A Édipo é rei de Tebas e vê o seu poder legitimado pelos deuses ao acabar com a peste na cidade. Porém, a escolha dos deuses não é aleatória e simboliza o carácter excepcional do homem que salvou Tebas e decifrou o enigma da esfinge. Virar as costas aos desígnios divinos não era prática usual nos homens da Grécia antiga e os que tinham coragem para o fazer recebiam o estatuto de heróis. Estes homens, os malogrados heróis, eram alvo das maiores honras, bem como das maiores desgraças. Enfrentar o ímpeto divino não podia passar incólume. Assim, Édipo é o herói trágico por excelência, bem mais do que um rei subordinado aos deuses. Ao longo da tragédia, parece fugir incansavelmente do destino que lhe foi traçado e recusa-se a ficar sentado à espera que a verdade o encontre. À medida que a teia se vai enrolando o carácter heróico de Édipo manifesta-se cada vez mais. Ele procura descobrir quem é e agir autonomamente. Fá-lo quando mata Laio, pois extravasa o poder atribuído pelos deuses. Perante as suposições, Édipo não teme as possíveis consequências nefastas. Aliás, é ele quem toma a iniciativa de descobrir o assassino de Laio. Mais à frente, afirma “E estas desventuras ninguém mais, senão eu mesmo, as fez nascer, lançando sobre mim mesmo tais maldições”. Neste momento, começa já a entender os indícios. Mas, como herói que é, não foge e, inclusive, escolhe as consequências dos seus actos: “Que eu não possa, ó temor sagrado dos deuses, ver a luz deste dia, mas do convívio dos homens eu me aparte, antes de ter de ver a vergonha de tal crime sobre mim recair.” Apesar de tudo, Édipo não se basta com as palavras de Jocasta e pretende descobrir por si mesmo toda a verdade. Por isso, solicita a presença do mensageiro de Corinto e com a chegada deste todo o episódio se revela. O mensageiro, ao dirigir-se inicialmente a Jocasta, afirma que traz boas novas. Mas que boas novas serão? Édipo será proclamado rei pelos habitantes da terra de Istmo, pois Pólibo já não pertencia a este mundo. Ora, mais uma vez o poder real procura interpor-se ao poder heróico. Já antes o tinha feito. Édipo, era anteriormente herói quando assumiu a sua coragem ao fugir de Corinto para não matar seu pai e desposar sua mãe. Mata Laio e torna-se o herói por excelência, aquele não tem medo do destino. Mas, decifra o enigma da esfinge e salva Tebas da peste. Os deuses coroam-no rei e procuram pô-lo sobre o seu jugo. Mas o herói não descansa e pretende saber quem é. Édipo, chama o mensageiro no intuito deste lhe revelar a verdade sobre si mesmo, mas os deuses aliciam-no com o poder de rei. O mensageiro parece vir dissipar toda a dúvida e sofrimento. Porém, a meio do seu discurso revela a verdade: Édipo não é filho de Pólibo, mas foi encontrado no monte Citéron e levado ao rei de Corinto. Apesar da verdade tenebrosa se debruçar rapidamente sobre Édipo, este não a teme e continua a inquirir desenfreadamente o mensageiro. Jocasta decifra o destino trágico e procura dissuadir o marido. Mas o herói não se deixa vencer e não renuncia à descoberta da sua origem. Mesmo perante os indícios de ser filho de escravos Édipo proclama: “Eis a minha origem, jamais a poderei alterar: para que eu hei-de renunciar a conhecer o mistério do meu berço?” Chama então o pastor da casa de Laio, que entregou a criança ao mensageiro. O herói é impetuoso e não se basta com meias verdades. Agora que o caminho já foi principiado há que percorrê-lo até ao fim. É isso que faz Édipo neste episódio. Quer saber a natureza do seu verdadeiro ser e não teme as consequências da descoberta. Com a chegada do mensageiro de Corinto, Édipo passa a fronteira do conhecimento. Não se contenta mais com a narração dos factos, baseada em suposições, feita por Jocasta. Édipo que saber, efectivamente, o que se passou e por isso chama à sua presença personagens que vivenciaram os factos: o mensageiro de Corinto e o pastor. O herói actua, age, luta com o destino e não o teme. Por isso, aparentemente, Édipo parece querer fugir ao destino. Contudo, é no episódio do mensageiro que se revela a sua verdadeira força heróica. Na verdade, ele não foge ao destino, mas procura decifrá-lo por si mesmo. Catarina Abegão Alves B O episódio do mensageiro marca um momento de viragem em Rei Édipo. É o ponto crucial em que, para além do rei e herói, adorado pelos Deuses, se vê um Édipo humano que se tenta esquivar de uma verdade que o apavora. A verdade é exactamente esta: o ser humano acima de tudo; o não poder evitar o destino que lhe é traçado; o não ter sido o herói e o rei que, quer ele quer o seu povo, esperavam que fosse. O mensageiro de Corinto surge como uma verdadeira “mensagem” dos Deuses. Foi por Édipo ter tentado escapar ao horrendo presságio do oráculo que este se concretiza. Por se achar mais forte que a vontade dos Deuses caminhou para a desgraça. Não, não “apaguem as chamas de Delfos”, nem “ calem as aves no ar”. Édipo descobre-se neste episódio. Descobre não só o seu verdadeiro eu, como filho e assassino do rei Laio, amante da sua mãe e pai dos seus irmãos, mas também como um simples mortal que não tem mão no próprio destino, nem foi “marcado pela sorte”. A transformação não se dá do rei para o herói, nem vice-versa, mas sim do excepcional para o comum dos mortais. É isso que a peça de Sófocles tem de brilhante, mostrando-nos as três facetas de um só homem que, sendo extremamente corajoso, inteligente e justo, não deixa de ser um humano à mercê dos jogos divinos. No início do episódio, Édipo é um herói orgulhoso e preocupado em fazer justiça pelo seu povo; no fim não passa de um mortal envergonhado pelo seu crime e o seu destino. Após ouvir parte da história do mensageiro diz não saber quem é, no fim arrepende-se de o ter sabido. Maria Baldaya Botelho