1 Desempenho Comercial da Indústria Brasileira de Máquinas e implementos Agrícolas1 Mauro Virgino da Silva Carlos Alberto Cinquetti Resumo A presente pesquisa analisa o desempenho comercial da indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas durante a abertura comercial dos anos 1990s. Essa indústria conseguiu sustentar seu saldo exportador líquido, deixando patente suas vantagens comparativas, em contraste com o setor de bens de capital, a que pertence, que começou a operar com largos déficits comerciais. Procuramos identificar os fatores que explicam o desempenho diferenciado desta indústria de bens de capital, assim como os mercados externos que mais contribuíram para seu desempenho exportador. Na análise dos impactos da liberalização comercial, atenção especial é dedicada ao Mercosul. Palavras chaves: abertura comercial, vantagem comparativa, máquinas e implementos agrícolas, Brasil. Introdução Em fins dos anos 1980s, mais marcadamente a partir de 1990, a economia brasileira rompe com uma longa tradição de protecionismo, iniciando um amplo processo de liberalização comercial. A queda no protecionismo, ao longo dos anos 1990s, é ilustrada pela firme redução no valor médio e na mediana das tarifas de importação, assim como na amplitude e no desvio padrão destas (Kume, 1998), apontando para uma convergência de todos os setores para um mesmo padrão de proteção. O alvo desta abertura comercial era intensificar a concorrência sobre os produtores locais e ampliar o acesso às melhores práticas internacionais, quer pelas importações de produtos, quer pela importação de tecnologias (Gonsalves, 1998). Outro subproduto deste processo, ao explicitar os setores da economia local que tinham vantagens comparativas, e os que não tinham, era reorientar os recursos locais dos últimos para os primeiros, elevando a eficiência alocativa. Um setor, cujas desvantagens comparativas logo se explicitaram, com a abertura comercial, foi o das indústrias produtoras de bens de capital (ver Resende e Anderson, 1999). Entre 1991 e 1996, o coeficiente de importação (importação/produção), neste setor, passou de 33,3% para 61,5%, enquanto o coeficiente de exportação (exportação/produção) evoluiu apenas de 14,7% para 16,5%, no mesmo período (Moreira, 1997). É certo que este desempenho comercial foi condicionado pela valorização cambial deste a adoção do Plano Real, um plano de estabilização baseado na âncora cambial, adotado em 1994. E que este movimento foi possível graças a concomitante abertura para os fluxos internacionais de capitais, também iniciada em fins de 1980s. Isto é, o câmbio teve um efeito favorável às importações e desfavorável às exportações. Porém, a observação de que vários outros setores (e 1 Pesquisa realizada com financiamento da Fapesp através de bolsa de iniciação científica concedida ao primeiro autor sob orientação do segundo. 2 indústrias) não tiveram desempenho tão desfavorável para os produtores locais, revela o papel das vantagens comparativas. Na indústria de máquinas e implementos agrícolas, por exemplo, as exportações tiveram evolução quase semelhante às importações. O objetivo do presente trabalho é, exatamente, investigar a natureza da performance comercial diferenciada desta indústria de máquinas e implementos agrícolas, uma das indústrias que compõem o setor de bens de capital. Mais precisamente, nosso foco é investigar o porque do desempenho contrastante desta indústria, com relação ao setor de bens de capital como um todo, uma vez que as diferenças no nível de sofisticação tecnológica de ambas não seriam tão pronunciadas, a ponto de explicar o resultado observado. O texto está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na primeira seção apresentamos dados que comprovam a posição comercial diferenciada da indústria de máquinas e implementos frente à indústria de bens de capital, da qual faz parte. Na segunda seção apresentamos alguns índices que comprovam a vantagem comparativa desta indústria. Na terceira seção discutimos, entre outros aspectos, o papel da demanda interna para a dinâmica comercial da indústria em questão bem como o papel da tradição brasileira na produção desses produtos. Na quarta seção analisamos o comércio dessa indústria por principais blocos econômicos e os efeitos de curto e longo prazos da formação do Mercosul e da liberalização comercial nos anos 1990s. A quinta e última seção traz as principais conclusões do trabalho, buscando tornar mais claras as descobertas da pesquisa. I. Desempenho Comercial da Indústria de Máquinas e Implementos Agrícolas Assim, como no setor de bens de capital, da qual faz parte, houve um acentuado aumento no volume total de comércio externo na indústria de Máquinas e Implementos Agrícolas2Máquinas e Implementos, doravante. De 1991 a 1998, o volume total de comércio (exportação + importação) desta indústria passou de US$ 70,8 milhões para US$ 346,4 milhões, um aumento de quase cinco vezes em apenas sete anos. Ao contrário do setor de bens de capital, porém, as exportações brasileiras desta indústria mantiveram-se, ao longo de todo este período, bem acima das importações de tais produtos, como pode ser observado na Figura 1, abaixo. Como mostrado pelas linhas, os valores de ambas ampliaram ao longo de todo o período, mantendo a posição ordinal deles. Com relação à produção interna, as mudanças foram as seguintes: de 1991 a 1998, o coeficiente de exportação do setor subiu de 2,34% para 6,31%, enquanto o coeficiente de importação avançou, no mesmo período, de 0,57% para 4,17% - ver Tabela 1 abaixo. 2 Nos referimos à indústria de arados, distribuidores de calcário, grades, plantadeiras, semeadeiras, cultivadores, sulcadores e roçadeiras. Não estão incluídos nesse segmento os tratores e colheitadeiras. 3 Figura 1. COMÉRCIO DE MÁQUINAS E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS (US$) 250.000.000 200.000.000 150.000.000 100.000.000 50.000.000 0 EXP. IMP. 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1.997 1998 Fonte:Secex/Sistema Alice Tanto a Figura 1, quanto a Tabela 1, mostram ainda que, no período posterior a 1997, as importações destes produtos avançaram mais acentuadamente do que as exportações. Esta mudança pode, seguramente, ser imputada ao ambiente macroeconômico. A partir de 1995, o plano brasileiro de estabilização, que recorrera à valorização cambial, começa a apoiar-se em juros internos crescentes – a chamada âncora de juros dos preços. Ou seja, este ambiente macroeconômico teve um impacto nitidamente desfavorável à competitividade das indústrias locais – quer pelo câmbio, quer pelo custo de capital. Tabela 1 - Atividade Comercial e Industrial da Indústria de Máquinas e Implementos milhões de US$ Especificações / ANO - Importação/Produção - Exportação/Produção 1991 0,57 2,34 1993 0,54 2,97 1995 1,54 3,89 1997 2,3 6,34 1998 4,17 6,31 Fonte: Abimaq – Sindmaq Não obstante a evolução mais acentuada das importações, no período 1997-98, estas ainda ficaram bastante aquém do valor das exportações, mostrando que os efeitos anticompetitivos do Plano Real não foram suficientes para reverter a posição de exportador líquido da indústria de máquinas e implementos, isto é, de embaraçar as nítidas vantagens comparativas desta atividade no Brasil. Numa outra ótica, a despeito da certa proteção negativa, proveniente do plano de estabilização, as exportações brasileiras desta indústria tiveram um aumento de, aproximadamente, 200% ao longo de sete anos. II – Vantagens Comparativas e o Desempenho Comercial da Indústria de Máquinas e Implementos 4 Uma primeira hipótese para explicar o desempenho comercial diferenciado da indústria de máquinas e implementos seria, seguindo a análise tradicional em comércio internacional – o modelo Heckscher-Ohlin – segundo o qual as dotações de fatores no País seriam relativamente favoráveis ao perfil tecnológico desta indústria (Krugman & Obstfeld, Cap. 4). Isto é, esta indústria utilizaria intensivamente fatores produtivos como mão de obra de menor qualificação, e desenhos tecnológicos mais arcaicos, diferente da tecnologia média do setor de bens de capital, que seria mais intensiva em mão de obra qualificada e em desenhos tecnológicos de última geração. No entanto, parece pouco provável que as diferenças tecnológicas entre a indústria de máquinas e implementos e a média do setor de bens de capital sejam tão significativas ou próximas da notável diferença do desempenho comercial entre ambos, de modo que a hipótese das dotações de fatores perde força como fator relevante. Ademais, são inúmeras as contestações empíricas ao teorema de Heckscher-Ohlin, como reportado na recente survey de Helpman (1999). Tanto as evidências empíricas como a argumentação teórica nos levam a considerar a hipótese de que o Brasil, por seu perfil estrutural, seria inclinado a alcançar um maior conhecimento tecnológico no setor de máquinas e implementos agrícolas. Isto é, somos levados a crer em explicações para as vantagens comparativas ao modo do modelo Ricardiano, apoiado em diferenças de domínio tecnológico entre os países. Mais precisamente, o que nos parece mais plausível é que tais diferenças tecnológicas seriam um fator complementar às diferenças nas dotações de fatores. Quaisquer que sejam as fontes das vantagens comparativas do País convêm antes explicitar a existência destas. Um das medidas para avaliar a competitividade internacional de uma indústria é a taxa de cobertura, baseada nos fluxos de exportação/importação. Tal índice, no entanto, é muito sensível às variáveis macroeconômicas, como a taxa de câmbio, não sendo, portanto, um bom indicador da posição relativa do setor (David e Nonnenberg, 1998). Contudo, considerando que a taxa de cobertura do setor, ao longo dos anos 90, foi superior a 1.0, como pode ser visto na Tabela 2, ainda que o País tenha apresentado um grande déficit comercial, ao fim deste período, por conta do ambiente macroeconômico, na indústria analisada sua oferta mundial ultrapassa seu consumo mundial relativo. Tabela 2 – Vantagens Comparativas da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas ANO 1991 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Taxa de Cobertura (X/M) 4,07 5,44 5,43 2,53 4,22 2,76 1,51 VCR SD 1,1 1,3 1,4 1,8 1,9 1,9 Fonte: International Trade Statistics Yearbook, vol. II 1996 e 1998 e Secex – Sistema Alice SD: Sem dados Um indicador mais adequado da posição comercial do setor é o das vantagens comparativas reveladas (VCR), dado por: VCR = Xi / X X i* / X * , (1) onde Xi são as exportações brasileiras do setor i, Xi* as exportações do mesmo setor no exterior, e X e X* as exportações totais do Brasil e do exterior, respectivamente. Este índice dá a razão entre a participação do País no mercado mundial para este produto particular, e a participação do 5 País no mercado mundial para todos os produtos. Dessa forma, um país apresenta vantagem comparativa revelada em um produto se o índice exceder a unidade. Vale lembrar que, no cálculo das vantagens comparativas reveladas, segundo Balassa (1965), são consideradas apenas as exportações, pois as importações podem ser muito afetadas por medidas protecionistas3. Os dados da tabela 2 mostram que este índice foi superior a unidade, o que significa que a indústria brasileira de máquinas e implementos revela ter vantagens comparativas, as quais, ao longo da década de 90, se reforçaram, partindo do índice de 1,1 em 1993 para 1,9 em 1998. Tem-se, portanto, com base em ambos os indicadores - taxa de cobertura e índice das vantagens comparativas reveladas – que esta indústria se mostrou altamente competitiva na década de 90, contrastando com a média do setor de bens de capital, que se apresentou numa posição de importador líquido ao longo do mesmo período. III. Demanda e Dinâmica das Vantagens Comparativas A questão ainda não respondida, na análise precedente, com relação à hipótese Ricardiana, é o que capacitaria o Brasil a um desenvolvimento tecnológico relativamente superior no setor de máquinas e implementos. Qualquer especialista em negócios, assim como empresários da área, responderiam que a fonte vem da sinergia desta indústria com o grande e, internacionalmente competitivo setor agrícola brasileiro. E o economista não tem porque se afastar desta explicação. Há uma longa tradição que trabalha com a hipótese de desenvolvimento tecnológico internacional diferenciado, entre os países, por conta da demanda. Todas estas analises são desenvolvidas numa perspectiva dinâmica, tendo por foco as mudanças tecnológicas. Pasinetti (1981), por exemplo, traduziu o conceito ricardiano estático de vantagens comparativas para a noção de mudanças comparativas das vantagens produtivas como dadas pelas mudanças comparativas na produtividade do trabalho. A análise apoia-se na noção smithiana de vantagens geradas, em oposição às vantagens naturais; as primeiras são dadas pelo dinamismo das mudanças tecnológicas, enquanto as últimas por um perfil dado, natural, de recursos em cada país. Embora Pasinetti (1981 e 1993) tenha explorado o papel da demanda em definir o volume de comércio dos diferentes produtos, na economia mundial, o autor não estabelece nenhuma relação definida entre demanda e vantagens comparativas dos países. Mais precisamente, o autor estabelece tal relação entre demanda e vantagens comparativas em seu trabalho original (1981 – de uma dissertação do autor de 1962), mas a descarta em sua análise mais recente do problema (Pasinetti, 1993). Para Linder (Salvatore, 1993), a industrialização a partir de setores para os quais já existe uma demanda significativa no país é um dos pressupostos para uma acelerada mudança comparativa nas vantagens produtivas de uma economia em desenvolvimento. A explicação do autor é de que, no processo de satisfação do mercado doméstico, o país adquire experiência e eficiência produtiva que o torna capaz de exportar tais produtos para países com gostos similares e níveis de renda semelhantes (Linder, 1961). 3 Dado que as importações de um país são as exportações de outro, ao se excluir as importações do país em análise, eliminam-se as restrições impostas pela sua política de proteção. Ao manter as exportações, supondo que elas sejam direcionadas a vários países, essas restrições ficam diluídas. 6 Dessa forma, a hipótese da demanda interna aparece como uma outra variável bastante forte para explicar o desempenho comercial da indústria em questão, dado que a indústria brasileira de máquinas e implementos produz para um setor, o setor agrícola brasileiro, que é um dos principais produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas. Nos termos de Vernon (1966), diríamos que as oportunidades de desenvolvimento de novos produtos, para o caso da indústria de máquinas e implementos, são maiores em países cujo setor agrícola seja forte e dinâmico do que em outro contexto. A tabela 3 mostra que a participação brasileira nas exportações agrícolas mundiais apresentou tendência ascendente ao longo do mesmo período, evidenciando a ampliação das vantagens comparativas do Brasil no setor agrícola. A necessidade de conhecimento das circunstâncias locais, que a proximidade com o mercado proporciona, gera uma vantagem comparativa bastante relevante para a indústria em questão pode ser pensada em termos da interação produtor-usuário. Este argumento teórico está presente em Vernon (1966) e é proposto por estudiosos em organização industrial, bem como provada como válida para explicar vantagens comparativas por Fargerberg (1995). Tabela 3 - Participação das Exportações Agrícolas Brasileiras nas Exportações Agrícolas Mundiais - US$bilhões Ano 1990 Exportações Agrícolas Mundiais Brasil (A) (B) 326,6 8,6 % C=B/A 2,63 1993 335,8 9,5 2,83 1995 417,8 13,5 3,23 1996 463,7 14,3 3,08 1998 465,9 17,1 3,67 FONTE: FAO - Food and Agriculture Organization FMI - Fundo Monetário Internacional Segundo Fargerberg (1995), a interação produtor - usuário envolve custos e estes são função decrescente da estabilidade dessa relação e do grau de proximidade. Somado ao fato de que as vantagens comparativas dos países, no longo prazo, estarão em áreas onde as taxas de aprendizagem e inovação são altas, sugere que os países tendem a desenvolver vantagens comparativas onde, por um padrão comparativo, haja estreita relação produtor - usuário. A interação com o usuário foi mencionada, nos questionários aplicados a representantes do setor, como uma das mais importantes fontes de desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos produtos. O aproveitamento da proximidade com o mercado consumidor ocorre através das redes de assistência técnica, as quais, ao permitirem o desenvolvimento de novos produtos e/ou o aperfeiçoamento de um produto já existente, proporcionam um certo grau de proteção natural à indústria. Uma vez que a tecnologia embutida nos novos produtos desenvolvidos não está amplamente difundida ou facilmente assimilável, essa proteção natural pode ser vista como fruto da combinação entre conhecimento técnico e conhecimento das circunstâncias locais que conduzem a inovações que não teriam surgido em outro lugar. O alto custo do estabelecimento de 7 uma extensa rede de assistência técnica, principalmente num país com as dimensões do Brasil, somado à necessidade do conhecimento das circunstâncias locais, faz a relação produtor - usuário aparecer como uma importante barreira à entrada de empresas estrangeiras nessa indústria. O fato de a ampla maioria das firmas de máquinas e implementos agrícolas ser nacional parece, então, ter conexão com a hipótese da interação produtor-usuário como fonte de mudanças tecnológicas, na medida em que tais firmas não operariam com tecnologias prontas do exterior, mas as introduziriam em resposta às pressões da demanda. IIIa. Economias de Aglomeração e a Tradição Histórica Brasileira neste Setor Na terminologia microeconômica, esta interação produtor-usuário seria uma forma de externalidade proveniente da demanda, diferente da chamada externalidade pecuniária. Significa dizer, de forma mais precisa, que a capacitação tecnológica envolve formas locais de externalidades (ver Krugman & Obstfeld, 1999: Cap. 6), as quais são patentes na própria concentração regional das principais firmas de máquinas e implementos em determinadas regiões. Um número expressivo de firmas dessa indústria, notadamente as que mais participam desse comércio, concentra-se na região central do Estado de São Paulo e entorno, assim como nas proximidades de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Esta conglomeração dos produtores em uma mesma região ensejaria retornos de escala para toda indústria, externos às firmas, que pode estar associado tanto ao “vazamento de conhecimentos” quanto às facilidades de mercados de fatores e produtos compactados numa mesma região. O tamanho médio da maioria das firmas do setor sugere, de fato, que os retornos externos sejam mais importantes do que os retornos internos de escala. A redução dos custos das firmas do setor dada pela concentração geográfica é um fenômeno denominado pela teoria econômica de economias externas. As vantagens de custos daí decorrentes surgem mesmo que as firmas individuais permaneçam pequenas ou de pequenas a média, como é o caso em questão. Teoricamente, as três principais razões para a redução dos custos ao nível da indústria são as que seguem: fornecedores especializados, mercado comum de trabalho e transbordamentos de conhecimento. Com relação aos fornecedores especializados, pode-se dizer que a concentração de firmas proporciona o acesso a insumos com maior facilidade e a preços menores, dado que existirão muitas firmas competindo para o seu fornecimento (Salvatore,1993). Um grande mercado comum de trabalho concentrado é benéfico tanto para trabalhadores como para os produtores. Pelo lado dos produtores, não haverá escassez de trabalhadores qualificados, e pelo lado dos trabalhadores, haverá maiores oportunidades de trabalho. Por último, com relação aos transbordamentos de conhecimento, referindo-se aqui à troca informal de informações e idéias em nível pessoal, este pode ocorrer de maneira mais efetiva em uma indústria territorialmente concentrada. Os estados do sul e o estado de São Paulo, onde se localizam as principais firmas desta indústria, respondem por cerca de 85% do total produzido. A distribuição geográfica das plantas bem como das redes de revenda, as quais estão da mesma forma bastante concentradas (70% localizadas no sul e sudeste), têm, portanto, na proximidade com o mercado consumidor o critério básico utilizado na decisão da localização das plantas fabris e redes de revenda dessa indústria (Ferreira, 1995). 8 O resultado desta concentração geográfica, em termos de desempenho comercial, pode ser visto por meio da tabela 4, que mostra a participação relativa dos principais estados brasileiros nesse comércio. Os estados do sul e São Paulo são os que mais contribuíram para o desempenho comercial favorável dessa indústria. No que diz respeito às exportações, estes estados responderam, em 1998, por 99,7% do total de máquinas e implementos agrícolas exportados. Dentre estes estados, o Rio Grande do Sul foi responsável por mais de 50% das exportações ao longo de todo o período. Enquanto em 1992 São Paulo era responsável por 35,4% das exportações totais, em 1998, sua participação caiu para 27,4%, ficando, ainda assim, como o segundo maior exportador dessa indústria. Com relação às importações, os estados do sul e São Paulo continuaram a ser os principais representantes nesse comércio, com 92% do total importado em 1998. No entanto, vale salientar que neste caso é São Paulo e não o Rio Grande do Sul o principal estado participante desse comércio, representando, em 1998, 65% do total importado contra 19,3% importado pelo Rio Grande do Sul. Portanto, o estado de São Paulo e os da região sul, principalmente o Rio Grande do Sul, auferem os benefícios da concentração geográfica que somado às outras formas de aquisição de tecnologia, como programas de pesquisa e desenvolvimento intramuros, por exemplo, torna mais fácil para estas firmas permanecerem próximas da fronteira tecnológica do que firmas de outras localidades (KRUGMAN & OBSTFELD; 1999). Tabela 4 - Comércio de Máquinas e Implementos por Estados,(em %) Exportações Estado/Ano 1992 1994 1996 1998 R. G. Sul 52,0 51,4 52,3 54,2 São Paulo Sta Catarina 35,4 31,2 26,2 27,4 5,4 3,1 3,1 2,3 Paraná 6,7 13,7 18,2 15,8 Demais 0,5 0,6 0,2 0,3 Total 100 100 100 100 Importações Estado/Ano R. G. do Sul São Paulo Sta Catarina 1992 1994 1996 1998 18,0 31,0 23,5 25,0 18,3 45,0 19,3 65,0 16,0 7,6 7,2 0,9 Paraná 14,0 21,8 15,0 6,9 Demais 21,0 22,1 14,6 8,0 100 100 100 100 Total Fonte: Secex/Sistema Alice Economias externas dinâmicas são, por outro lado, outro elemento importante. Noutros termos, a tradição histórica brasileira se afigura como outro elemento para entendermos o 9 domínio tecnológico diferenciado, bem como competitividade da indústria brasileira de máquinas e implementos. Desde o início do século passado a agricultura brasileira convive com o uso de máquinas agrícolas fabricadas internamente. Alguns nomes como Baldan, Barros, Casale, Colombo, Fucks, Kepler, Kerber, Mantovani, Marchesan, Mernak, Rauwers, Rossato, Stapelbroek, Weber, Stedile etc, são exemplos de empresas que com 70 ou 80 anos de fundação ou não existem mais, ou mudaram de nome, de dono, mas que de alguma forma contribuíram para desenvolvimento do setor, da agricultura nacional, e do País. O acúmulo de conhecimento facilita o aperfeiçoamento de produtos ou técnicas de produção por meio da experiência, levando outras empresas do setor a imitá-la e a se beneficiar de seu conhecimento. De outra forma, pode-se dizer que o acúmulo de experiência pela indústria conduz à difusão do conhecimento e à queda nos custos da firma individual. III.b Relação Hierarquizada entre a Indústria de Máquinas e implementos e a de Tratores e Colheitadeiras e Desenvolvimento das Vantagens competitivas Além da relação dos fabricantes de máquinas e implementos com os usuários, a relação hierarquizada que ocorre entre o setor de máquinas e implementos e a indústria de tratores e colheitadeiras, mostrou-se igualmente importante para o deslocamento da fronteira de aprendizagem do setor. A necessidade dessa interação ocorre no momento da análise do desempenho dos tratores de roda para agricultura e colheitadeiras automotrizes, quando é necessário também avaliar o desempenho dos implementos a eles associados. Sendo as atividades de desenvolvimento dos tratores e colheitadeiras executadas num nível tecnológico superior ao dos implementos, isto proporciona a muitas dessas empresas a obtenção de capacidade tecnológica e competitividade, através da “cópia inovativa” de produtos e procedimentos. É fato, conforme relatado por representantes do setor, que a progressão tecnológica por este meio encontra barreiras (descontinuidades tecnológicas) quando os fabricantes de equipamentos mais simples tentam passar a fabricar produtos mais complexos. No entanto, como pode ser visto em Fonseca (1990; p.214), alguns fabricantes de implementos nacionais conseguiram dar este salto tecnológico e vencer essas descontinuidades, como é caso da Baldan (hoje, Agri-Tillage) e da Marchesan em relação a semeadoras e equipamentos de plantio direto. A partir dessa discussão, ficam claras as vantagens que a proximidade com o usuário e o relacionamento com os seguimentos produtores de tratores e colheitadeiras proporcionam aos produtores do setor de máquinas e implementos agrícolas, em termos do seu desenvolvimento tecnológico. No entanto, tais benefícios podem não ser aproveitados se as empresas não dispuserem de uma capacidade de transformação das informações obtidas desse relacionamento em conhecimento, de maneira sistematizada e contínua. Nesse sentido, todas as empresas entrevistadas revelaram ter no usuário a fonte principal de desenvolvimento interno de novos projetos, e manter um laboratório de pesquisa e desenvolvimento de novos projetos. Seção IV. Comércio por Blocos Econômicos e os Efeitos de Curto e Longo Prazo da Formação do Mercosul e da Liberalização Comercial. 10 O Mercosul, iniciado também nos anos 1990s, é parte importante para entendermos o desempenho comercial da indústria de máquinas agrícolas no período, e os debates sobre os benefícios/malefícios provenientes desses tipos de arranjos comerciais podem nos auxiliar na análise do problema. Desde o estabelecimento de preferências tarifárias no âmbito do Mercosul, a partir de 1991, até a formação dessa união aduaneira, em 1995, o resultado em termos comerciais têm sido o crescimento anual corrente do comércio tanto intra-regional como com o resto do mundo (Guimarães, 2000). Os efeitos de acordos de comércio regionais, como o que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, podem ser classificados como de curto e de longo prazo. Os efeitos de curto prazo são divididos em dois, quais sejam, desvio e criação de comércio. Dentre os efeitos de longo prazo, podemos citar o aumento da competitividade, o aumento da escala de produção, incremento nos investimentos estrangeiros e, por último, melhora na alocação de recursos. Nessa seção analisaremos, na primeira sub-seção, a direção do comércio da indústria brasileira de máquinas e implementos, de modo a abordar o impacto da criação do Mercosul no desempenho comercial dessa indústria, com base na discussão sobre criação e desvio de comércio. Na segunda sub-seção, tratamos dos efeitos de longo prazo da criação de Mercosul e da liberalização comercial, bem como as mudanças tecnológicas que o setor apresentou ao longo do período. IV a - Criação, Desvio e Direção de Comércio. As correntes teóricas que defendem que a formação de blocos regionais cria comércio apóiam-se no fato de que com a redução/eliminação das tarifas os custos de importação se reduzem gerando ganhos de eficiência. Esse ganho de eficiência se explica pelo fato de que os produtores terão acesso a insumos com menores preços, dado pelo aumento no número de fornecedores que concorrerão entre si (Nonnemberg, 1999). A criação de comércio, daí decorrente, poderia não só aumentar o bem estar dos países que compõem o bloco como também aumentar o bem estar dos outros países. Isto ocorreria desde que o aumento do crescimento econômico, derivado da formação do acordo regional, produzisse ao mesmo tempo o aumento das importações de países não pertencentes ao bloco. Os críticos da formação de blocos regionais julgam que este tipo de arranjo comercial pode também conduzir a um desvio de comércio. O argumento é o de que esta distorção ocorreria quando as importações a menores custos de países não membros são barradas por barreiras tarifárias ou não tarifárias. Este desvio de comércio levaria a uma redução do bem estar nos países que compõem tal bloco, pois haveria a troca de um fornecedor mais eficiente não pertencente ao bloco por um menos eficiente pertencente ao bloco, o qual estaria se beneficiando do diferencial das tarifas externas. A alocação internacional de recursos se tornaria, portanto, menos eficiente, e a produção não estaria seguindo o modelo das vantagens comparativas. O resultado seria uma redução na renda real, principalmente dos países que compõem o bloco. A tabela 6 mostra a direção das exportações da indústria em questão, pelos principais blocos econômicos que participam com o Brasil nesse comércio. A partir da análise desses dados pode-se ver se é possível a caracterização dos efeitos de criação e desvio de comércio no âmbito do Mercosul. 11 Os principais demandantes das exportações brasileiras de máquinas e implementos são o Mercosul, a América Latina (exclusive Mercosul e México) e o Nafta. A União Européia apresentou, ao final do período, um salto no total de máquinas e implementos agrícolas importados do Brasil, assumindo uma posição importante nesse comércio. Tabela 6 - Exportações de Máquinas e Implementos, por Blocos (Em %) Bloco Econ./Ano 1990 1992 1996 1998 U. Européia Nafta 2,6 20,5 1,1 15,5 1,2 6,8 15,3 7,8 Mercosul 29,0 44,8 64 51,3 Am. Latina 14,5 20,65 21,3 17,5 África 7,0 5,3 2,8 2,2 Demais Blocos 26,4 12,65 3,9 5,9 Fonte: Secex/Sistema Alice. É interessante notar a tendência do comportamento das exportações brasileiras de máquinas e implementos para o Mercosul e para o Nafta. Enquanto para o Mercosul verifica-se uma tendência ascendente em praticamente todo o período, o que se vê em relação ao Nafta é uma queda persistente das exportações brasileiras desses produtos. Em 1990 o Mercosul absorvia 29% do total exportado, em 1998 esse percentual subiu para 51%. O mesmo comportamento apresentou a União Européia e a América Latina (exclusive Mercosul e México) que passaram respectivamente de 2,6% e 14.5% de participação no início do período para 15.3% e 17.5% em 1998. Vale lembrar que o salto nas exportações para o Mercosul coincide com o período de estabelecimento de tarifas preferenciais intra-regionais. Este resultado, portanto, poderia ser visto como um indício da ocorrência de desvio de comércio no Mercosul em favor do Brasil, determinado pelo já mencionado diferencial das tarifas externas. Este resultado estaria, dessa forma, seguindo uma tendência mostrada por algumas pesquisas empíricas, segundo as quais os acordos comerciais intra-regionais tendem a gerar inicialmente mais desvio do que criação de comércio (Guimarães, 2000). No entanto, esse desvio de comércio não necessariamente estaria levando a uma redução do bem estar no Mercosul, mesmo que o custo de produção intra-regional seja superior ao do resto do mundo, dado que os consumidores dos países membros passaram, a partir da adesão ao bloco, a obter produtos a preços mais baixos do que antes da entrada deles no bloco (Wannacott & Ltuz, 1989). A análise do comportamento das importações no período permite esclarecer se de fato se caracterizou desvio de comércio em favor do Brasil ou se houve, por outro lado, criação de comércio após a formação do Mercosul. A tabela 7 mostra que da mesma forma que houve uma alteração na direção das exportações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas, as importações desses produtos também apresentaram mudanças de tendência, as quais foram ainda mais bruscas. Verifica-se uma redução muito acentuada da participação Mercosul no total de máquinas e implementos importados pelo Brasil e uma elevação, também muito acentuada, da participação 12 do Nafta no mesmo período. Enquanto o Nafta ampliou em 41 pontos percentuais sua participação no mercado brasileiro nos anos 90, passando de 30% em 1990 para 71% em 1998, todos os outros mercados reduziram sua participação relativa no mesmo período. A União Européia e o Mercosul foram os que sofreram as maiores perdas no mercado brasileiro de máquinas e implementos agrícolas, passaram de 44% e 18% em 1990 para 17.5% e 7.3% em 1998. Tabela 7 - Importações de Máquinas e Implementos, por Blocos (Em %) Bloco Econ./Ano União Européia Nafta Mercosul América Latina Japão Demais Blocos Total 1990 44 30 18 0 6 2 100 1992 40 42,9 5,7 0,05 9,4 1,95 100 1996 31 29,4 6,5 0,4 13,9 18,8 100 1998 17,5 70,6 7,3 0,05 2,8 1,75 100 Fonte: Secex/Sistema Alice. Fica evidente, portanto, que o maior volume de comércio desta indústria ocorre entre o Mercosul e Nafta, que participam de forma diferente neste comércio, ou seja, o Mercosul é atualmente o principal destino das exportações e o Nafta a principal origem das importações brasileiras de máquinas e implementos agrícolas. Enquanto o primeiro resultado parece ser efeito da criação do Mercosul, o último parece ser um reflexo da abertura comercial unilateral brasileira na década de 1990s. Por outro lado, a partir dos dados do International Trade Statistics Yearbook (1997), temos que a Argentina, da mesma forma que o Brasil, ampliou significativamente as importações extra-regionais de máquinas agrícolas. Apesar de as exportações brasileiras de máquinas agrícolas para a Argentina terem aumentado, em termos absolutos, 3,5 vezes ao longo período, em termos relativos, a participação brasileira no total de máquinas agrícolas importados pela Argentina caiu de aproximadamente 45%, em 1992, para algo em torno de 30%, em 1998. Apesar de, em termos relativos, as exportações brasileiras desse setor terem se direcionado em grande medida para o Mercosul, os dados mostram uma expansão tanto intra quanto extra-regional desse comércio (também no caso da Argentina) como uma tendência crescente para as relações comerciais multilaterais, notadamente, no caso do Brasil, com a União Européia, Nafta e demais países da América Latina, o que estaria caracterizando tanto criação como desvio de comércio. Segundo Kume e Piani (2001), é a manutenção de regimes especiais de tributação na importação de bens de capital no âmbito do Mercosul que tem permitido postergar maiores custos do desvio de comércio em favor do Brasil, dada pela sua vantagem de custo em relação aos outros países membros. A presença dos dois aspectos mencionados, criação e desvio de comércio, podem levar a um aumento ou redução do bem estar entre os países membros dependendo da força relativa de cada efeito. Disso decorre que o sucesso dos acordos regionais de comércio, em termos do aumento do bem estar dos países membros, depende da maior criação de comércio em relação ao desvio de comércio causado pelos efeitos renda e preço (Guimarães, 2000). 13 Esse maior intercâmbio comercial da indústria brasileira de máquinas e implementos na década de 90, tanto intra-regional como extra-regional, tem sido extremamente importante em termos do estímulo ao desenvolvimento de novos processos e produtos, dado que o comércio extra-regional é mais exigente com relação aos itens qualidade e preço do que o mercado regional. IV b. Efeitos de Longo Prazo da Abertura Comercial e da Formação do Mercosul Um outro importante aspecto a ser observado é o ambiente no qual uma firma ou indústria está operando. A falta de pressão competitiva, doméstica ou estrangeira, inclina as firmas a expandirem os investimentos físicos em planta e/ou equipamentos enquanto que, a partir da entrada de novos concorrentes no mercado, como ocorreu no Brasil a partir de fins dos anos 80, as firmas passam a redirecionar seus esforços tecnológicos para a produção de produtos diferenciados e redução nos custos de produção, via inovação de produtos e processos. Representantes do setor afirmaram que a liberalização comercial e, conseqüentemente, a necessidade de redução dos custos levaram os produtores a se engajarem em mudanças no processo produtivo como uma forma de aproveitamento de economias de escala ao nível da planta industrial. A conquista de maior flexibilidade no processo de produção proporcionou às empresas do setor uma redução do trade-off entre economias de escala e diferenciação dos produtos. As empresas passaram a adotar também outras modernas técnicas de produção, as quais passaram por modificações organizacionais, automação, células de produção e terceirização de etapas do processo, mantendo as atividades fim. Enquanto para algumas empresas estas mudanças obedeciam a um conjunto de ações permanentes, para outras, estavam nos planos da empresa para serem executadas apenas a médio/longo prazo, mas, em virtude da abertura comercial, tiveram de ser adiantadas ou intensificadas. A criação do Mercosul, como visto na seção anterior, também contribuiu de forma determinante para o aumento da competitividade da indústria brasileira de máquinas e implementos, o que pôde ser constatado através dos ganhos de mercado que esta indústria apresentou em outras regiões, como foi o caso da União Européia, por exemplo. Esse resultado pode ser considerado uma conseqüência dos efeitos de longo prazo da formação de blocos regionais de comércio. Da formação de blocos regionais e a conseqüente redução/eliminação das barreiras entre os membros surge, como resultado, um aumento da competição entre produtores e fornecedores que estimula a adoção de novas tecnologias e o desenvolvimento de novos produtos. Os resultados são, menores custos de produção, menores preços de bens e serviços e novos e mais qualificados produtos, o que significa maior competitividade internacional. No que diz respeito às economias de escala, as firmas, que antes serviam apenas ao mercado doméstico, passaram a ter a oportunidade de fornecer a um mercado ampliado e, portanto, com maiores possibilidades de aumentar as exportações por meio da redução dos custos médios por unidade. Por tudo isto, com a tendência, que tem marcado a economia brasileira desde fins dos anos 80, de mercados cada vez mais abertos, o estabelecimento do Mercosul se mostrou essencial para a manutenção da competitividade comercial da indústria brasileira de máquinas e implementos e de sua posição como exportadora líquida, ao longo dos anos 90. 14 Para entender de forma mais criteriosa os efeitos de longo prazo do engajamento do Brasil na integração econômica com a Argentina, Uruguai e Paraguai, sobre a indústria de máquinas e implementos agrícolas, pode-se utilizar o modelo de concorrência monopolística (Krugman & Obstifeld, 1999). Subjacente a este modelo analítico está a idéia de que o comércio aumenta o tamanho do mercado ao qual se pode ofertar. Com base nisto, o Mercosul eliminaria/melhoraria a opção entre escala de produção e variedade de produtos no âmbito das economias individuais. No entanto, da forma como é posta a questão das economias de escala no modelo de concorrência monopolística, ter-se-ia pouco a dizer sobre padrões de comércio. Isto decorre da suposição de que as firmas individuais desse setor teriam a mesma fatia de mercado e, conseqüentemente, os mesmos custos médios. Em decorrência, com este modelo seria possível determinar apenas quantas firmas, do setor em análise, este mercado ampliado comportaria, sem, no entanto, saber onde tais firmas estariam, ou melhor, quais países do Mercosul mais se beneficiariam do engajamento nessa área de preferências tarifárias. A forma como as economias de escala internas de fato atuaram na redução dos custos médios e, conseqüentemente, no aumento da competitividade da indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas, após a criação do Mercosul, fica evidente apenas quando relaxamos a hipótese de que as firmas do setor, através dos países, têm a mesma fatia do mercado e, assim, os mesmos custos médios. A partir disto, basta tomarmos o fato prontamente observável a respeito das dimensões do mercado brasileiro para esta indústria frente ao da Argentina, seu principal concorrente nesta indústria no Mercosul. Dado que cada empresa vende mais quanto maior for a demanda total pelo produto de sua indústria e quanto maior forem os preços cobrados pelos seus rivais, e ainda, que na indústria em questão a necessidade de produção de uma ampla variedade de produtos é uma realidade, o Brasil, pelo tamanho do seu mercado interno para essa indústria teve maior capacidade de se beneficiar de menores custos médios que qualquer outro país do Mercosul e, portanto, de ter maior competitividade comercial. O exame do impacto de longo prazo da abertura comercial e do estabelecimento do Mercosul sobre o setor de máquinas e implementos brasileiro passa também pelo exame das trajetórias tecnológicas estabelecidas no âmbito dessa indústria ao longo da década de 90. Um modo de avaliar a trajetória tecnológica de uma indústria ao longo do tempo pode ser feita através do cálculo do Índice do Valor Unitário das Exportações (VUX), dado pela razão entre o valor total exportado e o volume total exportado em quilos (Resende e Anderson,1999). A abertura econômica estimula a alocação de recursos que privilegia os seguimentos eficientes, segundo parâmetros de preços internacionais, preterindo-se os menos eficientes. Nesse sentido, o motivo para o uso do índice VUX é que a única razão para um indivíduo consumir um produto de baixa qualidade ao invés de um produto de alta qualidade é se o primeiro possui um preço menor. Portanto, se dois produtos são ofertados ao mesmo preço, todos os indivíduos irão optar por aquele de maior qualidade4. 4 Se assumirmos que os consumidores têm informação perfeita, concluímos que, se um produto de uma firma é vendido a um preço mais alto que o da outra este deve apresentar maior qualidade. Conseqüentemente, um ranking de produtos segundo preço corresponderá a um ranking segundo qualidade (Geenaway e Torstensson,1987. In Resende e Anderson,1999) 15 Tabela 8 - Índice de VUX para a Indústria Brasileira de Máquinas e Implementos ANO 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 VUX 2,14 2,14 1,99 2,63 2,71 3,22 3,55 4,06 Fonte: Secex/Sistema Alice A Tabela 8 mostra que o índice de valor unitário das exportações da indústria brasileira de máquinas e implementos vem apresentando uma trajetória ascendente ao longo de todo o período, passando de 2,14, em 1990, para 4,06, em 1998. Esse resultado evidencia, portanto, o aumento da competitividade internacional dessa indústria nos anos 90. V. Conclusões. A análise dos dados de comércio, do cálculo dos índices de Vantagens Comparativas Reveladas e da taxa de cobertura para indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas confirmou a sua posição comercial diferenciada frente à média da indústria de bens de capital, da qual faz parte, que se mostrou importadora líquida no mesmo período. O volume de comércio dessa indústria cresceu, na década de 1990s, quase 5 vezes, passando de US$ 58 milhões, em 1991, para US$ 231,1 milhões, em 1998. Apesar de ao longo do período o coeficiente de importação para essa indústria ter se expandido proporcionalmente mais do que o coeficiente de exportação, o Brasil se manteve como exportador líquido desses produtos por todo o período, a despeito do ambiente macro-econômico desfavorável. O Mercosul e o Nafta foram os principais blocos econômicos que participaram desse comércio com o Brasil. Enquanto, por um lado, observou-se uma elevação bastante acentuada da participação do Mercosul como principal destino das exportações desses produtos, por outro lado, o Nafta passou a ser o principal bloco de origem das importações brasileiras de máquinas e implementos. Os dados revelaram que a formação do Mercosul não necessariamente determinou a redução do bem estar na região, via desvio de comércio em favor do Brasil. Houve, na verdade, uma expansão do comércio da industria de máquinas e implementos tanto intra-regional como extra-regional. A expressiva elevação do volume de máquinas e implementos importados do Nafta ao longo do período se deve à abertura comercial unilateral por parte do Brasil na década de 1990s. Os estados brasileiros que mais participam desse comércio são os do sul e São Paulo. Dentre esses, o Rio Grande do Sul é o maior exportador e São Paulo é o maior importador. A concentração geográfica dos produtores/exportadores, somada a tradição histórica brasileira na produção desses produtos faz com que o setor se beneficie das economias de escala externas tanto estáticas quanto dinâmicas. Essa proximidade com o mercado consumidor, segundo empresas do setor, possibilitou o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos via interação produtorusuário, que ocorre através das redes de revendas e de assistência técnica, as quais se encontram igualmente concentradas no sul - sudeste brasileiro. Para tirar proveito dessa proximidade, as empresas entrevistadas afirmaram manter laboratórios de P&D para desenvolvimento/aperfeiçoamento de produtos/processos intramuros. Também como um reflexo de um ambiente econômico mais competitivo, as empresas elevaram os investimentos em desenvolvimento de novos produtos e na flexibilização do processo de produção via modificações organizacionais, automação, células de produção e terceirização de etapas do processo, mantendo as atividades fim. A necessidade do conhecimento das características locais aliada ao alto custo do estabelecimento de uma ampla rede de revenda e assistência proporcionam a este setor certo grau 16 de proteção natural. Há fortes suspeitas de que seja esta a explicação para o fato de essa indústria ser formada basicamente por empresas nacionais. A questão da multiplicidade de produtos dessa indústria implica o aumento da importância da escala de produção como forma de baixar os custos médios. Nesse sentido, a dimensão do mercado consumidor brasileiro proporciona a esta indústria posição competitiva diferenciada, principalmente frente a seu maior concorrente no Mercosul, a Argentina. Para se obter um indicador do impacto de longo prazo da abertura comercial e do estabelecimento do Mercosul sobre o setor de máquinas e implementos brasileiro, em termos das trajetórias tecnológicas estabelecidas no âmbito dessa indústria, procedeu-se ao cálculo do Índice do Valor Unitário das Exportações (VUX). Observou-se uma trajetória ascendente desse índice ao longo de todo o período, passando de 2,14, em 1990, para 4,06, em 1998. Esse resultado evidencia, portanto, o aumento da competitividade internacional dessa indústria nos anos 90. 17 Referências Bibliográficas . AMSDEN, A.H.. Asia`s Next Giant. New York. Oxford University Press, 1989 CAVALCANTI, M. A. F. H.; RIBEIRO, F. J. As Exportações Brasileiras no Período de 1977/96: desempenho e determinantes. Rio de Janeiro: IPEA, 1998.(Texto para Discussão, 545). CINQUETTI, C. Companhias Transnacionais e Mudança nas Vantagens Comparativas no Brasil. Araraquara: Mimeo, 2002 DAVID, M. B. A.; NONNENBERG, M. J. B. 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As empresas entrevistadas foram as que seguem: Casale equipamentos LTDA do município de São Carlos, Máquinas Agrícolas Jacto S.A, do município de Pompéia, Marchesan implementos agrícolas S.A e Agri-Tillage do Brasil S.A, ambas do município de Matão. 19 ANEXO I LISTA DE PRODUTOS NBM 8432100100 8432100200 8432100300 8432109900 8432210000 8432290200 8432290300 8432299900 8432300000 8432400000 8432800100 8432809900 8432900000 8433110000 8433190000 8433200000 8433300000 8433400000 8433510000 8433520000 8433530000 8433590100 8433599900 8433600100 8433600200 8433609900 8433900000 DESCRIÇÃO DA NBM ARADOS DE AIVECAS ARADOS DE DISCOS ARADOS DE PONTAS OU DENTES CHARRUAS E OUTROS ARADOS GRADES DE DISCOS ESCARIFICADOR P/USO AGRICOLA CULTIVADORES EXTIRPADORES,ENXADAS E SACHADORES SEMEADORES,PLANTADORES E TRANSPLANTADORES ESPALHADOR DE ESTRUME/DISTRIBUIDOR DE ADUBOS/FERTILIZ. ROLOS/CILINDROS,COMPRESSORES/DESTORROADORES DE SOLO OUTS.MAQS/APARS.AGRICOLAS/HORTICOLAS,P/PREPAR.DO SOLO PARTES DE MAQS/APARS.AGRICOLAS/ETC.P/PREPARACAO DO SOLO CORTADOR DE GRAMA,MOTORIZADO,C/DISP.CORTE PLANO HORIZ. OUTS.CORTADORES DE GRAMA CEIFEIRAS PARA MONTAGEM EM TRATORES OUTS.MAQUINAS/APARELHOS,P/COLHER/DISPOR O FENO ENFARDADEIRA DE PALHA/FORRAGEM INCL.ENFARDA-APANHADEIRA CEIFEIRAS-DEBULHADORAS MAQUINAS/APARELHOS,P/DEBULHA,EXC.CEIFEIRAS-DEBULHADORAS MAQUINAS P/COLHEITA DE RAIZES OU TUBERCULOS COLHEDEIRAS COMBINADAS OUTS.MAQUINAS/APARELHOS,P/COLHEITA/DEBULHA MAQUINAS P/LIMPAR OU SELECIONAR OVOS MAQUINAS P/LIMPAR/SELECIONAR FRUTAS/BATATAS/ETC. MAQUINAS P/LIMPAR/SELECIONAR OUTS.PRODUTOS AGRICOLAS PARTES DE MAQUINAS/APARELHOS,P/COLHEITA/DEBULHA/ETC. Fonte: SECEX/Sistema Alice