O PODER DAS IDEIAS Por Ricardo Vargas* Artigo publicado na Revista Executive Digest, n.º 2, Maio de 2006 Quando o tema é ideias é preciso esforçar-nos por ir além das ideias feitas. Todos somos capazes de as reconhecer, porque todos as ouvimos, ou dissemos, mais do que uma vez. É, por isso, impossível escapar-lhes: “As empresas precisam de ideias para progredir.” “A inovação é feita de ideias.” “Precisamos de ideias para melhorar o que fazemos.” “São as novas ideias que fazem avançar o mundo.” “Sem boas ideias não resolvemos problemas nem nos mantemos competitivos.” Mas o que são boas ideias? Como distingui-las das ideias vulgares? Como aproveitá-las? Se as respostas a estas questões fossem fáceis não sentiríamos tanta necessidade de novas ideias, já que elas surgiriam e seriam aproveitadas com naturalidade, no decorrer das nossas actividades quotidianas. Então, como avaliar a qualidade de uma ideia? A qualidade das ideias é muitas vezes confundida com a sua aplicabilidade. Habitualmente, consideramos boas as ideias que podem ser praticadas, implementadas, com benefícios facilmente comprováveis. O que é interessante e paradoxal, porque para serem implementáveis e rentáveis as ideias não podem estar muito longe do que sabemos ou conseguimos fazer hoje. Quanto mais vulgar for uma ideia, mais fácil se torna demonstrar como pode ser implementada. Pelo contrário, quanto mais inovadora for, mais difícil se torna aceitá-la e entender os seus benefícios. A história do desenvolvimento humano está cheia de exemplos de excelentes ideias cuja aceitação e implementação demorou um tempo que hoje nos parece absurdo, dada a sua enorme qualidade. No entanto, para a maioria das pessoas, essa qualidade só é evidente em retrospectiva. O Almirante Hyman Rickover, da Marinha dos EUA, disse que no início da energia nuclear, conseguir aprovação para construir o Nautilus – o primeiro submarino nuclear – foi quase tão difícil como desenhá-lo e construí-lo. As boas ideias nem sempre são fáceis. Não se deixam fixar em lugares comuns e frases feitas. Desafiam o que sabemos, são contra-intuitivas, difíceis de entender ou de aceitar. As ideias feitas, pelo contrário, são sedutoras, intuitivas, imediatas. Dão-nos a sensação de conhecer a realidade, enchem-nos a boca de certezas. Por isso lhes é tão fácil bloquear as primeiras, porque já são praticadas hoje, enquanto aquelas não passam de simples... ideias. Qualquer pessoa sem ideias pode minimizar a importância de uma ideia inovadora, simplesmente perguntando: “Afinal, como pode isso ser implementado?”. A praticabilidade de uma ideia não é um bom critério de avaliação para a sua pertinência ou qualidade. “Não há nada mais poderoso do que uma ideia cujo momento chegou” escreveu Victor Hugo. Esta afirmação conjuga dois conceitos interessantes: em primeiro lugar defende que o poder das ideias é maior do que qualquer outro, em segundo lugar que as ideias poderosas vêm antes do seu tempo. Mas deixa em aberto duas questões importantes. A primeira é: o que faz com que o momento de uma ideia chegue? Basta esperar? O momento de uma ideia não é apenas questão temporal. Ele acontece quando existe um conjunto suficiente de pessoas que entende a ideia e é capaz de a implementar, de a relacionar com as actividades quotidianas. Só quando existe uma comunidade que entende, aceita e perfilha uma ideia é que o seu momento chega e ela pode ser implementada. É a partir daí que o seu poder se manifesta. Aqui entramos no domínio da segunda questão em aberto: que poder é esse, o das ideias? O poder das ideias é o de transformar a vida das pessoas, de modificar a vivência quotidiana, a forma como se produz, relaciona, comunica, trabalha... O poder de uma ideia é a capacidade de transformação que ela encerra. E esta é inversamente proporcional à sua aplicabilidade imediata. A transformação é tanto maior quanto mais nos obrigar a mudar as práticas existentes. As boas ideias vêm antes do seu tempo por uma razão simples: porque nos incitam a desenvolver nova tecnologia, novos conceitos, novas competências que permitam implementá-las. É exactamente por serem boas que as melhores ideias não são implementáveis hoje, porque nos levam a ser melhores do que somos, procurando criar as condições para as levar à prática. É o poder das ideias que nos faz imaginar um mundo onde sejam aplicáveis. É o nosso esforço para criar esse mundo que atribui às ideias o seu poder. As boas ideias não são fins em si mesmas, são pontes de passagem para novas realidades, portas abertas para novas acções. Cabe a cada um de nós ser capaz de entender as condições da sua aplicabilidade e de as criar ou, pelo menos, de reconhecer quando outros as criaram. E este é o principal obstáculo às boas ideias: a capacidade de quem com elas contacta para mudar as suas metodologias de trabalho e a sua maneira de entender a realidade para testar a validade delas. A vontade de suspender o julgamento sobre a aplicabilidade imediata para se interrogar: como seria o mundo, a empresa, a equipa, em que esta ideia é praticável? Quem primeiro conseguir criar tal mundo é quem primeiro acede ao poder das ideias, realizando-o. Tudo o que hoje é praticável é resultado de ideias feitas. É preciso ser capaz de nos distanciarmos delas para que as boas ideias possam manifestar o seu poder de transformação. Afinal, a maioria do que hoje damos como adquirido já pertenceu um dia ao domínio do impossível. Foi apenas porque alguém persistiu numa boa ideia contra as ideias feitas que tudo o que é melhor se tornou real. * Ricardo Vargas é consultor e conferencista internacional; especialista em desenvolvimento de líderes. Partner da TMI Portugal é também fundador da empresa de consultoria PlanB International. Divide a actividade de consultoria com a escrita de livros de gestão, publicados em Portugal, Espanha e Brasil. E-mail: [email protected] ©2006 Ricardo Vargas