Caren Aline Morsch Radtke1 Danielle Heberle Viegas2 Jan-Jun/2008 3 Museu Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) Resumo Este é um relato de visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), em junho de 2008. A proposta principal é descrever a nossa experiência junto ao Museu, a partir de uma perspectiva reflexiva. Para construir o relato, nos baseamos na proposta de uma cartografia, orientação metodológica baseada no encontro entre pesquisador e objeto, ao lembrarmos os estudos de Deleuze & Guattari. Nossa descrição foi norteada pelos seguintes critérios: o papel do MARGS como um Museu na contemporaneidade; a relação entre público e Museu; a contextualização do MARGS como uma instituição de cultura e memória no passado e no presente da cidade de Porto Alegre. Para finalizar, realizamos uma proposta de como uma visita ao MARGS pode ser explorada didaticamente para o ensino de História e da Arte, em uma perspectiva transversal. Palavras-chave: Museus. Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Educação patrimonial. Ways and other ways for a museum: report of a visit to the Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) Abstract This is a report of a visit to the Museum of Art of Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), in June of 2008. The main proposal is to describe our experience at the Museum, from a reflexive perspective. To build the story, we rely on a proposal of mapping, a methodological approach based on the encounter between researcher and subject, as consider studies by Deleuze & Guattari. Our description was guided by the following criteria: the role of MARGS as a museum in contemporaneity, the relationship between the public and the Museum, the contextualization of MARGS as an institution of culture and memory in the past and present of the city of Porto Alegre. Finally, we conducted a draft of how a visit to MARGS can be conducted for the teaching of History and Art, in a cross-sectional perspective. Key words: Museums. Museum of Art of Rio Grande do Sul. Heritage education. Em torno do Museu: caminhos para o MARGS No vai-e-vem da rota dos guarda-chuvas, seguindo o caminho de uma rua que já foi uma praia, chegamos a uma praça: a praça dos livros, dos desavisados, dos velhinhos do xadrez, das prostitutas, do Quintana, dos índios, das roupas e dos quadros, do Barão de Rio Branco...uma praça que era uma Alfândega, mas, ainda hoje, é metade rio. Todos podem ver: escavações abriram uma fenda no espaço, mas também no tempo daquela praça. Uma escada MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 23 se mostrou, mas não só isso – as camadas de terra por cima de seus degraus, evidenciam sucessivos futuros que atualmente já são passados, agora recompostos: pensamos em como era e como é hoje a praça em que estamos transitando. Olha-se em volta: para além do refúgio de árvores e dos labirintos de ladrilho, ouvem-se resquícios do burburinho humano, que fala alto no calçadão de lojas, e da buzina dos carros e das ambulâncias que, eventualmente, passam na avenida que separa a praça do rio. Fragmentos urbanos. Olhando em torno da praça, vê-se os prédios: grandes, bonitos, suntuosos. Um deles abriga atualmente um banco. O outro já abrigou, mas seu cofre não resguarda mais moedas e sim grãos de café. O Café do Cofre é um dos principais espaços do Santander Cultural, um dos mais chamativos e bem infra-estruturados espaços de divulgação cultural da cidade de Porto Alegre. Em uma pausa, pensamos: até onde nosso caminho continuará marcado ou (des)marcado por culturas (res)guardadas? Seguimos nosso trajeto. A seguir, um prédio amarelo, grande, com um homem-gesso que segura um globo nas costas preso à fachada do edifício. É parecido com outras edificações que já conhecemos. Talvez um pouco maior: tipo antigo, arquitetura bonita, escadas e janelas suntuosas. Estamos agora no Memorial do Rio Grande do Sul. Em nosso esforço de captar como era e como é a praça, sabemos que, em outras décadas, o edifício que observamos era o Correio e Telégrafos do Estado. Algumas poucas pessoas transitam lá dentro. Nas paredes, imagens e letreiros. Perguntamos: que memória queremos preservar? Observamos datas, bustos, nomes, guerras. É a “História do Rio Grande do Sul”, sabemos: em uma visão tradicional e um tanto ufanista. A sensação que os cartazes passam através da linha do tempo é de pouco dinamismo: poucas pessoas conseguem acompanhar a cronologia proposta. Achamos alguns livros no balcão para serem distribuídos. Volumes e temáticas diversas: imigração japonesa, Revolução Farroupilha, Albert Einstein, Giuseppe Garibaldi... Ao olhar para a rua, vemos, entretanto, um quadro diferente do retratado nas colunas da instituição: a praça abriga todos os tipos de história, até mesmo àquelas que ainda não foram contadas. Vêem-se personagens anônimos, excluídos, invisíveis. Alguns caminhos dessa história são até mesmo evitados: dizem que há perigo. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) 24 MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 Palmeiras dividem os espaços – vista Fonte: Fotografia produzida pelas autoras. do Prédio do Memorial do Rio Grande do Sul Nossa sentença original de como a praça era e de como a praça é, se entrecruza não só através das materialidades edificadas na Praça da Alfândega: para além de uma história arquitetônica, da imagem e dos objetos, estão ali também memórias e subjetividades de todos que passam, olham, trabalham, passeiam ou mesmo moram na praça. Os personagens não fazem o cenário, também eles são o próprio cenário. Na porta de saída do Memorial nosso olhar fotografa, entre alguns carros e as imensas palmeiras, nosso ponto de chegada (ou partida?): lá está a sigla que perseguimos pelas placas – MARGS. Algumas questões envolveram nossa atenção nesse primeiro percurso ao redor do Museu que nos propomos a visitar: a primeira delas, diz respeito à sua localização e edificação. O MARGS está posicionado, ou melhor, centralizado, entre outras três principais instituições culturais que constituem o roteiro histórico-turístico oficial da cidade de Porto Alegre: o Santander Cultural, a Casa de Cultura Mário Quintana e o Memorial do Rio Grande do Sul. Sua funcionalidade dentro deste roteiro está, inclusive, alinhavada de acordo com a proposta de cada uma dessas instituições: é caracterizado como um “Museu de Artes”, completado por um “Memorial Histórico”, um centro cultural com atrações diversas e megaCaminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 25 exposições, e uma “casa de cultura” que abriga, entre outras coisas, um cinema, pinacotecas, lanchonetes, livrarias e leva o nome do poeta mais conhecido e popular do Estado: Mário Quintana. Uma segunda questão: as edificações dessas instituições caracterizam uma tendência comum nos espaços culturais da atualidade: a reapropriação de prédios antigos, tombados como patrimônios culturais edificados da Cidade, do Estado ou do País para abrigar espaços de lazer e cultura. Ora, também essa característica - ou até mesmo quando a iniciativa for de origem privada -, reflete o caráter oficial e seletivo que essas instituições se incluem dentro de um panorama cultural. Além do mais, notou-se que essa recuperação dos prédios históricos, utilizados agora como museus, prioriza somente essas instituições reconhecidas oficialmente como casas de cultura ou museus: pelos caminhos que andamos, logo ali em ruas próximas, o patrimônio arquitetônico não-oficial, dos sobrados, das residências, das casas abandonadas, perde-se em meio a construções modernas, não possuem indicações de seu valor e muito menos mostram algum indício de cuidado ou restauro. Dois retratos se antagonizam perante nós: a memória viva da rua, no presente da praça, das ruas de comércio e dos altos edifícios e a memória oficializada e contemplada nas paredes dos centros de cultura. O que observamos por estes caminhos que nos levam até o MARGS, nos serve como ponto de partida. Pensamos: qual a funcionalidade destes verdadeiros monopólios, senão depósitos de “cultura” em meio ao coração do centro urbano de Porto Alegre? Onde tudo acontece: as vendas, as trocas, os furtos – qual a razão da centralização dos museus justamente ali, onde aparecem senão como deslocados da paisagem, como refúgios dentro dela? Remetemos-nos, então, a investigar o Museu de Arte do Rio Grande do Sul Aldo Malagoli, buscando perceber o que ele nos informa nesse sentido. Pausa na caminhada: algumas reflexões Uma pausa para esclarecimentos: toda a nossa escrita está entrelaçada a questões teoricamente formuladas. Nesse sentido, as anotações que realizamos até este momento em nosso diário de bordo (e tudo mais que você ler neste relato de visita) estão fundamentadas em um tipo de olhar específico que usamos para vislumbrar a nossa paisagem de pesquisa. É um olhar diferente do olhar visível que nos acostumamos a utilizar. Trata-se do olhar vibrátil. Nesse sentido, nos remetemos aqui aos estudos de Suely Rolnik (2006, p. 39), leitora e parceira de Deleuze e Guattari, a qual nos explica que através do olhar vibrátil a alteridade é Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 26 apreendida em sua condição de campo das forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nossos corpos sob a forma de sensações. O outro é uma presença constante, parte de nós mesmos. Os nossos fatores de a(fe)tivação em relação ao MARGS mesclam-se entre caminhadas pela cidade, músicas e trabalhos acadêmicos. E assim vamos ao encontro da proposta de compor uma cartografia. Do que se trata? Rolnik (op. cit., p. 29) novamente nos fornece uma importante indicação: A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais universos vigentes tornam-se obsoletos. Ao compor a cartografia de um museu, estamos lidando com a hipótese de que a formação e o desmanchamento de sentidos entre público/instituição e instituição/público, enlaçam e desenlaçam afetos e expressões. Para Kirst (2003, p. 91), a cartografia é mais uma discussão feita a partir de encontros entre sujeito e objeto, do que uma ferramenta metodológica. É isso que nos propomos a fazer neste relato de visita: uma discussão a partir dos nossos encontros com o Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, a cartografia é a nossa prática. Não temos regras fixas, apenas alguns questionamentos para olharmos e produzirmos a nossa paisagem. Assim, o museu é percorrido tal como um mapa: um trecho a cada instante, rastreado em seus diferentes caminhos, que se entrecruzam a todo instante, em um roteiro suscetível de ser montado e revertido inúmeras vezes, a partir de outros olhares. Seguimos então em nossa pausa, refletindo agora sobre arte. É que, nesse relato, procura-se abrir caminhos. Caminhos entre vida, arte, corpo, expressão: cultural, social, representacional. Tanto faz: todas as trilhas se encontram. É que estamos falando de arte, um paradigma estético essencialmente humano, demasiadamente humano. A arte, por muitas vezes, foi tratada dentro da lógica do binário e dualista. Mas os fios condutores dessa lógica se desencapam em instantes menores às dimensões macropolíticas segmentadoras: riscos de giz nas ruas, invenções de si através de palavras soltas, reflexos de imagens não intencionais. A arte produz-se silenciosa e inconsciente de si no pulsar do dia-a-dia da vida, nos modos de vestir, olhar, aparecer e desaparecer, mobiliar, decorar, desarrumar. Viver. Inventar. Criar. Viver, inventar e criar: se, em uma situação hipotética, a arte coubesse em si mesma e não escapasse mais às molduras (reais e imaginárias) que a prendem, a invenção da vida estaria comprometida. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 27 Para Nietzsche a arte é o grande estimulante da vida. Ela elabora o conceito de vida como vontade de potência, e a arte como a vontade criadora dessa potência, quando irrompe com as forças de acomodação e adaptação social. Já assistimos muito a isso: grande parte dos artistas arrombam as portas do seu tempo e forjam a sua arte como uma vontade criadora da vida. Novas vidas, às vezes reconhecidas somente posteriormente. Mas então, a arte produz ou reproduz a realidade? Nem um, nem outro. Aqui, partimos da idéia que a arte inventa a realidade, sendo a invenção não um simulacro, mas antes produção inerente à própria realidade, parte dela, nem interior, nem exterior. Estética enquanto pele. Pele enquanto a maior profundidade que se pode alcançar. A partir dessas perspectivas, podemos pensar em algumas questões que envolvem a arte, a vida, o saber e a sociedade. Mas como diz Mário Quintana (apud NEWBARTH, 2004, p. 213): “não podemos abordar um campo tão plural [a arte] pela mão única de uma determinada disciplina”. É por isso que, nesse texto, contamos, mesmo que invisivelmente, com interlocuções que carregamos em nossa bagagem intelectual, da História, da Antropologia, da Filosofia e quaisquer outras áreas que se propõe a desdobrar as artes enquanto uma dimensão do social. Como em um jogo: o que você pensa sobre arte? O que é arte? Para quem a arte se destina? É um produto ou uma produção? Expressão ou impressão? Apresentação ou representação, enfim? Entre tantos questionamentos, algumas categorias estabeleceram-se como pressupostos básicos para refletirmos sobre arte e são centradas nelas que grande parte das discussões repousam na atualidade. Estão entre essas categorias: a relação entre arte e público; a pluralidade das formas de expressão, dos usos e funções da arte; a conexão entre arte e sociedade(s). A relação entre arte e público é uma das principais problemáticas que se apresentam no momento atual. A relação de distanciamento, mais especificadamente, entre arte e o grande público. Mas essa questão parece estar mais centrada na concepção de arte culturalmente reconhecida: a arte formalizada está afastada da população em geral pelas paredes de grandes museus e galerias de arte. Eis um quesito importante: a arte, não só separada de seu público reconhecedor pelos modos como é feita, mas também pelos locais onde é exposta. Entretanto, aquela arte feita no dia-a-dia, como forma de expressão da vida, está presente e corporificada no cotidiano de grande parte das pessoas, embora não seja identificada socialmente como tal. Após séculos de uma construção sobre um paradigma de arte baseado no belo, no harmônico Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 28 e no contemplativo, essa concepção de arte gerou, na atualidade, uma crise em sua relação com a sociedade. Rocha complementa (2004, p. 30): Daí a se confundir beleza com critérios de aparência, com proporcionalidade de medidas e com equilíbrio de formas foi passo. E assim, passamos a misturar prazer estético – que é uma emoção profunda e sutil -, com o prazer de olhar ou ouvir formas e composições agradáveis. Essa questão interliga-se com uma categoria especial para ser destacada ao pensarmos arte: dos usos e funções da arte e suas variadas formas de expressão. Para quem a arte, produzida e reconhecida como tal, está destinada? Quais seus possíveis usos? E seu papel diante da sociedade? Ainda na década de 1930, a arte foi reconhecida por Walter Benjamin como um agente social, refletindo e fazendo refletir dinâmicas sociais. Para Deleuze, a arte é colocada em sua importância decisiva para a vida e o pensamento. A arte abstrata, que não nos dá uma sensação do azul ou do mar, mas nos dá a sensação da idéia do azul e nos dá a sensação da idéia do mar. A arte tem uma função sensorial, e potencializadora do pensamento e das idéias, portanto. Levamos em conta uma frase de Paul Klee: “Não mais representar o visível, mas tornar visível”. Eis outro ponto interessante: além de potencializar o pensamento e refletir dinâmicas sociais, a arte é um meio de tornar visível o que não o é ao primeiro olhar: isso é possível, inicialmente por sua condição de arte, segundo pelas diversas interpretações estendidas a uma obra em diversos períodos. Interessa mais pensar não o que é utilizado para a realização de uma obra, mas como é utilizado: modos de fazer, modos de ver, modos de significar. A função da arte está ligada à sociedade que a produz e consome. Contrastar, chocar, contemplar, representar e diferenciar são só alguns exemplos. É por isso que Denise Schaan (1997, p. 36) destaca que é necessário construir um conceito de arte em função do modo que essa é compreendida na sociedade em que está inserida. A arte está espalhada no tecido social, não sendo encarada como um ícone externo de lazer ou um veículo de expressão estética, mas antes como um código de teorização sobre experiências, perpetuadora de tradições e ainda, símbolo de diferenciação social. A arte, assim como a História, pode assumir a função de teorizar a estabelecer sentidos para experiências vivenciadas, portanto. Essa reflexão sobre a função da arte e seus modos de expressão nos leva ao encontro a uma terceira questão que, no fundo, engloba todas as outras frisadas neste texto: a conexão entre arte e sociedade. Já foram registradas as diferentes Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 29 funções que a arte pode assumir quando comparamos uma sociedade à outra. Nesse momento, passamos a refletir sobre os diferentes significados partilhados a respeito de uma mesma produção artística. O mundo moderno acompanhou diferentes desterritorializações, no sentido de perda de expressividades (DELEUZE E GUATTARI, 1997, p. 121) de ícones de arte. São como os vasos marajoaras, símbolos de linguagem visual para um determinado povo, e modelos de decoração pura e simplesmente estética para algumas sociedades. Walter Benjamin disse que um patrimônio perde a sua ‘aura’, quando é destituído de sua cadeia de significação. É como a transferência de objetos de seu local de origem, para serem reterritorializados em outra lógica de sentido, em museus e centro de arte, como ocorreu no contexto do neocolonialismo e a busca pelo exótico no final do século XIX. Em uma perspectiva semiótica, essa situação seria notada como um signo que representa algo em uma determinada sociedade – um símbolo- que é convencionalmente conhecido como tal. O signo referente dá lugar a uma nova referência, culturalmente construída em um novo contexto, conforme explicou Schaan (op. cit. p. 52). Mas a relação entre arte e sociedade não se estanca nos significados constituídos, compartilhados e reestruturados de um contexto para outro. A arte pode ser estar bem mais diretamente ligada às instâncias sociais do que somente pelos padrões simbólicos que representa. Isso foi evidenciado por muitos autores em relação às construções medievais, nas quais as torres foram interpretadas como símbolos do poder de senhores feudais, assim como as igrejas góticas e suas cúpulas elevadas ao céu lembravam a doutrina cristã. No Brasil, Cristina Rocha (2004, p. 17) destacou a imagem das mulheres na arte como a própria trajetória dessas personagens na História no Brasil: de mãe e santa, no período barroco, passando por majestade no Ciclo do Café e romântica e sensual, já no século XX. Podemos perceber através das questões problematizadas que os critérios, funções e significados estéticos são variáveis no tempo e no espaço e que estão relacionados às dinâmicas das transformações históricas. Quem produz, para que produz e quem visualiza a arte, são fatores que interferem diretamente em sua constituição conceitual enquanto arte. Cada grupo e cada época elegem seus ícones de expressão artística, o que não impede que uma mesma produção multiplique significações diversas. Para compreender a construção dessas significações e as redes sociais em que se inserem, partiremos agora, para o nosso estudo de caso no Museu de Artes do Rio Grande do Sul. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 30 Por fora do Museu: pesquisando sobre o MARGS O MARGS. fala por si só. Isso se dá, não por uma alguma espécie de poder simbólico que a sigla do museu tenha adquirido, mas antes, a representação que seu espaço detém no centro de Porto Alegre. Símbolo da cidade, sua fachada é cenário para telejornais, propagandas de marketing e mostras de fotografias. Apesar de sua sigla não ser facilmente identificada, em seu endereço, não consta número, e nem precisaria: o gigante da Praça da Alfândega é facilmente localizado. Duas pequenas portas – e somente elas – dão acesso aos seus espaços. Já temos aí uma primeira pista: apesar da maioria das pessoas conhecerem o imponente edifício do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, a maioria delas não o conhece por dentro: mais do que uma barreira material, as portas estreitas do Museu também representam uma barreira simbólica: a que separa a grande parte da população do que lá dentro está exposto. Contraste - A suntuosa fachada do MARGS chama atenção em meio a arquitetura moderna do centro de Porto Alegre Fonte: Fotografia produzida pelas autoras. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 31 Passado e presente separam, senão diferem algumas características do MARGS. O contexto da criação do MARGS está ligado ao de outros grandes Museus do país, como o Museu de Arte de São Paulo (MASP- 1947) e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ, 1952). O projeto para um Museu de Artes do Rio Grande do Sul foi idealizado pelo artista Ado Malagoli, que hoje tem seu nome homenageado na nomenclatura oficial do MARGS, chamado oficialmente de Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli. Inaugurado no polêmico ano de 1954, as mesmas ruas que hoje fazem o seu caminho, foram as rotas de manifestações populares em função da morte do então aclamado Presidente do país, Getúlio Vargas. No Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles, primo de Getúlio, estava no comando. Não é à toa que essa década foi marcada pela criação dos principais museus do país: o resultado de sucessivas décadas de manutenção de uma memória nacional, forjada sob a política de Vargas, os museus surgem para abrigar, preservar e conservar a história, que então tinha sigo resgatada, senão descoberta ou inventada, sobre o Brasil. Os museus são os grandes baluartes nesse contexto: depósito desta nova identidade brasileira, que seria novamente fragmentada na década seguinte com o Golpe Militar. Esses diferentes contextos que acontecem do lado de fora do Museu, refletem-se e são também forjados lá dentro: os diferentes significados e (des)valorizações que determinadas obras ou temáticas possuem em algumas décadas são prova disso. A questão é como os museus expressam essas nuances? Quais e como os objetos são encontrados, valorizados ou desvalorizados dentro de um museu? Que linguagens estão lá expressadas? E ainda: para quem? O MARGS já abrigou suas exposições em diversos espaços, entre eles o foyer do Theatro São Pedro, outra grande referência espacial-arquitetônica da paisagem urbana do centro de Porto Alegre. Desde 1978, localiza-se no antigo prédio da Delegacia Fiscal do Estado. Essa edificação foi construída em 1913 e segue a mesma padronização arquitetônica do atual prédio ao lado, do Memorial do Rio Grande do Sul. Ambos os edifícios foram projetados pelo arquiteto alemão Theo Wiederspahn e tem como característica principal os ornamentais e suntuosos detalhes e os amplos espaços de circulação. O prédio do MARGS foi tombado como patrimônio pelo IPHAN logo após seu reconhecimento como museu, em 1981. Apesar disso, só em 1996 as edificações em que o MARGS está instalado foram reformuladas: o museu foi submetido a um forte processo de restauração, mas manteve suas características arquitetônicas originais. Segundo informações, Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 32 a reforma esteve pontuada pela instalação de tecnologias que padronizassem o museu de acordo com as normas de museologia internacionais, como sistema de climatização, detectores de fumaça e controle de intensidade da luz. A partir de 1997, antes mesmo da conclusão de sua reforma, o MARGS passou a incluir grandes coleções de arte, inclusive internacionais, em seu roteiro de exposições. É a partir dessa década que se começou a delinear as características observadas no museu hoje – por fora, por dentro e em seus caminhos. Vamos conhecê-los. Por dentro do Museu: visitando o MARGS Através das perspectivas destacadas até então em nosso relato de visita, absorvemos fragmentos para alguns questionamentos que irão pontuar nossa descrição sobre o Museu, na atualidade: a do Museu como um espaço de refúgio; o Museu como um lugar sinônimo de “arte” e “história”; o significado dos diferentes espaços dentro do Museu. O Museu como um refúgio: os espaços do MARGS O MARGS é, até hoje, um ponto de escape em meio ao tumultuado centro da capital. Seus espaços são silenciosos e amplos. No final de semana, especialmente, o Museu é alvo dos passeios dos moradores locais: de fácil acessibilidade via transporte público, o Museu fica a poucas quadras da Estação Mercado do Trensurb, principal via de acesso da região metropolitana em direção à capital. Questionamo-nos sobre o que leva as pessoas ao Museu: passeio? Existem muitos roteiros sugeridos para isso. Interesse por arte? A Internet despencou barreiras. O Museu surge, então, como sua faceta suntuosa, verdadeiro templo de contemplação: vêem-se pessoas paradas, olhando, analisando obras: pinturas, desenhos, esculturas. O que motiva o seu olhar? Curiosidade, conhecimento, interesse, aprendizagem... quaisquer respostas não dariam conta da multiplicidade de motivações que levam as pessoas ao museu em plena era das visitas-virtuais, coleções de arte on-line e álbuns de fotografia digitais. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 33 O Museu-Refúgio - o MARGS impressiona por dentro e por fora. Fonte: Fotografia produzida pelas autoras. A edificação do MARGS já é, ela própria, representação de arte, sedimentada no imaginário local como um espaço artístico, um patrimônio. O MARGS é disposto em três pavimentos, sendo que dois são destinados ao público externo: para visitação, pesquisa e lazer e educação. A partir de agora, vamos percorrê-los. Planta do primeiro pavimento do MARGS Fonte: http://www.margs.gov.rs.br Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 34 Subindo a escada (7) do primeiro pavimento, após passar pela porta, aquela pequena, temos acesso ao Museu. Timidamente, não se sabe por onde começar. Logo, um amplo salão (3): no primeiro pavimento – o principal do Museu – separado em três ambientações, é que se observam as exposições principais. Dependendo da dimensão do acervo, uma exposição chega a ocupar todo o pavimento. É, também, nesse primeiro pavimento que acontecem os concertos de música e onde está o cativante Café (4) e a Lojinha do MARGS (5). Mas antes de subirmos para o segundo andar, passamos, ainda, pelas Salas Negras (1). Esse é um interessante ambiente do MARGS: geralmente abriga peças alternativas, como máscaras, desenhos e experimentações diversas. O MARGS é arte por si só – O museu encanta não só pelo que expõe, mas, também, pelo que é. Fonte: Fotografia produzida pelas autoras. No segundo pavimento, um olhar panorâmico sobre a arquitetura já sacia os olhos de arte: grande parte das pessoas ainda se interessa mais pelo próprio MARGS do que pelo que ele expõe. Nesse andar, localizam-se ambientes como a Galeria Iberê Camargo (8) e a Galeria João Fahrion (2). Também encontramos outras salas onde se realizam pesquisas (3), consultas à biblioteca (4), como também, a Sala de Vídeo (6) e o Auditório (7). Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 35 Planta do segundo pavimento do MARGS Fonte: http://www.margs.gov.rs.br O MARGS ainda possui uma área administrativa, no térreo do edifício. É lá que está localizada a Reserva Técnica do museu, que protege o seu tesouro em um grande cofre, tal como a antiga Delegacia Fiscal que funcionava na mesma edificação, tempos atrás. É no pavimento térreo que funcionam também setores como a Cozinha, a Segurança, a Direção, e os Núcleos de Imprensa e Extensão Cultural do MARGS, sendo que esse último promove cursos semestralmente com professores renomados na área das Artes, além de outras atividades. Diretamente do térreo para o andar mais alto do MARGS, deparamo-nos com um amplo terraço. Esse espaço do MARGS possui um importante potencial turístico (tem uma linda vista para o rio Guaíba). Atualmente localizam-se lá salas para realização de oficinas e cursos. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 36 Terraço do MARGS – cursos e atividades sob o céu de Porto Alegre Fonte: Fotografia produzida pelas autoras O Museu, local de cultura e arte: o que e como o MARGS expõe Dentro daquele roteiro inicialmente percorrido, o MARGS é caracterizado, essencialmente, como “Museu de Arte”. Não poderia ser diferente, já que a instituição foi fundada por Ado Malagoli com esse propósito, e a década de 1980 caracteriza-se por receber exposições itinerantes de grande porte, do Brasil e do mundo. Entretanto, pergunta-se até que ponto essa caracterização não se tornou uma classificação segregadora das diferentes percepções e apropriações que se tem de “arte” na atualidade, congregando e consagrando o Museu de Artes do Rio Grande do Sul como o único espaço de artes na capital, dentro daquele circuito turístico oficial3. Para perceber as exposições mais recentes abrigadas pelo MARGS dentro de um panorama geral, recorremos aos folderes e convites referentes ao ano de 2006. Para traçar um paralelo entre as exposições, percebemos que, em sua maioria, elas se referem à arte do século XX, seja escultura, pintura, desenho. Grande parte dessas obras ocupam as galerias. O salão principal destina-se às exposições excepcionais, como foi a comemorativa aos 100 anos do patrono da Instituição, Ado Malagoli, ocorrida em setembro de 2006. Também esse foi o caso Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 37 da exposição “A arte sob o olhar de Djanira”, uma coleção especialmente selecionada proveniente do Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro. Esse caso denota uma característica bastante forte do MARGS: o intercâmbio com outras instituições museológicas. Uma grande atração, nesse sentido, foi a coleção de tapeçaria Petit Palais, que esteve no MARGS em duas ocasiões, nos anos de 2002 e 2004, respectivamente nas exposições Paris: 1900 e A Arte da Tapeçaria. Recentemente, um grande sucesso de público foi a exposição de gravuras do pintor espanhol Goya, ainda no ano de 2007. Passamos agora a destacar as exposições que conhecemos quando de nossa visita ao museu, em junho de 2008. Eis, então, um profundo encontro com os múltiplos significados da arte. Em nossa frente, a obra A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles. Uma grande cobertura para uma grande obra: foi assim que, no início do mês de junho, a obra chegou ao MARGS. O quadro não é grande somente em sua proporção de tamanho: carrega o peso histórico de ter sido a primeira tela pintada por um brasileiro - Victor Meirelles -, a ser aceita no Salão de Artes em Paris, em 1861. De lá pra cá, mais de um século: como significar tudo isso através de um relato? Somente (tentando) demonstrar o renascimento de uma pintura que já passou por quatro restaurações e trouxe junto em sua bagagem para o MARGS todos os esboços, desenhos e documentos que acompanham a sua história. Um quadro que fala por si só, através de cor, história, sentimento e arte. Encanta mais ainda os olhos de quem observa, o seu processo de criação e (re)criação, com as fotografias e o vídeo da última restauração que o fez renascer, em dezembro de 2006. Desde lá, vem percorrendo o Brasil. No momento em que este relato está sendo produzido, pode ser vislumbrado no MARGS. E assim se fez a nossa experiência diante da grande obra: encantadas, assim como todos a nossa volta, passamos a refletir sobre quais as possibilidades de problemática daquela obra que parecia enfeitiçar pela pura contemplação. O nosso encontro com A Primeira Missa no Brasil possibilitou um pensar que unia, em um só tempo, a admiração mais profunda que uma obra de arte pode instaurar ao seu redor, mas também, a reflexão que poderia surgir a partir dessa admiração. Afinal, A Primeira Missa não chegou sozinha ao MARGS: trouxe informações e uma vasta documentação que conta um pouco de seu processo de produção e restauração. A contemplação, ao invés de ser nossa inimiga, ao contrário, tornou-se uma aliada: quando mais A Primeira Missa no Brasil chamava a atenção por sua grandiosidade, mais o público se interessava sobre a sua produção artística, a biografia do pintor e a trajetória do quadro. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 38 Nas Salas Negras, atualmente, está em cartaz uma exposição sobre a imigração japonesa, em homenagem ao centenário da chegada desses imigrantes ao Brasil. Subimos, enfim, as escadas. Três são as salas designadas para a exposição do Acervo Permanente do MARGS: Galerias João Fahrion, Ângelo Guido e Sala Pedro Weingärtner. Após anos abrigando exposições itinerantes, esses espaços tornaram-se o lar dos quadros que pertencem ao MARGS. Tal iniciativa faz parte de um programa de investimento na arte gaúcha, a grande temática privilegiada pelo MARGS. A exposição permanente está separada nas três salas citadas e cada uma delas, resguarda separadamente, arte gaúcha (maior número de obras), arte brasileira e arte internacional. A exposição é uma tentativa de mostrar para visitantes, turistas ou da própria região de Porto Alegre, um grande panorama das artes visuais através de observação de obras que pertencem ao Museu. Trata-se da construção de laços entre a instituição, que é pública e estadual, e a população, que toma conhecimento das obras que pode encontrar no MARGS. Contextualizadas a partir de pequenos textos explicativos, as obras são expostas “por si só”: dá-se mais ênfase para elas próprias, do que às legendas, usualmente pequenas e com detalhes técnicos do processo de criação das obras. Nesse sentido, o olhar não é condicionado por textos, mas somente direcionado. O Museu possui bancos de repouso em suas principais galerias: estão sempre ocupados. Pessoas passam minutos refletindo sobre uma mesma pintura. Descanso e apreciação - o MARGS dispõe bancos ao longo das galerias para o conforto de seus visitantes. Fonte: Fotografia produzida pelas autoras. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 39 As obras são expostas aleatoriamente. Em mais de uma das exposições observadas, não há uma narrativa cronológica, mas sim temática. Muitas coleções são fragmentadas e representam diferentes períodos da obra de um mesmo artista. A seleção do que será exposto, se pensarmos em quais artistas tem suas obras contempladas no MARGS, indicam artistas do Rio Grande do Sul como os prioritários para exposição seus trabalhos. O Museu e o público: o que faz as pessoas irem ao MARGS? Podemos reconhecer alguns espaços como os principais fios de afeto entre as pessoas e os museus na atualidade: para além de exposições e mostras culturais, os museus são também locais de lazer. E aí destacamos um aspecto importante quando falamos na relação públicoMuseu: trata-se da idéia que esse público tem sobre o Museu. Ora, uma das sentenças mais comuns atribuídas às instituições museológicas é aquela baseada na noção de o Museu como sinônimo de cultura erudita. Essa noção dá embasamento tanto para a opinião do público não visitante, quanto para o público que freqüenta o Museu. Em um dos casos o universo de percepções não está interligado ao que o Museu tem a oferecer. Já em outros, a correspondência entre público e Museu ultrapassa as funções primeiras de uma instituição museológica. É o que relataremos a seguir. Pensando na relação entre público e Museu, observamos no MARGS alguns pontos em especial: a lojinha, o bistrô e o café são alguns deles. Esses espaços, criados inicialmente para atender aos turistas, são, hoje em dia, locais favoritos de muitos moradores de Porto Alegre. O vínculo não se encerra ao final da visita ao Museu: lembranças para serem levadas para casa, livros, bolsas, broches, camisetas... enfim, existe todo um arsenal destinado para o visitante do MARGS e, mais do que isso, para o visitante do MARGS que quer levar esse museu para casa, ou mostrar o seu vínculo identitário com o Museu nas ruas, através de roupas e acessórios. Um outro ponto de relevância é a interatividade entre museu-público: o MARGS mantém informes virtuais através de seu site www.margs.rs.gov.br, além de também, ter um jornal de distribuição gratuita, com notícias, artigos e resenhas sobre arte em geral. Para além de vínculos e representações estabelecidas de forma midiática, o MARGS possui uma associação de amigos, o AAMARGS. Um corpo de voluntários é responsável pelo Museu Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) 40 MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 através de contribuições financeiras ou atividades realizadas no Museu: como sóciocolaborador ou sócio-patrocinador. Jornal do MARGS Fonte: http://www.margs.gov.rs.br É importante destacar também a comunidade do MARGS no site ORKUT, com mais de 1000 pessoas filiadas. Lá, são expostas as preferências e experiências de cada um em relação ao Museu. Este é, justamente, um dos pontos altos da idéia de que a relação entre Museu e público na atualidade está fundamentada em aspectos que já romperam a idéia do Museu Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 41 somente como um espaço de exposições. Mais uma vez, o destaque vai para o Café, a Loja e as grandes exposições. A lojinha e o café são aclamados por membros da comunidade do MARGS no site Orkut: o que leva as pessoas até um Museu hoje em dia? Fonte: Comunidade do MARGS no Orkut Últimas considerações: o MARGS, ponto de partida para o ensino Ao longo das nossas visitas ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul, pudemos agregar conhecimentos de práticas em Licenciatura em História, pensando em metodologias, informações e planejamentos - algumas possíveis reflexões sobre a educação em museus. Notamos que a primeira e, em muitos casos, a única idéia de muitos professores para se Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 42 trabalhar a disciplina de História a partir de uma visita cultural é levar os alunos até algum Museu para que ouçam as explicações dos orientadores. Após isso, o silêncio. A partir de nossa observação e experiência, buscamos traçar um último caminho, ainda a ser percorrido: ele refere-se a algumas orientações sobre o papel dos Museus como locais de informação, educação e cultura. Explorar o MARGS em sua potencialidade de ensino, depende em um primeiro fator, ou seja, de quem o está visitando. Pensamos que a visita a um museu não pode estar dissociada de um vínculo que se estabelece com esse mesmo museu, que pode ser com seu espaço, suas temáticas ou as atividades que lá se desenvolvem. O MARGS, dentro desta perspectiva, oferece múltiplas possibilidades de trabalho. Percebemos que a visita ao museu, os seus espaços e o que eles podem representar, ainda são um ponto de diferença quando falamos de uma era digital. Pensamos, então, em algumas atividades que podem ser realizadas no âmbito ensino-museu. Nosso objeto de atenção não se trata de um museu temático de História, mas de um Museu de Arte. Isso não limita o professor a trabalhar com os alunos apenas uma História tradicional da Arte, traduzida em contemplação de obras. Cada obra exposta e o próprio prédio estão permeados de História. Uma história de contextos e conjunturas. Cada tendência artística tem um jeito de ser relacionado ao seu contexto. Osque esse contexto tem a ver com o cotidiano dos que ali estão observando as obras é nosso ponto-chave. Assim, o museu não deve apenas ser um espaço de entretenimento, mas de aprendizado. E o potencial pedagógico do museu deve ser explorado pelo professor/orientador em todos os seus aspectos. A noção de educação transmitida pelos PCN´s prevê um ensino que prioriza uma visão crítica da História, que inclui a cultura como parte de eixos temáticos, tanto no Ensino Fundamental, como no Ensino Médio. Pensamos que um primeiro passo para problematizar a cultura nas práticas escolares, não de uma maneira direta e formal, mas perpassada por distintos conteúdos e disciplinas, é percebendo “arte” ou “cultura” em qualquer lugar. Na rua, nos livros, nas músicas, nos outdoors. Isso não quer dizer que lugares como o MARGS, ponto estratégico e oficial de cultura dentro da cidade, deva ser excluído. Antes disso, um desafio: mesmo partindo desses ambientes, como traçar pontes entre o que ali está exposto e a vida dos estudantes? O MARGS tornou-se assim, não nosso ponto de chegada, mas de partida. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) 43 MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 Apêndice Um caminho para uma orientadora no MARGS: relato de uma experiência “No primeiro dia, na primeira hora, logo uma surpresa: um grupo de terceira idade vindo da cidade de Sapiranga acabara de chegar ao MARGS, e gostariam de uma visita orientada à Exposição do Acervo Permanente. Nesse dia, estávamos eu e uma colega, estudante de Artes Plásticas. Duas experiências unidas com um só fim: informar, compartilhar e aproximar um pouco aquelas pessoas do mundo em que nós estávamos agora inseridas, dia-a-dia: o mundo das artes. Logo, uma lição que a visita inesperada do grupo me fez perceber: as orientações de exposição no MARGS estariam muito mais ligadas a perguntas do que a respostas e muito menos ligadas à falta de informação precisa sobre alguma obra, do que aos questionamentos levantados sobre ela. E assim fez-se uma primeira prática de orientação do MARGS. Eu pouco sabia sobre a biografia dos artistas, de estilos, movimentos, e cronologias. Mas parecia saber, muito por experiência em sala de aula, questionar, puxar fios de um novelo que parecia impenetrável, conversar: fazer o público mais falar do que ouvir. O mais importante, entretanto, estaria por vir. Além dos questionamentos sobre a produção e a prática artística em si, seria a aproximação entre aquelas obras e o público. Eis uma grande problemática referente ao trabalho, impondo-se em minha frente: como traduzir/transfigurar/decifrar essas obras a olhos tão distintos e indiferentes a elas? A resposta veio em seguida, na observação da obra Croquis d’O Labor, de Antônio Parreiras. Muitas senhoras do grupo se emocionaram ao ver uma paisagem tão familiar a elas no quadro: o campo, o trabalho, o vestuário. Daí em diante, não foi difícil: a identificação de outro quadro, como A emigrante, de Luigi Napoleone Grady também foi comovente. Nesse e em outros casos, não importava a quantidade de quadros observados, e sim a profundidade com a qual alguns eram contemplados. Ao perceber a emoção daquelas pessoas em se reconhecerem nas obras, aprendi na primeira hora, do meu primeiro encontro, um experiência que levaria junto comigo: aproximar a arte da vida e do cotidiano das pessoas. Por outro caminho, eu não poderia seguir”. Danielle Heberle Viegas. Junho de 2008. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996. CHOYA, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. p.205 a 237. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: editora 34, 1995, v.1. ____________. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. GEERTZ, Clifford. História e Antropologia. IN:________.Nova luz sobre antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. DIAS, Rosa. A vida como vontade criadora: por uma visão trágica da existência. IN: FONSECA, T. e ENGELMANN (Orgs.). Corpo, arte e clínica. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004. GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. LEITE, Maria Isabel. Museus de arte: espaços de educação e cultura. IN: Museu Educação e Cultura. Ed. Papirus, 2005. NEWBARTH, Bárbara E. O que pode a arte? IN: FONSECA, T. e ENGELMANN (Orgs.). Corpo, arte e clínica. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004. OLIVEIRA, Nanci Vieira de. História e Antropologia: encontros e desencontros. IN: RAGO, Margareth; GIMENES, Renato A. de O. Narrar o passado, repensar a História. Campinas: UNICAMP, 2000. ROCHA, Cristina. Questões sobre arte: o belo, a percepção estética e o fazer artístico. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2004. ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2006. SCHAAN, Denise P. A linguagem iconográfica da cerâmica marajoara. Porto Alegre; EDIPUCRS, 1997 TIMM, Liana. Ima(r)gens. IN: FONSECA, T. e KIRST, P. (Orgs.). Cartografias e devires: a construção do presente. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003. Referências eletrônicas Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) MOUSEION, vol.2, n.3, Jan-Jun./2008 45 www.margs.org.br www.orkut.com Outras MARGS – Museu de Artes do Rio Grande do Sul. Material informativo sobre exposições. 2008. 1 Licenciada em História pelo Centro Universitário La Salle-UNILASALLE/RS. Bacharelanda na mesma instituição. Estagiária do Museu e Arquivo Histórico La Salle. Restauradora voluntária no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. 2 Mestranda em História (PUC-RS). Licenciada em História pelo Centro Universitário La SalleUNILASALLE/RS. Bacharel em História na mesma instituição. Pesquisadora do Projeto “Canoas: para lembrar quem somos”. Orientadora voluntária no MARGS desde abril de 2008. 3 Essa visão tem sido alterada recentemente, com a inauguração da Fundação Iberê Camargo, um espaço de arte que, embora específico, tem clamado (e recebido) muita atenção de moradores e visitantes da cidade de Porto Alegre. Caminhos e descaminhos para um Museu: relato de uma visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS)