duração, dificultar o acesso ou reduzir os aspectos mais letais dos meios que são utilizados, podem reduzir uma importante proporção desses agravos. Trabalho desenvolvido por Gunnell e colaboradores34 sugere, utilizando o exemplo de Sri Lanka, que foi através da restrição de agrotóxicos Classe I (extremamente tóxico) que ocorreu o declínio das taxas de suicídio. O autor não associa diretamente estes declínios nas taxas de condições sociais e econômicas, tais como a taxa de desemprego, o abuso de álcool, divórcio, o próprio uso de pesticidas e os anos de guerra civil. Assim seria o alto grau de toxicidade do pesticida que faria a diferença, isto é seria o grande “vilão”. Em 2008, o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxico do mundo e em 2010, o mercado nacional representou 19% do mercado mundial de agrotóxicos, seguido pelos Estados Unidos com 17%. Em recente comunicado 89 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), apenas cerca de 50% dos agrotóxicos registrados no Brasil estão disponíveis aos agricultores 36 . A relação entre tentativa/suicídio e medicamentos vem sendo mostrada mais frequentemente em estudos realizados em países desenvolvidos 6,8,37, onde se observa o pouco uso dos pesticidas com esta finalidade. Estudos brasileiros falam sobre a importância tanto dos medicamentos quanto dos pesticidas nesta relação, ocorrendo, entretanto, em nosso meio, sobremortalidade feminina no suicídio por uso de medicamentos 2,3,4,38. O estudo de Nordentoft39 aponta a gravidade da pouca importância que vem sendo dada à restrição de medicamentos relacionados à alta letalidade, tais como barbitúricos, antidepressivos tricíclicos e outros. A autora chama a atenção para a necessidade da inclusão do tema nas estratégias de prevenção do suicídio. Continuando esta discussão, outros estudos nacionais trazem informações sobre o hábito dos brasileiros em manterem estoques domiciliares de medicamentos, o que favorece o acesso para suicídios e tentativas 40,41. O projeto de Lei 7.029 de 200642 visa garantir a obrigatoriedade na venda de medicamentos fracionados, sendo medida de provável impacto no comportamento do brasileiro de armazenar medicamentos. Contudo, em nosso meio este cenário parece longínquo, haja vista que tal projeto continua ainda em tramitação na Câmara Federal2. No Brasil a ANVISA já regulamentou o medicamento fracionado, porém sem obrigatoriedade (RDC n° 80, de 11 de maio de 2006)43. Assim ainda avançamos pouco nas medidas de prevenção e restrição. Outro ponto importante trata do descarte de medicamentos vencidos ou não usados pela população. Embora aprovada em agosto de 2010, a Lei 12.305 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) ainda avançou muito pouco em medidas adequadas para o descarte dos medicamentos. Em 2011, foi instituído o Grupo de Trabalho Temático (GTT), composto pela Federação Nacional dos Farmacêuticos (FENAFAR), outros representantes do movimento social, setor empresarial e do Poder Público, sob a coordenação do Ministério da Saúde e da ANVISA. Este GTT visa a construção de um modelo que permita a correta devolução dos medicamentos pelo usuário até o seu descarte ambiental correto. Soma-se aos esforços a 90 aprovação do Projeto de Lei 595 de 2011, o qual propõe que as farmácias, drogarias e postos de saúde seriam obrigados a receber os medicamentos devolvidos pela população (vencidos ou não) e estes produtos seriam remetidos ao laboratório que os produziu, realizando então o descarte44,45. Outra substância que chamou atenção foi o álcool, que frequentemente é relacionado a abuso/dependência. Ao trabalharmos com os dados de internação por suicídio e tentativas (SIH-SUS), vimos a sua importância não só sobre a morbidade masculina, como também sobre a frequencia dos óbitos hospitalares, o que não pode ser observado ao se considerar unicamente o SIM. Estudos internacionais mostram que de 20% a 40% dos suicídios e tentativas do sexo masculino ocorreram em indivíduos sob o efeito do álcool no momento da tentativa46,47,48. Esses resultados não foram diferentes daqueles encontrados nos estudos nacionais, cujas taxas ficaram entre 26% e 37% 3,25,49. Fudalej e colaboradores46 constataram que indivíduos sob a influência do álcool e utilizando diferentes meios para o suicídio apresentam chance 4,6 vezes maior de se suicidar do que aqueles que não beberam, isto é, o suicídio sob a influência do álcool está fortemente relacionado com dependência. Um outro olhar sobre a relação entre álcool e suicídio mostra que o consumo excessivo de álcool e a intoxicação alcoólica aguda levam a uma perda de inibição, comportamento impulsivo, além de uma tendência a assumir riscos. Este quadro aumenta em até seis vezes o risco de suicídio48,50. O uso abusivo de álcool pela população masculina brasileira (Brasil, 2011), fez com que pela primeira vez o governo brasileiro criasse estratégias ampliadas a várias drogas, dentre elas o álcool, previsto no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas - PIEC (Decreto Nº 7.179/2010)51,52. Estas ações são importantes para o enfrentamento dos problemas causados pelo uso de álcool e drogas que impactam fortemente a sociedade brasileira e em especial o setor saúde por sua associação com acidentes de trânsito, homicídios e suicídios2. Este artigo se propôs a descrever frequências dos casos suicídios/tentativas por intoxicação exógena registrados nos sistemas oficiais, utilizando essas informações como referência para uma discussão sobre acesso e medidas restritivas às substâncias utilizadas nos agravos. Diferente 91 dos achados de outros estudos aqui chamou atenção que os homens tentaram mais o suicídio do que as mulheres e quanto aos óbitos hospitalares, os homens também se destacaram quando o meio utilizado foi o álcool. Também chama atenção que, quando estes óbitos foram determinados pelos pesticidas, as frequências para ambos os sexos se igualaram. Apesar da descrição de planos estratégicos, observou-se que na realidade se trata de iniciativas parciais e individualizadas o que não configura nenhum plano de fato para a prevenção do suicídio. Além do mais, nenhuma restrição efetiva aos meios tem ocorrido, ou por falta de iniciativa, ou por morosidade no processo legal como o caso do fracionamento dos medicamentos, que leva a maior parte das tentativas em mulheres, ao óbito. Também são relevantes os aumentos dos óbitos hospitalares por pesticidas em mulheres. A literatura mostra que vários países também em desenvolvimento como o nosso iniciaram processo de restrição ao uso destas substâncias quando altamente tóxicas e já exibiram resultados, como Índia e Sri-Lanka. Por último não podemos deixar de citar o caso do álcool, droga lícita, de aceitabilidade social ampla, especialmente entre os jovens, cuja proposta para sua prevenção não considera os suicídios. Nestes o álcool pode ser um meio, um favorecedor do impulso suicida, fator preditor quando ocorre a dependência dessa substância e ainda quando é comorbidade de outros transtornos mentais, aumenta expressivamente o risco de suicídio. Constata-se a necessidade de se considerar o comportamento suicida como de fato um problema de saúde pública em ascensão no Brasil e maior investimento nas políticas e implementação de ações na sua prevenção. 92 Referências 1. Spiller, HA; Appana, S; Brock, GN. Epidemiological trends of suicide and attempted suicide by poisoning in the US: 2000-2008. Leg Med. 2010; 12 (4): 177-183. 2. Santos, SA; Legay, LF; Lovisi, GM; Santos, JFC; Lima; LA Suicídios e tentativas por intoxicação exógena no Rio de Janeiro: análise dos dados dos sistemas oficiais de informação em saúde, 2006-2008. Rev Bras Epidemiol. No prelo 2012. 3. Santos, SA; Lovisi, G; Legay, L; Abelha, L. Prevalência de transtornos mentais nas tentativas de suicídio em um hospital de emergência no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009; 25 (9): 2064-2074. 4. Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha L, Valencia E. Epidemiological analysis of suicide in Brazil from 1980 to 2006. Rev Bras Psiquiatr. 2009; 31(Supl. 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Disponível em: http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=43&data=21 /05/2010 97 8 Artigo: Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro 98 Aplicando o método de relacionamento de dados para o monitoramento das tentativas e suicídios por intoxicação exógena no Rio de Janeiro Resumo A intoxicação exógena é um dos três principais meios utilizados nas tentativas e suicídios. Com o objetivo de melhorar a qualidade destas informações foi realizado um estudo seccional descritivo dos registros sobre os casos de tentativas e suicídios do estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008, presentes nos bancos de dados do SINAN, SIM e CCIn-Niterói. Através do método de relacionamento probabilístico desenvolveu-se um modelo de monitoramento sobre comportamento suicida e agentes tóxicos. A análise da incompletitude mostrou que o nome da mãe e a data de nascimento variaram de excelente a muito ruim (0% vs 15,9% vs 62,3%) nos sistemas. Quanto ao preenchimento dos endereços, observou-se que no SIM 28,6% faltavam número, complemento e bairro. De trinta e um suicídios por intoxicação exógena captados pelo CCIn, apenas 12 (38,7%) foram registrados como suicídio no SIM. Este sistema, responsável por todos os dados de mortalidade, não registrou cerca de 61,0% dos óbitos do CCIn e em 51,6% dos que conseguiu captar, errou na classificação ou classificou diferentemente. Sabe-se da importância da informação para a vigilância, formulação de políticas públicas, além de tomadas de decisão. Assim torna-se importante maior atenção e prioridade na padronização dos sistemas de informações em saúde. O método de relacionamento de bancos de dados se mostrou eficaz, permitindo a identificação dos problemas existentes em cada sistema, proporcionando melhor qualidade das informações e maior proximidade das situações reais de agravos complexos e graves como o comportamento suicida. Palavras-chave: Vigilância epidemiológica; Tentativa de suicídio; Suicídio; Relacionamento probabilístico de registros; Sistemas de informação. 99 Abstract The poisoning is one of three main means used in attempts suicide and suicides. Aiming to improve the quality of this information was carried out a study of sectional descriptive about records to suicide and attempts cases from Rio de Janeiro state, period 2006-2008, current in SINAN, SIM and CCIn-Niterói databases. Through the probabilistic method was developed a monitoring model of suicidal behavior and toxic agents. The incompleteness of the analysis showed that the mother's name and date of birth ranged from excellent to very poor (0% vs 15.9% vs 62.3%) in the systems. As for filling out addresses, it was observed that 28.6% of number, complement and district were missing in the SIM. Thirty-one suicides by exogenous intoxication captured by CCIn, only 12 (38.7%) were recorded as suicide in the SIM. This system, responsible for all mortality data, not reported approximately 61.0% of the deaths CCIn and 51.6% of those who managed to capture, erred in classification or classified differently. It is known of the importance of information for surveillance, public policy formulation, and decision making. So it becomes important more attention and priority in the standardization of health information systems. The database linkage method was effective, allowing the identification of problems in every systems, providing better quality of information and greater proximity of real situations of serious and complex diseases such as suicidal behavior. Keywords: Epidemiological surveillance; Suicide Probabilistic record linkage; Information systems. attempted; Suicide; 100 Introdução A intoxicação exógena é um dos três principais meios utilizados nas tentativas e suicídios em até 70% dos casos, destacando-se medicamentos e pesticidas (Santos et al., 2012, no prelo; Santos et al, 2009; Lovisi et al., 2009; Damas, Zannin e Serrano, 2009; Werneck et al., 2006). Segundo dados nacionais do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), em 2010, de todas as intoxicações registradas, 18,3% se associavam a uma tentativa de suicídio, frequência superada apenas pelo acidente individual (57,5%). Dessas tentativas, evoluíram ao óbito 64,2% (SINITOX, 2012). Poucos estudos investigaram as tentativas e suicídios por intoxicação no Brasil, talvez devido à taxa não elevada (5,0/100 mil habitantes, 2008) em comparação à países como Cazaquistão (25,6/100 mil habitantes, 2008) e mesmo na América Latina, como Cuba (12,3/100 mil habitantes, 2008) (DATASUS, 2012; WHO, 2012). No estado do Rio de Janeiro, pesquisas realizadas sobre tentativas de suicídio, em dois hospitais de emergência geral, observaram frequência maior do uso de agrotóxicos (33% a 52%) e de medicamentos (39%, em ambos) (Santos et al., 2009; Werneck et al., 2006). Com o cenário mencionado faz-se necessário o monitoramento desses dados, embora eles estejam longe de refletir o universo de casos, pois parcela significativa de vítimas não buscam atendimento nos serviços de saúde, podendo funcionar como parte de um sistema de vigilância sentinela. Assim, os centros de controle de intoxicação, cujo atendimento à demanda espontânea abrange também as solicitações de informação do público leigo (Santos et al., 2012, no prelo), assumem grande importância. A busca por informações epidemiológicas precisas, completas e oportunas torna-se necessária e essencial para o monitoramento e planejamento e execução de ações em saúde mais adequadas. Os dados de saúde nacionais são disponibilizados pelo Ministério da Saúde/Departamento de Informática do SUS (DATASUS) através de vários sistemas informatizados entre eles o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Os centros de controle de intoxicação são serviços, tal como o CCIn-Niterói, que, em linhas gerais, 101 fornecem informação e orientação sobre diagnóstico e tratamento das intoxicações aos profissionais de saúde e público em geral (Santos et al., 2012, no prelo). Avaliações sobre a completitude e subnotificação são importantes para um correto perfil epidemiológico e as consequentes decisões para a prevenção e ações em saúde. Neste ponto, temos o problema que é a dificuldade dos serviços em identificar adequadamente a intoxicação como intencional e nãointencional, somado à conhecida subnotificação da tentativa/suicídio por motivos socioculturais e econômicos (Santos et al., 2012, no prelo; Minayo, 2005). Os sistemas de informação em saúde nacional não se comunicam diretamente. A falta de integração entre eles exige uso de métodos como o relacionamento probabilístico para identificar o mesmo indivíduo nestas diferentes fontes (Camargo Jr. e Coeli, 2002a). Por tais razões relevantes, foi realizado este estudo com o objetivo de descrever um modelo de monitoramento de informações para tentativas e suicídios por intoxicação exógena em residentes no Estado do Rio de Janeiro. Métodos Realizou-se um estudo exploratório descritivo, no qual foram analisados registros sobre os casos de tentativas e suicídios de residentes do Estado do Rio de Janeiro constantes nos bancos de dados do SINAN, SIM e CCIn-Niterói, referentes ao período 2006-2008. O programa SPSS 13 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) foi utilizado para a criação do banco de dados do CCIn-Niterói, correções e modificações das estruturas dos bancos do SINAN e SIM, além de recodificações de variáveis selecionadas. O RecLink III (Camargo Jr. e Coeli, 2000) foi usado para a aplicação da técnica de relacionamento probabilístico. 102 Conceitos utilizados O conceito comportamento suicida é constituído pelos componentes ideação suicida, planos, gestos, tentativas e suicídio não sequenciais, tendo como desfecho máximo, o suicídio. A OMS (WHO, 2002) sugeriu definições sínteses de “comportamento suicida não fatal” para atos suicidas que não resultem em morte e “comportamento suicida fatal”, para aqueles que resultem em morte. Tais conceitos foram utilizados na etapa inicial do estudo anterior, já publicado (Santos et al., 2012, no prelo) e da mesma forma no estudo atual. Por sistema de informação, entende-se a captação, processamento e difusão de dados, possuindo ainda a importante característica de armazenar e recuperar um grande número de registros (Sanches, Camargo Júnior, Coeli e Casco, 2006). Os bancos de dados do presente estudo são do tipo relacional, formado por tabelas. Assim, em linha geral, eles constituem um conjunto de dados relacionados e estes são fatos que podem ser registrados, refletindo determinados aspectos do mundo real. As tabelas são formadas por campos que definem os tipos de dados armazenados (valor de atributo). Cada campo é identificado por um nome (Heuser, 2004). Seleção das fontes de dados Os sistemas SINAN e CCIn-Niterói foram selecionados por serem os únicos sistemas oficiais que concentram informações específicas acerca dos casos de intoxicações exógenas. Os casos de tentativas de suicídio (TS) foram identificados através da variável circunstância. Enquanto que os casos de suicídio foram identificados através da variável evolução (cura, cura não confirmada, cura com ou sem sequela – TS; óbito – suicídio). Embora o SINAN (N= 3.857) tenha exibido 73,5% de dados em branco/ignorados no campo circunstância, optou-se por manter a seleção através desse campo, por ser este o único que especifica os casos de tentativas de suicídio. Não foi necessário utilizar o mesmo critério de inclusão para o CCIn-Niterói, pois este banco foi construído especificamente para a finalidade desta pesquisa, conforme supracitado. Quanto ao Sistema de 103 Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), apesar deste também conter as informações necessárias, optou-se neste estudo analisar os três bancos citados, isto é SINAN, CCIn-Niterói e o SIM para o suicídio, construindo-se assim um primeiro modelo de monitoramento. No SIM, utilizou-se o campo causa básica codificada entre X60-X69, segundo a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da OMS, para identificar os casos de óbitos por suicídio. Apesar do SIM possuir o campo circunstância do óbito (acidente, suicídio, homicídio, outros e ignorado), observou-se que aproximadamente 91,0% dos registros eram: em branco ou ignorado, razão pela qual não foi utilizado. Os arquivos dos bancos de dados do SINAN e SIM foram fornecidos no formato data base file (DBF). O banco de dados do CCIn-Niterói foi construído com o programa SPSS 14.0, com o formato saved file (SAV). Todos os bancos contêm informações de: identificação dos pacientes, médicas, unidades de saúde e óbitos. Os bancos de dados do SINAN e SIM foram disponibilizados pela Subsecretaria de Vigilância em Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e os registros do CCIn foram cedidos pelo Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense. Preparação dos bancos de dados 1. Sistema de Informação de Agravos de Notificação O sistema é alimentado pelas informações presentes nas fichas de notificação e de investigação de doenças e agravos preenchidas pelos profissionais das unidades de saúde (públicas, conveniadas e privadas), que constam na Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória (Portaria GM/MS Nº 104/2011) e outros problemas de saúde do interesse de estados e municípios. O sistema também permite consulta on line à sua base de dados através do site do Ministério da Saúde ou do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). 104 Com relação à estrutura, até o ano de 2006, o SINAN registrava somente as intoxicações causadas pelos agrotóxicos e o banco era constituído por 134 campos. A partir desse período, o sistema passou a notificar também diversos tipos de agentes tóxicos, tais como medicamentos, produtos químicos industriais, alimentos e bebidas, drogas de abuso, além do próprio agrotóxico. O sistema também sofreu uma redução do número de campos, sobretudo com relação às informações clínicas, passando a apresentar 103 campos. Neste estudo, os dados referentes ao período de 2006 a 2008 foram unificados num único arquivo denominado sinantotal, com 3.857 registros de casos de intoxicação. Destes, 51 registros foram excluídos por não constar o nome ou apenas o primeiro nome do paciente ou ainda por ser duplicação (1,3%). O banco resultou em 3.806 registros. Deste banco foram gerados dois outros bancos: a) um banco denominado sinants constituído pelos registros dos casos identificados como tentativas e suicídios (n= 464); e b) outro banco intitulado sinangeral, com os demais registros, isto é, todos que não foram tentativas e suicídios (n= 3.342) (Figura 1). 2. Sistema de Informação sobre Mortalidade O SIM é alimentado pelas informações contidas nas Declarações de Óbitos (DO), sendo o seu preenchimento realizado pelo médico ou pelo perito legista. O sistema permite a consulta on line à sua base de dados no site do DATASUS. A estrutura dos bancos de dados do SIM permaneceu a mesma durante o período estudado, havendo nele 122 campos. Os bancos de dados referentes ao período de 2006 a 2008 foram unificados num único arquivo denominado sim (n= 369.901) constituído com registros de óbito por todas as causas. Cerca de 5,0% dos registros (n= 18.074: por não constar o nome ou apenas o primeiro nome do indivíduo, óbitos fetais, descrição do corpo etc.) foi excluído totalizando assim 351.827 registros. Este banco gerou dois outros bancos: a) um banco denominado simsuicidios constituído pelos registros dos casos identificados como suicídios (n= 182l); e b) outro banco intitulado simgeral, com 105 os demais registros exceto suicídios por intoxicação exógena (n= 351.645) (Figura 1). 3. Centro de Controle de Intoxicações - Niterói O CCIn-Niterói é o único centro de referência para o Estado do Rio de Janeiro que faz parte da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat), coordenada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os profissionais do centro atendem à demanda espontânea de indivíduos intoxicados, profissionais de saúde ou público leigo que buscam informações sobre tratamento e/ou orientações sobre procedimentos a serem realizados em caso de intoxicação. Estes atendimentos são registrados em fichas e digitados em um banco de notificação. O banco de dados identificado é formado por 24 campos, denominado ccin (n= 951). Dele foram excluídos três registros por constar apenas o primeiro nome do indivíduo, resultando 948 registros de casos de intoxicação exógena devido à tentativa de suicídio e suicídio (Figura 1). Avaliação da qualidade dos dados A incompletitude (do campo) é a proporção de informação em branco ou preenchida como ignorada (Romero e Cunha, 2006). Foram avaliados os campos data de nascimento do paciente, sexo, nome da mãe, endereço de residência, município de residência e CEP. Assim foi adotada a seguinte classificação: excelente (menor de 5%), bom (5% a 10%), regular (10% a 20%), ruim (20% a 50%) e muito ruim (50% ou mais). 106 Figura 1. Distribuição e desmembramento dos arquivos com registros sobre casos de intoxicação exógena dos bancos de dados do SINAN, CCIn-Niterói e SIM. Estado do Rio de Janeiro, período de 2006 a 2008. Método de relacionamento de bancos de dados Os campos utilizados por serem úteis ao processo de relacionamento probabilístico foram: nome do paciente, sexo, data de nascimento, nome da mãe, número e data de notificação (SINAN e CCIn), número da DO (SIM), data de óbito (todos os bancos), endereço de residência, bairro, município e CEP. Foram excluídos os registros sem nome ou mesmo com apenas o primeiro nome, mas sem quaisquer outras informações (por ex., nome da mãe, data de nascimento, endereço), uma vez que não permitem o relacionamento. Foram executados os seguintes processos: 1) aplicação de rotinas de padronização do formato das variáveis dos bancos (por exemplo, foram retirados acentos, cedilhas, espaços e caracteres especiais e também foram mantidos formatos de campos idênticos em diferentes arquivos); 2) blocagem, que é a criação de conjuntos comuns de registros a partir da chave de identificação; 3) aplicação de algoritmos para comparações aproximada de cadeias de caracteres, controlando erros fonéticos e de grafia; 4) cálculo de escores, estes indicam o grau de concordância entre registros de um mesmo par; 5) definição de limiares para o relacionamento dos pares de registros 107 classificados como verdadeiros, duvidosos e não-pares; 6) revisão manual dos pares duvidosos, visando a sua reclassificação como pares verdadeiros ou não-pares (Coeli e Camargo Jr., 2002a; Vieira, 2010). O ponto de corte adotado foi o mesmo sugerido no manual do programa de relacionamento (Camargo Jr. e Coeli, 2002b): registros com escores menores de - 6,9 foram considerados não-pares. Iniciou-se então a revisão manual ao final de cada passo, descartando os registros duvidosos. Os pares verdadeiros identificados foram retirados das demais buscas. Foram realizados quatro relacionamentos: ccin vs sinants; ccin vs sinangeral; (ccin vs sinants) vs simsuicidios; sinangeral vs simsuicidios; ccin vs sinants vs simgeral e adotada a estratégia de blocagem em múltiplos passos (Camargo Jr. e Coeli, 2002a). Na estratégia de blocagem seis passos foram realizados a partir da combinação de códigos fonéticos (soundex) do primeiro e último nome, sexo, ano de nascimento e município. Já os campos utilizados no pareamento foram o primeiro e o último nome do paciente e o ano de nascimento (Quadro 1). Quadro 1. Campos utilizados nos passos durante a blocagem e pareamento. 108 Os valores do pareamento dos registros para o nome do paciente foi de 92% (probabilidade de acerto), 1% (probabilidade de erro) e 85% (limiar – valor que considera que houve concordância entre os dois registros) e, data de nascimento com 90%, 5% e 65%, respectivamente. As chaves soundex do primeiro e último nome (paciente e mãe), sexo, ano de nascimento foram utilizadas para a identificação de duplicidades nos bancos de dados do CCIn e SINAN. Após a identificação dos casos duplicados pelo programa RecLink III, foi realizada uma análise segundo os critérios do manual de normas e rotinas do SINAN (Brasil, 2007), o qual caracteriza como sendo duplicidade os casos notificados que apresentaram os primeiros sintomas dentro da mesma semana epidemiológica. Desta maneira eliminou-se a duplicidade, mantendo-se os casos de reincidência de tentativas de suicídio para o mesmo paciente. Considerações éticas A presente pesquisa seguiu as diretrizes e normas da Resolução N° 196/96, do Ministério da Saúde, garantindo o sigilo dos dados analisados. O uso de dados secundários identificados em pesquisa tem sido objeto de discussão envolvendo questões sobre confidencialidade e segurança. Desse modo, adotaram-se as recomendações do Internation Ethical Guidelines for Epidemiological Studies (CIOMS, 2008), tais como a seleção cuidadosa de somente campos de identificação necessários para o linkage probabilístico e a análise dos bancos de dados foi realizada no Laboratório de Métodos Estatísticos e Computacionais de Saúde (LABMECS/IESC/UFRJ), onde são adotadas normas rígidas para a segurança de dados (Vieira, 2010). Como já supracitado, os bancos de dados do SINAN e SIM foram disponibilizados pela Subsecretaria de Vigilância em Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e os registros do CCIn-Niterói foram cedidos pelo Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nº 68/2009 CEP/IESC/UFRJ), não envolvendo conflito de interesses. 109 Resultados A análise da incompletitude mostrou que o desempenho dos campos sexo, endereço e município de residência ficou entre excelente e bom, com as frequências variando entre 0 e 6,9%, em todos os sistemas. Contudo, ao examinar melhor o preenchimento dos endereços, observou-se que no SIM 28,6% (n= 52) faltavam número e/ou complemento, bairro (SINAN: 10,8%; CCIn: 11,1%). O nome da mãe e a data de nascimento variaram de excelente a muito ruim (0% vs 15,9% vs 62,3%). Já o dado sobre CEP foi muito ruim na maior parte dos sistemas (80,5 a 90,7%) (Tabela 1). Tabela 1. Incompletitude dos campos dos sistemas SINAN, SIM e CCIn-Niterói. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. O número de pares identificados no processo de relacionamento encontra-se na Figura 2. Embora 68,8% (n= 652) dos 948 registros do CCIn tenham sido reportados por médicos e outros profissionais de unidades de saúde, apenas 25 (2,6%) foram identificados como pares verdadeiros, isto é constavam nos demais sistemas. No pareamento CCIn e SIM, chamou atenção que dos 31 suicídios reportados ao CCIn apenas 12 (38,7%) estavam presentes no SIM, resultando numa subnotificação de 61,3%. Por sua vez, dos 19 suicídios restantes do CCIn e inexistentes no SIM, 17 (89,5%) haviam sido relatados por médicos. 110 Figura 2. Número de pares identificados de casos de tentativas e suicídio devido intoxicação exógena no processo de relacionamento dos bancos de dados dos sistemas SIM, SINAN e CCIn-Niterói. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. Foram captados 12 casos do CCIn registrados como suicídio no SIM e destes, 1 caso igualmente estava presente no SINAN. Também foram encontrados pelos SINAN e CCIn oito suicídios, que haviam sido classificados erroneamente como envenenamento com intenção não determinada (Y10-Y19) no SIM – Geral. Outros 11 suicídios do CCIn e SINAN foram classificados como causa mal definida (R99) também no SIM – Geral. Alguns outros poucos casos de não concordância entre os sistemas estão incluídos na Figura 3. A comparação de oito (8) casos registrados no SINAN dentro do campo circunstância ignorada indicou que estes foram registrados no SIM como suicídio por intoxicação. E três suicídios registrados no CCIn não constavam em nenhum dos bancos do SIM. Finalmente, foram identificados no SINAN seis casos de reincidência, sendo que um destes resultou em três tentativas de suicídio; CCIn, apenas dois. 111 Figura 3. Distribuição dos suicídios segundo sistemas CCIn-Niterói, SIM e SINAN. Estado do Rio de Janeiro, período 2006-2008. Discussão Pelo presente estudo é evidente a subnotificação nos sistemas avaliados. Preferiu-se iniciar a discussão do trabalho pela implicação legal do fato. No pareamento do CCIn-Niterói com o SINAN, observa-se um grande descaso com a Portaria GM/MS Nº 104/2011, que estabelece no seu artigo 7º as responsabilidades e atribuições dos profissionais e serviços de saúde uma vez que determina que (Brasil, 2011a, p. 38): “A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de saúde médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como os responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e de ensino (...)” Waldman e Mello Jorge (1999) apontam cinco possíveis causas para a subnotificação: 1) os profissionais não conhecem a importância e os 112 procedimentos para notificação; 2) o desconhecimento da lista de doenças e agravos submetidas à vigilância; 3) ausência de adesão à notificação; 4) preocupação dos profissionais com a quebra da confidencialidade das informações; 5) falta de percepção dos profissionais da relevância em saúde pública das doenças e agravos submetidos à vigilância. E destacam que, apesar dos investimentos nos últimos anos em capacitação e sensibilização para a notificação de agravos consequentes das causas externas, observa-se ainda muito pouco controle da gestão central sobre os atendimentos realizados em unidades particulares. A prevenção e o controle mais eficaz dessas violências depende também, além de inúmeros outros fatores (Santos et al., 2012, no prelo) de uma correta classificação da causa do óbito, que muitas vezes fica prejudicada pela dificuldade dos serviços em identificar adequadamente a intoxicação como intencional e não-intencional (Marín-Léon e Barros, 2003; Hawton, 2007). Os resultados deste estudo para o suicídio mostraram a elevada discordância quanto à classificação da CID – 10. Por exemplo, óbitos classificados como suicídio no SINAN e CCIn estavam classificados no SIM como óbitos por causas indeterminadas, com intencionalidade indeterminada e outras causas (Figura 3). Como já visto nos resultados, o SIM, sistema responsável por todos os dados de mortalidade, não registrou cerca de 61,0% dos óbitos do CCIn e 51,6% dos que conseguiu captar, errou na classificação ou classificou diferentemente. Relacionando SIM/SINAN-TS, houve concordância no número total de óbitos captados, porém cerca de 53,0% divergiram na classificação. Muitos estudos mostraram que as informações do Instituto Médico Legal (IML) agregadas às informações policiais, como o Boletim de Ocorrência que acompanha o corpo, são suficientes para a classificação correta dos óbitos violentos. Esses estudos também mostram que independente das orientações e treinamentos realizados durante décadas para o preenchimento da DO, os legistas permanecem informando apenas a natureza das lesões e falhando no fluxo dos encaminhamentos de corpos para necropsia (Jesus e Mota, 2010; Lessa, 2009; Matos et al., 2007; Mello Jorge, Laurenti e Gotlieb, 2007). Este fato interfere diretamente na qualidade dos dados do SIM. Não é demais 113 lembrar que este sistema tem o instrumento e fluxo de informação melhor definido. O percentual de incompletitude (campos em branco/ignorado) diferiu para a seleção dos pares. Esses campos, de modo geral, apresentaram um bom desempenho com baixa proporção de incompletitude, isto pode estar relacionado com a natureza dos sistemas. Podemos supor que os indivíduos que ligam para o CCIn-Niterói podem não ter se esforçado em oferecer informações com melhor qualidade, tais como a data de nascimento e o nome da mãe, pelo fato do Centro atender demanda espontânea, geralmente pelo telefone, apesar dos esforços dos atendentes em obter as informações. Sendo sistemas com regulamentação oficial do Ministério da Saúde, espera-se mais responsabilidade dos informantes no caso SIM e SINAN. O campo endereço, mesmo tendo apresentado bom desempenho nos sistemas, permanece requerendo atenção quanto à qualidade do seu preenchimento. Assim como o campo CEP, que é importante para a identificação do endereço correto, principalmente para diferenciar os nomes de ruas homônimas. Estes campos são importantes na revisão manual dos pares duvidosos, auxiliando na decisão entre par verdadeiro ou não. A qualidade dos dados é tema recorrente nas avaliações dos SIS. Critérios são apontados para a sua avaliação, tais como a subnotificação, consistência, incompletitude e confiabilidade (Lima, 2010). Normas e definições conceituais claras, qualidade da coleta primária dos dados, capacitação adequada dos profissionais que coletam e inserem os dados nos SIS, além de recursos da tecnologia da informação e da informática que otimizem e aperfeiçoem o uso dos SIS (crítica de entrada de dados, armazenamento, recuperação etc.) têm sido apontados por pesquisas nacionais e internacionais que buscam qualidade para o subsídio da gestão em saúde (Bochner et al., 2011; Glatt, 2005). Devido à falta de um identificador único para o registro de informações em saúde, a técnica de linkage probabilístico mostrou-se eficiente por utilizar funções que comparam campos com erros de digitação, divergência de grafias de nome e outros, mas que pertencem ao mesmo indivíduo (Camargo Jr. e Coeli, 2002a). Outros países mesmo já possuindo um sistema de informação integrado acerca de eventos violentos, como o caso do National Violent Death 114 Reporting System, do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos (Paulozzi et al., 2012), destacam que um sistema de vigilância das violências pode ser ainda aperfeiçoado através de técnicas como o linkage, a integração dos dados e uma avaliação sistemática do sistema (Horan e Mallonee, 2003). Desse modo a operacionalização do programa não apresentou dificuldade, sendo a fase de seleção manual de registros mais trabalhosa por conta das estratégias menos restritivas que foram utilizadas devido aos erros de preenchimento ou de digitação. Em 2011, a Portaria Nº 763 do Ministério da Saúde (Brasil, 2011b) normatizou o preenchimento obrigatório do Cartão Nacional de Saúde do usuário (cartão do SUS) nos estabelecimentos de saúde, público ou privado. A expectativa é que o cartão do SUS passe a funcionar como um identificador único. Em termos de fonte de informação, o caso das violências conta também com a Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), um grande avanço desde a implantação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, do Ministério da Saúde, em 2001. VIVA conta com dois componentes: Vigilância Contínua (Violência doméstica, sexual e/ou outras violências); e Vigilância Pontual (Inquérito de Acidentes e Violências). Pela Vigilância Contínua, são coletadas informações em serviços de referência para violências através da Ficha de Notificação/Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências. Implantada em 2008 no SINAN e sendo incorporada à Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória (LNDC, Portaria GM/MS Nº 104/2011a). Contudo, a Ficha de Notificação/Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências possui apenas quatro variáveis que investigam o comportamento suicida: A lesão foi autoprovocada?; Meio de agressão; Consequências da ocorrência detectadas no momento da notificação; e Natureza da lesão. Apesar do esforço, a ficha não permite conhecer de fato os casos, no máximo permite um levantamento do perfil epidemiológico sem possibilidade de análise. Por isto não nos serve de referência no momento. A falta de integração dos diferentes SIS dificulta, mas não impede que o mesmo seja realizado. O método relacionamento probabilístico mostrou-se eficaz, permitindo inclusive identificar falhas importantes nos sistemas existentes. A 115 padronização dos instrumentos de coleta também é um aspecto essencial, como já discutido em outro estudo (Santos et al., 2012, prelo). O conhecimento não apenas da sua magnitude, mas também do perfil epidemiológico mais próximo da realidade são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias e ações de prevenção e de atendimento. A principal limitação deste estudo se refere principalmente à incompletitude dos dados, dificultando a revisão manual, garantindo a identificação dos pares verdadeiros. Outra fragilidade trata-se de limitação do método devido às coincidências com relação à mesma identidade de indivíduos, tais como mesmo nome, sexo e data de nascimento. Contudo, o cuidado tomado na seleção das variáveis de comparação foi decisivo para amenizar essas dificuldades. Conclusão Sabe-se da importância da informação para a vigilâncias e formulação de políticas públicas, além de tomadas de decisão. Assim torna-se importante maior atenção e prioridade na padronização dos sistemas de informações em saúde e inclusão de um campo identificador único, como se espera do cartão do SUS. Estes pontos são fundamentais para a expansão do método de relacionamento de bancos de dados, que apesar de ser trabalhoso e exigir computadores de grande capacidade e velocidade de processamento, mostrouse eficaz e permitiria a identificação dos problemas existentes em cada sistema, proporcionando melhor qualidade das informações e maior proximidade das situações reais de agravos complexos e graves como o comportamento suicida. Apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, permanecem problemas antigos quanto à subnotificação e qualidade do preenchimento das informações geradas pelos sistemas analisados. Maior esforço terá que ser realizado para se conseguir monitorar o comportamento suicida, visando que essas informações venham a subsidiar adequadamente as políticas e ações em saúde para a sua prevenção. 116 Referências Bochner, R.; Guimaraes, MCS; Santana, RAL; Machado, C. QUALIDADE DA INFORMAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DO DADO PRIMÁRIO, O PRINCÍPIO DE TUDO. 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