UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL LUÍS PAULO SILVA VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876) São Luís - MA 2014 LUÍS PAULO SILVA VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Social (Mestrado Acadêmico) da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota. São Luís - MA 2014 Silva, Luís Paulo. VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coletâneas em São Luís (18541876)/ Luís Paulo Silva. – São Luís, 2014. 240 f. Orientadora: Profa Dra. Antonia da Silva Mota. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do Maranhão, 2014. 1. Varíola 2. Vacina 3. Higiene 4. Discurso médico CDU 981.21 LUÍS PAULO SILVA VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Social (Mestrado Acadêmico) da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota. Aprovado em:____/_____/________. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota- Orientadora Universidade Federal do Maranhão _____________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves Universidade Estadual do Maranhão _____________________________________________ Prof. Dr. Josenildo de Jesus Pereira Universidade Federal do Maranhão Dedico este trabalho à memória daqueles que já foram: Rosalina Silva Gomes (minha mãe) e Militão Alves Silva (meu avô), mas, que continuam sendo minha bússola sempre a procura de um horizonte melhor em minha vida. Aqui desde já meus agradecimentos pelo legado de simplicidade, honestidade, coragem e luta. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pelo amparo em cada passo da minha vida. Ao meu querido filho Gael que em boa parte deste texto chorou, engatinhou e depois subia a mesa próxima ao computador sempre com um sorriso e expressão da graça de criança abençoada iluminando meu dia e minha vida. À minha esposa Raimunda Anésia pelo seu carinho, zelo e dedicação. À minha família, em especial a minha mãe Rosalina Silva Gomes e ao meu avô Militão Alves Silva por me mostrarem que lutar é preciso. Aos meus irmãos Paulo Henrique, Nazaré e Raimunda Nonata que tanto amo e torço pelo sucesso de cada um. Agradeço à generosa orientação da Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota, que acreditou em minha potencialidade como historiador. Aos colegas do Mestrado em História Social da Universidade Federal do Maranhão. A todos os professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão, que contribuíram direta ou indiretamente para o resultado final deste trabalho. À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA) pelo apoio nas pesquisas para a conclusão deste trabalho. Ao setor administrativo do Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) por sempre me receber e auxiliar em minhas pesquisas acadêmicas. E a todos que colaboraram de alguma forma para a conclusão desta dissertação, grato a todos. RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar o impacto da varíola e da prática da vacinação em São Luís durante o período de 1854 a 1876. Apesar da existência de órgãos que visavam à propagação da vacina no país desde o início do século XIX, identifica-se pela documentação relativa às autoridades de saúde pública da Província do Maranhão uma constante resistência da população em submeter-se à vacina antivariólica mesmo em tempos epidêmicos. Por isso, discutir os motivos do receio ou medo da vacina, remetese a uma questão dramática e central dentro do imaginário social do século XIX. Neste sentido, a varíola e suas vacinas possuem elementos significativos que permitem nuançar aspectos do cotidiano dessa sociedade. Identifica-se também uma série de problemas de natureza administrativa e estrutural que dificultaram a implementação de um sistema de vacinação coeso e eficiente na Província do Maranhão. Palavras chave: varíola, vacina, higiene, discurso médico. ABSTRACT This work aims to analyze the impact of smallpox and vaccination practice in St. Louis during the period from 1854 to 1876. Despite the existence of bodies that sought the spread of vaccine in the country since the early nineteenth century, is identified by documentation relating to public health authorities of the Province of Maranhão constant resistance of the population to submit to the smallpox vaccine even in epidemic times. Therefore, discussing the reasons for fear or fear of vaccine, the reader is referred to a dramatic and central issue within the social imagination of the nineteenth century. In this sense, smallpox and its vaccines have significant elements that allow nuanced aspects of daily life that society. Also identifies a number of administrative and structural problems that hindered implementation of a system of cohesive and efficient vaccination in the Province of Maranhão. Keywords: smallpox, vaccination, hygiene, medical discourse. LISTA DE QUADROS Quadro 01: Total de vítimas pela febre amarela em 1851 ..................................................... 102 Quadro 02: Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de 1855 ....................................................................................................................................... 119 Quadro 03: Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril de 1855 .................................................................................................................................. 120 Quadro 04: Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866 ..... 132 Quadro 05: Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875 ................... 139 LISTA DE MAPAS Mapa 01: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de 1820 até 15 de abril de 1826.................................................................................................. 147 Mapa 02: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841 ....... 151 Mapa 03: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855 ....... 166 LISTA DE FIGURAS Figura 01: Varíola benigna ou discreta.................................................................................. 28 Figura 02: Varíola confluente ou grave ................................................................................. 28 Figura 03: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29 Figura 04: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29 Figura 05: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29 Figura 06: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29 Figura 07: Sequelas da varíola .............................................................................................. 30 Figura 08: Método de variolação praticado na China............................................................ 45 Figura 09: The cow-pockor thew onderful effects of the new inoculation. James Gilray (1802) .................................................................................................................................... 159 Figura 10: Gravuras publicadas por George Kikland em 1806 ............................................. 175 LISTA DE SIGLAS APEM - Arquivo Público do Estado do Maranhão FAPEMA - Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão NM - Nanômetro Kbp - Quilobase (em algumas obras kilobase) é a unidade de medida em biologia molecular significando 1000 pares de bases de DNA ou RNA. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12 2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS ................... 17 2.1. Notas sobre a história da varíola..................................................................................... 17 2.2. Etiologia da varíola ......................................................................................................... 25 2.3. Considerações sobre a varíola e suas vacinas ................................................................. 36 2.4. Da vacina para a imunidade ........................................................................................... 47 2.5. Contágio, infecção e miasmas ........................................................................................ 52 3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO ........................... 65 3.1. Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública .......................... 65 3.2. Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de São Luís ........................................................................................................................................ 76 3.3. Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e o hospital dos bexiguentos........................................................................................................ 84 3.4. Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão ..................................................... 93 3.5. A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da Província do Maranhão .......................................................................................................... 100 4. A CIDADE E A MORTE: ESTATÍSTICAS MÉDICAS SOBRE A MORTALIDADE VARÍOLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ....................................................................................................................... 107 4.1. 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís ....................................................................... 107 4.2. 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís .............................................. 126 4.3. Varíola: um caso endêmico em São Luís ....................................................................... 136 4.4. O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as ocorrências das epidemias intertropicais ............................................................................... 141 5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS..................................... 146 5.1. Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão .................................................. 146 5.2. A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos .......................................................... 154 5.3. Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos ................................................................ 173 5.4. Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos ......................................................... 188 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 205 Referencias ............................................................................................................................ 207 Anexos ................................................................................................................................... 225 “Aceita o conselho dos outros, mas nunca desistas da tua própria opinião”. William Shakespeare. 1. INTRODUÇÃO Descrever o caminho desta pesquisa significa antes de tudo apresentar as escolhas feitas durante minha trajetória acadêmica no curso de Graduação em História pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. O fascínio em trabalhar com o discurso médico no século XIX me impulsionou a concluir minha monografia “Os doutores não sabem? Armas e armadilhas do discurso médico no Brasil do século XIX” em 2011, neste trabalho analisei a penetração do discurso médico-higienista dentro da sociedade brasileira durante o século XIX. O anseio em dar continuidade a essa pesquisa me levou a considerar viável o desenvolvimento de um projeto de pesquisa voltado ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão que justificase uma interpretação crítica sobre a recusa da vacina antivariólica no Maranhão durante o século XIX. A princípio minha intenção era privilegiar ao máximo o debate sobre a distribuição e aplicação da vacina antivariólica na Província do Maranhão na segunda metade do século XIX. Entretanto, ao longo das pesquisas tal perspectiva mostrou-se cada vez mais desafiadora, pois mesmo que a Repartição da Vacina do Maranhão levasse os progressos da vacina a várias partes da Província do Maranhão, a varíola sempre reaparecia em caráter epidêmico e mortífero. Sequencialmente esse problema é registrado nas seguintes datas 1854-1855, 1864-1865-1866, 1874-1875-1876 e 18821883. A busca pela problematização de novas fontes de pesquisa juntamente com as orientações da professora Antonia da Silva Mota impulsionou novos arranjos para este trabalho. Em primeiro lugar, percebemos que não iríamos historicizar de maneira precisa à epidemia variólica ocorrida em 1882-18831. Por isso sentimos a necessidade de restringir a pesquisa somente aos anos de 1854 a 1876. Este novo horizonte tem um peso significativo em nossas pretensões, isto porque de fato nossa vontade inicial era de 1 Ao que tudo indica entre as quatro epidemias variólicas vivenciadas em São Luís durante a segunda metade do século XIX, a ocorrida entre os anos de1882-1883 provavelmente foi a mais devastadora. No entanto, existe uma carência sobre o índice real ou próximo das vítimas feitas pela varíola nesses anos. O que podemos extrair de veridico sobre a varíola em 1882 e 1883, é que o discurso médico e as atitudes de caridade e doações aos variolosos foram muito mais frequentes do que as percebidas durante as epidemias variólicas anteriores. De acordo com Jeronimo Viveiros o jornal O Paiz de 1883 descreve essa epidemia variólica como “peste de horrorosas proporções”. Cf. VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992, p. 359. 12 realizar uma análise comparativa entre o quadro de obituários e da vacinação ocorrentes durante as quatro epidemias variólicas citadas acima. Em segundo lugar, sentimos a necessidade de restringir os dados da pesquisa somente à cidade de São Luís, tendo em vista que neste momento dar conta das informações sobre o estado sanitário de toda a Província do Maranhão seria inviável para o resultado final do trabalho. Com este novo cenário, nossa caminhada tornou-se menos tortuosa e mais enriquecedora em relação às fontes utilizadas nesta dissertação, pois, verificamos a existência de um verdadeiro contraponto entre as autoridades de saúde do Império e as autoridades de saúde da Província do Maranhão. Os códices e ofícios relativos à saúde pública da Província do Maranhão, por exemplo, sugerem que entre os anos de 1854 a 1876 havia uma verdadeira falta de consentimento sobre as leis, decretos e normalizações de medidas higiênicas e profiláticas no combate aos surtos epidêmicos. A administração local era grotescamente vacilante em seu comportamento e empenho no combate as doenças perniciosas ao homem. Sendo a varíola um dos nossos objetos centrais de reflexão, partimos do princípio que sua história foi construída pelo homem, neste sentido um dos nossos objetivos será o desenvolvimento de uma análise interpretativa sobre as estratégias de cura em relação à varíola. Nesta perspectiva de análise iremos verificar não apenas a ação do discurso médico higienista2 em São Luís, mas também o modo de como médicos e autoridades maranhenses adotaram medidas higiênicas e profiláticas visando maior controle sobre as doenças e os espaços considerados como “insalubres”. É importante destacar que a motivação primordial para as medidas higiênicas era o controle sobre o corpo, tornando este dócil e mensurável. Neste enredo, a vacina antivariólica acenava como a possibilidade real de ser o elemento positivo do conjunto das inovações médicas científicas que ocorreram durante os séculos XVIII e XIX, não apenas no controle e diminuição das moléstias perniciosas ao homem, mas no próprio controle sobre o corpo. 2 Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso médico higienista, suas propostas residiam na defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene, e sua transformação em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas com objetivo de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade. Segundo Lilia Schrwarcz foi a partir de 1870 que os médicos emergiram no Brasil como uma nova elite intelectual em defesa da vida e da ordem pública do país. Cf. SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas. Instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 28; Entretanto, autores como Gilberto Hochman e Nízia Lima consideram que o discurso médico higienista surgiu no Brasil de fato entre 1910 e 1920 com as primeiras campanhas nacionais de salubridade pública. Cf. HOCHMAN, Gilberto & LIMA, Nízia. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira república. In: Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996. 13 Sendo assim, a vacina antes de ser um preservativo para a vida era um atestado do poder legítimo dos médicos e da medicina oficial sobre a sociedade3. Dessa forma a prática da medicina oficial constituía-se como uma verdadeira arena de disputas pelo discurso legítimo, interpolando os médicos em um misto de intelectual e missionário no domínio das mentes e corpos hígidos. Por isso temos como proposta central discutir os argumentos positivos e negativos em relação à vacina contra a varíola, analisando, sobretudo falas e discursos de médicos e autoridades da saúde contemporâneas à questão4. Entender este problema no período que se estende aos anos 1854 a 1876 torna-se mais desafiador, pois como já foi dito, neste intervalo a capital da Província do Maranhão fora assolada sequencialmente por três epidemias variólicas. Esta pesquisa também tem por objetivo abordar o impacto mortuário causado pelo ciclo das epidemias variólicas vivenciadas em São Luís5, pois tendo em vista que mesmo a varíola sendo uma moléstia de natureza peculiar, por dar imunidade ao indivíduo após sua primeira infecção, ainda assim a mesma foi uma das moléstias que mais ceifou vidas em São Luís na segunda metade do século XIX. Para constatar tal suspeita, iremos analisar os registros anuais de óbitos da cidade de São Luís. Visamos também abranger as condições de higiene e salubridade pública durante o período citado, demonstrando a inter-relação das atitudes governamentais frente aos problemas de ordem higiênicos e sanitários enfrentados pela população de São Luís. Para o alcance de tais fins, optamos por dividir o trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo “Uma página na história para a varíola e suas vacinas”, realizamos apontamentos sobre a história da varíola e suas vacinas, descrevendo os 3 Segundo Eliézer Cardoso a vacina antivariólica era uma prática médica inovadora em relação à medicina popular e às práticas médicas pré-pasteurianas. Segundo o mesmo antes do século XIX, a medicina oficial preocupava-se mais em expulsar humores do corpo do que colocar nele substâncias estranhas, com o advento da vacina antivariólica o método da técnica da escarificação foi sendo aperfeiçoado ao longo do tempo. Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p. 955. 4 Segundo Eliézer Cardosoo poder curativo da vacina antivariólica não era a mesmo desde os anos 1830. Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p. 954; Anny Jackeline Torres Silveira e Rita de Cássia Marques sugerem uma resistência popular contra a vacina. Cf. SILVEIRA, Anny Jackeline Torres; MARQUES, Rita de Cássia. Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas Gerais (Brasil) no século XIX. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, p. 393. 5 De acordo com Georges Duby durante a Idade Média a população européia foi reduzida pelo menos em um terço em virtude da peste, o que livrou segundo o autor a Europa de um substancial aumento de sua população. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 89. 14 diferentes tipos de virulência da varíola e suas ocorrências, bem como a identificação desta como doença de caráter infecto-contagionista. Neste capítulo, também apontamos que a vacina antivariólica a ser analisada e discutida ao longo do texto, será a “vacina jenneriana ou humanizada”. No segundo capítulo “A legislação sanitária na Província do Maranhão”, promovemos uma discussão sobre as bases epistemológicas do discurso médico higienista da sociedade ocidental na segunda metade do século XIX, onde a influência da higiene era a principal característica nas reflexões e decisões médicas deste período. Por isso refletir sobre as estratégias de convencimento, em que somente a higiene com o auxílio da medicina cuida dos corpos e do espaço citadino, torna-se uma prerrogativa importante e necessária para o entendimento das ideias de transmissibilidade, adoecimento e cura nesta sociedade. No terceiro capítulo “A cidade e a morte: estatísticas médicas sobre a mortalidade variólica em São Luís na segunda metade do século XIX” analizamos o impacto mortuário causado pelas epidemias de varíola em São Luís, verificando suas trajetórias e as condições topográficas e sociais que favoreceram a proliferação da moléstia, a ponto desta ser considerada endêmica em São Luís durante o século XIX. No quarto capítulo “A vacina é a doença? Vacina e vacinophóbicos” procuramos realizar um debate sobre a constituição e durabilidade da vacina, assim como sua rejeição por grande parte da população e pelos próprios médicos e comissários vacinadores. A suspeita de que o método utilizado na inoculação da vacina antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis ou “avacalhar” os vacinados, produzia colorações cinzentas a respeito de sua eficácia. Neste capítulo, também iremos realizar apontamentos sobre outras possibilidades de tratamento e cura da varíola em épocas epidêmicas que não fosse à vacina. Quanto à documentação consultada6, esta é extensa e diversificada, o que acaba por ter um peso positivo no resultado final do trabalho. Foram consultados ofícios, relatórios e, sobretudo mapas de vacinação de autoridades da saúde pública ligadas à Secretária de Governo da Província do Maranhão com vistas a se obter informações sobre as condições de saúde e salubridade urbana da cidade de São Luís na segunda metade do século XIX. A documentação citada também fornece dados que contribuem para um estudo do comportamento social da população em relação à vacina. 6 Em relação à documentação consultatda optamos por manter a escrita original de algumas fontes e referencias. 15 Infelizmente alguns mapas de vacinação e relatórios sobre a vacina encontramse completamente corroídos e danificados pela ação do tempo. Mas a ausência de alguns dados não compromete de forma alguma a eficácia da pesquisa e a familiaridade com as questões. Para isso, utilizaremos os relatórios provinciais como alternativa de viabilizar projeções e cruzamentos entre hipóteses políticas e sociais da época. O uso desse tipo de documentação tem outra vantagem, como iremos tratar especificamente de informações sobre a vacinação e salubridade, é perfeitamente cabível o uso de cálculos percentuais como auxílio no levantamento final dos dados. A legislação provincial do Maranhão não poderia ficar de fora nesta análise, decretos e regulamentos da Província constituem um excelente acervo sobre os atos obrigatórios impostos tanto à sociedade quanto para as autoridades públicas competentes, determinando quais as regras a seguir dentro da sociedade de forma a não perturbar o bem-estar público. Os Códigos de Postura de 1842 e 1866 são outra fonte de pesquisa imprescindível para este trabalho, os mesmos compõem um valiosíssimo mecanismo institucional para o entendimento do controle social por meio da higiene. Jornais e periódicos médicos do século XIX também serão usados em nossa análise metodológica. Por meio deles podemos contemplar a sequência dos fatos e as atitudes tomados pelas autoridades de saúde frente aos problemas oriundos das epidemias variólicas. Faremos uso de notícias e artigos científicos sobre a varíola e suas vacinas. Destaco em especial a coletânea de 22 artigos científicos do Dr. Pedro Franco Affonso publicados pelo jornal O Paiz em 1887. Nestes artigos o Dr. Pedro Franco Affonso expõe questões fundamentais sobre a varíola, a origem das vacinas contra a varíola, assim como seus progressos e degeneração. Sobre a estrutura do texto, esta se fez por pura investigação empírica, estratégia que tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que o leitor poderá acompanhar simultaneamente o processo de descoberta do tema, seus problemas e suas soluções. A desvantagem consiste na sensação frequente de incompletude de algumas lacunas existentes no texto em decorrência do estilo narrativo ancorado na fragmentação das fontes. 16 2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS 2.1 Notas sobre a história da varíola Segundo os registros históricos as primeiras vítimas humanas pela varíola provavelmente viveram nas áreas de concentração agrícola na Ásia ou na África, há aproximadamente 10.000 anos a.C. Após este episódio a varíola espalhou-se pelo mundo sempre acompanhando o ritmo das migrações humanas7. O historiador americano William McNeill destaca que em 500 a.C. os patógenos virais começaram a ter influencia no crescimento das populações da Ásia e da Europa. Os microparasitários da difteria, influenza, caxumba e da varíola começaram a ser transmitidas rapidamente entre os humanos, sem necessidade de hospedeiros intermediários.8 Estudos indicam que as marcas na face mumificada do faraó egípcio Ramsés V (1160 a.C.) da décima oitava dinastia egípcia são consequência da varíola, quanto ao registro do primeiro surto epidêmico variólico provavelmente este aconteceu no ano de 1700 a.C. na China, com o nome de “tai-tu”.9 Tucídides descreve a ocorrência da varíola em Atenas por volta de 430 a.C., Diodorus Siculus descreve uma doença similar atacando o exército cartaginês no cerco a Siracusa em 396 a.C. No ano 312 de nossa era, a varíola foi registrada em caráter epidêmico na cidade de Roma. Historiadores e epidemiologistas parecem concordar que, ao fim do século VI, a varíola tenha se tornada epidêmica na Arábia, espalhando-se pelo mediterrâneo indo até a Europa, as epidemias relatadas na Itália e França, em 570, por Marius, bispo de Avenches, e por Gregório de Tours em 581, ratificam esta hipótese. A partir do ano de 675, ela é registrada na Irlanda e, posteriormente, na Espanha, onde a introdução da doença é atribuída aos invasores sarracenos.10 7 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357. 8 No início das primeiras áreas de concentração agrícola na Ásia e na África os humanos compartilharam algo em torno de 65 doenças infectocontagionistas com cachorros, 50 com os bovinos, 46 com ovelhas e cabras, 42 com porcos, 35 com cavalos e 26 com aves domésticas. Esses animais se juntaram aos humanos na disseminação das doenças. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor Books, 1971, p. 12. 9 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357. 10 Id. Ibid., p. 357. 17 De acordo com Carlos Guido Levi e Georges Kallás o bispo Marius foi quem citou a palavra varíola, possivelmente derivada do latim varius (moteado, salpicado) ou varus (granilho), ou simplesmente pintado, pontilhado11. O tratado de “Razes Abu Barrk El Razi” do início do século X foi o primeiro a caracterizar os aspectos clínicos e a evolução da doença de maneira empírica12. Na Inglaterra o termo poc ou pocca descrevia a varíola. Daí por diante o termo pockes foi utilizado para designar a incidência da moléstia. O prefixo small foi adicionado no final do século XV para diferenciar a varíola da sífilis, que era denominada na época como greatpox. Na França, a varíola foi chamada de petite vérole, e na Alemanha de pocken.13 Durante o século XVII a varíola começou a ser reconhecida puramente como doença de caráter epidêmico, a Inglaterra foi à primeira nação a admitir por meio de boletins de mortalidade impressos em Londres que a enfermidade era distinta, com certa regularidade nos registros de obituário médico, e com crescente gravidade. Estima-se que na Europa durante o século XVIII morreram por varíola mais de 60 milhões de pessoas, somente em Paris no ano de 1707 morreram 14 mil pessoas sobre sua influencia.14 De acordo com as estatísticas apresentadas por Wilhelm Von Drigalski entre 1707-1709 a Irlanda sofreu sucessíveis ataques epidêmicos da varíola, nessa mesma época, Roma também sentiu os efeitos nefastos da varíola. Em 1796 houve um terrível surto mortífero da moléstia na Rússia e entre 1790-1800 foi a vez da Alemanha sofrer com a incursão constante da varíola.15 A varíola também foi recorrente em toda a França durante a Guerra FrancoPrussiana em 1870. Entre 1893 e 1897, um ciclo de epidemias variólicas custou à soma de mais de 275 mil vidas na Rússia. Em 1900 nos Estados Unidos, a varíola teve que ser encarada como doença de caráter epidêmico com ocorrência de 700.000 casos, em 1919 e 1920 a varíola foi reinante na Itália e Portugal. E ainda no século XX, apareceram muitos casos na União Soviética, 102 mil casos em 1919, 57.590 casos em 1920, 71.605 11 Id. Ibid. NUTTON, Vivian. Ascenção da Medicina. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p.60. 13 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p.357. 14 BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1956, p. 243. 15 DRIGALSKI, Wilhelm Von. O homem contra os micróbios. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959, p. 22. 12 18 casos em 1921 e 25.047 casos em 192216. Também em 1920 a varíola era considerada endêmica na África, Ásia (Índia, Paquistão e, sobretudo Burma e Indochina), América (México, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Paraguai e Brasil).17 Historiadores apontam que a varíola foi fundamental no processo de conquista das Américas, tendo em vista que a mesma ainda não era conhecida no continente antes da chegada dos europeus, quando apareceu, provocou devastadoras epidemias, chegando a exterminar por completo tribos inteiras. Crosby sugere que a varíola teria cruzado o Atlântico no final de 1518 ou no início de 1519, e durante os quatro séculos seguintes desempenhou um papel tão essencial quanto à pólvora no avanço do imperialismo ultramarino18. Na opinião de Jeanette Farrel o isolamento do continente teria contribuído para a ausência de imunidade dos nativos em relação à varíola, explicando assim sua rápida expansão e a alta taxa de mortalidade.19 Segundo Junior Toledo provavelmente a varíola foi introduzida nas Américas em 1507, quando ocorreram os primeiros casos na ilha de Hispaniola, a partir desse caso, a moléstia se alastrou por todo o território, ceifando mais da metade da população indígena de todo o arquipélago20. O exército liderado por Hernán Cortez teria reintroduzido a varíola na América logo no início da conquista espanhola em 1520. Toledo explica que na América, a varíola foi uma das piores heranças dos colonizadores, estima-se que mais de três milhões de nativos morreram da doença, o que certamente facilitou a conquista dos espanhóis.21 De acordo com Cristina Brandt Gurgel e Camila Pereira da Rosa há controvérsias sobre os dados estatísticos oficiais ocasionados em decorrência da varíola no período da conquista da América. Segundo as mesmas, diferentes estudos defendem uma redução de 25% até fastigiosos 96% no número de habitantes indígenas na América Central entre 1492 a 165022 23 . Luís Felipe Alencastro explorou esta questão 16 BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 244. 17 Id. Ibid., p. 244. 18 CROSBY AW. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa (900-1900). São Paulo: Companhia das Letras,2000, p. 192. 19 FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 48. 20 TOLEDO JR., Antônio Carlos de. Varíola: a morte da grande assassina. In: TOLEDO JR., Antônio Carlos de. (org.). Pragas e epidemias: histórias de doenças infecciosas. Belo Horizonte: Folium, 2006, p. 22. 21 Id. Ibid., p. 22. 22 GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, p. 390. 19 em torno das conexões entre as margens do Atlântico e do fortalecimento de regiões localizadas ao sul da América Portuguesa, reservando espaço importante para o estudo da mortalidade e das doenças nas margens do atlântico. Uma das variantes utilizadas pelo autor é a existência de uma “unificação microbiana do mundo”.24 De verdade, a vulnerabilidade dos índios ao choque epidemiológico resultante da união microbiana do mundo completada pelos descobrimentos constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e, inversamente, facilitou o incremento da escravidão negra.25 Contudo é errôneo responsabilizar apenas a varíola pelo tenebroso quadro de redução da população nativa das Américas. Sem dúvida alguma ela exerceu um papel importante, colaborando com sucessivas tragédias epidêmicas em todo o continente americano. Entretanto, é sabido, que a frequência epidêmica das febres perniciosas, do escorbuto, da cólera morbus, da febre amarela e até mesmo da fome também contribuíram para este cenário desolador. Em 1640, a varíola penetrou na América do Norte, durante esse período os índios de Massachusetts e de Narragansett, que somavam cerca de 40 mil em 1633, sofreram grande redução em virtude da presença da varíola. O México foi um dos países da América Central que mais sofreu com ataques mortíferos da varíola. As principais epidemias aconteceram nos anos de 1763, 1779 e 1797, sendo que em 1802 toda a América Central sofreu com violentos ataques da moléstia.26 As epidemias variólicas mais mortíferas que atingiram as Américas em seu período colonial foram às observadas na parte sul do continente, pelo fato de ali se concentrar a maior população indígena da época. A varíola penetrou na parte sul da América por volta do ano de 1588, no Peru as epidemias que assolaram os anos de 1720 23 William McNeill correlaciona a incidência das doenças à história política e cultural de populações específicas, demostrando que a circulação de determinadas doenças como a varíola afetaram as relações humanas. Este autor destaca, sobretudo, o papel das doenças infecciosas (cólera, febre amarela, peste, sífilis e varíola) sobre os processos de natureza histórica. Em seu entendimento, as doenças infecciosas seriam um dos parâmetros fundamentais e determinantes da história da humanidade. Como exemplo, ele aponta que a história da conquista da América seria incompreensível sem a percepção do papel que as epidemias de varíola sempre estiveram por dizimar as populações nativas e propiciando a vitória dos espanhóis. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor Books, 1971, p. 13. 24 A época das grandes navegações e consequentemente o descobrimento do novo mundo fomentou a proliferação patogênica das doenças infectocontagiosas em todo o globo. Cf. ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.133. 25 ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 133. 26 BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 244. 20 e 1729 são consideradas as mais arrasadoras, supõe-se uma mortalidade de 30% a 50% entre os nativos dos Andes somente nos primeiros meses após o contágio.27 Em relação ao Brasil, provavelmente a varíola chegou em 1555, introduzida pelos calvinistas franceses que haviam ali fundado um pequeno núcleo populacional no Rio de Janeiro28. Em 1561, a doença teria chegado à Bahia através de uma nau que trazia bexiguentos a bordo, dois anos mais tarde em 1563 ocorreu o primeiro surto variólico de grande escala. Este surto surgiu por uma ocasião inesperada, isto porque um surto variólico iniciado em Portugal em 1562 teve repercussões trágicas atingindo a costa brasileira. O primeiro local atingido foi a ilha de Itaparica na Bahia, em menos de um ano, a doença foi reintroduzida em Ilhéus. Dali se espalhou por toda a costa brasileira propagando-se para as capitanias de Pernambuco e de Piratininga, em especial nos aldeamentos e missões fundadas pelos jesuítas, fazendo grandes estragos em 156429. Calcula-se que entre 1563 a 1564 esse surto epidêmico tenha vitimado cerca de 30.000 índios.30 Em 1597, novamente a varíola fez enormes estragos entre a população indígena da Bahia. Em 1617, a varíola apareceu em Olinda, em 1641 novamente na Bahia, também em 1641 o Rio de Janeiro conhece as primeiras notícias de que a varíola teria originando-se pela importação de escravos do quilombo dos Corvos, lugar de importação de escravos da África para a costa brasileira, a partir desse ocorrido a varíola passa a ser associada ao tráfico de escravos31. Em 1666 a varíola se fez presente em Salvador, e no ano de 1695 a varíola foi epidêmica no Rio Grande do Sul.32 O século XVII testemunharia outros desastrosos surtos variólicos em diversas partes do Brasil, como os de 1621, 1631, 1642, 1662-1663, 1665-1666 e 1680-1684, todos iniciados nas capitanias ao norte, então principal pólo econômico do país33. A varíola teria sido ainda objeto do primeiro livro escrito sobre a medicina no país, “O 27 Id. Ibid., p. 244. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 390-391. 29 Na época este surto epidêmico ficou conhecido como o açoite do Senhor, nome dado à epidemia segundo os relatos do padre Leonardo do Valle. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 387-399. 30 GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, p. 392. 31 Id. Ibid., p. 393. 32 Id. Ibid. 33 Id. Ibid., p. 394. 28 21 Tratado Único das Bexigas e Sarampo”, de Simão Pinheiro Mourão, publicado em Lisboa em 168334. Para Stefan Ujvari nos tempos coloniais a varíola foi utilizada com propósitos de conquista e expansão pelos portugueses, segundo este autor tribos indígenas de origem goitacá, foram quase que varridas do mapa por repetidos surtos variólicos: Os goitacás moravam em palafitas nas áreas pantanosas da região dos rios Paraíba do Sul e Itabapoana. Extremamente violentos, constituíam tribos difíceis de ser combatidas e permaneceram na região do campo de Goitacás por muitos anos. Até o dia em que os portugueses descobriram um meio de vencer os 12 mil índios resistentes usando a varíola como arma bacteriológica. No final do século XVIII, esses nativos foram dizimados por uma epidemia da doença espalhada entre eles de maneira proposital pelos portugueses.35 Von Martius descreve que a varíola sempre se apresentou em caráter devastador entre os índios das terras brasílicas. Para ele a varíola era completamente desconhecida pelos gentios antes do povoamento português tendo por isso se alastrado com grande virulência e pestilência entre as sociedades indígenas de todo o Brasil, não discriminando sexo e idade. Valendo-se disso, os colonizadores portugueses utilizaramse das bexigas36 como uma verdadeira “arma bacteriológica” para a conquista do território.37 Narrativas semelhantes, também podem ser verificadas no Maranhão. De acordo com Mércio Pereira Gomes em 1815 os índios Canelas Finas que habitavam regiões próximas a Caxias foram atacados por um surto variólico, a origem do surto seria a manipulação de brindes e roupas contaminadas por varíola e distribuídas aos nativos da região38. Jairo Nascimento da Silva aponta que as bexigas eram popularmente conhecidas entre os índios do Pará pelo termo “mereba-ayba”39, sendo muitas vezes utilizadas para fins nefastos. Para Mário Martins Meireles entre as moléstias infecto-contagionistas foi à varíola que mais ceifou vidas nesse período no 34 FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2.São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991, pp. 157-158. 35 UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias: a convivência do homem com os microorganismos. 2 ed. Rio de Janeiro: Senac, 2003, p. 107. 36 Durante os séculos XVII, XVIII e XIX a varíola era conhecida populamente como doença das “bexigas”, em algumas situações a expressão “mal da bicha” também era utilizada para designar a varíola. 37 MARTIUS, Von. Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros (1844). In. MARTIUS, C. F. & SPIX, J.B. Viagem pelo Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1861. 38 GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 34. 39 SILVA, Jairo de Jesus Nascimento da. Da Mereba-ayba à Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular em Belém do Pará, 1884-1904. 148f. Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal do Pará, 2009, p. 14. 22 Maranhão40. Raimundo Palhano enfatiza que a varíola foi uma das doenças mais mortíferas da história do Maranhão Colonial41. Infelizmente os registros primários e literários que relatam a densidade real do impacto demográfico causado pelas epidemias variólicas no Maranhão no período Colonial são escassos, o que se supõe, é que as epidemias variólicas dos tempos coloniais causaram estragos principalmente entre os índios da região. Sequencialmente a varíola é registrada no Maranhão nos anos de 1621, 1661, 1662, 1695, 1703, 1724, 1725, 1730, 1776, 1784, 1785, 1787, 1788, 1799, 1805, 1813, 1820, 1821, 1837, 1838, 1854, 1855, 1864,1865, 1874, 1875, 1876, 1883 e 188442 43 . Teodorico Constantino Chermont em suas Memórias dos mais terríveis contágios de bexiga e sarampo deste Estado, aponta que nada mais nada menos houve uma sucessão de pelo menos dez aparições do “mal da bicha” no Maranhão entre 1724 a 1776.44 O Dr. Manuel Rodrigues de Oliveira (primeiro cirurgião-mor da Capitania do Maranhão) escrevera na Folha Medicinal do Maranhão45 de 1822 que a varíola tem 40 MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo: Siliciano, 2001, p. 196. PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 147. 42 As datas referentes aos surtos variólicos de 1621, 1662, 1695, 1703, 1724, 1730, 1776, 1785, 1787, 1799 e 1813 ocorridos no Maranhão foram obtidas junto às informações fornecidas por MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 201-236; os surtos variólicos de 1661, 1724 e 1725 foram obtidos junto as informações fornecidas por CHAMBOULEYRON, Rafael et al. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, p. 987-1004; os surtos variólicos de 1838, 1855 e 1884 foram obtidos junto as informações fornecidas por MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 486; os surtos variólicos de 1805, 1820 e 1821 foram obtidos junto a PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146; os surtos variólicos de 1784, 1788, 1837, 1854, 1855, 1864, 1865, 1874, 1875, 1876, 1883 foram obtidos junto aos resultados provenientes desta pesquisa. 43 Nos anos de 1743, 1744, 1747, 1748 a varíola reinou no Pará em caráter epidêmico, no entanto, até o momento não existem fortes evidencias de que a mesma reinou no Maranhão em caráter epidêmico nestes respectivos anos. Cf. CHAMBOULEYRON, Rafael et al. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, pp. 987-1004; Segundo César Marques a varíola também reinou em caráter epidêmico em São Luís nos anos de 1867, 1868, 1870, 1871. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 486. No entanto, de acordo com as pesquisas realizadas para este trabalho, nestes respectivos anos a varíola não se fez presente em caráter epidêmico ou em sua forma maior “varíola confluente”, apenas há indícios de casos pontuais de varicela, sem citação de epidemia. 44 MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 212. 45 Segundo Joffre Marcondes de Rezende a Folha Medicinal do Maranhão foi o primeiro periódico médico do Brasil editado em São Luís. O primeiro número data de 11 de março de 1822, cinco meses após a chegada da primeira tipografia ao Maranhão que fora importada diretamente da Inglaterra pelo governador da província, Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Neste número, o Dr. Oliveira anunciava o seu propósito de “definir e descrever cada uma das principais moléstias desta província, que mais a afligiam e a despovoavam e indicar os métodos curativos”. A Folha Medicinal do Maranhão teve duração efêmera. Foram publicados ao todo catorze números, o último dos quais em 10 de junho de 1822, sem que se cumprisse o ambicioso projeto de seu fundador. Foi a mesma acerbamente criticada pelo 41 23 sido a moléstia mais recorrente no Maranhão desde os tempos coloniais46. Meireles relata o descaso das autoridades em relação à saúde pública durante seu período colonial. O autor relata os pedidos da Câmara de São Luís em 1719 para a Coroa portuguesa, solicitando “pelo amor de Deus a remessa de médico, boticário e de um cirurgião aprovado47”. De fato não existia um serviço regular de atendimento e de transferência de médicos no Maranhão Colonial. Entre o primeiro cirurgião da capitania do Maranhão e o segundo, passaram-se praticamente meio século.48 Referindo-se a epidemia de varíola de 1621, que grassou sobre toda a população de São Luís, Meireles relata o seguinte: Inúteis os tiros de bombardas com que, do forte para o céu, se pretendia defender a vila, purificando-lhe os ares empestados com a fumaça de muita pólvora, os fogachos de alcatrão e as fogueiras de lenha de mangue que se acendiam nos quintais e nos chãos vazios para afugentar os miasmas que andavam nos ventos, os banhos de cheiro, com ervas aromáticas, com que se procurava refrescar, nos pestosos, a crosta de lixa das peles em fogo.49 A epidemia variólica de 1621 foi tão severa que as classes mais ricas dos habitantes da capital, se sentindo ameaçadas pela doença, prometiam construir igrejas no intuito de apaziguar o que segundo eles seria um “surflágio da ira de Deus”. O Capitão-Mor Diogo da Costa Machado (1619/22) teve que apelar para maior graça divina, prometendo à Santíssima Virgem erguer, à sua própria custa, um templo, sob sua invocação, se mais uma vez acudisse aos maranhenses, debelando a epidemia que ameaçava dizimá-los. E, como forma de cumprir esta promessa, foi construída, em 1677, a igreja de Nossa Senhora da Vitória, a primeira matriz da cidade.50 Raimundo Palhano ao referir-se sobre as epidemias variólicas de 1787 e 1788 que assolaram a cidade de São Luís acaba por descobrir o mesmo comportamento. padre José Gonçalves Ferreira da Cruz Tezinho, em uma publicação satírica intitulada Palmatória Semanal, em virtude da pobreza de conteúdo do jornal, que pouco ou nada continha de assuntos médicos. Por não haver cumprido com seu propósito inicial Lycurgo Santos Filho e outros historiadores da medicina do Brasil não consideram a Folha Medicinal do Maranhão como o primeiro periódico médico brasileiro, conferem este título simbólico ao “O Propagador das Sciencias Medicas ou Anaes de Medicina, Cirurgia e Pharmacia; Para o Império do Brasil e Nações Estrangeiras, Seguidos de um Boletim Especialmente Consagrado às Sciencias Naturaies, Zoologia, Botânica etc.”, jornal fundado no Rio de Janeiro por José Francisco Xavier Sigaud em 1827. Cf. REZENDE, Joffre Marcondes de. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. O primeiro periódico médico do Brasil. São Paulo: Editora Unifesp, 2009, pp. 385-387. 46 MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 220-221. 47 Id. Ibid., p. 214. 48 De acordo com Mário Martins Meireles o primeiro cirurgião de São Luís foi o Dr. Thomas de Lestre, o segundo cirurgião de São Luís foi o Dr. Antônio Carvalho. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Op. Cit., pp. 199-203. 49 Id. Ibid., p. 209. 50 Id. Ibid. 24 Ao longo do período de 1787 e 1788 as epidemias de varíola se tornaram muito frequentes. Em 1787-88, chegou tão violenta a epidemia que a Câmara recorreu ao Governador, solicitando um médico para a Capital, oferecendolhe a elevada soma de 400$000 réis por um ano de trabalho. O Governador, vendo que o mal não se debelava, em 25 de abril de 1788, pediu à Câmara Municipal que recorresse à misericórdia divina, através do bispo diocesano, a quem solicitava três dias de preces e uma procissão a São Sebastião.51 O apelo a Providencia divina será perceptível em outras oportunidades em que a varíola foi reinante em São Luís, mais especificamente nos anos de 1855, 1865 e 1883, datas em que novamente a varíola reapareceu em caráter epidêmico e para combatê-la, recorria-se às preces e até as promessas de construção de igrejas. 2.2 Etiologia da varíola Entre os séculos XVIII e XIX a varíola foi considerada uma das doenças infecto-contagiosas mais difundidas em todo o mundo. Somente no século XVIII ela vitimou mais de 60 milhões de vidas. Antes da época da introdução da vacina jenneriana, 95% dos expostos contraiam a doença, com letalidade de 30% (em algumas situações sua letalidade alcançou 80% das vítimas).52 Os números ratificam que a varíola foi uma das doenças mais mortíferas na história da humanidade. Ela geralmente ocorria na forma epidêmica, sua transmissibilidade poderia dar-se por meio das secreções das vias respiratórias, das mucosas do enfermo, por roupas e objetos contaminados e da própria exposição das lesões da pele do enfermo ao ar livre53. A varíola apenas poderia ser transmitida pelo ar a curtas distâncias, sobretudo em ambientes fechados, sabia-se ainda que o período de 51 PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146. 52 A mortalidade alcançada pela varíola em seus surtos epidêmicos era comparável à mortalidade apresentada pelos surtos da cólera morbus e da peste. Estatisticamente sabe-se que a varíola foi uma das doenças mais mortíferas do século XIX, sua ocorrência neste século dava-se principalmente em sua forma mais aguda “varíola maior ou confluente”. Essa realidade mudou no século XX, neste século predominou a varicela que tinha um índice de mortalidade bastante inferior aos casos de varíola aguda. Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55. 53 Ainda no século XIX estudos foram realizados em Copenhagen (Dinamarca) utilizando as listas anuais de obituários. Entre 1749 até 1798, ou seja, um intervalo de cinquenta anos, a varíola vitimou aproximadamente 210. 158 mil indivíduos. Entre 1802 (época da introdução da vacina jenneriana no país) até 1819 foram 73.000 indivíduos mortos pela varíola. Cf. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume II. A vaccinação e a revaccinação como fonte de grandes benefícios para a humanidade. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877, p. 270. 25 incubação era de 7 a 16 dias, podendo existir variações de 7 a 19 dias ou de 10 a 14 dias dependendo do grau de virulência da moléstia.54 Etimologicamente ela caracterizava-se por uma súbita febre, passando por calafrios, cefalagia, raquialgia, e intensa prostração, que perduravam por três ou quatro dias. Após o termino desses sintomas, ocorria uma queda da temperatura dando início às erupções até o aparecimento das crostas variólicas que secavam e se destacavam, ao término da terceira semana. As erupções variólicas eram generalizadas, porém sua frequência era mais intensa na costa, peito, braço, antebraço e principalmente no rosto.55 Carlos Machado salienta que a transmissibilidade da varíola se dá predominantemente entre a primeira semana de incubação, porém este prazo pode se estender para as quatro primeiras semanas de infecção. De acordo com esse pesquisador. A transmissão da varíola dá-se por contato direto. Ao findar o período padrâmico e ao iniciar-se o período exantemático, o vírus passa a estar presente nas secreções das vias respiratórias superiores; a concentração do vírus na orofaringe é máxima nos primeiros dias do período exantemático. O agente infeccioso encontra-se também nas lesões cutâneas, inclusive nas crostas. Além da transmissão através das gotículas de Flügge, deve também ser considerada transmissão indireta, por intermédio de partículas veiculadas pelo vento.56 Apesar de ser popularmente conhecida como “bexigas” nos séculos XVIII e XIX, existiam de fato três tipos de ocorrências variólicas distintas. O primeiro deles era a varíola clássica, também conhecida como varíola maior ou confluente e que se constituía como doença grave com letalidade de 20% a 30%57. O segundo tipo seria a varíola hemorrágica, a qual era mais letal e perigosa do que a varíola confluente, caracterizando-se pelo aparecimento de manchas púrpuras e hemorragias cutâneas, vitimando o indivíduo em três ou quatro dias após a infecção e contágio (geralmente antes que se manifeste a erupção típica). O terceiro tipo era a varicela também conhecida como varíola menor ou varioloide, era entendida como a forma benigna da 54 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Op. Cit., p. 358. Id. Ibid. 56 MACHADO, Carlos Gonçalves. Varíola. In: NETO, Vicente Amato; BALDY, José Luís da Silveira. Doenças transmissíveis. 3. ed. São Paulo: Sarvier, 1989, p. 876. 57 Em 1970 a varíola maior ou confluente foi considerada extinta. Entre os séculos de sua maculação sobre as populações ela chegou a computar de 10 a 15% de todas as mortes em alguns países. Cf. KIPLE, Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 33. 55 26 doença, com letalidade inferior a 1% dos casos, apresentava sintomas brandos, erupções discretas com febres de pouca intensidade, a evolução de suas lesões era mais lenta.58 Pedro Luiz Chernovicz, autor do Dicionário de Medicina Popular59, assim referia-se as bexigas: “Uma erupção geral ou parcialmente de borbulhas pelo corpo que se convertem em grandes pústulas redondas e purulentas; acabam pela dessecação e deixam nodoas vermelhas às quais sucedem cicatrizes mais ou menos aparentes” 60 . Chernovicz distinguia apenas duas espécies de varíolas, classificadas em benignas (ou discretas), e graves (ou confluentes), estas ultimas eram conhecidas como “pele de lixa e olho de polvo”, pois, deformavam o corpo da vítima por inteiro. Na primeira espécie de pústula variólica Pedro Chernovicz as descreve como isoladas umas das outras, na segunda espécie, as pústulas variólicas são tão numerosas e concentradas que chegam a se confundir umas com as outras. Segundo ele a varíola benigna ou discreta manifesta-se com calafrios seguidos de temperatura, náuseas, sede, perda de apetite, dores de cabeça, cansaço e por vezes acompanhada de delírio. Principia sua erupção no quarto dia, inicialmente no rosto, alastrando-se depois pelo pescoço, peito e membros. As borbulhas que levantam na pele são avermelhadas e dolorosas, provocando reações específicas como a dormência do rosto, inchaço das pálpebras, pés e mãos. Ao terceiro ou quarto dia contados do principio da erupção, sétimo ou oitavo da data da moléstia, as pustulas do rosto começam a empallidecer a branquear na ponta a serosidade que ellas contem torna-se purulenta fazem-se depois amarellas e deixam sahir o pus.61 Este fenômeno ocorre com as outras partes do corpo. Somente no décimo primeiro dia aproximadamente o rosto desincha, as pústulas secam formando crostas que caem no décimo quarto ou décimo quinto dia. À proporção que as nódoas vão desaparecendo, deixam em seu lugar pequenas cicatrizes, havendo também bexigas que não deixam sinais. 58 ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, pp. 202-207. 59 O Dicionário de Medicina Popular de Pedro Luiz Chernovicz foi uma das obras mais lidas e difundidas entre os médicos brasileiros durante o século XIX. Cf. GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Civilizando as artes de curar: Chernovitz e os manuais de medicina popular no império. 101f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2003; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169. 60 CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890, p. 325. 61 Id. Ibid., p. 326. 27 Na varíola grave ou confluente todos os sintomas apresentam-se com maior intensidade. A febre persiste durante todo o curso da moléstia; as borbulhas são tão multiplicadas e tão conchegadas que às vezes é difícil ver os interstícios; no rosto parecem formar uma só pústula com superfície desigual. Depois da erupção não diminue a violência dos symtomas; quasi sempre pelo contrario a febre aumenta. As crostas quando cahem deixam cicatrizes que desfiguram os mais bellos semblantes.62 A varíola grave ou confluente assim que aparece torna-se chata no centro assemelhando-se a um umbigo, a pele fica áspera e enrugada com a aparência de pele de peixe ou de uma lixa, desenvolve-se principalmente no rosto, ela sempre tem um fim funesto, provocado pela violência da inflamação. Quando a morte não acontece, deixa vestígios como a perda da visão, deformidade, surdez, e males desse porte. O perigo é extremo, pois nas pústulas em vez de pus contêm serosidade ou sangue negro. Neste caso ê conhecida como “bexiga preta, negra ou hemorrágica” 63 . Já a varíola benigna geralmente isenta a pessoa ao delírio, disenteria e outros contratempos, a mesma tem grande virulência que duram de 14 a 21 dias64. As imagens seguintes ilustram diferentes sequelas ocasionadas pela varíola nas suas diversas incidências. Figura 01. Varíola benigna ou discreta. Figura 02. Varíola confluente ou grave. 62 Id. Ibid. Id. Ibid. 64 Id. Ibid., p. 327. 63 28 Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, pp. 88-89. Figura 03. Figura 04. Pústulas variólicas em processo de secamento. Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 86. Figura 05. Figura 06. Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés. Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 87. 29 Figura 07. Sequelas da varíola. Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 90. Utilizando-se da narrativa do historiador norte-americano Sander Gilman, Roy Porter chama atenção para as representações e os aspectos de impureza que as doenças infectocontagionistas exercem na sociedade. Segundo ele, determinadas moléstias criam e recriam verdadeiros esquemas de repreensão social, onde o “eu”, o “nós” e os “outros” 30 são definidos por estereótipos desqualificado o outro como perigoso65. A este respeito Jeanette Farrel sublinha que a história da varíola em parte é contada pela sensibilidade de suas cicatrizes, principalmente aquelas deixadas na face humana, estigmatizando suas vítimas. Essa doença, em um dia, atacava um rosto de pele macia, que depois se avermelhava de febre de origem desconhecida, durante quatro ou cinco dias, até que as reveladoras pústulas, ou espinhas, parecidas com catapora, começavam a surgir e, depois, inchavam, estouravam e secavam. [...] Os felizardos que sobreviviam podiam esperar um rosto coberto de concavidades rasas, como a superfície da lua, ou uma praia salpicada pela chuva. As cicatrizes, indisfarçáveis, marcavam os sobreviventes, e deixavam claro que, uma vez contraída a doença, eles agora estavam imunizados – nunca mais seriam infectados. Pessoas do mundo inteiro, ávidas por proteção, começaram a refletir sobre isso.66 Para Erving Goffman a maculacão de doenças da pele como a hanseníase, a sífilis e a própria varíola supõe o afloramento do medo e das tensões entre os ditos “normais” e, consequentemente, a exclusão e o afastamento dos indivíduos estigmatizados por essas doenças, que deixam profundas marcas na autoestima, proporcionando um sentimento de inferioridade em seus afetados e o “ostracismo social”. Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real.67 Em artigos publicados em 03 de junho de 1922 pelos Archivos Rio-Grandenses de Medicina os doutores Thomaz Mariante e Tudy de Godoy caracterizaram patologicamente varíola e varicela como doenças distintas. Para eles a varicela seria o mesmo que alastrim68, sendo que esta era mais constante no século XX, enquanto que a varíola clássica foi percebida com maior frequência e intensidade no século XIX. Segundo eles em ambas os sintomas são muito parecidos, com exceção da letalidade 65 PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 91. 66 FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 31. 67 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 12. 68 Alastrim é o tipo brando da varíola, conhecido popularmente como catapora. Cf. ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, pp. 202-207. 31 produzida por cada uma. A varíola era de extrema letalidade com procedência epidêmica de até 30% em óbitos de seus infectantes, já o alastrim era diferente, sua letalidade no século XIX era de apenas 1%, na virada para o século XX, este índice cai para 0,5% de óbitos em vítimas infectadas pelo vírus.69 Toda essa diferença explica-se pelo fato da varíola ser de origem do vírus Poxvirus officinale que pertence a sub-famíla do grupo viral Chordopoxvirinae e ao gênero Orthopoxvirus. De acordo com Bremam e Henderson o vírus que provoca a varíola é um dos maiores e mais resistentes já estudados, ele é completamente visível ao microscópio medindo aproximadamente 302-350nm por 244-270nm, sua forma é retangular com as bordas ligeiramente arredondadas, possuindo dois envelopes, um externo (extracelular) que rodeia o núcleo do vírus e outro interno presente no vírus. No núcleo se concentra seu genoma que tem 186 kbp, que consiste numa molécula de DNA de cadeia dupla, com um loop70 em forma de gancho em cada ponta.71 Por outro lado o alastrim seria uma doença causada pelo vírus Milk-pox, também chamado de Karfin-pox menos letal, outra diferença entre as doenças seria sua fase de incubação e desenvolvimento. O alastrim caracteriza-se por ter um período de incubação entre 16 a 19 dias, tendo por preferência as pústulas a aparecerem no tronco e abdome e parte próximas a estes membros. A varíola por sua vez, teria um período de incubação menor, variando entre 07 a 16 dias, sendo a regra considerada apenas de 12 dias de incubação, o surgimento de suas pústulas dava-se, sobretudo na face, pescoço e peito. Além disso, as feridas produzidas pelo alastrim eram rapidamente cicatrizadas, enquanto que as da varíola poderiam permanecer por toda vida.72 Henrique Aragão também expõe a diferença entre varíola e alastrim, segundo ele a associação microbiana nas duas moléstias são completamente distintas, isto porque no alastrim são predominantes os estafilococos, enquanto que na varíola os estreptococos são predominantes73. Magarinos Torres e Castro Teixeira esclarecem que nas células epidérmicas das lesões provocadas pelo alastrim se evidenciam pústulas 69 ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, p. 202. 70 Loop é uma palavra inglesa, que originalmente significa “aro”, “anel” ou “sequência”, e que no contexto da língua portuguesa é usada com este último significado. Cf. BREMAN, J.G.; HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med., Vol. 347, 2003, pp. 690-691. 71 BREMAN, J.G.; HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med., Vol. 347, 2003, pp. 690-691. 72 ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, p. 203. 73 Ibidem. 32 isoladas ou em pares, enquanto que na varíola a ação é muito mais violenta, sendo as pústulas reunindo-se em grupos numerosos às vezes em um único local do corpo.74 As condições de higiene e salubridade pública, sempre eram lembradas como fatores preponderantes na origem e proliferação da varíola, isto porque, mesmo sanada a cura de um ou outro indivíduo acometido por ela, sabia-se que a contaminação miasmática poderia ser realizada caso o local em que determinado(s) varioloso(s) não fosse devidamente isolado e desinfetado. De acordo com Downie o vírus variólico penetra no ser humano pela via respiratória, ele é encontrado nos elementos eruptivos da pele (até nas crostas em que se mantem vivo por muito tempo), também é presente no sangue do virulento e nas lesões naso-bucofaringéas, existindo uma viremia em período pré-eruptivo mesmo depois da morte do indivíduo acometido por varíola, ou seja, a transmissibilidade da doença ainda pode ocorrer mesmo à pessoa estando em óbito. Por isso, assevera Downe, que a assepsia dos locais infectados pelo varioloso, é de suma importância, para conter o avanço epidêmico ou endêmico da moléstia.75 O vírus variólico era tão intenso que o mesmo poderia ser passado da mãe para o feto, tendo como consequência nefasta quase sempre o aborto. Em princípio de dezembro de 1870, encontramos o seguinte relato: Caso singular de varíola - Uma peça pathologica muito interessante foi apresentada era julho a Academia de Medicina de Pariz pelo Sr. Zabbe e em nome do Sr Dr. Alberto Vidal, de Grasse. Trata-se de um feto vindo ao mundo, vivo e coberto de pústulas variólicas, sem que a mãe, vaccinada, jamais tivesse tido varíola. Tem-se assignalado casos, e o Sr. Depaul o fez recentemente de varíola sobrevinda em fetos em consequência das mães acharem-se affectadas desta moléstia; mas o facto do Sr. Vidal é o único até hoje conhecido. O que tem uma grande importância neste facto é que a criança foi concebida no fim do mez de Novembro ou no principio de Dezembro de 1870, sendo o pai accommettido de varíola semi-confluente nos primeiros dias do mez de Dezembro de 1870. O pai procriando o filho transmitteria o gérmen da varíola e a criança teria contaminado a mãe.76 A contaminação também poderia ser possível mesmo após a cura de um doente há duas semanas. Por estes e outros motivos a varíola manteve seu alto índice de contagiosidade em todos os períodos da vida humana ao longo do século XIX, sendo assim, ela não respeita a influência do meio externo, tanto a criança como o adulto eram 74 Ibidem. DOWNIE, R. S. Health Promotion; Models and Values. Secund Edition. Oxford: University Press. Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246. 76 GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume V. Caso singular de varíola. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881, p. 99. 75 33 vulneráveis. João de Barros Barreto sugere que a faixa etária menos propensa à doença era a velhice, isto porque a maioria das pessoas dessa faixa etária possivelmente já havia contraído a varíola anteriormente adquirindo imunidade biológica contra a varíola.77 Em relação à distribuição geográfica da varíola, sabia-se que sua proliferação não era uniforme, há registros de simples casos e outros de grandes ciclos epidêmicos com proporções catastróficas. Em algumas situações, a frequência da varíola era constante, por isso a mesma era reconhecida em certos lugares como doença endêmica. No entanto, sua frequência variava muito, devido à dependência da importação infectocontagiosa pelos portos e do grau de imunidade da população de cada região afetada. Os médicos higienistas do século XIX consideravam que a varíola teria condições topográficas de se desenvolver melhor nas regiões tropicais, principalmente no período chuvoso, que acaba por influenciar no aumento da umidade relativa do ar. Em outras palavras os médicos higienistas da segunda metade do século XIX caracterizavam a varíola por ser uma “doença estacional”, isto é, intimamente ligada ao pensamento miasmático do final século XVIII e início do século XIX, onde médicos europeus aproximaram a noção da ameaça representada pelas regiões de clima tropical (sua falta de saúde e a pobreza do solo dessas regiões) com o aparecimento de surtos epidêmicos. Segundo eles esta seria a recíproca manifestada pelas temperaturas elevadas com rápida putrefação da atmosfera. Essas características seriam vetores para a proliferação de doenças perniciosas ao homem, o que intimamente reforçou a ideia de desvalorização não somente do espaço físico e geográfico das regiões tropicais, mas também a noção de degeneração de sua gente. De fato por muito tempo os médicos atribuíram aos trópicos um número significativo de doenças, por considerá-los locais patogênicos por excelência. As febres intermitentes e catarrais, a febre tifoide, a febre amarela, a malária, a cólera e a varíola foram os flagelos não somente temidos pelos europeus, mas circunscritos a uma posição geográfica no globo. O clima quente, a umidade excessiva do ar, o excesso da flora e fauna, bem como a imundície da população foram atributos utilizados para distinguir os trópicos de outras regiões do mundo, introduzindo uma noção de “tropicalidade das doenças”.78 77 BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 248. Durante o século XIX a medicina cresceu internacionalmente, em 1864 em Genebra na Suíça aconteceu a primeira grande reunião de nível global reunindo diversos profissionais da medicina moderna, em 1867 novos congressos médicos são realizados em Paris e a partir de 1870 a medicina tropical é institucionalizada. Este ramo da medicina se dedica ao estudo de doenças estreitamente ligadas às 78 34 A transmissibilidade e virulência dos surtos epidêmicos variólicos de 18541855, 1864-1865, 1874-1875-1876 que serão analisadas neste trabalho, deram-se, tal como os médicos da época explicavam, com maior frequência entre os meses de janeiro a junho acompanhando o ritmo frenético das chuvas que se estendiam até o mês de julho. Os médicos também consideravam que a transmissibilidade da varíola poderia se estender aos meses de julho a agosto, período de estiagem das chuvas. Nesses meses a varíola também poderia ocorrer de forma epidêmica, pois na estiagem acontecia o fenômeno de maior erupção miasmática dos pântanos e charcos alagados que entravam em estado de vaporização pelas altas temperaturas do clima da região. Todavia, o aparecimento de surtos variólicos não tinha origem com as copiosas chuvas ou com a umidade do ar, estes fatores poderiam ser facilitadores para a proliferação do mal variólico, isto porque, a mesma já havia grassado em caráter epidêmico em regiões com climas temperados e com agradáveis temperaturas e também em diferentes estações do ano. Idade, sexo, raça e clima não evitam nem favorecem a aquisição da varíola. Entretanto, parece que, no hemisfério norte, a varíola era mais frequente no inverno e na primavera, estações coincidentes, no hemisfério sul, com o verão e outono, onde parecia também aumentar a incidência da varíola quando esta era endêmica.79 Estudos realizados por Clare Oswald Stallybras apontam ser negativas as correlações da incidência da varíola com a temperatura, parecendo ser mais perspicaz relacionar o aparecimento de surtos epidemiológicos de varíola com os índices de imunidade absoluta da população80. Will Rogers calcula que a varíola declina nos períodos de umidade e chuva absoluta na Índia e em outras partes do Império Britânico. No que diz respeito ao Brasil, estudos realizados nas cidades de Belém, Rio de Janeiro e São Paulo durante o quinquênio de 1940 a 1944, apontam que o domínio da varíola menor (varicela) não foi predominante somente no semestre da estação de verão (período das chuvas intensas no Brasil).81 características das regiões tropicais, consideradas na época verdadeiro túmulo para o homem branco europeu. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, pp. 267-268. 79 ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1982, p. 55. 80 STALLYBRAS, Clare Oswald. The principles of epidemiology and the process of infection, 1930. Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 245. 81 Id. Ibid. 35 2.3 Considerações sobre a varíola e suas vacinas Os conhecimentos sobre a epidemiologia das doenças e suas virulências eram ligeiramente escassos durante os séculos XVIII e XIX, os médicos desse período não se preocupavam em apreciar a origem e as manifestações das moléstias na espécie humana. Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de distribuição de determinada moléstia sobre a população. Os avanços no campo da pesquisa e inovação técnica eram tímidos, resumiam-se a meia dúzia de experimentos, dentre os quais se destacam a criação do estetoscópio82 pelo médico francês Laennec em 1816 e a descoberta da vacina antivariólica em 1796 por Edward Jenner. De acordo com Pedro Franco Affonso pesquisas sobre uma possível vacina antivariólica vinham sendo realizadas desde 1768, quando Pritton Sutton e Fewster coletavam informações sobre uma possível inoculação do cow-pox83 (vírus variólico com incidência nos bovinos) em seres humanos, os dois haviam notado que os criados camponeses empregados nos estábulos de criação de vitelos se tornavam imunes ao contágio das bexigas.84 Alguns anos mais tarde em 1781, Rabon Pommier de Montpellier e o dinamarquês Plett da aldeia de Nackendorf fizeram as mesmas observações sobre o cow-pox e sua possível inoculação em seres humanos. Em 1774 o inglês Benjamin Jesty85 inoculou o cow-pox em sua mulher e em seus dois filhos, para preservá-los dos ataques da varíola. Esta tentativa obteve resultado satisfatório, porém não encontrou imitadores, isto porque a comunidade médica local acusou Benjamin Jesty de ter feito seus ensaios científicos sem os devidos cuidados médicos.86 82 O estetoscópio possibilitava ao médico diagnosticar com maior exatidão doenças pulmonares, como bronquite, pneumonia e principalmente a tuberculose. Este aparelho sofreu aperfeiçoamentos ao longo do século, o primeiro deles foi em 1852, quando o americano George P. Cammann transformou o aparelho em biaricular, aumentando sua capacidade de diagnósticos. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 158. 83 A palavra cow-pox significa pústula de vaca, o cow-pox também era popularmente chamado na Inglaterra do século XVIII de grease (borbulha). Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 84 AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 85 Benjamin Jesty faleceu em 16 de abril de 1816 aos 79 anos de idade na cidade de Yetminster. Há poucos registros históricos sobre Benjamin Jesty, as informações ao seu respeito não o colocam como médico diplomado apenas como um simples cultivador da cidade de Gloucestershire. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 86 Id. Ibid. 36 O cirurgião inglês Edward Jenner87 descobriu a vacina contra a varíola utilizando-se da mesma estratégia que outrora Pritton, Fewster, Rabon Pommier, Plett e Benjamin Jesty utilizaram. Quando esteve em Glocestershire servindo ao exército inglês Jenner, observou que era possível obter resultados positivos com a inoculação do cowpox em seres humanos, ele percebeu que camponeses ingleses que trabalhavam na ordenação das vacas e vitelos desenvolviam nas mãos pústulas variólicas semelhantes ao cow-pox, após o desenvolvimento e secagem desta pústula variólica os camponeses adquiriam imunidade do sistema imunológico em relação à varíola. No ano de 1776, Jenner realizou a primeira inoculação com a vacina antivaríolica, esta foi feita no menino Phipps, de oito anos de idade. Edward Jenner empregou o seguinte método: “primeiro Jenner retirou o vírus vacínico das mãos de Sarah Nelms, que havia acidentalmente sido infeccionada pelo cow-pox, inoculou esse vírus no braço do menino Phipps, que após alguns dias havia adquirido imunidade contra as bexigas” 88 . Para certificar-se de sua descoberta, Jenner sujeitou o menino a novas inoculações variólicas e viu que todas as tentativas obtiveram bons resultados. Em 1788 Edward Jenner publicou seu primeiro trabalho sobre a vacina antivariólica, que não conseguiu atrair a atenção do grande público.89 Apenas em 14 de maio de 1796 Edward Jenner conseguiu divulgar sua descoberta inoculando pela primeira vez o cow-pox em várias cobaias humanas, obtendo resultados satisfatórios. Em um curto espaço de tempo suas experiências multiplicaramse na Inglaterra e para fora do canal da Mancha, países como a França, a Holanda e a Alemanha também realizaram experimentos com o cow-pox. Anos depois Bouvier estudando sobre o assunto, descobriu que o mesmo processo acontecia com tratadores de cavalos acometidos por bexigas, a estas pústulas Bouvier atribuiu o nome de “hose-pox” 90 (vírus variólico com incidência nos equinos). O eventual sucesso da vacina de Edward Jenner logo trouxe benefícios à população, em 02 de dezembro de 1799, fundava-se em Londres um instituto destinado à propagação 87 Edward Jenner nasceu em 1749 na cidade Berkeley (Inglaterra) concluiu seus estudos em Londres, recebendo o grau de doutor em cirurgia, era discípulo de Daniel Ludlow, falecendo em 1823. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 88 Id. Ibid. 89 Id. Ibid. 90 Estudos realizados por Chauveau e Warlomont ratificam que a vacina original deferia ser extraída dos cavalos e não das vacas. Em 1863 Leblanc sugere que as pústulas variólicas também poderiam apresentar-se em cabras e porcos e a partir desses animais poder-se-ia extrair a linfa vacínica. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01. 37 da vacina e somente em seu primeiro ano de existência foram inoculados com a vacina mais de 18.000 indivíduos.91 Entretanto, na mesma época da descoberta de Jenner, o italiano Aloysio Sacco, de Piza atribuía a ele a descoberta da vacina contra a varíola. Sacco afirmava que havia obtido resultados positivos, vulgarizado seu método por toda a Itália frente à epidemia variólica que escandalizava aquele país92. Aloysio Sacco não foi considerado o criador da vacina antivariólica, tampouco Benjamin Jesty, que de fato teria sido o primeiro a inocular indivíduos com o cow-pox, teve seu nome reconhecido. Atribui-se, portanto a Edward Jenner a descoberta científica da vacina contra a varíola, sendo o nome de Jenner até hoje lembrado nos anais da medicina moderna como o descobridor desse valioso método profilático e propulsor do agente patogênico da vacina antivariólica. A vacina de Jenner ficou conhecida mundialmente por três nomes, o primeiro era a uma homenagem ao seu criador, “vacina jenneriana”, o segundo diz respeito ao método da aplicação da vacina, pois se retirava a linfa vacínica do braço de um indivíduo bifurcando-se este mesmo pus no braço de outro individuo, por esse motivo a vacina também era conhecida como “vacina de braço a braço”, o terceiro nome também diz respeito ao método da aplicação da vacina, por isso também ficou conhecida como “vacina humanizada ou humana”. A vacina jenneriana (ou linfa vacínica) 93 era extraída do liquido das pústulas de indivíduos previamente vacinados, geralmente após o quarto dia da primeira inoculação, no geral a vacina jenneriana caracterizava por ser um liquido seroso, incolor e viscoso. Exposto ao ar este líquido seca-se rapidamente, mas mesmo depois de seco o material pode ser reaproveitado com simples dissolução em água clorada. A aplicação da vacina antivariólica deveria ser realizada por indivíduos gabaritados, no geral eram médicos especializados na aplicação da linfa vacínica. O método utilizado para a aplicação do cow-pox era cientificamente chamado na época de “método endérmico” (ou método por incisão), e dava-se da seguinte forma: Na ponta de uma lanceta de vacinação recolhem-se algumas gotas do liquido previamente derramado em um vidro de relógio bem limpo, e as introduzia na pele, por meio de cinco a seis picadas, demorando a ponta do instrumento o mais possível, para assegurar a absorção. O ponto escolhido para as 91 AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. Id. Ibid. 93 Na documentação consultada tanto a expressão vacina jenneriana, vacina de braço e vacina humana eram utilizadas, porém era muito comum rotular a vacina antivariólica pelos termos: “linfa vacínica, pus ou fluído vacínico”, por isso utilizarei algumas destas terminologias ao longo do texto. 92 38 inoculações era a região do braço e antebraço. A vacina deveria vir em pequenos frascos de vidros de 04 a 05 gramas, frascos previamente esterilizados pelo calor e fechados com rolo de esmeril.94 A linfa vacínica poderia ser aplicada no indivíduo também por via oral, para este procedimento o médico inglês Robert Landell sugere que tal método poderia dar bons resultados quanto ao aproveitamento da vacina. Landell havia realizado alguns ensaios com a vacina jenneriana em 1854 utilizando o referido método: Dissolve-se a vacina em uma lâmina ou em tubo capilar em 04 ou 06 onças d’ agua fria e da-se uma colher de sopa de duas em duas ou de três em três horas; seguindo-se esse tratamento, ao segundo ou terceiro dia erupção ficam as bexigas como se fossem varioloides ou cataporas, a epiderme torna-se entaboado e grosso, e no quinto secam sem secreção. Sendo aplicado o mesmo tratamento no quarto ou quinto dia de erupção as bexigas tomam a forma de verdadeiras vacinas, incham, estouram, e secam no décimo dia.95 Desde sua descoberta a vacina de Jenner não parou de se difundir, nos primeiros anos do século XIX o Sr. Rochefoucaul de Liancourt96 procurou promover simultaneamente e com zelo a propagação da vacina jenneriana na Alemanha, Áustria, Suíça, Holanda, Itália e França. Em 1807 a pratica da vacina jenneriana torna-se obrigatória na Baviera, anos mais tarde os governos da Alemanha, França e Inglaterra também adotaram esta medida profilática como sendo de fundamental na ajuda ao combate às epidemias variólicas. Em todos esses países o cow-pox foi utilizado na vacinação humana contra a varíola, porém já em 1820 notou-se o aumento gradativo da falha da vacina jenneriana transmitido de braço a braço, questionava-se muito a respeito da imunidade proporcionada pela vacina, isto porque a linfa vacínica rapidamente mostrou-se degenerada, a varíola começou a atacar os vacinados previamente imunizados com vacina jenneriana. Em termos proporcionais de cada três indivíduos vacinados pelo menos um havia contraído varíola depois de ter sido imunizado. Como de costume a França foi a nação que mais questionou a ação imunológica da vacina jenneriana, demostrando com exemplos a fraqueza da linfa vacínica. 94 AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01. CORREIO DA VICTORIA, 22 de novembro de 1856. Publicações a pedido, p. 04. 96 O francês François Alexander Fréderic de La Rochefoucaul duque de Liancourt nasceu em 11 de janeiro de 1747, falecendo em 27 de março de 1827. Ele foi um dos primeiros promotores da vacinação na França, estabeleceu um dispensário em Paris, além disso, era um membro ativo das placas centrais da administração de hospitais, prisões e agricultura. Sua oposição ao governo na Câmara de Paris levou ao seu afastamento em 1823 onde o comitê de vacinação, da qual ele era presidente, foi suprimido. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01. 95 39 1° O número cada vez maior casos de varíola nos vacinados; 2° A grande diferença de caracteres gerais e locais da vacina de então, comparados ao da antiga vacina; 3° A diferença das cicatrizes deixadas pela vacina.97 Na Inglaterra (berço da vacina jenneriana) a vacina também se encontrava em estado de degeneração, constatações semelhantes foram feitas em Copenhagen e Berlim. Sendo que a ideia do enfraquecimento da linfa vacínica findava-se em três simples observações, muito comuns às realizadas na França. 1° A maior frequência de assaltos de varíola grave em indivíduos vacinados; 2° Os caracteres de maior desenvolvimento de pústulas falsas, da maior reação febril; 3° Da dificuldade crescente de transmissão da vacina de braço, de modo a ter pouco o nenhum sucesso nos inoculados.98 Após essas acusações admitiu-se a ideia de ser necessária a busca de uma técnica na produção de uma nova vacina com maior potencialidade e mais duradoura. Em 1830 é publicado na Inglaterra o livro Observações sobre a varíola e vaccina de autoria do médico inglês Ceely um entusiasta nos estudos experimentais de Edward Jenner. Ceely acreditava ser possível inocular o cow-pox dos bovinos diretamente no homem, sem a ajuda da vacina de braço ou humanizada. Em 1836 o médico russo Kasau realizou procedimentos semelhantes acreditando ter encontrado um novo método de criação da vacina antivariólica, na mesma época o médico francês Thiélè diz ter obtido vacina de boa qualidade sem o uso da vacinação de braço.99 Admitiu-se até mesmo a criação de uma “retro-vacina” que consistia na ideia da reintrodução da vacina humana no organismo dos vitelos e das vacas, a fim de se obter uma cultura vacênica mais duradoura, porém todos os experimentos e esforços fracassaram100. A este respeito Tânia Maria Fernandes101 em estudos sobre a produção e aplicação da vacina jenneriana, fez importantes observações sobre o assunto. Segundo a autora, com a disseminação da vacina no mundo, a técnica original de Jenner sofreu várias alterações, e a partir de 1840 os médicos Negri e Gabiati implantaram uma nova cultura na produção da vacina em Nápoles na Itália. Esta nova técnica na produção da 97 AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01. AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 09 de novembro de 1887. Degeneração da vaccina do homem VI, p. 01. 99 Id. Ibid., p. 01. 100 AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 03 de novembro de 1887. Retro-vaccina V, p. 01. 101 Os trabalhos de Tania Maria Fernandes são considerados referencias sobre a varíola e suas vacinas no que diz respeito ao Brasil. 98 40 vacina antivariólica também consistia na extração diretamente do cow-pox dos bovinos e implantando-o em seguida no homem. Essa vacina passou a ser chamada na época de “vacina animal”. A autora continua argumentando que a implantação da revacinação como garantia dos resultados satisfatórios da vacina jenneriana também foi outra mudança significativa na pratica da vacinologia.102 No entanto, mesmo que a comunidade médica europeia da segunda metade do século XIX considera-se a aplicação da vacina animal mais segura do que a vacina jenneriana (humanizada), ainda assim ela sofreu inúmeras críticas sobre a comprovação de sua verdadeira eficácia, demorando mais de vinte anos para que a mesma fosse difundida na Europa. Até 1864 seu uso restringia-se à apenas a Itália, esta circunstância se explica pelos insucessos das primeiras experiências promovidas coma vacina animal. A França mais uma vez seria o palco principal dos discursos difamatórios e eloquentes contra a nova técnica de produção da vacina, para piorar a situação entre 1870 e 1871 o país foi assolado por uma terrível epidemia variólica.103 No intuito de demonstrar os progressos e a longevidade da ação imunológica obtida pelas inoculações da vacina animal, os defensores da nova vacina recorreram ao uso da estatística, citando que: “Em 1868 os insucessos da vacina animal eram de 268 por mil, em 1869 de 183 por mil. De 72 a 79 de 16 por mil e em 1880 de 03 por mil” 104 . Apenas em 1882 a vacina animal achou entrada no cenário científico europeu, neste referido ano, Leonardo Voigt publicou em Hamburgo seu famoso livro Vaccina e Varíola, nesta obra Voigt atesta que estar comprovada à criação e eficácia da vacina antivariólica de origem animal sem sustentação na vacina humanizada. Ora, a cultura simultânea do vírus variólico e do vaccinico sobre o mesmo animal, repetida um certo número de vezes, pode dar lugar a uma modificação do variólico ou à substituição pelo vaccinico, visto que sabemos que, enquanto o vírus variólico tende a extinguir-se na vacca, o vaccinico nunca perde sua energia nesses animais.105 Mesmo com a demora da propagação da vacina animal pelo mundo, essa nova técnica de produção da vacina logo tomou posição de destaque. A partir de 1880 países como a Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Prússia, Rússia, Áustria, Suíça, Holanda, Espanha e Portugal estabeleceram a cultura de produção da vacina baseada na vacina 102 FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 16. 103 AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01. 104 Id. Ibid., p. 01. 105 Id. Ibid. 41 animal106. Em Nápoles o Dr. Lanoix realizou alguns procedimentos com a vacina animal, chegando a seguinte conclusão: 1° Proceder à revaccinação ao cabo de um período de dez anos subsequentes à primeira vaccinação. D’este modo, uma criança vaccinada no berço seria revaccinada no começo de seu undécimo anno; e, chegando à idade adulta, a fará novamente com utilidade aos 22 ou 25 annos. As estatísticas tem demostrado que passados 35 annos, a operação dá resultado apenas apreciáveis.107 Em 1870 se acenava no Brasil a possibilidade de substituição da vacina jenneriana pela vacina animal, um dos principais defensores para essa mudança era o Dr. Uchoa, que baseava-se nos seguintes preceitos: l. A vaccinação animal é um progresso; neste sentido que sua eficácia é maior do que a da vaccinação de braço á braço; 2. Ella é isempta da censura que se pode fazer á vaccinação humana de transmittir vicios diathesicos, e em particular a syphilis; 3. Chega-se, por este processo, e unicamente por elle, a obter o vírus vaccinico puro, certo e abundante, isto é nas condições em que elle deve achar-se; 4. O methodo de Galbiati é o único que permitte vaccinar em um só dia com uma fonte dada de vaccina, milhares de indivíduos; 5. A experiência tem provado que ella é a única capaz de produzir revaccinações, e que os resultados obtidos por ella são infinitamente superiores aos resultados dados pela antiga vaccina; 6. As experiências instituídas com o fim de reconhecer o valor da vaccinação animal são todas a seu favor e reclamam sua propagação; 7. É do dever das Faculdades e das authoridades médicas sustentar e animar a vaccinação animal.108 A vacina animal chegou ao Brasil apenas em 1887, pelos zelosos esforços do Barão Pedro Affonso Franco109. A implantação sistemática da vacina animal no Brasil deu-se pelo Decreto de n° 105-15/09 de 1894 que estabeleceu a criação do Instituto Vacínico Municipal do Rio de Janeiro, em 30 de novembro, no mesmo ano é assinado um contrato de validade de dez anos do Instituto Vacínico Municipal sobre orientação de Pedro Affonso Franco. Segundo Tania Maria Fernandes em 1866 o Instituto Vacínico de Berlim adotou o uso da glicerina como forma de se obter uma vacina mais pura a fim de minimizar seus possíveis efeitos colaterais. No final do século XIX, o vírus da vacina foi isolado e desenvolvido em tecido celular através de um ovo embrionado e em células 106 Id. Ibid. A REFORMA, 20 de dezembro de 1871. A varíola e a vaccina, p. 02. 108 GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos, Volume IV. Vaccinação animal; modo de obtê-la e aplica-la. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1870, p. 185. 109 Pedro Affonso Franco era médico-cirurgião, no final do Império aos primeiros anos do século XX atuou como conselheiro dos assuntos referentes à saúde pública. Cf. FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 26. 107 42 de coelho, essa nova técnica começou a ser utilizada no início do século XX, juntamente com a técnica do cow-pox dos bovinos110. Na passagem do século XIX para o XX técnicas de filtração da vacina animal foram realizadas, fazendo parte deste rol de experimentos o uso da glicerina, caldo glicosado, éter, caulim, roccal e a penicilina todas essas substancias foram empregadas junto à vacina animal para obter-se maior controle na contaminação bacteriana e na produção de uma vacina mais limpa.111 Entretanto, é necessário deixar claro que já existia um método profilático de combate à varíola e suas epidemias, anterior à descoberta da vacina jenneriana e da vacina animal. Este método era conhecido vulgarmente como variolação112, sua origem provêm dos povos do Oriente Antigo (chineses, persas e indianos113). A variolação consistia basicamente na inoculação de uma pessoa em boas condições de higiene e saúde com o pus retirado das pústulas variólicas, em outras palavras extraia-se o pus variólico do braço de uma pessoa acometido por varíola, inoculando este pus contaminado no braço de um individuo sadio. Esperava-se desenvolver neste indivíduo inoculado uma espécie de varíola benigna, mas esta não se desenvolveria a ponto de se converter em varíola maligna, por fim o indivíduo inoculado estaria imune aos efeitos da varíola. Tanto a variolação quanto a vacina jenneriana consistiam basicamente na aplicação do método endérmico114, porém havia um grande receio da comunidade médica da época na utilização destes métodos, principalmente no método que envolvia a variolação, isto porque a inoculação muitas das vezes se mostrava ineficaz. Era extremamente comum a inoculação ser falha e ao invés de adquirir imunidade, a pessoa fosse acometida pela varíola e às vezes na sua pior incidência. Este era um risco calculável, pois ambas as técnicas deveriam ser feitas por intermédio da disponibilidade de “bons braços”. Os médicos do século XIX consideravam como bons braços para 110 Id. Ibid., p. 17. BARREDO João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1948, p. 251. 112 Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub utilizam o termo variolização em seus trabalhos para designar o método profilático anterior à vacina jenneriana, entretanto pela documentação consultada o termo recorrente para designar este método era chamado de “variolação”. Cf. FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1999, p.31; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, pp. 102-106. 113 KIPLE, Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 35. 114 O método endérmico consistia basicamente na bifurcação da epiderme pela escorificação geralmente por meio de uma lacenta. 111 43 realizar as inoculações, as crianças, pois nelas a vacina jenneriana teria melhores condições de obter resultados satisfatórios. Por se tratar de um método que envolvia a introdução de substâncias e organismos de um indivíduo a outro, a variolação e também a vacina antivariólica foram amplamente reprimidas por vários médicos e esculápios da época, que diziam ser muito perigoso o uso desse tipo de contraceptivo, pois poderia ocorrer a contaminação por sífilis ou outras doenças. Guardadas as devidas conclusões sobre a questão, fato era que a variolação foi introduzida na Europa muito antes do advento da vacina jenneriana. Provavelmente o método da variolação, chegou a Europa no século XVII. Sendo amplamente disseminada em todas as classes sociais. No ano de 1716 em Constantinopla, Lady Montagne115 relata que ela mesma teria sido testemunha dos bons resultados da prática da variolação em sua própria filha. A técnica da variolação foi amplamente adotada na Inglaterra, Prússia, França, Portugal, Espanha e depois importada para a África e para as Américas116. A proxima ilustração é uma representação do método da variolação praticado na China. 115 Lady Wortley Montagne foi embaixatriz do Império Britânico em Constantinopla entre os anos de 1716 e 1718. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01. 116 Id. Ibid. 44 Figura 08. Método de variolação praticado na China. Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 158. Na obra “A primeira página da história da vaccina no Brasil” de 1881, Alfredo Piragibe enfatiza que o método jenneriano já estaria em curso no Brasil desde 1798117. Lycurgo Santos Filho concorda com a hipótese lançada por Piragibe 118. No entanto José Vieira Fazenda, em “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”, tem 117 PIRAGIBE, Alfredo. A primeira página da história da vaccina no Brazil. Rio de Janeiro. 1881. FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991, pp. 270-271. 118 45 opinião contrária, para este autor apenas a variolação era praticada no Brasil desde 1798, a vacina jenneriana seria implantada em terras brasílicas apenas em 1804 pelo marquês de Barbacena, na Bahia.119 Tania Maria Fernandes destaca que pelo despacho de 29 de dezembro de 1781 Francisco Mendes Ribeiro120 inaugurou no Brasil os trabalhos profiláticos da vacinação antivariólica em 1798 por meio da variolação, isto é, empregando a linfa vacínica retirado da secreção da pústula variólica e inoculando-a de braço a braço em alguns indivíduos. Segundo esta autora a vacina jenneriana, procedente do cow-pox, foi introduzida no país por volta de 1804, pelo marquês de Barbacena, na Bahia.121 Vale a pena ressaltar que a vacina antivariólica era importada da Inglaterra ou da Holanda por isso em alguns casos nota-se os nomes de “vacina inglesa ou vacina holandesa”. A vacina procedia diretamente à Junta da Instituição Vacínica da Corte e posteriormente ao Instituto Vacínico do Império órgão subordinado a Junta Central de Hygiene, que por fim era encarregada de distribuir a vacina para as províncias do Brasil.122 É preciso ressaltar que mesmo os médicos do século XIX considerando a vacina jenneriana como o método eficaz de prevenção contra a varíola verdadeira, seria um erro ou pelo menos um equivoco em considerar a existência de apenas um método contraceptivo contra a varíola em solo brasileiro ao longo do século XIX. Isto porque a variolação e a vacina jenneriana foram inseridas na população quase que simultaneamente. Infelizmente não disponho de uma proporção real que me certifique qual método era mais utilizado pela população neste período. 119 FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES, Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007, pp. 595-605. 120 Francisco Mendes Ribeiro é natural de Canavezes, bispado do Porto (Portugal), lá exerceu o cargo de cirurgião militar, obtendo dispensa do serviço militar português, vindo para o Brasil. Aqui, ele serviu no Rio de Janeiro como cirurgião-de-número da Casa Real e só em 1821 foi nomeado cirurgião-mor do Primeiro Regimento de Milícias do Rio de Janeiro. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19. 121 FERNANDES, Tania. Op. Cit., 1999, p.19; Cf. também ARAÚJO, Carlos da Silva. A imunização antivariólica no Brasil colonial e nos primórdios da sociedade de medicina (1830), 1979, pp.151-156; FILHO, Lycurgo de Castro Santos. Op. Cit., 1991, pp. 270-272. 122 A respeito da importação da vacina jenneriana Cf. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, pp. 102-114. 46 2.4 Da vacina para a imunidade A descoberta de Edward Jenner foi baseada puramente em tentativas empíricas, seus estudos tinham como foco a implantação da doença benigma no indivíduo, na possibilidade de evitar a varíola no homem pelo contato com o cow-pox. Em suas observações realizadas em 1798, Jenner desenvolveu sua vacina inoculando no homem o pus variólico retirado das pústulas dos vitelos. A partir das primeiras erupções formava-se uma cadeia de imunização entre os homens inoculados com o cow-pox retirado dos vitelos, funcionando como uma espécie de primeiro agente imunizante. No entanto, é preciso destacar que a caracterização da imunidade da vacina como conceito ainda não possuía matriz cientificamente comprovada. Jenner não havia construído hipóteses racionais sobre a imunidade de sua vacina, isto porque seus experimentos resumiam-se a reprodução de fatos observados a posteriore. Sobre esta questão Pierre Darmon acrescenta que em seu tempo Edward Jenner não dispunha de condições técnicas para analisar a verdadeira ação imunológica da vacina, pois a havia criado em condições naturais e não em artificiais, ou seja, em laboratório 123. Em outras palavras, Jenner considerava que o vírus da vacina era um produto estreitamente natural. De acordo com Luiz Antônio Teixeira o desenvolvimento de uma vacina e sua eficácia está intimamente ligado à possibilidade da possível variação viral e suas funestas consequências124. Seguindo essa linha de raciocínio, é preciso especificar que a mudança na técnica da produção da vacina antivariólica humana para animal a partir de 1840 apenas eliminou o homem dos primeiros processos de produção da vacina, o cowpox ainda era o axioma para ambas. Estas lacunas perduraram por longos anos, sendo a vacina jenneriana uma das pautas centrais das discussões da Academia de Medicina Européia. No inicio da década de 1860 o professor Henri Bouley125, realizou vários experimentos que comprovariam que o vírus vacínico contra as bexigas poderia dar-se em três formas distintas na natureza. A primeira nos vitelos (cow-pox), a segunda nos equinos (horse-pox) e a 123 DARMON, Pierre. A cruzada antivariólica. In: LE GOFF, Jacques. (org.). As doenças têm história. Lisboa: Editora Terramar, 1991. 124 TEIXEIRA, Luiz Antônio. Vírus, ciências e homens. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, 2003, p. 758. 125 Henri Marie Bouley (1814-1885) foi um médico francês pioneiro na veterinária e patologia. Bouley foi professor de patologia cirúrgica na École nationale d'Alfort Veterinário (Escola Nacional de Veterinária de Alfort), e em 1885, foi eleito presidente da Academia Francesa de Ciências. 47 terceira em humanos (a varíola comum), porém em cada um seu desenvolvimento seria diferente. Bouley comunicou a Academia de Medicina os resultados de suas pesquisas sobre as bexigas, mostrando as diversas formas pelos quais a vacina animal extraída dos vitelos e dos cavalos poderiam se manifestar no organismo humano. Os estudos do professor Bouley foram à centelha para que Depaul pudesse realizar severas críticas à descoberta de Edward Jenner. Para ele as erupções do cow-pox e do hose-pox126 tinham características diferentes, podendo imunizar ou não o indivíduo inoculado com a vacina. 1° Não há vírus vaccinico. 2° O pretendido vírus vaccinico, considerado antagonista e neutralizador do vírus varioloso, é o próprio vírus varioloso. 3° As erupções pustulosas do cavalo e da vacca são a varíola desses animais. 4° As diferenças das manifestações dependem da estrutura diversa da pelle e 127 da abundância dos pelos. Nas seções de encontro da Academial de Medicina de 27 de julho, 03 e 10 de agosto de 1869 o professor Depaul finaliza seu discurso da seguinte forma: 1°. A vaccina conservada de braço á braço soffre, depois de um certo numero de gerações, um enfraquecimento que parece-me incontestável. 2°. Esta degenerescencia verifica-se pela diminuição progressiva dos phenomenos locaes e geraes que produz a inoculação do cow- pox que possue toda sua actividade, pelo apparecimento mais frequente da varíola nos indivíduos vaccinados e pelos successos consideráveis obtidos pelas revaccinações. 3°. A syphilis produzida pela vaccinação, desde muito tempo desconhecida e systematicamente repelida, é hoje um facto que não se pode negar, e a observação clinica sabiamente interpretada concedeu-lhe um lugar perfeitamente distinto no quadro nosológico. 4°. O cow-pox conservado sobre a espécie bovina, isto, é, sobre sua terra natal, guarda durante, numerosas gerações, uma energia e uma actividade que são indispensáveis para manter suas propriedades preservativas quando for inoculado sobre a espécie humana. 5°. A inoculação do cow-pox assim perpetuada é um meio certo de abrigar-se da syphilis vaccinal e de dar á vaccina todo o prestigio de que ella necessita para poder ser útil. 6°. Parece pouco mais ou menos demonstrado pelas experiências já numerosas, que a vaccina que se enfraqueceu no organismo humano, recupera vantajosamente suas propriedades por uma germinação nova na 128 espécie bovina. 126 O hose-pox também era conhecido na Inglaterra pelo nome de “grasse”. AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01. 128 GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira, 1870. Vaccinação animal, modo de se obtê-la e de applica-la. Por J. R. Souza Uchôa, estudante de medicina em Paris, 31 de março de 1870. Bahia, Volume IV, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 185. 127 48 Bousquet, adversário de Depaul e Bouley na Academia de Medicina, propôs que as dúvidas levantadas por Depaul, fossem postas a prova. Estabeleceu-se então em 30 de maio de 1865 uma comissão fiscalizadora, denominada na época de comissão Lyoneza, composta pelos doutores Chauveau, Viennois, Meynet, Bondet, Delore, Dupuis, Gallenton, Honrad e Lontet, esta comissão além de experimentar cientificamente os efeitos da vacina deveria dar um parecer final sobre o pleito em questão.129 A dita comissão Lyoneza realizou ao longo do processo investigativo três experimentos em vitelos, cavalos e seres humanos, afim se saber a origem, desenvolvimento e efeitos da vacina. A primeira experiência consistiu na inoculação simultânea do mesmo indivíduo, por picadas distintas do vírus variólico e da vacina. O resultado foi que cada uma das inoculações deram-se erupções completamente diferentes, e que não houve sequer a modificação do vírus variólico do estágio benigno para o estágio maligno. A segunda experiência foi feita inoculando simultaneamente no mesmo indivíduo, por picadas distintas tanto do vírus variólico quanto da vacina colhidos sobre um só animal. O resultado mais uma vez foi satisfatório, novamente se observou que o vírus da varíola e o da vacina possuem características diferentes. A terceira experiência consistiu na mistura dos dois vírus, e na inoculação por picadas dessa mistura, o resultado foi que quando se experimenta a vacina sobre vitelos e cavalos, obtém-se uma linfa vacínica pura como se as bexigas não tivessem se desenvolvido.130 O relatório final da comissão Lyoneza concluiu que a vacina não é a varíola da vaca ou do cavalo, vacina e varíola são dois vírus completamente diferentes, sendo o primeiro introduzido na pele humana e o segundo desenvolvido no organismo humano por meio de infecção. 1° A varíola humana inocula-se no boi e no cavalo, do mesmo modo que a vacina. 2° O efeito da inoculação dos dous vírus difere absolutamente. 3° A vacina preserva da varíola e esta daquela. 4° Cultivada methodicamente sobre os animais, isto é, transmittida de boi para bovino e de cavalo para cavalo, a varíola não se aproxima da erupção da vacina. Ella fica o que é ou extingue-se. 5° A varíola assim cultivada sendo transmitida ao homem dá varíola. 6° Tomada assim do homem e passando para a vacca ou cavalo, não há cow131 pox. 129 AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01. Id. Ibid. 131 Id. Ibid. 130 49 Convencido de que a vacina jenneriana era a prova concreta de um experimento que punha em risco a vida dos inoculados por ela, Henri Bouley não satisfeito com os resultados apresentados pela comissão sugeriu que imediatamente fosse feita uma contra prova dos resultados apresentados pela comissão, em seus argumentos, Bouley não cansava de repetir que a vacina desenvolvida por Jenner já se encontrada em estado de degeneração. Á qui vous donnez la varriole ne rend pas la vaccine. L’ enfaut à qui vous avez inoculé le prétendu cow-pox, isso de la vache variolée, ne rend pus la vacinne; il rend la variole. Voila le criterium sur, contre lequel tontes les 132 argumentations du monde ne sauraient prévaloir. Novas experiências foram realizadas com a vacina jenneriana, no entanto o parecer final da comissão continuou sendo favorável à vacina. A comissão rezumia os fatos da seguinte maneira: a vacina produzia uma pústula em tudo muito semelhante a da varíola, embora um pouco mais grossa. A partir desses estudos, aceitou-se a ideia que o vírus variólico e o vírus da vacina antivariólica eram distintos ao serem introduzidos no organismo humano. A mudança na produção da vacina baseada na cultura animal não resolveu a procedência real do agente etiológico da doença, tampouco o baixo princípio ativo do processo imunizante da vacina. Indubitavelmente essas dúvidas arrastaram-se por anos, sendo respondidas apenas no final do século XIX. Pauster foi um dos primeiros a indicar o mecanismo imunológico que existia no método vacínico de Jenner, diz ele que “a vacina jenneriana é um vírus que produz uma doença benigna; uma vez que a tivermos, ela preserva de uma doença mais grave, frequentemente mortal, que é a varíola”.133 Para Juan Ângulo a vacina jenneriana produzia um vírus denominado Poxvirus officinale, que em sua estrutura biológica era totalmente distinto do vírus originário da varíola. Consiste em suspensão de tecidos animais, geralmente pele de vitela ou membrana corio-alantóide de embrião de galinha, contento o vírus ativo (vivo) da vacina. Esse vírus, o Poxvirus officinale é mutante, obtido no laboratório pela passagem seriada do vírus da varíola da vaca (cow-pox), ou ainda, do vírus da varíola humana, em pele de vitela e de coelho.134. 132 Id. Ibid. FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 30. 134 ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, p. 56. 133 50 De acordo com Downie o vírus da varíola e o da pústula vacínica produzem lesões diferentes. Na prática a imunização pela linfa vacínica não acarretaria lesões e gânglios graves, no máximo a pessoa imunizada pela vacina antivariólica teria algum tipo de febre, resultante de efeitos colaterais135. Jayme Reis Bertoldi descreve em sua tese a diferença entre varíola e vacina através do sangue dos variolosos, dizendo que: O sangue dos variolosos é cheio de bactérias como é todo o sangue nas moléstias sépticas graves. Já as bactérias são corpos orgânicos infusorios mycrophytas especie de algas de filamentos delgadíssimos tem os cylindricos de 4 a 12 milésimos, 3 se movimentam de forma espontânea e que se propagam por segmentos e que se dissolvem nos líquidos em que se examinam.136 Contudo, nenhum desses experimentos ou teses realizados com a vacina jenneriana e animal tinham por meta avaliar o grau de resistência das vacinas e da própria varíola. Este fato apenas foi consumado em 1930, data que consiste na Campanha de Erradicação Mundial da Varíola. E. S. Horgan e Mansour Ali Haseeb desenvolveram novos estudos sobre a varíola e sua vacina. Os mesmos sugerem que o vírus da vacina seria uma variante ao da varíola, degradado de modo definitivo com baixa virulência para o homem. O antígeno básico do vírus vacínico é um bom agente imunizante, o vírus da varíola tem, ademais, um antígeno específico com fraco ou nulo poder imunizante, mas dotado de virulência para o homem.137 Descobriu-se ainda que o vírus variólico era filtrável, isto é, resiste à maioria dos germes patogênicos, ao dessecamento e aos desinfetantes. Tamanha resistência provém do fato de que a varíola teria surgido primeiro entre os animais domesticados pelo homem, e quando as populações humanas começaram a praticar a agricultura e as trocas culturais passaram a ser as bases do comércio, acredita-se que ela evoluiu, e se adaptou gradualmente aos humanos. Para Gilberto Hochman a vacina antivariólica impulsionou em todo mundo a chamada “cultura da imunização”.138 Convém destacar ainda que a descoberta de Edward Jenner proporcionou mudanças significativas no conceito e uso de alguns termos científicos. A palavra “vírus”, por exemplo, que antes indicava uma espécie de veneno (um gente etiológico 135 BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 246. 136 BERTOLDI, Jayme Reis. Vaccina, variola e varioloide. Dezenove de Dezembro, Curityba, 29 nov.1873, n°1458, p. 3. 137 BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246. 138 HOCHMAN, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 375-386. 51 da doença) que se julgava estar presente em algumas doenças, passou a ser considerada como um grupo de microrganismo com características semelhantes a determinadas doenças. O termo “virulência” passou a indicar a força do vírus originário de determinada epidemia. A “linfa vacínica” era utilizada para designar o líquido extraído da pústula vacinal, a “revacinação” passou a ser reconhecida como uma espécie de segunda dose de reforço da vacina. A “vacina verdadeira” indicava a reação positiva do organismo ao receber a vacina, a “vacina regular” indicava o uso da revacinação e a “vacina falsa” era utilizada na indicação da falência desta. 2.5 Contágio, infecção e miasmas Etimologicamente, os médicos do século XIX pouco sabiam a respeito da epidemiologia das doenças de sua época, de acordo com John Snow139 (considerado o pai da epidemiologia médica moderna), os conhecimentos médicos e científicos no século XIX resumiam-se basicamente a higiene preventiva, os médicos não se preocupavam em apreciar a origem e manifestações das doenças na espécie humana140. Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de distribuição de determinada moléstia na população. A medicina clínica ainda não era em todo seu conjunto técnica, seus avanços iniciais iriam se consumar apenas no final do século XIX com as descobertas de Robert Koch e Louis Pauster e o advento da microbiologia.141 A palavra vírus existia nos dicionários médicos desde o século XVI, no entanto os estudos sobre a virologia ainda era uma incógnita na segunda metade do século XIX. Por isso, será necessário caracterizar o uso dos principais termos utilizados na medicina do século XIX, no que diz respeito ao combate e conhecimento das moléstias pestilentas. 139 De acordo com George Rosen, John Snow (1813-1858) praticava o ofício de medicina em Londres e era mais conhecido como anestesista do que como epidemiologista. Sua carreira e nome ganharam status quando em 1831 e 1832 ele observou a origem e desenvolvimento da cólera em Newcastle-on-Tyne. Sua primeira comunicação sobre o assunto apareceu em 1849, em um panfleto intitulado “Sobre a maneira de transmissão da cólera”. Em 1855 John Snow publicou a versão estendida de seu primeiro trabalho que continuou a receber o mesmo título. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 221. 140 PORTO, Celmo Celeno. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 2000, p. 12. 141 A microbiologia era uma nova versão de entendimento da relação entre saúde e natureza, isso se deve em muito aos efeitos causados pelas descobertas de Louis Pauster, impulsionada pelo uso dos microscópios e da medicina clínica que impulsionaram um olhar cirúrgico sobre as doenças em todo o globo. No que diz respeito ao Brasil a microbiologia logo ganhou fôlego com as pesquisas de Oswaldo Cruz e Guilherme Guinle. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, pp. 231-255. 52 O primeiro deles era a inspiração contagionista das doenças, que por muito tempo foi considerada o referencial teórico a ser seguido nos estudos acadêmicos sobre o assunto. Historicamente a teoria contagionista iniciou-se na Europa em 1530 com a publicação da obra “Syphilis, Sive Morbus Gallicus” de Girolamo Fracastoro (14781553), médico italiano responsável por disseminar a ideia do contágio por meio de sementes pútridas espalhadas sobre o corpo enfermo. Em 1546 Fracastoro publica o primeiro tratado científico sobre o contágio: “De Contagione, Contagiosis Morbis et Eorum Curatione (Sobre contágio, doenças contagiosas e suas curas).142 Fracastoro considerava a existência de três modos de contágio: o primeiro era o contato direto de pessoa a pessoa; o segundo era o contato por agentes transmissíveis; e o terceiro era o contato à distância, ou seja, pelo ar. Apesar de considerar que a atmosfera infecciosa poderia ser propulsora de epidemias Fracastoro faz referencias apenas à teoria contagionista em seus trabalhos143. De acordo com George Rosen os médicos contagionistas possuíam uma reflexão curta e direta. Para eles o surgimento de uma doença era fruto de um veneno específico, que uma vez produzido poderia se multiplicar diante do contato com os indivíduos144. A varíola, por exemplo, foi entendida por muito tempo como doença tipicamente contagiosa, até mesmo sua vacina entrava no enredo dos médicos contagionistas. As interpretações contagionistas iam desde a influência dos astros, do envenenamento das águas, indo até a bruxaria. Pedro Napoleão Chernoviz, um dos autores mais lidos pelos médicos brasileiros durante o século XIX entendia que o contágio seria: “Propriedades que apresentavam certas doenças pestilenciaes de se comunicar de um a outro indivíduo diretamente pelo contato físico, ou indiretamente, através do contato com objetos contaminados pelos doentes ou pelo ar envenenado” 145. A inspiração contagionista das doenças continuou a desabrochar nos séculos seguintes, tanto que suas ideias orientaram por um longo período a elaboração de normas e leis sobre os padrões técnicos e argumentativos para a prática da higiene preventiva. João de Barros Barreto esclareceu com vasta documentação que para haver doença contagiosa apenas por proximidade; esta só poderia acontecer num raio de 142 PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 89. 143 ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 90. 144 Id. Ibid., p. 90. 145 CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 168. 53 transmissão de 60 a 90 cm em torno da fonte de infecção. Para ele o “olfato” seria o meio mais eficaz de comprovar que a transmissibilidade por contágio independe da aproximação física com a fonte infectante, isto porque o contágio pode ser realizado pela infecção perniciosa do ar envenenado. Barreto continua seu argumento explicando que apenas a ideia vaga de contágio não explicaria a origem e proliferação das doenças. As mesmas dependem de “vetores sociais e geográficos” para propagar-se, desta forma a varíola seria um exemplo de doença pulverizadora da teoria contagionista.146 Os médicos anti-contagionistas acreditavam que ela não se transmitia apenas de pessoa a pessoa pelo simples contato e sim em áreas de regiões pantanosas, quentes e úmidas e por infecção147. O termo infecção seria o mais adequado no entendimento das moléstias perniciosas, isso porque o mesmo se referia à ação exercida por miasmas mórbidos. A medicina aplicada no século XIX passou a caracterizar a pessoa acometida por varíola, como o próprio reservatório por excelência para a proliferação da doença, por isso, o varioloso era concebido como a fonte direta não mais apenas do contágio, mas também da infecção, neste sentido, a pratica por isolamento era a mais aconselhada para evitar-se a proliferação das moléstias perniciosas ao homem.148 A esta nova explicação os médicos chamavam de “teoria miasmática ou infeccionista”, que nascera no ano de 1717, quando Giovanni Maria Lancisi (16541720) médico romano, publicou “De Noxiix Paludum Effluviis” (Sobre as emanações nocivas dos pântanos), segundo Lancisi as emanações miasmáticas oriundas dos pântanos seriam capazes de gerar duas espécies de efluídos, os animadas (mosquitos) e os inanimadas (ar envenenado), capazes de originar surtos epidêmicos149. Refletindo sobre a suspeita insólita, ou presença acidental de algum princípio gasoso pernicioso, Roberto Martins assim sugere as compilações miasmáticas: 146 BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p.118. O termo infecção não possuía significado médico quando começou a ser usados na Antiguidade. Infectar significava primitivamente tingir, colorir, impregnar de alguma substância visível. O ar infectado seria, portanto, uma atmosfera colorida, tingida ou impregnada de algo visível (vapores, bruma, poeira). Mas daí veio, por analogia, a concepção de que o ar carregado de substâncias ou germes nocivos estaria também infectado. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis, São Paulo: Moderna, 1997, p. 52; De acordo com João de Barros Barreto o termo infecção historicamente é ligado a Louis Pauster, que comprovou cientificamente a infecção por gases atmosféricos; substituía-se a doutrina de Max Von Pettenkoffer que fazia as doenças dependerem de emanações do solo através do ar [...]. Estudos de John Snow e Filippo Pacini (1812-1883) com o cólera deram a água, a responsabilidade da transmissão das doenças intestinais; surgiu depois, um nítido o grupo de doenças transmitidas por insetos, ou seja, o termo infecção fora ganhando cada vez mais espaço sobre o antigo termo contagionista. Cf. BARREDO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 248. 148 ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82. 149 ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 86. 147 54 [...] até o século XVIII, as ideias sobre os miasmas e sobre a transmissão de enfermidades pelo ar eram apenas hipóteses. Na verdade, pouco se sabia a respeito da própria natureza do ar. Datam dessa época os primeiros estudos de caráter científico moderno sobre a composição do ar e seu papel na doença 150 e na manutenção da vida [...]. Pedro Luís Napoleão Chernoviz, em seu dicionário de medicina popular, assim definia os miasmas; Tomando a palavra em sua acepção lata, consideram-se sob este título todas as emanações nocivas, que corrompem o ar, e atacam o corpo humano. Nada há mais obscuro do que a natureza íntima dos miasmas: conhecemos muitas causas que os originam; podemos apreciar grande número de seus efeitos perniciosos, e apenas sabemos o que eles são. Submetendo-os a investigação dos nossos sentidos, só o olfato nos pode advertir de sua presença: não nos é dado tocá-los nem vê-los. A química mais engenhosa perde-se na sutileza das doses e combinações miasmáticas; de ordinário, nada descobre no ar insalubre ou mortífero que deles esteja infectado, e quando consegue reconhecer nela uma proporção insólita, ou presença acidental de algum princípio gasoso, não nos revela senão uma diminutíssima parte do 151 problema. Importa salientar a perspectiva geográfica da teoria miasmática nos pontos elencados acima e nas fontes pertinente ao assunto. Cronologicamente Hipócrates (460370 a.C.) é considerado o marco nos estudos miasmáticos, o mesmo já mencionava a questão da proximidade dos pântanos em relação a saúde humana na Antiguidade Clássica. Pela concepção hipocrática, o ar poderia produzir epidemias quando houvesse um desequilíbrio de calor, frio, umidade e secura, atuando sobre os humores corporais. A concepção hipocrática das doenças ficou conhecida na história como a perspectiva “humoral”, onde para ser realizada a cura do corpo enfermo seria preciso a eliminação ou expelição de humores venenosos para fora do corpo.152 O poeta romano Titus Lucretius Carus (cerca de 98-55 a.C), também é considerado uma referência nos estudos miasmáticos sobre as doenças, assim como o arquiteto romano Vitrúvio (70 - 25 a.C), que sugeria em seus tratados que todas as ruas pequenas ou vielas da cidade fossem orientadas no sentido de conter os desagradáveis 150 MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997, p.111. 151 CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890. Apud Sidney Chalhoub. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169. 152 MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 48. 55 ventos frios e os infecciosos ventos quentes para assim evitar-se o desequilíbrio humoral.153 Samuel Pepys ao explicar a origem das doenças concorda com a perspectiva humoral. Para ele o resfriado torna-se perigoso porque este pode se desenvolver e alcançar o estágio perigoso da pneumonia, por isso a melhor opção a se fazer seria expêli-lo para fora do corpo, assim gradativamente o indivíduo iria recuperar seu equilíbrio imunológico.154 O “Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales”, lançado em 1873 traz o verbete “miasme” 155 assinado por Léon Colin, médico do hospital militar de Bicêtre. Na obra, Colin diferencia contágio e miasmas, mas, de qualquer forma, reconheceu a influência do meio no desenvolvimento dos germes e advertiu para a generalidade da concepção miasmática. Provavelmente, por questionar a generalidade da questão fez a distinção dos miasmas em quatro categorias: “as emanações pútridas, os miasmas humanos, os provenientes do solo e aqueles relacionados por analogia às influências telúricas”.156 Na primeira categoria, as emanações pútridas foram associadas à matéria orgânica em decomposição e seriam provenientes dos esgotos, pântanos, cemitérios e matadouros. Para a segunda categoria dos miasmas humanos, relacionou-as aos pontos de aglomeração populacional, tipicamente urbano, como habitações coletivas e hospitais. Na terceira e quarta categorias, entende-se o caráter geográfico, na terceira importaria as emanações originárias do local, e na quarta, as condições topográficas e climáticas do ambiente seriam determinantes.157 Com o propósito de contribuir para os esforços de desinfecção de lugares contaminados por miasmas pútridos, um farmacêutico português “desconhecido” publicou um estudo acerca do tema em 1848 no Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa instituição similar à Academia Brasileira de Medicina da Corte. O autor reportava-se a germes e miasmas contagiosos que seriam, até então, 153 Id. Ibid., p. 51. PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 87. 155 Segundo Martins a palavra “miasma” tem sua origem do grego “miasme”, que significa “mancha” ou “nódoa”. A palavra foi utilizada inicialmente nos textos teatrais gregos para simbolizar uma “mancha de sangue” originada de um assassinato ou um sinal de impureza ou morte. A palavra miasma aparece de fato na obra de Giovanni Maria Lancisi. De acordo com Martins Lancisi utilizou o termo miasma para representar algo que contamina ou infecta o ar. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997, p. 91. 156 MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91. 157 Id. Ibid. 154 56 imperceptíveis aos sentidos, mas cuja existência era demonstrada pelos seus efeitos. Em sua obra começou a esmiuçar outras ideias sobre o assunto. Para o ele, o ar em condições de putrefação era composto por vários gases mefíticos que desenvolveriam um foco de putrefação específico, cujo contato bastaria para a origem das enfermidades pútridas e contagiosas, sendo assim, cada novo indivíduo afetado por uma dessas enfermidades era um novo foco de putrefação piorando cada vez mais a condição do ar e o aumento dos males. Desse modo justificava a origem mais frequente das epidemias pestilentas.158 Em 860, a Academia brasileira, sob a influência da “teoria miasmática” promoveu uma discussão sobre a diferença entre os termos contágio e infecção. O médico Francisco Portella ressaltou que essas questões eram as que mais vivamente tinham atraído à atenção dos médicos. Portella destacava a aproximação entre os termos buscando estabelecer uma distinção entre eles. Para o médico, o contágio: Subentendia, necessariamente, um doente do qual parte uma moléstia que contagia. Justificava-se afirmando que ninguém diria que os miasmas e eflúvios, eram contagiosos, porque não se poderia dizer com precisão se eles realmente foram produzidos por uma pessoa, assim, classificava as doenças contagiosas como as que poderiam ser transmitidas pelo contato imediato ou por inoculação direta, cujo, elemento morbífico é engendrado no organismo e 159 une-se ao mucus ou pus das erupções do corpo. De acordo com Portella, as doenças infecciosas, por outro lado, constituíam-se como moléstias que se transmitiam por contato imediato em espaços insalubres, em virtude de um produto morbífico, produzido fora do organismo humano, mas uma vez infectado no homem poderia se reproduzir dentro do organismo com facilidade, difundindo assim a infecção160. Corrêa de Azevedo exemplifica a diferença entre infecção e contágio, indicando que a primeira nada mais era do que o resultado dos miasmas, emanações e decomposições orgânicas. Por outro lado caracterizava a segunda pela transmissão de indivíduo a indivíduo, que se correlacionaria em questões 158 PINTO, A. J. de Souza. Sobre as desinfecções dos hospitais, cadeias e mais lugares infectados pelos miasmas pútridos, por meio das fumigações ácidas do cloro e dos cloretos e da aplicação destes nas chagas gangrenadas da tísica e na cólera morbus. Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, v.III, pp. 65-84. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp. 2951. 159 PORTELLA, F. Contágio e infecção nas moléstias. Annaes Brasilienses de Medicina, fev. 1860 vol. 13, ano 13, p. 233-238. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp. 29-51. 160 Id. Ibid., p. 30. 57 climáticas e condições orgânicas161. Edwin Chadwich e Southwood Smith se reportam as duas teorias com as mesmas características feitas por Corrêa Azevedo. Os surtos epidêmicos por doenças infecciosas são o resultado de uma atmosfera local em estado de putefração, devido ao mau cheiro e os locais pantanosos, já os surtos epidêmicos por doenças contagiosas resumiam-se 162 pelo contágio limitado de pessoa para pessoa. Nota-se uma preocupação na busca exata por definições terminológicas acerca das doenças epidêmicas, com definições específicas para cada uma delas. Vários artigos publicados pela Academia de Medicina da Corte tentam se posicionar frente a essas discussões. Faz-se importante registrar que opiniões contrárias à teoria contagionista e miasmática já vinham sendo registradas desde o século XVI, mas no geral a teoria contagionista ou microbiana e a anticontagionista ou miasmática dominavam o centro das atenções. Para George Rosen a concepção miasmática sustentou os argumentos dos higienistas que queriam convencer as autoridades públicas da eminência de uma intervenção em nível de políticas de saneamento básico, educação higiênica, prevenção e atendimento médico. Na opinião deste autor a influência da concepção atmosféricamiasmática perdurou por muito tempo, essa concepção desempenharia um importante papel no avanço da Saúde Pública no século XIX, tendo nas medidas de quarentena de mar sua fiel bandeira163. Rosen explica que de fato não houve evolução significativa na comprovação científica das ideias da teoria miasmática. Todavia, essa teoria permaneceu hegemônica e persuasiva, por longo período, com vários defensores e colaboradores em diferentes áreas. Pode-se até mesmo ratificar a hegemonia da concepção miasmática pelos mecanismos de intervenção sanitária urbana ou ainda fazer a analogia que “medicina urbana” esteve por longa data sobre a influência miasmática.164 Segundo Roberto Martins a teoria miasmática é um interessante caso de uma concepção equivocada que foi extremamente útil à humanidade. Segundo ele a teoria miasmática impulsionou medidas sanitárias adotadas nos séculos XVIII e XIX que trouxeram grande melhoria à saúde pública165. Para Johnson os preceitos que 161 Id. Ibid., p. 31. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 222. 163 Id. Ibid., p. 89. 164 Id. Ibid., p. 89. 165 MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91. 162 58 sustentaram a teoria miasma por tanto tempo eram em grande medida feito de meias verdades e de correlações equivocadamente tomadas como suas causas.166 Ademais, observa-se o caráter geográfico desta concepção, visto que os eflúvios maléficos eram provenientes, na maioria das vezes, de elementos de interesse da geografia física, como o ar, o solo, a água e os pântanos; ou de interesse da geografia humana, como o matadouro, o mercado, a periferia da cidade e seus cortiços, dentre outros pontos de circulação da população urbana. Erwin Ackerkneeht ao retomar o problema preferiu não dedicar-se ao estudo das terminologias usadas em cada caso de surto epidêmico. O ponto de partida de Ackerkneeht é tentar compreender, por que essas teorias eram dominantes entre os anos de 1821 a 1867. Norteando apontamentos interessantes sobre o assunto, Ackerkneeht chegou a seguinte conclusão: Neste período as concepções infecto-contagionista passam a ter voz cativa em países como Estados Unidos, França e Inglaterra. A explicação para a aceitação era induzida por motivos políticos e econômicos. O miasma era 167 tanto uma cria da biologia quanto política. Roger Cooter inclina-se na mesma direção, pois de concreto, as quarentenas representavam os maiores símbolos da presença dos médicos infecto-contagionistas, estabeleciam a harmonia entre os anseios dos comerciantes e o controle dos burocratas do estado168. George Rosen explica que neste cenário não haveria espaço para relações de cumplicidade e trocas pessoais, em contrapartida, haveria espaço suficiente para considerar que marginalizados e indigentes também fossem interpolados nesta atmosfera infecciosa. Ele também dá pistas que os médicos infecto-contagionistas estavam em sintonia com a conjuntura política da época, pois suas teorias médicas eram uma clara referência às mudanças da sociedade capitalista, além de uma tentativa de reformular os saberes populares sobre doenças, corpo e cura, jogando estes em um nível subalterno de conhecimento.169 166 JOHNSON, Steven. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Tradução. Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 128. 167 ACKERKNECHT, Erwin H. “Anticontagionismbetween 1821 and 1867”, Bulletin of the History of Medicine, vol. 22, 1948, pp. 562-593. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro. Companhia das Letras, 2006, pp. 170-171. 168 COOTER, Roger. Anticontagionism and history’s record. In: Wright, Peter, e Treacher, Andrew. The problem of medical knowledge: examining the social construction of medicine, Edinburgh, 1982, pp. 87108. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, pp. 171-172. 169 ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, pp. 213214. 59 Preocupar-se com estas questões significava efetivamente, para os médicos infecto-contagionistas atuar no esquadrinhamento do espaço público. Instituições como hospitais, prisões, matadouros, cemitérios, foram interpoladas como fatores determinantes do crescimento das cidades e, portanto indispensáveis ao seu funcionamento. Poderiam, no entanto, estar servindo como focos de doenças, representando um perigo para o perímetro urbano, não poderiam nem deveriam ser abolidas, entretanto era necessário, afastá-las do centro citadino. Neste contexto os portos também foram interpolados como locais por excelência de contágio e infecção. Bourel-Roncière elucida inúmeros exemplos de como tripulações de “navios estrangeiros” poderiam evitar a contaminação e proliferação de certas doenças pestilentas ao atracarem na costa brasileira. Suas sugestões eram: Evitar as comunicações fora do ambiente da embarcação, as saídas para terra eram proibidas, a não ser em casos indispensáveis, os passeios ou trabalhos em dias de intenso calor eram desaconselhados à tripulação, a fim de poupála dos efeitos da insolação. Durante a noite, as saídas deviam ser evitadas por causa dos cabarés que margeavam as praias, onde os marinheiros podiam 170 procurar, a baixo preço, doenças venéreas. As medidas preventivas sugeridas por Bourel-Roncière em suma restringiam-se às embarcações estrangeiras, os cuidados com as embarcações locais resumiam-se a dois pontos básicos. O primeiro seria a limpeza da embarcação e segundo seria a aeração das embarcações, mesmo assim, estas duas medidas, revelam a definição de higiene gestada durante os séculos XVIII e XIX não apenas como um conceito, mas como uma prática da medicina oficial, que no fundo remonta ao modelo de intervenção que vigorava sobre a vida pública e privada, chamada na época de “aerismo” 171 , isto porque ao final do século XVIII e início do século XIX, a questão dos cheiros e odores dos corpos constituía um dos quadros teórico-metodológico das preocupações higiênicas. 170 BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p.114. Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata (1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.1, p. 39-62, jan.-mar. 2007. 171 O aerismo necessariamente não preocupa-se apenas com a boa ventilação e circulação do ar em ambientes fechados. De acordo com Roasenau o termo também remete-se a concepções atmosféricas, já que esta é a reguladora da temperatura da terra, servindo-lhe de guarda-sol durante o dia e de coberto durante a noite. Para Haldane o aerismo fundamentalmente tem a ver com as potencialidades de trabalho do ser humano, segundo o mesmo, o ser humano trabalha em condições normais e atenues, com a temperatura até 23-25°C, nessas condições vê-se reduzir-se em ¾ a cota de suor que ele elimina e se a umidade relativa do ar passar de 60 a 80% o acréscimo de temperatura ao corpo sob gradativamente de 0°5, a 0°7, podendo atingir até a elevação de 1°. Cf. BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 252. 60 Importante para os médicos higienistas do século XIX era garantir a circulação do ar, a fim de escapar da “estagnação mórbida”. A ventilação garantia a circulação do ar, resguardava a qualidade do ar, a própria agitação das águas também favorecia a purificação e asseguravam a salubridade do ambiente. Por isso navios, hospitais e prisões funcionavam como verdadeiros laboratórios, onde se instituíram técnicas de ventilação e desinfecção.172 Lavar, aerizar, ventilar, secar e fazer penetrar o ar em todos os lugares e constantemente, é um procedimento que deve ser sempre seguido pelo comandante-chefe dos navios da estação naval; estas medidas podem ser consideradas como uma primeira condição para manter a saúde da tripulação. Uma boa ventilação e a existência de fortes correntes de ar são um meio 173 eficaz contra o calor excessivo. Vê-se aqui, todo um quadro teórico e metodológico acerca da concepção miasmática, projetando-se sobre a análise geográfica. Pois, assim compreendiam os médicos higienistas do século XIX o binômio, saúde e doença. Fazia-se necessário atentar para as condições de insalubridade do ambiente, principalmente o urbano, que era um iminente objeto de intervenção pública. Entende-se, portanto que a teoria miasmática contribuiu para as concepções sociais das doenças, no momento em que se viam nos ambientes espaciais os efeitos de uma possível insalubridade. Neste sentido, concorda-se em parte com as perspectivas traçadas por George Rosen em seu clássico livro “Uma História da Saúde Pública”, onde o mesmo, refere-se ao papel primário da teoria miasmática sobre a constituição da saúde pública no século XIX. Rosen chega a admitir as incoerências da própria teoria, assim como a definição exata do termo miasma, porém, afirma: E, embora não estivesse certa, essa ideia forneceu um terreno para a ação profícua da política sanitária. Muitas vezes, portanto, as coisas não são completamente claras ou completamente escuras, e ideias erradas podem ser 174 usadas de modo frutífero. Em suma entende-se que as ideias infecto-contagionistas serviram de base teórica para a concepção miasmática, onde a importância dada ao ambiente físico e 172 CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos dezoito e dezenove. São Paulo: Companhia da Letras, 2006, pp. 105-118. 173 BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p. 114 Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata (1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n. 1, pp. 39-62, jan.-mar. 2007. 174 ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82. 61 social foi estendida aos arautos da saúde e da doença, mesmo mergulhada nos malgrados das limitações científicas da própria teoria miasmática. A premissa desta teoria foi crucial no entendimento da projeção das questões urbanas no século XIX, no momento em que percebia os elementos naturais como, o ar, o solo, a água, como meios de disseminação das doenças pestilentas. São recorrentes em vários trabalhos historiográficos os embates entre os médicos contagionistas e infectologistas do século XIX. No meu ponto de vista, creio que estas discussões apenas restringiam-se ao uso correto do termo a ser utilizado no aparecimento e proliferação de uma epidemia, não penso que havia de fato um conflito entre ambas as teorias, pelo contrário, o que houve foi uma bifurcação do termo contágio pelo termo infeção, que trouxe maior dinamismo às interpretações contagionistas, isso porque o termo infecção quebra a paridade hierárquica das leis da natureza, assim as epidemias poderiam ser interpoladas diretamente a grupos ou classes subalternas. Pelo exposto acima, não é de se estranhar, que os médicos maranhenses do século XIX comungassem com essa perspectiva. As fontes para o envenenamento do ar, que incluíam os pântanos com suas águas estagnadas, os vapores que emanavam dos corpos humanos e dos animais em decomposição, as excreções e as emanações pútridas das latrinas eram constantemente lembradas em discursos da câmara municipal de São Luís. Na seção da câmara municipal de 03 de maio de 1839, Manoel Felizardo de Sousa e Mello presidente da Província do Maranhão, assim discursava sobre a questão. As febres intermitentes, que assaltão principalmente os moradores do interior, sendo devidas à visinhança dos pântanos, dos terrenos alagadiços & tem de persistir nos lugares acostumados, em quanto não se modificar a natureza, e disposição do seu solo: o que por sem duvida não se verificará em os nossos dias, sim quando braços numerosos ajudados por fortes capitaes dessecarem os charcos, roteiarem os campos saturados de agoas estagnadas, derrubarem mattas insalubres, e em uma palavra extinguirem todos os focos 175 de malignos, effluvios, causadores ordinários das endemias. Esta mesma concepção miasmática é reforçada, 15 anos mais tarde pelo então secretário da Província do Maranhão José Maria Farias de Matos, que assim discursava em 01 de maio de 1854; 175 MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da Provincia do Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura da Assemblea Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839, pp. 41-42. 62 Mandai secar esses imensos e imundos charcos, a que chamamos de pântanos, sobretudo os do Bacanga, onde nascem, vivem e morrem animais e vegetais de toda a espécie, e acabareis com essas febres de mau caráter, que se hão tornado endêmicas na nossa Capital, e suas funestas consequências tais como irritação do aparelho digestivo, hipertrofias do baço e fígado, 176 hidropisias de que é vítima talvez a terça parte de nossa população. Em 1863 a assertiva miasmática novamente é colocada em pauta, desta vez no relatório geral da Assembleia a respeito das condições do estado sanitário da Província do Maranhão, neste relatório fica claro a interface existente entre a frequência das doenças e as estações do ano: “[…] deduz-se também que as condições atmosphericas têm influído grave e fatalmente sobre as molestias, principalmente sobre as lesões thoraxicas, hydropesia, dentições e diarrhea” ou “as dysenterias proprias de nosso clima”.177 Higienizar os pântanos sempre foi uma preocupação constante na legislação sanitária de São Luís, especificamente porque o ambiente natural da cidade era favorável à constituição de miasmas pútridos. César Augusto Marques sublinha que os esforços para conter os avanços miasmáticos sobre a capital maranhense eram tardios, referindo-se especificamente ao início das obras do Cais da Sagração, em 1841. Para Marques a construção do Cais da Sagração beneficiaria a saúde pública, considerando que uma vasta área em torno do centro comercial seria aterrada e acabaria com as emanações venenosas provenientes dos pântanos que circundavam a capital.178 O segundo Código de Postura de São Luís datado de 1866 é mais um exemplo da assertiva miasmática sobre a origem das doenças. De acordo com o Art. 175 “os possuidores de terrenos pantanosos e alagados, dentro desta cidade, são obrigados no prazo de seis mezes, depois de intimados pelos fiscaes, a aterra-los e bem feitorisa-los de modo a tornarem-se enxutos e salubres”.179 Carlos Lacaz ressalta que a hegemonia da concepção miasmática das doenças, influenciaram os intelectuais do século XIX em diferentes partes do Brasil 180. Um 176 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 196. 177 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snr. Presidente da Provincia, Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snr. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, No dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 24. 178 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, pp. 282-283. 179 MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da Temperança. Anno, 1866, p. 95. 180 LACAZ, Carlos S. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher/Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p. 39. 63 enfoque semelhante foi adotado entre os maranhenses, principalmente entre os médicos e seus pares. Pode-se confirmar tal fato nos registros literários, testemunhos da relação próxima entre saúde e ambiente, que alcançou grande visibilidade ao longo da sociedade oitocentista. Entre teses de doutoramento, livros, artigos para jornais e revistas destaco as seguintes obras: Breve memória sobre o clima e moléstias mais frequentes da Província do Maranhão, apresentada em 29 de novembro de 1854, na Faculdade de Medicina da Bahia pelo médico maranhense Cesar Augusto Marques; Dicionário HistóricoGeográfico da Província do Maranhão, 1870 também de autoria de César Augusto Marques; Hemato-Chyluria endêmica dos paizes quentes, tese de doutoramento de Antenor C. Coelho de Souza, médico maranhense, que se graduou pela Bahia em 1886; e Geograhia Medica e Climatologia do Estado do Maranhão, escrito por Nosôr Galvão e apresentado ao 4º Congresso Médico Latino Americano, no Rio de Janeiro em 1909. Em todas essas obras nota-se a parecença da interpretação miasmática e a produção científica nesse campo de estudo, reiterando ainda mais a importância da matriz ambiental da saúde no Brasil e no Maranhão. 64 3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO 3.1 Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública No século XIX a medicina legitimava-se por meio de novas descobertas científicas, conferindo aos médicos diferentes bases de fundamentação teórica e espistemiológica, caracterizado a profissão, como fundamental para os problemas encontrados na vida cotidiana. Os médicos seriam um misto de intelectual e missionário uma vez que “eram os médicos que planejavam as reformas urbanas, dividiam a população entre sãos e enfermos, e administravam remédios em alta escala”.181 Michel Foucault resalta que ao longo do século XIX os médicos foram interpolados em uma dimensão de suma importância na sociedade. Segundo Foucault eles não eram apenas os esculápios de cura do corpo adoecido, eles significavam antes de tudo a consolidação da episteme médica sobre a família medicalizada.182 Fazendo uso das estatísticas populacionais183 como categoria de uso e análise os médicos higienistas contribuíram para o florescimento de novas áreas como a microbiologia, a bioquímica e a medicina clínica, que tiveram efeitos substanciais na produção e conservação de alimentos, na farmacologia e na higiene, representando um passo decisivo para o prolongamento da vida da espécie humana. Foucault define essa circunstância, como o nascimento em massa do bio-poder184 e da episteme médica na 181 SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas. Instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 277. 182 FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6 ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, pp. 49-50. 183 De acordo com Michel Foucault os termos população e família medicalizada referem-se a uma apropriação das ciências sociais por parte da biologia, que costumeiramente usa-o no entrecruzamento de grupos formados por seres humanos. A população e a família medicalizada em uma extremidade expressam a complexibilidade da espécie humana. Assim população e família medicalizada constituem um novo elemento coletivo para a história, recaindo sobre elas novos instrumentos de segurança e persuasão. Cf. FOUCAULT, Michel. A política da saúde no século XVIII. In. Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 296-317. 184 Michel Foucault sugere que a partir da segunda metade do século XVIII novas tecnologias e mecanismos de poder haviam surgido, com o advento do bio-poder, para ele, nossas sociedades são vinculadas constantemente aos mecanismos de segurança. Foucault atribui o mesmo sentido do bio-poder à bio-política, entendendo esta como “o conjunto de mecanismos pelos quais, na espécie humana, constitui seus traços biológicos para uma estratégia política geral de poder, dito de outra forma o elemento biológico, ou seja, a espécie passar a ser primordial na esfera do domínio”. Cf. FOUCAULT, 65 sociedade ocidental. Foucault ressalva, que para se tornar um almagro de saberes e verdades a medicina oficial que conhecemos hoje, antes de tudo embebedou-se na fonte de virtude do direito penal, civil e, sobretudo no discurso eclesiástico da igreja 185. Para ele ao longo do século XIX a medicina camuflou-se sobre a égide do cuidado e do controle dos corpos, fazendo disto não apenas sua função, mas sua especialidade. A primeira tarefa do médico é, portanto, política, a luta contra a doença deve começar com uma luta contra os maus governos; o homem só será definitivamente curado se for liberto, nesta sociedade reinará a concórdia, onde a figura do médico transborda com o ato de legislar sobre decisões do corpo de seus pacientes.186 Foucault continua explicando que a tradição médica do século XVIII, apresenta a doença como um “código de saberes” constituído de “sintomas e signos” distinguindo-se pelo seu valor semântico e morfológico187. Segundo Roberto Machado no século XIX o médico procura não apenas encontrar elementos que ilustre as concepções de cura. A doença na medicina passa a ser entendida como um conjunto de sintomas que são perceptíveis, por outro lado, o sintoma é transformado pela medicina moderna em signo da doença. A partir, da conceituação de doença e sintomas, bem como, a percepção de ambos no corpo dos sujeitos, é que surge a figura do médico e a necessidade da cura sistematizada nos procedimentos terapêuticos da medicina oficial.188 Entre as inovações médicas do século XIX, potencializam-se as práticas de controle sobre o corpo, aproximando assim, as descobertas científicas ao cotidiano. A demografia, o controle populacional, a vigilância e a salubridade urbana passam a ser pauta constante dos assuntos burocráticos de governo. Naturalmente, a medicina desempenhou o papel de denominador comum. Seu discurso passava de um a outro. Era em nome da medicina que se vinha ver como eram instaladas as casas, mas era também em seu nome que se 189 catalogava um louco, um criminoso, um doente. Michel. O dispositivo da sexualidade. In. História da sexualidade I: A vontade de saber. 13ª ed., Rio de Janeiro: Graal, 1988, pp. 75. 185 Id. Ibid., pp. 73-123. 186 FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 36. 187 Id. Ibid., p. 97. 188 MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 156. 189 FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 243. 66 Será a higiene como conceito e prática que irá dar os tons e contornos da medicina aplicada nos séculos XIX e XX, ela era entendida como arte de conservar a vida, indicava os rumos para sua utilização, fosse pelos que afirmavam as responsabilidades individuais no processo de adoecer e morrer ou para aqueles que a utilizavam como conceito para alardear a determinação social do processo saúde e doença. Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso higienista, suas propostas residiam na defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene e sua transformação em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade. Analisando o nascimento da medicina social, Michel Foucault identificou três modelos distintos da aplicação do discurso médico na sociedade. Segundo ele, na Alemanha desenvolveu-se uma “medicina para o Estado”; na Inglaterra, aplicou-se uma “medicina para a força do trabalho e controle dos pobres” e na França, em fins do século XVIII, aplicou-se uma medicina pautada no fenômeno da urbanização, configurando-se em uma verdadeira “medicina urbana”, que no fundo seria o resultado de um longo processo histórico. A medicina urbana não é verdadeiramente uma medicina dos homens, corpos e organismos, mas uma medicina das coisas: ar, água, decomposições, fermentos; uma medicina das condições de vida, do comportamento humano e do meio de existência. [...] A relação entre organismo e meio será feita simultaneamente na ordem das ciências naturais e da medicina, por intermédio da medicina urbana.190 De acordo com Foucault dos três modelos citados acima, a medicina urbana francesa foi a que mais encontrou adeptos ao redor do mundo, isto por que ela se preocupava em atender três objetivos básicos: O primeiro seria a necessidade de analisar e intervir nos locais considerados insalubres e perigosos, com maior atenção para os cemitérios, matadouros, hospitais e prisões. Estes locais eram vistos como geradores de odores pútridos, que poderiam ocasionar ciclo epidemicos. O segundo objetivo refletiu na necessidade da garantia da circulação do ar e da água, estes dois elementos eram considerados fatores patogênicos para a proliferação das moléstias exteriores e interiores. O terceiro objetivo refletiu na capacidade da medicina urbana em atender os anseios da administração pública e dos cidadãos. Na realidade a medicina urbana 190 FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo: Graal, 2012, pp. 162-163. 67 francesa em muito usufruía da concepção miasmática das doenças, por isso, no século XIX nota-se uma intensa preocupação dos médicos higienistas em realizar intervenções cirúrgicas no espaço citadino. Longas e largas avenidas foram construídas, para que o ar circulasse e se renovasse no arejamento das casas e ruas das cidades.191 Segundo Roberto Machado a higiene se institucionalizou, produzindo práticas e profusos discursos, os quais encontraram eco e visibilidade na atuação dos médicos do século XIX192. Contribuiu também para uma melhor compreensão sobre a saúde e doença, fazendo-se mister seu reconhecimento e divulgação. Saiu-se das explicações mágico-religiosas e do silêncio fisiológico para o conceito de nosologia médica.193 Portanto, ao se valer da vigilância dos espaços e dos indivíduos a higiene afirma-se como um discurso competente preocupado em impedir o surgimento de surtos e ciclos epidêmicos. As intervenções médicas se justificariam acima de tudo em prol da salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de saúde que a espécie humana enfrentou estiveram relacionados à natureza em vida comunitária, por isso a maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da sobrevivência da espécie. Discutia-se muito a respeito das condições da água e das comidas, melhoria do ambiente físico e das condições climáticas. Em termos de Brasil as questões higiênicas apenas começaram a ser discutidas de fato, no ano de 1827, quando o farmacêutico Francisco Xavier Ferreira deputado estadual pela Província do Rio Grande do Sul fez severas criticas ao monopólio do saber médico no Brasil194. No ano seguinte a Fisicatura-mor195 e o cargo de físico-mordo Império foram extintos, deixando a classe médica sem apoio nas questões burocráticas do governo. Tânia Salgado Pimenta destaca que a Constituição de 1824 e a lei de 1828 estabeleceram a criação e as atribuições das câmaras municipais, onde foi extinta a Fisicatura-mor, e os exíguos serviços de saúde, até então a ela vinculados, passaram a ser da competência das câmaras municipais. Essa alteração não trouxe mudança substancial aos serviços, pois atendia, na realidade, à proposta de descentralização do 191 Id. Ibid., pp. 145-170. MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 155. 193 O termo nosologia médica diz respeito não apenas ao conhecimento das doenças, mas também ao meio físico e social. Cf. LACAZ, Carlos. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo, 1972, p. 39. 194 SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 309. 195 Entre 1808 e 1824 as atribuições da Fisicatura-mor eram, até então, de fiscalizar a medicina oficial e os ofícios de cura dos ditos “terapeutas populares”. Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 67-92. 192 68 poder estatal em função da consolidação das relações locais regidas pela ascendente “classe senhorial”.196 Jean François Xavier Sigaud salienta que essa discussão abriu a possibilidade para que em 1830 a câmara municipal do Rio de Janeiro colocasse em pratica um edital que submetia a Sociedade de Medicina por intermédio da Comissão de Salubridade Geral a realizar um projeto sobre posturas de higiene e salubridade para a cidade do Rio de Janeiro. Após a leitura e discussão desse projeto as questões higiênicas e profiláticas rapidamente se transformaram em modismo, adentrando em várias áreas da sociedade, além da saúde, tanto que em 1832 ganharam força de lei, nos Códigos de Postura da cidade do Rio de Janeiro.197 A partir de 1834, foi instituída, para cada Província, uma Assembleia Legislativa Provincial, cuja função era legislar em sua área de competência. O referido órgão, instalado em 1835, era responsável pela aprovação dos Códigos de Posturas, que por natureza jurídica eram instrumentos normativos que estabeleciam parâmetros gerais para o convívio em sociedade.198 De acordo com Heitor Ferreira de Carvalho os Códigos de Posturas foram instrumentos disciplinadores no intuito de educar o uso e ocupação do espaço urbano, ao mesmo tempo em que representaram a promulgação das primeiras leis sanitárias que nortearam os hábitos e as atividades consideradas insalubres. Foram instrumentos de caráter punitivo quando havia infrações às leis e normas pré-estabelecidas.199 Os Códigos de Postura eram propostos pelas Câmaras Municipais, que desde a Carta Constitucional de 1824 possuíam natureza exclusivamente administrativa. Segundo o artigo 66, o inciso dois, da lei de 01 de outubro de 1828, diz que: “é dever da câmara municipal de São Luís promover posturas sobre a salubridade do município, assim como forçar a todos os seus moradores a cumprirem suas exigências” 200 . Em 1842 a câmara municipal de São Luís sanciona o estabelecimento do primeiro Código 196 PMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 67-92. 197 SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 310. 198 Id. Ibid., p. 310. 199 CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional e o repressivo. 177f. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, 2005, pp. 21-22. 200 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Jerônimo Martiniano figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1843, p. 12. 69 de Posturas da cidade de São Luís com 113 artigos 201, sob o jugo deste Código de Posturas a salubridade do perímetro urbano da cidade esteve sobre total responsabilidade da câmara municipal até 1849, que na prática obedecia a um sistema de saúde descentralizado. Os serviços de saúde pública no Império de 1828 a 1850 ficaram a cargo dos municípios que nada fizeram senão organizar alguns regulamentos para tentativas de saneamento do meio; de 1850 a 1889, a centralização fez-se pela criação de órgãos centrais de saúde pública, seguidos, posteriormente, de órgãos provinciais e municipais, subordinados a um órgão central, tendo as municipalidades direito de legislar sobre a saúde pública.202 Durante o decênio de 1840 e 1850 a cidade de São Luís gozou de relativo estado de saúde, os serviços higiênicos e profiláticos oferecidos à sua população foram timidamente melhorados, em 29 de janeiro de 1843 a legislação sanitária do Brasil foi regulamentada203. Desse modo, não é de se estranhar que o discurso higienista deixa de ser teoria passando a existir em ações práticas, o primeiro exemplo dessa transmutação foi à própria instituição do Código de Posturas de 1842 e da legislação sanitária de 1843. Por meio destes mecanismos, os médicos procuravam resolver o lócus do processo civilizador na Província do Maranhão, avaliando a possibilidade de forjar uma possível “civilização nos trópicos” 204. O médico José Antônio da Silva Maia205, talvez seja o maior expoente dessa concepção em terras maranhenses, o mesmo escrevera em 1845, no jornal da Sociedade Philomatica Maranhense206um litigioso artigo a respeito 201 Durante o século XIX foram instituídos três códigos de postura em São Luís, referentes aos anos de 1842, 1866 e 1893. Cf. CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional e o repressivo. 177f. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS, da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, 2005. 202 IYDA, Massako. Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1994, p. 30. 203 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311. 204 O termo civilização nos trópicos é usado rotineiramente dentro da historiografia brasileira para designar o projeto evolucionista europeu, da criação de uma nação pautada aos moldes eurocêntricos. Os trabalhos pioneiros do IHGB ratificam esta postura. Cf. KURY, Lorelai Brilhante. O império dos miasmas: a Academia Imperial de Medicina (1830-1850). Dissertação de mestrado, UFF, 1990, p. 29. 205 José da Silva Maia, natural de Alcântara doutor em medicina pela Universidade de Paris. Em 1821 com dez anos de idade, Silva Maia foi para a França, estudou ali as primeiras letras e um ano depois adentrou no Colégio Real de Caen, onde ficara até 1826, neste mesmo ano Silva Maia regressou a São Luís, voltando pra a França em 1829, ingressou no curso de medicina em 1830 ficando por lá até o ano de 1838, ano em que recebeu a outorga em doutor em medicina pela Universidade de Paris, neste mesmo ano Silva Maia regressou a São Luís. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 903-904. 206 O jornal da Sociedade Philomatica Maranhense foi editado no Maranhão entre os anos de 1845 a 1847 tinha como presidente Joaquim Vieira da Silva e Sousa e como editor chefe Raimundo Joaquim Cantanheide. Sua publicação era anual, trazia artigos com especialistas nos mais variados ramos da medicina oficial dissertando a respeito da saúde, da prevenção das moléstias (simples e agudas), da 70 da higiene urbana e sobre os surtos epidêmicos da varíola que outrora ceifavam vidas na capital maranhense. Para ele a emergência de uma higiene urbana deveria ser crucial na tentativa de retirar as pessoas do estado famigerado da imundice que contaminava até a alma. No Maranhão a hygiene pública é ignorada até no nome, para o que não tem pouco contribuído para os nossos governantes, cujo espírito parece achar-se inteiramente oposto a tudo o quanto é salubridade pública, e aperfeiçoamento de seus administradores, pois que nada se tem feito na nossa infeliz Província a favor de tão importante objeto, e o pouco que nos legarão nossos antepassados, se ainda existe, não é observado, ou está em véspera de desaparecer completamente, como todas as cousas úteis do Paiz.207 Silva Maia conclui que somente através da higiene, o Maranhão sairia de seu estado de inércia, passando a constituir uma sociedade dinâmica e eficaz, dizia também que a higiene era o único preservativo correto na preservação da vida. Espalharemos pelas diversas classes da Sociedade noções de hygiene e instruções convenientes, procurando conciliar os nossos concidadãos em todas as phases de sua existência; examinaremos as causas que tendem a favorecer a reprodução, afim de determinarmos os meios mais adequados à imprimir-hes modificações salutares, e alias compatíveis em nosso estado social; bem como as circunstâncias e perigos que precedem, acompanhão e seguem o nascimento do homem [...] para que o homem possa chegar são e forte a mais avançada velhice, e ter um termo isento de sofrimentos [...] envidaremos enfim todos os esforços para ensinar-mos aos nossos comprovincianos à evitarem as causas prejudiciais, e à fazerem bom uso das uteis. Si o conseguirmos serão cumpridos todos os nossos desejos, e os da Sociedade Philomatica Maranhense.208 Apesar de ser adversário político de Silva Maia, Cesar Augusto Marques 209 projeta-se na mesma direção, segundo o próprio, somente pela higiene o Maranhão poderia se ver livre dos surtos epidêmicos das doenças pestilentas210. O relatório entregue em 1856 pelo vice-presidente da Província do Maranhão José aplicação dos remédios além das descobertas científicas. Cf. MARANHÃO. Secretaria de Estado da Cultura. Biblioteca Publica Benedito Leite. Serviço de Apoio Técnico. Catálogo de jornais maranhenses do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA, 2007, pp. 26-27. 207 JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Hygiene Publica, 1846, p. 13. 208 Ibidem, p. 12. 209 César Augusto Marques (1824-1900), natural de Caxias-MA, foi médico do Corpo de Saúde do Exército, no mesmo ano de sua graduação na Província da Bahia, servindo ainda no Maranhão, Pará e Amazonas. Dentre os muitos cargos e funções que exerceu, destacam-se os de Médico da Província, Comissário Vacinador, da Saúde do Porto, Consultor da Santa Casa, Cirurgião da Guarda Nacional, Médico da Companhia de Aprendizes Marinheiros e dos Educadores Artífices, membro da Junta de Saúde Militar e secretário da Comissão de Higiene Pública; foi professor do Liceu do Piauí e do Seminário das Mercês, em São Luís. Cf. MEIRELES, Mário. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 225. 210 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 597-599. 71 Joaquim Teixeira Vieira Berford também ratifica a hipótese da emergência da higiene pública. Se um dos fins a que se propões a hygiene publica, é, como acredito, extinguir e remover as cauzas, que, directa ou indirctamente podem influir para a alteração da saúde pública, fora, entretanto, demasiado exigir que ella pudesse afastar de nós todas as enfermidades que flagellão a humanidade. As cauzas, se não estou em erro, do aparecimento e do desenvolvimento das queixas que soffremos na saúde, a maior parte das vezes, permanecem, a despeito dos esforços da sciencia, ocultas ao homem, e na generalidade dos cazos de moléstias endêmicas, esporádicas, ou epidêmicas, são elles duvidosas cauzas telluricas ou atmosfhericas.211 A relativa estabilidade do estado sanitário da Província do Maranhão alcançada entre os anos de 1840 a 1850 parecia que continuariam por longa data, os ânimos higiênicos ganhavam cada vez mais ares de esperança. Em 1849 foi instituída a lei de criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão. Em 11 de janeiro de 1850 Azevedo Coutinho pôs em circular as normas de cunho pessoal e de organização do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão212. Segundo o artigo 4° do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão: As medidas profiláticas deveriam se estender da capital ao restante das comarcas, por isso ficara estabelecido que em cada cabeça de comarca da Província, haverá um médico facultativo que ser considerado como delegado da respectiva comarca (Grifo meu), tendo gratificação assistida pela Assembleia Legislativa Provincial.213 O artigo 5° do regulamento do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão outorgava aos médicos facultativos, a permissão de inspecionar, vigiar e promover sobre todos os assuntos administrativos à higiene pública. Para tal objetivo os médicos poderiam contar com o auxílio dos delegados de saúde e da polícia sanitária, a fim de: Visitar prisões, inspecionar estabelecimentos industriais e matadouros públicos, examinar a planta das cidades, vilas e povoações, vigiar os cemitérios, tutelar sobre as medidas preventivas de cura contra as doenças contagiosas, reprimir os efeitos do charlatanismo, examinar a sanidade dos 211 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, p. 07. 212 Pelas normas da Câmara Municipal de São Luís o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão teria como previsão de inicio de suas atividades apenas em 18 de dezembro de 1851, sendo presidido na própria casa da Câmara Municipal, contudo o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão começou seus serviços ainda em 1850. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1850, Governo da Província, p. 02. 213 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1850, Parte Official, Governo da Província, p. 02. 72 alimentos e bebidas, visitar as boticas, fazer corpo delito e autópsias devidamente registrados pelo Conselho de Saúde Pública da Província.214 O Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão atuou com vigor e praticidade no ano de 1850. O objetivo pretendido pelo Conselho era levar a emergência da higiene pública para toda dimensão da Província do Maranhão, e mesmo que isto, não pudesse ser feito em curto prazo, essa atitude revela que os médicos da época sabiam que o aparecimento de surtos epidêmicos não dependia única e exclusivamente do controle da entrada e saída de embarcações do porto da capital. As moléstias poderiam ser importadas pela região do Turiaçu, ou por Caxias, passando por Pastos Bons e Itapecuru chegando por fim a São Luís.215 A polícia sanitária216era responsável por resguardar a posição da política sanitária da Província do Maranhão, havendo ordens do governo no intuito de prevenir o aparecimento de epidemia na capital ou para diminuir a gravidade dos males ocasionados por determinada epidemia. Por essa prerrogativa os citadinos obedeciam às posturas municipais sobre a saúde pública a fim de evitarem multas ou outros processos penais217. Em especial, a câmara municipal de São Luís constantemente relembrava a população local, sobre duas posturas: Postura n° 34. Todos os que tiverem em sua loja, ou armazém géneros corrupitos, que prejudiquem a saúde pública, serão condenados a pagar a pena de seis mil reis; e nesta proporção, pelas reincidências até o máximo. Postura n° 83. Todos os gêneros corrupitos que forem encontrados quer em terra, ou a bordo de qualquer embarcação, conforme a postura 34, serão de depois julgados tais pela Comissão de Saúde, inutilizados ou jogados ao mar, como melhor convier; sendo este trabalho feito à custa dos donos de taes gêneros.218 214 Ibidem, p. 02. Médicos e autoridades públicas sabiam que a região de Turiaçu possuía uma intensa movimentação de embarcações fluviais, já a região de Caxias e Pastos Bons estavam próximas ao Piauí. 216 De acordo com Michel Foucault a polícia médica sanitária foi instituída de fato na Alemanha no século no século XVIII. Ela fazia parte de um sistema amplo de controle social; se estendendo a registros de obituários, nascimentos, controle sobre produtos alimentícios, espaços públicos e privados, há fenômenos epidêmicos e pandêmicos em longa escala. Cf. FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 148-149. 217 A polícia sanitária foi instituída pelo decreto de 29 de janeiro de 1843, cujo qual prescrevia as obrigações do Provedor da Saúde ocupado por mais de 30 anos pelo cirurgião Verissimo dos Santos Caldas, depois pelo cirurgião Silvestre Marques da Silva Ferrão que exerceu o cargo por alguns meses, depois pelo Dr. Luís Miguel Quadros. Vale ressaltar que as obrigações da policia sanitária foram reestruturadas pelo Decreto de n° 828, de 29 de dezembro de 1851 cujo qual o Ministério do Império mandou executar o Regulamento da Junta de Hygiene Pública em conformidade do disposto no Decreto de n° 598, de 14 setembro de 1850. Por este ultimo foi criado às normas de institucionalização da Política Sanitária da Província do Maranhão em 1850. Cf. MARQUES, Cesar Augusto. Dicionário histórico– geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 598. 218 O PUBLICADOR MARANHENSE, 16 de Abril de 1850, Repartição da Polícia, p. 02. 215 73 Em 15 de abril de 1850 as respectivas posturas foram adotadas com veemência entre os comerciantes de couros da capital. Estes se queixavam das peticionárias propriedades de armazenamento de couro. Queriam eles, que o local conhecido como pátio de São Thiago219 fosse usado na preparação de seus produtos, porém, o Conselho de Saúde considerava tal manipulação de carnes e couros a céu aberto, imprópria à saúde dos citadinos, pois poderia facilitar a entrada de moléstias oriundas das vísceras dos animais mortos, por isso proibiu que no pátio de São Thiago fosse realizada quaisquer operação semelhante que pudesse colocar em risco a saúde da população. O decreto imperial de nº 598 de 14 de setembro de 1850 estabeleceu as normas e institucionalização da Junta Central de Hygiene Pública com jurisdição sobre todo o território nacional. Nas províncias a Junta Central de Hygiene Pública, atuaria através de Comissões de Higiene Pública, estabelecidas na capital de cada uma delas220. Em São Luís a Comissão de Higiene Pública iniciou suas funções no ano seguinte e assim era subscrita pelo seu próprio regulamento. Ar. 1° A Junta de Hygiene Pública, creada por Decreto de 14 de Setembro de 1850, será denominada Junta Central de Hygiene Pública – Seu assento será na Corte; e no município desta e na Província do Rio de Janeiro exercitará imediatamente a sua autoridade. Ar. 2° Nas Províncias do Pará, Maranhão, Bahia e Rio Grande do Sul haverá Comissões de Higiene Pública, compostas de três membros, nomeados pelo governo que dentre as mesmas designará seu Presidente; nas outras Províncias haverá somente Provedores de Saúde Pública. Os Presidentes tanto da Junta como das Comissões, tem voto de qualidade. Ar. 3° Farão parte das Comissões de Hygiene Pública os Comissários Vacinadores Provínciaes, os Provedores de Saúde dos Portos, e Delegados, Cirurgião-mor do Exército, onde os houver. Os Provedores de Saúde Pública serão escolhidos destas três classes, segundo o Governo entender.221 O decreto nº 828 de 29 de setembro de 1851 estabeleceu o regulamento da Junta Central de Hygiene Pública222, que prescrevia acima de tudo: Propor ao governo todas as medidas, que julgar necessárias ou convenientes a bem da salubridade pública, e informar sobre as que lhe forem indicadas pelo governo. Entender na efetiva execução das Posturas da Câmara Municipal relativas ao objeto de salubridade pública, e indicar-lhe as medidas que julgar 219 O pátio de São Thiago ficava em frete a capela de São Thiago, localizada noatual bairro das Cajazeiras. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 851. 220 MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 229. 221 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central, Ministério do Império, p. 01. 222 Sobre o Decreto nº 828 - de 29 de setembro de 1851. Manda executar o Regulamento da Junta de Hygiene Publica. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851; SENADO FEDERAL. Portal Legislação. Online. Capturado em 15 set. 2013. Disponível na Internet: http://legis.senado.gov.br/legislação/ListaPublicaçoes. Acesso em 15 de setembro de 2013. 74 necessárias ou convenientes para que se convertam em Posturas, recorrendo para o governo (...) quando não for atendida; Exercer polícia médica nas visitas das embarcações até agora encarregadas à inspeção da Saúde do Porto, e nas que devem fazer-se nas boticas, lojas de drogas, mercados, armazéns, e em geral em todos os lugares, estabelecimentos, e casas donde possa provir dano à Saúde Pública.223 Com a regulamentação da Junta Central de Hygiene Pública, os médicos higienistas passaram a ter um grande monopólio na vida pública e política do país, suas influências seriam sentidas nas mais diferentes instâncias de poder da vida pública, sobretudo em assuntos urbanos224. As normas da Junta de Higiene Pública dão fé a essa questão, as mesmas balizavam-se, em oitos itens. O primeiro deles diz respeito aos empregados da repartição de saúde pública, ficou estabelecido que cada repartição de saúde pública das províncias deveria ter no mínimo três médicos permanentes formados em medicina legal e conhecedores assíduos das medidas higiênicas no combate ao desenvolvimento de surtos epidêmicos. Sendo que o primeiro seria o presidente do conselho, o segundo ficaria incumbido ao cargo de secretário do conselho e o terceiro ficaria em vogal. Além desses três médicos deveria existir um médico assistente em vogal para substituir qualquer um destes, caso fosse necessário.225 O segundo item, diz respeito à inspeção de saúde dos portos. A Junta de Hygiene Pública substituiria o decreto de n°. 268 de 29 de janeiro de 1843, com as seguintes alterações: Os provedores de saúde dos portos ou qualquer membro das Comissões de Saúde das Províncias terão que entrar em contato imediatamente com a Junta Central de Higiene sobre o aparecimento ou não de alguma moléstia, e onde não houvesse comissões os provedores de saúde darão parte das notícias ao presidente da Província, que automaticamente as repassará à Junta Central de Higiene Pública.226 O terceiro item refere-se à inspeção da vacina, onde ficou igualmente acertado que a Junta Central de Hygiene continuaria a dar vigor ao decreto de n°. 461 de 17 de agosto de 1846 com apresentação de exames, mapas e relatórios sobre o estado de 223 BRASIL. Decreto nº 598 de 14 de setembro de 1850. In: COLLEÇÂO DE LEIS DO BRASIL, 1850, Tomo XI, parte I. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1951. 224 A respeito da criação e função da Junta Central de Hygiene Cf. DELAMARQUE, Elizabete Vianna. Junta Central de Higiene Pública: vigilância e política sanitária (antecedentes e principais debates). 187f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2011. 225 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central, Ministério do Império, p. 01. 226 Ibidem. 75 vacinação em cada Província do Império, os governos das províncias ficaram incumbidos de regular o serviço de vacinação, assim como os dias e locais a serem aplicadas as vacinas.227 O quarto item diz respeito ao exercício da medicina legal, onde ninguém poderia exercer o ofício da medicina ou qualquer uma de suas ramificações sem ter título conferido pelas Escolas Médicas do Brasil ou do exterior e com devida habilitação dada pela Junta Central de Higiene Pública. O quinto item diz respeito à polícia médica sanitária, que dava autorização às comissões de higiene a realizarem normas de vigilância sanitária em ruas, praças, estabelecimentos públicos e particulares. O sexto item, refere-se especificamente aos procedimentos corretos a serem feitos durante as visitas sanitárias, o sétimo item posicionava-se, sobre as vendas de medicamentos nas boticas e o oitavo item ratificava as disposições gerais que deveriam ser feitas caso houvesse alguma irregularidade durante as visitas sanitárias.228 A regulamentação e as normas da Junta de Hygiene Pública e do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão ratificam que os preceitos da higiene se transformaram em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo de controlar doenças e de melhorar a vida em sociedade. Isto ocorreu não por acaso, mas, porque, cada vez mais a higiene tornou-se “regra”, seja no cuidado com a atmosfera, mantendo suas condições normais e livrando-a de causas de poluição, seja pela água, evitando-se sua contaminação, no cuidar do solo, já que é nele que o homem assenta sua morada ou na distribuição espacial do lar demarcando os locais para determinadas relações sociais. 3.2 Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de São Luís A vinda da Família Real Portuguesa e sua corte, em 1808 para o Brasil possibilitou uma série de mudanças e melhorias na saúde pública da ainda então Colônia. Nesse processo seguiu-se uma série de ações político-administrativas que iriam alterar o panorama geral do Brasil. Em 1809 o Príncipe D. João regulamenta os serviços 227 228 Ibidem. Ibidem, p. 02. 76 prestados pelo provedor da saúde do porto229, suas funções passam a ser privativas a médicos diplomados, sobretudo na vigilância dos portos. Sobre este assunto, Mário Martins Meireles assinala: Nas capitais regionais que fossem portos de mar, teria a coadjuvação de um guarda-mor da Saúde, que teria, às suas ordens, uma Política de Saúde do Porto, de modo a que houvesse uma permanente vigilância nos navios chegados, e para evitar que desembarcassem pessoas com moléstias infectocontagiosas ou mercadorias já inaproveitáveis para o consumo.230 Segundo George Rosen o século XIX tem como característica principal a normatização administrativa dos portos espalhados pelos continentes, a fim de garantirem um livre transito entre as mercadorias mundiais, para este autor as quarentenas, tinham por objetivo conter o surgimento dos surtos epidêmicos de doenças pestilentas, melhorando assim o escoamento e distribuição das mercadorias231. A corte portuguesa contribuiu para o salto substancial no que diz respeito aos serviços sanitários disponíveis em São Luís. Por suas condições geográficas a capital maranhense seria um ponto estratégico de comunicação com os portos da Europa, Ásia e África, entendia-se que a distância entre São Luís e a Europa era menor do que a de São Luís com Rio de Janeiro232. Esta situação é comprovada pelo porto de São Luís ser majoritariamente ocupado por ingleses no início do século XIX.233 Fato que ligeiramente motivou o governo imperial a desenvolver uma política que pudesse enquadrar a Província do Maranhão nas devidas linhas de salubridade e higiene pública da nação. Dentro do contexto econômico, o Maranhão já desempenhava um importante papel. Matthias Assunção destaca que desde o inicio do século XIX São Luís despontou como uma das principais cidades portuárias do Brasil.234 229 O cargo de provedor da saúde do porto era exercido anteriormente por vereadores sem especialização médica, auxiliado por outros funcionários. Em 1655, o Senado da Câmara de São Luís criou o cargo de Juiz da Saúde, que tinha como função informar sobre o aparecimento de moléstias importadas por navios que chegavam com negros. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 207. 230 Id. Ibid., p. 221. 231 ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco, 1994, pp. 210-212. 232 GALVÃO, Manuel da Cunha. Melhoramento dos portos do Brasil. Rio de Janeiro: TypographiaPerseverança, 1869, pp. 87- 112. 233 A respeito da presença inglesa em São Luís entre os séculos XVIII e XIX, Cf. VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992. 234 ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província brasileira: O caso do Maranhão, 1800-1860. In. BOTTCHER, Nikolaus; HAUSBERGER, Bernd. Dinero y negócios em la historia de América Latina. Frankfurt & Madri: Vervuert - Iberoamaricana, 2000, pp. 291-192. 77 A regulamentação dos serviços do porto da cidade de São Luís é datada do ano de 1843, a mesma obedece às orientações do decreto imperial de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843, que sublinhava as inspeções de saúde dos portos da nação. Por este decreto nenhuma embarcação poderia atracar em qualquer porto do Brasil sem a apresentação da carta de saúde da dita embarcação.235 De acordo com Sigaud, o Dr. José Antônio da Silva Maia (conselheiro do Império) foi peça fundamental na elaboração dos doze artigos sobre a saúde e vigilância dos portos da nação do decreto imperial de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843.236 Art. 1°. As câmaras municipais não terão doravante nenhuma intervenção nas inspeções sanitárias dos portos, nem tampouco na nomeação dos empregados que serão escolha do governo. Art. 2°. O posto e a função do professor de saúde serão exercidos pelo inspetor da saúde, o qual será médico ou cirurgião. Art. 3°. Haverá no Rio de Janeiro um inspetor e dois secretários-interpretes, um agente, um porta-estandarte, e dois guardas. Art. 4°. Na Bahia, Pernambuco e Maranhão haverá o mesmo número de empregados, menos um secretário, o agente, o estandarte e o guarda. Art. 5°. Nos outros portos providos de alfândega só haverá um inspetor e um guarda, o qual preencherá as funções de escrivão e secretário. Art. 6°. Os secretários-interpretes deveram saber falar francês e inglês. Art. 7°. Nos portos em que a saúde terá um barco a sua disposição, este servirá também para as visitas da polícia do porto; nos outros, este serviço será feito no barco da alfândega. Art. 8°. O inspetor tem direito de visitar todos os navios declarados em quarentena, de inspecionar os serviços dos empregados, de examinar as patentes de saúde, de empreender e fazer cumprir todas as medidas de polícia sanitária e, nos casos difíceis e imprevistos, de reclamar a autoridade do ministro de Império. Art. 9°. Aos secretários pertence a tarefa de intérpretes, a visita aos navios, a expedição de escrituras, a manutenção de arquivos e o teor e a assinatura das patentes de saúde. Art.10° O agente tem obrigação de entregar os pareceres ao inspetor, de receber do Tesouro o salário dos empregados, de abastecer os navios em quarentenas de todos os objetos e provisões que reclamem, de vigiar a limpeza da casa de saúde, etc. Art. 11°. Os guardas devem acompanhar os secretários em suas visitas de inspeção, etc. Art. 12°. Um local conveniente será escolhido em cada porto para a casa de saúde.237 . Em 1849 o terrível flagelo da febre amarela grassou a cidade do Rio de Janeiro por completo, o impacto da moléstia foi tamanho que levou o Estado Imperial a 235 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311. Disponível em: www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-29_12. pdf. Acesso em 12 de novembro de 2013. 237 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311. 236 78 rediscutir as questões de saúde pública de maneira incisiva238. Segundo Lycurgo Santos Filho foi somente a partir do episódio do flagelo da febre amarela em 1849 que se passou a discutir com veemência o controle das epidemias mortíferas no Brasil 239. A própria criação da Junta Central de Hygiene Pública foi um reflexo dessa situação. Sobre esta questão Flávio Edler cita a criação da Junta Central de Hygiene Pública no centro do debate científico em 1850 e os conflitos que por ela perpassaram. A cooptação de importantes quadros das elites médicas, brindados com cargos públicos em instituições médicas estratégicas, com as faculdades de medicina e a Junta central de Higiene Pública; um forte controle do ensino médico, que corrompia a formação técnico-científica através das cartas de empenho, viabilizando, assim a constituição de uma burocracia estatal conformada ao sistema de patronagem política e o esvaziamento das propostas de organização de um sistema de instituições médicas, seja através de um sistema de instituições médicas, seja através de respostas parciais ou efêmeras às reivindicações defendidas pelas principais lideranças, médicas ou mesmo pela postergação das medidas por elas preconizadas visando o controle e regulamentação do exercício da medicina e melhoria na formação profissional.240 Tânia Salgado Pimenta acrescenta que a criação da Junta Central de Hygiene Pública foi um marco para a medicina acadêmica e para as pretensões médicas no controle e monopolização dos saberes de cura. Contudo, segundo a autora, após a criação da Junta Central de Hygiene Pública nunca se tinha visto antes tantos súbitos da febre amarela e de outros flagelos como a cólera morbus e a varíola no Rio de Janeiro.241 Gabriela Sampaio e Luiz Otavio Ferreira sugerem que a criação da Junta Central de Hygiene Pública em 1850 não constituiu um corpo institucional coeso para os médicos e seus pares, isto porque a mesma foi gestada em momentos de conflitos e pretensões políticas. Muitos médicos reclamavam abertamente sobre os equívocos da 238 Para aprofundar a questão da epidemia de Febre amarela que assolou o Rio de Janeiro em 1849, Cf. REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; RODRIGUES, Claudia. A cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (18491850). In: História, Ciência e Saúde. Vol. 6, nº 1, 2000. FRANCO, Odair. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, 1969. 239 FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991, p. 499. 240 EDLER, Flávio Correa. As Reformas do Ensino Médico e a Profissionalização da Medicina na Corte do Rio de Janeiro, 1854-1884. 275f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 1992, p. 38-39. 241 PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). 256f. Tese de doutorado, UNICAMP: Campinas SP, 2003, p. 176. 79 Junta Central de Hygiene Pública, principalmente no controle e distribuição de remédios e na distribuição da linfa vacínica contra a varíola.242 Circunstancia similar é percebida em São Luís em 1850, quando o Dr. José Antônio da Silva Maia preocupado com a importação do flagelo da febre amarela ao porto da Ponta d’ Areia estabeleceu normas sobre as quarentenas de mar ao porto de São Luís. No mesmo ano Silva Maia postulou um documento identificado: Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre amarela. Neste documento Silva Maia aponta seu parecer oficial sobre a febre amarela. Quanto á origem da epidemia pretendião muitos medicos que ella fôra importada da Nova Orleans, onde estava fazendo grandes estragos, por um navio que apportára à Bahia, com direcção à California, ou da Costa d’Africa pelos numerosos navios que andão no trafico da escravatura. Outros, porém, sustentavão que o mal tinha alli mesmo a sua origem, e que provinha das emanações pantanosas, verdadeiras envenenamentos pelos miasmas vegetais e animaes que exhalão dos alagadiços, das agoas estanques, dos charcos, e mesmo do solo d’aquella Província.243 O parecer de Silva Maia vai de encontro aos pressupostos da medicina urbana francesa que exemplificava a origem da doença no século XIX ao controle dos espaços públicos e centros urbanos em busca de possíveis focos endêmicos e epidêmicos. O relato do Dr. Silva Maia caracteriza-se como de suma importância, pois, oficialmente a regulamentação oficial da saúde dos portos brasileiros passou a ser vigente desde 29 de janeiro com o Decreto Imperial de nº 268, no entanto as discussões sobre a tutelada e as quarentenas dos portos da nação foram realizadas somente em 1851, e isto somente fora feito devido aos efeitos do terrível flagelo da febre amarela que atacou o Rio de Janeiro em 1849. Em 1851 foram realizadas reuniões em Paris, onde foram discutidas as medidas profiláticas das quarentenas244 de mar nos portos de todo o mundo. 242 Cf. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro Imperial. 192f. Dissertação de mestrado UNICAMP. Campinas SP, 1995; FERREIRA, Luiz Otávio. O nascimento de uma instituição científica: os periódicos médicos da primeira metade do século XIX. Tese de doutorado, USP: São Paulo, 1996. 243 MAIA, José da Silva. Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre amarella, com o regulamento de saúde dos portos. São Luís, Typ. Ferreira, 1850, p. 10. 244 Segundo Michel Foucault as medidas de quarentenas já haviam por existir em várias parte da Europa desde a Idade Média, em alguns países como a França, por exemplo, existia até mesmo um regulamento em caso de aparecimento de surto epidêmico de qualquer natureza. Segundo Foucault este regulamento possuía cinco itens básicos: 1° cada família deveria permanecer em sua casa e se possível cada pessoa em seu compartimento, 2° a cidade deveria ser dividida em distrito ou bairros para facilitar o controle sobre a epidemia; 3° deveria haver inspetores de saúde para observar e enviar relatórios, se possível diários sobre o desenvolvimento da epidemia, 4° os inspetores deveriam diariamente passar em revista em todas as 80 O poder contagioso desta moléstia não pode jamais ser contestado. Se em outras épochas a influencia prestigiou o comércio, o poder dominador do século, pode, para aniquilar as medidas de quarentenas que prejudicar a seus interesses, levantar uma phalagede anti-contagionistas, que, nos congressos sanitaristas de 1851 a 1853 resolveram os govemos da França e da Inglaterra a reduzi-las a meras formalidades que não impedissem a liherdade do comercio, muito severa foi de certo a lição que soffreram aquelles povos. Depois da epidemia de febre amarella de Saint Nazaire, sobre a qual versou o brilhante relatório do senhor Héfíer, e uma extensa e importante discussão na Academia de Medicina de Paris, em que ficou claramente definida acerca da transmissibilidade da moléstia pelos doentes, e pelos carregamentos dos navios, e especialmente a formação do foco de infecção no porão dos mesmos; o Governo francês, reformando suas medidas sanitárias de accordo com estas ideias, determinou o isolamento dos navios, seu arejamento e desinfecção cuidadosa do carregamento, e além d'isto o lazareto para os passageiros; e no caso de não ter havido doentes a bordo, e sim ter o navio somente carta suja isto é, ser de procedência contaminada pela epidemia, ainda assim, determina o decreto de 1851 o isolamento do navio, seu arejamento a desinfecção, bem como a do carregamento.245 Ainda assim, havia aqueles a considerar as quarentenas como percalços para uma atividade portuária dinâmica, por isto não era difícil burlar-se a lei mediante a não apresentação da carta de navegação. Discussões como esta voltaram a acontecer nos anos subsequentes a 1851. Artigos científicos da Gazeta médica da Bahia apontam que as autoridades da França e da Inglaterra ratificavam os benefícios das quarentenas, mas mesmo assim ainda havia por existir contrários a essa obrigação. As leis francezas punem com a pena de morte o indivíduo que por transgredir os regulamentos sanitários, é causa d'uma invasão' pestilencial. E será irresponsável a authoridade que, incumbida de fazer observar estes regulamentes, os despreza por ignorância ou por incúria, causando assim enorme dano á saúde publica? A historia das epidemias nos mostra as terríveis devastações que fazem elas quando encontram em sua recepção um conjuncto de más condições hygienicas. Basta vê-las para estremecer-se de boas medidas quarentenarias que devem ser observadas rigorosamente, com especialidade nos lugares ainda não atacados. Não reputamos necessária a quarentena tão longa como era de rigor outrora: com o auxilio dos meios de desinfécção hoje empregados, que tendem a salubrificar o foco da moléstia, a quarentena pôde ser menos longa e não menos efficaz. A communicação com os lugares atacados da molestia, devem ser feitas com toda a precaução, com a desinfécção dos navios, mercadorias, etc, vindas d'esses lugares. Na cidade devem ser tomadas rigorosas providencias sanitárias, em relação ao asseio e desinfecção das ruas, casas, pateos, latrinas, canos, etc. As dejecções e roupas dos indivíduos atacados devem ser desinfetadas e lançadas ao mar, longe da costa, ou enterradas; e a policia deve fornecer às casas pobres os meios de effectuarem esta desinfecção. Os cadáveres dos fallecidos da epidemia não casas do distrito ou do bairro, 5° em casa por casa deveria se praticar a desinfecção. Cf. FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 155-156. 245 GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira 1870. Hygiene Publica. A hygiene n’esta cidade; a proposito da invasão da febre amarela. 15 de maio de 1870. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 218. 81 devem ser enterrados sem certas precauções. Dever-se-hia proceder como nos hospitais da França em relação aos colericos: Logo que sucumbia o doente espalhava-se ácido phenico em torno da cama; no caixão se assentava o corpo em cloreto de cal, e enchia-se o espaço restante de serradura impregnada de ácido phenico; e além d'isto, quando o caixão descia á sepultura, deitava-se sobre a cova uma camada de cloreto de cal, e fazia-se por cima uma aspersão com água cloruretada. E todas estas medidas não são demais para aniquilar a 246 influencia contagiosa da moléstia. Em “Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre amarela” essa orientação já havia por existir na cidade de São Luís. Além disso, o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão era atuante em São Luís desde 1850. O relatório geral do estado sanitário da Província do Maranhão do ano de 1850 presta contas à boa atuação do Conselho de Saúde Pública. Segundo o Conselho de Saúde Pública, o porto e o lazarento da Ponta da Areia encontram-se em bom estado de salubridade, os mesmos funcionavam na melhor oferta possível, seus empregados executam com zelo e inteligência as medidas sanitárias e higiênicas para abstrair a introdução de qualquer mal que por ventura pudesse colocar em risco a saúde coletiva. As quarentenas de mar eram feitas regularmente tanto de dia, quanto a noite, por sentinelas postadas a cinco beiras da praia, vigiados também por uma barca da alfandega e por uma lancha comandada por um guarda da saúde.247 A fora todas essas preocupações o diretor do lazarento da Ponta d’ Areia ronda em horas incertas na noite, nas ditas embarcações de vigilância, entrando nas embarcações sob custódia de quarentena averiguando o estado de saúde tanto da tripulação quanto da embarcação, também fora vetada quaisquer comunicação entre tribulações em quarentenas é citadinos. Sendo que os próprios funcionários do lazarento são obrigados a tomar diariamente banhos salgados com cloro afim de evitar-se quaisquer contágio.248 O estado sanitário da cidade de São Luís era satisfatório em 1850, parecendo que nas atuais circunstâncias não havia moléstia alguma por reinar em longos anos em São Luís, elogiava-se com prazer e zelo os serviços prestados pelo Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, principalmente no anseio e limpeza das ruas, casa, quintais e salubridade dos portos da cidade. Sendo que nunca fora tão grande tamanha 246 Ibidem. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 12. 248 O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de abril de 1850, Parte Official, Governo Central, Ministério do Império, p. 03. 247 82 satisfação da câmara municipal com as posturas higiênicas adotadas na cidade de São Luís.249 As medidas sanitárias aplicadas aos portos do Brasil foram postas no porto da Ponta d’ Areia. Por elas entende-se toda a preocupação infecto-contagionista das moléstias perniciosas ao homem. Art.1°. São consideradas moléstias pestilenciaes. O cholera-morbus epidêmico, a febre amarela e a peste. Art.3°. As medidas aqui estabelecidas se resumem: 1. Em desinfecção das casas e das pessoas; 2. Em quarentenas de observações e quarentenas de rigor; 3. Em socorros médicos à pessoas afectadas ou ameaçadas; 4. Em expedientes que facilitem o commercio entre os portos do Império, deste com os portos estrangeiros; Art.4°. As medidas sanitárias preventivas deveram variar conforme os seguintes casos: §1. Quando os navios forem de portos onde reinara qualquer das 3 molestias pestilenciaes, e chegarem ao porto com viagem de 15 até 25 dias, sem ter durante ella ter apparecido caso algum de taes moléstias. §2. Quando durante esta viagem houver tido lugar algum caso de moléstia pestilencial. §3. Quando os navios dos portos procedentes dos portos infectados chegarem com menos de 15 dias de viagem, sem ter havido a bordo caso algum de moléstia pestilencial. §4. Quando durante esta viagem houver sucedido algum caso de taes moléstias. §5. Quando, qualquer que seja a procedência do navio, quaisquer que sejão os dias que trouxer de viajem, chegar a ele com hum ou mais doentes afectados de alguma moléstia pestilencial. Art.5°. Quando entrar algum navio procedente de portos onde reine alguma das três molestias pestilenciaes, trazendo de 15 até 25 dias de viagem, sem que tenha durante ella a bordo nenhum caso de moléstia pestilencial; logo que ele ancorar, ou ainda sobre a vela, a autoridade sanitária, por se ou por seus delegados médicos, dirigindo a seu bordo procederá sucessivamente à inquirição e inspeção do artigo 45.250 O artigo 45 da política de segurança dos portos de São Luís refere-se as disposições gerais do regulamento dos portos do Império do Brasil. Segundo este artigo logo que ancorados os navios nacionais ou estrangeiros deveriam apresentar as devidas cartas de saúde atestando boas ou más condições da embarcação e de sua tripulação. Art. 45°. Haverá duas espécies de informações a respeito dos navios quando chegarem aos portos do Império. A primeira constando de inquirição verbal, a segunda se procederá logo a chegada do navio ao porto, se for possível estando ainda sobre vela: formulada nos requisitos seguintes. 1. De onde vem? 249 Apenas uma reclamação, havia a se fazer, tratava-se da limpeza dos canos cobertos da Praia Grande e de sua circunvizinhança, pois desde que foram construídos aqueles canos, os mesmos ainda não haviam sido foram devidamente limpos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13. 250 O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p. 02. 83 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Traz cartas de saúde? Qual o nome, nação, ou lotação do navio? Que carta traz? Quantos dias de viagem? Qual o estado de saúde a partida? Teve moléstia, ou perdeu algum doente na viagem? Chegou com as mesmas pessoas com quem sahio? Comunicou com algum navio ou porto durante o trajecto? Precisa de algum socorro medico ou de outra natureza? 251 Por estes exemplos, nota-se que a partir de 1850 o porto de São Luís foi categoricamente marcado por posturas de normatização, reflexo da política sanitária adotada pela Província do Maranhão, com a criação da Junta de Hygiene e do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão.252 3.3 Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e o hospital dos bexiguentos A história das cidades pode ser contada através da experiência corporal de seus habitantes, homens e mulheres num mesmo espaço, circuncidados por olhares, cheiros, odores e curvas arquitetônicas, linhas que definem não o homem mais a pessoa citadina, seus comportamentos, sua moral, seus costumes, tudo circunscrito pela higiene e pelos médicos253. Portanto ao se valer da vigilância dos espaços, dos indivíduos e dos fenômenos da natureza a medicina urbana afirmava-se como um discurso legítimo e competente preocupado em impedir o surgimento de surtos e ciclos epidêmicos. Segundo Roberto Machado as intervenções médicas se justificariam acima de tudo em prol da salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de saúde que os seres humanos enfrentaram estiveram relacionados à natureza da vida em comunidade, por isso a maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da sobrevivência da espécie, aplicadas nos centros urbanos254. Ou seja, pode-se dizer que a 251 Ibidem. A atuação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão foi tamanha em 1850 que praticamente todas as praias da capital estavam sobre vistoria dos agentes de saúde que retiravam animais mortos e imundices que pudessem ser focos de miasmas pútridos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13. 253 SENNET, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003, pp. 180-209. 254 MACHADO, Roberto. Op. Cit., 1978, pp. 155-156. 252 84 medicina instituída com viés na higiene foi, sobretudo, uma medicina preventiva. João de Barros Barreto assim ratifica os argumentos da higiene preventiva. Há, assim, a distinguir nitidamente, na esfera da ação da higiene: uma tarefa de saneamento, ou seja, do cuidado conveniente com o ambiente; uma outra, em que esse cuidado é com o organismo humano, para possibilitar-lhe o funcionamento normal-tarefa propriamente da higiene, a se dizer assim individual, mas que dentro do mesmo critério e com a mesma orientação, ampara com cuidados especiais o homem nos diversos períodos etários da sua vida, e, com estas normas estende os seus benefícios às coletividades- é a chamada higiene pública; uma terceira tarefa é a da medicina preventiva, que se propõe a reduzir ou a erradicar as doenças removendo ou modificando os seus fatores etiológicos, agindo sobre elementos e condições que facilitam sua ocorrência e expansão, ou ainda imprimindo alteração à suscetibilidade individual graças a recursos e práticas que alicerçam e reforçam a resistência 255 orgânica. De acordo com Vigarello o cuidar de si, já ajudaria em muito na superação de muitas doenças perniciosas ao homem. A própria história da higiene corporal ilustra bem essa realidade, lentamente foram sendo adicionadas as exigências higiênicas ao cotidiano do ser humano. A limpeza passou a refletir o processo civilizador de uma sociedade, as sensações corporais sobre sabores, odores e prazeres passaram a ser moldadas gradativamente.256 Comportamentos foram aos poucos refinados, desencadeando sutilmente um “polimento social”. Este polimento social é perceptível nas ações de isolamento social por moléstias infecto-contagiosas. Leprosários e lazarentos eram locais com histórias conhecidas na sociedade oitocentista, sua finalidade maior seria a garantia da salubridade e purificação do espaço urbano, através da boa circulação do ar e da comercialização de alimentos, por isso qualquer pessoa acometida por um mal pernicioso ao homem e que fosse infecto-contagioso deveria ser isolado em lugares como estes. Em tese leprosários e lazarentos possuem a mesma função de isolamento, no entanto suas estruturas são diferentes. Os leprosários eram locais de isolamento destinados a pessoas acometidas por lepra257 (hanseníase), lazarentos ou casas de saúde 255 BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume I: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1948, p. 12. 256 VIGARELLO, G. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp.15-21. 257 A lepra ficou conhecida na história como mal de São Lázaro, a pessoa acometida por lepra também era chamado de “morfético ou pestoso”. Cf. NASCIMENTO, Heleno Braz do. A lepra em Mato Grosso: caminhos da segregação social e do isolamento hospitalar (1924 - 1941). 178f. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá-MT, abril de 2001, pp. 24-41. 85 do porto eram locais de isolamento destinados às tripulações acometidas pelas moléstias pestilentas como a cólera morbus, a febre amarela e a peste. Para Fernando Bissaya Barreto a lepra seria “sinônimo do mal” sujo e imundo, reminiscência do antigo mundo medieval, ele situa a ocorrência e a disseminação da lepra nas camadas populares portuguesas, sobretudo nas rurais, identificando o leprosário como um local de exclusão social.258 Em São Luís o Hospital dos Lázaros259 foi edificado em um terreno concedido pelo acórdão da câmara municipal em 23 de novembro de 1830. Em 1833 este local começou a receber os morféticos, sendo desativado em 1869. O hospital estava sobresponsabilidade da Santa Casa de Misericórdia situado junto à necrópole do cemitério do Gavião.260 Anterior ao leprosário, o primeiro lazarento da cidade de São Luís foi construído em 1785 no Bonfim, para servir de local de isolamento para os pestosos261. O vice-almirante Paulo José da Silva Gama por ofício de 15 de junho de 1813 recomendaria à câmara da capital que fizesse recolher ao lazarento do Bonfim todos os bexiguentos a fim de se evitar-se uma possível epidemia variólica em São Luís. Entre 1849 e 1850 circulava em todo o império notícias de uma violenta epidemia de febre amarela, locais como Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Pará sentiram a força mortífera do rastro deste flagelo. Ciente dos eventuais problemas que estavam por vir, Eduardo Olímpio de Machado então presidente da Província do Maranhão estabeleceu uma comissão de saúde composta pelos doutores José Da Silva Maia, José Miguel Pereira Cardozo e Veríssimo dos Santos Caldas262. A 258 BARRETO, Fernando Bissaya. Acudamos aos leprosos: a lepra, o mal sujo e imundo dos antigos. Coimbra, 1938, p. 4. Apud XAVIER, Sandra. Em diferentes escalas: a arquitetura do Hospital-Colônia Rovisco Pais sob o olhar do médico Fernando Bissaya Barreto. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, jul.-set. 2013, pp. 983-1006. 259 O Hospital dos Lázaros era considerado na época como um cancro no seio da cidade de São Luís constituindo um flagelo de semimortos. Em várias descrições da época era visto como a porta para o inferno “Per me si va ne la città dolente, per me si va ne l’etterno dolore”. Após ser desativado o lugar foi ocupado por gente pobre que por lá construíram algumas casa de taipa cobertas por palha. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608. 260 Id. Ibid., pp. 332-334. 261 Segundo Georges Duby a lepra era considerada como sinal distintivo do desvio sexual, nos corpos desses infelizes reletia-se a podridão de seu pecado e alma. Duby também aponta que chamava-se de lepra muitas doenças de erupções cutâneas da pele. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 81; a assertiva apontada por Georges Duby assemelha-se as em muito ao isolamento praticado em São Luís no século XIX, pois até o ano de 1833 pessoas enfermas de qualquer natureza contagiosa eram isolados no lazarento do Bonfim. 262 Em 1850 o Dr. José Da Silva Maia ocupava o cargo de inspetor geral da polícia de saúde, José Miguel Pereira Cardozo ocupava o cargo de comissário vacinador provincial, enquanto que Verissimo dos Santos 86 dita comissão entendeu que seria de bom grado estabelecer artigos de posturas contendo medidas sanitárias, além da criação de um segundo lazarento localizado no igarapé do Forte da Ponta da Areia, a fim fiscalizar as quarentenas de mar.263 Em 26 de março de 1850 o lazarento do Forte da Ponta da Areia264 foi instituído, tendo como seu primeiro diretor Veríssimo dos Santos Caldas, que na época também exercia o cargo de provedor da saúde. O lazarento do Forte da Ponta da Areia teve ainda como seu diretor o Dr. Luiz Muniz Barreto. Este lazarento disponibilizava duas enfermarias, uma destinada aos brancos e outra para as pessoas de cor, obedecia às regras do regulamento dos portos brasileiros, que em tese prescrevia a aplicação de rígidas medidas sanitárias no combate às moléstias consideradas pestilentas ao homem265. O jornal o Publicador Maranhense de 20 de junho de 1855 retrata bem essa realidade. Embarcações que chegavam dos portos infectados retornavam rápido, forneciam os mantimentos e não tinham comunicação com a população da cidade, e se trouxessem algum doente, esse seria repassado para o hospital do lazarento, afim de receber atendimento médico.266 O sexto capítulo do regulamento das medidas sanitárias aplicáveis aos portos do Império do Brasil ratifica bem essa postura. Diz este capítulo que as medidas aplicadas aos artigos 4° e 5° deste regulamento somente valeriam aos casos de moléstias pestilenciais. Art.20°. qualquer que seja a procedência do navio, quaisquer que forem os dias que trouxer de viagem, se ella chegar com hum ou mais doentes afctados de alguma das três moléstias pestilenciaes, se procederá a seu respeito pela forma seguinte. §1. As pessoas sãs, depois de desinfectadas a bordo pela maneira que for ahi possível, serão desembarcadas ao lugar por ellas destinado, ou, se assim entender a autoridade sanitária necessária para salvar a saúde pública, serão Caldas ocupava o cargo de provedor da saúde. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, pp. 11-15. 263 Ibidem, p. 12. 264 Além de contar com um diretor geral, o lazarento do Forte da Ponta da Areia dispunha de um empregado do correio, dois guardas da Alfandega, dois remadores e a força militar para executar as ordens e medidas higiênicas aos navios em quarentena. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970. 265 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 12. 266 O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official. Rio de Janeiro. Medidas sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p. 01. 87 conservadas essas pessoas não afectadas a bordo do navio somente durante a remoção deste para o lazarento; §2. Toda roupa suja, da tripulação dos passageiros e dos colonos e em geral todos os tecidos e substancias orgânicas absorventes de miasmas ou susceptíveis de infecção, serão imersos em dissolução chloruleto; ou fumigadas pelo chloro ou pelo gaz acido sulfuroso, aquelles que se podem deteriorar pelos chloruletos, e por fim arejados. Este processo será feito durante o transporte e remoção do navio ao lazarento, se for possível e sempre antes do desembarcar pessoa alguma tenha que levar consigo taes objectos. §3. Chegando o navio ao ancoradouro do lazarento, serão todos os passageiros e mesmos os marinheiros (desde que o capitão designar) desembarcados; os sãos ocuparam os aposentos que lhes são destinados; ou a juízo de autoridade depois de purificados regressarão ao próprio navio, no caso que este tenha de vir completar sua descarga dentro do porto, e outro seja o lugar destinado aos sãos em quarentenas de observação; os doentes serão recebidos no hospital do lazarento.267 Na tentativa de impedir a importação da cólera morbus a São Luís, em 1855 o governo provincial mandou construir mais dois lazarentos. O primeiro localizava-se na Ponta da Guia, próximo ao antigo lazarento do Bonfim, o segundo foi construído na ilha do medo. Estes dois lazarentos possuíam uma estrutura física bastante rústica, o lazarento da Ponta da Guia era um grande galpão, dividido apenas por quatro compartimentos de diferentes dimensões, sendo em um deles o pavimento revestido de cimento e nos outros o assoalho e as paredes eram de tábua de pinho branco com cobertura de pindoba (palha). O lazarento da ilha do medo era composto por duas casas pequenas revestidas de tábuas de pinho branco e cobertas com pindoba, uma das casas era destinada ao tratamento dos enfermos, a outra era destinada ao processo de desinfecção, o lazarento ainda contava com um pequeno cemitério.268 Ao que tudo indica as regras impostas aos navios e embarcações atracadas nestes lazarentos eram constantemente burladas. Em uma inspeção de vistoria aos lazarentos os engenheiros Raymundo Teixeira Mendes, João Nunes Campos e o doutor Sergio Mendes Ferreira membro da então comissão de higiene, atestam o estado deplorável de funcionamento dos lazarentos: 1°. Que o estado das casas é péssimo não só pela falta de solidez na construção, principalmente a casa destinada para o lazarento, que além de ser coberto de palha, tem as paredes entaipadas de barro argiloso ou tabatinga, amassado com agua do mar, tornando-se assim muito humidades pelas quantidades de saes, que contem e absolvem a humidade da atmosphera e mantem as paredes naqulle estado. 267 Ibidem, p. 02. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, p. 15. 268 88 2°. O local não foi bem escolhido e não é o mesmo indicado pelos médicos encarregados desta commissão. O terreno em que as casas foram construídas é inclinado; ellas se acham na falda de um morro 10 a 20 braças da pancada do mar; as aguas pluviais não tem fácil escoamento, inconveniente este que, por meio de uma vala, ainda poderá ser removido; 3°. Os ventos açoitão para os matos do morro que fica por detraz do lazarento, onde não chegão, de maneira que os miasmas que ordinariamente existem nos hospitais permaneceram para sempre ou por muito tempo naquelle lugar; 4°. A natureza chimica do solo pertence a formação do grão vermelho; as casas assentão sobre uma camada de tabatinga cheia de pedras da mesma composição, mas sobrecarregadas de oxidos de ferro; é humido e inconsistente; 5°. Os commodos da casa destinados a enfermaria são nenhum; outra casa construída para armazem das mercadorias, com quanto seja coberta de telha, rebocada e caiada, podendo ainda servir em caso de necessidade, é acanhada e não oferece as acommodações precisas para desenfardamento e desinfecção das mercadorias; 6°. Não existe água corrente, e sim de poço, a qualidade della não é má, mas é preciso filtra-la. 7°. O ancoradouro é com quanto de diffícil acesso pelo lado de N. E e do S. O., dá em oito braças d’agua, fundo d’ areia encourando de dous a três navios de 200 toneladas.269 Entre 10 e 21 de agosto de 1884 os mesmos problemas foram notificados pelo Dr. José Eduardo Teixeira270, em seu parecer oficial prestado a comissão do Ministério do Império, Teixeira ratifica que ambos os lazarentos não possuem qualquer condição de funcionamento, pois não tinham estrutura física adequada para tal fim e também por não haver fiscalização dos portos em ambos os lazarentos, por estarem geograficamente mais distantes do centro urbano de São Luís.271 De acordo com o artigo 100 do Código de Posturas da cidade de São Luís de 1842, a pessoa que fosse acometida por varíola ou qualquer doença contagiosa deveria 269 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente Joaquim Teixeira Vieira Beford, entregou a presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Shr. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, pp. 8-9. 270 O Dr. José Eduardo Teixeira era conselheiro do Império nos assuntos de saúde e saneamento. Após seu parecer oficial sobre os lazarentos da cidade, ficou estabelecido que em 27 de setembro de 1855 o lazarento localizado na Ponta da Guia passaria por reformas estruturais, sobre a quantia de 8. 500§000 rés, ecom a supervisão do engenheiro Manoel Jansen Pereira. Cf. O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Falla que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25° legislatura em 24 de fevereiro de 1885. 271 O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Governo da Província. Falla que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25° legislatura em 24 de fevereiro de 1885, p. 01. 89 ser prontamente isolada e afastada com urgência para o hospital do Bonfim272, longe do perímetro urbano da cidade a fim de evitar-se a contagiosidade da moléstia. Toda a pessoa infectada de bexigas, qualquer que seja a sua condição, e estado será obrigada a retirar-se para o Hospital do Bonfim, para ali se curar, sob pena de trinta mil reis, e na reincidência sessenta mil reis, para o cofre da Câmara, e 15 dias de prisão; sendo, todavia obrigado a retirar-se para aquelle lugar a expenças suas entendendo-se o mesmo com as pessoas escravas por quem seus senhores, ou administradores ficam responsáveis. Aquellas pessoas, pois que seu estado de pobreza, e indigência se não possão transportar para o dito Hospital, fica, todavia ao cuidado da Câmara Municipal o concorrer grátis com toda a despesa, com o seu curativo, e transporte, devendo fazer sciente à mesma Câmara por hum atestado do seu respectivo Vigário, e na sua falta do Juiz de Paz do seu Districto a sua pobreza, e que não tem meios alguns para se curar.273 Contudo, em todas as situações que a varíola confluente grassou em São Luís no século XIX, a câmara municipal da cidade recorria sempre ao aluguel de um imóvel para servir como hospital dos variolosos ou bexiguentos274. Por meio das fontes de pesquisa utilizadas neste trabalho, sabe-se que este hospital localizava-se geralmente na Rua de Santa Rita, o mesmo não dispunha de boa estrutura física para o socorro dos variolosos. O pequeno hospital da Rua de Santa Rita era destinado aos socorros dos variolosos, sua clientela era composta por os negros e indigentes, que sem sombra de dúvidas eram as vitimas mais frequentes da varíola. Este hospital contava com o auxílio de três médicos responsáveis pelos cuidados dos enfermos, um enfermeiro, um cozinheiro, além de uma comissão destinada a promover os socorros públicos. Vale a pena ressaltar que tanto no lazarento da Ponta da Areia, quanto no hospital dos variolosos havia uma separação de atendimento entre as pessoas brancas e as pessoas de cor. Essa característica de separação social dos corpos até mesmo no momento da dor e sofrimento revela os reflexos de exclusão da sociedade oitocentista. Para Foucault a medicina e a higiene não teriam por objeto apenas o estudo e combate às doenças, elas apresentavam fortes relações com a organização social. 272 A carta de Lei de 20 de outubro de 1823 informava que havia muitos morféticos por andarem no perímetro urbano da cidade, a partir disso foi estabelecido a criação de um pequeno hospital no Bonfim, consignado pelos rendimentos da Província. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário históricogeográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608. 273 MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da Temperança. Anno, 1842, p. 16. 274 Este hospital era temporário e também era chamado de enfermaria dos bexiguentos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Eduardo Olímpio Machado, Na Sessão de 05 de maio de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. 90 Foucault, conclui que a medicina e a higiene foram usadas no processo de “medicalização da sociedade”, a qual se caracteriza, sobretudo pelo esquadrinhamento do espaço social reprimindo as condutas e comportamentos275. João de Barros Barreto tem opinião semelhante, segundo ele o isolamento utilizado durante o século XIX, possuía um caráter estreitamente excludente, ou melhor, promovia a separação citadina dos corpos pela hierarquização social. No seu propósito de proteger e melhorar a saúde, a higiene compendia e aproveita fatos doutrinários e ensinamentos práticos colhidos em vários campos dos conhecimentos humanos. E aprimorando esses ensinamentos, cuida de sanear o ambiente em que vive o homem, cuida de favorecer na sua plenitude o ótimo funcionamento do organismo, ajustando-o ao meio, cuida de impedir e combater as doenças que trazem estorvo a esse perfeito funcionamento; e assim se esforça por manter íntegra, a saúde, elevar o padrão de bem estar, prolongar a duração da vida e aprimorar a raça, mesmo 276 que seja pelo isolamento. Gilberto Freyre foi um dos pioneiros nas análises dos tipos físico-biológicos dos escravos representados nos anúncios de fuga e venda nos jornais e periódicos brasileiros no século XIX, expõe de maneira original os aspectos depreciativos que emergiam aos olhos da sociedade oitocentista em relação aos negros. Freyre sintetiza que frases como “escravos rendidos, quebrados, cheios de bicho-de-pé, efeitos de raquitismo, erisipela, escorbuto, bexiguentos, sífilis e oftalmia” e tantas outras eram cunhadas e relacionadas aos negros.277 Lílian Mortiz Shwartz em Retrato em branco e negro percebe a mesma ação pejorativa. Segundo Shwartz os jornais paulistas do século XIX retratam toda a hierarquização social e as representações negativas sobrepostas no corpo negro e como este foi interpolado como a própria doença em instância de degeneração. A análise critica da autora ajuda a entender como operava a mentalidade de boa parte da elite brasileira durante o século XIX e o processo de mestiçagem, pois, se ocorresse infecção por doença venérea ou degeneração dos corpos, a medicina preventiva pairava para proteger a raça e quando falha a persuasão, age drasticamente proibindo até o casamento com pessoas de cor, segregando a pessoa em pleno período de sua capacidade 275 FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo: Graal, 2012, p. 154. 276 BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1948, p. 17. 277 FREYRE, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p. 39. 91 produtiva, fazendo-lhes às vezes até a esterilização, a este campo recorre à medicina preventiva baseada na higiene social.278 Sidney Chalhoub argumenta que durante a segunda metade do século XIX, surgiu no Rio de Janeiro as explicações higienistas que alimentavam acima de tudo a representação política e social da separação dos corpos e das “classes perigosas”, interpolando os negros e as classes subalternas como verdadeiras fontes do contágio e da infecção de moléstias perniciosas.279 Josenildo de Jesus Pereira percebe a mesma estratégia de depreciação do corpo negro nos jornais abolicionistas do século XIX. De acordo com ele a imprensa abolicionista retratava o negro como uma espécie de cancro mole, um verdadeiro câncer na sociedade que deveria ser amputado. A respeito do aspecto depreciativo do corpo negro, Josenildo Pereira destaca a fala do jornalista Themístoceles Aranha: “o mal é crônico e só como a doença crônica devia ser tratada”.280 A mesma situação é percebida em 04 de maio de 1851 quando o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão sugeriu uma postura de separação entre brancos e negros, a justificativa usada pelo Conselho de Saúde Pública para tal postura, seria que os negros eram em grande número na capital e a maior parte deles circulava com roupas imundas e com chagas nas pernas. Lembro a vossa segurança que seria bom organizarem a semelhante respeito uma postura, visto como as roupas imundas, o calor do corpo e o mau cheiro das chagas necessariamente hão de produzir exalações fétidas que devem causar grande prejuízo às pessoas que de perto comunicar-se com os feridos indivíduos e até aos que de passagem o encontrarem.281 Por este exemplo, nota-se que parte da sociedade oitocentista via os negros como “incorrigíveis”, proibindo que estes circulassem em determinados locais. 278 SHWARTZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no fim do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp.111-113. 279 CHALHOUB, Sidney. Op.Cit., 2006, p. 29. 280 PEREIRA, Josenildo de Jesus. “Vão se os anéis e ficam os dedos”: Escravidão, cotidiano e ideias abolicionistas no Maranhão do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 253. 281 O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de maio de 1851, Parte Official, Governo Central, p. 03. 92 3.4 Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão Em 1802, o conde de Anadia, ministro da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendou ao vice-rei do Brasil e aos governadores das capitanias a propagação da vacina jenneriana, a mesma foi introduzida na colônia em 1804282. Existe um impasse em relação à data correta da introdução da vacina jenneriana no Brasil, diferentes autores sugerem datas distintas, por exemplo, Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub consideram que esta foi introduzida em 1804, José Vieira Fazenda sugere que a vacina foi introduzida um ano antes em 1803, José Murilo de Carvalho considera que as primeiras experiências com o método jenneriano ocorreram em 1801 no Rio de Janeiro.283 Em termos de Maranhão, César Marques aponta que os primeiros registros da vacina jenneriana no Maranhão são datados de 17 de janeiro de 1805, quando D. Antônio de Saldanha da Gama governador da Capitania do Maranhão recomendou à corte portuguesa a introdução da vacina no Maranhão já que as bexigas estavam por fazer estragos no Maranhão. Em 27 de fevereiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da Gama reforçou o pedido a corte, prevenindo para que a mesma lhe envia-se linfa vacínica de qualidade da Inglaterra.284 Em 24 de abril de 1805 o governo da Capitania da Bahia, obedecendo ao ofício de 10 de novembro de 1804 expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, enviou ao Maranhão Francisco da Cunha Meneses com a missão de propagar a vacina na região. As notícias das primeiras inoculações da vacina no Maranhão são datadas de 24 de junho de 1805, quando o fluido vacínico foi aplicado em alguns escravos vindos do brigue Tibério.285 Ilmo. Exmo. Sr. – Por ocasião de virem de Lisboa no navio Bom Despacho 07 negrinhos daqui mandados para conduzir o humor da vacínico a esta 282 FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 44-45. 283 Sobre a introdução da vacina jenneriana no Brasil, Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006; FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; ARAÚJO, Carlos da Silva. “A imunização antivariólica no Brasil colonial e nos primórdios da sociedade de medicina (1830)”, futura academia imperial. Rio de Janeiro: Editorial R. Continental, 1979; FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991. 284 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 885. 285 Id. Ibid. 93 cidade, afim de se poder adotar aqui o método da vacinação como o único preservativo das bexigas; recebi um ofício expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos em data de 10 de novembro do ano passado, em qual o Príncipe Regente de nosso Senhor é servido determina-me promova com todas as forças da persuasão o uso deste específico nesta capitania, e procure com toda a diligência introduzir nas mais do Brasil, pelo que, Matias Antônio Álvares, mestre do brigue Tibério, que presentemente segue para essa capitania, remeto a V. Exa o referido humor guardado em vidros. “Como”, porém talvez não produza por este modo conduzido o seu desejado efetivo, e no mesmo brigue se transportam vários escravos que ainda não tiveram bexigas, persuadi ao sobredito mestre a que viesse assistir à vacinação que ontem se fez na minha presença, para se adestrar no modo de se ir vacinando sucessivamente durante a viagem alguns dos ditos escravos com o fim de que se consiga chegar desta maneira a esta cidade a vacina em todo o seu vigor. Deus guarde a V. Exa. Bahia, 27 de abril de 1805. Sr. Antônio de Saldanha da Gama / Francisco da Cunha Maneses.286 Não satisfeito com essas medidas em 07 de agosto de 1805 Antônio de Saldanha da Gama pediu para João Lourenço Marques cirurgião-mor propagar a vacina em todo o território do Maranhão. Os esforços para a introdução da vacina em solo maranhense enfim eram conquistados. Em ofício de 07 de novembro de 1805, Antônio de Saldanha da Gama presta homenagens ao governo da Bahia pelos bons resultados que a vacina obteve em seus primeiros inoculados. Cheio de maior gosto participou a chegada da vacina da Bahia a esta capitania, havendo os efeitos dela correspondido à sua expectativa, e dos habitantes que a esperavam com ânsia incrível e tinham esperança de ver anualmente diminuir o número de mortos por bexigas, até que de uma vez se extinguisse este avassalador mal.287 Rapidamente a vacina foi transposta para o interior da Capitania do Maranhão, Cesar Marques aponta que o ofício de 20 de novembro de 1805 ratifica a vacinação em Alcântara e Guimarães por dois cirurgiões. Entretanto, ao que parece a linfa vacínica aplicado junto à população local não era de boa qualidade ou pelo menos não fora inoculado da maneira apropriada, tanto que o próprio Antônio de Saldanha da Gama em ofício de 20 de dezembro de 1805 assim reportava-se: Participou vários casos que tinham derramado a desconfiança contra a vacina, e que o povo estava desanimado vendo serem atacados por bexigas e até morrerem pessoas vacinadas e confessou que ele também estava da mesma maneira a ponto de aconselhar o povo que não continuasse a vacinarse.288 286 Id. Ibid., p. 886. Id. Ibid. 288 Id. Ibid. 287 94 Mesmo com a reprovação de parte da população, a vacina jenneriana continuou a ser propagada na então Capitania do Maranhão. Em 11 de agosto de 1806 o governador da Capitania do Maranhão D. Francisco de Melo Manuel da Câmara participou ter recebido o aviso de n° 14 de 29 de março de 1806, o qual dizia ter recebido quarenta exemplares do papel escritos pelo governo e capitão-general da Índia e físico-mor daquele país sobre as observações e a maneira correta de inocular-se as pessoas com a vacina.289 Pelo decreto de 04 de abril de 1811, sob a inspeção do físico-mor e do intendente-geral da polícia, é criada a Junta da Instituição Vacínica da Corte, esta tinha por atribuição a propagação da vacina antivariólica. Em 04 de dezembro de 1811 estabeleceu-se um novo decreto290, este prescrevia as gratificações dos empregados da Junta Vacínica291. A Junta Vacínica da Corte funcionava no Rio de Janeiro, no entanto havia diversas repartições espalhadas pelas províncias.292 Pelo aviso de 24 de dezembro de 1819 em 12 de fevereiro de 1820 foi estabelecida em São Luís e por toda a Capitania uma Repartição da Vacina, o Dr. José Antônio Soares de Sousa foi nomeado vacinador e inspetor da vacina293. Faziam parte da Repartição da Vacina do Maranhão um escrivão com vencimentos de 8$000 réis mensais, um porteiro com vencimentos de 6$000 réis mensais, um servente com igual valor e alguns cirurgiões encarregados de promover a vacina pelo interior da Capitania do Maranhão.294 Em 28 de março de 1821 a câmara municipal relata à corte portuguesa os primeiros resultados satisfatórios alcançados pela vacina oferecida em escala no Maranhão. 289 Id. Ibid. O decreto de 04 de dezembro de 1811 foi publicado na Coleção das leis do Brasil, encontrando-se sob a forma de documentação manuscrita no acervo do Arquivo Nacional. Para inspetor geral da Junta foi nomeado Teodoro Ferreira de Aguiar, cirurgião-mor do Exército e médico da Real Câmara, além do escrivão Bernardo Francisco Monteiro e de três vacinadores: Francisco Bonifácio, Hércules Octaviano Musi e Florêncio Antônio Barreto. Este documento informa, ainda, que pelo decreto de 14 de abril de 1821 foi nomeado inspetor Joaquim da Rocha Mazarem, no lugar de Teodoro Ferreira de Aguiar, que acompanhou d. João VI em sua volta a Lisboa. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. 291 FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 45. 292 Id. Ibid., p. 45. 293 O Dr. José Antônio Soares de Sousa não recebia nenhuma gratificação pelos seus serviços, pois o mesmo se ofereceu gratuitamente para este serviço. José Antônio Soares de Sousa ocupou o cargo de inspetor da vacina durante os anos de 1820 a 1837. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 885-887. 294 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886. 290 95 Havendo a moléstia das bexigas assolando e desbastando tanto esta cidade como as vilas e lugares mais florescentes da Capitania, hoje tinha diminuído este flagelo pelo prestantíssimo remédio da vacina, que o previdente governo tinha mandado liberalizar até pelos lugares mais remotos de sua jurisdição, enviando hábeis cirurgiões e aniquilando desta forma a enfermidade pela descoberta que mais honrava o gênio do homem.295 Em 1827 a câmara municipal de São Luís regulamentou o serviço de vacinação da Repartição da Vacina no Maranhão, e em conformidade com o Art. 69 da Lei de 01 de outubro de 1828, a vacina antivariólica passa a ser prática constante nos assuntos profiláticos da Província do Maranhão296. O Código de Posturas de 1832 da cidade do Rio de Janeiro foi quem estabeleceu pela primeira vez no Brasil a obrigatoriedade da vacina, promovendo multa para aqueles que inflingissem sua autoridade.297 Toda pessoa do termo da cidade do Rio de Janeiro que tiver a seu cargo a educação de uma criança de qualquer cor que seja, será obrigada a mandá-la à casa da vacina para ser vacinada, até pagar ou fazê-la vacinar em casa, podendo-o dentro de três meses de seu nascimento, e de um, depois que tiver a seu cargo, passado desta idade e estando com saúde para receber o remédio. Os que se acharem em contravenção serão multados em 6$000 réis. As criadeiras encarregadas da criação dos expostos são também compreendidas nesta disposição, levando-os ao depósito da Santa Casa para este fim.298 Em 1834 foi aprovada uma postura municipal semelhante em São Luís tornando a vacina obrigatória, de acordo com Cesar Marques o livro mais antigo da Repartição da Vacina ressalta em sua primeira página um edital datado de 27 de fevereiro de 1834, neste o vereador da câmara municipal Raimundo Nunes Cascaes, nas forças do inspetor da vacina, fez saber ao público a obrigatoriedade da vacina por postura proposta pela câmara e aprovada pelo presidente da Província. Todo chefe de família deve enviar seus filhos, fâmulos e escravos para se vacinarem logo que fossem avisados pelo agente da repartição da vacina ou pelos juízes de paz, sendo na falta multados pela primeira vez em 4$000 réis, e na reincidência 8$000 réis para as despesas da câmara.299 Esta mesma postura foi novamente regulamentada em 17 de agosto de 1846 como a obrigatoriedade da vacina para todas as pessoas do império300, porém prescrevia-se por regra que a vacina fosse aplicada na infância, por isso as multas na 295 Id. Ibid. MARANHÃO, Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da Temperança. Anno, 1842, p. 14. 297 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 370. 298 FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 47. 299 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886. 300 O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de setembro de 1847. Parte Official, Governo da Província, p. 01. 296 96 maioria das vezes eram aplicadas em sua maioria aos chefes de família, àqueles que por ventura fossem contra a vacinação em seus filhos deveriam pagar multa de 5$000 réis, caso fosse residente a multa a ser pagar seria o dobro do valor inicial, como explica Meirelles: “[…] sujeitando os chefes de famílias que não a cumprissem, a uma multa de, que seria cobrada no dobro em caso de reincidência”.301 Segundo Raimundo Palhano a obrigatoriedade da vacina antivariólica em São Luís em 1834 foi falha, pois o serviço de vacinação só funcionava uma vez por semana302. De fato, o uso da vacina como instrumento profilático era desacreditado, sua propagação era muito tímida no seio da população. Apenas por meio de ofícios e publicações específicas a vacina era requisitada em tempos epidêmicos e ainda assim com grandes fracassos. A crescente no valor das multas sobre a vacinação revela isto. Ao longo dos anos as posturas da obrigatoriedade da vacina303 ficaram mais rígidas em São Luís, passando a multa de 4$000 réis para 5$000 réis e por fim 6$000 réis. N° 01 – Todos os chefes de família e mais pessoas, que recusarem mandar seus filhos, fâmulos ou escravos para se vaccinarem, quanto para isso sejam avizados pelo agente da repartição da vacina ou pelos juízes de paz, serão multados pela primeira vez em quatro mil réis para as despesas da câmara, e na reincidência em oito mil réis. Postura 103. Toda a pessoa, depois de vacinada será obrigada a comparecer na sessão seguinte da vacina na repartição competente, ainda que para isso não seja avisada, para se verificar se ella produzio, ou não efeito; sob pena de pagar a multa de cinco mil réis pela primeira vez, e na reincidência de dez mil réis e cinco dias de prisão, se a pessoa for de menor de idade, seu pai, ou quem por ella responda, e se for escravo o seu senhor ou administrador. Maranhão, 29 de agosto de 1865. Dr. Cesar augusto Marques, comissário vaccinador provincial.304 Entre 1820 a 1835 a Repartição da Vacina funcionava na Casa dos Expostos, a mesma oferecia os serviços de vacinação apenas uma vez durante a semana, geralmente aos sábados ou domingos das 07 às 09 horas da manhã. Por ordem da câmara municipal de São Luís, em 15 de outubro de 1835 os serviços da vacinação passaram a ser ministrados duas vezes na semana já que o flagelo das bexigas estava por se desenvolver na capital. Em 17 de dezembro do mesmo ano a câmara municipal teve que 301 MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 224. PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 150. 303 A variação entre as multas foram extraídas de acordo com os números apresentados pelo jornal “O Publicador Maranhense” entre 1855 a 1883. 304 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de julho de 1854. Parte Official, Governo da Província, p. 02. 302 97 nomear um médico auxiliar para dar conta dos serviços de vacinação na capital, já que o vacinador local não supria a demanda da população.305 Em 1837 após a morte do Dr. Soares, o cirurgião-mor Veríssimo dos Santos Caldas foi nomeado para o cargo de vacinador e inspetor da vacina, este recebia anualmente a quantia de 150$000 contos de réis pelos seus serviços, neste mesmo ano Raimundo Nonato Nunes foi nomeado para a função de escrivão recebendo anualmente 200$000 contos de réis. O porteiro Joaquim Raimundo de Moraes e Santos recebia os mesmo 200$000 contos de réis306. Ainda assim, mesmo com essas gratificações o serviço de vacinação parecia capengar, tanto que em 02 de março de 1839 a câmara municipal decidiu que os serviços da vacinação deveriam ser realizados na própria câmara municipal a fim de se estabelecer maior controle sobre o mesmo.307 Em 1846 a Junta Vacínica da Corte é reestruturada pelo Ministério do Império que se valendo do § 30 do artigo 2° da lei de n° 369 de 18 de setembro de 1845, baixou o decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 decretando a criação do Instituto Vacínico do Império308 e extinguindo o cargo de inspetor da vacina em seu lugar é criado o cargo de comissário vacinador provincial cabendo a este fiscalizar a aplicação da linfa vacínica, emitir relatórios e mapas trimestrais e anuais sobre as estatísticas das pessoas vacinados e não vacinados, sendo que em cada mapa de vacinação deveria constar o nome, o sexo, a idade, a naturalidade, a filiação e a condição de cada pessoa vacinada. O decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 também prescrevia a criação dos cargos de comissário vacinador municipal e paroquial, os quais tinham as mesmas obrigações do comissário vacinador provincial, porém estes atuariam no interior das províncias não havendo obrigatoriedade de pagamentos ou gratificações pelos seus serviços309. Para o cargo de comissário vacinador provincial foi designado o Dr. José Miguel Pereira Cardoso, o qual foi nomeado em 01 de junho de 1847, exercendo esta função até 28 de julho de 1865, data de seu falecimento. No dia seguinte foi nomeado 305 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887. Id. Ibid., p. 887. 307 Id. Ibid. 308 O Instituto Vacínico do Império sofreu importantes alterações ao longo da segunda metade do século XIX, até sua extinção em 1886, quando a vacinação passou a ser pauta da Inspetoria Geral de Higiene. Cf. FERNANDES, Tânia Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 50-55. 309 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887. 306 98 para este cargo o Dr. Cesar Augusto Marques que entrou em exercício de função em 01 de agosto de 1865.310 O decreto imperial de 14 de setembro de 1850 que estabeleceu as normas e institucionalização da Junta Central de Higiene Pública, também representou um passo decisivo no emprego da vacina jenneriana nas províncias do Brasil, a criação da Junta Central de Higiene Pública reitera quão eram engenhosos os serviços de vacinação na corte311. O Código de Postura da cidade de São Luís de 1865 reconhecia a necessidade de um inspetor da vacina, sendo este cargo criado novamente pelos artigos 180, 181 e 182 do referido código, este receberia anualmente 200$000 contos de réis enquanto que o comissário vacinador provincial receberia 400$000 contos de réis.312 Quanto aos serviços de vacinação, sabe-se que a Repartição da Vacina do Maranhão oferecia esporadicamente a linfa vacínica à população de São Luís, pois a mesma dependia da importação ou do Instituto Vacínico do Império localizado no Rio de Janeiro, ou importada diretamente da Inglaterra ou da Holanda, em ambas as situações geralmente a vacina recebida era de péssima qualidade, pois a mesma era distribuída em tubos de vidros ou em tubos capilares e mal acondicionada aos longos dias de transporte. Em São Luís a vacinação era realizada na câmara municipal desde 1839, geralmente aos sábados e domingos das 07 às 09 horas da manhã, porém em épocas de epidemias realizava-se a vacinação na própria residência do comissário vacinador, ou nas residências das pessoas. Pelos relatórios emitidos pelos presidentes da Província do Maranhão, sabe-se que a Província do Maranhão contava com 23 comissários vacinadores em 1847, em 1850 este número sobe para 30, decresce para 28 em 1854, em 1856 o número aumenta para 34, chegando a totalizar 43 comissários vacinadores em 1863. O aumento proporcional no número de comissários vacinadores ratifica a hipótese que mesmo diante de tamanhas dificuldades as autoridades locais identificavam a vacina antivariólica como o principal contraceptivo da época contra a varíola. A aplicação da vacina era feita pelo vacinador local em duas fases, a primeira era chamada de vacinação com aplicação do fluído vacínico no braço da pessoa, a segunda deveria ser feita oito dias após a primeira inoculação, era chamada de 310 Id. Ibid. O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de outubro 1850. Parte Official, Governo Central, p. 02. 312 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887. 311 99 revacinação ou reforço. Porém sabia-se que para a vacina ser boa ou pelo menos regular no indivíduo inoculado, este deveria comparecer às duas seções de vacinação, caso contrário a vacina perderia seus efeitos de imunidade. 3.5 A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da Província do Maranhão Durante a primeira metade do século XIX, o Brasil ficou isento de ataques mortíferos proporcionados por epidemias, apenas se viu alguns casos pontuais da varíola, sarampo, gripe, disenterias, e das febres intermitentes e catarrais. Na própria história das epidemias reinantes no Brasil os documentos inscritos nas obras dos primeiros exploradores assinalam o bom estado da colônia, mesmo em tempos epidêmicos. José Pereira Rego louvava os bons ares que respirava o Brasil por não sofrer assaltos da febre amarela e da cólera morbus.313 José Francisco Xavier Sigaud, por exemplo, afirma categoricamente em 1844 que “não havia nenhum exemplo de desenvolvimento do vômito preto no hemisfério austral” 314. O mesmo Sigaud nos da outro exemplo anterior a 1844, segundo ele não há registro de moléstias pestilenta ou perniciosa em solo brasileiro anterior a 1832. Entre a linha do Equador e o trópico em Pernambuco e Bahia, vós não encontrais nenhum indício desses flagelos contagiosos da América do Norte, a febre amarela, o vômito negro, os quais precisam desenvolver condições análogas de clima e as continuadas continuações do comércio. Debaixo do trópico sul apresentam-se as febres intermitentes perniciosas, e acompanha ao longe os grandes rios São Francisco, doce e Paraíba, assim como os pequenos rios menos rápidos que se lançam na baía do Rio de Janeiro. O litoral do mar até os areais do Rio Grande do Norte, desde Campos até além de Santa Catarina, é cercado por uma cinta de febres intermitentes e Paranaguá, reclama por sua parte, a disenteria como afecção característica. No centro e para o sul, o antraz no Rio Grande, o papo em São Paulo e a elefantíase em Minas formam um triunvirato endêmico e que não pode escapar o vosso espírito de observação.315 A relativamente tranquilidade do Brasil em relação às doenças pestilentas durante a primeira metade do século XIX ocorreu em certa medida graças à proibição da metrópole portuguesa impedindo a entrada de navios estrangeiros nos portos brasileiros. Entretanto os navios portugueses navegavam por muito tempo de Macau ao Rio de 313 REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 5-6. 314 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 257. 315 Id. Ibid., p. 20. 100 Janeiro à Bahia, passando pelos portos da Índia, onde a cólera reinava de forma pandêmica, e desde 1807 os navios norte-americanos eram bem vindos ao Brasil sem uma vistoria sanitária bem realizada.316 Essa circunstancia possibilitou a entrada da febre amarela em 1851 no porto de São Luís, fazendo com que a cidade fosse assolada pelo ataque mortífero de febre amarela317. O crescimento da moléstia sobre a população foi tão grande, que deliberou pontuais dúvidas sobre as medidas higiênicas tomadas pela Junta de Hygiene e pelo Conselho de Saúde Pública principalmente no controle da entrada e da saída de embarcações estrangeiras ao porto da capital. Os meses de março e julho do respectivo ano foram sumariamente alarmantes para a população local, tendo em vista que a febre amarela nunca antes havia ceifado tantas vidas no Maranhão com tamanha intensidade. As proporções tomadas pela epidemia da febre amarela foram tão eloquentes que no intervalo do mês de maio de 1851, a moléstia chegou a vitimar 230 pessoas, superando com facilidade o índice de 90 óbitos por mês, considerado normal para a mortalidade ordinária dos meses de 1850318. De acordo com o movimento dos cemitérios da Misericórdia, dos Passos e dos Ingleses chega-se a uma extraordinária soma de 730 óbitos em São Luís por febre amarela entre os meses de março e julho de 1851. Desse total, 235 vítimas eram da faixa etária de 19 a 11 anos de idade, 71 vítimas eram da faixa etária de 10 a 01 ano de idade, 288 vítimas variavam de 20 anos a 50 anos de idade, e 136 vítimas tinham de 50 anos de idade para cima.319 Os dados impressionam, até porque a febre amarela não era uma doença recorrente no Maranhão, tanto que não há registros epidêmicos da mesma antes de 1851, é provável que o surto que aconteceu neste ano tenha sido o primeiro de natureza 316 Em relação às rotas comerciais marítimas entre Brasil, Portugal e outras nações, Cf. ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 317 Durante o século XVIII e XIX a febre amarela também era conhecida como o vômito negro, e a partir da segunda metade do século XIX ela passou a ser considerada a principal moléstia a ser combatida no Brasil, tendo em vista que sua ocorrência se dava principalmente entre os estrangeiros. Cf. REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890; FRANCO, Odair. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, 1969. 318 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851, p. 51. 319 Ibidem. 101 mortífera da doença no Maranhão. A tabela abaixo demostra o quão foi esmagadora a proporção dos estragos feitos pela febre amarela no ano de 1851. Quadro 01. Total de vitimas pela febre amarela em 1851. Cemitérios Misericórdia Passos Ingleses Total Em março 103 07 01 111 Em abril 118 09 0 157 Em maio 201 20 06 230 Em junho 110 13 10 133 Em julho 82 06 11 99 Soma total 730 Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851, p. 52. As criticas que recaíram sobre os ombros do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão somam-se a sua incapacidade de conter o aparecimento e proliferação da moléstia, mesmo já sabendo que esta, estava por circunvizinhar em outros portos do Brasil. Com o cessar gradativo da epidemia durante o mês de agosto, ainda assim o Conselho de Saúde Pública mostrou-se incapaz de controlar o aparecimento da moléstia em São Luís, principalmente no porto da Ponta da Areia, pois, o intenso movimento de embarcações portuguesas abriu novamente a possibilidades para que a febre amarela vitimasse 77 vidas a mais no mês de agosto. O índice oficial de óbitos para esse mês registrava 01 vítima por febre amarela para cada 10 óbitos. Dessas 77 vítimas, 71 foram sepultadas no cemitério da Misericórdia, 05 no cemitério de Passos e 01 no cemitério dos Ingleses. Ao todo a febre amarela alcançou a incrível cifra de 807 óbitos em seis meses320. Sendo que fora da capital, a epidemia da febre amarela foi igualmente perturbadora, atingindo a cidade de Alcântara e as vilas de Guimarães, São Bento, Icatu, Mearim, Rosário, Itapecuru-mirim e Viana (nesta a febre amarela se manifestou com muita brutalidade, diziam os médicos 320 Ibidem. 102 que este fato seria propiciado pelas condições topográficas de Viana já que a mesma seria circuncidada por lagos e lagoas).321 322 O ano de 1851 deixou como lembrança a traumática perda de 807 vidas e a ineficiência das medidas higiênicas adotadas pela Política Sanitária da Província do Maranhão. Passado os estragos realizados pela febre amarela, restava ao Conselho de Saúde Pública reforçar o controle sobre a entrada e saída de embarcações no porto da Ponta da Areia, chegando a lançar em edital de 05 de setembro de 1851 a informação que nenhuma embarcação atracaria no porto sem antes ter verificado seu estado sanitário pela Estação de Saúde em Belém.323 O então presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio Machado324 adotou diversas medidas sanitárias na tentativa de pulverizar o aparecimento e proliferação das moléstias pestilentas. A primeira medida higiênica adotada por Eduardo Olímpio Machado foi comunicar por meio da Comissão de Higiene Pública a todas as freguesias e localidades do interior da Província afetadas por algum tipo de moléstia a emitir por meio de exemplares e informativos seu estado de saúde325, também foram adotadas medidas do tipo: As medidas adotadas quanto à limpeza das ruas, praças e praias, foram emitidas como normas de combate a insalubridade. E mediante a ordem do Presidente da Província fora criada uma comissão, composta por uma autoridade policial e um facultativo, com a função de fiscalizar os anseios dos districtos. E também era confiada a Câmara Municipal a responsabilidade pele limpeza e higiene da cidade, como inspeção dos açougues, currais, carnes e manter a qualidade da água.326 Convicto de suas obrigações burocratas Eduardo Olímpio Machado também combateu com energia e vigor o costume dos enterros dentro do recinto das igrejas, 321 Ibidem. Segundo Raimundo Palhano em 13 de junho de 1851 pelas estimativas do Diretor-Geral da Polícia de Saúde a epidemia de febre amarela havia atingido incríveis 27.000 pessoas em toda a Província e dessas, 255 faleceram em consequência da moléstia até 13 de junho de 1851. Cf. PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1988, p. 147. 323 O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851. Edital, p. 04. 324 Eduardo Olímpio Machado médico por formação que governou a Província do Maranhão entre 05 de junho de 1851 a 14 de agosto 1855. Cf. MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo: Siliciano, 2001. 325 O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851, Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851, p. 02. 326 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851, p. 52. 322 103 obedecendo às normas da Lei provincial de n° 225. Já que esta era uma prática que colocava em risco a saúde dos fiéis, por estarem em contato com os possíveis miasmas pútridos oriundos dos defuntos, por isso era de bom grado que a população em geral extirpar-se este mau hábito. As igrejas brasileiras serviam como sala de aula, de recinto eleitoral, de auditórios para tribunais de júri e discussões políticas. Ali se celebravam os momentos maiores da vida urbana, batismo, casamento e morte, ali no interior daquelas altivas construções coloniais, os mortos estavam integrados a dinâmica da vida.327 Por esta lei as punições para quem não cumprisse as determinações se estenderiam não só aos populares, mas também a todas as autoridades, sendo elas eclesiásticas ou de outra ordem. Eduardo Olímpio Machado estava cumprindo as ordens da lei municipal de 1843 que dizia: “Fica proibido, depois de construído os cemitérios o enterramento de pessoas no recinto das igrejas”, reforçada pela lei de nº 598, de 14 de setembro de 1850, estabelecida um ano antes no governo de Honório Pereira de Azeredo Coutinho. Fato é, que inciso 4§ do Artigo 5º da respectiva lei deu a Junta de Hygiene à faculdade de atender e efetivar a execução das posturas e, de expedir ordens aos fiscais da câmara municipal. Sendo assim, a Junta de Hygiene Pública tinha autonomia caso a câmara municipal não lhe desse recurso.328 As medidas adotadas por Eduardo Olímpio surtiram relativo efeito nos anos de 1852 e 1853, porém, o estado sanitário da Província do Maranhão não se mostrou tranquilo, mesmo não sendo atacada por nenhuma epidemia mortífera entre 1852 e 1853 a população da capital da Província do Maranhão sofrera severamente com a carestia dos gêneros de primeira necessidade. Durante esses anos foi à população da capital e de alguns pontos do interior da Província flagelada pela fome, resultante da falta e carestia da farinha de mandioca. Nunca havia se visto antes no Maranhão tamanha preocupação em relação aos perigos das doenças pestilentas. Em 1854, a Província do Maranhão novamente tem 327 REIS, João José. A morte é uma festa, ritos fúnebres e revoltos populares no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das letras, 2001, p.172. 328 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Honório Pereira de Azeredo Coutinho, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, pp. 8-9. 104 suas atenções voltadas para as moléstias pestilentas, o abaixo assinado de 05 de novembro de 1854, dava como certa as medidas profiláticas para evitar-se a possível importação da cholera morbus asiática ao porto de São Luís. Estabeleceram-se nos lazarentos apenas aqueles com títulos de observação, que será na ponta d’ areia com o título provisório e na ilha do medo. O facultativo encarregado da saúde do porto dirá em observação, e vizitará os navios fazer compreendido entre estes e São Marcos. Este facultativo depois de examinar a carta e informar-se dos dias de viagem, e moléstias que durante ela se tenham moléstias a bordo, quais os seus sintomas, tempo de aparecimento e duração, e numero de vítimas infectadas e falecidas dentro do navio e seus seguintes destinos. O navio que vier do porto de que não tiver suspeita, e nemhum cazo dela se estendendo a bordo será adimittido a livre hora, se suspeito de epidemia e nenhum cazo dela tenha dado a bordo durante a viagem desta maior que vinte e cinco dias será impedido de livre pratica. O navio que estiver no estado insalubre terá que contar menos de vinte e cinco dias de viagem mais de quinze do ultimo infectado será conduzido para o lazarento em observação, e ali dezinfeccionado e ter a livre pratica. O navio que tiver tido doentes de cholera morbus será conduzido para o lazarento em observação e ali perfeitamente sequestrados no mais o navio será dezinfeccionado e permanecerá neste lazarento por quantos dias forem precisos para completar na ponta d’ areia de São Marcos se for possível obriga-lo a ir ao lazarento provisório. O navio que não estiver em nenhuma destas hypoteses procedidas será obrigado a uma quarentena de dezinfecção se assim o entender o encarregado da saúde do porto. A correspondência official e praticamente as gavetas uma vez dezinfectadas seram remetidas para a administração dos correios. A dezinfecção farse há com receita e numero com notas fixadas que devem estar estendidas aos mercadores e clientes. Os navios serão bem lavados e os mais que for possível: os objetos mais suspeitos serão camas, coxões e roupas lavadas ou mergulhadas em agua e solução preparadas conforme a receita e as medidas. Esta mesma agua usada na lavagem não pode ser exposta e reutilizada. Receitas de numero um Sal ordinário ou comum nove onças, Bioxido de manganês três onças, Agua comum seis onças. Misture bem e junte, sendo a mistura feita em vazilha com ácido sulfúrico com seis onças, agite bem com uma epistola. Receitas de numero dois Cloreto de cal huma libra, Agua comum entre quatro libras. Misture bem em vasilha apropriada.329 Estarrecidos ainda pelas 807 mortes que a febre amarela ocasionou em 1851, médicos e autoridades locais promoveram uma nova redefinição da política sanitária para a Província do Maranhão no intuito de impedir a importação da cólera morbus ao porto de São Luís. Essa nova redefinição sanitária foi instituída em 27 de agosto de 1855, pelo relatório geral do referido ano, o vice-presidente da Província do Maranhão, José Joaquim Teixeira Vieira Belford impôs à cidade de São Luís um regulamento contendo 18 artigos sanitários. Por esse regulamento os médicos higienistas da cidade, 329 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do Maranhão, 1854. Setor de avulsos. APEM. 105 deveriam desenvolver estratégias higiênicas para impedir o aparecimento e proliferação da cólera morbus em São Luís. Art. 14. A comissão de hygiene publica, convida todos os médicos desta capital, que se recusarem a este serviço, fará proceder a organização de um programa que contenha as bases gerais do tratamento da epidemia, o qual será publicado pelos jornaes, e se observará nas estações médicas, quando outro não seja o plano do tratamento dos médicos respectivos. Art. 15. Todos os facultativos da capital e do interior são convidados, no caso de epidemia, a enviar a comissão de hygiene publica, ou a secretaria do governo, o tratamento que sua pratica houver mostrado mais vantajoso, acompanhados de todas as observações que julgarem convenientes.330 A capital seria dividida em quatro departamentos sanitários e em cada um desses departamentos deveria haver uma estação médica, com quatro ou mais leitos, uma farmácia e um médico que seria encarregado por prestar os primeiros socorros às pessoas acometidas pela cólera. Este médico era responsável por emitir e assinar relatórios diários com mapas da movimentação da enfermaria a qual fora responsável, dividir e empregar as dietas e medicamentos aos enfermos e fiscalizar os socorros públicos de sua estação. Deveria haver um veículo para recolher os doentes ao devido hospital de isolamento, um escrivão responsável por anotar as informações pessoais de cada enfermo em um livro geral de anotações, um agente encarregado por fornecer e garantir as necessidades de cada estação e os inspetores de quarteirão teriam a incumbência de informar a polícia sanitária o estado sanitário dos hospitais, estações médicas, casas, matadouros públicos além da possível proliferação da cólera morbus entre os indigentes e escravos.331 Segundo o regulamento aos primeiros sinais de qualquer indisposição devia-se recorrer aos cuidados médicos, fugindo de todos os conselhos indicados pela especulação, mantendo o paciente sobre boa ventilação em local fresco e arejado, desinfetar as roupas suadas ou sujas, tanto do leito como do doente, desinfetar os excretos, por meio de água fenicada ou cloretada, lançada sobre eles, remover os doentes para enfermarias e hospitais e realizar desinfecções rigorosas nas habitações depois de removido o doente.332 330 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo 01. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. 331 Ibidem. 332 Ibidem. 106 4. A CIDADE E A MORTE: ESTATÍSTICAS MÉDICAS SOBRE A MORTALIDADE VARIÓLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX. 4.1 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís O início de 1850 foi categoricamente marcado pela institucionalização da legislação sanitária na Província do Maranhão, a criação da Junta de Hygiene e o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão aplicavam com zelo as medidas profiláticas e higiênicas a fim de sanar qualquer problema de natureza epidêmica que pudesse aterrorizar a Província do Maranhão. Os portos e as praias da capital eram vistoriados pelos agentes de saúde que removiam animais e imundices que pudessem ser focos de miasmas pútridos. Entretanto a legislação sanitária aplicada na cidade de São Luís não passava de uma letra morta. Ademais, a administração pública, tal como os médicos higienistas e seus meios profiláticos pareciam incapazes de conter os avanços das doenças pestilentas ao homem. Essa situação fora posta a prova em 1851, ano em que o terrível flagelo da febre amarela grassou em São Luís de maneira epidêmica, ceifando 807 vidas na capital. A saúde sanitária da cidade não se recuperou nos anos seguintes, em 01 de novembro de 1853 os deputados da Assembleia Legislativa Provincial discutiam o estado famigerado da Província do Maranhão decorrente da falta de gêneros alimentícios de primeira necessidade que sofreram carestia entre os anos de 1852 e 1853, sobretudo a farinha de mandioca, a fome se generalizou entre a população relembrando o ano sombrio de 1851.333 Contudo, tudo isso foi pequeno ao ocorrido entre os anos de 1854 e 1855. Médicos e autoridades maranhenses estavam estarrecidos com a possibilidade da importação do terrível mal da colera morbus asiático pelos portos do Pará para a 333 O PUBLICADOR MARANHENSE, 12 de dezembro de 1855. Governo Central, p. 02; Cf. também MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão com que o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 01 de maio de 1853, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1853, p. 27. 107 Província do Maranhão, por este motivo a política de segurança dos portos da capital foi intensificada ao máximo. Entre janeiro a agosto de 1854, os cuidados com as embarcações que atracavam no porto da Ponta d’ Areia eram quase que totais. Infelizmente as normas de segurança sobre a contagiosidade foram desobedecidas, não por conta da colera morbus, mais sim pela varíola, isto porque, o regulamento das medidas sanitárias dos portos do Império do Brasil erroneamente, considerava como moléstias pestilentas apenas “o cholera morbus, a febre amarela e a peste”. A varíola, o sarampo, a typho, a escarlatina, o carbúnculo, a hydrophobia, a syphilis e certas febres intermitentes eram consideradas meramente doenças de natureza contagiosa com pouca gravidade. O fato da varíola não ser considerada moléstia pestilenta, reside na circunstancia da mesma possibilitar imunidade aos indivíduos que eventualmente a adquirirem em uma primeira ocasião e também por haver vacina contra a mesma. Por estas prerrogativas, grotescamente levaram o serviço de saúde dos portos a dar-se o luxo de permitir o contato de uma tripulação afetado por varíola com o continente. Sobre este aspecto o artigo 49 do regulamento do estado sanitário dos portos do Brasil é enfático: Art. 49. Quando os navios procedentes dos portos não infectados chegarem com doentes que não forem das 3 moléstias pestilenciaes, serão admitidos à livre pratica, e os doentes poderão desembarcar para onde melhor lhes convier. Contudo, relativamente a estes doentes, se houver suspeita da autoridade sanitária de que a moléstia possa comprometer a saúde pública ou ao menos os lugares onde tem de ser os doentes admitidos, esta autoridade participando, e de acordo com o governo do município neutro, e nas províncias com a primeira autoridade civil do lugar, resolverá o que cumpri fazer em tal emergência. He particularmente recomendado em taes conjuncturas muita circunspecção quando esta emergência for ocasionada por diarrheas epidêmicas, typho, ou varíola.334 Em novembro de 1854, em correspondência direta com o presidente da Província, Eduardo Olímpio Machado, o Dr. José Sérgio Ferreira ressalva que a varíola já estava em pleno processo de desenvolvimento na capital causando devastadores estragos, e que seria de bom grado aplicar com maior firmeza a linfa vacínica o quanto antes a fim de conter possíveis consequências nefastas. Segundo o relatório geral do estado sanitário da Província do Maranhão de 1854 as bexigas teriam chegado pela 334 O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p. 03. 108 primeira vez a São Luís no inicio do mês de agosto importadas pela barca Linda335, tendo afetado apenas uma pessoa durante o dito mês, a varíola passou despercebida em setembro, vitimando apenas um soldado de linha no final do mês de outubro. Curiosamente naquele momento, os médicos consideravam que seria muito difícil a varíola ter sido importada pelos portos, já que o intervalo dos casos de agosto para outubro era de dois meses336. Segundo os médicos eram remotas as chances da manutenção da força de contágio do germe variólico sem que este pudesse se desenvolver em uma escala de dois meses, apresentando apenas dois registros de ocorrências neste intervalo de tempo. Para reforçar seus argumentos, os médicos higienistas consideravam que o período que vai de agosto para dezembro seria impróprio para o surgimento da varíola, pois a capital não estaria em seu ciclo chuvoso tampouco o de estiagem. Demais, aqueles colonos, que, aliás, tiveram uma viagem de 27 dias não só estiveram em permanente contato com os operários do canal do Arapapahy, mas foram em grande parte distribuídos por particulares em diversos portos do interior, sem que nenhum dos lugares, em que residirão, fosse enfeccionado; o que de certo não aconteceria, se o mal se se origina deles. Assim, a não dar-se o absurdo, de crer que o germe da varíola pôde conservar-se inoculado por mais de dous mezes sem desenvolver-se.337 Ocorre que os médicos maranhenses do século XIX, ainda não sabiam que o vírus variólico338 era um dos mais resistentes, podendo permanecer inoculo por dois ou três meses sem perder sua força de infecção e contágio. Este fato logo se concretizou, a devastação causada pela varíola foi tão rápida que em um curto período a moléstia ceifou muitas vidas na capital. Em novembro de 1854 o mal variólico já estava completamente generalizado. 335 Não encontramos registros da procedência da barca Linda, o que sugerimos é que a mesma não apresentou carta atestando seu estado de saúde. Sendo que as informações dão como certa o contato permanentimente da tripulação da referida barca com o continente. Outro fato curioso é que a epidemia variólica sentida na Província do Maranhão em 1855 reapareceu na vila de Guaratuba, procedente da Freguesia de Itajaí, da Província de Santa Catarina em 1856-1857, através de uma canoa de cabotagem, que trazia gêneros alimentícios. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da.História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 390-394. 336 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincialno dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 60. 337 Ibidem. 338 Em relação à resistência do vírus variólico Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55. 109 Contudo, grotescamente as autoridades públicas estavam mais preocupadas com a possível importação da cólera morbus asiática do que o combate ao mal variólico e aos anseios aos pobres, classe numericamente mais afetada pela varíola. A sessão de 25 de novembro de 1854 da câmara municipal de São Luís liderada pelos vereadores Vieira, Antônio Rego e Nogueira Souza ratifica a necessidade da criação de uma comissão de higiene pública que em tese substituiria o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão. Essa comissão exerceria um triplo papel: o primeiro deles seria a investigação, mantendo o governo central informado sobre os movimentos de qualquer epidemia em curso na cidade de São Luís; segundo, a comissão também teria um papel de elaborar e comparar medicações empregadas em algum tipo de tratamento; terceiro a comissão teria um papel na prescrição e autorização de médicos e agentes de saúde a realizarem vistorias nas casas e locais considerados insalubres. 1°, de 20 do corrente, comunicado que, afim de que tenha um lugar com toda a brevidade à limpeza desta capital, tem resolvido dividir o trabalho em tantas secções quanto forem os districtos de paz encarregando cada uma desta a uma comissão composta da seguinte forma: 1°, que conprehende o 1° districto de paz o Dr. Chefe de polícia, e o Dr. em medicina Antonio Rego; 2°, que comprehende o segundo districto o Dr., delegado de polícia, e o Dr. em medicina José Sérgio Ferreira, 3°, que comprehende o terceiro districto o subdelegado de polícia da Freguesia de Nossa Senhora da Victoria, e o Dr. em medicina Thomaz Hall; 4°, finalmente que comprehende o quarto districto o subdelegado de polícia da freguesia da Nossa Senhora da Conceição e o Dr. em medicina José Carlos Jauffret.339 Em 29 de novembro, Eduardo Olímpio de Machado dava por assegurada às obrigações das comissões de saúde340 nos quatro distritos da capital, ratificando novamente que seria de bom grado as comissões atuarem na limpeza pública da cidade a fim de se evitar a importação da cólera morbus ao porto da capital, esquecendo-se de implantar medidas mais eficazes para conter o desenvolvimento da varíola que se encontrava em pleno estágio mórbido na capital. 339 O PUBLICADOR MARANHENSE, 18 de janeiro de 1855. Maranhão. Câmara Municipal. Sessão ordinária de 29 de novembro de 1854. Liderada pelos vereadores Vieira, Antônio Rego e Nogueira Souza, p. 02. 340 Ao que tudo indica as Comissões de Saúde Pública substituíram o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincialno dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 60-63. 110 A atitude passiva ou pelo menos reativa de Eduardo Olímpio Machado demonstra como as autoridades médicas locais, enfrentavam o problema das epidemias. Logo que se desencadeava algum surto epidêmico de qualquer natureza a máquina administrativa era prontamente posta em ação, sob o comando de um médico especialista, as cartas de saúde nos portos tornavam-se obrigatórias, sendo obrigados os respectivos vistos, visitas de saúde, inspeções e se necessário impedimentos de comunicação e desinfecções coercivas. Além de promover as medidas de isolamento e quarentenas, desenvolvendo na cidade o aprimoramento da higiene e as normas de vigilância epidemiológica. A todas essas medidas os médicos higienistas seriam os responsáveis por resguardá-las, assim como esclarecer os obituários, programar notificações e respeito das doenças perigosas, registrar eventuais surtos de doenças, acompanhar a evolução da mortalidade na Província. Proceder a estudos topográficos a respeito das doenças infecto-contagionistas e realizar a assistência médica às classes menos abastadas. Neste sentido a análise de uma epidemia não pode se impor apenas como uma tarefa pura e simples de reconhecer a forma geral da doença e sua gravidade. É preciso compreender a estrutura perceptível no curso da epidemia, o contágio, por exemplo, tem grande importância, entretanto, o mesmo é apenas uma modalidade da ação epidêmica, desta forma as medidas de controle sobre este são ainda mais relevantes. Daí a necessidade de institucionalizar uma polícia sanitária, a fim de zelar pela salubridade dos portos, das quadras de cada bairro da cidade, dos cuidados com a inumação e incineração dos cadáveres, do controle dos matadouros, e sobre o comércio de vinho, pão e carnes da cidade. O problema era que nem todas essas atribuições eram realizadas por completo, no geral os médicos higienistas e as comissões de saúde apenas prestavam os serviços de socorros públicos aos pobres e indigentes, realizando sempre a pratica do isolamento ou das quarentenas apenas após a incursão da moléstia no seio da população. De acordo com Michel Foucault o “isolamento ou internação” é uma criação institucional própria do mundo moderno, ele assumiu desde o início uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão, mas sim como medida econômica e social.341 Erwin Ackerknecht destaca que o conhecimento das causas da existência e do desenvolvimento de uma epidemia deriva única e exclusivamente da especialização dos 341 FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1972, p. 78. 111 hospitais de controlede doenças infecto-contagionistas342. Para Patrice Pinell a especialização clinica e hospitalar de determinadas doenças demanda um processo de introdução de novas técnicas, modificando a configuração da doença e do prosseguimento de uma epidemia.343 Em outras palavras, esses autores advogam a ideia de que toda e qualquer doença deve ser compreendida como uma unidade natural e que sua cura articula etapas de conhecimentos especializados em áreas distintas. O hospital deve ser um lugar nessa configuração em que as instâncias da clínica são múltiplas, para melhorar e assegurar uma vigilância contínua. Ele é necessário para o doente sem família e ainda mais necessário nos casos de doenças infecto-contagiosas e de doenças complexas ou “extraordinárias”, portanto a primeira tarefa do hospital é a proteção. Segundo Jacques-René Tenon o hospital necessariamente deve ter um caráter assistencialista de proteger o povo de seus próprios males, orientando-se por dois princípios básicos: a “formação”, que destinaria cada hospital a uma categoria de doentes ou a uma família de doenças; e a “distribuição”, que define, no interior de um mesmo hospital, a ordem de seguir, para nele dispor os enfermos que se tiver achado oportuno a receber344. Assim, concebido o hospital permite classificar e agrupar os doentes a partir de sua condição de saúde, sem difundir o contágio no hospital ou fora dele.345 Para Samuel Tissot a tarefa de classificar e agrupar os enfermos no leito hospitalar não é apenas uma tarefa quantitativa, ela deve atender natureza e o modo de manifestação da doença e sua relação com o doente e com a própria comunidade346. Neste sentido o artigo de n°100 do Código de Posturas de São Luís de 1842 prescreve que toda pessoa acometida por moléstia contagiosa de qualquer natureza deveria ser isolada no hospital do Bonfim para que assim se pudessem tomar as devidas medidas profiláticas e terapêuticas. E que nenhuma pessoa poderia deixar de comunicar a existência de algum doente acometido de mal contagioso e epidêmico que, por ventura 342 ACKERKNECHT, E. H. La Médicine Hospitalière à Paris. Paris: Payot, 1986, p. 12. PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p. 179. 344 TENON, Jacques-René. Mémoires sur les hôpitaux, Paris, 1788, p. 359. Apud. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª edição. São Paulo: Editora Forense Universitária, p. 45. 345 Id. Ibid., p. 354. 346 TISSOT, Samuel. Mémoire pour la construction d’ un hôpital clinique, in Essai sur les études médicales, Lausanne, 1785, p. 120. Apud. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª edição. São Paulo: Editora Forense Universitária, p. 64. 343 112 estivesse em sua casa, bem como não poderia receber em seu domicílio, caso contrário estaria sujeito à multa e retaliações.347 No entanto, somente no final do mês de novembro de 1854 as autoridades perceberam a gravidade da contagiosidade apresentado pelas bexigas, ficando estabelecido que na capital houvesse um hospital provisório e emergencial de isolamento localizado na Rua de Santa Rita exclusivo para as pessoas de cor acometidas por varíola. Neste hospital havia duas enfermarias onde os bexiguentos eram recolhidos e tratados gratuitamente, em uma ficaria os bexiguentos livres e na outra os bexiguentos escravos. As pessoas desvalidas de ambos os sexos eram socorridas em uma enfermaria do hospital da Casa de Expostos da Misericórdia, enquanto que as pessoas abastadas eram socorridas no hospital de São Sebastião ou em domicílio.348 Os socorros públicos eram realizados quase que diariamente, porém muitos variolosos eram tratados em suas casas, ou sequer recebiam a visita dos médicos e da comissão dos socorros públicos. Esta circunstância foi determinante para o alto índice de mortalidade alcançado pela epidemia variólica no ano de 1855, tendo em vista que o procedimento padrão deveria ser feito primeiro com o recolhimento do enfermo, isolando-se qualquer foco de infecção que pudesse agravar o estado famigerado de saúde da capital, e não atendendo a pessoa em domicílio ou deixando-a por lá. O motivo para haver socorros públicos em caráter domiciliar era que, o mesmo Código de Postura que autorizava o isolamento do doente, outorgava a possibilidade de tratamento em domicílio, caso o paciente não fosse morador do perímetro urbano da cidade.349 Fran Paxeco denuncia o estado de miserabilidade dos hospitais e estabelecimentos de caridade de São Luís, argumentado que “chocava a qualquer um as condições de saúde nada merecedoras de lisonja, que apresentava a capital” 350 . As fontes indicam que esse problema foi constante na cidade de São Luís ao longo do século XIX. 347 MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da Temperança. Anno, 1842, p. 16. 348 MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 349 MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da Temperança. Anno, 1842, p. 16. 350 PAXECO, Fran. O trabalho maranhense. São Luís: Imprensa Oficial, 1916, p. 79. Apud CORREIA, Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do operariado feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75. 113 A cidade não possuía um conjunto de instituições na área da saúde que pudesse suprir os anseios de sua população estimada em 30.000 habitantes351. Em 1854-55 e 1864-55 períodos em que a varíola confluente grassou em São Luís, a população apenas poderia contar para sua assistência médica, com o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, o Hospital de São Sebastião, os lazarentos do Bonfim e da Ponta da Areia, uma enfermaria militar e a enfermaria temporária destinada ao isolamento dos bexiguentos localizada na Rua de Santa Rita.352 Além disso, a quantidade de médicos que prestavam serviços de vacinação à população era pífia, além do comissário vacinador provincial, cargo ocupado pelo Dr. José Miguel Pereira Cardoso, a população de São Luís poderia contar com o auxílio do Dr. José Coelho Moreira de Sousa e os cirurgiões Antônio Henriques Leal, João Diogo, José Sérgio Ferreira, José Ricardo Jauffret, Silvestre Marques da Silva Ferrão e Thomaz Wright Hall. Levando-se em consideração a margem de 30.000 almas, a cidade de São Luís tinha em média um vacinador para cada 3.750 habitantes entre 1854 e 1855. Comparando o número de médicos por habitantes novamente iremos nos deparar com um algarismo negativo. Lê-se no Almanack do Maranhão de 1849 a 351 De acordo com José Ribeiro do Amaral é extremamente complicado assegurar o índice populacional da Província o Maranhão e da cidade de São Luís durante os anos do século XIX. Para justificar seu posicionamento José Ribeiro do Amaral reporta-se ao exemplo dado pelo Dr. Antônio Henriques de Leal em seu Almanack do Maranhão de 1860, diz o Dr. Antônio Henriques de Leal que “a população é o centro para qual convergem todos os materiais de uma estatística e donde partem os esclarecimentos que iluminam e dão-lhe o cunho da verdade e exatidão. Um país cuja população não é conhecida em suas condições sociais, diferenças de idades, de sexo, estado civil, classes, profissões, movimento e desenvolvimento, não pode ser administrado (...). Nestas condições infelizmente estamos nós”. AMARAL, José Ribeiro. O Maranhão histórico – Artigos de jornal (1911-1912). São Luís: Instituto Geia, 2003, p. 59; SegundoMário Martins Meireles em Viagem pelo Brasil os viajantes naturalistas bávaros Spix e Martius consideraram São Luís como a quarta cidade em importância do Império estimando ser a população local de 30.000 habitantes em 1819. Em 1832 o percentual de 30.000 mil habitantes novamente é catalogado pelo naturalista francês Alcide d’Orbigny em seu livro Viagem pitoresca pelo Brasil. No entanto, acrescenta Meireles “nessas circunstancias, e conquanto os algarismos não sejam todos confiáveis, embora sejam os únicos de que dispomos, não é de admirar que, para São luís, o Censo de 1872 apontasse uma população de 31. 664 e que o de 1890 diminuiu para 29. 308 almas, enquanto setenta anos antes já fora estimada em 30.000 mil”. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 219-231; Regina Faria cita o relatório do presidente da Província do Maranhão de 1878, que estimava a população local de São Luís na margem de 34.966 habitantes. Cf. FARIA, Regina Helena Martins de. Mundo do trabalho no Maranhão Oitocentista: os descaminhos da liberdade. São Luís: EDUFMA, 2012, p. 242; Segundo o relatório do presidente da Província de 1863 a população local de São Luís girava em torno de 30.000 almas. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vicepresidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 27. Considerando todas estas estimativas e possíveis variações, iremos adotar a margem de 30.000 mil habitantes para a cidade de São Luís entre os anos de 1854 a 1876. 352 A respeito dos hospitais e estabelecimentos de profilaxia e caridade em São Luís no século XIX, Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico - geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 605-614. 114 quantia de 25 doutores para esse ano, sendo médicos propriamente 12 na capital e 05 no interior e mais 08 cirurgiões em São Luís353, o que nos dá uma média de um médico para cada 1.500 habitantes. Vale lembrar que somente em 21 de setembro de 1861 pela Lei provincial de n° 609 foi estabelecido o cargo de médico da Província, o qual foi interinamente ocupado pelo Dr. César Augusto Marques até 18 de junho de 1866, quando o mesmo foi extinto354. Além disso, a capital da Província poderia contar ainda com o auxilio de 05 boticas355. Sendo que apenas uma delas estava credenciada para a aplicação da vacina em 1855. Por esses dados imaginamos que a vida em épocas de epidemias reinantes em São Luís, deveria ser uma mescla de rusticidade, angústia e medo. Maria da Glória Correia identifica que em 1847 apenas existia neste referido ano a proporção de “um médico para curar a pobreza” de toda a gente da cidade de São Luís. A autora sinaliza que este quadro inoperante de socorros públicos perdurou pelo menos até 1893. Quando, sob o nome de Repartição de Higiene Pública, passaram a constar da folha de despesas do município 01 inspetor, 01 ajudante e 01 secretário como sendo efetivo da referida repartição. Contudo, indica uma indefinição ou absoluta falta de diretrizes para uma política de saúde pública, pela Lei n° 15, de 06 de junho de 1896, foi a referida repartição extinta, ao mesmo tempo em que era criado o cargo de “médico da municipalidade”.356 Voltando ao problema das vítimas da varíola, esta se fez por preferência em se concentra na capital, pois a mesma dispunha do maior contingente populacional da época. Foi justamente em São Luís que ela ceifou mais vidas, no interior da Província a varíola não se prolongou e tampouco se apresentou em caráter mortífero ou epidêmico. A única exceção foi na vila do Rosário, um ponto depois de São Luís, onde foram registrados no total 28 mortes desde novembro até fevereiro de 1855.357 Em novembro de 1854 a varíola já era percebida em todas as extensões de São Luís, as únicas exceções em que os relatórios médicos atestavam bom estado de saúde 353 LEAL, Antônio Henriques de. Almanack do Maranhão, 1849. Apud MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 226; A relação de médicos e cirurgiões da cidade de São Luís também pode ser encontrada em MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 738-756. 354 MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 230. 355 VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992, pp. 321- 338. 356 CORREIA, Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do operariado feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75. 357 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 115 eram as prisões, os conventos, o recolhimento, a casa dos educando, o seminário e os colégios, nesses locais o mal variólico ainda não havia penetrado. O que demonstra que nem todas as medidas higiênicas aplicadas pelo Conselho de Saúde da Província foram ineficazes. Entretanto no Campo de Ourique, por exemplo, a varíola já havia ceifado dois corpos de linha, e no dia 31 de novembro de 1854 existiam infectadas no hospital de Santa Rita oito praças.358 Na sua grande maioria os indivíduos afetados pela varíola eram indigentes ou escravos, isso se repetia em sequencia, pois, os mesmos entravam em contato com as fontes de infecção constantemente, no entanto, a moléstia não escolhia classe social, a cada dez vítimas de varíola, pelo menos duas não eram escravos, indigentes ou pobres359. Este baixo índice de mortalidade entre as pessoas ricas ou com algum bem, se explica pelo fato, de que os escravos deveriam ser tratados apenas no hospital de Santa Rita, local de escassos recursos e assistência médica e terapêutica. Segundo os relatórios emitidos por José Miguel Pereira Cardoso, o hospital de Santa Rita não atendia as mínimas exigências para o amparo aos desvalidos, sua estrutura era rústica, não dispondo de locais de arejamento, as enfermarias eram abarrotadas de variolosos, o médico responsável pelo hospital não conseguia ao menos cumprir com as necessidades básicas dos enfermos, não por incompetência sua, mas pela falta de recursos técnicos disponíveis no local. Para termos noção do problema, temos as seguintes situações: primeiro era de conhecimento geral que a luz solar poderia auxiliar na secura e cicatrização das pústulas variólicas; segundo, os banhos terapêuticos deveriam ser dados diariamente e com frequência nos variolosos, à água morna poderia auxiliar no processo de relaxamento das pústulas variólicas na epiderme facilitando o uso de medicamentos. De acordo com o Dr. Darut os banhos terapêuticos podem repelir ou atrair o sangue estancado corpo: Ele atrai o sangue para a periferia, bem como todos os humores, a transpiração e todos os líquidos úteis e nocivos. Com isso os centros vitais se veem desertos, o coração funciona e o organismo se esfria. Esse fato é confirmado por essas síncopes, essas lipotimias, a fraqueza, o abandono, o cansaço.360 358 Ibidem. Ibidem. 360 DARUT, Les bains froids sont-ils plus propres à conserver la santé que les bains chauds? Tese 1763, Gazette salutaire, n° 47. Apud. FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1972, p. 315. 359 116 No entanto, a situação era tão vexaminosa no hospital destinado ao isolamento dos bexiguentos em São Luís, que os variolosos não poderiam sequer tomar banho de sol, por falta de local adequado, tampouco realizar banhos terapêuticos diariamente por pura e simples falta de água no local. O resultado final foi o aumento gradativo no número de acometidos pela varíola. Em novembro de 1854 a média dos socorros públicos realizados em decorrência da varíola era de 60 pessoas, esse percentual só foi aumentando nos meses seguintes. O balanço oficial dos socorros públicos em decorrência da epidemia variólica para este ano foi o seguinte: (...) de 24 de dezembro de 1854 até 15 de abril de 1855 entraram somente nesta enfermaria 241 pessoas infectados por varíola, saíram curadas apenas 139 pessoas, faleceram 81 e ainda existiam em tratamento 21 pessoas. A Santa Casa da Misericórdia atendeu ao todo 328 variolosos, além desses, foram socorridos em domicilio por vários bairros da cidade 741 pessoas acometidas por varíola.361 Em 1855 os socorros públicos decaíram consideravelmente até 31 de janeiro haviam sido registradas 50 ocorrências de entradas de variolosos, 30 no hospital de São Sebastião, 20 no hospital de Santa Rita, em compensação 206 ocorrências foram realizadas em domicílio, sendo 163 do sexo feminino e 93 do sexo masculino. De toda essa gente apenas 18 escravos foram tratados no hospital de Santa Rita, totalizado 256 socorros públicos em janeiro de 1855362. Em março do mesmo ano 121 pessoas foram recolhidas no hospital dos variolosos, 180 pessoas foram atendidas em domicílio, destas 107 foram atendidas pela Santa Casa da Misericórdia e 73 pelo boticário Vidal.363 Em abril de 1855, 79 pacientes deram entrada no hospital dos variolosos, saíram curados 45 indivíduos, receberam atendimento domiciliar 194 pessoas. Nas contas do jornal O Publicador Maranhense de cinco de maio de 1855, no mês de abril o Dr. Coelho de Sousa realizou 22 socorros domiciliares, os cirurgiões Silvestre Marques da Silva Ferrão 28, Thomaz Wright Hall 08, José Ricardo Jauffret 04, José Sérgio Ferreira 03, João Diogo 02 e Henriques Leal 127 socorros domiciliares.364 361 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 362 Ibidem. 363 Ibidem. 364 O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 maio de 1855. Publicações a pedido, p. 02. 117 Ou seja, a escala de crescimento dos índices de mortalidade ocasionados pela epidemia variólica de 1854 e 1855 está intimamente ligada ao alto índice dos socorros domiciliares realizados entre dezembro de 1854 a abril de 1855. Em outubro a varíola vitimou apenas 01 pessoa, em novembro foram 12, e nas primeiras semanas de dezembro foram 52 mortes. No total a varíola havia vitimado 62 pessoas em menos de três meses, ou seja, um crescimento de mais de 100% para cada mês.365 As expectativas para o ano de 1855, não eram animadoras, tendo em vista que a tendência era o aumento gradativo do índice de contagiosidade, virulência apresentado pela epidemia. Fato que se concretizou pela manutenção dos socorros domiciliares que não isolavam a fonte de infecção (neste caso o varioloso). O resultado foi o aumento gradativo do índice de mortalidade. Em janeiro de 1855 foram 152 vítimas de varíola, sendo que o número de escravos enterrados no mesmo período foi de 93, todos por varíola.366 Durante o mês de fevereiro a mortalidade apresentada pela moléstia continuou prevalecendo, somente no início de fevereiro foram registrados 73 óbitos, dos quais pouco mais da metade eram decorrentes da varíola. O número final de óbitos por varíola neste mês foi de 147. Em março a epidemia continuou reinante, falecerão em São Luís 108 pessoas vítimas da moléstia, 31 delas eram escravas.367 A mortalidade foi tamanha que em 11 de junho de 1855 o jornal O Publicador Maranhense foi forçado a lançar nota explicativa sobre o aumento vertiginoso alcançado pela epidemia. O cenário era tão avassalador que o mal variólico acabou por ganhar as primeiras páginas dos jornais cariocas, os índices de mortalidade foram considerados alarmantes pelo jornal o Globo, que destacava a soma de 371 óbitos entre os meses de outubro de 1854 a março de 1855. 365 MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 366 Ibidem, p. 61. 367 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 abril de 1855. Publicações a pedido, p. 02. 118 Quadro 02. Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de 1855. Falecceram Óbitos De bexigas Outras moléstias De 01 dia a 07 annos 164 57 107 De 7 a 50 380 288 92 De 50 a 80 66 23 43 De 80 para cima 08 03 05 Somma 618 371 247 Fonte: O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de abril de 1885. Notícias diversas, p. 03. Em tempo algum a varíola fez antes tantos estragos em São Luís, os dados trimestrais dos relatórios de salubridade de 1855 apontam que o tipo de vírus que atingiu a cidade de São Luís foi de natureza aguda. A varíola “confluente” não perdeu de vista seu curso, permanecendo com um elevado índice de mortalidade entre janeiro e março do respectivo ano. Além de tudo as medidas sanitárias adotadas para conter o avanço da doença pareciam ser ineficazes. Quanto ao sexo, não houve distinção, a varíola ceifou vidas em proporção igual a homens e mulheres. Em relação à idade, teve ela por fazer preferência em adultos entre 15 a 50 anos de idade, vitimando em menor escala crianças e idosos.368 No inicio de abril de 1855 o Dr. Henriques Leal em correspondência direta com o presidente da Província Eduardo Olímpio de Machado, constata que a epidemia variólica havia dado sinais de desgastes, porém o mesmo resguarda que a varíola foi benigna entre 03 e 18 março, contudo logo reinou na capital ainda em março com a mesma malignidade apresentada no inicio de fevereiro. Henriques Leal previa que as copiosas chuvas e o intenso calor do mês de abril poderiam ser facilitadores para uma nova virulência na cidade.369 Ao fim do mês de abril de 1855 médicos e autoridades públicas sentiram-se anestesiados devido aos rumos tomados pela epidemia nos meses seguintes, isto porque, era esperado por todos que o índice de mortalidade variólico se mantivesse estável, tendo em vista o aumento da pluviosidade métrica neste período, porém é justamente neste intervalo que a epidemia variólica apresenta claros sinais da perda de sua virulencia. 368 369 Ibidem. Ibidem, p. 02 119 Na realidade, a lógica seria essa, pois, sendo a varíola uma moléstia por característica peculiar quanto à imunização do indivíduo contaminado na sua primeira infecção, a mesma teria por tendência natural enfraquecer-se em uma escala de dois a três meses no raio de sua ação epidêmica. Essa hipótese é reiterada com os 517 registros de óbitos pela varíola até 15 de abril de 1855. Os números sobre proporção de mortalidade alcançada nos meses em que a varíola grassou em São Luís são assustadores para uma moléstia que poderia contar com o auxílio de uma vacina como forma de prevenção. Em novembro do ano de 1854 a proporção de mortalidade era de 01 vítima para cada dois dias, em dezembro de 1854 era de pouco mais 1/2 por dia, em janeiro de 1855 mais de 05 por dia, em fevereiro 04 vítimas por dia, em março 1/2 por dia, e menos de 01 vítima a cada dois dias no mês de abril. A tabela abaixo demonstra a proporção de vítimas feitas pela varíola entre novembro de 1854 a abril de 1855 em São Luís. Quadro 03. Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril de 1855. Meses / ano Vítimas Quantidade Total distribuída por dias Agosto 1854 01 a cada 30 Setembro 1854 0 30 Outubro 1854 02 a cada 30 Novembro 1854 01/ a cada 02 Dezembro 1854 1/2 a cada 01 Janeiro 1855 05 a cada 01 Fevereiro 1855 04 a cada 01 Março 1855 1/2 a cada 01 Abril 1855 -1 a cada 02 517 vítimas Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 120 A varíola ainda iria ceifar mais 166 vidas até dezembro de 1855, totalizando ao todo incríveis 683 óbitos em sua decorrência. Infelizmente não encontramos um referencial exato sobre a proporção real do número de vítimas feitas pela epidemia nos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 1855. Os dados nos permitem apenas supor que entre esse intervalo de tempo a epidemia variólica tenha perdido sua força de virulência e mortalidade. Sendo que as 166 vítimas citadas acima referem-se ao total somado a partir da segunda quinzena de abril de 1855 a setembro de 1855. Este número não representa a distribuição proporcional da mortalidade feita pela varíola em cada um desses meses, apenas apontam a soma dos mesmos. É importante esclarecer que o percentual real das vítimas que a varíola ocasionou no período de 1854-1855, é discutível, isto porque algumas fontes relatam que apenas 517 pessoas foram mortas pela moléstia, já outras apontam para 614 óbitos entre 1854-55370. Sendo que pouquíssimas fontes se referem ao percentual de 683 óbitos, estipulado para este trabalho.371 É possível que o número inexato das vítimas feitas pela varíola seja fruto da compilação de óbitos pela moléstia apenas no período de observação de sua maior virulência e contagiosidade quando esta alcançou 614 mortes, não sendo observados os casos de óbitos por varíola no segundo semestre de 1855. Outra possibilidade que reforça a hipótese de que o número de vítimas ocasionadas pela varíola entre 1854 e 1855 seja o percentual de 683 óbitos (ou o mais próximo disso), era o antigo hábito que muitas pessoas tinham por realizar enterros em seus quintais. De fato, há uma grande margem de acerto para isso ter acontecido entre os anos de 1854 e 1855, pois, tendo em vista que a varíola era contagiosa mesmo que o indivíduo estivesse morto, presumia-se que este não poderia ter um velório acompanhado de seus parentes e familiares, por essa razão é bem possível que muitas famílias optassem por enterrar o corpo do varioloso em seus quintais, como forma de 370 O percentual de 614 vítimas por varíola entre os anos de 1854 e 1855 pode ser encontrado em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 61-62; Cf. também MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 760-761. 371 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29. 121 assegura pelo menos uma boa morte ao defunto, regada de melancolia, preces e cânticos religiosos. Segundo Philippe Ariès o homem cristão sempre aceitou a morte como um fenômeno dramático, pessoal e coletivo e por isso não tem possibilidade de esquivar-se dela, porém para essa aceitação, é de extrema importância que a morte fosse acompanhada de solenidades, especulações e preces para conforto familiar da memória daquele que se foi.372 Em 1847, o Dr. José da Silva Maia cita exemplos sobre essa questão, segundo ele: O numero dos enterramentos no Cemitério da Mizericordia, sendo alias o unico que temos, não representa o numero exacto dos obitos, por quanto todas as crianças que nascem mortas, ou que morrem logo depois que nascem sem o sacramento do baptismo, são enterradas nos quintaes das cazas, o que mostra o grande atraso das nossas leis policiaes, hygiênicas, e administrativas. E isto basta para provar igualmente que nossa Cidade não é possível actualmente conhecer-se o número exacto dos nascimentos.373 Mesmo diante de algumas dúvidas, os números são verdadeiramente catastróficos. Conclui-se então, que a epidemia variólica de 1854-1855 foi um dos piores episódios já registrados pela varíola no Maranhão, o movimento dos cemitérios da cidade revela essa triste realidade. Em 1853 foram sepultados 937 cadáveres no Cemitério da Santa Casa da Misericórdia e 41 no da Santa Cruz dos Passos, somando-se ao todo 978 sepultamentos em todo ano de 1853. Já em 1854 apenas os dois últimos meses foram suficientes para alavancar os sepultamentos na capital, até os fins de dezembro de 1854 foram registrados 954 sepultamentos de cadáveres, sendo 908 no cemitério da Santa Casa de Misericórdia e 46 no cemitério de Santa Cruz dos Passos, a diferença de sepultamentos de um ano para o outro foi apenas de 24 sepultamentos.374 372 ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente: desde a Idade Média. 2ª edição. Rio de Janeiro: Teorema, 1998, p. 31. 373 JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMÁTICA MARANHENSE, Estatística, 1847, p. 86. 374 As estatísticas sobre o número de sepultamentos nos cemitérios de São Luís entre 1854 a 1858 podem ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; No entanto informações mais completas também podem ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 122 Entretanto, esse percentual sofre um considerável aumento de 710 mortes a mais em 1855, contabilizando ao todo 1666 óbitos, sendo que apenas no primeiro trimestre deste ano foram sepultados 618 cadáveres375. De acordo com as normas higiênicas aos sepultamentos, os cadáveres dos falecidos por epidemia de qualquer natureza deveriam passar antes por um processo de desinfecção: Logo que succumbia o doente espalhava-se ácido phenico em torno da cama; no caixão se assentava o corpo em chlorureto de cal, e enchia-se o espaço restante de serradura impregnada de ácido phenico; e além d'isto, quando o caixão descia á sepultura, deitava-se sobre a cova uma camada de chlorureto de cal, e fazia-se por cima uma aspersão com água chloruretada.376 Em uma inspeção ao cemitério da Santa Casa da Misericórdia, o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão constatou ser impossível o cemitério continuar a funcionar normalmente devido ao alto índice de cadáveres em detrimento e empilhados uns sobre os outros sem quaisquer normas higiênicas. A maior parte do sítio do cemitério encontrava-se neste estado. Por este motivo o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão determinou que fosse suspensa qualquer atividade funerária no cemitério da Misericórdia, passando os sepultamentos a serem feitos no cemitério dos Passos. Segundo o relatório geral de 1855, a Comissão de Saúde Pública assim atestava sobre as condições físicas e higiênicas do cemitério da Misericórdia: Aquele primeiro cemitério, por falta da capacidade requerida para receber o grande número de cadáveres, que nelles se sepultavão todos os anos, tornavase constantemente revolvido em seu solo saturado de massa orgânica em decomposição incompleta. Um verdadeiro foco de emanações pestilenciaes com que cumpri acabar o quanto antes. Com uma área que apenas contém 2.471 sepulturas compreendidas as catacumbas tem ele servindo de depósito, desde 1831, em que forão prohibidos os enterramentos nas igrejas, até o fim do anno passado a 25.833 cadáveres, ou mais de 1.000 por anno, e desde 1805 até a mesma época ou menos de meio século, ao total de 41.200 cadáveres. [...] não se achando, pois o número das sepulturas em relação com o dos cadáveres anualmente recebidos, erão ellas, por efeito da necessidade, novamente abertas antes de 03 annos, ou antes, do tempo exigido do nosso clima para a perfeita decomposição desses, cujos restos, em fermentação pútrida, empestavão em taes ocasiões o ar ambiente, resultando dahi 375 O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09 de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02; Cf. também O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de abril de 1858. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente, Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, passou a administração da Província ao Exm. Snh. Vice-presidente, Dr. João Pedro Dias Vieira, Saúde Pública, p. 02. 376 GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativo, Anno IV, n° 91. Hygiene Publica. A Hygiene n’esta cidade a propósito da invasão da febre amarella. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 15 de maio de 1870, p. 220. 123 converter em asylo dos mortos, nos subúrbios desta capital, em um sitio eminentemente prejudicial à saúde dos vivos.377 Agostinho Holanda Coe aponta que a interdição do cemitério da Santa Casa da Misericórdia foi consequência da epidemia varíola de 1854-55, segundo ele era preciso haver o triplo de sepulturas utilizadas para atender a demanda de cadáveres ocasionados pela varíola378. Em uma cidade que pedia por socorros no que diz respeito ao arejamento de ruas, praças e matadouros a solicitação do pedido da interdição do cemitério da Misericórdia pela Comissão de Saúde Pública era uma mescla de alívio e desespero para os médicos higienistas no combate ao mal variólico e a possível importação da cólera morbus. O que de fato podemos crer, é que as 683 mortes ocasionadas pela varíola deixavam cair novamente dúvidas pontuais sobre a eficácia e aplicação da linfa vacínica contra a varíola. Desde a institucionalização da legislação sanitária na Província do Maranhão com a criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão e da Junta de Hygiene em 1850, a cidade de São Luís esteve coberta sobre um manto de morte, iniciando-se em 1851 com a febre amarela e depois em 1854 e 1855 com varíola. O estado sanitário de São Luís nunca havia sido tão insatisfatório, os registros de óbitos neste respectivo período dão fé sobre o aumento da mortalidade ano após ano na cidade de São Luís. Em 1851 os cemitérios da cidade registraram a cifra de 953 sepultamentos, destes, 807 foram provenientes somente por febre amarela379. Em 1852 o movimento nos cemitérios chegou a 929 sepultamentos380. Em 1853 foram registrados 377 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62. 378 COE, Agostinho Holanda. Questões de higiene pública? Debates acerca de um bom cemitério nos periódicos ludovicenses do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 91. 379 A estimativa de 953 sepultamentos para o ano de 1851 foi retirada junto as seguintes fontes: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vicepresidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 380 O cálculo de 929 sepultamentos para o ano de 1852 foi óbito pelo somatório de sepultamentos no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Cemitério dos Passos e Cemitério dos Ingleses. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 333-338. 124 978 sepultamentos381. Em 1854 os cemitérios da cidade registram 954 sepultamentos382, no entanto, esse percentual alcança incríveis 1688 sepultamentos em 1855, sendo 683 provenientes pela varíola.383 O alto índice de mortalidade perdura nos anos seguintes, em 1856 os cemitérios de São Luís registraram 1127 sepultamentos, 214 dessas mortes foram ocasionadas por uma epidemia de disenteria, soma-se a este alguns casos por varíola384, e em 1857 o índice de sepultamentos novamente subiu para 1151 óbitos, em virtude de um surto de febres intermitentes neste respectivo ano.385 381 A estimativa de 978 sepultamentos para o ano de 1853 foi retirada junto as seguintes fontes: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 382 A estimativa de 954 sepultamentos para o ano de 1854 foi retirada junto as seguintes fontes: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 383 O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09 de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02. 384 A estimativa de 1127 sepultamentos para o ano de 1856 foi retirada junto as seguintes fontes: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 385 A estimativa de 1151 sepultamentos para o ano de 1857 foi retirada junto as seguintes fontes: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 125 4.2 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís A escala de crescimento no quadro mortes entre os anos de 1851 e 1857 prescrevem a hipótese da ineficiência da legislação sanitária na Província do Maranhão e sua incapacidade de manter estruturas sanitárias mínimas para conter o avanço de flagelos mortíferos à população. Essa situação, pois em xeque a eficácia do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, que encontrou dificuldades em realizar suas atividades. A limpeza das praias não era mais constante, as normas sobre os matadouros públicos eram burladas e a podridão nos charcos estava por se espalhar por todo o perímetro urbano de São Luís. Próprio Conselho de Saúde Pública alegava falta de verbas e de pessoal qualificado para enfrentar problemas de tal envergadura, tanto que o mesmo foi dissolvido ainda em 1854, sendo substituído por Comissões temporárias de Higiene Pública. Para piorar a situação, em 1858 a Junta Central de Hygiene386 e suas comissões regionais foram extintas. Neste cenário o índice de sepultamentos nos cemitérios de São Luís não parou de crescer entre os anos de 1858 a 1868. Em 1858, foram sepultados na capital da Província do Maranhão 1121 cadáveres, deste total 13 pessoas foram vítimas da febre amarela que havia reaparecido em São Luís387. Em 1859 foram sepultados mais 1152 cadáveres, 118 por febres intermitentes e catarrais e 30 por febre amarela388. No inicio da década de 1860 foram mais 1382 sepultamentos389, em 1861 este índice 386 A Junta Central de Hygiene foi substituída anos mais tarde pela Inspetoria de Saúde Pública em 1886 que no Maranhão inicialmente foi confinada ao Dr. José M. Augusto Bayma. 387 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 388 De acordo com o anexo de n° 05 emitido em 03 de maio de 1860, o mapa patológico e mortuário estatístico da cidade de São Luís do Maranhão do ano de 1859, expedido pelo senhor Ovídio da Gama Lobo indica que dos 1152 óbitos ocorridos em 1859, morreram por febre amarela em São Luís 30 indivíduos, 03 no mês de janeiro, 02 em fevereiro, 04 em março, 04 em abril, 03 em maio, 05 em junho, 05 em julho, 02 em setembro e 02 em dezembro, não foram registrados óbitos por febre amarela nos meses de outubro e novembro. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1860. 389 De acordo com o anexo de n° 02 emitido em 03 de julho de 1861 dos 1362 óbitos registrados em 1860, 784 óbitos foram de pessoas livres e 598 óbitos foram de escravos, sendo que 170 óbitos foram de crianças de até dois anos de idade, provavelmente o grande número de mortes entre as crianças tenha haver com um surto de sarampo que se alastrou em toda a Província por volta de setembro de 1859 findando-se em julho de 1860. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à assembleia Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major 126 decresce um pouco atingindo a cifra de 1078 sepultamentos390, entretanto, volta a subir em 1862 com 1044 sepultamentos391 e em 1863 novamente sofre acréscimo para 1245 sepultamentos.392 Durante esse período a cidade de São Luís rotineiramente sofreu a influencia de moléstias no obituário de seus cemitérios, o que levou a uma média de mais de 03 mortes por dia393. Levando-se em consideração o índice populacional de 30.000 habitantes da cidade de São Luís, entre as décadas de 1850 a 1860, a cidade apresentou um acréscimo de 1/6 nos números da mortalidade nos cemitérios da cidade394. Esse aumento é considerado significativo em relação aos anos anteriores a 1850, isto porque, até 1850 a média de sepultamentos nos cemitérios da cidade de São Luís não passava de 900 cadáveres por ano. Após 1851, ano em que grassou a febre amarela em São Luís, a média subiu para mais de 1000 sepultamentos por ano. Ou seja, os números comprovam que mesmo com a institucionalização da legislação sanitária no Maranhão em 1850 e a criação da Junta de Hygiene Pública e do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, a cidade de São Luís esteve a mercê da falta de condições salutares de higiene. Em agosto de 1864 a varíola novamente grassou em São Luís, José Miguel Pereira Cardoso admitiu a entrada e o contato de uma embarcação portuguesa acometida por varíola, com a população local. Logo, a varíola se fez presente entre a população da Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do Relatório que lhe foi transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1861. 390 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 391 Ibidem. 392 O percentual de 1245 sepultamentos não é oficial, apenas uma probabilidade. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 25. 393 A estimativa de 03 mortes por dia foi retirada junto a seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 394 A estimativa de acréscimo de 1/6 no quadro de mortalidade dos cemitérios da cidade de São Luís foi retirada da seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 127 cidade, a primeira infectada teria sido uma mulher, que teve contato direto com a tripulação. Dai por diante a contagiosidade da moléstia se deu em ritmo lento, quase despercebido pelas autoridades de saúde.395 A virulência da moléstia se fez presente a partir de 03 de outubro de 1854, dois meses após a primeira infecção ocorrida por varíola. Nestas circunstâncias, o governo provincial, apenas pôde fazer como medida de conter o avanço da varíola a nomeação urgente do Dr. Antônio Henriques Leal, como encarregado geral da enfermaria destinada ao socorro dos variolosos. Esta enfermaria começou a funcionar em 24 de novembro de 1864. Antônio Henriques Leal também foi prontamente nomeado como inspetor de saúde e comissário vacinador interino, tendo como auxiliares nestes dois últimos cargos os doutores Jauffret e Saulnier.396 Em termos comparativos, houve um decréscimo no número de vacinadores em São Luís entre os anos de 1864 a 1866. Além de José Miguel Pereira Cardoso comissário vacinador provincial eram responsáveis por aplicar a vacina na população de São Luís os já citados médicos Antônio Henriques Leal, Jauffret e Saulnier, o que nos leva a uma margem negativa de um vacinador para cada 7.500 habitantes. Outra semelhança entre as duas epidemias é que o surto variólico que atingiu a cidade de São Luís em 1864 apresentou as mesmas características da epidemia desencadeada entre 1854-1855. Nos primeiros meses de contágio a virulência apresentada pela moléstia foi mínima. Porém o movimento dos socorros públicos realizados pela enfermaria dos bexiguentos demonstra um aumento gradativo no número de contagiosidade e vítimas da varíola. Entre 24 de novembro de 1864, dia em que começou a funcionar a enfermaria destinada ao socorro dos bexiguentos até 15 de março de 1865, haviam entrado na enfermaria 563 variolosos, deste total, 405 eram homens e 158 eram mulheres. Saíram curados desta enfermaria 477 pessoas, 358 homens e 119 mulheres397. A cifra de óbitos feitos pela varíola neste período foi considerada baixa. Entre novembro de 1864 a março de 1865 a varíola vitimou 86 pessoas, destas 47 eram homens e 39 mulheres.398 395 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma Província ao Exm. Snh. 1° vice-presidente tenente–coronel, José Caetano Vaz Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865, p. 15. 396 Ibidem. 397 Ibidem. 398 Ibidem. 128 Em comparação com o primeiro semestre de 1855, os 92 óbitos registrados em decorrência da varíola entre novembro de 1864 a março de 1865 foram bem inferiores à cifra de 514 vítimas feitas pelo surto variólico que atingiu São Luís entre o final do ano de 1854 e o primeiro semestre do ano de 1855. Em janeiro de 1865 ela somou 34 óbitos, em fevereiro 22 e em março 40 totalizando 92 mortes no primeiro trimestre de 1865399. Números que poderiam ser considerados satisfatórios, se os comissários vacinadores tivessem intensificado o uso do contraceptivo da vacina. É possível, que por ter a epidemia apresentado baixo índice de mortalidade no primeiro trimestre de 1865 os comissários vacinadores não tenham aplicado com êxito a vacina antivaríolica. Este erro custou caro, a epidemia variólica ganhou contornos cinzentos já em abril de 1865, neste respectivo mês a contagiosidade variólica foi bem mais aguda do que a apresentada no primeiro trimestre de 1865. Mais uma vez as autoridades de saúde da Província do Maranhão mostraram-se em descompasso no resguardo à sua população. Ao recompormos o cenário em que a varíola surgiu em São Luís em 1864 é possível perceber que a moléstia apenas foi considerada epidêmica quando passou a atingir outras dimensões geográficas e populacionais. Em setembro de 1864 a varíola já se fazia presente na vila do Codó em caráter benigno, expandindo-se e logo reaparecendo com intensidade em dezembro de 1864 em Alcântara, Itapecuru-mirim, Miritiba e Rosário. Em janeiro de 1865 a contagiosidade do vírus continuou a se espalhar pelo interior da Província atingindo com intensidade Icatu e no mês de abril de 1865, Guimarães, Anajatuba e São Bento. Em junho de 1865 a varíola chegou a Pinheiro, Viana, Santa Helena e São José dos Índios, atingindo também Vargem Grande e Caxias em julho. Em agosto a varíola se fez presente em São Luís do Gonzaga do Alto do Mearim, Brejo, Barreirinhas, Pastos Bons e vila do Paço do Lumiar, e em dezembro de 1865, ela se prolongou a São Vicente Ferrer, Turriaçu, São José de Penalva, Cururupu, Barra do Corda, São Bernado e Carolina.400 Pela primeira vez no século XIX a varíola havia grassado em todo o território da Província do Maranhão, este fato não havia ocorrido nos surtos variólicos de 18371838 e 1854-1855. A varíola também foi consecutiva por três anos, pois esta havia se iniciado em agosto de 1864 com alguns casos, entre abril de 1865 ela reapareceu em 399 Ibidem, p. 18. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 28. 400 129 São Luís e em toda a Província na sua forma mortífera. A intensidade do surto variólico foi tamanha, que até o mês de maio de 1866 ela ainda se fazia presente na Província do Maranhão, entretanto, neste último ano sua letalidade era mínima, apenas fazendo-se sentir por alguns casos pontuais de sua ocorrência. Há duas hipóteses para tamanha longevidade do vírus variólico. A primeira, diz respeito a uma possível evolução do vírus através da contagiosidade, passando de sua forma benigna, para sua forma maligna (varíola confluente). A segunda diz respeito, a uma possível nova entrada da varíola confluente a partir do mês de abril de 1865. Das duas possibilidades, a mais provável seria a primeira, isto porque as chances de evolução do vírus variólico da forma benigna para a maligna eram consideráveis e provavelmente o alto índice de contagiosidade e virulência ajudaram na longevidade desde surto epidêmico. A este respeito Mayor Greenwood explica que as mutações infectantes de um micróbio ou vírus pode trazer grandes modificações no caráter de uma epidemia, para mais ou para menos401. Segundo John Snow o percurso de uma epidemia não é constante, ao estudar a cólera, este autor chamou atenção para o movimento descontínuo nos casos de virulência e contagiosidade de uma moléstia, apontando as diferenças na patogenidade das culturas de uma determinada amostra de germe ou vírus nos períodos pré-epidêmico, epidêmico e pós-epidêmico ou nos intervalos da epidemia.402 A intensidade com que a varíola confluente grassou em 1865 foi tamanha que a epidemia logo tomou proporções catastróficas. Em abril do referido ano, a virulência apresentada pela moléstia, fez com que o Dr. Antônio Henriques Leal transferisse o local da enfermaria de socorro aos variolosos para o sobrado do senhor Raymundo Lamignère Muniz, o qual oferecia o espaço para a criação de mais 60 leitos para os variolosos403. Contudo, mesmo recebendo uma nova enfermaria muitos variolosos 401 GREENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. In. TERRIS, Milton. La Epidemiologia y la salud Publica: origenes e impacto de la segunda revolucion epidemiológica. Revista San. Hig. Pub. 1994, volume 68, pp. 5-10. 402 SNOW, John. Sobre a maneira de transmissão da cólera. 2 ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Hucitec/ Associação brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), 1990. In. SILVA, Jarbas Barbosa da; BARROS, Marilisa Berti Azevedo. Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história. Revista Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002, pp. 375-383. 403 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 27. 130 preferiam tratar-se por conta própria do que receber o curativo da enfermaria dos bexiguentos. Para resolver esta situação, uma comissão de caráter urgente foi estabelecida. A referida comissão chegou a receber 4:471$000 contos de réis num intervalo de quatro meses, como ajuda de custo para os primeiro socorros aos variolosos e era composta pelo presidente da câmara municipal Manoel Gonçalves Ferreira Nina, pelo presidente da praça de comércio Luiz da Serra Pinto e pelo negociante Joaquim José Domingues Lima, estes senhores foram incumbidos de percorrer os diversos bairros da capital e distribuir para os variolosos os socorros primários e dietas.404 De janeiro a dezembro de 1865, a varíola vitimou ao todo 473 pessoas405, um índice considerado altíssimo para uma moléstia que poderia ser combatida pelo contraceptivo da vacina. Infelizmente, não disponho de dados estatísticos sobre o índice de virulência e mortalidade ocasionado pela epidemia variólica em todos os meses de 1865, sabemos apenas, que o número de sepultamentos no cemitério da Misericórdia no mês de julho de 1865 atende a seguinte proporção: 24 homens livres, 24 mulheres livres, somando-se assim 48 sepultamentos por varíola de pessoas livres. Foram sepultados neste cemitério no referido mês, 35 homens escravos e 28 mulheres escravas, uma soma de 58 sepultamentos de escravos vítimas da varíola.406 O mês de setembro de 1865 teve o movimento de 106 sepultamentos, sendo que desta totalidade 32 mortes foram ocasionadas por varíola confluente407. No mês de agosto de 1865 a varíola vitimou 17 pessoas a mais do que setembro de 1865, isto significa dizer que a mortalidade ordinária por varíola em agosto de 1865 foi de 49 óbitos.408 Ao que parece a intensidade da virulência da epidemia variólica começa a cair exatamente no final do mês de agosto de 1865, entretanto seus súbitos são percebidos 404 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-Presidente da Província do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a administração da Província ao Exm. Snh. Presidente Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865, p. 10. 405 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29. 406 Ibidem. 407 O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de outubro de 1865. Estatística da cidade, p. 02. 408 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29. 131 até o final de maio de 1866. Segundo os dados estatísticos da mortalidade dos anos de 1864 a 1866, a epidemia variólica ceifou ao todo 505 vidas, em comparação com a epidemia de 1854 e 1855, que ceifou ao todo 683 vidas, houve um decréscimo de 178 óbitos para menos. A tabela abaixo mostra o comparativo entre as duas epidemias. Quadro 04. Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866. Meses Homens Mulheres Soma dezembro de 1855 334 349 683 Outubro de 1864 a 244 261 505 Outubro de 1854 a maio de 1866 Diferença para menos 178 Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembléa Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29. As estatísticas sobre as moléstias que lastimaram a população de São Luís entre os anos de 1864 a 1866 colocam a varíola no topo da tabela com 505 óbitos em menos de três anos409. Vale destacar ainda que a virulência apresentada pela epidemia variólica foi tamanha que as cidades de Brejo e Caxias foram sumariamente castigadas por este surto variólico. As despesas com a epidemia variólica de 1864, 1865 e 1866 chegou a cifra de 25:224$152 conto de reis todas pagas pelo ministério do império410. Mesmo com toda essa despesa, mais uma vez a varíola contribuiu para a manutenção do alto índice de mortalidade nos cemitérios de São Luís, os números abaixo mostram esse percentual. Entre 1861, a 1866 a média anual de sepultamentos na cidade foi de 1210 cadáveres por ano. Em 1861, foram sepultados nos cemitérios de São Luís 1078 cadáveres, em 1862 este índice decresceu para 1044 sepultamentos, em 1863 sobe para 1213 sepultamentos, no ano seguinte a média de sepultamentos é mantida com 1125 enterros, porém em 1865, ano em que a varíola grassou com severa intensidade em toda 409 As moléstias interiores ocupam o segundo lugar das moléstias que mais ceifaram vidas em São Luís entre 1864 a 1866 com 214 óbitos, em terceiro lugar estão às complicações do tubo gastro intestinal com 187 óbitos, em quarto, os casos de derramamento seroso com 115 óbitos e em quinto as febres intermitentes com 112 casos de óbitos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembléa Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, pp. 29-30. 410 Ibidem, p. 29. 132 a Província do Maranhão, foram registrados 1590 sepultamentos nos cemitérios de São Luís411, destes, 473 foram decorrentes da varíola. Mesmo diante de tamanha calamidade o governo provincial considerava que o surto variólico que atingiu a cidade de São Luís entre 1864, 1865 e 1866 não foi de natureza mortífera, por isso não classificava a ocorrência da varíola nesses anos como epidêmica. De acordo com o relatório do presidente da Província do Maranhão referente ao ano de 1866 a proporção entre o número daqueles que deram entrada na enfermaria dos bexiguentos e que por ocasião morreram de varíola foi de 16% entre os anos de 1864 a 1866. Entretanto o mesmo relatório entra em contradição ao assegura que a estimativa da mortalidade da cidade de São Luís no período de 1861 a 1865 foi de 01 morte para cada 25 habitantes, percentual considerado negativo e comparável ao dos países mais insalubres, que era de 01 morte para cada 26 habitantes412. Sendo superior também à estimativa de 01 morte para cada 38 habitantes cifra estimada para épocas de grandes epidemias na França no século XIX.413 É possível que o governo provincial não tenha considerado a existência de epidemia variólica nos anos de 1864-65-66 devido ao decréscimo dos 178 óbitos a menos em comparação com a epidemia de 1854-55. César Augusto Marques, por exemplo, em seu conceituado Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão, não menciona os anos de 1864, 1865 e 1866, como épocas de epidemias variólicas, o mesmo se reporta a ocorrência da varíola no Maranhão no século XIX apenas aos anos de 1837-1838, 1854-1855, 1867-1868, 1870-1871.414 411 Ibidem, p. 30. A estimativa de 01 morte para cada 25 habitantes entre os anos de 1861 a 1865 foi encontrada levando em consideração a média da população anual de 30.000 mil habitantes e a média de sepultamentos entre esses anos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30; Informações semelhantes podem ser encontradas também em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28; e no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, de 12 de maio de 1866. Governo da Província, Relatório lido pelo Exm. Snh. Presidente da província por ocasião da abertura da assembleia legislativa provincial. Saúde Pública, p. 01. 413 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 27. 414 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761. 412 133 É provável que tenha acorrido uma constatação equivocada dos fatos pelos médicos higienistas da época, já que a virulência e contagiosidade do vírus variólico de 1864, 1865 e 1866 obedecia todas as características de uma epidemia mortífera em curso. l. As moléstias epidêmicas tem em seu progresso ou desenvolvimento uma marcha especial. Geralmente se lhes reconhecem períodos de ascensão, estacionários, e de declinação ou terminação. Esses períodos não apresentam muita vez nem os mesmos syinptomas, nem as mesmas lezões, nem a mesma gravidade. 2. Durante uma moléstia epidêmica, as outras molestias são menos numerosa, e recebendo o cunho ou impressão da affecção dominante. 3. Quando reina uma moléstia, epidêmica, não é muito raro que as pessoas que gozara de saúde não experimentem, mais ou menos, d'aquella influencia geral. 4. As moléstias epidêmicas reapparecem e cessam muitas vezes na mesma estação, e tem, em geral, a mesma duração. 5. Uma moléstia epidêmica é muitas vezes precedida de outras affecções mais ou menos graves, mais ou menos generalizadas, que lhe servem, de alguma sorte, de precursoras.415 Para se compreender as possibilidades que levaram os médicos higienistas de São Luís a não considerar o surto variólico de 1864-1865-1866 como mortífero, é necessário recuar ao conceito de epidemiológica médica utilizado no século XIX. Dina Czeresnia, por exemplo, propõe-se a discutir a dimensão epistemológica e cultural das doenças, examinando as relações entre o conceito de transmissão e a constituição da epidemiologia enquanto disciplina. Segundo esta autora embora seja certa a definição etimológica sobre epidemiologia como a ciência ou doutrina das epidemias, ou o acervo de conhecimentos sobre as doenças epidêmicas. É preciso que se entenda a epidemiologia como a unidade científica destinada à observação das doenças na espécie humana em várias épocas e em lugares diferenciados.416 Mausner e Bahn sugerem que o problema se concentra na análise da epidemiologia tradicional, que consiste no: Estudo da distribuição e dos determinantes de doenças e agravos à saúde em populações humanas. (...) Como a distribuição das doenças e agravos é irregular, mas não por azar, (...) precisamos ordenar cadeias de inferências que ultrapassem os limites da observação direta.417 415 GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a direção do Dr. Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Relatório acerca do estado sanitário d’esta Província, durante o anno de 1866, apresentado à Junta Central de Hygiene Publica pelo Dr. José de Goês Siqueira. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1867, p. 190. 416 CZERESNIA, Dina. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997, pp. 71-78. 417 MAUSNER, J. S. & BAHN, Α. Κ. Epidemiologia. México: Nueva Editorial Interamericana, 1977. In. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17. 134 Goldberg explica que a epidemiologia tem como característica principal o esforço para identificar o modelo etiológico e linear de cada grupo epidêmico destacando-se as análises estatísticas das doenças418. Para Almeida Filho a visão tradicional da epidemiologia induz ao erro dedutivo, pois tem como característica principal apenas a distinção dos fatos419. Autores como Breilh e Granda citam as análises epidemiológicas como. Uma ciência social empírica e prática que estuda a distribuição e a determinação do modo de expressão, para fins de prevenção e planejamento e produção de conhecimento, de qualquer elemento do processo saúde/doença hierarquizando valores (que permitem diferentes possibilidades de saúde e sobrevivência) e contra valores (que permitem diferentes possibilidades de doença e morte) em relação ao momento histórico e população significativa.420 Greenwood sugere que no século XIX existia pouco discernimento sobre o que era e o que não era epidemia, segundo ele os doutores do século XIX consideravam moléstia de ação epidêmica, apenas aquelas que em um curto e reduzido tempo tivesse feito grande número de óbitos, constatação que segundo ele estaria extremamente equivocada, isto por que: A epidemia independe do número de vítimas, o que defini se uma doença apresenta ou não caráter epidêmico é o seu aparecimento brusco em mais de um ponto da localidade ou região afetada, proporcionando um desequilíbrio na saúde e nas condições de salubridade.421 No entanto os relatórios de saúde pública, emitidos entre 1864 e 1866 tentam ao máximo amenizar a situação, destacando que a varíola sempre esteve sob controle, frisando a atuação da comissão de socorro aos desvalidos e dos comissários vacinadores. O governo provincial do Maranhão chega até mesmo a demonstrar mais 418 GOLDBERG, M. Cet obscur objet de l’ epidemiologie . Sciences Sociales Et Santé . V. I Toulouse: Érès, 1982. Apud. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17. 419 ALMEIDA FILHO, N. Bases históricas da epidemiologia. Apud. ROUQUAYROL, Μ. Z. (Org.) Epidemiologia & Saúde. 3 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1988, p. 15. 420 BREILH, J. & GRANDA, E. Investigação da Saúde na Sociedade. Guia Pedagógico sobre um Novo Enfoque do Método Epidemiológico. São Paulo: IS/ Abrasco, 1986. Apud. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 18. 421 GRENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. Apud. BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1956, p. 19. 135 uma vez maior preocupação com a importação da cólera morbus vinda da Europa do que propriamente com a varíola. Esta situação é comprovada quando em meados de 1865, os doutores Antônio Henriques Leal, Luiz Quadros e Jauffret são incumbidos de formar uma comissão de saúde, a fim de evitar a importação da cólera morbus pelo porto da cidade. A dita comissão logo deu-se com presa a se reunir, sugerindo ao governo da Província do Maranhão medidas profiláticas de caráter de urgência para conter a importação da moléstia. Uma clara tentativa de retirar o foco da epidemia variólica que havia se alastrado na cidade. 4.3 Varíola: um caso endêmico em São Luís Mesmo não considerando o surto variólico de 1864, 1865 e 1866 de natureza mortífera os médicos admitiram a intensidade da virulência do vírus, o surto foi considerado como extinto em maio de 1866, entretanto a varíola reapareceu ainda em dezembro do mesmo ano. Entre 1867 a 1871 a varíola foi considerada pelos médicos como benigna, ou seja, apenas fez-se presente na sua forma menos letal a “varicela”, mesmo assim ela não deixou de ceifar vidas na capital. Em 08 de janeiro de 1867 a primeira página do jornal O Publicador Maranhense expõe o pedido do Dr. Tolentino Augusto Machado cirurgião-mor da guarda nacional ao presidente da Província salas do edifício do hospital da Madre Deus para o estabelecimento de uma enfermaria especial destinada ao tratamento de praças do exército, da guarda nacional e o corpo de polícia que fossem acometidas pela varicela. Em março de 1867 a varíola também era presente na vila de Vargem Grande.422 No ano seguinte a varíola novamente fez-se presente em São Luís, e não parou de reaparecer. Em ofício expedido em 22 de setembro de 1870, o vice-presidente da Província do Maranhão sabendo que a varíola estava por reinar novamente em São Luís resolveu instituir duas enfermarias com a conveniente separação dos sexos, no edifício do hospital regimental essas duas enfermarias ficariam sobre diligencia do Dr. Fabio Augusto Bayma, nelas seriam tratados os indigentes, os presos de justiça, praças do exército da armada e o corpo de polícia que por ventura tivessem contraído a 422 O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de janeiro de 1867. Governo da Província. Expediente do dia 29 de dezembro de1866, p. 01. 136 moléstia423. O mesmo ofício dava como certo a abertura de 2:000$000 contos de réis para as despesas das enfermarias destinadas aos variolosos, este valor era prescrito pelos termos do §1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862.424 No final de 1871, César Marques registra a ocorrência da varíola em São Luís, com alguns casos em 1872425. Tudo indica que a varíola neste período não foi de natureza epidêmica, tratando-se de casos de varicela e não da varíola confluente ou hemorrágica. Em 1874 a varíola confluente novamente se desenvolveu em São Luís, tudo indica que a importação da moléstia deu-se mais uma vez por meio do porto da cidade. Os ofícios entre os presidentes de Província relatam que em 1873 a varíola confluente estava por se desenvolver na freguesia do Iguaçu na Província do Paraná, na freguesia de Indaiatuba na Província de São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro e no Pará e no inicio de 1874 no Amazonas426·. Em 28 de setembro de 1874 o vicepresidente da Província do Maranhão José Francisco de Viveiros, ressalva que a varíola vinha fazendo estragos significativos em diversas localidades do Brasil. O mesmo advertia que a varíola já se fazia presente em São Luís, demonstrando preocupação sobre uma possível ação mortífera do vírus em São Luís427. Seguindo estes argumentos foi estabelecida uma comissão de socorro aos desvalidos, assim como a intensificação da vacina como medida profilática para conter a possível ação mortífera da varíola. Estabeleceu-se também a aplicação da vacina durante todos os dias da semana em diferentes partes da cidade. Foram designados para este serviço na capital, cinco médicos, cada um deles teriam um dia da semana para inocular à vacina na população. Na segunda-feira o Dr. Jauffret aplicaria a vacina no Seminário Episcopal, na terça-feira o Dr. Tolentino Augusto Machado aplicaria a vacina no quartel do Campo de Ourique, na quarta-feira o Dr. Julio Mario Serra Freire aplicaria a vacina no Seminário das Mercez, na quinta-feira Dr. Afonso Soulnier aplicaria a vacina em São Pantaleão e na sexta o comissário vacinado local o Dr. Cesar Marques aplicaria a vacina na câmara municipal.428 423 O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de outubro de 1870. Governo da Província. Expedido do dia 22 de setembro de 1870, p. 01. 424 O§1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 prescrevia a abertura de créditos emergenciais com o propósito de socorrer a população em épocas de epidemias. 425 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761. 426 O PUBLICADOR MARANHENSE, 17 de janeiro de 1874. Secção Official. Governo Central, p. 01. 427 O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Salubridade Pública, p. 01. 428 O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Vaccina, p. 01. 137 Também foi criada uma enfermaria destinada as praças do quinto batalhão de infantaria do corpo de polícia da armada e da esquadra de pedestres que fossem acometidos pela varíola. Já os bexiguentos desvalidos seriam tratados em uma enfermaria sob os cuidados da Santa Casa da Misericórdia429. Foram tratados nesta dita enfermaria 81 pacientes acometidas por varíola em dezembro de 1874, deste total 58 saíram curados e 19 faleceram, até janeiro de 1875 ainda existiam 25 pacientes em tratamento por decorrência da varíola430. Os socorros públicos também eram feitos em domicílio, porém, mesmo socorrendo e tratando um número considerável de pessoas acometidas por varíola. O relatório de 1874, assinado pelo então presidente da Província do Maranhão o Sr. Augusto Olímpio Gomes de Castro, indica que os esforços dos facultativos médicos Jauffret, Tolentino Augusto Machado, Júlio Mario Serra Freire, Afonso Soulnier e Cesar Marques não impediram o progresso da varíola na capital. Ao todo a varíola vitimou 96 indivíduos em 1874, porém esse percentual de óbitos é decorrente do intervalo de 28 de setembro de 1874 a 31 de janeiro de 1875, neste respectivo período sepultaram-se nos cemitérios da cidade 334 cadáveres, 96 deles por varíola431. O movimento dos cemitérios da cidade de São Luís dá pistas que o caminho a ser percorrido pela varíola seria novamente marcado pela agonia e pelo medo. Isto porque desde 28 de setembro de 1874, data do inicio dos sepultamentos por varíola, até 30 de novembro haviam sido sepultados nos cemitérios da cidade 45 pessoas em decorrência da varíola, em dezembro do mesmo ano foram sepultados mais 1485 cadáveres, destes 50 foram por varíola, números que sugerem uma projeção crescente da mortalidade variólica para o ano de 1875.432 Para piorar a situação, a virulência apresentada pelas bexigas neste período não foi circunscrita apenas a São Luís. Em 1874 a varíola fez estragos nas comarcas de Alcântara, Caxias e São Bento. O governo provincial utilizando dos termos do §1 do art. 5° do decreto de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 logo abriu carta de crédito no valor de 300$000 contos de réis para socorrer a população ceifada pela moléstia433. Mesmo 429 Ibidem. O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01. 431 Ibidem. 432 O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 de janeiro de 1875. Noticiário. Estatísticas da cidade, p. 03. 433 O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a 430 138 assim a varíola continuou a se espalhar pelo interior da Província a passos largos, atingindo São Vicente Ferrer, Cajapió, Itapunhenga, Ilha Grande, Monção, São Bento de Bacurituba, Icatu e Anajatuba em 1875434. Em São Luís a varíola não apresentou sinais de desgastes, ao todo ela ceifou 291 vidas em 1875, a tabela abaixo exemplifica o quão fora implacável a varíola neste ano. Quadro 05. Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875. Meses / ano Óbitos Janeiro de 1875 58 Fevereiro de 1875 44 Março de 1875 45 Abril de 1875 39 Maio de 1875 34 Junho de 1875 20 Julho de 1875 14 Agosto de 1875 10 Setembro de 1875 05 Outubro de 1875 08 Novembro de 1875 06 Dezembro de 1875 08 Total 291 Fonte: O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p. 01. No primeiro semestre de 1875 a varíola vitimou ao todo 240 pessoas, no segundo semestre a cifra decresceu consideravelmente para 51 vitimas, os médicos esperavam que a epidemia perdesse de vista seu curso de contagiosidade e virulência, administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01. 434 Ibidem. 139 no entanto, os constantes socorros em domicilio e os erros provenientes na vacinação facilitaram a manutenção da epidemia, tanto que em março de 1876 novamente a varíola da seus primeiros sinais de ressurgimento na capital. Neste referido mês ela vitimou 13 pessoas, em abril foram registrados mais 12 casos, em maio este índice começa a crescer novamente com 21 registros de óbitos e em julho de 1876 a varíola apresenta-se novamente com intensidade em São Luís, os cemitérios da cidade sinalizam a faixa de 63 sepultamentos por sua ocorrência, em agosto de 1876 foram mais 54 óbitos e em setembro 35.435 Ao todo a varíola registrou 198 óbitos em 1876, somando-se as cifras de 1874, 1875 e 1876 temos o registro de incríveis 585 mortes ocasionadas pela varíola em menos de três anos. Mais uma vez a varíola contribuiu negativamente para o aumento das estatísticas da mortalidade registrada em São Luís. Em 1874 os cemitérios da cidade registraram 1257 sepultamentos, 99 destes por varíola, em 1875 sepultaram-se ao todo 1428 cadáveres, destes 291 foram vítimas da varíola e em 1876 foram 1374 sepultamentos com 198 vítimas oriundas da varíola.436 Estes dados levam a crer que a varíola infelizmente estava por se tornar uma moléstia de natureza endêmica437 no Maranhão, ou seja, típica de uma região, na qual se manifesta constantemente. Esta suspeita pode ser confirmada na seguinte comparação: entre 1864 a 1876, ou seja, por doze anos consecutivos a varíola esteve por guarnecer a São Luís em varias incidências. Apenas os intervalos de 1869 e 1873 não constam indícios de óbitos sobre sua influencia na capital. É claro que a intensidade da virulência e contagiosidade da varíola não foram constantes, variando muito, apresentando inclusive um decréscimo no obituário de cada surto epidêmico. Em 1854-1855, por exemplo, foram registrados 683 óbitos por incidência da varíola, em 1864-1865 e 1866 foram 505 e entre 1874- 1875 e 1876 mais 585 óbitos. Mesmo que exista uma pequena variação entre os números de mortes ocasionados pela varíola nesses períodos, é preciso reconhecer que a mesma sempre se 435 O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p.01. Ibidem. 437 Alguns trabalhos acadêmicos também apontam a mesma incidência endêmica da varíola em outras partes do Brasil no século XIX. Cf. BARROS, Karla Torquato dos Anjos. “A varíola ficou morando na capital”: Ideias e práticas médicas representadas mediante manifestação da doença em Fortaleza (18911901). 185f. Dissertação submetida ao Programa de Mestrado Acadêmico em História do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção do grau (mestre) em História. Fortaleza, 2011; OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: ideias e práticas médicas em Fortaleza (1838 -1853). 156f. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, para a obtenção do grau de mestre em História Social, 2007. 436 140 manteve presente em São Luís, tanto que entre o final de 1883 e o primeiro semestre de 1884 ela novamente irá aparecer em São Luís em caráter mortífero.438 4.4 O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as ocorrências das epidemias intertropicais José Pereira Rego associa a ocorrência dos surtos variólicos e da febre amarela com tráfico de escravos. Para este autor a incidência da varíola no Rio de Janeiro nos anos de 1834, 1835, 1836, 1838 e 1839 tem íntima relação com a frequente chegada de cativos da África para o Brasil. Pereira Rego ainda explica que os escravos seriam excelentes atravessadores do vômito negro (febre amarela), pois segundo ele os mesmos eram mais resistentes a essa moléstia.439 Dauril Alden e Joseph Miller em investigação sobre o assunto sugerem que as suspeitas de Rego possuem certo fundamento teórico, pois sendo os portos as artérias da corte brasileira era inegável que a chegada dos tumbeiros fosse um foco de contágio por excelência para as bexigas. [...] haveria uma relação entre os períodos de seca em regiões da África, ocorrência de epidemias de varíola nestas regiões, e transmissão da doença para o Brasil por meio de um aumento do contingente de africanos sujeitos ao comércio negreiro que seriam provenientes destas regiões deflagradas pela 440 seca [...]. Segundo Luiz Felipe de Alencastro é possível fecundar o debate acerca da origem das epidemias na América do Sul com a questão da colonização europeia e o tráfico de escravos441. O médico francês Mathieu François Maxime Audouard enfatiza que a febre amarela não é oriunda de nenhuma região particular. Audouard crê que a 438 Sobre a erradicação da varíola. Cf. CHAGAS, Daiana Crús. Erradicando doenças: De projeto internacional ao Sistema de Vigilância Epidemiológica - a erradicação da varíola no Brasil (1900-1970). 152f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2008; GAZÊTA, Arlene Audi Brasil. Uma Contribuição à História do Combate à Varíola no Brasil: do Controle à Erradicação. 218f. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História das Ciências da Saúde, 2006. 439 REGO, José Pereira. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, p. 22. 440 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 109. 441 ALENCASTRO, L.F. Op. Cit., 2000, p. 133. 141 moléstia era uma infecção, cuja causa específica seria um ambiente inóspito, neste caso os tumbeiros usados no tráfico de escravos. A febre amarella não é originaria de nem um paiz. Os climas quentes favorecem a causa que a produz, e está ao alcance do homem fazer cessar esta causa, porque ella reside em uma infecção própria dos navios negreiros. Para dar ideia desta infecção basta lembrar que em muitas ocasiões se tem apreendido navios negreiros, nos quais os escravos viviam no meio de suas porcarias. Dahi vem a podridão da madeira do alcatrão e de tudo que está no interior do navio, e producção de um foco de infecção que não se extingue senão depois de ter percorrido todos os grãos de decomposição pútrida. Ajuntaremos que para esta extincção não bastam nem dias nem meses: também as duas ultimas epidemias de febre amarella que tem afflingido a Hespanha, e de que o autor deste escripto foi testemunha, a de Barcelona em 1821, e a do Porto da Passagem em 1823, tiveram origem de navios que serviram ao trafico de negros antes de serem carregados de mercadorias coloniaes na Havana. Em sua partida deste porto a febre amarella não reinava ahi; portanto elles não exportavam uma produção morbífica deste paiz. Entretanto attribuiam a febre amarella à Barcelona e à Passagem; e o que demonstra bem claramente que elles tinham a causa em seus costados, é que os carpinteiros, que empregaram-se em calafetalos, pereceram quasi todos da febre amarella em muito poucos dias, e foram as primeiras victimas destas duas epidemias. Elles sentiram grande fedor quando tinham entre mãos a operação da crena, porque então o esterco que estava contido entre os forros, foi posto a descoberto, e o calor dos mezes de agosto e setembro contribuiu poderosamente para desprender emanações as mais mortíferas. Este único facto – de navios partidos de um ponto do novo continente, em que a febre amarella não reinava, fazerem apparecer esta moléstia em dois portos da Europa, lança por terra todas as ideias que se tinham sobre a origem e a natureza da febre amarella; porque esta moléstia não é devida aos climas da América, pois que tem sido levada à Europa por navios partidos de Havana, quando ela não reinava neste lugar. Ella não é originaria da Europa, pois que a Hespanha não soffria antes do descobrimento da América, e a América mesmo não soffreu senão ha 200 annos depois, visto que a moléstia chamada hoje febre amarella foi apelidada a princípio mal de Siam, visto ter sua aparição na Martinica em 1694, coincidido com a presença de navios, vindos do golfo de Siam, nos portos desta ilha: denominação esta que o correr dos annos tem mostrado ser errônea. O mais provável é que se começou nesta época a ressentir os effeitos do trafico dos negros, porque então se activou muito esta negociação, e os governos a fomentaram, autorizando mesmo por títulos ou cartas regias certas companhias a fazê-la em grande escalla. Entretanto estas companhias, entregando-se a um commercio que as leis protegiam, e dispondo de grandes capitais, esclarecidas pela experiência, poderam fazer logo as despesas necessárias para o estabelecimento dos escravos a bordo, de modo que perdessem o menor numero possível na viagem: seu interesse levou-os a fazer observar certas medidas hygienicas. Tendo a revolução trazido a guerra entre a França e a Inglaterra estas companhias cessaram seus trabalhos, e o trafico foi feito por navios do commercio que não eram construídos para este fim. Os mesmos que depois desta época foram construídos de proposito eram talvez ainda piores, porque para escaparem aos corsários deviam ser muito bons veleiros, dispostos, por consequência, de um modo muito differente do dos navios de transporte. Em um outro caso os piratas, querendo ganhar muito dinheiro, entulharam de escravos o porão, não lhes permittindo mesmo subir sobre a cuberta para satisfazer as suas necessidades, e os prenderam ou encadeiraram de modo que, se um homem morria os que sobreviviam tinham muitas vezes de ficar um dia ou mais, juntos ao cadáver. Tal foi o trafico durante a guerra marítima; também partindo de 1793, os focos de infecção que a guerra trouxe mais num rosos e mais mortíferos tornaram a febre amarella mais frequente 142 na América, e principalmente em Hespanha, onde ella tinha sido apenas conhecida até então. Partindo de 1800, data da grande epidemia que roubou 61.362 habitantes à Andalusia, a febre amarella reinou quasi todos os annos em Hespanha até 1823, data da febre amarella da Passagem, e foi em 1824 que o autor desta memoria veio sustentar perante a academia das sciencias que a febre amarella da Barcelona e da Passagem tinha provindo de navios que acabavam de servir ao trafico dos negros, navios que elle designava como os focos de uma infecção especial, produzindo uma moléstia especial, que é a febre amarella. Donde concluía que os climas de um e outro continente tinham apenas uma acção secundaria que se limitava a dar mais actividade aos focos de infecção criados pelo trafico. O acaso tem justificado estas asserções; porque desde 1824 a Hespanha não soffreu mais da febre amarella; enquanto que nos vinte e quatro annos anteriores da moléstia roubara 140.000 de seus habitantes. Mas cumpre saber que se está de sobre442 aviso contra os navios que tem servido ao trafico. Em estudo sobre a ocorrência da febre amarela no Rio de Janeiro em 1850 a pesquisadora Kaori Kodama deu início a uma série de exemplos sobre a origem da moléstia. Utilizando-se da narrativa produzida pelos redatores do jornal “O Philantropo” a autora explica que em 29 de março de 1850 foi publicado no referido jornal o artigo “Os contrabandistas de carne humana e a epidemia reinante” que acusava o tráfico de escravos como causa principal das doenças epidemicas na cidade. Em 31 de maio de 1850, o mesmo jornal publica “O exemplo do caráter infectante da febre amarela da Costa da África”, advertindo sobre o caso de um vapor de guerra inglês que em 1846 teria sido infectado por uma febre “maligna e contagiosa” após ter estado na Costa da África, insinuando que tal enfermidade contagiosa seria a febre amarela.443 Magali Romero Sá levanta a hipótese que a oncocercose444 era restrita até fins do século XIX a apenas o continente Africano. Na virada do século XIX para o XX diversos casos da moléstia começam a ser notificados em outros continentes, o que implica a suspeita da importação da doença por meio dos portos.445 Em relação à importação de moléstias perniciosas a São Luís, Mário Meireles aponta que o Senado da Câmara da cidade por vereação de 14 de junho de 1865 criou o 442 AUDOUARD. Mathieu François Maxime. In. O PHILANTROPO, 27 de setembro de 1850. O tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela. Tradução do extrato de uma memória do Mr. Audouard, p. 02. 443 KODAMA, Kaori. Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, pp. 515-522. 444 A oncocercose também é chamada "cegueira dos rios" ou "mal do garimpeiro", é uma doença parasitária causada pelo “nematódeo Onchocerca volvulus”. Cf. SÁ, Magali Romero. Doença de alémmar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África. História, Ciências, Saúde, Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, pp. 251-256. 445 SÁ, Magali Romero. Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África. História, Ciências, Saúde, Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, p. 252. 143 cargo de Juiz de Saúde: “e o que fez haver muitas moléstias castigando quase permanentemente a população e para visitar os navios que chegavam com negros” 446 , para que assim se pudesse evitar a possível importação de doenças perniciosas à cidade. Entretanto, acrescenta Meireles: “em 1730 mais uma vez a varíola se fez presente, e na sua pior espécie – a bexiga de lixa, importada por um navio negreiro da Costa da Mina na África” 447. Raimundo Palhano cita a mesma ocorrência: As autoridades justificavam sua impotência diante das epidemias, principalmente as de varíola, afirmando serem aquelas moléstias “importadas”. E as fontes do contágio, apontadas por todos, eram os negros escravos, portadores, principalmente, da “bexiga pele de lixa”, Não foi por outra razão que homens pretos escravos ficavam em quarentenas, em locais como a ilha do Boqueirão, o Bonfim e a Ilha do Medo.448 Como foi demonstrado neste trabalho, as ocorrências da varíola que ocorreram no período de 1854 a 1876 foram importadas a São Luís por meio do porto da cidade, por isso a insalubridade deste era fator primordial para a proliferação das moléstias pestilentas. Diana de Carvalho não foge a regra das analises tradicionais, considerando também que o tráfico negreiro inegavelmente facilitou sim o transporte de vírus e bactérias e o contato entre diferentes povos, o que levou a diversificação das doenças e epidemias no Brasil. Porém isso não seria o bastante para atribui aos africanos escravizados no Brasil a responsabilidade pela transmissão das doenças pestilentas neste período. A autora mostra que o preconceito de vincular os escravos como os responsáveis por transmitir doenças consideradas perniciosas é um tema ultrapassado. Segundo a mesma, tem-se de ir além dos dados e perceber o contexto histórico e social em que se processam cada doença, bem como as suas condições de proliferação. A própria aproximação entre historiadores e epidemiologistas aumenta a densidade das discussões sobre as doenças do passado, principalmente das relações entre doenças e escravidão. Assim será possível desconstruir preceitos raciais e claramente baseados no senso comum, que sustentaram a ideia de raças humanas como fator biológico. O tráfico de escravos foi uma 446 MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 207. Além da varíola que constantemente flagelava a população do Maranhão, o impaludismo, as disenterias ou diarreias de sangue, a tísica pulmonar (tuberculose) e, sobretudo as febres intermitentes, renitentes, catarrais e pseudocontínuas rotineiramente flagelavam a classe pobre do Maranhão. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 207-211. 448 PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, p. 147. 447 144 fonte introdutória de novos parasitas para a América, mas o mesmo fez a 449 penetração dos espanhóis e dos portugueses no continente. Pelos exemplos citados acima, supõe-se a existência de uma verdadeira representação negativa sobre os trópicos, onde muitos médicos higienistas do século XIX inseririam a região dos trópicos como locais por excelência para o aparecimento e proliferação de doenças nocivas ao homem europeu, sentenciando o clima quente Brasileiro e o tráfico de escravos como os propulsores das epidemias intertropicais que atingiam o Brasil em seu período colonial e Monárquico. 449 CARVALHO, Diana Maul. Doenças dos escravizados, doenças africanas? In: PÔRTO, Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/ Rio- 2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007. 145 5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS 5.1 Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão Apesar de algumas discordâncias a provável data da introdução da vacina jenneriana no Brasil foi em 1804. Fruto da dedicação e empenho de Felisberto Caldeira Brant, futuro marquês de Barbacena, que mandou de Lisboa sete crianças de sua propriedade como cobaias para a propagação da técnica de vacinação de braço. Esta técnica foi reproduzida na Bahia e no Rio de Janeiro. De acordo com Hercules Octavio Muzzi médico responsável por coordenar a aplicação da linfa vacínica na corte, a vacina foi recebida com grande energia e entusiasmo na Bahia e no Rio de janeiro.450 Narrativas semelhantes às de Hercules Octavio Muzzi foram constantemente reproduzidas ao sabor dos tempos. Em 1909 Plácido Barbosa e Cassio Resende publicam “A historia Monumental dos Serviços de Saúde Pública do Brasil”, nesta obra a imagem da aceitação positiva da vacina jenneriana junto à população foi cristalizada. De fato, a corte portuguesa sempre demostrou empenho da veracidade da vacina antivariólica como um valiosíssimo preservativo contra as bexigas. D. João VI foi o primeiro a dar exemplo, ao mandar seus filhos D. Pedro e D. Miguel a serem vacinados pouco tempo depois de a vacina jenneriana ter chegado a Lisboa. O mesmo D. João VI ordenou a tradução e publicação imediata das obras de Edward Jenner em Portugal, em 04 de abril de 1811 ele estabeleceu a Junta da Instituição Vacínica do Rio de Janeiro iniciando oficialmente os serviços profiláticos da vacinação em escala em terras brasileiras.451 Em relação a São Luís, a municipalidade local desde o princípio demonstrou simpatia com a vacina. Em 17 de janeiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da Gama governador da Capitania do Maranhão recomendou à corte portuguesa a introdução da vacina no Maranhão. Em 12 de fevereiro de 1820 foi estabelecida em São Luís e por toda a extensão da capitania uma Repartição da Vacina. Em 1827 a câmara municipal de São Luís dá um passo decisivo para o progresso da vacina na Província do Maranhão 450 451 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 107. Id. Ibid., p. 108. 146 regulamentando pela primeira vez o serviço de vacinação, em 1834 foi aprovada uma postura municipal tornando a vacina antivariólica obrigatória em São Luís.452 De acordo com Raimundo Palhano, desde 1828 os gestores públicos de São Luís, ainda que timidamente, criaram um aparato técnico burocrático que garantisse a aplicação da vacina. O uso de relatórios, mapas de vacinação e intervenção policial para garantir a metodização e obrigatoriedade do serviço de vacinação e isolamento foram ações que aos poucos revelam o endurecimento das municipalidades em relação à varíola.453 O mapa de vacinação mais antigo que encontrei durante as pesquisas revelam que os resultados obtidos pela Repartição da Vacina da Província do Maranhão impressionam e ratificam a hipótese da aceitação positiva da vacina junto aos populares. De acordo com o Dr. José Antônio Soares de Sousa454 a vacina obteve extraordinário sucesso no seio da população local. No período de 08 de junho de 1820 até 15 de abril de 1826 foram vacinados 12.889 pessoas. Em todas as pessoas vacinadas havia se desenvolvido a vacina verdadeira, ou seja, um saldo positivo de 100% nos resultados da vacinação. Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de 1820 até 15 de abril de 1826. Maranhão Paço Alcântara Guimarães Itapecuru Viana Caxias Total Qualidade do Lumiar 2.342 396 678 304 1.486 627 476 6.173 Livres 2073 67 1.213 194 598 129 182 5.455 Escravos 710 _ 203 114 98 _ _ 1.125 Soldados 6125 463 2.094 611 2.182 756 658 12.889 Soma Vacinados em casas particulares que não forem escritos para mais de 2.000 pessoas Fonte: MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do Maranhão, 20 de abril de 1826. Setor de avulsos. APEM. 452 MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886. PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, pp. 149-151. 454 José Antônio Soares de Sousa era natural de Portugal, foi o primeiro inspetor da vacina no Maranhão servindo gratuitamente seus serviços desde 1820 até 1831, ano em que faleceu. 453 147 Há de se duvidar dos dados emitidos pelo Dr. José Antônio Soares de Sousa, isto porque era consenso entre os médicos da época que existia uma margem de erro para os resultados da aplicação da vacina, já que ela dificilmente se desenvolveria como verdadeira em todas as situações. Por este motivo a prática da revacinação era necessária, no entanto esses dados não aparecem no mapa geral da vacinação de 1826. É possível que o número de vacinados neste respectivo período tenha sido bem superior à cifra total estimada no mapa geral da vacinação de 1826, tendo em vista que os dados do mapa geral de vacinação de 1826 são referentes à apenas algumas localidades do interior da Província do Maranhão, excluindo-se São Luís, local de maior contingente populacional. De acordo com os ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, somente a partir de 1831 os mapas de vacinação sofrem uma importante mudança qualitativa na apreensão dos seus resultados. A partir dessa data o serviço de vacinação da Província do Maranhão passou a considerar relevante a emissão de relatórios e mapas mensais para a observação do progresso da vacina junto à população. Informações como a quantidade de pessoas vacinadas por sexo, número de revacinados, soma da redução individual do vacinados e revacinados em diferentes dias, quantidade de pessoas que tiveram vacina verdadeira e vacina falsa, quantidade daqueles em que a vacina foi falha e numero dos vacinados e revacinados que não tiveram seus casos devidamente observados, passaram a ser constantes nos relatórios e mapas de vacinação. Oficialmente, os mapas de vacinação aplicados na Província do Maranhão apenas começam a informar a quantidade de escravos vacinados e revacinados a partir de 1846, porém, há evidencias que a principal preocupação da Junta da Instituição Vacínica em seus primeiros tempos de funcionamento, era a imunização dos escravos. Para Tania Maria Fernandes a primeira década da aplicação da vacina jenneriana no Rio de Janeiro se caracterizou por um intenso apelo dos senhores de escravos em vacinar seus cativos. A obrigatoriedade da vacina era regra geral, porém sua aplicação parecia restrita a apenas uma fração da população negra, sendo que a única obrigatoriedade efetivamente cumprida nos primeiros anos da vacinação foi à relacionada à escravidão nas fazendas, para onde o vacinador era deslocado por solicitação dos proprietários de escravos. Com isso, geralmente alcançava-se uma média de 40% no número final de escravos e negros 455 vacinados em relação aos demais vacinados. 455 FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 24. 148 Sidney Chalhoub posiciona-se na mesma direção, segundo ele a principal função do serviço de vacinação da corte em seus primeiros anos de funcionamento era de fato a imunização dos escravos456. Em A vida dos escravos no Rio de Janeiro (18081850) Mary Karasch enriquece o debate analisando a demografia da população carioca na primeira metade do século XIX. A autora realiza um mapeamento sobre os obituários da cidade e sua relação com as causas das mortes dos cativos, além de saber ainda idade, sexo, duração de vida e taxas de mortalidade e natalidade dos escravos. Karasch salienta que as taxas de mortalidades entre os escravos no centro urbano do Rio de Janeiro eram altíssimas, isto porque essas pessoas estavam à mercê das epidemias intertropicais. Mas, mesmo estando indefesos aos assaltos da varíola, por exemplo, a autora sinaliza um baixo índice de mortalidade entre os negros em virtude da moléstia.457 Luiz Antônio da Silva Mendes e José Francisco Xavier Sigaud ao analisarem as estatísticas de mortalidade da população negra no Império do Brasil na primeira metade do século XIX, concluem que as pessoas de cor dessa época eram flageladas por moléstias como a disenteria, as febres intermitentes e catarrais, as vermes, a sífilis e o escorbuto. A varíola apenas é citada como um dos vetores para a cegueira.458 Em anexo ao ofício de 22 de junho de 1835 emitido por Veríssimo dos Santos Caldas459 inspetor da vacina do Maranhão ao presidente da Província da mesma, o senhor Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo encontramos uma lista de vacinados equivalente ao período de 15 de novembro de 1834 a 25 de junho de 1835. Na referida lista consta a soma de 155 vacinados, dos quais 98 eram escravos460, números que sustentam a hipótese de que provavelmente a verdadeira função da Repartição da Vacina em seus primórdios fosse à imunização dos cativos. Em meio a números e estatísticas encontramos a seguinte situação sobre e estado da vacina na Província do Maranhão. Entre outubro de 1837 a março de 1838 foram vacinadas em São Luís 410 pessoas, 92 compareceram as sessões de revacinação 456 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 110-111. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 152. 458 SIGAUD, J.F. X. Op. Cit., 2009, pp. 118-127. 459 Verissimo dos Santos Caldas era cirurgião e natural da Bahia. Foi o segundo inspetor da vacina da Província do Maranhão, nomeado em 1837 servindo até 20 de junho de 1847. 460 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 22 de junho de 1835. Setor de avulsos. APEM. 457 149 e apenas 234 apresentaram vacina verdadeira461. Péssimos índices para um contraceptivo que em 1826 teoricamente havia tido cem por cento de aceitação entre os populares. Supõe-se então, que desde a emissão do mapa geral emitido pelo Dr. José Antônio Soares de Sousa em 20 de abril de 1826 até março de 1838, a vacina tenha sido rejeitada por grande parte da população local, isto por que a Repartição da Vacina no Maranhão achava-se completamente desolada. Os vacinadores municipais e paroquiais não prestavam conta sobre seus serviços, faltava-lhes obediência aos regulamentos que os obrigava a expandir da vacina no Maranhão, sendo mais frequente ofícios com pedidos de demissões do cargo de comissário vacinador do que a emissão de relatórios e mapas de vacinação. Entre o final de 1837 e inicio de 1838 a varíola começa a ser reinante no Maranhão, realizando estragos principalmente na cidade de Caxias. Este desastroso episódio impulsionou a procura pela vacina na capital. As informações colhidas junto ao relatório geral da vacinação de 08 de julho de 1841, emitido por Veríssimo dos Santos Caldas ao presidente da Província do Maranhão João Antônio Miranda sugerem que a vacina foi procurada na capital pelo menos até o fim de maio de 1841. Tal como o mapa de vacinação abaixo explica. 461 MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitouo Exm. Snh. Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 mayo do corrente anno. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1838, p. 29. 150 Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841. Épocas 1838 Idades De 08 N. dos N. dos Total Boa Vacina Vacina Vacina N. dos não vacina revacina vacina arrebe falsa não observados dos dos 449 118 567 240 25 10 209 83 341 80 421 176 17 - 188 90 718 74 792 462 08 - 131 191 174 85 209 96 18 - 53 48 1.682 807 1980 966 68 10 531 412 ntada pegada meses a 58 anos 1839 De 04 meses a 46 anos 1840 De 03 meses a 42 anos 1841 até De 03 o fim de meses a maio 05 anos Soma - Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 08 de julho de 1841. Setor de avulsos. APEM. Apesar do substancial progresso da vacina na capital, sobretudo no ano de 1840, os serviços de vacinação da capital deixavam muito a desejar. Entre junho a dezembro de 1841, a Repartição da Vacina do Maranhão não ofereceu vacina alguma aos populares. Em relatório emitido ao presidente da Província do Maranhão, Veríssimo dos Santos Caldas atesta sobre a situação da vacina na capital. Segundo ele, entre 01 de janeiro de 1842 a 18 de abril de 1843 foram vacinados em São Luís 778 pessoas, deste total de inoculados, 171 não retornaram para a revacinação e 151 não tiveram seus resultados acompanhados462. Nas palavras do inspetor da vacina, o grande problema era que em parte alguma a linfa vacínica era bem aceita. Esta circunstancia é denunciada em 29 de julho de 1843, quando o jornal O Publicador Maranhense analisa a falta de vacinadores em todo o interior do Maranhão e a incapacidade da Repartição da Vacina em distribuir vacina de boa qualidade à 462 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 18 de abril de 1843. Setor de avulsos. APEM. 151 população. Segundo com referido jornal os primeiros resultados da aplicação da vacina no interior da Província para o ano 1843 foram decepcionantes. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. - Na câmara municipal de Itapecurumirim tem aplicado com bastante assiduidade o pus vacínico, mas este não tem produzido os efeitos desejados; pois dos quarenta e sete primeiros 463 vacinados só uma criança de três anos pegou a vacina verdadeira. Em 1844 novamente a vacina sofre um grande revés. Apesar do relatório do presidente da Província atestar sobre os progressos que a Repartição da Vacina do Maranhão vinha realizando junto à população, apenas 443 pessoas foram inoculadas, sendo todas elas residentes de São Luís, destas 260 desenvolveram vacina verdadeira enquanto que 183 desenvolveram vacina falsa464. Ciente do baixo desempenho profilático da vacina no Maranhão em 12 de setembro de 1845, Veríssimo dos Santos Caldas comunica a corte brasileira sobre a péssima qualidade da linfa vacínica denunciando as más condições de transporte e armazenamento da vacina vinda da Inglaterra. Cópia n° 07: Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor: Não tendo a Repartição da Vacina papel desse cunho / segue-se a lamentar a Vossa Excelência não só para melhor conservar a vacina nesta Província, mas até para ser melhor acondicionada para esta Província e mesmo para províncias vizinhas, rogo a Vossa Excelência afim de requisitar ao encarregado da delegação imperial em Londres, oito a dez vidros de pus vacínico, visto achar-se próximo a para aquele porto huma barca inglesa, rogo igualmente a Vossa Excelência afim de requisitar a mesma delegação a frequência do pus vacínico a esta Província, vindo navios a este porto ou menos interpoladamente, pois só desta forma é que se pode conservar a vacina nesta Província visto que ella já vai aparecendo enfraquecida entre nos. Deus Guarde a Vossa Excelência/ Maranhão/ Repartição da Vacina doze de setembro de mil quatrocentos e quarenta e cinco. Ilustrissimo e Excelentíssimo senhor Ângelo Carlos Muniz Presidente da Província/ o encarregado da vacina Veríssimo dos Santos Caldas esta 465 confirma. Veríssimo dos Santos Caldas. O fraco rendimento da vacina perdurou aos anos de 1846 e 1847, neste último foram realizadas apenas 389 inoculações466. Em 09 de julho de 1847, Veríssimo dos Santos Caldas faz severas ressalvas, certificando que a vacina encontrava-se 463 O PUBLICADOR MARANHENSE, 29 de julho de 1843. Repartição de polícia, p. 03. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vice- presidente da Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 maio de 1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1845, p. 09. 465 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de 1847. Setor de avulsos. APEM. 466 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de 1847. Setor de avulsos. APEM. 464 152 completamente em desuso na Província Maranhão. Não tendo a Inglaterra fornecido vacina de boa qualidade para a Repartição da Vacina. O inspetor da vacina achava-se amputado dos seus facultativos deveres, o mesmo reinterava seu pedido mais uma vez, solicitando ao encarregado da delegação imperial em Londres que se esforçar-se a enviar o quanto antes linfa vacínica de boa qualidade ao Maranhão.467 Em 01 de junho de 1847 o Dr. José Miguel Pereira Cardoso468 é nomeado ao cargo de comissário vacinador provincial, coincidentemente ou por manobra política os comunicados e pedidos da Repartição da Vacina do Maranhão começam a ser atendidos com maior frequência e volúpia pela Junta Vacínica do Rio de Janeiro. Em julho de 1847 a Assembléia Provincial obedecendo ao inciso 05 do artigo 31 do regulamento de N° 664 aprovado em 17 de agosto de 1846, prescreveu a extensão da vacinação obrigatória ao interior da Província do Maranhão, local de grande dificuldade de se convencer os populares sobre os benefícios da vacina469. Além disso, o contingente de comissários vacinadores no Maranhão passou de 24 para 31 em 1850.470 As medidas adotadas pelo governo provincial surtiram pequeno efeito, em 1848 haviam sido vacinados 539 indivíduos, a maioria da capital, entretanto no primeiro semestre de 1849 foram registradas 212 inoculações471. Este percentual melhorou nos dois anos subsequentes, entre 01 de julho de 1849 a 30 de junho de 1850, 1713 indivíduos receberam a vacina regularmente em toda a Província do Maranhão, sendo pertencentes a São Luís 1086 vacinados472. A média de pessoas que tiveram boa vacina 467 Ibidem. José Miguel Pereira Cardoso natural do Maranhão foi o primeiro comissário vacinador provincial do Maranhão, nomeado em 01 de junho de 1847, tomou posse em 21 de julho do mesmo ano e serviu até sua morte em 21 de junho de 1865. 469 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de março de 1851. Setor de avulsos. APEM. 470 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembléa Legislativa Provincial por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 14. 471 MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléia Legislativa Provincial por occasião de sua installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1849, p. 49. 472 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembleia Legislativa Provincial por ocasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 14. 468 153 foi de 877, em compensação a média daquelas que tiveram vacina falsa também foi elevada, com 680 casos, 156 casos não foram observados.473 O aumento entre o número de pessoas vacinadas em 1850 possui relação com a instituição das normas pessoais do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, que tinha como uma de suas prerrogativas acompanhar o progresso da vacina no Maranhão. No entanto, o próprio relatório do presidente da Província do Maranhão de 1850 é enfático em relação aos progressos da vacina: “Não tem, pois a vaccina produzido nesta Província os benefícios que eram de esperar”.474 5.2 A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos Em um espaço de dez anos a varíola confluente reinou por duas vezes em São Luís em caráter puramente mortífero. Entre 1854-1855 ela vitimou 683 indivíduos e em 1864-1865-1866 foram mais 505 mortes. Entender os motivos que levaram a varíola a ser tão violenta neste curto espaço de tempo significa refletir na ação negativa de seu contraceptivo, a vacina. Isto porque a mesma era entendia pelos médicos da época como o único remédio eficaz contra a varíola. Significa também refletir sobre a estrutura física e a capacidade de distribuição e aplicação da linfa vacínica pela Repartição da Vacina do Maranhão, assim como a descrença ou os preconceitos que levaram os populares e a até mesmo parte da comunidade médica a desacreditar na ação positiva da vacina. Percorrer essa trajetória não será fácil, até porque os dados estatísticos sobre a vacinação e revacinação em São Luís e no Maranhão neste respectivo período não estão completos. Grande parte dos relatórios e mapas de vacinação encontra-se deteriorados ou simplesmente foram corroídos ou destruídos pela ação do tempo. Tendo em vista esses percalços, proponho-me a analisar a situação da vacina antivariólica desde 1851 há 1866, a fim de se confirmar a suspeita que a linfa vacínica distribuído junto aos populares era de má qualidade e procedência, e que a porcentagem de inoculados que se considerava imunizada era pífia em relação ao percentual demográfico e a distribuição geográfica da cidade de São Luís. Como foi dito anteriormente o primeiro semestre de 1851 foi categoricamente marcado pela epidemia da febre amarela que grassou na cidade de São Luís. Ao todo essa moléstia vitimou a soma de 807 indivíduos, números que refletiram no decréscimo 473 474 Ibidem. Ibidem, p. 15. 154 de inoculados. Em toda Província do Maranhão foram inoculadas com a linfa vacínica 632 indivíduos, 363 desenvolveram vacina regular, em 263 indivíduos a vacina deu-se como falsa.475 Mesmo sem ultrapassar a margem de mil inoculações por ano, José Miguel Pereira Cardozo insistia nos bons resultados alcançados pela vacina junto à população. Diz ele em ofício de 27 de janeiro de 1852 que a vacina apresentava-se em bom estado de conservação e que a aplicação dela na capital estava assegurada. Cardozo ratificava sua fala com o balanço geral de 3.273 indivíduos inoculados entre os anos de 1847 a 1851 com uma margem para 1.585 inoculações verdadeiras e 1.688 inoculações falsas.476 Obviamente que as considerações apresentadas por José Miguel Pereira Cardozo eram no mínimo exageradas, certifico-me as considerá-las como grotescas, isto porque uma cifra de apenas 1.585 pessoas com vacina verdadeira em um período de quatro anos consecutivos de campanha de vacinação, não poderia ser considerada como positiva. O baixo índice de inoculações será mantido pela Repartição da Vacina entre 1852 a 1854. Segundo o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1852 foram inoculados 672 indivíduos, deste total 408 tiveram vacina regular e 264 desenvolveram vacina falsa477. Um novo balanço da vacina é divulgado em 16 de julho de 1852, de acordo com este mapa de vacinação, entre 01 de julho de 1851 a 30 de junho de 1852 receberam a vacina 2.201 pessoas, 1.363 475 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM. 476 É importante esclarecer que o balanço levantado por José Miguel Pereira Cardozo de 3.273 indivíduos inoculados para os anos de 1847 a 1851, não esclarece que das 389 inoculações realizadas em 1847 a maioria pertencia a São Luís, este fato novamente se repetirá em 1848, os 539 indivíduos inoculados neste ano em sua maioria eram residentes da capital, somente em 1849 e 1850 a Repartição da Vacina consegue inocular 1713 indivíduos em toda a Província do Maranhão, sendo pertencentes a São Luís 1086 vacinados e 627 inoculados eram oriundos do interior do Maranhão. Em 1851 das 632 pessoas inoculadas a maioria residia em de São Luís. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM. 477 O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro até 30 de junho de 1852 também indica que foram vacinados 370 indivíduos do sexo masculinos, 282 indivíduos do sexo feminino, 378 indivíduos livres e 294 indivíduos escravos, obedecendo às particularidades instituídas no artigo 31 do regulamento de 17 de agosto de 1846. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM. 155 desenvolveram vacina regular, o ponto negativo foi que da soma dos 2.201 vacinados, 838 não compareceram a revacinação não tendo seus casos acompanhados.478 Um terceiro mapa sobre o estado da vacina em 1852 é emitido em 29 de janeiro de 1853. Segundo este novo mapa ao todo foram inoculadas 232 pessoas entre 01 de agosto a 31 de dezembro de 1852, sendo que apenas 99 apresentaram vacina regular e 133 tiveram falsa vacina479. Por este último mapa de vacinação entende-se que a vacina caminhava a ritmo de desuso no Maranhão, isto porque a Repartição da Vacina não conseguia aumentar o índice de vacinados em escala de seis a seis meses, além disso, o número das pessoas que não compareceram a revacinação e que tiveram vacina falsa foi similar aos que apresentaram vacina verdadeira. Entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853, receberam a vacina em toda a Província do Maranhão 302 pessoas, apenas 64 tiveram vacina regular enquanto que 248 não compareceram a revacinação480. No segundo semestre do mesmo ano a aceitação da vacina entre os populares perdurou a níveis baixíssimos, sendo vacinados 356 indivíduos, 193 com vacina regular e 163 com vacina falsa.481 Esses fatídicos resultados apresentados pela Repartição da Vacina do Maranhão certamente contribuíram para que o índice de contagiosidade e virulência da varíola fossem tão intensos entre novembro de 1854 a abril de 1855. A sensação de impotência e inutilidade que a epidemia variólica de 1854-1855 espalhou entre as autoridades locais foi tamanha, que o serviço de vacinação da Província sofreu severas críticas, quanto à aplicação e desempenho da vacina. Contando com o auxílio de seus 28 comissários vacinadores a Repartição da Vacina inoculou ao todo 7.172 indivíduos de ambos os sexos no ano de 1854. Deste 478 O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho de 1851 a 30 de junho de 1852 indica que foram vacinados 1.214 indivíduos do sexo masculinos, 987 indivíduos do sexo feminino, 1.165 indivíduos livres e 1.036 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM. 479 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 29 de janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM. 480 O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853 indica que foram vacinados 182 indivíduos do sexo masculinos, 130 indivíduos do sexo feminino, 204 indivíduos livres e 103 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM. 481 O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho a 31 de dezembro de 1853 indica que foram vacinados 221 indivíduos do sexo masculinos, 134 indivíduos do sexo feminino, 208 indivíduos livres e 148 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM. 156 total, 3.863 indivíduos inoculados residiam em São Luís enquanto que 3.309 no interior da Província482. Centrando-se o olhar sobre esses dados, percebe-se uma tentativa de ocultação de informações, pois os números que correspondem à vacinação praticada no ano de 1854 não prestam conta sobre o percentual daqueles em que a vacina foi verdadeira e falsa e nem daqueles que não compareceram a sessão de revacinação. No entanto, em 22 de junho de 1855 o jornal O Publicador Maranhense relata números interessantes sobre a vacina antivariólica. “Os dados estatísticos da Repartição da Vaccina no Maranhão apontam que de 1847 a 1854 foram inoculados com a linfa vacínica 15.909 pessoas, deste total 8.506 residiam na capital e 7.403 eram do interior”483. Considerando a margem de 30.000 mil almas sobre o percentual de 8.506 inoculações realizadas na capital neste período. Significa dizer que apenas 28% dos habitantes de São Luís foram inoculados com a vacina, sendo que deste percentual exclui-se os números de inoculações falsas e casos não acompanhados, que poderiam diminuir ainda mais o percentual de inoculados.484 Se compararmos as 7.172 inoculações realizadas em 1854 com os sete anos anteriores, perceberemos que o número de inoculações não ultrapassava mil vacinações por ano. Para piorar a situação, esperava-se um considerável aumento no número de vacinados para o primeiro semestre de 1855, entretanto o desempenho da vacina neste respectivo período foi trágico. Os comissários vacinadores inocularam apenas 923 indivíduos em toda a Província, sendo da capital 491, enquanto que 432 residiam no interior da Província.485 Cifras catastróficas para um semestre que apresentou maior virulência e contagiosidade da varíola. É importante frisar ainda que o índice de 923 inoculações somente fora alcançado porque as multas de seis mil contos de rés para quem não 482 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62; Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1855, p. 01. 483 Ibidem, p. 63. 484 Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1855, p. 01. 485 Ibidem; Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1855, p. 01. 157 comparecesse nos dias de vacinação e revacinação foram reestabelecidas repetidamente em São Luís. A vacina era tão rechaçada entre os populares que em publicação oficial do dia 18 de janeiro de 1855, Eduardo Olímpio de Machado achara conivente que o boticário João Diogo Duarte auxiliasse nos serviços da vacinação na capital, servindo vacina todos os dias na sua residência localizada na Rua Formosa, número 27.486 Em ofício de 03 de fevereiro de 1855, o mesmo Eduardo Olímpio de Machado ratifica que a vacina deveria ser levada a domicílio a fim de se alcançar um número desejado de inoculados em 1855. E por que seja mister que a propagação da vaccina tenha o mais rápido andamento, e não vejo outro meio de consegui-lo senão mandar levar a vaccina para as casas dos indivíduos que ainda não foram vaccinados, acabo de expedir as convenientes ordens, para que esta deliberação seja cumprida tanto pelo Dr. comissário vacinador e pelo seu ajudante, como pelos facultativos Veríssimo dos Santos Caldas e Silvestre Marques da Silva Ferrão, recomendando-lhes que, no caso de ser necessária a intervenção da autoridade policial para o bom resultado desta medida recorram a V. S., que 487 dará as providencias, que julgar convenientes. A pouca procura da linfa vacínica em 1855 decorre exclusivamente de duas circunstâncias. A primeira era que a vacina antivariólica possuía uma péssima qualidade de imunidade, a segunda era que muitas pessoas simplesmente não queriam se vacinar, pois diziam que a vacina corrompia seus corpos, não tendo efeito algum sobre a varíola. Para piorar a situação, alguns médicos duvidavam dos efeitos positivos da vacina. Entre 1850 e 1851 corriam boatos no Maranhão, Bahia e no Rio de Janeiro que alguns médicos diplomados difamavam a vacina, diziam eles que a pratica da vacinação e revacinação em tempos de epidemia era falha e prejudicial à saúde das pessoas.488 O médico inglês Legendre foi um dos primeiros a considerar essa hipótese, dizia ele que a vacina jenneriana não poderia modificar totalmente a varíola contribuindo para um possível mal estado dos vacinados489. Rilleit e Barthez inclinamse na mesma direção, até mesmo o Dr. Erchhoru um dos mais renomados médicos da época, salienta que a vacina não pode ser considerada um preservativo totalmente neutralizador da varíola, já que fora percebido em várias ocasiões que pessoas vacinadas 486 O PUBLICADOR MARANHENSE, 19 de dezembro de 1855. Annuncios, p. 03. O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província. Expedientes dos dias 03 e 05 de fevereiro de 1855, p. 01. 488 Ibidem. 489 O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03. 487 158 desenvolveram a varíola.490. Em sua maioria, as opiniões contrárias contra a vacina provinham da França. Em 1802 circulou neste país e em toda a Europa a clássica caricatura intitulada The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation de James Gilray. Esta gravura foi repercutida incessantemente ao longo do século XIX, inclusive no Brasil. Nela fica clara a tentativa de colocar a vacina jenneriana como o preservativo que “avacalharia” o homem. Que por ser de origem animal causaria em seus inoculados lesões nefastas como o aparecimento de feições de bois com chifres na cabeça, ao passo que a voz do indivíduo se assemelharia ao rugido dos bovinos. Figura 09 The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation. James Gilray, 1802. National Library of Medicine, Bethesda, EUA. 490 Ibidem. 159 Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 158. Em 1808 o Dr. Heleodoro Jacinto de Araújo Carneiro publicou em Londres uma memória intitulada “Sobre a prática da vacinação e suas funestas consequências”. Nesta obra Heleodoro segue a linha de raciocínio de James Gilray apontando os possíveis efeitos nefastos e irreversíveis no uso da vacinação antivariólica. Para Heleodoro a vacina promovia a degeneração da espécie humana. Segundo ele as crianças vacinadas poderiam ao longo do curso de seu crescimento desenvolver feições de boi; tumores surgiriam em suas cabeças indicando o local dos chifres, e aos poucos a fisionomia se tornaria cada vez mais próxima a de uma vaca, com a voz transformada em mugido de touro.491 Além das deformações físicas e morais, médicos e esculápios acusavam a vacina jenneriana de facilitar a ocorrência da sífilis. Em consonância com este assunto o Jornal do Commércio do Rio de Janeiro lança nota editorial em julho de 1855 sobre a obra “Degenerescencia physica e moral da espécie humana causada pela vacina”do médico francês Verdé-Delisle, que segundo o jornal argumentava com fatos e estatísticas que a vacina causava a degeneração física e moral da espécie humana. Deslisle exagera em suas explicações, chegando a comparar a varíola como uma fase necessária na vida.492 Em 17 de novembro de 1855o jornal Correio da Victoria também lança nota explicativa sobre a obra do médico francês. De acordo com o jornal o Dr. Deslisle acusa Edward Jenner de ter cooperado para atrofiar a espécie humana por meio da vacina, enfatizando que as moléstias como: “a cólera, a gastrite, as escrófulas e a physica pulmonar, tão frequentes no século XIX também eram oriundas da vacina jenneriana”.493 Sidney Chalhoub expõe a existência de um grande debate sobre o assunto, levantando a considerar a hipótese que durante a segunda metade do século XIX havia 491 BARBOSA, Plácido; RESENDE, Cassio Barbosa. Os serviços de saúde pública no Brasil, especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907. Volume I. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1909, p. 415. Apud. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006. 492 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 121. 493 CORREIO DA VICTORIA, 17 de novembro de 1855. Notícias Diversas, p. 02. 160 um grande número de meretrizes e proletários, vítimas da varíola no Rio de Janeiro, sugerindo uma solidariedade cruel entre vacina e sífilis.494 A suspeita que a vacina antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis produzia colorações cinzentas a respeito da eficácia da linfa vacínica. Pedro Affonso Franco cita que em 1865 o médico francês Depaul publica “La syphillis vacinalle”, obra de grande impacto e repercussão na comunidade médica europeia. Neste livro o autor cita alguns casos que comprovam segundo ele a transmissibilidade da sífilis por intermédio da vacina jennerriana. Na pagina 03 é contado um caso de uma menina de boa apparencia, com cuja lympha foram inoculadas 46 crianças. Destas, 06 escaparam ao contágio, mas 40 tiveram ulceras syphiliticas nos pontos inoculados, e morreram 19, e salvaram-se as outras tornando-se extremamente fracas e conservando os signaes de infecção syphilitica. Muitas amas e mães das crianças foram por estas infeccionadas. Na pagina 04, é referida a observação de Cerioli, de uma criança com excelente aspecto de saúde, rosada, sadia, que parecia, pois nas melhores condições para se vacinar, e da qual se retirou a lympha para 64 crianças. Todas estas foram atacadas de syphilis, 08 crianças falleceram, e 02 mulheres que amamentavam tiveram a mesma sorte. Indaga a causa, soube-se que os pais da primeira criança eram syphiliticos, e que esta portanto tinha a syphilis latente. Mais adiante é citado o facto de uma menina forte, e de apparencia perfeitamente sadia, cuja vaccina transmitiu a syphilis a 19 pessoas. Essa mesma teve mais tarde ataque syphilico e falleceu em 06 dias. Vê-se que ella também tinha a syphilis oculta, quando serviu de vacinífera.495 Infelizmente, a lógica seria o eminente fracasso da vacina, até porque esta concorria com o método da variolação. Como se sabe, esse procedimento era bastante similar ao método endérmico da aplicação da vacina jenneriana, o problema era que a probabilidade de haver incidentes entre variolação, vacina e sífilis era gritante, e que supostamente contribuiu para o insucesso da vacina. A frequência desse problema pode estar no uso do método da variolação no combate contra a varíola. Aliás, ao que parece este é um problema de ordem cronológica isto porque a varíola já assaltava vidas no Brasil desde o século XVI. Sendo que a primeira grande epidemia de varíola remonta ao ano de 1563, na região da Bahia, onde muitos índios morreram vítimas das bexigas496. Em 1776 os médicos europeus já podiam contar com o auxílio da vacina jenneriana contra a varíola. Sendo que no Brasil a introdução desse método é datada ao ano de 1804. No entanto somente em 1811, foi criada a Junta da 494 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 120-125. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 25 de novembro de 1887, Inconveniente da vaccina humana VI, p. 01. 496 GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 387-399. 495 161 Instituição Vacínica e apenas partir de 1832 com o Código de Posturas do Rio de Janeiro, a vacina passou a ser obrigatória pela primeira vez no Brasil.497 Segundo José Vieira Fazenda, anterior à vacina jenneriana, o método da “variolação” já havia chegado ao Brasil no final da década de 1790 498. No que diz respeito à região do Pará e Maranhão, o geógrafo francês Charles Marie de La Condamine, descendo o Rio Amazonas esteve em missões científicas, e logo tomou conhecimento no ano de 1744 que um frade carmelita costumava imunizar seus catecúmenos com a variolação, observação que ele transmitiu à Academia Real de Ciências de Paris no relatório que apresentou sobre sua viagem 499. Robert Southey em sua História do Brasil informa que desde 1730 se fazia uso da prática da variolação em missões religiosas ao longo do Rio Negro.500 Ao citar esse problema, Sidney Chalhoub, não toma parte sobre o mesmo. Segundo o autor há uma imprecisão nos fatos ou no mínimo uma incoerência dos relatos. Havia aqueles que resistiam à vacina aplicada pelos médicos alegando que esta era a própria varíola, passando então a descrever os riscos normalmente associados à variolização; mais torna-se difícil entender a recusa à vacinação por esta ser confundida com a variolização se há testemunhos inequívocos de que a inoculação do pus variólico era conhecida e bastante praticada no país. Em suma, as razões registradas pelos médicos para a resistência à vacina nos deixam a dificuldade de explicar o porquê de tantas pessoas recorrerem a variolização.501 O interessante neste problema, é que os dados apontam que variolação e vacina jenneriana foram introduzidas no Brasil em uma escala de tempo muito próxima, o que de algum modo reforça a ideia que a população não dispunha de tempo suficiente para diferenciar vacina e variolação, confundindo em muita das vezes ambas. Mas, mesmo que fosse apenas um problema de nomenclatura ou diferença, o desprezo pela vacina antivariólica repousa em simples observação empírica. Muitos doutores ficavam surpresos com os assaltos que a varíola causava em pessoas vacinadas, vira e mexe essas evidencias apareciam ao sabor da má qualidade da linfa vacínica distribuído e 497 FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19. 498 FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES, Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007, pp. 595-605. 499 MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 212. 500 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tradução de Joaquim Luiz de Oliveira e Castro. São Paulo: Obelisco, 1965. 501 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 131. 162 aplicado na população. Sendo que desde o inicio da década de 1820 sabia-se na Europa que a vacina jenneriana já apresentava sinais de desgastes. Na realidade seu efeito poderia ser comparado a uma leve brisa de verão. José Pereira Rego, em seu esboço histórico sobre epidemias que haviam grassado na corte entre 1830 a 1870, aponta que anterior a epidemia de 1834 que assombrou o Rio de Janeiro, a varíola já aterrorizava pessoas vacinadas, notando a repetição do fenômeno em epidemias ao longo do período citado502. A própria história da vacina jenneriana evidencia este fato. Como se sabe a vacina não fora somente circuncidada por elogios e argumentos positivos, não faltaram detratores das mais variadas categorias e funções: químicos, médicos, cientistas, mercadores, boticários, burocratas e governantes de vários países denunciavam segundo eles os malefícios da vacina jenneriana. Durante a guerra franco-prussiana em 1870, epidemias variólicas grassaram a França e Alemanha simultaneamente. A mortalidade foi tamanha que várias interrogações foram postas em relação à vacina, o número de indivíduos que refutava a vacina como preservativo ideal contra a varíola foi considerável. Questionava-se muito sobre a durabilidade da imunidade oferecida pela linfa vacínica, isso porque alguns estudos realizados na França durante a guerra franco-prussiana apontaram que a linfa animal transpostas em vários indivíduos neste período era de menor qualidade em relação à produzida no tempo de Jenner. Além disso, os dados estatísticos sobre a mortalidade variólica recolhida entre os dois exércitos mostram uma enorme diferença. As tropas alemãs registraram apenas 261 óbitos por varíola, já a França registrou a perda de 23. 467 oficiais cifra bem superior à apresentada pela sua vizinha.503 No ano de 1875 a câmara municipal de Hamburgo na Alemanha recolheu perto de 30.000 assinaturas contra a aplicação da vacina jenneriana. Diziam estas pessoas que a vacina poderia favorecer a transmissão de certas doenças graves ao homem, levando uma extrema perturbação à saúde do homem504. Os detratores da vacina jenneriana diziam que a mesma poderia facilitar “aflições” na pele humana que poderiam se multiplicar e desenvolver lesões gravíssimas na epiderme humana, aumentando o índice de mortalidade em épocas de grandes epidemias. 502 REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 6-22. 503 O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02. 504 Ibidem. 163 Situação semelhante foi percebida na Áustria entre 1807 a 1850. Morreram de varíola neste país, somente 376 indivíduos, número considerado baixo. No entanto entre 1877 a 1886, época da introdução da vacinação sistemática neste país a varíola vitimou cerca de 28.5000 indivíduos na mesma região505. Esses dados levam a crer, que a imunidade apresentada pela vacina jenneriana dependia do grau de penetração da vacina no seio da população e a própria procedência da vacina, já que esta poderia ser de boa ou péssima qualidade. Para Mikhaël Suni os argumentos dos efeitos benéficos da vacina possuíam um prazo de validade indeterminado “tão curto, que os vacinadores mostram-se bastante tímidos para fixar-lhe a duração: quando a epidemia sobrevém, a vacinação ou a revacinação, mesmo muito recente, não tem mais que um poder de preservação muito aleatório”.506 A tudo isso, soma-se o fato que foi apenas em 1864 com a vacinação sistemática na cidade de Nápoles que a comunidade médica europeia admitiu de fato os possíveis progressos da vacina507. Mesmo diante de tamanhas dúvidas e incertezas, a vacina antivariólica continuou a ser vinculada como o método mais eficaz no combate às bexigas, sendo propagada por quase toda a Europa. Fato era que a varíola apresentava-se como mortífera em vários países mesmo após o advento e proliferação de sua vacina. Suas ocorrentes epidemias eram comparadas as da cólera e da peste. Em ofício datado de 07 de dezembro de 1853, Eduardo Olímpio de Machado demostra perspicácia no debate sobre a eficácia da vacina antivariólica no Brasil, o mesmo relembrava e advertia o Ministério do Império à necessidade de se criar um cargo de agente específico para combater as difamações que a vacina outrora vinha recebendo.508 Em 03 de fevereiro de 1855 o próprio Eduardo Olímpio de Machado designou que os médicos José Ricardo Jauffret, José Miguel Pereira Cardozo e José Sérgio Ferreira desmentissem quaisquer boatos que vinham por a prova à eficiência da vacina, tal como mostra este enunciado: 505 O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02. SUNI, Mikhaël. A vacinação obrigatória. Rio de Janeiro, Apostolado Positivista do Brasil, jan. 1903. In: GILL, Lorena Almeida; PEZAT, Paulo Ricardo. (Orgs.) As publicações dos positivistas religiosos brasileiros sobre questões médico-sanitárias (1885-1927). Pelotas: Editora e Gráfica Universitária – UFPEL, 2008, pp. 09-14. 507 FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 33. 508 O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de fevereiro de 1854. Parte Official. Governo da Província. Expedientes dos dias 07 e 08, 10 e 12 de dezembro de 1853, p. 01. 506 164 Epidemia – O número de atacados continua o mesmo, pouco mais ou menos, porém o mal parece ter diminuído de intensidade; em tempo algum fizeram as bexigas tanto estrago, mal grado as medidas sanitárias que contra o contágio se tenha tomado. Ao contrário da febre amarella tem esta epidemia atacado de preferencia os naturaes, e destes ainda com mais violência os da raça indígena, não consta que estrangeiro algum tenha dela sido victima; quanto ao sexo e a idade não tem nisso havido diferença, o mal tem atacado indistictamente e com igual força, homens e mulheres, velhos, moças e crianças. Atribuímos à má qualidade da vaccina, que actualmente se está empregando o resultado funesto de alguns casos de indivíduos recentemente vacinados. A opinião ariscada que a tempos grassou (mesmo entre pessoas ilustradas!) que a vacina em tempos de epidemia provoca o aparecimento das bexigas é inteiramente destituída de fundamento, e nem podemos acreditar que médico algum auctorisasse com a sua opinião a crença de semelhante 509 absurdo. Porém, mesmo que os referidos doutores considerassem que as difamações contra a vacina fossem fora de contexto, sabia-se que a desconfiança da população de São Luís e de toda a Província do Maranhão só aumentava em relação à vacina antivariólica, e desde 1849 havia rumores em São Luís de que a pratica da vacinação e revacinação em tempos epidêmicos punha em risco a vida das pessoas. Esses rumores passaram a ser mais recorrentes entre a população de São Luís entre 1854 e 1855. Essa suspeita é confirmada quando Thomaz José Rodrigues, comissário vacinador da região de Itapecuru atesta que das 53 inoculações realizadas na primeira semana de campanha de vacinação contra a epidemia de 1855, apenas uma pessoa inoculada apresentou resultado satisfatório e que nas seções de revacinação a descrença na vacina era geral.510 Ciente do péssimo desempenho que a vacina alcançara frente aos populares em um ano de epidemia, o governo provincial se empenhou na urgência da vacinação e revacinação obrigatória em São Luís e na região que se estendia entre a baixada maranhense, Ribeira do Itapecuru à cidade de Caxias. Os 29 comissários vacinadores municipais e paroquiais511 intensificaram ao máximo seus serviços, muitos o fizeram por mera caridade. Todo este empenho resultou na distribuição da linfa vacínica no Maranhão pelo menos até o final de novembro de 1855, apenas as vilas de Tutoya, Pastos Bons e São José ainda não tinham recebido lotes da vacina. 509 O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de março de 1855. Notícias diversas, p. 03. O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província. Expediente do dia 06 de setembro de 1855, p. 02. 511 O número exato de comissários vacinadores existentes na Província do Maranhão entre 1854 e 1855 é variável, em algumas fontes encontramos a cifra de 29 vacinadores e em outras apenas 28. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03; MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63. 510 165 Em seu balancete final sobre a vacinação a Repartição da Vacina exalta os supostos resultados positivos alcançados entre os anos de 1854 e 1855 alegando que desde o dia 01 de julho de 1854 a 30 de junho de 1855 foram vacinadas em toda a Província do Maranhão a margem de 13. 727 pessoas, das quais tiveram vacina regular 11.084. Sendo da capital 5.554 indivíduos e 4.262 do interior da Província512. No segundo semestre do respectivo ano foram vacinadas mais 2.024 pessoas, sendo que 1.662 pessoas tiveram vacina regular e apenas 362 apresentaram falsa vacina, como mostra o mapa abaixo. Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855. Freguezias Sexos Masc. Condição Femi. Livres Total por freguesias Escra. Com vacina Com vacina regular falsa Total 1.469 328 416 1381 1501 206 1797 Bacanga 16 17 33 0 24 09 33 Chapadinha 08 05 06 07 0 13 13 V. da 40 44 77 07 57 27 84 21 25 16 30 38 08 46 20 31 28 23 42 09 51 1.574 450 576 1.448 1.662 362 2.024 N. S. da Victoria Vargem Grande Cidade de Vianna Cidade de Alcântara Resultado Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM. 512 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM; O balancete geral sobre a vacinação na Província do Maranhão foi oficialmente emitido e registrado em 26 de janeiro de 1856, no entanto, informações semelhantes podem ser encontradas em MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63; Cf. também O PUBLICADOR MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03. 166 Entretanto, mais uma vez percebe-se que as informações emitidas sobre a vacina podem ser claramente contestadas, isso porque era recorrente em ofícios a rebeldia popular em relação a vacina, fato que não aparece em nenhum momento nas entre linhas do relatório final da vacinação praticado em 1855. A falta dessa informação pode leva o leitor a entender que a vacina alcançou resultados positivos em 1855, tendo em vista que o resultado alcançado pela vacina falsa foi relativamente baixo com apenas 362 notificações. De acordo com o mesmo relatório desde julho de 1847, (ano em que aqui se pôs em execução o regulamento de n° 464 de 17 de agosto de 1846), até 31 de dezembro de 1855 teriam sido vacinadas em toda a Província 25.087 pessoas, sendo 11.369 pertencentes a capital513, porém no relatório não consta dados ou informações a respeito da vacina falsa e dos casos não observados, ou seja, uma clara tentativa de enaltecer “os supostos progressos da vacina na Província do Maranhão”. As estatísticas sobre a vacinação praticada na Província do Maranhão sugerem que desde 1826 a vacina antivariólica sempre foi rechaçada por grande parte da população, fato que novamente irá se repetir nos anos subsequentes sucumbindo ao traumático episódio de 1864-1865. Seguindo com a análise dos mapas e relatórios de vacinação, no segundo semestre de 1856 o número de comissários vacinadores locais e paroquiais subiu de 29 para 34, este acréscimo entre os vacinadores não refletiu na quantidade de inoculados, tampouco na qualidade da linfa vacínica. De acordo com José Miguel Pereira Cardoso foram vacinados em toda Província do Maranhão no período de 01 de janeiro de 1856 a 30 de junho de 1857, apenas 971 pessoas. Desta soma, 714 residiam em São Luís, 458 desenvolveram vacina regular e 513 não compareceram as seções de revacinação comprometendo assim mais uma vez a eficácia da vacina514. Em 1858 a média de inoculações continuou baixa e ineficiente, foram realizadas neste ano 992 inoculações, 527 desses inoculados residiam na capital, 583 pessoas apresentaram vacina regular e 513 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM. 514 De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro de 1856 a 30 de junho de 1857, das 971 pessoas inoculadas, 610 pertenciam ao sexo masculino, 361 pertenciam ao sexo feminino, 424 eram livres e 552 escravos Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM. 167 409 vacina falsa515. Ou seja, mesmo após três anos do terrível surto variólico de 18541855, a vacina ainda caminhava a passos lentos em todas as partes da Província do Maranhão. José Miguel Pereira Cardoso simplifica a questão da vacina da seguinte forma: “desgraçadamente o povo só se lembra da vacina, quando se vê ameaçado pelo contágio das bexigas” 516 . Essa circunstância vigorou na Província do Maranhão entre o período de 1859 a 1863. Durante este intervalo não fez a varíola aparições em caráter epidêmico, tampouco fez estragos catastróficos, por isso o ritmo da vacinação declinou consideravelmente. Desde maio de 1859 a Repartição da Vacina no Maranhão carecia de vacina de boa qualidade, o que influenciou diretamente no índice de inoculações realizadas neste ano. Ao todo foram vacinadas em toda a Província 442 pessoas, 324 residiam na capital, 299 desenvolveram vacina regula e 144 não se apresentaram nas seções de revacinação, portanto desenvolveram vacina falsa517. Em 1860 o índice de aproveitamento da vacina perdurou a níveis baixíssimos, foram inoculadas com a linfa vacínica 267 pessoas, 147 residiam em São Luís, em 174 indivíduos a vacina se desenvolveu de maneira regular e 93 apresentaram vacina falsa518. Em 1861 a média de vacinados sobe para 1105 inoculações, 479 desses inoculados residiam em São Luís e 626 eram residentes do interior da Província, 687 apresentaram vacina regular enquanto que 418 não compareceram a revacinação.519 515 De acordo com o mapa de vacinação emitido em 19 de janeiro de 1859, 548 inoculados pertenciam ao sexo masculino, 444 pertenciam ao sexo feminino, 524 eram livres e 468 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 19 de janeiro de 1859. Setor de avulsos. APEM. 516 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assemblea no dia 27 de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, p. 16. 517 De acordo com o mapa de vacinação emitido em 09 de janeiro de 1860, da soma de 442 inoculações realizadas, 368 pertenciam ao sexo masculino, 64 pertenciam ao sexo feminino, 223 eram livres e 219 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM. 518 De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 1860, do total de 267 inoculados, 102 pertenciam ao sexo masculino, 165 ao sexo feminino, 105 eram livres e 162 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 18 de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM. 519 Os resultados obtidos para o ano de 1861 foram alcançados somando-se os mapas de vacinação do primeiro e segundo semestre de 1861, por esta soma 647 dos inoculados pertenciam ao sexo masculino, 460 pertenciam ao sexo feminino, 613 eram livres e 494 eram escravos. 168 A penúria do serviço de vacinação do Maranhão foi gritante entre 1859 a 1861, os números apresentados acima demostram que em apenas uma ocasião o número de vacinados superou a quadra de mil inoculações. Entre 1862 e 1863 o péssimo desempenho da vacina no Maranhão seguiu a passos firmes. De acordo com o anexo de n° 05 expedido em 03 de julho de 1862 pelo comissário vacinador provincial José Miguel Pereira Cardoso, foram vacinados em toda a Província do Maranhão entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1862, 478 indivíduos, destes, 454 residiam em São Luís, enquanto que 24 eram da cidade de Caxias, desta soma 319 apresentaram vacina verdadeira, 150 não se revacinaram.520 Entre 01 de julho a 31 de dezembro do mesmo ano a média de vacinados na Província decresce para 333 inoculações, desta soma 190 apresentaram vacina regular e 143 não compareceram as seções de revacinação521. Sendo que se subtrai dos 333 inoculados, 105 recrutas, 60 do exercito e 45 da marinha onde a maioria não compareceu as seções de revacinação. A oposição da população para com a vacina será crucial para que tenhamos mais uma vez em São Luís a ocorrência de um surto variólico em escala mortífera. O cenário começa a se desenha ainda em 1863, quando um violento surto variólico se expande em todo o nordeste brasileiro. Preocupado com o péssimo rendimento da vacina em 1863, que de janeiro a junho do respectivo ano somou apenas 230 inoculações, sendo 221 realizadas na capital e apenas 09 no interior da Província522, o governo provincial temendo o pior prontamente estabeleceu providencias contra a possível importação da moléstia. A primeira providencia foi ampliar o número de vacinadores, de 34 para 43, a segunda foi nomear o médico Alexandre Marcellino Bayma sob a gratificação mensal 520 De acordo com o anexo de n°05, 279 indivíduos eram do sexo masculino, 199 eram do sexo feminino, 219 eram livres e 259 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27 de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, anexo de n° 05, 1862. 521 De acordo com o anexo de n°05, 232 dos indivíduos inoculados eram do sexo masculino, 101 eram do sexo feminino, 220 eram livres e 113 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, anexo de n° 05. 522 MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28. 169 de 200.000 contos de réis, como investigador oficial de qualquer aparecimento da varíola ou da varicela no interior da Província. Bayma teria que emitir relatórios e mapas de vacinação atestando sobre o estado de saúde da população do interior da Província.523 A terceira providencia foi intensificar o uso da vacina entre as crianças. Pelas informações prestadas por José Miguel Pereira Cardoso apenas no primeiro semestre de 1864 foram vacinados 774 meninos, sendo das freguesias da capital 683, de Vargem Grande 35 e de Nossa Senhora da Lapa e Pias 46. Entre essas 774 crianças vacinadas 343 tiveram vacina regular, não sendo revacinadas 421.524 Em 1864 a Repartição da Vacina consegue superar a margem de mil inoculações, sendo vacinadas na Província do Maranhão 1523 pessoas a grande maioria crianças525, apenas 215 dos inoculados residiam na capital e 1308 eram do interior. Era a primeira vez desde 1826 que a vacina obteve um desempenho satisfatório em relação ao interior da Província. Desses 1523 inoculados, 1005 apresentaram vacina de boa regular e 520 apresentaram vacina falsa.526 Há de se duvidar mais uma vez dos dados arrolados pela Repartição da Vacina, isto porque em ofício de 10 de agosto de 1864 emitido por José Miguel Pereira Cardoso assim acusa a situação da vacina. Comunico a Vossa Excelência o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor José Joaquim Alves do Nascimento vice presidente d’esta Província que estamos sem vacina de braço, o melhor meio de sua conservação e transmissão com bom resultado; falhou por fraca; a inoculação com o pus das laminas, que havia conservado também falhou por 3 vezes depois de já ter sido aplicado.527 523 Ibidem. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1864, p. 18; As informações sobre as crianças vacinadas no primeiro semestre de 1864 também podem ser encontradas no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de maio de 1864. Parte Official. Governo da Província. Relatório com que a Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864, p. 01. 525 Das 1523 inoculações realizadas entre abril e junho de 1864, provavelmente 774 foram feitas somente em crianças, tal como indica os dados da vacinação praticados no primeiro semestre de 1864. 526 De acordo com o mapa de vacinação emitido em 12 de julho de 1864, 974 dos inoculados pertenciam ao sexo masculino, 549 pertenciam ao sexo feminino, 997 eram livres e 546 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de julho de 1864. Setor de avulsos. APEM. 527 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM. 524 170 Surpreendentemente entre 1865 e 1866 anos em que a varíola confluente foi novamente reinante em São Luís, o número de vacinados oscila muito. O péssimo desempenho da vacina mais uma vez é atribuído à negligência da população em vacinar-se em tempos de epidemia. Os mapas de vacinação referentes aos anos de 1865 e 1866 reiteram as evidencias de que as inoculações realizadas pela Repartição da Vacina foram feitas somente na capital e em um número bastante reduzido. Em 1865 o progresso da vacina sobre a epidemia mostrou-se decepcionante, foram vacinadas em São Luís 487 pessoas, sendo que 183 apresentaram vacina regular e 224 apresentaram falsa vacina528. Em 1866 houve uma pequena melhora, contudo inexpressiva, com 590 inoculações, desta soma 520 apresentaram vacina regular e 70 vacina falsa.529 A soma da vacinação praticada nos sete anos anteriores a 1866, nos da uma margem de 4.943 inoculações. Se compararmos este algarismo com o percentual de 30. 000 mil almas, nos deparamos com uma média de aproximadamente 16% da população inoculada. Sendo que deste cálculo está se desconsiderando as vacinações falsas e o percentual de inoculados do interior da Província do Maranhão. Obviamente que esses resultados decepcionantes da vacina fomentaram o avanço da varíola na capital, que decorre exclusivamente de três fatores: primeiro, a descrença dos populares em relação à vacina (um número considerável de pessoas desconhecia de fato o que era a vacina ou simplesmente desconfiavam do método utilizado por isso rechaçavam o uso da vacina); segundo, a ineficiência imunológica apresentada pela vacina (é necessário recordar que a vacina só poderia atingir um bom desempenho se fosse aplicada corretamente e tendo em vista que anualmente as taxas de vacina falsa e de não comparecimento à revacinação eram altíssimas, conclui-se então 528 De acordo com o mapa de vacinação emitido em 31 de março de 1866 pelo comissário vacinador provincial César Augusto Marques, foram vacinados em São Luís no período de 01 de agosto a 31 de dezembro de 1865, 487 pessoas. Desta soma 312 pertenciam ao sexo masculino, 95 pertenciam ao sexo feminino, 232 eram livres e 175 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM; Informações semelhantes podem ser obtidas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Lafayete Rodrigues Pereira apresentou a Assembléa Legislativa Provincial por occasião de sua abertura no dia 03 de maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30. 529 Dos 590 inoculados em 1866, 236 pertenciam ao sexo masculino, 354 pertenciam ao sexo feminino, 420 eram livres e 170 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Franklin A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr. Antônio Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1867, p. 20. 171 que grande parte dos inoculados poderiam estar de fato desprotegidos contra o vírus variólico); terceiro, a ampla preferência por vacinar especialmente as crianças (isto porque médicos e vacinadores locais consideravam a infância como a principal faixa etária a serem concentrados os esforços da vacinação sistemática, tendo em vista que se esperava que nelas a vacina pudesse se desenvolver com melhor qualidade para a defesa imunológica do organismo). De fato o número de vítimas na faixa etária de 0 a 14 foi pequeno nas epidemias variólicas analisadas neste trabalho, no entanto o Dr. Erchhoru prevenia ser de bom grado aplicar sempre a vacina como neutralizadora das bexigas em todas as etapas da vida, sem distinção ou escolha de grupos de risco. Segundo Erchhoru era preciso levar em consideração as variantes da moléstia530. A mesma prerrogativa é encontrada no Capítulo 12 do Artigo 29 do Regimento Vacínico do Império sentenciava a obrigatoriedade da vacinação a todas as pessoas do Império independente de raça, sexo ou idade.531 Como vimos a aplicação da vacina foi intensificada por excelência nas crianças e não nos adultos, essa estratégia foi articulada na tentativa da vacina ter resultados positivos nas crianças. Este equivoco certamente custou à vida de muitas pessoas nos anos de 1854-1855 e 1864-1865-1866. De acordo com Juan Ângulo durante o século XIX a varíola teve por preferência os adultos, a varíola apresentada nestes indivíduos quase sempre era de caráter maligno532. Não por acaso ela vitimou principalmente as pessoas da faixa etária acima dos 18 anos de idade. Se a vacina fosse inoculada com maior fervor e tutela entre os adultos, talvez as cifras de 683 e 505 óbitos registrados pela varíola em 1854-1855 e 1864-1865-1866 tivessem sido menores. Todavia seria extremamente complicado concretizar essa hipótese, até porque havia um consenso entre os médicos da época em inocular-se por preferência as crianças. O Dr. Kusson, assim explica esta situação: No caso de uma epidemia variólica próxima ou já existente, toda demora voluntária entre o primeiro e o segundo dia de nascimento de um menino 530 O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03. 531 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de julho de 1863. Setor de avulsos. APEM. 532 No século XIX a varíola vitimou principalmente os adultos, já no século XX as crianças foram as principais vítimas da varicela, no entanto, seu percentual de óbitos raramente alcançava 1% da população. Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, pp. 55-56. 172 para se inocular a vacina deve ser considerada como um delito, podendo ser 533 determinante no curso da epidemia. Opinião semelhante é compartilhada pelo Dr. Fleury “durante uma epidemia de varíola deve-se vacinar a todos os meninos, qualquer que seja sua idade, constituição, estado de saúde, ainda mais quando se suspeita a infecção do vírus variólico” 534 . Lino Romualdo Teixeira médico vacinador da Bahia diz ter sólidas razoes para considerar a vacinação infantil como a mais eficaz, segundo ele somente nas crianças que apresentem alguma deficiência mental ou que estão muito verdes deve-se evitar a vacina.535 De fato a vacinação infantil era tutelada com maior rigor pelas autoridades locais, o Regulamento Vacínico da Corte considerava que criança alguma poderia se matricular em instituições ou estabelecimentos de caridade sem antes comprovar seu estado de vacinação536. O próprio César Augusto Marques, nomeado comissário vacinador provincial do Maranhão escreveu um pequeno livreto intitulado “Aos meus meninos” nesta obra, Marques dedica exclusivamente as primeiras páginas sobre a zelosa tarefa e importância da vacinação e revacinação nas crianças ainda na primeira infância. 5.3 Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos Os problemas referentes à ordem técnica as falhas humanas da Repartição da Vacina configuram-se como grandes empecilhos dos serviços de vacinação prestados na Província do Maranhão e certamente contribuíram em muito para a falta de prestígio da vacina e também para a proliferação dos surtos variólicos em São Luís e em algumas localidades no interior da Província. Um desses problemas diz respeito ao transporte da linfa vacínica. A vacina vinha acondicionada ora em vidros ou em tubos capilares. Era extremamente comum haver reclamação sobre as dificuldades de transporte da linfa vacínica para lugares distantes do Rio de Janeiro, tal como era o caso da Província do Maranhão. 533 O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03. 534 Ibidem. 535 Ibidem. 536 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM. 173 O desleixo dos comissários vacinadores municipais e paroquiais configurava-se com um dos piores gargalos da Repartição da Vacina, isto porque, grande desses vacinadores atuavam no interior da Província e não possuía diploma, ou sequer alguma familiaridade com os ofícios de medicina. Hercules Muzzi e Jacintho Reys responsáveis pela propagação da linfa vacínica na corte e no Rio de Janeiro, viram-se em vários momentos em apuros, pois a repugnância com que o povo se referia à vacina condizia com as falhas do serviço de vacinação.537 Em São Luís os problemas pareciam se repetir com a mesma frequência. Em ofício de 20 de julho de 1863, José Miguel Pereira Cardoso cita que em todas as comarcas da Província do Maranhão existiam inúmeras falhas dos vacinadores municipais e paroquiais, informando que grande parte não sabia usar, tampouco manusear o material da linfa corretamente, por vezes confundindo pústulas variólicas falsas com verdadeiras e vice-versa.538 A gravura a baixo mostra as diferentes etapas de evolução das pústulas variólicas nos processos da vacinação e da variolação. 537 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 116 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de julho de 1863. Setor de avulsos. APEM. 538 174 Figura 10 Gravuras publicadas por George Kikland em 1806, a partir dos desenhos do Capitão C. Gold, mostrando a evolução mais regularmente observada das lesões causadas pela variolação e vacinação. As gravuras foram republicadas no British Medical Journal em 1896, celebrando o centenário das pesquisas de Edward Jenner. Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 158. José Miguel Pereira Cardoso finaliza seu argumento indicando que essa situação era comum em indivíduos previamente imunizados. Como o pus vacínico oferece semelhante dificuldade no uso de seu direcionamento lembro-me dizer que poder-se experimentar a uma aplicação 175 da maneira seguinte: se tem apreciado mais o favorecimento feita a picada com a ponta da lacenta, deitando-se ela sobre o sangue ou pluviosidade produzida por ele, deve-se ser sempre em quantidade mínima o pus vacínico repassado a lamina da lacenta, para que esta possa ser enxuta, desta forma não há necessidade de dissolve-la na água ou solução, o líquido da pele é que 539 o dissolve. A falta de profissionalismo produzida pelos comissários vacinadores era gritante e vexaminosa, sendo de extrema recorrência entre estes profissionais o não cumprimento de suas obrigações negligenciando a emissão de relatórios, ofícios e mapas de vacinação, e muitas das vezes eram funcionários fantasmas. Este serviço público não obstante as ordens e providencias dadas por vossa Excelência para que alli possa haver melhor resultado como é do desejo do governo, antevi que houve atraso que expus a Vossa Excelência em 29 de janeiro do ultimo, pelas mesmas circunstancias observadas, havendo de mais a notar-se, como mostra o mappa que no interior da Província houve atraso ou além do município desta capital não houvesse um só indivíduo só com vacina regular, o que podemos assegura que não é por falta de empenho, mas porque recebemos o aviso que os comissários vacinadores do interior da Província estão muito preguiçosos em seus deveres, atribuímos também que há nesta capital grande incúria, onde vacinados não cumprem o compromisso da revacinação.540 Tentando inibir essas condutas, o Instituto Vacínico da Corte generaliza em todo o Império a execução do Decreto do Ministério do Império de n° 466 de 17 de agosto de 1866 reformando as instruções dos comissários vacinadores municipais e paroquiais. Capítulo VIII. Art. 22. Aos Commissários Vaccinadores Municipais compete: § 1°. As atribuições atribuídas aos Commissários Provinciais pelos § § 1° e 6° do artigo 21. Diz o § 1°. Vaccinar em todos os domingos e mais uma vez ao menos na semana, a todas as pessoas para este fim se apresentarem, dando certificado a aquellas, em que tiver aproveitado a vacina. Diz o § 6°. Propor à Câmara Municipal, respectiva todas as medidas, que d’ella despenderem para que a vacina seja effiscamente propagada e se obste ao desenvolvimento da epidemia das bexigas, logo que se manifeste em qualquer ponto do Município. § 2°. Informar ao Commissário Provincial imediatamente que apareça em qualquer ponto do Município o contágio da bexiga, indicando quasquer providencias, que lhes pareção acertadas para atalhar o contágio. § 3°. Ter o maior cuidado na conservação da Vacina, para que ella não falte jamais no Município, requisitando-a com a precisa antecipação ao Commissário Vaccinador sempre que seja precisar. 539 Ibidem. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de junho de 1853. Setor de avulsos. APEM. 540 176 § 4º. Executar todas as ordens e instruçções, que lhes forem transmitidas pelo Commissário Provincial para o regular serviço a seu cargo. § 5°. Remetter ao Commisário Provincial, de três em três meses, um Mapa de todas as pessoas, que tiverem vacinados no Município, acompanhando quaisquer observações, que julgue necessárias para o melhor desempenho dos seus deveres. Capítulo XIX. Dos Commissário Parochiaes. Art. 23. Os Commissário Parochiaes exerceram em suas respectivas Parochiaes, as mesmas atribuições que os Commissários Vaccinadores Municipais em seus municípios. Palácio do Rio de Janeiro 17 de agosto de 1866 (assignado) por Joaquim Marcellino de Brito. Confere, Maranhão 08 de maio de 1866. Dr. Cesar augusto Marques. 541 Commmisário Provincial Interino. Em 27 de março de 1868, obedecendo ao Decreto do Ministério do Império de n° 466 de 17 de agosto de 1866, o Dr. Cesar Augusto Marques, então comissário vacinador provincial interino do Maranhão, pôs em circular na capital e em 12 comarcas da Província, instruções gerais sobre o manuseio e aplicação correta da linfa vacínica. Uma clara tentativa de diminuir os erros e equívocos praticados na vacinação. Tendo inserido a ponta de uma faca ou de um canivete entre as duas laminas de vidro e envergando-se um pequeno esforço e jeito abram-se as laminas. Na parte interna encontra-se umas manchas brancas – é o fluido vaccinico. Dissolvem-se essas manchas em um pouco d’ água fria, aquece-se bem a ponta de uma lacenta. Dissolve-se bem até a água ficar grossa e turva. Prompto assim o fluido vaccinico a pessoa que vai vaccinar, agarra com o braço esquerdo da pessoa que tem de ser vacinada pela parte interna, isto é, d’ aquela parte que toca a parte da caixa do peito, afim de repuxar bem a pele da parte internar e externa do mesmo braço. Com a mão direita introduzir obliquamente com a ponta de uma lacenta debaixo da epiderme, isto é, coma ponta de uma lacenta fazer uma pequena incisão, muito superficial na pele, como se fosse uma arranhadura, ou esfoliação, ou escoriação. Ás vezes aparece uma gota de sangue nesta picada. Limpa-se ou deixa-se secar, e depois tira-se esse pequeno coalho de sangue, que ahi se forma. É de costume fazer-se em cada braço de duas a três pecadas diferentes e de uma ou duas gotas de pus vaccinico. Se é criança ou pessoa fraca duas picadas bastão. Se é homem ou pessoa forte então são necessarias. Feitas essa picadas deitar-se com a ponta da lacenta sobre cada uma delas de uma a duas gotas do liquido, que já deve estar preparado sobre uma lamina de vidro. Conserva-se a pessoa vaccinada em um lugar bem arejado até secar inteiramente esse liquido depositado nas picadas. Depois de passados oito dias, essas picadas se tornaram botões ou pústulas largas, inchadas e resistentes e rodeadas de um circulo inflamatório. Abra-se com a ponta da lacenta um d’esses botões, pela parte debaixo ou pela base apresenta-se logo um liquido muito transparente – é o liquido vaccinico. Então pode-se dispensar essa vaccina de lamina, já que tem esta de braço, 541 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de maio de 1866. Setor de avulsos. APEM. 177 que é mais segura. Usa-se essa como expliquei na vaccina de lamina. As vezes quando se abre a pústula ou o botão aparece algum sangue. Não se usa assim da vaccina misturada, limpa-se com um pano bem limpo e fino, e a’ ahi a pouco aparece uma gota de vacina. É costume usar-se das pústulas no 8° dia porem ainda serve no 9°, e até mesmo no 10° dia. Quando no processo aparece matéria ou pus, limpa-se, e as vezes surge das gotas de que falei, e quando ela não vem, entende-se que ela não é boa. Precauções. Quando aparecer febre, rechaçar-se o doente, para que seja posto em dieta de caldo de galinha, de carne ou de mingaus, não durante a ascenção da febre, porem depois d’ella passado. Não se previne o doente de beber água fria durante a febre, pelo contrario dê-se-lhe bastante até lhe fartar. Quando há inchamento entre os braços, lava-se com água morna e espalha-se por cima e ao redor das pústulas sebo da Holanda, porem depois de se tirar d’ellas o fluido vaccinico nunca provem desta. Não se devem consentir que os vacinadores cocem as pústulas porque não se desenvolvem bem, e quando se desenvolvem, arrebentam e perde-se o liquido. Pareci-me que falei numa linguagem muito clara e acomodada a inteligência de quem não é médico. Se parecer não me explicar bem, estou pronto a dar todas as explicações. Maranhão 27 de março de 1868. Comissário Vaccinador Provincial. Dr. 542 Cesar Augusto Marques. Os problemas oriundos da má aplicação da vacina, infelizmente serão debatidos com serenidade apenas em 17 de dezembro de 1873, quando Pedro Affonso Franco, então secretário dos assuntos sanitários da corte reformula as instruções do Instituto Vacínico da Corte, revitalizando a maneira correta da inoculação da vacina em todo o território nacional. Tendo de põr-se em execução de 1° de janeiro futuro em diante a portaria abaixo transcrita, previno ao público, de ordem do Exm. Sr. Conselheiro inspector geral, que d’esse dia em diante nenhuma pessoa será vacinada, quer no instituto, quer nos postos creados nas diversas freguesias, sem que se apresenta muida de documentos exigido no §3° da mesma postura, para cujo fim estão dadas as providencias de inteligência com as autoridades policiaes; e bem assim que, para cumprimento do §1°, fica marcado o prazo de três 543 mezes, depois dos quaes será posta effectivamente em execução. No entanto, mesmo que o governo imperial decreta-se por ofício e lei, que somente médicos diplomados fossem os únicos a realizarem os prontíssimos serviços de vacinação para atender a população, na prática as coisas eram diferentes. O próprio Serviço de Vacinação da Corte, por algumas vezes com o receio da perda de grandes 542 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de maio de 1868. Setor de avulsos. APEM. 543 A REFORMA, 21 de dezembro de 1873. Declarações. Instituto Vaccínico da Corte. Posturas, p. 02. 178 quantidades de frascos e tubos de linfa vacínica, fornecia gratuitamente a vacina a qualquer um que habilitar-se a realizar as inoculações.544 Para piorar o cenário, há evidencias que apontam que a vacina jenneriana importada da Inglaterra ao Brasil era de péssima qualidade, ou que talvez nem fosse de fato a vacina. De acordo com a Sociedade de Sciencias Médicas de Lisboa existia na Inglaterra uma verdadeira sofisticação fraudulenta da vacina. Em resultado das enormes requisições de vaccina, feitas em Inglaterra, creouse uma indústria fraudulenta, que consiste em vender em vez da vaccina um composto de tártaro emético, óleo de croton e collodio, que, sendo inoculado produz pústulas inteiramente semelhantes ás da vaccina. Cuidado, pois, com mais este lôgro medico que o ambicioso charlatanismo põe em anseio, 545 sem attender aos grandes males que dá à humanidade. Infelizmente esses problemas perduraram aos anos posteriores. Em ofício de 08 de fevereiro de 1882 o então comissário vacinador provincial Amâncio Alves Pereira de Azevedo, assim reportava-se sobre o modo quase que irreversível da precariedade dos serviços de vacinação e consequentemente a ineficácia da vacina. Debalde procurar este comissário lucidar com a indiferença de nossa população para com a inoculação da vacina. É sabido desde longa data, que só se procura a vacina em quadro epidêmico de varíola. O anno próximo indo ficou inutilizado o fluído vacínico por duas vezes por não haver quem se quisesse aproveitar deste importante preservativo, e, com quanto, este anno, já tenham aparecido alguns casos de varíola, subsiste a mesma censurável diferença, apezar das disposições claras do artigo 29 capítulo 12 do Regulamento Vacínico que obriga à vacinação de todas as pessoas residentes dentro do Império. Acresce também de não ter sido de boa qualidade o fluído vacínico findo do Rio de Janeiro, de forma que poucas inoculações foram proveitosas, motivo pelo que em 2 de janeiro passado solicitei de Vossa Excelência vacina de procedência inglesa.São estas as informações que me cumpre levar ao conhecimento de vossa Excelência, satisfazendo assim as ordens exaradas em ofício de 18 de janeiro do anno passado.546 Outro grande gargalo da Repartição da Vacina da Província do Maranhão era a falta de credibilidade da vacina entre os populares e até entre alguns médicos. Jacintho Pereira Reys descreve que muitos indivíduos representavam a vacina como a própria varíola, apresentando certo medo e receio em se vacinar-se. Reys define esses 544 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 132. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr. Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Sophisticação da vaccina em Inglaterra. Bahia, Officina lithotypographia de J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 168. 546 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM. 545 179 indivíduos como “vacinophóbicos” 547. A ocorrência da vacinophobia era recorrente nos ofícios das autoridades de saúde da Província do Maranhão. Havendo agora muito boa vacina de braço, infelizmente muito poucas pessoas as tem apparecido afim de propagar-se tão útil preservativo contra uma moléstia tão cruel. Peço também a Vossa Excelência que lembre a comarca municipal a necessidade d’lla mandar por seus fiscais mandar avisar as pessoas, que por ventura não sejam vacinadas a comparecer nas quartas feiras e nos sábados de todas as semanas das 6 às 9 horas da manhã, na sala destinada ao serviço da vacinação, achando-se eles presentes a fim de verificarem quais foram os ignorantes que faltarão e infligiram o artigo 1881 – 1882 – 1883 da mesma comarca.548 Na historiografia brasileira existem alguns trabalhos que discutem a questão da vacina, vacinofobia e mais especificamente “A Revolta da Vacina de 1904”. Lima Barreto, por exemplo, ao analisar o episódio de 1904, surpreende-se com o espetáculo que se interpõe aos seus olhos: Durante as mazorcas de novembro de 1904, eu vi a seguinte e curiosa cousa: um grupo de agentes fazia para os cidadãos e os revistava. O governo diz que os oposicionistas a vacina, com armas na mão, são vagabundos, gatunos, assassinos, entretanto ele se esquece de que o fundo dos seus batalhões, dos seus secretas e inspetores, que mantêm a opinião dele, é da mesma gente. Essa mazorca teve grandes vantagens: 1) demostrar que o Rio de Janeiro pode ter opinião e defende-las com armas na mão; 2) diminuir um pouco o fetichismo da farda; 3) desmoralizar a Escola Militar. Pela vez primeira, eu vi entre nós não se ter medo de homem fardado. O povo, como os astecas ao tempo de Cortés, se convenceu de que eles também 549 eram mortais. José Murilo de Carvalho também explica que os fatos ocorridos em 1904 não estão à luz da simplicidade do jogo político, a verdadeira causa defendida pelos revoltosos de 1904 refere-se ao tom moralista dado a campanha de vacinação em 1904. Para ele a revolta da vacina foi “uma revolta fragmentada em uma sociedade fragmentada”.550 Teresa Meade aponta que a Revolta da Vacina significou acima de tudo uma luta entre o discurso médico e as tradições populares de cura551. Jeffrey Needell 547 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 114 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 24 de novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM. 549 BARRETO, Lima. Diário Íntimo. São Paulo: Ed. Mérito, 1953, p. 49. 550 CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 91. 551 MEADE, Teresa. Community protest in Rio de Janeiro, Brazil, during then First Republic, 1890-1917. Tese de Ph.D., Rutgers University, 1984. 548 180 interpreta a questão da Revolta da Vacina, sobre o prisma do racismo e das formas de repreensão à cultura afro-brasileira552. Leonardo Pereira, expressa que as barricadas feitas contra a vacina, refletiam as tensões sociais vividas no Rio de Janeiro em 1904.553 Os trabalhos de José Meihy, Cláudio Bertoli, Sidney Chalhoub e Tânia Fernandes se debruçam em estudos indispensáveis sobre a investigação do Serviço de Vacinação da Corte554. Contudo, entre tantos trabalhos que tratam a questão da varíola, vacinophobia e Revolta da Vacina, destaco em especial a obra de Nicolau Sevcenko “A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes”. Nesta obra o autor aponta que os protestos de 1904 são fruto de uma reação ao “aburguesamento e cosmopolitização da sociedade carioca”. Nas palavras de Nicolau Sevcenko a revolta do povo não foi somente contra a vacina, e sim antes de tudo com a história.555 A Revolta da Vacina foi nesse contexto que observamos o conjunto de transformações que culminaram com a reformulação da sociedade brasileira, constituindo a sua feição material mais aparente e ostensiva ao processo de regeneração, ou seja, a metamorfose urbana da Capital Federal, acompanhada das medidas de saneamento e de redistribuição espacial dos vários grupos 556 sociais. Sevcenko cita, por exemplo, o Deputado Barbosa Lima que em seções de 1904 na câmara dos deputados brandava em fúria com os comissários vacinadores e suas formas de aplicar a vacina antivariólica. Segundo Barbosa Lima a lei da obrigatoriedade da vacina era uma: Lei... ignominiosa, pós só o médico da Saúde Pública tem competência para dizer se tal criatura mostra a cicatriz da vacina em membro inferior, dandose-lhe assim carta de corso para a mais infame pirataria, contra qual todas as insurreições serão eternamente gloriosas.557 Um dos motivos citados por Barbosa Lima para a rejeição da vacina seria a maneira de inocular a vacina, já que segundo ele, os doutores higienistas ofendiam os chefes de família ao invadirem seu lar, e na sua ausência, obrigavam suas mulheres e 552 NEEDELL, Jeffrey. “The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against modernization in Belle Époque Rio de Janeiro”. Hispanic American Historical Review. Vol. 67, n° 2, maio de 1987, pp. 233-69. 553 PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. As barricadas da saúde: Vacina e protesto popular no Rio de Janeiro da Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002, pp. 33- 106. 554 MEIHY, José Carlos Sebe; FILHO, Cláudio Bertolli. História social da saúde. Opinião pública versus poder, a campanha da vacina, 1904. Estudos CEDHAL, n° 5, São Paulo, 1990; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006; FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. 555 SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 10. 556 Id. Ibid., p. 88. 557 Id. Ibid., pp. 14-15. 181 filhas a colocarem expostas partes íntimas do seu corpo, já que a vacina segundo ele, também poderia ser aplicada nas nádegas. É claro, que há um pouco de exagero nas explicações de Barbosa Lima, já que se sabia e era conhecimento geral que a vacina era e sempre foi inoculada no braço dos indivíduos. Todavia, e resguardando os exageros a partir, a interpretação de Nicolau Sevcenko tem algo de original, ela sugere a personificação da luta e resistência do homem em decidir sobre o que lhe convêm a ser bom a sua saúde ou pelo menos duvidar dos mecanismos científicos e profiláticos utilizados pelo governo em interferir positivamente ou negativamente na sua saúde e no seu corpo. Beatriz Weber tem opinião semelhante, segundo esta autora muitos indivíduos viam a vacinação obrigatória na República como uma condenação da integridade física e moral, uma vez que a vacina era resultado de um produto mórbido retirado de substâncias impuras dos bovinos. A discussão realizada pelos médicos influenciados pelo positivismo é bastante ampla, incluindo questões técnicas sobre a vacinação e sobre sua obrigatoriedade, o uso de animais para a produção de vacinas, sobre higiene, pelo livre culto aos mortos, sobre expulsão de cortiços, o isolamento domiciliar, exames, etc. Essas questões foram objeto de intervenções [...] principalmente no Rio de Janeiro. A política de saneamento completo e extinção das endemias na capital da República, do presidente Rodrigues Alves, juntamente com a remodelação urbana na cidade, levadas a cabo pelo intendente Pereira Passos, geraram inúmeras resistências. Essas medidas eram parte de um projeto de inserção do país no mercado mundial, com aplicação de recursos estrangeiros no Brasil, já iniciado na proclamação da 558 República. O mais interessante, é que a maior parte desses trabalhos, assim como os novos estudos acadêmicos que discutem o problema da vacina, ainda retratam a Lei da obrigatoriedade da vacina de 1904 como a centelha para o estopim do episódio conhecido como “A Revolta da Vacina”, não se atentado ao fato que a própria Lei da obrigatoriedade da vacina de 1904 celebrava o centenário dos serviços de vacinação no Brasil, já que este teve início em 1804 com a chegada da vacina jenneriana ao Brasil. Também não se atentam ao fato de que a Lei da obrigatoriedade da vacina de 1904 nada mais era do que uma réplica da antiga obrigatoriedade de se vacinar-se contra as bexigas, prática existente no Brasil desde 1832. 558 WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-Grandense – 1889/1928. Campinas, 1997. Tese (Doutorado em História do Trabalho). Universidade de Campinas, p. 89. Cf. também WEBER, Beatriz Teixeira. Positivismo e saúde: Comte e a medicina. In: GRAEBIN, Cleusa Maria G.; LEAL, Elisabete. (Orgs.). Revisando o positivismo. Canoas: La Salle, 1998. 182 No entanto, imagino que os motivos para tamanho receio contra a vacina antivaríola em 1904 tenha sido em virtude do rigor de alguns artigos da Lei de 1904559 e não sobre sua obrigatoriedade. Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de acordo com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$, dobrada nas reincidências; Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos colégios e estabelecimentos congêneres não poderão receber alunos que não estejam vacinados ou revacinados e portadores de atestados confirmativos da operação; Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa de 50$ por aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem oficiais (ilegível) responsáveis suspensos por um mês; Art.19°. Ninguém poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que apresente atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no presente regulamento; Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível) serão as pessoas que tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou revacinados passíveis de multa (ilegível) a 500$000; Art. 21°. Nos casos a que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas deverão ficar (ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados enquanto estiverem (ilegível); Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível) empregado algum que não tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de acordo (ilegível) multa de 100$ por empregado (ilegível) imunizado; Art.23°. (Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena de fechamento do estabelecimento; Art. 24°. Todos os colégios, fábricas, oficinas, asilos e estabelecimentos congêneres deverão possuir um livro em que estejam consignados: os nomes das pessoas nele reunidas, a data da vacinação ou revacinação e o número de registro sob que estão lançados os atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública. §1°. Os responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo serão passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem o livro referido. §2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o responsável passível de multa de 100$ e no dobro na reincidência.§3°. As disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a promulgação deste regulamento; Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra, quer particular, quer pública, poderão ser admitidas pessoas que não tenham sido vacinadas ou revacinadas de acordo com os artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada ou suspensão por três meses do encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for empregado público; Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em concurso, ser nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército e Armada Nacional sem que demonstre estar vacinado ou revacinado de acordo com os artigos 1° e 2°, ficando os responsáveis pela infração sujeitos a multa de 100$ por pessoa; Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou matricular-se nas escolas de ensino superior da República sem que prove estar imunizado contra a varíola de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo cumprimento do presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis meses; Art. 28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$ por infração do presente artigo; Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem que prove estar de acordo com o estabelecido neste regulamento; Art. 30°. Os chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária pelo cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de multa de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles 559 A Lei sobre a obrigatoriedade da vacinação de 1904 pode ser encontrada no anexo 01 deste trabalho. 183 estabelecido; Artigo 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de pensão, hotéis, estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão alugar aposentos a pessoa alguma que não esteja nas condições dos artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada contra a varíola. Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, deverse-á consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado de cada hóspede está registrado; Art.32°. Nenhum passageiro poderá desembarcar nos portos do Brasil sem que prove estar vacinado ou revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os comandantes dos navios serão responsáveis pelo cumprimento desta disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir o atestado a que se refere o art. 10°; Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de um estado da União para outro, deverá munir-se dos documentos que provem estar de acordo com os artigos 1° e 2°, não lhe podendo ser vendida a passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta formalidade.560 Voltando a questão implícita nos corpos, Jorge Crespo em sua História do Corpo, assim explica a propulsão da pulverização do discurso médico sobre o corpo. A importância dada ao corpo, no nosso tempo, contrapõe-se ao ofuscamento a que estava submetido no passado [...] os novos valores de beleza, felicidade ou juventude identificaram-se com um corpo que se transforma em objeto de cuidados e desassossegos. O projeto de libertação do corpo está presente em cada momento, exprimindo-se numa dinâmica multifacetada e atingindo a 561 imensa teia de relações sociais. Crespo ainda interpõe análises riquíssimas sobre essa questão, sugerindo que o corpo também pode ser visto pelo ângulo da doença e do sofrimento. Segundo ele, durante a segunda metade do século XVIII, surgiu na Europa normas e regulamentos a respeito dos enterramentos em cemitérios, situação que ratifica a urgência das regras da higiene coletiva, no quadro das políticas de saúde pública no mundo ocidental. Em Portugal, por exemplo, a intervenção médica higienista pode ser observada com rigor nas propostas de autópsia da dessecagem dos corpos pela Junta de Saúde Pública de Lisboa em 1813, especificamente no que se refere aos procedimentos e cuidados sobre os cadáveres. Em defesa dos valores humanitários, estabeleciam-se as normas a cumprir, entre as quais se destacava a obrigatoriedade de se manterem os mortos em observação, durante quarenta e oito horas, antes da realização das cerimônias fúnebres. Na circunstância, os médicos acompanhavam a morte em processo, aplicando meios de diagnóstico e de reanimação específicos, emitindo 562 certificados de óbito. 560 RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95. 561 CRESPO, Jorge. A história do corpo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1990, p. 07. 562 Ibidem, p. 34. 184 Roy Porter atribuiu à medicina o papel de desarticulação do corpo humano em unidade, passando o homem a ser um objeto de estudo. Para este autor é o corpo doente que se materializa quando os historiadores resgatam através dos boletins e registros médicos. Porem é necessário entender que a fonte não pode ser considerada como o único material para a construção das narrativas, pois o historiador não deve tratar o corpo simplesmente como fenômeno biológico. Porter finaliza seu argumento da seguinte forma: “devemos enxergar o corpo como ele tem sido vivenciado e expresso no interior de sistemas culturais particulares por eles mesmos alterados através dos tempos”.563 Ao reflete sobre os poderes “quase que invisíveis” que controlam e moldam sociedades a partir do corpo, Michel Foucault percebe que os casamentos assim como a procriação são excelentes exemplos de análise da penetração da higiene nas questões da sexualidade, nas inúmeras nuanças de medo destacando-se as doenças sexualmente transmissíveis, nos pecados da carne, na dor diante do parto e na curiosidade da masturbação. Para ele todas essas questões “pairam no ar”, deixando a sensação que o corpo vive em constante rotina de vigilância, a começar pelas roupas, continuam no seu deitar na cama, coagindo-o no seu amor e por fim corroborando-o no leito de sua morte.564 De certo, o corpo é constantemente vigiado sendo alvo de inúmeros instrumentos de repreensão, pelos quais asseguro que a higiene tenha sido o referencial a ser seguido no século XIX, indeferindo os enfermos. Extraindo-se da mesma, prazer, dor, e os atos indispensáveis para o bem viver. Ora confundindo-se com ela mesma, ora separando puros e impuros, conscientes e ignorantes, protegidos e marginalizados. Por meio da higiene circunscrita nos corpos, faz-se também o controle das epidemias e do aliciamento da população em hábitos profiláticos, como a vacinação. Porém há ainda uma grande ressalva a se fazer sobre a vacina antivariólica, isto porque seu método de inoculação era de extrema rusticidade. Analisando passo a passo o desenvolvimento da vacina no organismo do indivíduo entre o primeiro dia após as primeiras picadas de inoculação, indo ao oitavo e nono dia, que incluiria a revacinação, chegando ao o décimo dia que seria uma espécie de secura das pústulas ocasionadas 563 PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 205. 564 FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 236. 185 pela vacina, observa-se uma mescla de incertezas e angústias em relação a pratica da vacinação. Convêm fazer as picadas com a ponta de uma lacenta bem profundas, ao ver se a vaccina entrou bem na abertura feita sobre a epiderme da pelle. E sempre preferível para a inoculação da vaccina tirada no mesmo momento de uma creança sadia, ou da pústula de uma vacca. A vaccina, como todas as moléstias, tem períodos distinctos. Admitimos três: o de incubação, o de inflamação ou erupção e o de dissecação. O primeiro começa no momento em que foi feita as picadas. Forma-se então um círculo superficial cor de rosa de 0=, 020 a 0=, 030 de diâmetro, que desaparece alguns momentos depois, deixando uma leve tumoficação que persiste algum tempo; até o 3° e 4° dia não se percebe trabalho algum inflamatório. No fim d’esse tempo começa o segundo período; aparece nas picadas uma elevação de vermelho claro, que no quinto dia deprime-se ligeiramente e causa comichões; no sexto dia ella alarga-se, deprime-se mais no centro e limita-se por um círculo vermelho de 1 a 2 milímetros de largura; no sétimo o botão tem o aspecto de uma pústula; a elevação circular achata-se e toma uma cor mais escura; o circulo vermelho, que circunscreveria a pústula até então, empalece um pouco e propaga-se, por irradiação, no tecido celular vizinho; no nono dia a pústula cobre-se de uma aureola vermelha; no decimo dia a inchação alarga-se, a aureola aumenta de exatidão, n’um circulo de 3 a 4 centímetros de raio e toma a cor vermelha viva. N’essa época de erupção, o vacinado accusa dores nas glândulas auxiliares quase sempre um movimento febril pouco ou muito intenso, cortejando por bocejos, rubor nas faces e aceleração do pulso. No 11° dia a pústula ganha a cor de perola; seu diâmetro é de 01 centímetro a 08 milímetros: é dura ao tacto e oferece a resistência de um corpo inteiramente unido à pelle; o liquido que contem é um pouco menos transparente e viscoso. No 12° dia começa o período da dessecação, a depressão central toma o aspecto de uma crosta; o liquido perturbar-se e fica opalino, a aureola empalidece o tumor vaccinal se defaz e expolia-se a epiderme. No 13° dia continua a dessecação do centro para a circunferência; o tumor circular amarellece e encolhe-se, à medida que secca, e a matéria que n’elle se contém é amarellada e puriforme; a aureola tem um tom levemente pureo. No 14° dia a crosta endurece e fica amarello escuro; o circulo que delimita a largura segue a ordem de decrescimento do tumor vaccinal. Do 14° ao 25° dia, a crosta torna-se solida e dura completamente ao tacto, adquire a cor da pele e conserva sua forma umbilical ou arredonda-se ligeiramente. A’ proporção que da de si o tumor vaccinal, a crosta ergue-se, mas à pelle, até que cahe no 24° ou 25° dia, deixando uma cicatriz profunda e estampada 565 que primeiramente é parda e depois de alguns meses fica muito branca. Como se vê a inoculação da linfa vacínica era dolorosa e lenta, o que contribuía para os preconceitos da população com a vacina antivariólica, e se já era difícil convencer a população a vacinar-se em épocas normais de campanhas, realizar então a pratica da revacinação mostrava-se como uma tarefa quase que monumental. Além disso, pra que a vacina pudesse alcançar resultados satisfatórios ou no mínimo 565 A REFORMA, 24 de setembro de 1875. Factos Diversos. Vaccina, p. 02. 186 relevantes era necessário à obtenção de braços bons para a aplicação da mesma, fato que na maioria das vezes não acontecia. Em 1848, Jacintho Pereira Reys se mostra indignado com a enorme quantidade de braços que o Brasil perdia sempre que a varíola era reinante566. Pedro Affonso Franco assim resume os empecilhos da vacina jeneriana. A falta de crianças em boas condições para serem vacinadas e a repugnância natural dos pais em prestar seus filhos para a extração da vacina acarretam na pequena produção da lympha das pústulas humanas, são as condições insuperáveis que explicam a falta, algumas vezes absoluta de boa vacina 567 humana. Se a dificuldade era grande em realizar a vacinação ela dobrava quando o assunto era a revacinação568, talvez por isso os dados em relação à revacinação eram quase sempre negativos. Dado o ensejo, em 1839 a Faculdade de Medicina da Bahia resolveu se pronunciar sobre o assunto da revacinação. De acordo com os médicos baianos a prática da revacinação não era aconselhável, podendo ter consequências nefastas e funestas ao preservativo da vacina. O argumento e as observações dos médicos baianos eram baseados em fins técnicos e burocratas. Segundo eles haviam uma sonora discrepância entre propagar a vacina e realiza as inoculações de maneira correta, tendo em vista que muito dos vacinadores se quer cumpriam com suas obrigações, além disso, utilizar a pratica da revacinação seria o mesmo que atestar cientificamente a ineficácia da vacina jenneriana, pois a mesma precisaria de uma nova incursão na pele para ser validada.569 Para Tânia Maria Fernandes a questão da revacinação gerou intenso debate entre os médicos do século XIX, existindo uma enorme confusão sobre o assunto, alguns diziam que a revacinação seria uma maneira de comprovar a imunidade, outros diziam que apenas tratava-se de uma dose de reforço570. O problema era que desde 1820 a varíola vinha por fazer assaltos frequentemente em vidas de pessoa previamente vacinadas com a linfa vacínica, não havia como os doutores se oporem aos números estatísticos, e mesmo que a Academia Imperial de Medicina ainda não tivesse dado 566 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 130. AFFONSO, Pedro Franco. Inconveniente da vaccina humana X. In. O PAIZ, 25 de novembro de 1887, p. 01. 568 Segundo Tania Maria Fernandes apenas em 1875 a revacinação contra a varíola foi considerada obrigatória. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 130. 569 CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., p. 118. 570 FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 2006, p. 35. 567 187 parecer final sobre a questão, em 1840 a pratica da revacinação encontrava-se generalizada em todo o Brasil. Os médicos sinalizavam para uma primeira revacinação de dose de reforço da vacina, oito dias após a primeira inoculação. Sendo que uma segunda revacinação deveria ser feita em um espaço de dez anos, e uma terceira revacinação novamente após dez anos. Assim, a criança que cedo foi inoculada com a linfa vacínica teria que reintroduzi-la ao completar seu décimo e um ano de vida, renovando esta linfa vacínica uma última vez em seu vigésimo e um ano de vida. Como já foi demostrado neste trabalho este processo dificilmente era realizado por completo, pois a vacina era verdadeiramente rechaçada pela população, a grande maioria não comparecia as seções de vacinação, sendo que a defasagem de pessoas no oitavo dia marcado para a primeira revacinação era ainda maior. As causas para tamanha repugnância e insucesso da vacina junto à população se resumem pela descrença dos populares com o preservativo da vacina, que ia desde a falta de informação, medo, dor e o próprio receio de deixarem seus filhos serem tocados por desconhecidos. 5.4 Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos Entre muitas questões já analisadas neste trabalho uma delas refere-se ao universo teórico e metodológico dos médicos higienistas do século XIX, sendo visível o baixo repertório clinico a respeito das possibilidades de intervenção e cura frente às epidemias pestilentas. No máximo as teorias infecto-contagionistas se resumiam a meia dúzia de palavras muita das vezes ocas, sem qualquer nexo com a situação local, e por mais que os médicos (esculápios) usassem o discurso higienista como se fosse tiros de canhão tentando ritualizar o uso da medicina legal como a única forma de se obter cura em tempos de epidemias, estes apenas anunciavam seu eminente fracasso. Essa situação é fomentada pela existência das artes de cura popular, resistindo à monopolização do saber médico na sociedade oitocentista. Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a medicina acadêmica se estabeleceu com grande respaldo. No Brasil a hegemonia do discurso médico capengou nas tradições populares de cura e assistencialismo571. Na verdade, desde os tempos colônias 571 FILHO, Lycurgo Santos. Op. Cit., 1991, p. 12. 188 o reduzido contingente de médicos deu aos “terapeutas populares” maior presença no dia-a-dia dos citadinos.572 Em estudos sobre o assunto, Tânia Salgado Pimenta considera que faziam parte da constelação dos ditos “terapeutas populares” os “curandeiros, feiticeiros, raizeiros, benzedores, padres, barbeiros, parteiras, sangradores e boticários” 573. De acordo com a historiadora, mesmo com restrições as suas funções ainda assim os terapeutas populares possuíam grande prestígio e identificação com a população, sobretudo nos momentos do nascimento, doença, morte e cura. Assim, os curandeiros continuavam a ser considerados o recurso de que dispunham os pobres. Eram pessoas de camadas subalternas que ratavam os miseráveis, os quais não teriam mesmo condições de pagar visita de médicos diplomados. Desde o tempo da Fisicatura, quando ainda existiam licenças de curandeiros, a justificativa para essa concessão era de que não havia pessoas 574 mais habilitadas nas regiões que pudessem acudir o povo. Auguste de Saint-Hilaire conta que em todo o Brasil se desenvolveu uma cultura brasílica da doença e do corpo baseada nos conselhos e tradições de anciões, pajés e curandeiros que aplicavam seus conhecimentos vegetais e espirituais na população. Saint-Hilare argumenta ainda que a difícil vinda e estabelecimento de médicos e cirurgiões diplomados em algumas regiões retardou o processo de aceitação da medicina legal no seio da população.575 Para Gabriela dos Reis Sampaio os terapeutas populares eram requisitados por que na maioria das vezes eram mais eficientes ou pelo menos mais presentes no tratamento das moléstias leves ou agudas e principalmente em tempos de epidemias reinantes. Gabriela Sampaio explica que existia certo fascínio na arte de cura dos 572 Estudos resentes mostram um extremo apelo popular às artes de cura dos ditos terapeutas populares no século XIX, Cf. ALMEIDA, Diádiney Helena de. Hegemonia e contra-hegemonia nas artes de curar oitocentistas brasileiras. 209f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2010. 573 Sobre as relações entre os terapeutas populares e as instituições médicas oficias no Brasil oitocentista, sobretudo na primeira metade do século XIX Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). Tese de doutorado, UNICAMP, 2003, pp. 81-108; PIMENTA. Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 02, 1998, pp. 349-74. 574 PIMENTA, Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 02, 1998, p. 321. 575 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Histórias das Plantas Mais Notáveis do Brasil e do Paraguai. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2011, p. 128. 189 terapeutas populares, uma dimensão mágica que proporcionava a estes o firmamento de seus ofícios junto à população.576 No centro deste debate, encontra-se uma decisiva questão, a relação entre médicos, terapeutas populares e o enfermo. Patrice Pinell explica que as relações intrínsecas entre quem cura e quem está doente se estabelecem em um momento de pura fragilidade, seja pela doença física ou pela doença psicológica577. Segundo André Pereira Neto as cenas de curandeirismo generalizadas em todo o Brasil eram potencializadas pelos erros clínicos e de diagnóstico dos médicos, o que origina a desconfiança e má vontade da população em relação à medicina oficial. O médico, em geral, ia ao hospital filantrópico quando queria. Atendia quantos pacientes desejasse. Era ou não renumerado. Para ele, pouco importava. A atividade era relevante por que lhe da experiência profissional, prestígio junto à clientela abastada e, ao mesmo tempo, era exercida de maneira que sua autonomia técnica e econômica era garantida.578 Portanto seria necessário que médicos e pacientes compartilhassem em alguma medida, ou ponto de vista sobre as mesmas concepções de doença e cura, fato que na maioria dos casos não se concretizava, tendo em vista os conflitos gerados pelas concepções de cura entre o sagrado e a etiologia do tratamento científico das doenças. Le Goff aborda a questão das doenças na história da humanidade como fenômenos socialmente construídos. Em sua concepção, a doença em si, revela ao mesmo tempo o saber científico da medicina oficial e os saberes relacionados às questões do universo das crenças, da magia e do curandeirismo, que convivem lado a lado com os conhecimentos do saber médico desde a Antiguidade até os dias atuais.579 Regina Alves explica que em uma sociedade marcada pelo estigma do preconceito e da escravidão as possibilidades de aceitação entre os pobres e os terapeutas populares eram maiores do que com os médicos diplomados. Como muitos dos curandeiros eram africanos e/ou ex-escravos podiam compreender os problemas que os negros ou a população pobre enfrentavam no dia-a-dia, podiam compartilhar seus infortúnios, estabelecendo, em contraposição aos discursos dos médicos diplomados e as ações impositivas das autoridades municipais uma relação mais solidária com seus pacientes. 576 SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura. As diferentes medicinas no Rio de Janeiro Imperial. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade estadual de Campinas, 1995, pp. 121-161. 577 PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, pp. 20-25. 578 NETO, André de Faria Pereira. Ser médico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001, p. 21. 579 GOFF, Jacques Le. As doenças tem história. Trad. Laurinha Bom. Lisboa: Terramar, 1985, p. 359. 190 Havia entre essa população e os curandeiros uma identidade e solidariedade que passavam pelas experiências que tinham em comum e pela sua condição 580 social. Pereira Neto situa a existência da falta de diálogo e comunicação entre médicos de carreira e seus pacientes no século XIX, que em parte era proporcionada pela não compreensão por parte dos médicos ao universo mágico e sagrado de algumas enfermidades e epidemias581. Jaques Revel, ao citar o fenômeno das epidemias aponta que as mesmas são oriundas não apenas de fatores biológicos, mas também por fatores sociais, tendo em vista que suas vítimas têm por característica a exclusão dos principais contraceptivos e técnicas de cura. Revel explica ainda que a ação devastadora de uma epidemia coincide com a existência de diversas formas de se conceber a morte: castigo divino, revolta, terror e discriminação. O acontecimento mórbido pode, pois, ser o lugar privilegiado de onde melhor observar a significação real de mecanismos administrativos ou de práticas religiosas, as relações entre os poderes, ou a imagem que uma sociedade tem de si mesma. Um exemplo real, entre dez outros possíveis, prediz a riqueza desses temas: o da exclusão social em tempo de epidemia, que pode ir da suspeita ao massacre e pode dirigir-se, segundo os casos conhecidos, aos 582 pobres. A hipótese levantada por Revel coincide com a utilização de relatórios e boletins médicos imersos a um emaranhado de documentos de puro teor social dos registros que dimensionam tanto o sofrimento como as mediações que desumanizavam o enfermo, neste caso o varioloso. A conjugação dessas fontes permitiu que o alinhamento do texto também se desse pelo prisma cultural. Fala-se, portanto agora das formas distintas de compreensão da varíola, que se desdobraram em meio às epidemias, sabotando de alguma forma os recursos profiláticos da vacina. A primeira delas seria a noção da “doença e intervenção divina”, que na verdade seria uma reminiscência de praticas de cura vivenciada na Idade Média, onde sacerdotes, monges e padres ungiam a cabeça do enfermo com óleo bento invocando o poder dos santos especialistas em curas de determinadas moléstias. 580 ALVES, Regina Xavier. Dos males e suas curas: práticas médicas na Campinas oitocentista. In. CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; SOBRINHO, Carlos Roberto Galvão (Orgs.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003, p. 341. 581 NETO, André de Faria Pereira. Op. Cit., 2001, p. 31. 582 REVEL, Jaques e PETER, Jean-Pierre. O corpo: o homem doente e sua historia. In: LE GOFF, Jaques e NORA, Pierre. Historia: novos objetos. Trad. Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves. 4ª Ed. 1995, p. 144. 191 Em Os Reis Taumaturgos, Marc Bloch também percebeu esse apelo divino na esperança de cura nos momentos de dor e sofrimento. Segundo ele, reis e monarcas da Europa Renascentista tinham a capacidade fecunda de curar os males com o simples toque de seus dedos583. A possibilidade da cura pelo sagrado constituía-se como uma resposta integral a uma serie de insatisfações individuais e coletivas. Uma espécie de refúgio social onde a medicina oficial não poderia dar-lhe a resposta que convêm ao indivíduo, ou aquela que ele queria ouvir. Neste sentido diante do sagrado o indivíduo poderia se confortar ou confrontar na questão de por que ele se encontra naquela situação ou porque ele entre tantas pessoas, ou até mesmo se determinado mal era fruto de uma punição divina? Há ainda as questões culturais, nas quais muitos médicos não conseguiam compreender no universo milagroso a possibilidade de cura frente às epidemias. Jorge Amado, em uma ação de astúcia e sutileza narra um caso semelhante na obra Capitães de Areia, retratando a ocasião de um surto variólico que havia atingido a população de Salvador. O mais interessante na escrita de Jorge Amado é a maneira como as classes subalternas compreendiam a origem e evolução da epidemia variólica. OMOLU584 MANDOU BEXIGA NEGRA PARA A CIDADE. MAS LÁ EM CIMA os homens ricos se vacinaram, e Omolu era um Deus de floresta na Àfrica, não sabia dessas coisas científicas e da vacina. E a varíola desceu para a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em cima da cama. Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes num saco, levavam para um lazarento distante. As mulheres ficavam chorando, porque sabiam que eles nunca mais voltariam. Mas como Omolu teve que deixar que ela descesse para a cidade dos pobres. Já que a essa altura, tinha que deixar que ela realizasse sua obra. Mas como Omolu tinha pena de seus filhos pobres, tirou a força da bexiga negra, virou em alastrim, que é a bexiga branca e tola, quase um sarampo. Apesar disto, os homens da Saúde Pública vinham e levavam os doentes para os lazarentos. Ali as famílias não podiam ir visita-los, eles não tinham ninguém só a visita do médico. Morriam sem ninguém sem ninguém saber e quando um conseguia voltar era mirado como um cadáver que houvesse ressuscitado. Os jornais falavam da epidemia de varíola e da necessidade da vacina. Os candomblés batiam noite e dia, em honra a Omolu, para aplacar a fúria de Omolu. O paide-santo Paim, do Alto do Abacaxi, preferido de Omolu, bordou uma tolha branca de seda, com lantejoulas, para oferecer a Omolu e aplacar sua raiva. 585 Mas Omolu não quis, Omolu lutava contra a vacina. 583 BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 81-82. Omulu na tradição ioruba é o orixá de cura e doença, também chamado de Obaluaiê, Babuluaiê ou Xapanã. Cf. BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971. 585 AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, pp. 132-133. 584 192 O exemplo citado acima reflete a noção da “doença como punição”, inserindo o contexto e a consequência dos fatos a uma transgressão coletiva das regras sociais, exigindo uma reparação, ou seja, uma ação de reconciliação pela interiorização da desobediência individual ou coletiva. O interessante na abordagem “doença como punição”, é que a culpabilidade experimentada pelo indivíduo(s) é proporcional ao castigo merecido. Desta forma, o que é enfatizado é a relação estreita entre a imputação etiológica do doente e a moralização da doença seja qual for à natureza da transgressão divina. A desobediência sempre é interpretada como uma ação negativa contra sua própria sociedade, por isso na doença como punição, sempre haverá espaço para as noções de responsabilidade, justiça e reparação que no fundo não são mais do que noções sociais que regem o equilíbrio da sociedade. A crença da doença como sinônimo de punição talvez seja a mais frequente, chamo atenção para um famoso provérbio francês “Coxos, vesgos, corcundas e zarolhos nasceram no quarto crescente” 586 , que neste caso é uma representação da punição da natureza, isto porque de acordo com a cultura popular francesa os pais que conceberem filhos na lua crescente, serão punidos com o nascimento de filhos deformados. Retomando ao exemplo de Jorge Amado, percebe-se outra dimensão no entendimento das doenças. A relação entre “doença e vingança”, que se insere na perspectiva da fúria de Deus, divindades, santos ou até mesmo espíritos, com alguma situação ou problema que desacate sua ordem cosmológica. Nota-se uma clara noção de vingança, pois segundo o autor baiano. A varíola era uma vingança de Omolu contra a cidade dos ricos, mas os ricos tinham a vacina, fato que Omolu desconhecia então tudo que Omolu pode fazer foi deixar a varíola descer para acidade dos pobres, transgredindo esta em alastrim, bexiga branca e tola. Ainda assim, morreram muitos negros e pobres, mas Omulu dizia que não foi o alastrim que os matou e sim o lazarento, Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhos negros, sua luta era contra a vacina dos brancos.587 Jorge Amado enfatiza que nas mucambas em honra a Omolu, o povo negro castigado com a bexiga, assim cantava: Cabano, Aziela engoma! Quero vê couro zoá! Omolu vai pro sertão. Bexiga vai espalhar. 586 587 LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p. 229. AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 133. 193 Ele é mesmo nosso pai. E é quem pode nos ajudar... Ora, adeus, ó meus filhinhos, 588 Qu’ eu vou e torno vortá.... No Rio de janeiro do século XIX, por exemplo, havia fortes evidencias de raízes africanas em algumas tradições religiosas, como por exemplo, a crença em São Benedito conhecido como padroeiro dos negros. Pereira Rego narra um caso curioso, ele conta que durante a quarta feira de cinzas do ano 1849, São Benedito foi desrespeitado, tudo porque alguns brancos não aceitavam carregar preto sob seus os ombros (mesmo que este fosse santo). No ano seguinte grassou no Rio de Janeiro uma terrível epidemia de febre amarela, não demorou muito para as beatas associarem a epidemia com a fúria do santo.589 Para François Laplantine a interpretação da doença pela ação do sagrado seja pela punição ou pela vingança são totalmente inteligíveis de compreensão, pois, se percebemos que para toda e qualquer sociedade, a doença é imiscuída a categorias sociais, durante o século XIX as epidemias não fogem a essa regra590. Claudine Herzlich tem opinião semelhante: A doença é um fenômeno que ultrapassa a medicina moderna. (...) Por ser um fenômeno que ameaça ou modifica, às vezes irremediavelmente, nossa vida individual, nossa inserção social e, portanto, o equilíbrio coletivo, a doença engendra sempre uma necessidade de discurso, a necessidade de uma interpretação complexa e contínua da sociedade inteira. (...) Por outro lado, nas representações da saúde e da doença aparecem relacionadas, nossas 591 visões do biológico e do social. Claudio Bertolli Filho ao estudar o fenômeno da gripe espanhola fez as seguintes observações “são os fatores culturais que levam a uma naturalização de aspectos genéricos e os efeitos sociais dessa reversão esculpem uma nova imagem dos possíveis históricos sobre a gripe espanhola”.592 Em estudos antropológicos sobre o assunto Roger Batisde argumenta que as dimensões de doença e cura de alguns grupos afrodescendentes escravizados no Brasil se concentra no sentido de bricolagem, em outras palavras diz respeito à crença 588 Id. Ibid., pp. 149-150. REGO, José Pereira Rego. Op. Cit., 1851, p. 63. 590 LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, pp. 219-225. 591 HERZLICH, Claudine. A Problemática da Representação Social e sua Utilidade no Campo da Doença. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 57-70, 2005, p. 60. 592 FILHO, Claudio Bertolli. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. 248f. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, p. 08. 589 194 generalizada, que determinadas divindades eram imiscuídas de certo poder dual, ou seja, possuíam a capacidade de curar e evitar as doenças, assim como a capacidade de enviar doenças flagelando populações inteiras. Os africanos de origem banta, por exemplo, compartilhavam a crença, de que o desequilíbrio e o infortúnio seriam as causas da ação malévola de espíritos ou de pessoas, frequentemente feitos através da feitiçaria.593 Nessa cultura o corpo é apresentado como um sistema perfeito em equilíbrio, porém sujeito às intervenções externas ou a feitiços de qualquer natureza. Isso significa dizer que qualquer distúrbio era oriundo da falta de harmonia das partes do corpo com o ambiente. Quando isto ocorria procurava-se neutralizar a ação maléfica por meio de remédios preparados com ervas, raízes e ritos a divindade ou santo em questão. Sobre este assunto Joaquim Manuel de Macedo destaca o fascínio religioso que os negros proporcionam as elites brasileiras. No Brasil a gente livre mais rude e negra, como faz a civilizada, a mão e o tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva as fantasias pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais avulta por 594 mais perigosa a crença no feitiço. Yvonne Maggie desenvolve a hipótese de que no Rio de Janeiro dos séculos XIX e XX os mecanismos reguladores criados pelo Estado não extirparam as crenças nas práticas de cura dos afrodescendentes, a autora elenca vários elementos que indicam que os brancos sempre foram frequentadores assíduos dos rituais afro-brasileiros595. Segundo Beatriz Weber a interpretação da “sociedade medicalizada” nos séculos XIX e XX, não pode de nenhuma forma retirar a propriedade das questões teóricas e metodológicas dos ofícios e espaços de cura dos terapeutas populares.596 Nina Rodrigues um dos médicos maranhense mais celebres do final do século XIX e início do século XX, sugere as seguintes considerações sobre as crendices dos africanos no Brasil: “toda doença é o resultado de um feitiço, de um sortilégio; a missão de destruir, pela intervenção da magia, essa obra sobrenatural, pertence ao feiticeiro” 593 BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971, p. 126. 594 MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas algozes. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988 [1869], p. 74. 595 MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Ministério da Justiça, 1992, pp. 20-35. 596 WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-Grandense (1889-1928). Santa Maria: Editora da UFSM e Bauru: Edusc, 1999, p. 161. 195 597 . Rodrigues também observa o fascínio que as religiosidades afro-brasileiras proporcionam aos seus espectadores. Pode-se dizer que no Brasil todas as classes, mesmo a dita superior, estão aptas a se tornarem negras. O número dos brancos, mulatos e indivíduos de todas as cores e matizes que vão consultar os negros feiticeiros nas suas aflições, nas suas desgraças, dos que crêem publicamente no poder sobrenatural dos talismãs e feitiços, dos que, em muito maior número, zombam deles em público, mas ocultamente os ouvem, os consultam, esse número seria incalculável se não fossem mais simples dizer de um modo geral que é a população em massa, à exceção de uma pequena minoria de espíritos superiores e esclarecidos que têm a noção verdadeira do valor 598 dessas manifestações psicológicas. Essas colocações não se resumem a meros argumentos simplistas. De acordo com Rodrigues havia uma posição de destaque e hierarquia estabelecida entre algumas entidades religiosas afrodescendentes conhecidas popularmente como orixás e alguns santos do catolicismo popular. Nos negros que ainda existem neste estado, e nos filhos que os africanos libertos puderam educar como entenderam a conversão religiosa não fez mais do que justapor as exterioridades muito mal compreendidas do culto católico às suas crenças e praticas fetichistas que em nada se modificaram. Concebem os seus santos ou orisás e os santos católicos como de categoria igual, embora 599 perfeitamente distintos. Rodrigues sintetiza a relação direta entre doenças, divindades, punição e vingança nas religiões de raízes afrodescendente. Em suas análises sobre o sincretismo religioso Sergio Ferretti explica que mesmo o Maranhão sendo ignorado nas pesquisas africanistas até 1847, ainda assim se percebe no contexto de sua peculiaridade local um grande resquício de sincretismo religioso entre as doenças e as entidades divinas600, segundo o mesmo: No Maranhão é comum, no tambor de mina, dizer um vodum “adora” ou tem devoção por este ou aquele santo católico, assinalando a relação de subordinação do vodum ao santo, considerando como entidade em nível 601 hierárquico superior. Afirma-se também que “os santos são mais puros”. 597 RODRIGUES. Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/ Editora UFRJ, 2006, p. 69. 598 Id. Ibid., p. 116. 599 Id. Ibid., p. 108. 600 De acordo com Sérgio Ferretti Toi Averequete ou Verequete adora São Benedito e o culto de ambos mostra similar importância no Maranhão. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995, pp. 133-144. 601 Id. Ibid., p. 134. 196 Os exemplos citados acima descrevem um equilíbrio entre o sagrado e o profano, onde os santos católicos, orixás ou vodus seriam uma espécie de ponte entre aquilo que poderia ser considerado sagrado e aquilo que deveria ficar a margem do sagrado, e por isso necessariamente punido. No que diz respeito à origem e evolução das epidemias variólicas analisadas neste trabalho, não encontramos nenhuma relação direta entre a varíola com a vingança divina, entretanto como a questão se concentra no fato de que muitas pessoas vacinadas voltaram a contrair a moléstia e que os serviços sanitários e hospitalares oferecidos e prestados à população eram de péssima qualidade, o que podemos extrair de verídico nas epidemias variólicas que se sucederam em São Luís entre os anos de 1854 a 1876, é que as mesmas foram palco de uma verdadeira “panaceia milagrosa”. A primeira evidência refere-se à ajuda divina no combate ao mal variólico, era extremamente comum haver missas e reuniões, geralmente aos sábados ou domingos, com votos de socorro divino para algum santo especialista em cura de doença perniciosa, neste caso a varíola. Os abaixo assignados avisão ao respeitável público, que hoje ás 6 da manhã, 1, e 2 horas da tarde na igreja de São Pantaleão se dará começo às preces ao glorioso Mártir de São Sebastião, para que interceda por nós ao Altíssimo, afim de livrar-mos do terrível flagelo das bexigas, bem como dar as chuvas que tem se demorado, e que talvez seja a origem da mesma peste, duraram por nove dias, assim como que, todos os dias as 4 horas da madrugada haverá uma missa rezada no altar do mesmo santo, pelo reverendo capellão do cemitério, e no dia 20 as mesmas horas uma cantada à cantochão pelo mesmo 602 reverendo capellão. Maranhão, 11 de janeiro de 1855. Em 1865, ano em que a varíola novamente foi epidêmica em São Luís tem-se as mesmas preces de socorro a São Sebastião, pedindo a este que se interponha ao Altíssimo na ajuda contra as bexigas. Em meio à situação de calamidade e apelo divino, os redatores do jornal O Publicador Maranhense estavam escandalizados com o desrespeito dos populares às recomendações médicas que impedia aglomerações de qualquer natureza em tempos de epidemias reinantes, mesmo que fossem religiosas. Diziam os médicos que o contágio da varíola poderia ocorrer pelo contato com as lesões de pele, roupas e outros objetos de uso do doente. A varíola também se propagava pelo ar quando a pessoa inalava gotículas de saliva e aerossóis provenientes das mucosas nasais e orofaríngeas expelidas por um varioloso. Por isso o risco de contágio e infecção dobrava ou triplicava com aglomeração de pessoas em locais 602 O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1855. Annuncios, p. 02. 197 fechados ou abertos, a limpeza das ruas e logradouros também era prática indispensável no combate ao mal variólico. Porém, por mais que os doutores advertissem a população sobre os malefícios desse problema, os mesmos não conseguiam convencê-la do contrário. Raimundo Palhando, por exemplo, cita o apelo constante a São Sebastião603sempre que as bexigas grassavam em São Luís. Não são poucos os registros históricos que revelam um povo aflito, recorrendo sempre, durante as grandes epidemias, à “misericórdia divina”. Era muito comum, nos momentos de grandes surtos, o viático sair até 5 ou 6 vezes por dia, para socorrer vítimas de moléstias epidêmicas, que depositavam suas esperanças na misericórdia dos santos.604 E continua, O povo verdadeiramente, não via necessidade de recorrer ao poder público por uma razão também muito simples: é que o próprio poder público, via de regra, também se valia daquela mesma fonte salvadora. Eram comuns os ofícios da Câmara Municipal, pedindo a bispos e às igrejas que rezassem missas e organizassem prosições para que os flagelos epidêmicos abandonassem a cidade. A rigor, por ironia da sorte, todos preferiam confiar muito mais nos milagres de São Sebastião, que na ação “laica” do poder público local.605 Em junho de 1847 o Jornal da Sociedade Philomática Maranhense cita que o apelo ao socorro divino era ainda mais constante no interior da Província. É na capital que grande parte dos doentes vem procurar os socorros da medicina que lhes faltam por lá e que infelizmente raras vezes aproveitam, por que quando a isso se resolvem já é tarde, e quase sempre sucumbem; ao passo que ninguém vem aqui batizar seus filhos, e nem dá-los a luz.606 A segunda evidência refere-se ao apelo popular as praticas de cura, dos ditos “terapeutas populares”. De acordo com a Lei Imperial de 04 de outubro de 1832, apenas médicos diplomados poderiam exercer os ofícios de cura no Brasil607. Em 1855 o 603 Segundo a tradição católica São Sebastião é conhecido como o santo protetor. Nas tradições afrobrasileiras, o Orixá Oxossi da Umbanda é sincretizado como São Sebastião. Oxossi é o grande Orixá das florestas e das relações entre o reino animal e vegetal. Grande caçador, comumente é representado nas florestas caçando com seu arco e flecha. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995; BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971. 604 PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 148. 605 Id. Ibid., p. 148. 606 JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Estatística, 1847, pp. 85-86. 607 O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de junho de 1850. Facultativo, p. 04. 198 governo da Provincial do Maranhão decretou como ilegal e ilegítima toda e qualquer forma de tratamento contra a varíola que não fosse o uso da vacina. Segundo os médicos, as praticas de cura baseadas na tradição e no conhecimento de charlatões em tempos epidêmicos potencializavam o contágio e por consequência a virulência das epidemias. Contrariando todas as expectativas médicas higienistas, o que se viu foi o movimento contrário. Em 09 de janeiro de 1855, o jornal O Publicador Maranhense ressalva que muitos populares indubitavelmente tinham por preferência o tratamento contra a varíola nas ditas casas denominadas “tractadeiras”. Notam-se entre as diversas causas do mal variólico, os excessivos calores da quadra, e o apelo popular a umas casas chamadas tractadeiras, que por ignorância e práticas abusivas e supersticiosas ajudam a peste; e o descuido e indolência da população em preservar-se com a vacina. Sabemos até de muitas pessoas de critérios que só em presença do perigo recorrem ao preservativo. Tudo quanto fica dito entenda-se bem, refere-se ao pedido que terminou em 31 de dezembro; por que o anno novo, força é confessa-lo, inaugurou-se sob auspícios bem sombrios. Não menos de trinta cadáveres se deram à sepultura nos quatro primeiros dias do correte mez; e vinte e dous deles vitimas da peste. É possível que o mal avulte em proporções maiores; e nessa previsão seria para desejar que o governo mandasse estabelecer um hospital maior, posto sob a excessiva direção dos homens da verdadeira arte da medicina; e que a polícia continuasse com vigor o trabalho já começado – fazendo acabar de prompto, e por uma vez, com essas casas de tractadeiras, que são verdadeiros focos de infecção derramados por toda a capital, onde, aliás, bem poucas garantias encontram a saúde e a vida dos pobres 608 enfermos. Em 03 de janeiro de 1883, ano em que a varíola reinou em São Luís em caráter epidêmico, o jornal O Diário do Maranhão fez a seguinte denuncia, contra uma curandeira chamada “Joanninha”: Continuam as reclamações contra o hospital, que aquella mulher tem na rua das barrocas, em um quarto sem commodos, onde conserva os doentes que lhe são confiados e moram com sua gente. Não obstante as prevenções havidas e ordens contra ella, Joaninha continua a receber doentes livres e escravos. Dizem-nos que o tratamento ali não pode ser bom, visto que a mulher estar sempre alcoolizada; grita e dar bordoadas etc. Os moradores da vizinhança vão novamente reclamar contra os procedimentos de Joanna, que não podendo ir à fonte do Ribeirão lavar roupas, faz este serviço mesmo a 609 porta do quarto. Outro fragmento dos ofícios de cura dos terapeutas populares contra a varíola pode ser encontrado no jornal Pacotilha de 16 de julho de 1883, que publica na página 608 609 O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de janeiro de 1855. Noticias Diversas. A peste, p. 02. DIÁRIO DO MARANHÃO, 03 de janeiro de 1883. Repartição da Polícia, p. 03. 199 de anúncios os serviços de aluguel das habilidades de cura e tratamento das bexigas da escrava que pertencia a Francisco de Costa e Castro610. Os remédios de segredo constituem a terceira evidencia de alternativas de cura diante das epidemias variólicas. Segundo Vera Beltrão os remédios de segredo eram produtos de manipulação farmacológica, ligados ao universo místico da cura611. Sobre esta questão Keith Thomas argumenta que o arsenal terapêutico dos médicos no século XIX em muita lembrava as concepções naturais e sobrenaturais da experiência e da crença. Médicos conceituados receitavam remédios em pleno final do século XIX a base do ciclo lunar.612 Sigaud discriminava aquilo que ele mesmo denominava “a moda dos remédios”, considerando como inoperante e sujeita a erros a banalização dos chamados “remédios de segredo”, fenômeno que segundo ele não traria qualquer benefício à sociedade613. No entanto, era inegável a penetração dos remédios à base de laxante e purgante, nas mais variadas classes sociais do Brasil do século XIX. Sobre este antigo costume e gosto popular oitocentista, Tânia Andrade Lima, assim explica a questão. No Brasil, supõe-se que os princípios hipocráticos tenham sido introduzidos pela medicina portuguesa, na qual tiveram ampla penetração, bem como pelos médicos que acompanharam a colonização holandesa. Constantemente realimentada nos séculos subsequentes pelo fluxo de ideias em circulação na Europa, de onde provinham os médicos e os manuais que difundiam as regras da higiene e práticas curativas aqui adotadas, acabaram se sedimentando, e medidas como sangrias, purgas, vomitórios, suadouros, fumigações etc. 614 foram intensificamente praticadas, especialmente no século XIX. A preferência pelos remédios de segredo guarda resquícios com a tradição hipocrática da doença que retrata o desequilíbrio entre o ambiente e o homem. Orientados por essa concepção médicos e populares expulsavam do corpo humores nefastos pelo vômito como forma de equilibrar os humores corporais. Tânia Andrade Lima continua sua explicação, enfatizando que os processos de purgas e sangrias obedeciam ao mesmo sistema de orientação hipocrática.615 Em sintonia com as palavras da historiadora, François Laplantine, assim define a tradição humoral na medicina aplicada no século XIX: 610 PACOTILHA, 16 de julho de 1883. Annuncios, p. 04. MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões. Medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999, p. 28. 612 THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 613 SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, pp. 364-365. 614 LIMA, Tânia Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. II, n° 3, 1995, pp. 44-96. 615 Id. Ibid. 611 200 A medicina humoral partindo de uma ideia-força polarmente oposta à ontologia médica, ela se exprime no Ocidente pela concepção hipocrática da doença, que aprende os sintomas menos como o efeito de um agente patogênico estranho ao doente do que como variações de um dos quatro humores dos quais se constitui: o sangue, a fleuma, a bílis amarela, a bílis 616 negra. Em 1867 a Gazeta Médica da Bahia lança um artigo denominado “Tratamento da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis e outras moléstias cutâneas, pela immersão permanente em água de prata”. De acordo com o artigo, o Dr. Hebra um dos mais respeitados dermatologistas de Viena assegura que esta terapia seria a mais indicada na cura das pústulas variólicas. O método seria simples, seguro e aconselhável restando ao cirurgião com ajuda de uma agulha ou com a ponta de uma lacenta inserir gotículas de nitrato de prata (solução composta por água, álcool e iodo), que atuariam na coagulação e dessecação das pústulas variólicas.617 O uso de tratamentos e medicamentos a base da tradição humoral também é percebida em São Luís no combate a varíola. Em 17 de janeiro de 1880, a Pharmácia Minerva Azevedo Filho e Companhia vendia o xarope de ácido phenico do Dr. Declat indicado para as febres typhoides, deynteria, diphterite, scarlatina, varíola, cholerina e febre amarella.618 Em 17 de janeiro de 1883 o doutor Fábio Augusto Bayma definia a varíola como uma moléstia efusivamente contagiosa, que se desenvolve sob a influencia de um vírus especial, caracterizando-se por um trabalho evolutivo realizado sobre a pele, onde as pústulas deixam cicatrizes mais ou menos profundas e indesejáveis na epiderme. Segundo Bayma a varíola possui diferentes períodos de evolução podendo ser brandos ou violentos dependendo da força de sua virulência: 1° período. Invasão, - Nos tempos epidêmicos, observando doentes não vacinados, cumpre desconfiar da varíola toda vez que, sem razão conhecida – accuzarem os indivíduos uma phase simptomatica iniciando-se por frios mais ou menos intensos, seguidos de calor e acceleração de pulso – ao mesmo tempo que a physionomia começa a revelar um abatimento, um estado de prostação, característico ás afecções por intoxicação do sangue. 616 LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p. 220. 617 GAZETA MEDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr. Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Tratamento da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis e outras moléstias cutâneas, pela immersão permanente em água. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 100. 618 O PAIZ, 17 de janeiro de 1880. Annuncios, p. 04. 201 Manifesta é a tendência ao vômito e algumas veses realisa-se ele mais axasperando a cephalagia (dor de cabeça - bastante incommoda ao doente em quem, de ordinário, sobrevem delírio ou insônia e agitação cahindo em estado camatoso. Os membros, o corpo todo torna-se percorrido por dores contorsivas, e de algum modo caracteriza a varíola – a rachialogia, - dôr lombar – que exprime a compressão dos nervos espinaes pelos plexus veinosos. São estes os sintomas principaes do rimeiro período – período de invasão – e todos eles, após pequenas remissões – crescem a phase eruptiva e desenvolver-se. 2° período. Em geral a face é o primeiro ponto em que mostra-se a erupção, revertendo a forma de pápulas que cerca uma aureola rubra – e o seu interior contem um liquido seroso, que a pouco e pouco turva-se tornando-se amarelo, e caracterizando a pústula. Umbellicadas a princípio, tendo em seu centro uma ligeira depressão – do 4° ao 7° dia de trabalho eruptivo revertem ellas à forma esférica e ao liquido que, contem adquire mais consistência. O tecido cellular subcutâneo inmefaz-se e em consequência desse fenômeno, é que a physionomia dos doentes tem um aspecto triste e hediondo. A’ medida que a erupção estendia-se ao pescoço, tronco e membros, a esses pontos também estende-se a inmefacação. As mucosas não são estranhas a essas desordens, que sobrevém à pelle e de modificações de voz, dizem que a larynge é invadida, assim como a dysphogia (dificuldade de engolir) revela a erupção da pharynge e com razão suspeitada inspecionando-se a boca, onde depara-se com vesículas sitiando o seu paladar as anygdalas, etc., e que quais sempre terminam pela resolução. 3° período. Estabelecida a erupção – os fenômenos que constituíam o período de invasão declinando a princípio, cessão de todo – para reaparecerem com intensidade durante a supuração, em cuja ocasião – a febre é a expressão do traumatismo. 4° período As pústulas chegando à maturação – os fenômenos febris decaem, ellas começam a experimentar uma nova phase, escapando-se o pus nelas contido em consequências de erosões da pelle, ou antes, de mais a mais concretandose e formando crostas, que deixam, destacando-se, cicatrizes mais ou menos profundas e indesejáveis, pelas quais pode-se julgar do trabalho ulcerativo e 619 destruidor, que realizou-se na superfície cutânea. Bayma explica ainda que para cada período da ação variólica no organismo havia um tratamento a ser seguido à risca, sem intervenção de outras terapias, isto porque as mesmas poderiam beneficiar o desenvolvimento da moléstia no organismo. Para o período invasão e erupção de desenvolvimento da varíola a recita era a seguinte: Tártaro emético, 05 centímetros; Sulfato de magnésia, 30 grammas; Água, 500 grammas; Xarope de ipecacuanha, 30 grammas; 620 Aos adultos, dar-se os cálices de ¼ em ¼ de hora até o efeito. 619 O PAIZ, 21 de janeiro de 1883. Medicina. Tratamento das bexigas pelo Dr. Fábio Augusto Bayma, p. 01. 620 Ibidem, p. 02. 202 O médico assegurava ainda que a pratica de cobrir os doentes com pesados cobertores de lã e o uso de bebidas quentes deveria ser abolido, segundo ele isso apenas piorava o quadro clinico dos pacientes. Os quartos deveriam ser arejados evitando as variações de temperaturas e para as fases seguintes da moléstia Bayma receitava as seguintes medicações. Tintura de acônito, 02 grammas; Acetato de amoníaco, 02 grammas; Água, 120 grammas; 621 Xarope diacodio, 130 grammas. Deveria-se tomar de duas em duas horas uma colher de sopa com a mistura dessas substancias, e descamando-se a pele nas partes de erupção aplica-se o xarope diacodio sobre as lesões. Se tais medicações não resolverem o problema, recorre-se ao uso do chloral hydratado, administrando as colheres de sopa na seguinte porção: “chloral hydratado, 02 grammas; água de goma, 100 grammas” 622 . Se, por alguma ocasião a diarreia aparecer no paciente em virtude desta medicação aplica-se então o subinitrato de bismuth, deveria ser ingerido da seguinte maneira: “colheres misturadas de subinitrato de bismuth, 04 grammas; diluídas em água de goma, 150 grammas e soluto arábico, 30 grammas em horas alternadas”.623 Contra os fenômenos opostos, como prisão de ventre, febres e dores no corpo, Bayma indicava o uso dos “mucilaginosos em clysteres e óleo de rícino”. Sentindo-se o paciente fraco, deprimido, abatido ou apático far-se-á uso de tônicos, os mais indicados eram “o decocto de quina, dado em 250 grammas e o acetato de amoníaco, também dado em 250 grammas” 624 , os dois deveriam ser misturados e ingeridos seguidamente de três em três horas em meio cálice. O tratamento indicado pelo doutor Fábio Augusto Bayma era apenas um, entre muitos encontrados nas paginas dos jornais e periódicos de São Luís. No dia 12 de março de 1883 informações do Alto do Mearim apontam para um suposto tratamento milagroso do Dr. Freitas contra as bexigas, e ao que parece os resultados foram animadores625. Em fevereiro de 1884 um tratamento denominado Jefranvibra 621 Ibidem. Ibidem. 623 Ibidem. 624 Ibidem. 625 O PAIZ, 20 de março de 1883. Novo systema para tratamento das bexigas, p. 02. 622 203 homeopathica, propunha curas infalíveis contra as bexigas626. Em 13 de fevereiro de 1884 encontramos a seguinte informação no jornal O Publicador Maranhense: Remédio contra a varíola. “Sulfato de zinco, um grão, Digitalis, um grão, adicionar meia colher de chá de assucar. Misture-se bem com duas colheres d’agua, e estando bem misturado adicione-se quatro onças d’agua. Dar-se uma colher de chá de hora em hora para uma criança, regulando a dose 627 segundo a idade”. Esses fragmentos textuais revelam alternativas para o tratamento e cura dos variolosos em tempos epidêmicos que não fosse à vacina. Revelam também que a penetração do saber médico na sociedade oitocentista, não se deu em linha vertical de prestígio e credibilidade, pelo contrário, ele próprio guarda em si tensões e sensibilidades entre médicos e terapeutas populares na disputa pela legitimidade de saberes sobre as moléstias perniciosas ao homem em tempos de epidemia. 626 627 O PAIZ, 01 de fevereiro de 1884. Jefranvibra homeopathica, p. 01. O PUBLICADOR MARANHENSE, 13 fevereiro de 1884. Remédio contra a varíola, p. 02. 204 6. CONSIDERAÇÔES FINAIS Durante a segunda metade do século XIX, vários fatores contribuíram para o aparecimento e proliferação da varíola em São Luís. No entanto, a recusa da população pela vacina foi determinante para os altos índices de mortalidade feitos por ela em São Luís. A vacina não era entendida como um preservativo para a vida. É claro que para alguns a vacina significava naquele momento o início de uma nova era, onde o corpo não mais poderia ser molestado por determinada doença, já para outros, a mesma vestia manto preto, celebrando o início do cortejo de suas concepções e tradições de cura. Os mapas de vacinação anuais praticados na Província do Maranhão supõem uma crescente degeneração da vacinaa, ao ponto da vacina ser assemelhada a própria doença. Muitos doutores ficavam surpresos com os constantes assaltos que a varíola vinha fazendo a indivíduos previamente imunizados. Somam-se a isso, as constantes reclamações contra a técnica de inoculação da vacina que causava desconforto e dor entre os vacinados, além dos problemas de ordem técnica e profissional da Repartição da Vacina no Maranhão, como o despreparo de muitos vacinadores em manusear corretamente o material da linfa vacínica, e as dificuldades financeiras e de transporte para levar a vacina a pontos distantes do centro urbano. Apesar de existir um serviço permanente de vacinação e revacinação o índice de imunização apresentado pela população, mesmo em tempos de epidemia reinate era consideravelmente baixo. É importante destacar ainda que entre 1854 a 1876 o cenário não era nada agradável para os defensores da vacina. Muitos médicos e vacinadores não eram reconhecidos pela população como esculápios de cura, isso porque, havia aqueles com intimidade maior a outros meios de tratamento da varíola que não fosse à vacina. Neste aspecto, a recusa da vacina também pode ser atribuída à concorrência dos terapeutas populares, ou aos remédios de segredo e aos tratamentos milagrosos contra a varíola. A legislação sanitária da Província capengava frente aos desafios de saúde e higiene que volta e meia repetiam-se em exaustão. A cidade de São Luís era constantemente envolvida por ciclos epidêmicos de outras doenças como a cólera, a febre amarela, o beri-beri, o sarampo e as disenterias. Além disso, as normas e obrigações do porto eram constantemente burladas, o comércio de carnes verdes e os matadouros públicos funcionavam sem qualquer inspeção segura que garantisse a saúde dos citadinos, as ruas eram abarrotadas de lixo e esterco de animais. Para piorar a falta 205 de recursos médicos e hospitalares era quase que total. Situação que se agravava em tempos epidêmicos. O governo provincial pouco ou quase nada podia fazer para sanar esses problemas, suas soluções resumiam-se a propostas de curta duração com efeito imediato, muito devido à escassez de recursos financeiros. Sendo que este quadro lastimável perdurou ao longo do século XIX. Apesar de não ser considerada moléstia pestilenta ou perniciosa ao homem, foi à varíola, mesmo contando com o preservativo da vacina, a doença mais mortífera durante o período estudado neste trabalho. Porém também é preciso destacar que suas incidências não provocaram nenhum tipo de crise demográfica. 206 REFERENCIAS DOCUMENTOS OFICIAIS Editais MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da Temperança. Anno, 1842. MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da Temperança. Anno, 1866. Jornais A NOTÍCIA - 1904. A REFORMA - 1871, 1873, 1875. CORREIO DA VICTORIA – 1855, 1856. JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE – 1846, 1847. O PAIZ - 1887 a 1884. O PHILANTROPO - 1850. O PUBLICADOR MARANHENSE - 1843 a 1884. PACOTILHA - 1883. Periódicos ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III, n° 9, 03 de junho de 1922. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr. Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1866-1867. GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a direção do Dr. Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1867. GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870. GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume IV, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870. 207 GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume II. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume V. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881. Decretos DECRETO IMPERIAL de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843; DECRETO PROVINCIAL de n° 466, de 17 de agosto de 1846; DECRETO IMPERIAL de nº 598 de 14 de setembro de 1850; DECRETO IMPERIAL de nº 828 de 29 de setembro de 1851; DECRETO PROVINCIAL de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862; DECRETO IMPERIAL de n° 466 de 17 de agosto de 1866; DECRETO REPUBLICANO de n° 105 de 15 de setembro de 1894. Ofícios MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do Maranhão, 20 de abril de 1826. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 22 de junho de 1835. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 08 de julho de 1841. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 18 de abril de 1843. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de 1847. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de março de 1851. Setor de avulsos. APEM. 208 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 29 de janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de junho de 1853. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 19 de janeiro de 1859. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 18 de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM. 209 MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de julho de 1863. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de julho de 1864. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de maio de 1866. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de maio de 1868. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 24 de novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do Maranhão, 1854. Setor de avulsos. APEM. Regulamento REGULAMENTO, Medidas sanitárias contra a importação da cólera morbus asiática ao porto de São Luís. Determinado pelo vice-presidente da Província do Maranhão, José Joaquim Teixeira Vieira Belford. Relatórios MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. Snh. Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 mayo do corrente anno. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1838. 210 MARANHÃO. Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da Província do Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura da Assemblea Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Jerônimo Martiniano figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1843. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vicepresidente da Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 maio de 1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1845. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléa Legislativa Provincial por occasião de sua installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1849. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão com que o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 01 de maio de 1853, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1853. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma 211 Província, Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo 01. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1860. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à assembleia Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do Relatório que lhe foi transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1861. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27 de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863. MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1864. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma Província ao Exm. Snh. 1° vice-presidente tenente-coronel, José Caetano Vaz 212 Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. VicePresidente da Província do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a administração da Província ao Exm. Snh. Presidente Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Franklin A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr. Antônio Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1867. 213 BIBLIOGRAFIA ACKERKNECHT, E. H. La Médicine Hospitalière à Paris. Paris: Payot, 1986. AGOSTONI, Claudia. Estrategias, actores, promesas y temores en las campañas de vacunación antivariolosa en México: del Porfiriato a la Posrevolución (1880-1940). Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 459-470. ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ALMEIDA, Diádiney Helena de. Hegemonia e contra-hegemonia nas artes de curar oitocentistas brasileiras. 209f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de PósGraduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências: Rio de Janeiro, 2010. AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999. AMARAL, José Ribeiro. O Maranhão histórico – Artigos de jornal (1911-1912). São Luís: Instituto Geia, 2003. ARAÚJO, Carlos da Silva. “A imunização antivariólica no Brasil colonial e nos primórdios da sociedade de medicina (1830)”, futura academia imperial. Rio de Janeiro: Editorial R. Continental, 1979. ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente: desde a Idade Média. 2ª edição. Rio de Janeiro: Teorema, 1998. BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume I: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1948. _______________________. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1956. BARRETO, Lima. Diário Íntimo. São Paulo: Ed. Mérito, 1953. BARRETO, Maria Renilda Nery. A medicina luso-brasileira: Instituições, médicos e populações enfermas em Salvador e Lisboa (1808–1851). 257f. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências de Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), como requisito para obtenção do Grau de Doutor: Rio de Janeiro, 2005. BARROS, Karla Torquato dos Anjos. “A varíola ficou morando na capital”: Ideias e práticas médicas representadas mediante manifestação da doença em Fortaleza (18911901). 185f. Dissertação submetida ao Programa de Mestrado Acadêmico em História do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção do grau (mestre) em História: Fortaleza, 2011. BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971. 214 BERTOLDI, Jayme Reis. Dezenove de Dezembro, Curityba, 29 nov.1873, n°1458. BHATTACHARYA, Sanjoy; DAGUPTA, Rajib. Smallpox and polio eradication in India: comparative histories and lessons for contemporary policy. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 433-444. BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. BOTTCHER, Nikolaus; HAUSBERGER, Bernd. Dinero y negócios em la historia de América Latina. Frankfurt & Madri: Vervuert - Iberoamaricana, 2000. BRASIL, Ministério da Saúde. Cadernos da Direção Geral da Saúde. A vacinação e a sua história. N° 2, outubro de 2002, publicação seriada. BREMAN, J.G.; HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGl. J. Med., Vol. 347, 2003, pp. 690-691. BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional e o repressivo. 177f. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da Universidade Federal do Maranhão – UFMA: São Luís, 2005. CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. CHAGAS, Daiana Crús. Erradicando doenças: De projeto internacional ao Sistema de Vigilância Epidemiológica - a erradicação da varíola no Brasil (1900-1970). 152f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração-História das Ciências: Rio de Janeiro, 2008. CHAMBOULEYRON, Rafael et al. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, pp. 987-1004. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006. CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; SOBRINHO, Carlos Roberto Galvão (Orgs.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890. COLLEÇÂO DE LEIS DO BRASIL, 1850, Tomo XI, parte I. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1951. 215 CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos dezoito e dezenove. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. CORREIA, Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do operariado feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006. CRESPO, Jorge. A história do corpo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1990. CROSBY AW. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa (900-1900). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CZERESNIA, Dina. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997. DELAMARQUE, Elizabete Vianna. Junta Central de Higiene Pública: vigilância e política sanitária (antecedentes e principais debates). 187f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração-História das Ciências: Rio de Janeiro, 2011. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. DRIGALSKI, Wilhelm Von. O homem contra os micróbios. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP, 1999. EDLER, Flávio Correa. As Reformas do Ensino Médico e a Profissionalização da Medicina na Corte do Rio de Janeiro, 1854-1884. 275f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP: São Paulo, 1992. FARIA, Regina Helena Martins de. Mundo do trabalho no Maranhão Oitocentista: os descaminhos da liberdade. São Luís: EDUFMA, 2012. FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003. FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. ________________________. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da vacina jenneriana á animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol.6, n°1, pp. 29-51. ________________________. Imunização antivariólica no século XIX no Brasil: inoculação, variolização, vacina e revacinação. História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 10 (suplemento 2), 2003, pp. 461-74. 216 FERNANDES, Tania Maria; CHAGAS, Daiana Crús; SOUZA, Érica Mello de. Varíola e vacina no Brasil no século XX: institucionalização da educação sanitária. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 479-489. FERREIRA, Luiz Otávio. O nascimento de uma instituição científica: os periódicos médicos da primeira metade do século XIX. Tese de doutorado, USP, 1996. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995. FILHO, Claudio Bertolli. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. 248f. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991. FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1972. __________________. História da sexualidade I: A vontade de saber. 13ª ed.,Rio de Janeiro: Graal, 1988. __________________. Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012. __________________. O nascimento da clínica. 6 ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. FRANCO, Odair. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, 1969. FREYRE, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. GALVÃO, Manuel da Cunha. Melhoramento dos portos do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia-Perseverança, 1869. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009. GAZÊTA, Arlene Audi Brasil. Uma Contribuição à História do Combate à Varíola no Brasil: do Controle à Erradicação. 218f. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz como requisito para a obtenção do título de Doutor em História das Ciências da Saúde: Rio de Janeiro, 2006. GILL, Lorena Almeida; PEZAT, Paulo Ricardo. (Orgs.) As publicações dos positivistas religiosos brasileiros sobre questões médico-sanitárias (1885-1927). Pelotas: Editora e Gráfica Universitária – UFPEL, 2008, pp. 09-14. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 217 GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988. GRAEBIN, Cleusa Maria G.; LEAL, Elisabete. (Orgs.). Revisando o positivismo. Canoas: La Salle, 1998. GREENOUGH, Paul. “A wild and wondrous ride”: CDC field epidemiologists in the east Pakistan smallpox and cholera epidemics of 1958.Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 491-500. GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Civilizando as artes de curar: Chernovitz e os manuais de medicina popular no império. 101f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz: Rio de Janeiro, 2003. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 378-399. HERZLICH, Claudine. A Problemática da Representação Social e sua Utilidade no Campo da Doença. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 5770, 2005. HOCHMAN, Gilberto & LIMA, Nízia. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira república. In: Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996. HOCHMAN, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 375-386. IYDA, Massako. Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1994. JOHNSON, Steven. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Tradução. Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, Companhia das Letras, 2000. KODAMA, Kaori. Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, pp. 515-522. KURY, Lorelai Brilhante. O império dos miasmas: a Academia Imperial de Medicina (1830-1850). Dissertação de mestrado, UFF, 1990. LACAZ, Carlos S. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher/Editora da Universidade de São Paulo, 1972. LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991. 218 LE GOFF, Jacques. (org.). As doenças têm história. Lisboa: Editora Terramar, 1991. LE GOFF, Jaques e NORA, Pierre. Historia: novos objetos. Trad. Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves. 4ª Ed. 1995. LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357. LIMA, Tânia Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. II, n° 3, 1995. LISCIA. Maria Silvia Di. Marcados en la piel: vacunación y viruela en Argentina (1870-1910). Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 409-422. LOPES, Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de Norberto e Macedo. Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007, pp. 595-605. MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas algozes. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988 [1869]. MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Ministério da Justiça, 1992. MAIA, José da Silva. Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre amarella, com o regulamento de saúde dos portos. São Luís, Typ. Ferreira, 1850. MARANHÃO. Secretaria de Estado da Cultura. Biblioteca Publica Benedito Leite. Serviço de Apoio Técnico. Catálogo de jornais maranhenses do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA, 2007. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970. MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões. Medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999. ______________________________. Do espetáculo da natureza à natureza do espetáculo: boticários no Brasil setecentista. 252f. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas: Campinas SP, 1998. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis, São Paulo: Moderna, 1997. MARTIUS, C. F. & SPIX, J.B. Viagem pelo Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1861. 219 McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor Books, 1971. MEADE, Teresa. Community protest in Rio de Janeiro, Brazil, during then First Republic, 1890-1917. Tese de Ph.D., Rutgers University, 1984. MEIHY, José Carlos Sebe; FILHO, Cláudio Bertolli. História social da saúde. Opinião pública versus poder, a campanha da vacina, 1904. Estudos CEDHAL, n° 5, São Paulo, 1990. MEIRELES, Mário Martins. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994. ______________________. História do Maranhão. São Paulo: Siliciano, 2001. MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata (1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.1, p. 39-62, jan.-mar. 2007. NASCIMENTO, Heleno Braz do. A lepra em Mato Grosso: caminhos da segregação social e do isolamento hospitalar (1924 - 1941). 178f. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso: Cuiabá-MT, abril de 2001. NETO, André de Faria Pereira. Ser médico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001. NETO, Vicente Amato; BALDY, José Luís da Silveira. Doenças transmissíveis. 3. ed. São Paulo: Sarvier, 1989. NEEDELL, Jeffrey. “The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against modernization in Belle Époque Rio de Janeiro”. Hispanic American Historical Review. Vol. 67, n° 2, maio de 1987, pp. 233-69. OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: ideias e práticas médicas em Fortaleza (1838 -1853). 156f. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, para a obtenção do grau de mestre em História Social: Fortaleza, 2007. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de.A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p. 939-962. OLIVEIRA, Eduardo Gomes. Assistência a alienados na Santa Casa de Misericórdia do Maranhão (1882-1892). 92f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz: Rio de Janeiro, 2011. PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. As barricadas da saúde: Vacina e protesto popular no Rio de Janeiro da Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002, pp. 33- 106. 220 PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). 256f. Tese de doutorado, UNICAMP: Campinas SP, 2003. ______________________. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 67-92. ______________________. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (18081828). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 02, 1998, pp. 349-74. PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010. PÔRTO, Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007. PORTO, Celmo Celeno. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 2000. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006. PIRAGIBE, Alfredo. A primeira página da história da vaccina no Brazil. Rio de Janeiro. 1881. QUARESMA, Paulo Sergio Andrade. Urbe em tempos de varíola: a cidade do Rio Grande (RS) durante a epidemia de 1904-1905. 186f. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em História: Pelotas/RS, 2012. REGO, José Pereira. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851. REIS, João José. A morte é uma festa, ritos fúnebres e revoltos populares no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das letras, 2001. REZENDE, Joffre Marcondes de. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. O primeiro periódico médico do Brasil. São Paulo: Editora Unifesp, 2009, pp. 385-387. RIBEIRO, Ana Freitas; PASCALICCHIO, Francisco Vanin; SILVA, Pedro Antônio Vieira da; OPROMOLLA, Paula Araújo. A varíola em São Paulo (SP, Brasil): histórico das internações no Instituto de Infectologia Emílio Ribas entre 1898 e 1970.Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 423-432. RICH, Miriam.The discontinuation of routine smallpox vaccination in the United States, 1960-1976: an unlikely affirmation of biomedical hegemony. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 471-477. 221 RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 Revolta da Vacina. A maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da Comunicação. Série Memória), 2006. RODRIGUES, Claudia. A cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (1849-1850). História, Ciência e Saúde. Vol. 6, nº1, 2000. RODRIGUES. Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/ Editora UFRJ, 2006. ROQUE, R.. Sementes contra a varíola: Joaquim Vás e a tradução científica das pevides de bananeira brava em Goa, Índia (1894-1930). História, Ciências, Saúde— Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1): 183-222, 2004, pp. 183-222. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994. ______________. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980. ROUQUAYROL, Μ. Z. (Org.) Epidemiologia & Saúde. 3 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1988. SÁ, Magali Romero. Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África. História, Ciências, Saúde, Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, pp. 251-256. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Histórias das Plantas Mais Notáveis do Brasil e do Paraguai. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2011. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura. As diferentes medicinas no Rio de Janeiro Imperial. 192f. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade estadual de Campinas: Campinas SP, 1995. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. SENADO FEDERAL. Portal Legislação. Online. Capturado em 15 set. 2013. Disponível na Internet: http://legis.senado.gov.br/legislação/ListaPublicaçoes. Acesso em 15 de setembro de 2013. SILVA, Jairo de Jesus Nascimento da. Da Mereba-ayba à Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular em Belém do Pará, 1884-1904. 148f. Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal do Pará: Belém, 2009. SILVA, Jarbas Barbosa da; BARROS, Marilisa Berti Azevedo. Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história. Revista Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002, pp. 375-383. 222 SILVEIRA, Anny Jackeline Torres; MARQUES, Rita de Cássia. Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas Gerais (Brasil) no século XIX.Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 387-396. SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas. Instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ________________________. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no fim do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. SENNET, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003. SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984. SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. SILVEIRA, Anny Jackeline Torres; MARQUES, Rita de Cássia. Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas Gerais (Brasil) no século XIX. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 387-396. SCHATZMAYR, Hermann G; CABRAL, Maulori Curie. A virologia no estado do Rio de Janeiro uma visão global. 176f. 2ª Edição. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2012. SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tradução de Joaquim Luiz de Oliveira e Castro. São Paulo: Obelisco, 1965. TEIXEIRA, Luiz Antônio. Vírus, ciências e homens. História, Ciências, Saúde Manguinhos, Rio de Janeiro, 2003. TEIXEIRA, L. A. e ALMEIDA, M. de. Os primórdios da vacina antivariólica em São Paulo: uma história pouco conhecida. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 10 (suplemento): 475-98, 2003, pp. 475-498. TERRIS, Milton. La Epidemiologia y la salud Publica: origenes e impacto de la segunda revolucion epidemiológica. Revista San. Hig. Pub. 1994, volume 68, pp. 5-10. THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. TOLEDO JR., Antônio Carlos de. (org.). Pragas e epidemias: histórias de doenças infecciosas. Belo Horizonte: Folium, 2006. UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias: a convivência do homem com os micro-organismos. 2 ed. Rio de Janeiro: Senac, 2003. VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. 223 VIGARELLO, G. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996. VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992. WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-Grandense – 1889/1928. 329f. Campinas. Tese (Doutorado em História do Trabalho). Universidade de Campinas: Campinas SP, 1997. XAVIER, Sandra. Em diferentes escalas: a arquitetura do Hospital-Colônia Rovisco Pais sob o olhar do médico Fernando Bissaya Barreto. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2013, pp. 983-1006. 224 ANEXO 01 Projeto de regulamentação do serviço de vacinação e revacinação obrigatória contra a varíola, divulgado pelo jornal “A NOTICIA”em09 de novembro de 1904.628 A Vacina Obrigatória Art. 1°. A vacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita: a) nas crianças até seis meses de idade. b) em todas as pessoas que não provarem, de acordo com o art. 13°, que foram vacinadas com proveito nos últimos seis anos ou que foram acometidas de varíola nos últimos dez anos, exceto nos casos previstos no art. 7° deste regulamento. c) em todas as pessoas que, tendo sido vacinadas uma primeira vez, não o foram com proveito. Art. 2º. A revacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita: a) nas crianças que frequentarem colégios ou outros estabelecimentos congêneres, públicos ou particulares, orfanatos, asilos etc., no decurso do 7° e 14° anos, exceto nos casos previstos no art. 7°. b) em todas as pessoas nos septénios que se seguirem à primeira vacinação, exceto nos casos previstos no art. 7°. Art. 3º. Todos os nascimentos deverão ser comunicados pelos pais às autoridades sanitárias dentro dos 15 primeiros dias, sob pena de multa de 50$000. Art. 4°. As repartições sanitárias organizarão um registro de nascimentos, a fim de facilitar e metodizar o serviço de vacinação e revacinação. Art. 5°. Se a vacinação não der resultado positivo, segundo o atestado do médico vacinador, deverá ser ela repetida anualmente, durante três anos sucessivos, a contar da data do atestado negativo fornecido. Parágrafo Único. Se a última operação, dentro do prazo de que trata este artigo, for ainda infrutífera, poderá a autoridade sanitária exigir que a nova operação seja efetuada por um dos vacinadores oficiais, podendo este ser escolhido pelo vacinado ou pela pessoa por ele responsável. 628 RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95. 225 Art. 6°. A pessoa vacinada ou revacinada deverá apresentar-se ou ser apresentada ao médico vacinador, no mínimo no 6° dia e no máximo no 8° dia que se seguir à vacinação ou revacinação, sob pena de multa de 50$000 e do dobro na reincidência. Parágrafo Único. Para a execução do disposto no presente artigo, o médico vacinador marcará lugar, dia e hora, para que se lhe apresente a pessoa imunizada. Art. 7°. Serão eximidas da vacinação e revacinação as pessoas afetadas de moléstias tais, que possam ser maleficamente influenciadas pela evolução da vacina. Parágrafo Único. A prova de contraindicação da imunização contra a varíola consistirá em um atestado firmado por três médicos e com as firmas reconhecidas por tabelião. Art. 8°. Toda a pessoa que não puder, de acordo com o artigo precedente, sofrer a operação da vacinação ou revacinação, deverá a elas ser submetida no fim de um ano, a contar da data do atestado fornecido. § 1°. Se ainda no fim desse prazo for apresentada uma razão de impedimento, a autoridade sanitária, se julgar necessário, pedirá uma conferência com os médicos fornecedores do atestado, a fim de verificar se o motivo alegado é ou não aceitável. § 2°. No caso de desacordo, poder-se-á fazer nova conferência, na qual tomarão parte, além dos médicos referidos, mais dois outros de reconhecida competência, sendo um deles indicado pelo vacinado ou pela pessoa por ele responsável e o outro pela repartição sanitária. Art. 9°. A operação de imunização contra a varíola poderá ser feita não só pelos vacinadores oficiais, como também pelos médicos clínicos que poderão atestar o resultado obtido. Art. 10°. Os atestados de vacinação e revacinação só poderão ser passados em impressos especiais, que serão fornecidos gratuitamente pelas repartições sanitárias. Parágrafo Único. Os atestados a que se referem o presente artigo só serão válidos quando visados e registrados pela autoridade sanitária, o que só poderá ser feito tendo sido a firma do médico que efetuou a operação previamente reconhecida pelo tabelião. Art. 11°. Os atestados a que se refere o artigo precedente serão encontrados em todas as dependências da Diretoria-Geral de Saúde Pública, bem como em todas as farmácias do Distrito Federal. 226 Parágrafo Único. As farmácias que não possuírem os atestados de que trata o presente artigo sofrerão multa de 50$, dobrada na reincidência. Art. 12°. A autoridade sanitária poderá, quando julgado conveniente, verificar os atestados fornecidos. Art. 13°. O atestado de vacina em papel oficial, devidamente registrado e visado pela autoridade sanitária, é o único meio pelo qual poder-se-á provar a vacinação ou revacinação. Art. 14°. O médico que fornecer atestado de vacinação ou revacinação reconhecido falso será passível de penas cominadas no art. 217 do Regulamento aprovado pelo decreto 5.156, de março de 1904. Art. 15°. A autoridade sanitária tratará de verificar se uma pessoa acometida de varíola é ou não portadora de um atestado de vacina. § 1°. Se não tiver sido imunizada, de acordo com os artigos 1° e 2° do presente Regulamento, será o doente por ocasião do restabelecimento ou a pessoa por ele responsável, se for menor, passível da multa de 500$000. §2° Se a pessoa acometida de varíola possuir atestado tratará a autoridade sanitária de verificar a autenticidade dele, punindo o vacinador de acordo com o artigo precedente se for falso o atestado; indagará da origem da linfa e tomará todos os esclarecimentos para ajuizar do caso. §3° O presente artigo só entrará em vigor um ano após a aprovação deste Regulamento. Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de acordo com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$, dobrada nas reincidências. Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos colégios e estabelecimentos congêneres não poderão receber alunos que não estejam vacinados ou revacinados e portadores de atestados confirmativos da operação. Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa de 50$ por aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem oficiais (ilegível) responsáveis suspensos por um mês. Art.19°. Ninguém poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que apresente atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no presente regulamento. 227 Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível) serão as pessoas que tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou revacinados passíveis de multa (ilegível) a 500$000. Art. 21°. Nos casos a que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas deverão ficar (ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados enquanto estiverem (ilegível). Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível) empregado algum que não tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de acordo (ilegível) multa de 100$ por empregado (ilegível) imunizado. Art.23°. (Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena de fechamento do estabelecimento. Art. 24°. Todos os colégios, fábricas, oficinas, asilos e estabelecimentos congêneres deverão possuir um livro em que estejam consignados: os nomes das pessoas nele reunidas, a data da vacinação ou revacinação e o número de registro sob que estão lançados os atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública. §1°. Os responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo serão passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem o livro referido. §2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o responsável passível de multa de 100$ e no dobro na reincidência. §3°. As disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a promulgação deste regulamento. Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra, quer particular, quer pública, poderão ser admitidas pessoas que não tenham sido vacinadas ou revacinadas de acordo com os artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada ou suspensão por três meses do encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for empregado público. Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em concurso, ser nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército e Armada Nacional sem que demonstre estar vacinado ou revacinado de acordo com os artigos 1° e 2°, ficando os responsáveis pela infração sujeitos a multa de 100$ por pessoa. Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou matricular-se nas escolas de ensino superior da República sem que prove estar imunizado contra a varíola de acordo com os artigos 1° e 2°. 228 Parágrafo Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo cumprimento do presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis meses. Art. 28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$ por infração do presente artigo. Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem que prove estar de acordo com o estabelecido neste regulamento. Art. 30°. Os chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária pelo cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de multa de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles estabelecido. Art. 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de pensão, hotéis, estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão alugar aposentos a pessoa alguma que não esteja nas condições dos artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada contra a varíola. Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, dever-se-á consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado de cada hóspede está registrado. Art.32°. Nenhum passageiro poderá desembarcar nos portos do Brasil sem que prove estar vacinado ou revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os comandantes dos navios serão responsáveis pelo cumprimento desta disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir o atestado a que se refere o art. 10°. Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de um estado da União para outro, deverá munir-se dos documentos que provem estar de acordo com os artigos 1° e 2°, não lhe podendo ser vendida a passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta formalidade. Art.34°. As companhias, administrações etc... que fornecerem passagens sem a observância do estabelecido no artigo anterior serão passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, sendo suspenso por dois meses o responsável, se tratar de estabelecimento pertencente ao governo. 229 Art. 35°. Para facilitar a matrícula, inscrição, embarque de passageiros etc., poder-se-á fornecer, a juízo da autoridade sanitária, atestados provisórios, que deverão ser substituídos por atestados definitivos no fim dos oito dias que se seguirem a operação, perdendo, ipso facto, nesse prazo, seu valor o atestado provisório. Art. 36°. Em casos especiais de eminência de epidemia, a Diretoria Geral de Saúde Pública poderá mandar efetuar a vacinação e revacinação em massa, devendo para isso ser previamente autorizada pelo governo. Art. 37°. Nos casos de revacinação sem proveito, a operação será renovada no septénio seguinte, a não ser que haja razões para acreditar-se na existência de alguma causa de erro, deverá ser repetida. Art. 38°. Qualquer pessoa que, depois de vacinada ou revacinada, lançar mão de meios tendentes a evitar que a inoculação seja proveitosa será passível de multa de 500$ e sujeitada a nova operação. Art. 39°. Quem de qualquer maneira se opuser que alguém se vacine ou revacine, será passível multa de 1000$, dobrada na reincidência. Art. 40°. As vacinações ou revacinações serão feitas de acordo com as instruções especiais aprovadas pelo Governo. Art. 41°. Os médicos que efetuarem vacinações ou revacinações sem a fiel observância das instruções a que se refere o artigo precedente serão passíveis de multa de 100$ e se forem funcionários serão suspensos por um mês e demitidos na reincidência. Art. 42°. Se em consequência da vacinação ou revacinação resultarem acidentes que possam ser atribuídos a imperícia ou negligencia do vacinador, será ele passível da multa de 2.000$ e demissão se for funcionário. Parágrafo Único. Se do acidente resultar deformidade da pessoa a imunizar, ou a sua morte, será o vacinador processado de acordo com o artigo do Código Penal. Art. 43°. A vacinação e revacinação contra a varíola só poderão ser feitas com a vacina animal. Art. 44°. A vacina fornecida pelos institutos vacínicos deverá trazer sempre a data de seu preparo. Art. 45°. A vacina só poderá ser preparada em institutos especiais, com autorização e sob imediata fiscalização da Diretoria-Geral da Saúde Pública. Art. 46°. Se verificar que a vacina fornecida pelos institutos vacínicos e de má qualidade e capaz de comprometer a saúde das pessoas a imunizar, à Diretoria-Geral de 230 Saúde Pública comunicará o fato ao governo, que ordenará o fechamento do Instituto, se for particular, ou demitirá o responsável técnico, se for estabelecimento oficial. Art. 47°. A fiscalização do presente regulamento no Distrito Federal compete exclusivamente à Diretoria-Geral de Saúde Pública e nos estados aos inspetores de saúde dos Portos, onde os houver, que para este fim entender-se-ão com as autoridades estaduais. Parágrafo Único. Nas localidades onde não houver autoridade sanitária federal, a fiscalização do presente regulamento competirá às autoridades sanitárias estaduais, que neste caso, deverão entender-se com a Diretoria-Geral de Saúde Pública. Art. 48°. As infrações do presente regulamente a que não estiverem cominadas penas especiais serão punidas com as multas de 50$ a 500$, dobradas das reincidências. Art. 49°. Nos casos omissos do presente regulamento, o diretor-geral de Saúde Publica tomará as providências que julgar necessárias, como exigir o interesse da saúde pública, submetendo imediatamente o ocorrido à apreciação do ministro do Interior. 231 ANEXO 02 Cronologia básica Fatos relevantes sobre a varíola e a vacina antivariólica.629 1798. Difusão da vacina antivariólica no mundo. 1804. Introdução da vacina jenneriana no Brasil. 1811. Criada a Junta Vacínica da Corte – 04/04. 1828 – Extintos os lugares de provedor-mor, físico-mor e cirurgião-mor do Império pela Lei n° 30/08 (as competências destes passam as câmaras municipais e justiças ordinárias). 1832. Primeira Lei de obrigatoriedade da vacina no Brasil. 1834/1835. Surto epidêmico variólico no Rio de Janeiro. 1838. Surto epidêmico variólico no Maranhão. 1840. Elaboradas propostas para reestruturação da Junta Vacínica da Corte. 1846. Criação do Instituto Vacínico do Império pelo Decreto de n° 464 -17/08 o Regulamento do Instituto. O Instituto tem como finalidade “o estudo, prática, melhoramento e propagação da vacina em todo o Império”; o Instituto será composto por um inspetor-geral, uma junta vacínica na capital do Império e comissários vacinadores provinciais, municipais e paroquiais; inclui a obrigatoriedade da vacinação para todas as pessoas residentes do Império, independentemente de raça, sexo, idade e condição; incentiva a tentativa de inoculação do vírus na vaca, a fim de produzir o Cowpox, destinando prêmio a quem o conseguir. 1849. Surto epidêmico da febre amarela no Rio de Janeiro. 1850. Criada a Junta de Hygiene Pública pelo Decreto de n° 598 - 14/09, segundo o 3° Artigo Decreto de n° 598 - 14/09 ficam subordinados à Junta: a Inspeção de Saúde do 629 FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 129. 232 Porto do Rio de Janeiro, o Instituto Vacínico do Império e os serviços de higiene das províncias e localidades. 1851. É regulamentada a Junta de Hygiene Pública, alterando-se a denominação para Junta Central de Hygiene pública pelo Decreto de n° 828-29/09. A inspeção da saúde dos portos e a inspeção da vacina são subordinadas à Junta Central de Hygiene, no entanto o Decreto de 1846 continuou a orientar os serviços de vacinação da Corte. 1851. Surto epidêmico da febre amarela em São Luís. 1854/1855. Surto epidêmico variólico em São Luís. 1864/1865/1866. Surto epidêmico variólico em São Luís. 1875. Torna-se obrigatória a revacinação em diferentes estabelecimentos custeados pelo aviso de 11 de novembro. 1874/1875/1876. Surto epidêmico variólico em São Luís. 1876. É criado um hospital na ilha de Santa Bárbara para internação de casos da varíola pelo Artigo 431 do Decreto de n° 6. 378 de 15 de novembro de 1876. 1878. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro. 1882. Reestruturados os serviços de saúde pública do Império pelo Decreto de n° 8. 387 – 19/01. Este decreto impõe uma nova regulamentação à Junta de Hyiene Pública (revoga o Decreto de n° 828 – 29/09/1851); cria comissões em algumas províncias e recomenda que sejam criadas juntas ou que sejam designados delegados e inspetores provinciais, nomeados pelos presidentes das províncias. 1882/1883. Surto epidêmico variólico em São Luís. 1884. É criada a Escola Veterinária de Pelotas, com um Instituto Vacínico anexo para a produção da vacina animal. 1886. Fechada a Escola Veterinária de Pelotas e o Instituto a ela vinculado. Reorganizado o Serviço Sanitário do Império pelo Decreto de n° 9.554 – 03/02. 233 Criação da Inspetoria Geral de Higiene e da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos; criação de um conselho superior de saúde pública; o Instituto Vacínico é extinto, e a vacina antivariólica fica a cargo da Inspetoria Geral de Higiene. 1887. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro. É introduzida a vacina antivariólica animal no Brasil na Santa Casa de Misericórdia, pelo Dr. Pedro Affonso Franco. 1888. A Inspetoria cria uma comissão para verificar a eficácia da vacina produzida por Pedro Affonso. A vacina é aprovada pela comissão composta por Francisco Marques de Araújo Goés e Bento Gonçalves Cruz em relatório apresentado à Diretoria em 11/01/1888. O governo federal dispensa a subvenção para o fornecimento da vacina animal. 1889. O Decreto de n° 68 de 18 de dezembro de 1889 reestrutura o serviço de polícia sanitária na capital federal, incluindo indicações de medidas sanitárias para impedir atenuar o desenvolvimento de qualquer epidemia. Ao inspetor geral são dados poderes para intervir na fiscalização de todos os serviços sanitários de terra; ficam estabelecidas três medidas básicas recomendadas pela higiene: notificação obrigatória, desinfecção de objetos e domicílios, e isolamento nosocominal no caso de algumas doenças transmissíveis; é obrigatória a vacinação para crianças de até seis meses de idade, a revacinação é facultativa e deve ser executada de dez em dez anos. É crido o Conselho de Intendência Municipal – Decreto 50ª. 1890. É constituído o Conselho de Saúde Pública e reorganizado o serviço sanitário terrestre pelo Decreto de n° 169-18/01. A União fica responsável pelo serviço sanitário terrestre em todo o país; a direção e propagação da vacina animal ficam a cargo da Inspetoria sob competência de médico vacinador que efetua a vacinação duas vezes por semana no posto central (a vacina é produzia por Pedro Affonso que a encaminha para a Inspetoria); o Conselho tem como incumbência dar parecer acerca das questões de higiene e salubridade geral sobre o que for consultado pelo governo. 234 1891. É extinta a Inspetoria de Higiene no Estado do Rio de Janeiro pelo Decreto de n° 554-29/09. As inspetorias dos outros estados são extintas ou desligadas da administração federal. É assinado um contrato entre a União e o Dr. Pedro Affonso para o fornecimento da vacina em tubos com linfa glicerinada ao Distrito Federal. 1892. É criada a prefeitura do Distrito Federal pela Lei de n° 85-20/09. A lei determina que não ficaria sob responsabilidade da municipalidade os serviços de higiene preventiva da capital federal. É extinta a Inspetoria Geral de Higiene e criada a Diretoria Sanitária da capital federal pelo Decreto de n° 1.172-1712. A Diretoria Sanitária teria como incumbência as medidas de higiene de natureza defensiva em épocas anormais; a vacinação não aparece enquanto competência da Diretoria Sanitária. É assinado um contrato entre a prefeitura do Distrito Federal e Dr. Pedro Affonso pelo aviso de n° 4323-29/12. A produção da vacina passa a ser responsabilidade do município do Distrito Federal, por intermédio do Dr. Pedro Affonso. 1893. É ampliado o número de posto da vacinação antivariólica na capital, sob responsabilidade do governo municipal; amplia-se também o número de dias de atendimento no posto de vacinação. 1894. É criado o Instituto Sanitário Federal pelo Decreto de n° 1.647-12/10. São extintos a Diretoria e o Laboratório Bacteriológico, cujas competências passam para o Instituto Sanitário. Criado o Instituto Vacínico Municipal por meio de contrato com a prefeitura do Distrito Federal, por um prazo de dez anos, sob a direção de Pedro Affonso Franco pelo Decreto de n° 105-15/09. O contrato entre a municipalidade e o Dr. Pedro Affonso foi assinado em 30/11 com validade de dez anos. Elaborada e apresentada ao Senado pelo senador Abdon Milanez do Estado da Paraíba, uma proposta de organização de um Instituto Federal de Vacina. 235 1895. Iniciam-se os trabalhos do Instituto Vacínico Municipal (IVM) em 01/01. O governo federal concede subvenção ao Instituto Vacínico Municipal para que forneça vacina aos estados – Lei n°360-30/12. 1897. Criada a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 2.449-01/02. São extintos o Instituto Sanitário Federal e a Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, cujas competências passam para a Diretoria Geral de Saúde Pública, subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores; a Diretoria Geral de Saúde Pública somente está autorizada a intervir na higiene municipal quando solicitada pelo nível local ou em caso de calamidade pública; não há nenhuma referencia à vacinação. Reorganizado o Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 386-08/04. Estabelecido o quadro pessoal e administrativo do Instituto Vacínico Municipal e criase o cargo de diretor e vice-diretor. O Instituto Vacínico Municipal é autorizado a receber qualquer subvenção ou indenização do governo da União ou dos estados - Decreto de n° 425-27/09. 1900. Criado o Instituto Soroterápico Federal, sob a direção do Dr. Pedro Affonso Franco. 1902. Solicitados da municipalidade para a esfera do governo federal os serviços de higiene preventiva da Capital da República pelo Decreto de n° 4.463-12/07. Segundo esse decreto a Lei de 1892 de n° 85 de organização do governo municipal já havia excluído da municipalidade a higiene preventiva, porém tal legislação não foi cumprida. São estabelecidas as bases para a regulamentação dos serviços de higiene preventiva da capital federal pelo Decreto de n° 4.464-12/07. Esses serviços compreendem a polícia sanitária, assistência hospitalar, isolamento e desinfecção. Oswaldo Cruz assume a direção do Instituto Soroterápico Federal, ocupando o lugar de Pedro Affonso Franco. 1903. Oswaldo Cruz assume os serviços de Saúde Pública da União. Apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de reestruturação dos serviços de saúde da União. 236 1904. São organizados os serviços de higiene da União, sob a responsabilidade da Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 1.151-05/01. Este decreto amplia a responsabilidade da Diretoria no Distrito Federal, cabendo a ela “tudo quanto se relaciona à profilaxia geral e específica das moléstias infecciosas”; autoriza a aquisição do Instituto Soroterápico Federal; estabelece como competência do ISF a produção de soros e vacinas para todos os estados, com exceção da vacina antivariólica. Regulamentados os serviços sanitários a cargo da União pelo Decreto de n° 5.15608/03. O capítulo XII trata da varíola; a vacinação não é uma medida obrigatória, porém o número de vacinações que o inspetor praticar contará como mérito para ele. Prorrogado por sete anos o contrato entre a Prefeitura e o Instituto Vacínico pelo Decreto de n° 984-31/05. Aprovada a Lei de Obrigatoriedade da Vacina para todos os indivíduos e ratificada pela Lei de n° 1.261-31/10/1906. Apresentada à Câmara, por Melos Mattos, um projeto de criação do Instituto de Medicina Experimental de Manguinhos (Projeto de n° 17-02/07/1906). Esse projeto determina, entre outras a incorporação da vacina antivariólica ao Instituto; por proposta da Academia de Medicina, o nome seria Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos. 1908. A vacinação passa para âmbito da Diretoria, e a produção da vacina permanece com o Instituto Vacínico Municipal. Oswaldo Cruz encaminha a “Proposta de Organização Definitiva dos Serviços de Higiene da União”. 1909. É renovado por dez anos o contrato entre o Instituto Vacínico Municipal e a Prefeitura pelo Decreto de n° 1.315-09/11. O contrato é assinado em 24/11, começando a vigorar em 1912. Alterado o quadro de pessoal do Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 1.91815/07. 237 Estabelecido um novo Regulamento para a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 10.821-18/03. Esse regulamento mantém as mesmas bases da legislação em vigor, tornando mais rígidas as medidas de vigilância sanitária de mar e terra em todo o país; amplia as doenças sob notificação compulsória; incorporada os funcionários que em 1904 haviam sido cedidos à União pela municipalidade. 1919. Reorganizado o Instituto Oswaldo Cruz pelo Decreto de n° 13.527-26/03/1919. O Instituto é regulamentado; suas atribuições ampliadas, incluindo-se a produção da vacina antivariólica; incorpora em sua estrutura o Instituto Vacínico Municipal como Instituto Vacínico Federal. 1920. Criado o Departamento Nacional de Saúde Pública. São ampliadas e centralizadas as medidas de controle das doenças transmissíveis nos estados. 1921. Regulamentado o Instituto Vacinogênico Federal pelo Decreto de n° 14.62917/01/1921. O regulamentado incorpora o Instituto Vacínico Municipal ao Instituto Oswaldo Cruz; é aproveitado o pessoal técnico e administrativo do extinto Instituto Vacínico Municipal. 238 ANEXO 03 Conhecimento científico Experiências e descobertas sobre a vacina antivariólica.630 1778. Descoberta da vacina antivariólica por Edward Jenner. 1840. Instituída a vacina animal em Nápoles por Negri. 1864. Introduzida em Paris a vacina animal, por Lanoix e Chambon. 1865. A Sociedade de Ciências de Lyon elege uma comissão para aprofundar os estudos sobre a vacina, a varíola, o cow-pox e o horse-pox. 1878. Primeiras tentativas do Dr. Pedro Affonso Franco para implantar a vacina animal no Brasil 1886. Introdução da glicerina como purificante e conservante da vacina (Berlim). 1888. Pesquisas sobre a receptividade do coelho para a vacina, realizada por Gailleton. 1891. Consegue-se destacar do vitelo a polpa vacínica e levá-la para o laboratório. 1892. Descoberta dos Corpúsculos de Garnieri. Que foram indicados como agentes etiológicos da varíola e da vacina. 1901. Experiências para o cultivo do vírus variólico fora do organismo bovino, realizadas por Calmette e Guérin. 1907. Constatada a ultra filtrabilidade do vírus vacínico. O agente etiológico da varíola é classificado como um protozoário por Aragão e Prowazeck. Essa descoberta foi posteriormente negligenciada e negada por outras experiências. 630 FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 136. 239 1910. Estudos realizados por Noguchi, Hensenval e Convent comprovam a possibilidade de produção da vacina em testículos de coelho conhecida como orchivacina. Estudos sobre a purificação da vacina com métodos químicos e físicos (éter sulfúrico, filtração e aquecimento). 1920. Estudos realizados por Levaditi comprovam a possibilidade de produção da neurovacina no cérebro de coelho. A ultra filtração é aplicada para determinação do tamanho do vírus por Bechold. Estudos realizados por Parker e Nye possibilitam a técnica de cultura de tecidos para o cultivo do vírus vacínico. 1930. Experiências com embrião de galinhas são realizadas no Hospital do Instituto Rockefeller. A filtração é indicada como melhor método de purificação da vacina. 1931. Experiências realizadas por Goodpasture possibilitam a utilização da cultura do vírus variólico em ovo embrionário. 240