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ANÁLISE COMPARATIVA DA SOCIEDADE LIMITADA NA ALEMANHA
E NO BRASIL: FOCO NA SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL1
LÚCIA BERND AZEVEDO BASTIAN
RESUMO O presente trabalho propõe uma reflexão acerca da sociedade limitada
unipessoal, analisando qual a possibilidade de uma sociedade limitada ser
unipessoal na Alemanha e qual essa mesma possibilidade no Brasil. Para tanto,
inicialmente, estuda-se o surgimento histórico da sociedade limitada e a legislação
aplicada em cada país. Posteriormente, aborda-se o tema da possibilidade de
constituição de uma sociedade limitada unipessoal em ambos os países. Verifica-se
que há anos a legislação alemã possibilita a criação da sociedade limitada
unipessoal originária, enquanto, em solo brasileiro, não há tal previsão legal. Aqui, a
presença de mais de uma pessoa é requisito específico para a constituição de uma
sociedade limitada. Entretanto, existe a possibilidade de uma sociedade limitada
constituída por dois ou mais sócios transformar-se em uma sociedade unipessoal
com a retirada de um deles, ou seja, restando apenas um sócio. É a sociedade
unipessoal derivada, que segundo a legislação brasileira, poderá vigorar somente
pelo período de até cento e oitenta dias. Observa-se como um avanço interessante
para o direito empresarial brasileiro a criação legislativa de uma sociedade limitada
unipessoal originária.
Palavras-chave: Sociedade Limitada. (Ltda.). Unipessoal. Sociedade Originária.
Sociedade Derivada. Legislação. Brasil. Alemanha. Direito Empresarial.
ZUSAMMENFASSUNG Gegenstand der vorliegenden Arbeit ist es, Uberlegungen in
Bezug auf die so genannte Einmanngesellschaft anzustellen mittels einer Analyse
der Voraussetzungen für die Existenz einer "Ein-Mann-GmbH" in Deutschland,
verglichen mit denen in Brasilien. Zu diesem Zweck wird zunächst die
Entstehungsgeschichte der Gesellschaft mit beschränkter Haftung beschrieben und
1
Artigo extraído a partir do Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovação com grau máximo pela banca examinadora
composta pelo orientador Prof. Dr. Peter Walter Ashton, Prof. Me. Sérgio José Dulac Müller e Prof.
Fábio Mello de Azambuja, em 30 de junho de 2009.
2
die diesbezügliche Gesetzgebung in beiden Ländern betrachtet. In der Folge wird die
Frage der Voraussetzungen für die Gründung einer Gesellschaft mit beschränkter
Haftung in jedem der beiden Länder behandelt. Dabei ist festzustellen, dass seit
Jahren
die
deutsche
Gesetzgebung
die
Gründung
der
so
genannten
Stammgesellschaft zulässt, während das brasilianische Gesetz dies nicht vorsieht:
hierzulande ist die Gegenwart von mehr als einer Person spezifische Voraussetzung
für die Errichtung einer Gesellschaft mit beschränkter Haftung. Jedoch besteht die
Möglichkeit, dass eine Gesellschaft mit beschränkter Haftung mit zwei oder mehr
Teilhabern sich in eine Einmanngesellschaft umbildet dadurch, dass alle Teilhaber
bis auf einen sich aus der Gesellschaft mit beschränkter Haftung zurückziehen. Dies
ist die so genannte abgeleitete Einmanngesellschaft, die aber nach brasilianischem
Gesetz nur für einen Zeitraum von bis zu hundertachtzigen Tagen in Kraft sein kann.
Schließlich wird darauf hingewiesen, dass eine Gesetzesänderung im Sinne der
Einführung der Einmannstammgesellschaft für das brasilianische Gesellschaftsrecht
einen bedeutenden Fortschritt darstellen würde.
Schlüsselbegriffe:
Gesellschaft
mit
beschränkter
Haftung.
(GmbH).
Einmanngesellschaft. Stammgesellschaft. abgeleitete Gesellschaft. Gesetztgebung
Brasilien. Deutschland. Gesellschaftsrecht.
SUMÁRIO: Introdução; 1 A sociedade limitada na Alemanha; 1.1 O surgimento; 1.2
As disposições legais; 1.3 A possibilidade de existência de uma sociedade limitada
unipessoal na Alemanha; 2 A sociedade limitada no Brasil; 2.1 o surgimento; 2.2 As
disposições legais; 2.3 A possibilidade de existência uma sociedade limitada
unipessoal no Brasil; 3 Sociedade limitada unipessoal, uma realidade, 3.1 Na
Comunidade Européia; 3.2 Na Alemanha; 3.3 No Brasil; 4 Considerações sobre a
sociedade limitada unipessoal; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa consiste na análise da possibilidade de uma sociedade
limitada ser unipessoal na Alemanha, bem como, no Brasil.
Formula-se a questão: Em que medida existe a possibilidade da sociedade
limitada ser uma sociedade unipessoal na Alemanha, e qual essa mesma
possibilidade no Brasil?
3
O objetivo geral é analisar a existência ou não da possibilidade da sociedade
limitada ser uma sociedade unipessoal na Alemanha, bem como, analisar qual seria
essa mesma possibilidade no Brasil, cotejando as legislações dos dois países. Temse como objetivos específicos investigar tais possibilidades, comparar o disposto em
ambas as legislações estudadas e analisar as repercussões do que foi averiguado.
A análise é desenvolvida a partir da técnica de pesquisa à legislação e
pesquisa bibliográfica. Ou seja, pesquisa de documentação indireta em fontes
primárias, tais como legislações e documentos em geral e, como também, em fontes
secundárias bibliográficas.
Tendo em vista poucas obras de direito comparado abordando o assunto,
nesse sentido, visa-se trazer ao debate tema aparentemente pouco discutido.
No primeiro capitulo, estuda-se o surgimento da sociedade limitada na
Alemanha, bem como as disposições legais dessa sociedade e a possibilidade de se
constituir uma sociedade limitada unipessoal naquele país.
Na segunda parte, são vistos os mesmos aspectos, porém em relação ao
Brasil. Ou seja, o surgimento, as disposições legais e a possibilidade de constituição
de uma limitada unipessoal em nosso país.
Finalmente, em um terceiro momento, observa-se que a sociedade limitada
unipessoal é uma realidade tanto na Comunidade Européia, quanto na Alemanha e
até mesmo no Brasil. Também no último capítulo, são feitas considerações a esse
respeito.
1 A SOCIEDADE LIMITADA NA ALEMANHA
Neste capítulo, estuda-se o surgimento da sociedade limitada na Alemanha,
em seguida, observa-se a legislação da sociedade limitada no mesmo país, bem
como, as alterações legislativas ocorridas nos últimos anos. Por fim, verifica-se a
possibilidade de uma sociedade limitada ser unipessoal naquele país.
1.1 O SURGIMENTO
Inicialmente faz-se um breve panorama histórico, analisando-se os anseios
sociais dos pequenos e médios comerciantes, que levaram ao surgimento da
sociedade de responsabilidade limitada na segunda metade do século XIX.
4
Nesse ponto, José Waldecy Lucena ressalta o pioneirismo alemão ao
legislar sobre o tipo societário em questão:
O comércio medievo -viu-se- fez nascer os tipos de sociedade, que
nos séculos seguintes, aperfeiçoar-se-ia: a sociedade em nome coletivo, a
sociedade em comandita simples, a sociedade em conta de participação e a
sociedade anônima.
Mas, à medida que tais tipos societários ganhavam contornos
definitivos, ressentiam-se o pequeno e o médio comerciantes da
inexistência de uma forma não dispendiosa, simples e desburocratizada de
criação e funcionamento, características das sociedades em nome coletivo
e em comandita.
Coube ao gênio jurídico alemão, interpretando esse anseio dos
comerciantes, que não somente alemães, mas de inúmeros outros países,
legislar pioneiramente sobre a sociedade de responsabilidade limitada, a
2
“Gesellschaft mit beschränkter Haftung”
[grifo no original], ou
3
abreviadamente “GmbH” , como é também conhecida.
De fato, na segunda metade do século XIX, sentia-se na Alemanha
que os tipos de sociedade existentes não atendiam aos anseios e
preocupações de grande faixa dos comerciantes, que não sendo portadores
de vultosos capitais, nem querendo correr os riscos da responsabilidade
ilimitada, não podiam, ou não lhes convinha, adotar a forma de sociedade
anônima, de constituição difícil, dependente de autorização, dispendiosa e
extremamente burocratizada. O ideal seria então um tipo social que, embora
limitando a responsabilidade dos sócios, tal como a anônima, desta diferiria,
no entanto, na vedação da cessibilidade das quotas sociais a estranhos, na
forma de constituição mais simplificada e na direção pessoal dos negócios
4
sociais.
Apesar da maioria dos autores atribuírem o pioneirismo legislativo acerca da
matéria aos legisladores alemães, Rubens Requião, explicando o nascimento
histórico das sociedades de responsabilidade limitada, lança uma dúvida:
O surgimento das sociedades por cotas de responsabilidade
limitada está envolto em viva controvérsia. Uns consideram-na de origem
britânica e outros, alemã. Deve-se essa divergência ao uso que a legislação
5
inglesa fez da expressão limited , secundada pela legislação francesa de
1863, que instituiu uma sociedade anônima impropriamente denominada de
6
7
societé à responsabilité limitée [grifos no original].
Em que pese ter lançado tal questionamento, o mesmo autor8, na obra
citada, logo desfaz a controvérsia acerca do tema afastando tanto a lei inglesa,
quanto a lei francesa como geratrizes da nova espécie de sociedade; atribuindo
essa láurea ao direito germânico, que modelou um novo tipo societário. Afirma,
2
Sociedade de responsabilidade limitada alemã [tradução nossa].
Ltda. alemã [tradução nossa].
4
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 4
5
Limitada [tradução nossa].
6
Sociedade de responsabilidade limitada [tradução nossa].
7
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed.São Paulo: Saraiva, 2003. p. 456
8
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 458
3
5
ainda, que a nova sociedade rapidamente se disseminou entre as nações
civilizadas.
Da mesma forma, Américo Luís Martins da Silva atribui ao direito alemão a
formulação da primeira legislação das sociedades de responsabilidade limitada:
A maioria dos autores escreve que no Direito alemão foi onde
surgiu, pela primeira vez, as sociedades de responsabilidade limitada [grifo
no original].
No final do século XIX, os comerciantes alemães de pequeno e
médio porte necessitavam de ter como opção legal um tipo societário que
os livrasse das dificuldades naturais de constituição das sociedades
anônimas e dos riscos e desvantagens da responsabilidade ilimitada dos
sócios da sociedade em nome coletivo. Tais comerciantes organizaram um
movimento no sentido de ser criado, pelo legislador, um novo tipo societário,
levando em conta essas necessidades.
Ao contrário do que ocorreu na Inglaterra onde o legislador
demorou muito a inserir num texto legal as mudanças reclamadas pelos
comerciantes ingleses, na Alemanha, o legislador enfrentou imediata e
efetivamente as reivindicações do meio mercantil. Com efeito, a lei alemã,
promulgada, em 20.04.1892, pelo então imperador Guilherme II, criou e
regulamentou a sociedade denominada Gesellschaft mit beschränkter
Haftung (sociedade de responsabilidade limitada) [grifo e tradução no
9
original].
O autor Rubens Requião, valendo-se dos ensinamentos de Hermano
Villemor do Amaral10, detalha minuciosamente o processo ocorrido na Alemanha,
quando da criação da sociedade de responsabilidade limitada. Ilustra que em 1882,
na Alemanha, o comércio ressentia-se pela falta de uma forma de sociedade que,
sem o aparato e as dificuldades de constituição das sociedades anônimas, pudesse
reduzir a responsabilidade de seus associados à importância do capital social.
Nesse sentido, o Deputado Oechelhauser foi um dos principais promotores da lei
sobre as sociedades limitadas alemãs. Em 1888 o Ministro do Comércio e Indústria
da Prússia, depois de consultar as Câmaras de Comércio sobre se convinha ou não
aumentar o número de tipos de sociedades comerciais existentes, provocou o
pronunciamento legislativo a respeito do tema. O Deputado Oechelhauser dirigindo
memória às Câmaras de Comércio declarou que as formas de sociedades então em
vigor no Império Alemão, não mais atendiam às necessidades econômicas sendo
necessário que o princípio da responsabilidade limitada, que vivamente interessa à
vida econômica, penetrasse nas sociedades de caráter individualista.
Seguindo com a narrativa histórica, Rubens Requião relata:
9
SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Sociedades empresariais. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
v.1. p. 190-191.
10
AMARAL, Hermano de Villemor do. Das sociedades limitadas, Rio de Janeiro, 1938. Apud
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 458-459.
6
Em 1891 foi enviado, pelo Ministro da Justiça do Império, ao
Congresso alemão, um projeto de lei, inspirado diretamente nas idéias de
Oechelhauser. A tramitação legislativa, com algumas modificações, resultou
na promulgação da Lei de 20 de abril de 1892, sobre as Gesellschaften mit
beschränkter Haftung – sociedades de responsabilidade limitada.[tradução
no original]. Em pouco tempo essas sociedades dominaram o comércio
alemão, de molde a, em nosso tempo, ultrapassarem de muitíssimo, em
número as sociedades anônimas existentes na Alemanha.
O modelo germânico disseminou-se pelo mundo, sendo Portugal o
11
primeiro a adotá-lo, por lei em 1901.
Sustentando que a sociedade limitada surgiu na Alemanha, Sérgio
Campinho assinala distinção do novo tipo societário daqueles existentes até então
na Europa, em especial na naquele país:
Em realidade, foi a lei alemã de 20 de abril de 1892 que, pela
primeira vez, disciplinou o perfil da denominada sociedade de
12
responsabilidade limitada (Gesellschaft mit beschränkter Haftung-GmbH) ,
diferenciando-a com nitidez das sociedades por ações, permitindo, assim,
sua constituição de maneira simples, por apenas dois sócios, mantendo
cada um deles, entretanto, a responsabilidade pela importância com que
13
entrasse para a formação do capital social.
Observa-se que as sociedades de responsabilidade limitada constituíram-se
de modo diverso daquele ocorrido com outras sociedades empresárias, que,
inicialmente, surgiram na prática para só depois ganharem legislação própria. Nesse
sentido, assevera o professor Fran Martins:
Ao contrário do que aconteceu com os demais tipos de sociedades
empresárias, que se formaram na prática, sendo, após reguladas por leis,
as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, foram introduzidas
no Direito Comercial por decisão do legislador. Verificando-se a inexistência
de uma sociedade capaz de atender aos comerciantes médios, limitando os
sócios a sua responsabilidade, pois as sociedades anônimas não só
requeriam um número maior de fundadores como, igualmente, tinham uma
constituição demorada e trabalhosa, destinando-se, por isso, em regra
geral, às grandes empresas comerciais, foi feito um movimento na
Alemanha, no sentido de ser criado pelo legislador, novo tipo societário,
sem os inconvenientes da responsabilidade ilimitada para os sócios,
característica das sociedades em nome coletivo, e semas dificuldades de
constituição das sociedades anônimas. A prática inglesa já modificara a
constituição das sociedades anônimas, organizando-se elas de forma
privada e limitando os sócios a sua responsabilidade sem obedecer aos
ditames da lei reguladora daquelas companhias, mas só em 1907 o
legislador aceitou como legal esse novo tipo societário. Ao contrário disso,
na Alemanha o legislador enfrentou o assunto e criou, pela lei de 20 de abril
de 1892, a sociedade de responsabilidade limitada, que atendia àquelas
necessidades, pois apenas dois sócios poderiam constituí-la, de maneira
11
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.459
Sociedade de responsabilidade limitada alemã – Ltda.alemã [tradução nossa].
13
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.132.
12
7
simples, mantendo, contudo, cada um deles a responsabilidade apenas pela
14
importância com que entrasse para a formação do capital social.
Na mesma senda, relato muito semelhante é feito por Fábio Ulhoa Coelho
que menciona:
A sociedade limitada, como um tipo próprio de organização
societária, e não como uma sociedade anônima simplificada, surge na
Alemanha, em 1892. Nascida de iniciativa parlamentar (ao contrário da
generalidade dos demais tipos de sociedade, cuja organização de fato
15
precede a disciplina normativa), a Gesellschaft mit beschränkter Haftung
corresponde de tal forma aos anseios do médio empresariado que a
16
iniciativa alemã se propaga e inspira os direitos de vários outros países.
Ora, a grande vantagem que o então novo tipo de sociedade apresentava,
além de a sua maior simplicidade para a constituição, era justamente a possibilidade
de limitação da responsabilidade dos sócios, o que já existia nas sociedades
anônimas, porém não atingia os comerciantes menores. Quanto a esse relevante
aspecto, o professor Fábio Ulhoa Coelho ainda pondera:
A sociedade limitada foi criada na Alemanha, no fim do século XIX,
para possibilitar a limitação da responsabilidade a pequenos e médios
empreendedores, dispensando-os das formalidades próprias das
17
anônimas.
Dada a relevância econômica e social, que as sociedades limitadas vieram a
representar, não apenas naquele país que as originou; Nelson Abrão18 salienta: “De
modo geral, porém, pode afirmar-se que a criação alemã de sociedade limitada
propiciou ao mundo nova técnica jurídica para o desenvolvimento econômico.”
1.2 AS DISPOSIÇÕES LEGAIS
14
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 251.
15
Sociedade de responsabilidade limitada [tradução nossa].
16
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. .2. p. 376.
17
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v.2. p. 377.
18
ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 6.
8
Inicialmente, examinam-se algumas definições quanto à sociedade limitada
na Alemanha. Essa sociedade é definida por Gerhard Köbler19, em seu dicionário
jurídico, da seguinte forma:
Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH) ist die im Gesetz
über die Gesellschaft mit beschänkter Haftung geregelte rechtsfähige
Gesellschaft (Kapitalgesellschaft ,1997 500.000 in Deutschland, 2001
nahezu eine Milion) mit beshränkter Haftung (der Gesellschafter , aber
unbeschränter Haftung der Gesellschaft selbst für die Schulden der
Gesellschaft). Die G.m.b.H. (GmbH) erfordert midenstens einen
Gesellchafter (Einmanngesellschaft), ein Stammkapital von mindestens
25.000 Euro (§ 5 GmbH) und entsteht mit der Eintragung im
20
Handelregister.[…]
De forma bastante semelhante, é descrita a sociedade limitada alemã, em
distinto dicionário jurídico, por Anusheh Rafi e Ana Ruhs21:
Gesellschaft
mit
beschränkter
Haftung
(GmbH):
Kapitalgesellschaft bei der Haftung auf die Einlage beshränkt ist. Sie wird
meist von mehereren Gesellschaftern errichtet; es reicht aber auch eine
Person aus. Der Gesellschaftsvertrag bedarf der notariellen Form. Zur
Sicherheit für die Gläubiger der GmbH muss das Stammkapital
mindeestens 25.000,00 € betragen. Die GmbH muss in Handelsregister
22
eintragen werden, damit sie tatsächlich besteht. […].
Ina Warncke Ashton23 observa algumas características da sociedade
limitada alemã e faz breve paralelo com sociedade anônima alemã. Descreve a
sociedade em estudo da seguinte forma:
Die Gesellschaft mit beschränkter Haftung (GmbH): die GmbH ist
nicht als Publikumsgesellschaft, sondern als Organisationsform für kleinere
bis mittlere Unternehmen mit geringerem Kapitalbedarf und
einer
beschränkten Anzahl von Gesellschaftern konzipiert. Sie ist in mancher
19
KÖBLER, Gerhard. Juristisches Wörterbuch: für Studium und Ausbildung.14.Auflage.
München: Verlag Franz Vahlen, 2007.p.176.
20
Sociedade de responsabilidade limitada alemã (Ltda. Alemã) – é regulada na Lei da sociedade com
responsabilidade limitada, (sociedade de capital, em 1997 eram 500.000 na Alemanha, em 2001
quase um milhão), uma sociedade com capacidade jurídica (sociedade com limitação da
responsabilidade dos sócios, mas com ilimitada responsabilidade da própria sociedade pelas dívidas
da sociedade). A Ltda. alemã exige no mínimo um sócio (sociedade unipessoal); um capital original
de 25.000,00 Euros (§ 5 da Lei da limitada alemã) e nasce com a inscrição no registro comercial.
[tradução nossa].
21
RAFI, Anusheh; RUHS, Ana. Grosses Wörterbuch Recht: Grundwissen von a-z. München:
Compact Verlag, 2006. p.147-148.
22
Sociedade de responsabilidade limitada (Ltda. alemã) - sociedade de capital, na qual à
responsabilidade é limitada a cada quota-parte. Na maioria das vezes ela é instituída por vários
sócios, mas basta uma só pessoa par tanto. O contrato social necessita ser feito por instrumento
passado por tabelião. Para a segurança dos credores da Ltda. alemã, o capital original mínimo pecisa
perfazer 25.000,00 Euros. Para que seja efetivamente constituída, a Ltda. alemã necessita ser
registrada na Junta Comercial. [tradução nossa].
23
ASHTON, Ina Warncke. Curso de alemão para juristas: Deutschkurs für Juristen.Porto Alegre:
Sergio Antônio Fabris Editor,1995. v.2. p.91.
9
Hinsicht weniger kompliziert als die AG, und ihre Mitglieder stehen in einem
24
engeren Verhältnis zueinander.
Waldo Fazzio Júnior relata sobre a Lei geradora das sociedades limitadas
alemãs, bem como, as modificações ocorridas em seus primeiros anos de vigência:
A lei germânica geradora da Gesellschaft mit beschränkter
Haftung – GmbH (sociedade de responsabilidade limitada) [tradução e grifo
no original] veio à luz em 20 de abril de 1892. Foi logo modificada e incluída
no Código de Comércio, de 20 de maio de 1898, aberta a qualquer espécie
de comércio ou indústria e dotada de uma minudente disciplina orgânica,
bastante distinta da Lei das Sociedades por Ações. Mais simples em sua
ordenação interna, também oferecia maior diversificação para a participação
limitada dos sócios, tais como previsão de quotas suplementares, a
responsabilidade solidária pela não integralização do capital social, etc.[...]
25
Em 1937 a Aktiengesetz [grifo no original] inseriu a sociedade de
responsabilidade limitada entre as sociedades de capitais, divergindo das
companhias apenas quanto à estruturação das quotas e sua
26
negociabilidade.
Em solo alemão, houve grande desenvolvimento e evolução legislativa no
que tange às sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Fran Martins
menciona:
Recentemente, a Alemanha substituiu a lei primitiva, de 1892, por
uma outra que revolucionou a estrutura desse tipo social, admitindo a
constituição das sociedades (por quotas) de responsabilidade limitada por
uma só pessoa (lei alemã de 4 de julho de 1980, entrada em vigor em 1º de
janeiro de 1981, art. 1º). Nascia assim a sociedade de responsabilidade
27
limitada, criada e funcionando com apenas um sócio.
Nelson Abrão discorre, mais detalhadamente, acerca de tais modificações
legislativas da sociedade de responsabilidade limitada na Alemanha, ocorridas em
1980:
Modificação introduzida no ordenamento então vigente, pela Lei
de 4 de julho de 1980, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1981,
prescreveu que a sociedade por quotas, além da forma tradicional, pode ser
instituída por uma única pessoa física ou jurídica, contanto que integralize
no ato o capital mínimo der 50.000 marcos, ou 25.000 no ato, com garantia
real em relação ao restante. Essa sociedade deve ser instituída por
escritura pública, não sendo, portanto, um contrato, mas uma declaração
24
Sociedade de responsabilidade limitada alemã (Ltda. alemã): A Ltda. alemã não é concebida como
uma sociedade de capital aberta ao público, mas sim como uma forma de organização para
empresas, pequenas até médias, com baixa demanda de capital e um número limitado de sócios. Ela
é, em muitos aspectos, menos complicada do que uma S.A., e nela seus sócios estão em mais
estreita relação uns com os outros. [tradução nossa].
25
Lei de sociedades anônimas alemã [tradução nossa].
26
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 27-28.
27
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 252.
10
unilateral. Seu gerente pode ser o sócio único ou um estranho. O juiz do
Registro do Comércio controla a autenticidade dos ingressos para a
formação do capital. O objetivo fundamental da sociedade limitada com um
único sócio consiste em subtrair a outra parte do patrimônio deste da ação
dos credores sociais: o conjunto dos bens que está fora da sociedade, ou
seja, o patrimônio particular não pode ser agredido pelos credores sociais.
Nesse particular, a lei estabelece uma rigorosa separação entre o
patrimônio social e o do sócio único, prescrevendo o atingimento dos bens
particulares deste apenas em caso de conduta irregular ou duvidosa. Um
exemplo poderá dar a idéia desse rigor: suponhamos que o sócio único não
integralizou o capital, recorrendo a emprestadores para tal; em caso de
insolvência, para evitar prejuízos aos credores, a norma prescreveu que
aquilo que foi fornecido por mutuantes para o capital será levado a título
dessa rubrica, e não de mútuo, não tendo eles, conseqüentemente, o direito
de reclamar aquilo que emprestaram. Outrossim, todas as declarações
prestadas pelo sócio único, durante a constituição, ou no curso do exercício
social, se falsas, serão punidas com sanções de ordem penal.
Seguiu-se desde a entrada em vigor da lei de sociedades limitadas
na Alemanha uma diversidade de normas específicas com o objetivo de
regulamentar o modelo, dar-lhe transparência e introduzir o mecanismo
28
referente ao euro (Gesetz zur Einführung des Euro ) de 9 de junho de
1998, substituído, pois, o marco pela moeda unificada.
Mais recentemente foi inserida reforma que cuida da parte diretiva,
do balanço, sua transparência e maior publicidade, conforme o diploma de 9
29 30
de julho de 2002 (Transparenz-und Publizitätsgesetz-TransPuG ).
Ou seja, foram alteradas, no decorrer dos anos, as disposições da legislação
alemã, quanto à sociedade de responsabilidade limitada, adequando-a a nova
realidade econômica e social. Porém, as inovações legislativas não se encerraram
por aí. Em novembro de 2008, passou a vigorar uma nova Lei de sociedade limitada
alemã.
Segundo Paula Coelho31, a reforma, ocorrida na legislação da sociedade
limitada em novembro de 2008, tem como pano de fundo um fenômeno bastante
recente no âmbito da União Européia: a mobilidade coorporativa. Tal mobilidade
coorporativa foi responsável pela alteração do instituto da sociedade limitada não só
na Alemanha, mas também em outros Estados-membros da União Européia, tais
como França, Espanha, Holanda e Itália.
A referida autora32 explica que historicamente as empresas deveriam se
constituir no país onde pretendiam operar. Prevalecia o princípio da sede real, ou
seja, a constituição era restrita à localização geográfica da empresa. Isso significa
28
Lei de introdução do Euro [tradução nossa].
Lei de transparência e publicidade [tradução nossa].
30
ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 6.
31
COELHO, Paula. Cartas da Europa: país em foco Alemanha.
<http://www.migalhas.com.br> Acesso em: 03 abr. 2009.
32
COELHO, Paula. Cartas da Europa: país em foco Alemanha.
<http://www.migalhas.com.br> Acesso em: 03 abr. 2009.
29
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11
que uma empresa, que exerceria suas atividades na Alemanha, deveria ser ali
constituída de acordo com o sistema legal do país. Porém, desde 2001, a partir de
uma série de decisões da Corte de Justiça Européia, esse princípio começou a ser
desafiado, e a jurisprudência acabou por reconhecer o princípio da incorporação. Ou
seja, desde então, as empresas da União Européia podem escolher livremente o
local de constituição, independente de onde operem suas atividades. As decisões da
Corte de Justiça Européia estabeleceram as bases para a migração de novas
empresas para jurisdições mais favoráveis. Assim, pela primeira vez, os empresários
podem então escolher entre os distintos sistemas legais, e eleger aquele direito
corporativo mais atraente.
Paula Coelho também analisa os objetivos, que levaram o legislador alemão
a criar a nova legislação alemã de sociedade de responsabilidade limitada, bem
como, detalha as inovações legislativas:
Com intuito de preservar a GmbH (sociedade limitada alemã)
[tradução no original] como modalidade de negócio atrativa que possa
competir com os tipos societários semelhantes oferecidos na União
33
Européia e principalmente com a Limited inglesa, a Alemanha revisou as
normas de sua sociedade limitada.
Os objetivos principais da lei de modernização da sociedade
limitada e de combate ao abuso (Gesetz zur Modernisierung des GmbHRechts und zur Bekämpfung von Missbräuchen) [tradução no original] são
facilitar e acelerar a constituição de empresas. A reforma adapta as normas
à atualidade visando tornar o instituto mais atraente para pequenos e
médios empresários, por conseguinte, fomentar a economia alemã.
Nos termos da lei anterior era indispensável para a constituição de
uma sociedade limitada um capital social mínimo de 25.000,00 euros, um
valor consideravelmente alto que dificultava a geração de novos negócios,
sobretudo na área de prestação de serviços. Este fator entre outros,
motivou uma das principais alterações formuladas pelo legislador que é a
possibilidade de constituir uma sociedade limitada, com um capital mínimo
34
de apenas um euro. A “Unternehmergesellschaft” ou como já ficou
conhecida popularmente, a “Mini GmbH”(mini sociedade limitada) [tradução
no original], é uma modalidade simplificada dentro do próprio instituto da
sociedade limitada. Apesar de não ter abolido o capital social mínimo de
25.000,00 euros, a nova lei brinda o empresário com a possibilidade de
acumular gradativamente este capital mediante a reserva de ¼ do lucro
anual.
A
denominação
social
deverá
incluir
o
nome
35
“Unternehmergesellschat (haftungsbeschränkt)”
– sociedade com
36
responsabilidade limitada- ou “UG (haftungsbeschränkt)” [...].
33
Limitada [tradução nossa].
Sociedade empresária [tradução nossa].
35
Sociedade empresária com responsabilidade limitada [tradução nossa].
36
COELHO, Paula. Cartas da Europa: país em foco Alemanha.
<http://www.migalhas.com.br> Acesso em: 03 abr. 2009.
34
Disponível
em:
12
1.3
A
POSSIBILIDADE
DE
EXISTÊNCIA
UMA
SOCIEDADE
LIMITADA
UNIPESSOAL NA ALEMANHA
Como já anteriormente descrito, a legislação alemã há anos possibilita a
existência de uma sociedade limitada unipessoal. A esse respeito, Fábio Tokars
elucida que até 1980 o direito alemão não reconhecia a possibilidade da existência
jurídica de sociedades limitadas unipessoais originárias. Relata o autor:
Boa parte da doutrina, porém, reclamava uma ampliação do
sistema, para que se passasse a aceitar juridicamente as sociedades
unipessoais originárias. Tal entendimento, entre outras razões, levou à
edição da Lei de 4 de julho de 1980, cujo § 1º reza que “ as sociedades de
responsabilidade limitada podem ser estabelecidas na conformidade das
provisões desta lei, para qualquer finalidade legítima, por uma ou mais
pessoas”.
Estava criada na Alemanha, a sociedade unipessoal originária
como categoria normatizada. Não foi, como é consabido, a primeira
legislação prevê-la, já que no principado de Liechtenstein, tal modalidade
societária foi reconhecida juridicamente ainda em 1926. Contudo, a conduta
do legislador alemão, por certo, veio a influenciar decisivamente as
manifestações doutrinárias e legislativas em países outros, iniciando, por
37
conseqüência, uma nova fase do direito societário.
Quanto à reforma ocorrida em 1980, na Lei de sociedade limitada alemã,
Sérgio Campinho também ilustra:
A Alemanha fez substituir a sua lei primitiva de 1892 por outra que
provocou verdadeira revolução no conceito do exercício da empresa (Lei
Alemã de 4 de julho de 1980, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1981
38
– GmbH.novelle de 1980), prescrevendo a admissão da sociedade de
responsabilidade limitada instituída por uma só pessoa, física ou jurídica,
39
contanto que seu capital mínimo fosse de cinqüenta mil Marcos totalmente
integralizado ou de vinte e cinco mil Marcos no ato da subscrição, com
40
garantia real em relação ao restante.
José Waldecy Lucena41 comenta sobre a evolução e as reformas da Lei da
sociedade limitada na Alemanha. Esclarece que em 1961 o Ministério da Justiça
Federal Alemã, diante da contínua evolução da legislação acionária, em contraste
com a vetusta lei da sociedade limitada, deu início a estudos legislativos visando
aproximar ambas as legislações, bem como preencher lacunas na antiga Lei de
1892, já em descompasso com a notável transformação da economia alemã,
37
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p. 485.
Nova Lei da Ltda. alemã [tradução nossa].
39
Com a transposição para o Euro, o valor em Marcos passou a ser referido na razão de dois para
um, naquela moeda da União Européia, ou seja, 25.000,00 Euros.
40
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.132-133.
41
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5.
38
13
operada com a reconstrução do país no pós-guerra. Tais estudos originaram a
reforma adotada pela Lei de 4 de julho de 1980, que passou a vigorar a partir de 1º
de janeiro de 1981. O autor comenta:
Do conjunto de reformas introduzidas sobressai a permissão de
constituição de sociedade unipessoal, seja de forma originária, seja de
forma derivada, podendo, assim, a sociedade unipessoal transformar-se em
42
pluripessoal e esta naquela.
Manoel de Queiroz Pereira Calças também ressalta a possibilidade de
constituição de uma sociedade unipessoal, dada já pela Lei da sociedade limitada
editada em quatro de julho de1980:
A Alemanha, por lei editada em 04.07.1980, substituiu a pioneira
lei de 1892, introduzindo inovação revolucionária nesse modelo societário,
que passou a permitir a constituição da sociedade de responsabilidade
limitada constituída por apenas uma pessoa, que parte da doutrina
43
denomina de sociedade unipessoal.
Da mesma forma, a mais recente Lei da sociedade de responsabilidade
limitada, que passou a vigorar em novembro de 2008 na Alemanha, contempla a
possibilidade de constituição de uma sociedade limitada unipessoal originária.
Assevera Paula Coelho44: “Assim como na GmbH45, a responsabilidade na Mini
GmbH46 é, em princípio, limitada ao capital social da empresa e admite-se a
constituição da empresa com apenas um sócio (ao contrário do previsto no direito
brasileiro).
2 A SOCIEDADE LIMITADA NO BRASIL
No atual capítulo, aborda-se o nascimento ou surgimento da sociedade
limitada no Brasil. Na seqüência, estudam-se as disposições legislativas da
sociedade limitada no país, bem como, recentes alterações ocorridas nos últimos
anos. Encerra-se o presente capítulo verificando-se qual a possibilidade de uma
sociedade limitada ser unipessoal no Brasil.
42
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5
CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo:
Atlas, 2003. p. 16.
44
COELHO, Paula. Cartas da Europa: país em foco Alemanha. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br> Acesso: em 03 abr. 2009
45
Ltda. alemã [tradução nossa].
46
Mini Ltda. alemã [tradução nossa].
43
14
2.1 SURGIMENTO
O professor Sérgio Campinho47 comenta que até a introdução da sociedade
limitada em nosso direito positivo, o que ocorreu tão-somente no início do século XX,
restava para aqueles que desejassem explorar a atividade mercantil através de uma
pessoa jurídica, com limitação de suas responsabilidades, salvaguardando, portanto,
seus patrimônios particulares dos efeitos das dívidas sociais apenas a sociedade
anônima. Porém, a sociedade anônima, desde a sua criação, sempre se alinhou
com o perfil dos grandes empreendimentos, apresentando dispendiosa forma de
organização, dadas as formalidades indispensáveis à sua constituição, aliado ao fato
de que, até o advento da Lei de 1976, exigia-se que o capital da sociedade anônima
fosse subscrito por, no mínimo, sete pessoas. Destaca o referido autor:
Era, pois, desejável o surgimento de um novo desenho societário
que conciliasse a limitação da responsabilidade dos sócios a um capital
determinado, com a existência de um numero menor de membros, despida,
ainda, de mecanismos jurídicos complexos para sua formação,
48
aproveitando, assim, as pequenas e médias empresas.
Quanto
ao
contexto
histórico
e
a
criação
das
sociedades
de
responsabilidade limitada no Brasil, Fran Martins ilustra que nosso país foi o quinto
no mundo a legislar sobre a matéria com o Decreto de 10 de janeiro de 1919:
O exemplo da Alemanha foi seguido, em 1901 por Portugal, que
foi o segundo país do mundo a legislar sobre as sociedades de
responsabilidade limitada. A lei portuguesa, votada em 11 de abril de 1901,
foi grandemente influenciada pela lei alemã de 1892.
Em 1906, a Áustria adotou as mesmas sociedades, aceitando, em
linhas gerais, a alemã. Em 1907, a Inglaterra, onde já existiam, na prática,
49
essas sociedades com o nome de private companies , regulamentou-as
legalmente, seguindo-se à Inglaterra, o Brasil, que foi, assim, o quinto país
50
no mundo a legislar sobre essas sociedades.
José Waldecy Lucena51 detalha o contexto histórico da criação legislativa da
sociedade limitada no Brasil. Narra que em 1865, José Thomáz Nabuco de Araújo,
47
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.131.
48
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.132.
49
Companhias privadas [tradução nossa].
50
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 252.
51
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 1423.
15
então Ministro da Justiça do Gabinete de Olinda, formulou um projeto de introdução
em nosso sistema jurídico de um tipo de sociedade, a qual denominou sociedade
limitada. Porém, na opinião do referido autor, tal projeto não é antecedente histórico
do Decreto n. 3.708, que institui a sociedade por quotas de responsabilidade limitada
no país em 1919, visto que o anteprojeto preconizado por Nabuco de Araújo visava,
na verdade, a constituição de um tipo de sociedade anônima livre, sem dependência
governamental.
Deste modo, a sociedade de responsabilidade limitada, como aquela
instituída pela Lei alemã de 1892, somente aparece conceitualmente em solo
nacional em 1912, quando Inglês de Souza a inclui em seu projeto de Código
Comercial. Como tardava aprovação do projeto de novo Código Comercial, o
Deputado gaúcho, Joaquim Luis Osório, faz um projeto isolado, com o propósito de
inserir em nosso sistema o novo tipo societário, que efetivamente entra em vigor em
10 de janeiro de1919 como Decreto n. 3.708.
Acerca do Decreto de lavra de Joaquim Luis Osório, que introduz a então
sociedade por quotas de responsabilidade limitada no Brasil, José Waldecy Lucena
comenta:
A nosso juízo, o deputado gaúcho, que como enfatizado, era
também professor de direito, não merece as críticas que lhe fazem. A
redação da lei, é de se reconhecer, não é atremada, nem está à altura dos
juristas da época e de que é exemplo maior o Código Civil, discutido e
votado alguns anos antes. Mas, de outro lado, resulta hialinamente claro
que o projetista, diante de seus modelos de inspiração, o projeto de Inglês
de Sousa, a lei alemã de 20 de abril de 1892 e a lei portuguesa de 11 e abril
de 1901, estas extremamente extensas (aquela com 82 artigos, esta com 65
artigos), cuidou de redigir um texto mais enxuto, talvez contando com que o
projeto, quando em votação, tal como acontecera com o Código Civil, de
promulgação então recente, recebesse emendas e correções. Mas, para
surpresa geral e provavelmente do próprio autor do projeto, este,
apresentado que fora a 20 de setembro de 1918, já a 3 de outubro recebia
parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, da lavra de
Arnolpho de Azevedo, sendo em seguida aprovado pela Câmara dos
Deputados e encaminhado ao senado Federal, onde em 30 de dezembro,
após receber parecer favorável da Comissão de Justiça e Legislação, foi
aprovado igualmente sem debates nem emendas, subindo então à sanção
presidencial, a qual se efetivou a 10 de janeiro de 1919 pelo VicePresidente em exercício, Delphim Moreira da Costa Ribeiro, como Decreto
52
3.708, quando de lei se tratava.
Igualmente relatando sobre o tema do surgimento das sociedades limitadas
no país, Ricardo Negrão omite o nome de Joaquim Luis Osório como autor do
52
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 2327.
16
Decreto n. 3.708 de 1919, citando apenas Inglês de Souza em referência ao citado
decreto:
Originária da Alemanha, onde nasceu por força da lei de 20 de abril
de 1892, a sociedade limitada se tornou a mais comum em solo brasileiro,
ganhando a preferência de empresários e não empresários para o exercício
de atividades de pequeno e médio e grande porte.
Fruto do projeto de Inglês de Souza, o Decreto nº 3.708/19, até a
promulgação do Código Civil era o único diploma que trazia as regras para
a criação da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cuja
característica principal é a responsabilidade de seus sócios limitada ao total
do capital social, solidariamente entre eles. Com o advento da nova
legislação civil, a sociedade passou a denominar-se, simplesmente,
53
sociedade limitada.
Ainda que muitas críticas tenham sido feitas ao Decreto n. 3.708/19, Marlon
Tomazette ressalta a permanência e inalterabilidade do diploma ao longo dos anos:
Apesar das inúmeras críticas recebidas, tal decreto não sofreu
nenhuma alteração em seus artigos, mantendo-se íntegra a disciplina
original. Com o advento do Código Civil de 2002, as sociedades, doravante
denominadas apenas limitadas, passam a ser disciplinadas mais
54
detalhadamente nos artigos 1.052 a 1.087.
Sobre o laconismo do muito criticado Decreto de 10 de janeiro de 1919,
afirma Rubens Requião:
Na realidade, porém o estilo lacônico da lei não resultou em
grande prejuízo para as empresas que adotaram esse tipo como sua
estrutura jurídica. Ao revés, deixou ao alvedrio dos sócios a regulamentação
como bem desejassem, dentro, evidentemente, dos princípios gerais que
regem as sociedades comerciais em nosso direito, a vida da sociedade,
através das normas contratuais. Permite-se, assim, à livre criatividade dos
empresários e dos juristas, a estruturação da vida social através da
55
liberdade do contrato.
Igualmente considerando os inúmeros reproches feitos ao Decreto, que
recepcionou pela primeira vez as sociedades limitadas em nosso país, e a previsão
de que ele seria um martírio para o comércio e para os tribunais, observa José
Waldecy Lucena:
Em suma, embora não tenha obrado o legislador com acríbia ao
redigir o Decreto, não obstante às vezes atécnico, em alguns pontos
omisso, em outros obscuro, certo é que os elementos essenciais da
sociedade (denominação social, responsabilidade limitada, administração,
sócios, objeto social, capital, princípio majoritário, etc.) foram disciplinados.
53
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
v. 1. p. 343-344.
54
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo:
Atlas, 2008. v.1 p.326.
55
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.461.
17
E foi o Decreto introdutor, no ordenamento jurídico brasileiro, do direito de
recesso (art.15), somente adotado para sociedades anônimas em 1932. [...]
Nem hoje se pode dizer, passados oitenta e quatro anos (19192003), que foi o período de sua vigência, tenha o Decreto nº 3.708 sido “um
tormento para o comércio”. O candente vaticínio não se confirmou. Parcas
sendo as suas disposições, tal acabou por resultar em benefício da larga
expansão desse tipo societário, porquanto abriu ensanchas à fértil
imaginação dos interessados, que assim puderam livremente moldar
segundo suas necessidades e conveniências, as sociedades que
idealizavam. Bastou, no mais das vezes, o controle efetuado pelas Juntas
Comerciais, quando do arquivamento dos contratos, para coibir excessos e
56
sanar heresias.
Sérgio Campinho discorre sobre o histórico da sociedade limitada em solo
brasileiro, desde o projeto de Herculano Inglês de Souza, passando pela
regulamentação da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, chegando
até a atual sociedade limitada prevista no Código Civil de 2002. Narra o referido
autor:
Em nosso País, em 1912, Herculano Inglês de Souza, incumbido
pelo governo brasileiro de elaborar a revisão do Código Comercial, sob a
inspiração da lei portuguesa, consagrou em seu projeto, o novo tipo de
sociedade, nominando-a de “sociedade limitada”.
Com arrimo no trabalho de Inglês de Souza, e tendo em mira
igualmente o modelo da lei portuguesa de 1901, que o inspirara, o deputado
Joaquim Luiz Osório encaminhou à Câmara dos Deputados, em 1918, o
projeto de lei nº 247, sob a feliz justificativa de que o aguardo da aprovação
do projeto do Código Comercial de Inglês de Souza viria retardar por longo
prazo a adoção da sociedade limitada destinada a preencher lacuna em
nosso direito. O projeto de Joaquim Luiz Osório, com rápida tramitação,
restou por ser aprovado, sem modificações e sancionado em 10 de janeiro
de 1919, resultando no Decreto nº 3.708 que, até o advento do Código Civil
de 2002, era a nossa lei sobre “sociedade por quotas de responsabilidade
limitada”, nome conferido pelo diploma ao tipo societário, cuja designação
sofreu críticas da doutrina, vez que a responsabilidade limitada é dos sócios
e não da sociedade. Afinal, esta, como curial, responde com seu patrimônio
de forma ilimitada pelas obrigações contraídas, visto a autonomia da
personalidade jurídica. O patrimônio social constitui-se na garantia dos seus
credores, não pendendo sobre ele qualquer limitação de responsabilidade
que só aproveita, como se disse, aos sócios.
O novo Código Civil, no Capítulo IV, do Subtítulo II, do Título II, do
Livro II, nos arts. 1.052 a 1.087, disciplina por inteiro a sociedade limitada,
nova nominação desse tipo societário, sobre a qual podem ser reiteradas as
críticas doutrinárias acima relatadas, restando, pois, revogado o Decreto nº
3.708/19. Prevaleceu, portanto, no Código de 2002, a mesma nomenclatura
57
do Projeto de Inglês de Souza.
2.2 AS DISPOSIÇÕES LEGAIS
56
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 2328-29.
57
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.137-138.
18
Inicialmente, acerca do conceito de sociedade no país, ressalta o professor
Sérgio Campinho58 que, nas sociedades, o ponto central da união de seus
integrantes é a exploração de atividade com finalidade econômica, buscando a
obtenção e divisão dos ganhos havidos nessa exploração. O que motiva a
aproximação dos seus integrantes, chamados tecnicamente de sócios, é o escopo
de partilhar lucros. Assinala, ainda, que constituem uma sociedade, as pessoas que
mutuamente se obrigam a combinar esforços ou recursos para lograr fins comuns,
repartindo, entre si os dividendos. A sociedade vai resultar da união de pessoas
físicas ou jurídicas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício proficiente de atividade econômica e a partilha, entre si
dos respectivos resultados
Jorge Lobo também dá sua definição de sociedade limitada; assevera o
autor:
Sociedade limitada é a constituída por pessoas físicas e/ou
jurídicas, com igualdade de direitos, sob uma firma social ou denominação,
para o exercício de atividade econômica de produção ou circulação de bens
ou de serviços, que tem o capital dividido em quotas, de igual ou diferentes
espécies, de igual ou desigual valor nominal, obrigando-se os sócios pelo
pagamento do valor das quotas subscritas ou adquiridas, todos
59
respondendo solidariamente pela integralização do capital social.
Relativamente à responsabilidade dos sócios em uma sociedade limitada,
ilustra Rubens Requião:
Aos iniciantes no estudo das sociedades é necessário insistir na
explicação de que a limitação da responsabilidade do sócio não equivale à
declaração de sua irresponsabilidade em face dos negócios sociais e de
terceiros. Deve-se ele ater-se, naturalmente, ao estado de direito que as
normas legais traçam na disciplina do determinado tipo de sociedade de
que se trate. Ultrapassando os preceitos da legalidade, praticando atos,
como sócio, contrários à lei ou ao contrato, tornam-se pessoal e
ilimitadamente responsáveis pelas conseqüências de tais atos. [...]
As limitações da responsabilidade do sócio, próprias da sociedade
limitada, exigem dele comportamento ilibado, respeitando as normas
contratuais e legais. Infringidas tais normas, o transgressor perde a
vantagem concedida pelo tipo social, passando a responder de modo
ilimitado pelos atos que autorizou ou praticou. Esta responsabilidade
ampliada tem natureza solidária, pois não afastará a responsabilidade
natural da sociedade que serve de instrumento para o ato; agrega-se-lhe a
60
responsabilidade pessoal do sócio que deliberou como infrator.
58
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.34.
59
LOBO, Jorge Joaquim. Sociedades limitadas. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.57. v.1.
60
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
v. 1. p. 496-497.
19
Fran Martins, primeiramente, conceitua a sociedade de responsabilidade
limitada, e a seguir traça um breve paralelo entre o Decreto n. 3.078/19 e a disciplina
agora regulada pelo Código Civil:
Sociedades limitadas são aquelas formadas por duas ou mais
pessoas, cuja responsabilidade é identificada pelo valor de suas quotas,
porém todos se obrigam solidariamente em razão da integralização do
capital social. Há uma responsabilidade solidária pelo total do capital social.
Anteriormente regulada pelo Decreto-Lei nº 3.708, de 10 de
janeiro de 1919, substancialmente alterada pelo Código Civil em vigor, nos
artigos 1.052 a 1.087, nela se aplicando, nas hipóteses de omissões as
normas das sociedades simples.
A modelagem da sociedade limitada encontra amplo campo de
abrangência, de forma pormenorizada, por meio do atual Código Civil,
particularizando as circunstâncias desde a constituição, participação dos
sócios, administração, responsabilidade, e os mecanismos que governam
esse tipo societário.
Efetivamente, continha o revogado diploma, tão somente 18
artigos, e supletivamente dispunha acerca da lei de companhias, ao passo
que, pelo Código Civil, a sociedade limitada se disciplina em 36 artigos, e
subsidiariamente, quando omisso o contrato, pelo instrumento que regula a
61
sociedade simples.
Acerca das atuais disposições sobre a sociedade limitada, dadas pela nova
legislação, José Waldecy Lucena localiza a matéria no Código Civil; explica a
supletividade normativa em caso de omissão contratual e ainda critica a regra
adotada pelo novo Código:
A Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, agora
nominada simplificadamente “Sociedade Limitada”, está disciplinada no
Livro II – Do Direito de Empresa; Título II – da Sociedade; Subtítulo –Da
Sociedade Personificada; Capítulo IV- Da Sociedade Limitada, este
subdividido em sete seções [...].
Em havendo omissão, aplicam-se as normas da sociedade
simples, mas o contrato social pode prever que a regência supletiva se faça
pelas normas da sociedade anônima (art.1053 e parágrafo único, além de
que há remissão expressa a vários dispositivos precedentes (arts. 1.056,
1.057 parágrafo único, 1.058, 1.066, 1.070, 1.072, 1.073, 1.076, 1.077,
1.079, 1.080, 1.084, 1.085, e 1.086).
Imposta inevitável comparação entre o Decreto nº 3.708/19 e o
novo Código, há de se concluir que, se aquele foi acoimado de atécnico e
falho de regras indispensáveis, este, embora dotado de tecnicidade, não
deixará de profligado como extremamente burocratizante da constituição e
funcionamento das sociedades limitadas, assim eliminando uma das
vantagens que levaram à criação e à ampla aceitação desse tipo societário.
Nem se compreende que, sendo as sociedades limitadas cada vez mais
atraídas pela órbita das sociedades anônimas, fosse abandonada a regra
do Decreto nº 3.078, de que a supletividade normativa se fizesse pela Lei
61
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 250.
20
das Sociedades Anônimas, para se adotar como fonte supletiva, em
62
condenável retrocesso, as regras das sociedades simples (art. 1.053).
Sérgio Campinho63 observa que o contrato social do tipo societário em
questão, apresenta-se com cláusulas fundamentais ou essenciais, e outras de livre
convenção entre os sócios, cujo limite deve estar confortando com as barreiras
legais. Dentre essas cláusulas opcionais, eletivas ou acidentais, reside aquela na
qual os sócios podem realizar a previsão da regência supletiva da sociedade
limitada pelas normas da sociedade anônima, em substituição à regra geral da
aplicação subsidiária das normas da sociedade simples, segundo dispõe artigo
1.057, caput e parágrafo único do Código Civil. Esclarece, ainda, o referido autor:
O novo Código Civil, nos artigos 1.052 a 1.087, estatui o perfil do
tipo societário específico. Quando na sua disciplina verificar-se omissão,
aplica-se, como fonte de regência supletiva, o regramento próprio da
sociedade simples, que estabelece como norma geral em matéria de direito
societário. Contudo, faculta-se aos sócios, mediante expressa previsão
contratual, a opção pela regência subsidiária por meio das regras prescritas
na lei das sociedades anônimas.
Em resumo, se o contrato for silente, aplicar-se-ão os preceitos da
sociedade simples para disciplinar os casos de omissão legal ou contratual;
permite-se, entretanto, a aplicação supletiva das normas da sociedade
anônima, com o fim de regrar as omissões eventualmente verificadas na lei
ou no contrato social para o tratamento de um determinado assunto, mas a
hipótese reclama previsão expressa em cláusula do contrato de sociedade.
Havendo a previsão, a lei das sociedades anônimas será supletiva
da lei da limitada. Supre a lacuna da lei. É supletiva da vontade do
legislador e não apenas da vontade das partes. Funciona como fonte
subsidiária não apenas do contrato, naquilo em que nele foi
insuficientemente esboçado, mas também da própria lei, ante sua omissão
64
total acerca do tema a ser disciplinado.
O mesmo autor,65 ainda, adverte que se deve ter cuidado com a previsão
especial (aplicação supletiva da Lei de Sociedades Anônimas), visto que ela não se
faz de modo geral e irrestrito, devendo sempre respeitar a natureza de sociedade
contratual da limitada. Portanto, a regência supletiva de suas normas restringe-se
àquelas situações em que não se venha a contrariar tal natureza, podendo-se
invocá-las somente na parte aplicável.
62
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 3031.
63
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.157.
64
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.157-158.
65
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.158.
21
Atualmente, utilizam-se as regras da sociedade simples em caso de omissão
do contrato da sociedade limitada; todavia, os sócios podem estipular como fonte
supletiva as normas da Lei de Sociedades Anônimas. No ponto, Fábio Ulhoa Coelho
esclarece:
Em suma, se o contrato social da limitada é omisso ou define a
disciplina das sociedades simples como seu regime jurídico de aplicação
subsidiária, aplicam-se lhe os arts. 997 a 1.032 do CC, sempre que a
matéria não estiver disciplinada nos arts. 1.052 a 1.087 do mesmo código.
Se, porém, os sócios estipularem expressamente no contrato social que o
regime de regência supletiva de sua sociedade limitada será o das
sociedades anônimas, nas matérias não reguladas pelos art. 1.052 a 1.087
66
do CC, aplicam-se as normas da LSA.
Sérgio Campinho67 ressalta que o Decreto n. 3708/19, diferentemente de
suas fontes inspiradoras (as leis alemã e portuguesa), olvidou-se de fixar um capital
mínimo necessário à constituição da sociedade por quotas de responsabilidade
limitada, para que seus sócios pudessem valer-se da limitação de responsabilidade.
Esclarece que o Código Civil de 2002 adotou igual postura na regulamentação da
sociedade limitada, não se preocupando com a questão. Assinala o autor:
No caso da sociedade limitada, pensamos haver a necessidade de
a lei fixar, o que não foi feito pelo novo Código Civil, um capital social
mínimo para a sua constituição, o que poderia variar segundo o ramo de
atividade, inclusive estabelecendo um valor mínimo do capital de cada
quota, para evitar participações sociais irrisórias e fantasiosas. Deveria ser
exigida, ainda tal qual ocorre nas sociedades anônimas, a realização
mínima de um determinado percentual do capital inicial da sociedade no ato
de sua constituição, com a fixação de um prazo mínimo para sua total
integralização. Tudo dependendo, sob pena de frustração, de um rigoroso
controle, por parte do órgão responsável pelo registro de empresas, da
68
efetividade das entradas para a formação do capital social.
No que tange à classificação da sociedade limitada, pondera Rubens
Requião69: “Como se vê, a sociedade limitada está situada, na classificação
personalista ou não das sociedades, num ‘divisor de águas’. Seu contrato social
poderá inculcar-lhe um etilo personalista ou capitalista”.
66
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 154-155.
67
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.140.
68
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.142.
69
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.469.
22
Também Fábio Ulhoa Coelho70 discorre sobre a classificação da sociedade
limitada. Afirma que o tipo não define a natureza da sociedade, ou seja, não é a lei
que define, mas sim os sócios. Assim, visto que a sociedade limitada pode ser de
pessoas ou de capital, de acordo com a vontade dos sócios, a negociação traduzida
no contrato social é que irá elucidar qual a natureza de cada limitada.
Quanto a grande quantidade de sociedades limitadas constituídas no país, e
a relativamente baixa demanda judicial gerada por tal tipo societário, observa José
Waldecy Lucena:
Em longos anos de judicatura, pudemos constatar que as
demandas [grifo no original] surgidas a respeito das sociedades por quotas
não eram numerosas. Ao contrário, sempre nos pareceram diminutas, dado
que representam 97% de todas as sociedades constituídas no país (fonte
DNRC), e além do mais, circunscritas, no mais das vezes, ao direito
71
tributário e ao direito sucessório.
Marlon Tomazette salienta o elevadíssimo número de sociedades limitadas
no Brasil e, conseqüentemente, a relevância dessas sociedades para a economia do
país:
No Brasil, as sociedades limitadas representam 98,93% das
sociedades constituídas no período de 1985 a 2005. No ano de 2005, elas
representaram 98,53% de todas as sociedades constituídas. Vê-se, pois,
claramente que tal tipo societário vem desempenhando papel fundamental
no dia-a-dia da economia do país. Conquanto não represente tanto
investimento quanto às sociedades anônimas, é certo que tal tipo societário
desempenha uma posição de destaque na vida econômica do país,
72
sobretudo pelo elevado número de relações nas quais está presente.
Igualmente observando o prestígio alcançado no Brasil pelo tipo societário
em estudo, bem como, sua maciça presença na vida econômica dos pais, pondera
Fábio Ulhoa Coelho que a sociedade limitada é o tipo de maior presença na
economia brasileira. Tendo sido introduzida em nosso direito em 1919, hoje ela
representa mais de 90% das sociedades empresárias registradas nas Juntas
Comerciais. O autor atribui o sucesso a duas de suas características, são elas: a
limitação da responsabilidade dos sócios e a contratualidade.
70
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.381.
71
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 3029.
72
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São
Paulo: Atlas, 2008. p.326. v.1.
23
2.3
A
POSSIBILIDADE
DE
EXISTÊNCIA
UMA
SOCIEDADE
LIMITADA
UNIPESSOAL NO BRASIL
O Direito Brasileiro ainda não contempla a sociedade limitada unipessoal
originária, diferentemente do que ocorre na Alemanha. No Brasil trabalha-se com a
idéia de que a sociedade é uma reunião de duas ou mais pessoas. Logo a presença
de mais de uma pessoa é requisito específico, no Brasil, para a constituição de uma
sociedade limitada. Porém, existe a possibilidade de uma sociedade limitada
constituída por dois ou mais sócios transformar-se em uma sociedade unipessoal
com a retirada de um deles, ou seja, restando apenas um sócio. É a sociedade
unipessoal derivada, que, segundo a legislação brasileira, poderá vigorar somente
pelo período de até cento e oitenta dias.
Quanto à vedação à unipessoalidade originária e a possibilidade de
existência de uma sociedade unipessoal derivada da sociedade limitada, admitida
transitoriamente no Brasil, Waldo Fazzio Júnior comenta:
A falta de recomposição da pluralidade social, no prazo de 180
dias, determina a dissolução da sociedade.
Se a finalidade do CC de 2002, ao tolerar a unipessoalidade
temporária é a preservação da empresa, poderia ter repetido a regra da
LSA, concedendo o prazo de um ano para a restauração do plural.
O direito brasileiro não adotou a sociedade originariamente,
unipessoal de responsabilidade limitada, admitindo-a transitoriamente, em
nome da preservação da empresa. Para o direito brasileiro, a
unipessoalidade de origem e natureza societária como um contrato
73
plurilateral colocam-se em frontal contradição.
O professor Fabio Ulhoa Coelho74 explica que a pluralidade de sócios,
juntamente com a affectio societatis é um dos pressupostos de existência da
sociedade no Direito Brasileiro. Assim, havendo a falta de um desses pressupostos
não teremos a invalidação do contrato social, mas sim a dissolução da sociedade.
Logo o direito brasileiro não admite a limitada originariamente unipessoal. Explica o
autor:
O primeiro pressuposto de existência do contrato social é o
entendimento entre pelo menos dois [grifo no original] sócios. Como a
limitada é constituída por contrato, e ninguém pode contratar consigo
73
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 290-291.
74
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.399.
24
mesmo, são necessários ao menos duas pessoas (físicas ou jurídicas) para
a constituição da sociedade. No Brasil não se admite a sociedade limitada
constituída [grifo no original] unipessoalmente. A única hipótese legal de
unipessoalidade originária encontra-se, entre nós, na subsidiária integral,
que é a sociedade anônima constituída mediante escritura pública, por
iniciativa de sociedade brasileira, subscritoras de todas as ações emitidas.
Nascida da vontade de um único sujeito de direito, a subsidiária integral é
exemplo de sociedade institucional, ou seja, não se constitui por contrato.
Aregral do direito societário nacional, portanto, é a da que a sociedade
limitada só pode constituir-se pela manifestação convergente da vontade de
dois ou mais sócios. Sem o atendimento a esse pressuposto de existência,
75
não se forma o contrato social.
Igualmente, Fábio Ulhoa Coelho relata ser a unipessoalidade na sociedade
limitada uma das causas de dissolução total da sociedade, só sendo admita
temporariamente por cento e oitenta dias:
A unipessoalidade é causa de dissolução total da sociedade
empresária, visto que o direito brasileiro só admite uma hipótese de
sociedade com um único sócio, a subsidiária integral, necessariamente uma
sociedade por ações. Sempre que, por alguma razão - sucessão por ato
inter vivos ou mortis causa [grifos no original] na titularidade das cotas
sociais, etc.-, todas as cotas representativas do capital social de sociedade
contratual forem reunidas sob a titularidade de uma só pessoa física ou
jurídica, a sociedade deverá ser dissolvida. A dissolução não é imediata,
assegurando-se ao sócio único as condições para negociar o ingresso de
mais uma pessoa na sociedade. A lei fixa como prazo para o
restabelecimento da pluralidade o de 180 dias. Vencido este se mantendo a
concentração da totalidade das cotas sociais nas mãos de uma única
76
pessoa, deve ser dissolvida a sociedade contratual.
Sobre o mesmo tema, o referido autor, em obra destinada a tratar especifica
e exclusivamente de sociedades limitadas, pondera:
Na sociedade limitada, a pluralidade de sócios deve ser
restabelecida no prazo de cento e oitenta dias seguintes ao evento que
produziu a unipessoalidade, independente das assembléias ou reuniões de
sócios. (CC, art. 1.033, IV).
Vencido o lapso legal de sobrevivência sem admissão de pelo
menos um sócio, a sociedade empresária se dissolve e deve ser liquidada.
Se o sócio único, contudo, deixa de promover os atos de encerramento da
pessoa jurídica, e continua esta operando, configura-se a situação da
sociedade irregular. Ele passa a ter responsabilidade ilimitada pelas
77
obrigações sociais.
75
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.399.
76
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 175.
77
COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
147.
25
Gladson Mamede78 também refere ocorrer a dissolução total da sociedade
limitada diante da unicidade social, ou seja, quando resta apenas um sócio, sem que
a pluralidade daquela sociedade seja reconstituída em até cento e oitenta dias.
Quanto à aceitação pela legislação brasileira da unipessoalidade da
sociedade limitada em caráter temporário, a fim de preservar a atividade
empresarial, observa Marcelo Andrade Féres:
Perceba-se que essa disposição não foi concebida para assegurar
a limitação da responsabilidade. Não é essa a finalidade precípua. Ela se
estabeleceu de sorte a evitar a dissolução incontinenti da sociedade quando
se verificasse um único sócio. Sua pretensão é de preservar a vida de uma
empresa, e não de ensejar a limitação da responsabilidade de um sujeito
79
que exerce singularmente o comércio.
A falta de disposição legal no país para acolher a sociedade limitada
unipessoal é um aspecto considerado antiquado do direito empresarial brasileiro.
Fabio Ulhoa Coelho analisa:
A inexistência, no Brasil, da sociedade originariamente unipessoal
representa um traço antigo de nosso direito societário. A figura da
sociedade limitada unipessoal existe já em diversos países europeus. A
inovação deve-se ao Principado de Liechtenstein, que, 1926, introduziu a
sociedade de responsabilidade limitada constituída por uma só pessoa no
80
contexto de sua política da atração de capitais.
José Waldecy Lucena faz critica aberta ao novo Código Civil, em especial ao
ramo do direito societário. Refere como grande atraso legislativo o fato do Código
não ter disciplinado a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada. Comenta o
autor:
Concebido no início da segunda metade do século passado, com
anteprojeto apresentado em 1972, sua data mental [grifo no original] é bem
essa. Os revisores do Código não atentaram- aqui restrita a crítica, que tem
sido generalizada a todo o seu texto, somente a nosso campo de estudopara o profundos avanços ocorridos em direito societário nas últimas
décadas do século passado, e de que é candente o exemplo, para se ater a
somente um caso, a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, há
tempos introduzida em vários países europeus (Alemanha-1980, França1985, Países Baixos e Portugal-1986, Bélgica-1987, Rússia-1998), tanto
que a Comunidade Econômica Européia já cuida de discipliná-la de maneira
81
uniforme em toda a Comunidade.
78
MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: direito societário; sociedades simples e
empresárias. São Paulo: Atlas, 2004. v.2. p.378-379.
79
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 184.
80
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.400.
81
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 32.
26
Na mesma obra, o referido autor retorna a censurar a não recepção da
sociedade limitada unipessoal pelo novo Código Civil brasileiro. Afirma José
Waldecy Lucena:
O ordenamento jurídico brasileiro, apesar de severos reproches
dos mais autorizados juristas, continua fechado à recepção da sociedade
unipessoal, já instituída em inúmeros países (França, Alemanha, Espanha,
Rússia, etc.). Por isso mesmo, inconcebível a postura retrógada do
82
CC/2002, deixando de incluí-la entre as sociedades por ele disciplinadas .
Quanto à distinção entre sociedade limitada unipessoal e o empresário
individual, oportunamente, esclarece o professor Sérgio Campinho:
O exercício da empresa pelo empresário individual se fará sob
uma firma, constituída a partir de seu nome, completo ou abreviado,
podendo a ele ser aditado designação mais precisa de sua pessoa ou
gênero de atividade. Nesse exercício, ele responderá com todas as forças
de seu patrimônio pessoal, capaz de execução pelas dívidas contraídas,
vez que o Direito brasileiro não admite a figura do empresário individual com
responsabilidade limitada e, conseqüentemente, a distinção entre
patrimônio do empresário individual afetado ao exercício de sua empresa) e
patrimônio particular do empresário pessoa física.
Não há que se confundir o empresário individual, com o sócio de
uma sociedade empresária. O sócio, com efeito, não é o empresário, mas
sim integrante de uma sociedade empresária. O empresário poderá ser
pessoa física, que explore pessoal e individualmente a empresa
(empresário individual), do qual estamos agora tratando, ou uma pessoa
jurídica, a qual, detentora de personalidade jurídica própria, distinta de seus
membros, exerce diretamente a atividade econômica organizada (sociedade
83
empresária).
É indispensável que com tal explicação reste aqui clara a distinção existente
entre a sociedade limitada unipessoal originária, sem previsão legal no Brasil, e o
empresário individual, pessoa física titular da empresa, com previsão legal no país.
3 SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL, UMA REALIDADE
No último capítulo, constata-se que a sociedade limitada unipessoal
originária é hoje, como bem ilustra o título, uma realidade que se impõe.
Inicialmente, aborda-se a sociedade limitada unipessoal na Comunidade Européia.
Em seguida, são observados mais alguns pontos acerca da sociedade em questão
na Alemanha. Após, verifica-se o que ocorre na prática no Brasil, quanto à
82
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 827.
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.p.12-13.
83
27
sociedade limitada e a impossibilidade da criação de uma sociedade limitada
originária. Conclui-se o capítulo com algumas considerações acerca da matéria.
3.1 NA COMUNIDADE EUROPÉIA
Fábio Tokars84 observa que A XII Diretiva da Comunidade Econômica
Européia, editada em 21 de dezembro de 1989, apontou para o reconhecimento da
sociedade unipessoal originária, com responsabilidade limitada, naquele continente.
Fato que já se dava na Dinamarca (Lei de 13.06.76), Alemanha (GmbH Novelle,85 de
04.07.80), França (Lei de 11.07.85), Holanda (Lei de 16.05.86) e Bélgica (Lei de
14.07.87) Deste modo, em atendimento à Diretiva, outros países acolheram a
sociedade unipessoal originária, entre os quais a Itália (Decreto legislativo de
03.03.93) e a Espanha (Lei de 23.03.95).
Sebastião José Roque86 esclarece: “As diretivas são resoluções (de
organizações internacionais), dotadas de força obrigante, mas deixam aos Estadosmembros a faculdade de adotar modos necessários à aplicação das decisões”.
Tendo em vista os efeitos que a XII Diretiva da Comunidade Européia
operou nas legislações dos países daquele continente, Christian Fritz comenta:
Em 1989, a 12ª Diretiva da Comunidade Européia, sobre sociedade,
norteou os estados-membros a incorporarem a sociedade limitada
unipessoal. A partir de então ela se difundiu e foi introduzida em Portugal,
87
Espanha, Itália, Luxemburgo, Reino Unido e Grécia.
Relata Marcelo Andrade Féres,88 quanto a aludida Décima Segunda Diretiva
da Comunidade Econômica Européia, que ela é extremamente flexível, uma vez que
não traz em seu bojo normas imperativas que não possam ser contornadas por
opções outras dos Estados-membros. Nesse sentido, a Diretiva não reclama forma
única para a sociedade unipessoal.
84
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p.487.
Nova Lei da Ltda. alemã [tradução nossa].
86
ROQUE, Sebastião José. Direito internacional público. São Paulo: Hemus, 1997. Apud TOKARS,
Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p.487.
87
FRITZ, Christian. Die Gesellschaft mit beschränkter Haftung in der EU.Viena: Linde, 1996 Apud
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.400.
88
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.191.
85
28
Mais uma vez referindo-se a mesma Diretiva da Comunidade Européia,
Marcelo Andrade Féres89 observa que resta patente a opção comunitária por trilhar o
caminho da sociedade unipessoal, admitindo-a nas formas originária ou derivada.
Ressalta que a Diretiva não exigiu qualidades específicas desse sujeito, podendo
tanto as pessoas naturais, quanto as jurídicas constituir sociedades unipessoais.
Complementa o referido autor sobre a adoção da sociedade unipessoal pela
Comunidade Européia:
Essas sociedades foram consagradas no Direito Europeu como o
mecanismo mais eficiente a se desincumbir da árdua tarefa da limitação da
responsabilidade.
A maior prova dessa preferência européia é adoção de normas de
Direito Comunitário, que buscam a harmonização da categoria no âmbito
interno dos vários Estados-membros Quer-se efetivar a isonomia na CEE,
regulando de maneira uniforme ou, ao menos, aproximada a limitação da
responsabilidade patrimonial dos que exercem singularmente atividades
econômicas.[...]
Os variados Estados-membros da CEE já regularam nos seus
âmbitos internos a sociedade unipessoal[...].
Sobre a relativa flexibilidade da mencionada Diretiva, observa Spilios
Mousoulas:
A décima segunda diretiva do Conselho da Comunidade, adotada
em 21 de dezembro de 1989, relativa à sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada, constitui um texto “flexível”, cujo objetivo é não
erguer obstáculo à organização pelos Estados-membros, e segundo suas
90
próprias concepções jurídicas, da empresa unipessoal.
O Fábio Tokars91 também ressalta que a orientação contida na referida
Diretiva indica a importância mundial e a atualidade do tema, o que poderia atuar
como elemento impulsionador da realização de estudos específicos sobre a matéria
no Brasil.
3.2 NA ALEMANHA
89
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p .202.
90
MOUSOULAS, Spilios. 1990 Apud FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito
comunitário europeu. In: SANTOS, Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito
comercial em homenagem a Celso Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.189.
91
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p.487.
29
Conforme analisado anteriormente neste trabalho, há muitos anos existe na
Alemanha a possibilidade de constituição de uma sociedade limitada originária
unipessoal.
Já as alterações legislativas relativas à sociedade limitada alemã, que
resultaram na Lei de 4 de julho de 1980, com vigência a partir de 1º de janeiro de
1981, possibilitaram a constituição da sociedade limitada unipessoal originária na
Alemanha. Ressalta José Waldecy Lucena:
Do conjunto de reformas introduzidas sobressai a permissão de
constituição de sociedade unipessoal, seja de forma originária, seja de
forma derivada, podendo, assim, a sociedade unipessoal transformar-ser
92
em pluripessoal e esta naquela.
Também o professor Fran Martins93 refere que o legislador alemão desde a
Lei de sociedades limitadas, datada de julho de 1980, recepciona a criação da
sociedade limitada por uma ou várias pessoas.
Marcelo Andrade Féres94 ressalta que na Alemanha, berço das sociedades
limitadas no século XX, desde 1980 existe previsão legal para a constituição da
sociedade limitada unipessoal originária. A respeito do regime jurídico dessa
sociedade unipessoal, menciona que a Lei exige um mínimo de capital social para
sua constituição e que a Lei regula várias responsabilidades especiais a fim de se
evitar abusos, como, por exemplo, a responsabilidade do fundador e do sócio único
gerente. Reporta que os atuais problemas da sociedade unipessoal são os mesmos
existentes no regime jurídico das sociedades limitadas em geral, não havendo
problemas específicos advindos da singularidade do sócio
Na própria definição do termo sociedade unipessoal em dicionário jurídico
alemão, encontra-se referência à sociedade limitada de uma só pessoa, assim
descreve Gerhard Köbler95 a sociedade unipessoal: “Einmammgesellschaft: ist – nur
92
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 170.
94
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.200.
95
KÖBLER, Gerhard. Juristisches Wörterbuch: für Studium und Ausbildung.14.Auflage.
München: Verlag Franz Vahlen, 2007.p.114.
93
30
bei Kapitalgesellschaften (§ 2 AktG, § 1 GmbHG) mögliche - nur aus einem
Gesellschafter bestehende Gesellschaft.[...]”.96
No que se refere à sociedade limitada unipessoal na Alemanha, Friedrich
Kübler97tece
o
seguinte
comentário:
”Dabei
handelt
es
sich
meist
um
Familiengesellschaften oder um andere „personalistische“ Kapitalgesellschaften mit
wenigen
Gesellschaftern.
Eine
nicht
unbedeutende
Rolle
spielt
auch
die
Einmanngesellschaft.98
Paula Coelho99 relata que a mais recente Lei de sociedade limitada alemã
(em vigor desde novembro de 2008), além de mais uma vez recepcionar a
sociedade limitada unipessoal, ainda facilita a constituição de sociedades limitadas
com um único sócio, visto que, a anterior exigência de uma garantia especial foi
agora dispensada.
Quanto à relevância das sociedades limitadas unipessoais na Alemanha,
assevera Lutz Michalski: “Hoje na Alemanha 25% das sociedades limitadas são de
caráter unipessoal.”100
3.3 NO BRASIL
Ainda que o legislador brasileiro não tenha contemplado a possibilidade de
constituição de uma sociedade de responsabilidade limitada originalmente
unipessoal no país, Waldo Fazzio Júnior ressalta:
E continuarão existindo sociedades limitadas aparentemente
plurais, nas quais um dos sócios detém a esmagadora maioria do capital
social e o outro, detentor de quase nada, é mero artifício pragmático para
101
justificar a pessoa jurídica.
96
Sociedade unipessoal: só é possível para sociedade de capital. É a sociedade formada por apenas
um sócio. (§ 2 da lei da sociedade anônima alemã, § 1 da lei de sociedade limitada alemã).
97
KÜBLER, Friedrich.Gesellschaftsrecht: die privatrechtlichen Ordnungstrukturen und
Regelungsprobleme von Verbänden und Unternehmen, ein Lehrbuch. Heildelberg; Karlsruhe:
Müller,1981.p.220.
98
Trata-se, na maioria das vezes, de sociedades familiares ou outras sociedades de capital
”personalistas” com poucos sócios. Também as sociedades unipessoais desempenham um papel não
pouco relevante. [tradução nossa].
99
COELHO, Paula. Cartas da Europa: país em foco Alemanha. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br> Acesso: em 03 abr. 2009.
100
MICHALSKI, Lutz. Kommmentar zum Gesetz betreffend die Gesellschaften mit beschänkter
Haftung(GmbH-Gesetz). München, 2002. Apud CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do
novo Código Civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.133.
101
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 291.
31
Sérgio Campinho102 observa que na vigência da atual legislação nada impede
que um empresário, cujo patrimônio individual responderia ilimitadamente pelas
obrigações contraídas no exercício de sua empresa individual, simule, com a
colaboração de um testa-de-ferro, a formação de uma sociedade limitada, de capital
mínimo, de sorte que aquele empresário passe a gozar de limitação da
responsabilidade, passando os credores a ter como garantia mínima o patrimônio da
sociedade:
Também Marcelo Andrade Féres comenta que, apesar da legislação em
vigor no Brasil vetar a criação de sociedade limitada originária, não é incomum que
muitos se utilizem de meios oblíquos para alcançar a limitação da responsabilidade
patrimonial. Assinala o autor:
Na praxe societária brasileira, no entanto, os sujeitos encontram
meios oblíquos de limitação de suas responsabilidades. É muito comum a
constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, em que
uma pessoa, que verdadeiramente tinha a pretensão de exercer o comércio
sozinha, detendo 99% do capital social, associa-se a outra, que a seu turno,
subscreve o 1% restante. Isso é suficiente para balizamento dos riscos
patrimoniais. [...]
Analisando a situação dessas sociedades em face da ordem
jurídica brasileira, restam patentes sua validade e sua eficácia enquanto
técnica de limitação de responsabilidade. Pode-se, quando muito, dizer que
esse arranjo constitui uma simulação inocente ou mesmo um negócio
jurídico indireto, mas não se pode, de modo algum, macular sua eficácia ao
argumento único da desproporcional distribuição das partes sócias entre os
sócios; a legislação brasileira não regula, em regra, a distribuição censitária
das participações societárias.
Contudo, a criação dessas sociedades requer o concurso de
sujeitos outros que, muitas vezes, não são pessoas vocacionadas ao
exercício do comércio ou tampouco têm boa disposição para tanto. A
propósito, em alguns episódios da jurisprudência, essas sociedades têm
demonstrado aos sócios minoritários a inconveniência de sua participação,
como por exemplo, em responsabilidades tributárias, em responsabilidades
103
penais e cíveis no caso de falência, sucessão trabalhista, etc.
Fábio Ulhoa Coelho critica as disposições legais, que impedem a
constituição de uma sociedade limitada unipessoal originária no Brasil. O autor bem
ilustra como, por meios lícitos, consegue-se a pluralidade de sócios em uma
sociedade limitada, que de fato configura-se como unipessoal:
“Por ouro lado rejeitar a sociedade limitada originariamente
unipessoal na origem é um despropósito, porque é fácil configurar-se o
102
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.141.
103
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 184-185.
32
contrato social de modo a alcançar resultados bem próximos aos da
unipessoalidade originária, atuando estritamente no campo do lícito. De
fato, como não há, na lei, percentual mínimo para a participação do sócio, o
empreendedor que dispõe, sozinho, dos recursos necessários a
implantação da empresa, e deseja beneficiar-se da limitação da
responsabilidade, decorrente da personificação da sociedade limitada, pode
constituí-la com um irmão ou amigo, a quem reserva uma reduzidíssima
participação. O empreendedor, por exemplo, subscreve 99,99% do capital e
seu sócio 0,01%. A sociedade assim formatada atende ao pressuposto da
pluralidade de sócios, mas, convenha-se, não apresenta nenhuma diferença
em termos econômicos, da figura da sociedade limitadas constituída por
104
único sócio (ou empresário individual de responsabilidade limitada).
A respeito do tema em questão, Eduardo de Souza Carmo,105 igualmente,
ressalta a utilização de meios indiretos para a constituição de uma da sociedade
limitada unipessoal no Brasil. Afirma que a sociedade unipessoal limitada existe ex
facto no Brasil, porém, está ela velada sob o manto da dissimulação das pessoas
jurídicas criadas, desenvolvidas e engrandecidas com a pluralidade, ou na maioria
das vezes, com a dualidade apenas aparente de cotistas.
3.4 CONSIDERAÇOES SOBRE A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
Fábio Tokars106 assevera que a sociedade unipessoal mostra-se como um
fenômeno jurídico recente, estando superada a fase em era tratada como mera
curiosidade científica, sendo hoje uma categoria jurídica própria e autônoma em
diversos ordenamentos jurídicos.
O referido autor107 pondera ainda, que a única referência normativa anterior
ao atual movimento de acatamento legislativo da sociedade unipessoal é encontrada
na legislação comercial de Liechtenstein. Contudo, a fama de paraíso fiscal, que
muitas vezes identificou o principado, fez com que esta sociedade ali prevista fosse,
durante muitos anos, considerada não um sinal de modernidade legislativa, mas sim
como a criação de um mecanismo possibilitador do cometimento de fraudes.
Todavia, hoje se pode identificar uma sólida presença normativa da sociedade
limitada unipessoal no direito comparado.
104
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13.ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.401.
105
CARMO, Eduardo de Souza. Sociedade unipessoal por cotas de responsabilidade limitada. In
CORREA-LIMA, Osmar Brina (coord.). Atualidades jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. Apud
FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (coord.). Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso
Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 184.
106
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p.484.
107
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p.484.
33
Quanto a problemas que poderiam surgir, uma vez que o Brasil adotasse a
sociedade limitada originariamente unipessoal, um deles seria o de sua
classificação. Aponta Fran Martins108 que a sociedade limitada originariamente
unipessoal não poderia ser incluída entre as contratuais, devendo ser considerada
um exemplo de sociedade institucional.
Fábio Ulhoa Coelho109 assevera que tal debate é infértil porque a pesquisa
da classificação de uma sociedade segundo o regime constitutivo e dissolutório só
tem utilidade na solução de problemas práticos, relacionados a conflitos entre os
sócios. Há determinadas situações, em que os interesses dos sócios se
antagonizam em tal medida que ocorre o desfazimento do vínculo entre eles. Porém,
na sociedade limitada unipessoal não há tal possibilidade, pois o sócio único
manifesta apenas um interesse. Logo, o afirmar que o caráter contratual seria uma
dificuldade para a sua implantação no Brasil seria em falso problema.
Outro suposto problema da recepção da sociedade limitada unipessoal no
Brasil é descrito por Sérgio Campinho:
Como conceito, a limitação da responsabilidade, ao contrário do
que muitos afoitamente possam vir a pensar, é fonte propulsora de
desenvolvimento econômico e social, na medida em que propicia o
exercício mais seguro da empresa e fomenta, via de conseqüência, a sua
proliferação, gerando empregos, tributos e a produção de bens e serviços
para a comunidade.
O modelo jurídico deve se preocupar em coibir eventuais abusos,
punindo com rigor as condutas ilícitas daqueles que almejam valer-se da
limitação da responsabilidade para fraudar credores. Dita delimitação não
pode servir de escudo a condutas inescrupulosas, mas sim permitir que o
sujeito que desempenha a atividade empresarial possa estabelecer
fronteiras de comprometimento patrimonial que seriam respeitadas, salvo
110
conduta irregular.
Analisando a possibilidade de mudança no direito societário brasileiro,
quanto à implantação de uma sociedade limitada unipessoal, Fábio Ulhoa Coelho111
conclui que é oportuna a mudança, haja vista o exemplo do direito comparado; a
inexistência de obstáculos conceituais intransponíveis; a hipótese legal de
108
MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. São Paulo: Saraiva, 1988. Apud
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13.ed. São Paulo: Saraiva,
2009. v. 2. p.400.
109
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.400.
110
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.136.
111
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 2. p.401.
34
unipessoalidade incidental temporária da limitada e ainda a possibilidade de
frustração lícita da exigência da pluripessoalidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo final, ao cotejar a sociedade limitada na
Alemanha e no Brasil, analisando a possibilidade de constituição de uma sociedade
limitada unipessoal em ambos os países, propor uma reflexão sobre a inexistência
regulamentação legal da sociedade limitada unipessoal originária em nosso país.
Primeiramente, examinou-se a sociedade limitada na Alemanha. Observouse o surgimento das sociedades limitadas e o pioneirismo alemão em legislar, pela
primeira vez, sobre a matéria. Em seguida, foram estudadas as alterações havidas
nas disposições legais, que regulam a sociedade limitada naquele país. Logo, foi
abordada a possibilidade de constituição de uma sociedade unipessoal originária,
contemplada pela legislação alemã desde 1980.
Em um segundo momento, analisou-se a sociedade limitada no Brasil. Foi
mostrado o surgimento do tipo societário no país através do Decreto n. 3.708 em
1919. Foram examinadas, mais detalhadamente, as atuais disposições legais quanto
a sociedade limitada, agora regida pelo Código Civil brasileiro de 2002. Também se
verificou qual a possibilidade de existência de uma sociedade limitada unipessoal no
Brasil. Ilustrou-se, que aqui ela só pode vigorar temporariamente, por um período
máximo de cento e oitenta dias, a fim de que se recomponha a pluralidade social.
Por fim, no último capítulo, observou-se que a sociedade limitada unipessoal
é hoje uma realidade inquestionável. Abordou-se o tema quanto à Comunidade
Econômica Européia e as disposições dadas pela sua décima segunda Diretiva. Em
seguida, mais uma vez, foram descritas algumas particularidades da sociedade em
questão na Alemanha. Logo, verificou-se que no Brasil, embora não seja
contemplada pela legislação, inúmeras vezes, a sociedade limitada unipessoal
originária ocorre na prática de forma dissimulada, visto que são constituídas
sociedades limitadas com uma pluralidade de sócios artificial. Ainda no mesmo
capítulo, foram feitas algumas considerações acerca do tema.
Visou-se, mais especificamente, mostrar que nem mesmo a falta de previsão
legal no Brasil de uma sociedade limitada unipessoal é empecilho suficiente capaz
35
de obstar a constituição de fato dessa sociedade no país, ainda que para tanto
sejam utilizados artifícios e meios oblíquos.
Como na Lei brasileira não existe percentual mínimo para a participação
social na sociedade limitada, inúmeras vezes há sociedades legalmente constituídas
em que um único sócio detém a esmagadora maioria do capital social; enquanto o
outro detém participação mínima, podendo-se dizer simbólica. Ora, nesses casos foi
encontrado um artifício jurídico para atingir a pluralidade social necessária à
constituição de uma sociedade limitada. São hipóteses em que uma sociedade
limitada é constituída apenas para justificar a pessoa jurídica e a conseqüente
limitação da responsabilidade daquele que, originariamente, pretendia desempenhar
sozinho a atividade empresarial, todavia, busca a limitação da responsabilidade a
fim de melhor dimensionar os riscos dessa atividade. Há que se ressaltar, ainda, que
nesses casos há o ingresso na sociedade de “sócios de fachada”, muitas vezes,
sem aptidão para o exercício da atividade empresarial. Contudo, ainda que
detentores de um percentual mínimo da sociedade, responderão pelas dívidas dessa
sociedade em caso de falência.
Percebe-se que os problemas alegados como impeditivos da constituição de
uma sociedade limitada unipessoal no país são irrisórios, uma vez que uma das
maiores dificuldades apontadas é a de classificação do novo tipo como uma
sociedade contratual ou institucional. Tal fato não significa um empecilho para sua
recepção por nossa legislação, requer apenas uma nova adequação da classificação
à sociedade limitada unipessoal.
Observa-se também que a alegação de que a limitação da responsabilidade
do sócio único poderia levar ao cometimento de fraudes, também não constitui fato
impeditivo para a recepção da sociedade limitada pelo direito brasileiro, uma vez que
tal possibilidade existe no exercício de toda e qualquer atividade empresarial,
indiferentemente do tipo societário. Seriam sim, necessários dispositivos legais para
coibir condutas fraudulentas ou ilícitas, que viessem a ser praticadas pelo sócio
único da sociedade limitada, dispositivos esses que se fazem necessários para
coibir abusos de sócios em qualquer tipo de sociedade empresarial.
Observa-se que se faz necessária a limitação da responsabilidade daqueles
que exercem singularmente atividades econômicas, possibilitando a constituição de
sociedades limitadas unipessoais. Tal limitação da responsabilidade é importante a
fim de melhor dimensionar os riscos da atividade empresária exercida por um único
36
sócio. Além disso, a limitação da responsabilidade, diferentemente do que muitos
alegam, é fator que impulsiona a criação de novas sociedades empresariais e,
conseqüentemente, é fonte de desenvolvimento econômico para o país.
A partir destas constatações pondera-se, como já afirmado por alguns
doutrinadores estudados no presente trabalho, que continuar rejeitando a sociedade
limitada unipessoal originária é negar a realidade.
Conclui-se, ao final deste trabalho, a relevância de uma regulamentação
legal da sociedade limitada unipessoal no Brasil.
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