O ATOBÁ "TOBÁ"
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História de fôlego
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Marcos Sá Corrêa, jornalista, tem 5 livros publicados. Foi
editor-especial de Veja e do Jornal do Brasil, entre outras
publicações.
“Amigos, gostaria de relatar algo péssimo”, dizia a
mensagem, circulando esta semana na internet como um
grito estridente de ave marinha. Mas não era propriamente
“algo péssimo” que ela tinha para contar. E, sim, uma “viacrúcis” com final feliz, que começava assim: “Sábado, eu
estava na praia do Pântano do Sul, em Santa Catarina, onde
encontrei um atobá macho, filhote, com a asa um pouco
machucada”. O bicho parecia exausto: “Nem resistiu quando
cheguei perto dele. Com frio, fome e sem poder voar. Leveio até minha cadeira de praia, onde tentei dar-lhe algo para
comer”. Foi o encontro providencial de duas criaturas feitas para se entender. Atobá, para
quem ainda não ligou o nome à pessoa, é o mergulhão, provavelmente o primeiro sinal de terra
que a tripulação de Cristóvão Colombo enxergou, ao se aproximar da América.
Os manuais costumam distingui-lo pelo mergulho acrobático. “Ao ver um peixe, que pode estar
a até três metros de profundidade, fecha as asas e desce como uma bomba”, diz Lilá Ferraz,
em “Observando Aves no Estado do Rio de Janeiro”. No Dicionário dos Animais do Brasil,
Rodolpho von Ihering o descreve “como uma flecha”, porque “no percurso aéreo ainda mantém
as asas um pouco abertas, mas, no momento de penetrar na água, ele as junta ao corpo”. E
Helmut Sick, em “Ornitologia Brasileira”, gasta um parágrafo com seu bico “pontudo e
serrilhado” que, não tendo “narinas externas”, parece blindado contra a invasão dos “dutos
respiratórios em conseqüência do choque de penetração, sofrido por estas aves ao lançarem-se
impetuosamente à superfície do mar”. O atobá nasceu para mergulhar, portanto.
Exatamente o que acontece com a moça que o achara na praia.
Pois ele deu a sorte de cair nas
mãos de Karoline Mariechen Meyer, a pernambucana Karol Meyer,
que mora em Florianópolis, formou-se em Direito, trabalha numa
agência da Caixa Econômica Federal à beira mar e é nada mais,
nada menos, que recordista mundial de mergulho em apnéia. Ela
descobriu essa aptidão por acaso” há seis anos, conseguindo ficar
três minutos e 39 segundos sem respirar no fundo de uma piscina.
Tinha na ocasião vasta experiência em “atletismo, handebol, bodyboard, rafting e canyoning”. Na caça submarina, que fazia sem
arpão, contendo-se em “ver a fauna e flora marinhas”, já revelara
uma facilidade fora do comum para descer a águas profundas sem
garrafa de ar.
Depois do teste, treinada em São Paulo para competições em mergulho estático, cravou em
2001 a marca inédita de seis minutos e 13 segundos em apnéia. Alta, morena, de olhos
castanhos claros e calçando sempre nas fotos oficiais as nadadeiras de mergulhadora, Karol
Meyer já foi descrita por repórteres esportivos como sereia. Mas, no caso do atobá, ela mostrou
que também é de briga, como demonstra seu relato indignado: “Fomos até o corpo de
bombeiros, que gentilmente nos informou os telefones e contatos do Ibama. Seguimos então
para a Reserva da Lagoa do Peri, onde os fiscais nos ajudariam. Nada. Lá nos disseram que a
lei do Ibama era: se morrer, foi coisa da natureza”. O casal ligou para clínicas veterinárias e
“nada”. Ou quase nada, porque elas, em princípio, não cuidam de animais silvestres. Enfim, um
veterinário topou examinar a asa do atobá e lhe aplicar um antibiótico. “Então nos disseram
que havia uma estação da Policia Ambiental no norte da ilha. Lá nos deparamos com a triste
notícia de que tudo o que havia tinha sido desativado pelo Ibama!!!!!???? Como desativam algo
que está funcionando com voluntários e não se responsabilizam por fazer algo melhor?
Andamos do sul da ilha até o norte, com o atobá no colo, e voltamos para casa”.
Mas fôlego, como se sabe, não falta a Karol. No dia seguinte, um domingo, ela voltou à luta.
Foi pedir socorro ao Horto Florestal de Córrego Grande. Outra viagem perdida rumo a mais um
serviço cancelado. “O funcionário gentilmente nos pediu desculpas”, diz Karol, que resolveu
então bater na internet: “Esperamos contatos de amigos ou de alguém que possa nos ajudar.
Ele está reagindo bem, mas sente falta de seu habitat. Não sabemos tratá-lo da melhor forma,
mas estamos fazendo o máximo que podemos”.
Assim acabava a primeira mensagem, mas não a história.
Levando o atobá para casa, Karol passou a enviar a quem
lhe perguntasse pelo bicho os boletins da convalescença:
“Estava dando sardinha amassada com miolo de pão, logo
começou a reagir melhor, mais esperto! À noite saía pelo
piso da cozinha, espiando tudo, como se estivesse caçando
no espelho d’água. Dormia firme, não como uma ave
doente. Isso foi nos animando. Precisamos agora saber se a
asa quebrou mesmo, ou se foi um problema leve”. Dois dias
depois do alarme de Karol, o bicho estava hospitalizado no
parque do Balneário de Camboriú, onde funciona uma reserva operada pela secretaria de
turismo de Santa Catarina. Em outras palavras, ele saíra da jurisdição do Ibama e começava a
escapar das repartições desativadas.
Erguera-se à sua volta uma rede informal de resgate, misturando o procurador-geral de Justiça
do estado, Pedro Sérgio Steil, e as biólogas, Karina Groch e Márcia Achutti, além de Martha
Scherer, assessora de comunicação da prefeitura de Florianópolis.
As mensagens de Karol mudaram de tom, junto com a mudança do problema. Ela agora
acompanha os movimentos do “nosso” atobá no parque da Santur rumo à recuperação
definitiva.
Aguarda o aviso de que ele está pronto para voar novamente.
Pretende “levá-lo ao mesmo local onde o encontramos quase morrendo, desta vez para vê-lo
partir em direção à vida”.
O nosso atobá Tobá partiu !
Foi visto pela bióloga da Santur passeando pelo telhado próximo ao local aonde ficou quando
doente, já com as asas recuperadas e com um andar firme... Conseguiram inclusive capturar
uma foto aonde se vê claramente a sua recuperação. Foi a última foto dele, partiu em direção
ao oceano, para o seu lar!
Uma saudade do bichinho fica para sempre...
Mas estaremos felizes por saber que conseguiu voltar para o lar!
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