1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Por: Cilene Ferreira Melo Orientador Profª. Denise de Almeida Guimarães Rio de Janeiro 2005 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito do Trabalho. Por: Cilene Ferreira Melo. 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por ter sempre mantido minha mente iluminada. A toda minha família: aos meus queridos pais Manoel e Cleomar, ao meu irmão Wendel, e a minha afilhada Ana Carolina, que sempre demonstraram amor e apoio por mim. Amo vocês! Ao meu grande amor, Márcio Alexandre, por enriquecer a minha mente, encher de amor e ternura meu coração, me animar e sorrir. 4 DEDICATÓRIA À minha querida mãe Cleomar, companheira e amiga dedicada em toda a minha vida, com todo o meu afeto. 5 RESUMO O presente trabalho tem por finalidade analisar o princípio da proteção como elemento de constituição do Direito do Trabalho. O estudo demonstra os fundamentos jurídicos sobre os princípios do direito, delimitando o princípio especial da proteção. São mencionados todos os fundamentos: a constituição e a forma de interação das regras do princípio da proteção no ramo material e processual do trabalho. Justificando o princípio protetor como elemento essencial do Direito do Trabalho e dos Direitos Sociais. 6 METODOLOGIA A metodologia utilizada para a elaboração desta monografia foi de natureza eminentemente teórica (pesquisa bibliográfica), onde os dados adquiridos foram estudados e concluídos para a realização final desta pesquisa. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 11 NOÇÕES GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS 11 CAPÍTULO II 25 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO 25 CONCLUSÃO 99 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 103 BIBLIOGRAFIA CITADA 106 ÍNDICE 108 FOLHA DE AVALIAÇÃO 110 8 INTRODUÇÃO O Direito é um sistema aberto, cujo meio é a Sociedade que esta em constante interação. “Tem-se os princípios de direito determinados valores e distorções, que compõem a complexidade do sistema social recepcionados pelo Direito e informadores de sua estrutura normativa”1. Em outras palavras, perspectivas, os princípios podem ser vistos como síntese ou reflexo dos elementos externos (sociais, ou seja, a partir da sociedade) recebidos pelo sistema jurídico e que o integram; estes elementos podem ser emitidos diretamente a partir do sistema-ambiente (sociedade) ou indiretamente a partir dos subsistemas sociais outros que não o próprio Direito (Política, Economia, Cultura (...))2. Assim, em uma perspectiva global, os princípios refletem os elementos (valores) emitidos pela Sociedade ao Direito, bem como um padrão de relações estabelecidas entre o conteúdo de suas normas internas a partir da integração deste elemento valorativo emitido pela Sociedade3. Em outras palavras, podemos referir que uma perspectiva interna, é a verificação do conteúdo valorativo gerado a partir da inter-relação de suas normas identifica a lógica sobre o qual este ramo jurídico se sustenta, bem como os padrões valorativo-normativos emitidos à Sociedade. Por exemplo, a medida em que uma norma de Direito do Trabalho de hierárquica superior informava a uma outra norma de 1 Nesse sentido, SANTOS afirma que o Direito moderno atua como uma representação simbólica das relações sociais e, portanto, retrata seus elementos e suas distorções. In SANTOS, Boaventura de Souza. Uma Cartografia Simbólica das Representações Sociais: prolegómenos a uma concepção pós-moderna do direito. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, nº 24, mar. 1988, p. 141. 2 Nesse sentido, NORONHA afirma que “(...) princípios são valorações jurídicas de juízos préjurídico de valor, são verdades básicas do direito construídas a partir de verdades básicas do sistema social, do juízo ético e político prevalecentes no seio da sociedade. In NORONHA, Fernando. Op. Cit., p. 127. 3 Neste sentido PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Identifica nos pensamentos jurídicos múltiplos sentidos referidos à categoria “princípios”, dentre os quais destaco o de princípio enquanto postulados morais que inspiram a ordem jurídica (valores recolhidos da sociedade) e permitem expulsar de seu âmbito as normas incompatíveis com os mesmos. Vide PREZ LUÑO, Antônio Enrique. Los Principios Generales del Derecho: un mito jurídico. Revista de Estudios Políticos. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, n. 98, p. 09-24, oct./dic. 1997. 9 hierarquia inferior o conteúdo proteger o trabalhador, este valor era emitido pelo Direito do Trabalho à sociedade através de suas normas. Já em uma perspectiva externa, os princípios refletem os valores sociais absorvidos pelo Direito e sobre os quais o mesmo se sustenta e se molda. Assim, o conteúdo valorativo proteção do trabalhador, por exemplo, somente se constitui internamente no Direito do Trabalho porque a Sociedade observou no Trabalho um valor a ser protegido socialmente. Estas duas perspectivas (interna e externa), ao se revelarem nos princípios do Direito do Trabalho4, justificam a importância da verificação destes para o operador do direito. Os princípios são as fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação. Em relação ao Direito do Trabalho não poderia ser diferente, já que os princípios estão presentes naqueles dois instantes, em sua formação e na aplicação de suas normas. “Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios”5. Em face disso, através das peculiaridades dos princípios inerentes a cada ramo do direito e da importância de sua influência, é que se torna extremamente necessário o estudo de tais princípios. Posteriormente, apresenta-se um estudo detalhado do princípio da proteção, delimitando seus fundamentos, técnicas e importância, considerando a história e os seus fatos sobre a evolução mundial e nacional do próprio Direito do Trabalho. 4 “No que toca à relação entre o direito e os valores essenciais da sociedade, uma visão sistêmica enfatiza a importância dos princípios gerais de direito, que ao mesmo tempo os coloca no devido lugar – eles são traduções jurídicas de valorações éticas e político-sociais. E como estas valorações são as verdades básicas da sociedade, os princípios gerais do direito são também as verdades básicas do Direito. Por outro lado, como às valorações éticas e político-sociais pertence a uma esfera sistêmica que socialmente, e ciberneticamente, está em nível superior ao do sistema jurídico, compreende-se a importância que os princípios gerais de Direito têm na interpretação, na integração de lacunas e até na criação do Direito, tanto a realizada pelo legislador, como a levada a cabo pela jurisprudência.” In NORONHA. Op. Cit., p. 182. 5 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 299. 10 As regras que compõem o princípio da proteção (in dubio pro operario, norma mais benéfica e condição mais benéfica) são abordadas sobre o enfoque que objetiva explicitar os seus elementos constitutivos, descritivos e funcionais. Tais regras também são analisadas em relação à função jurídica que desempenham no ramo juslaboral. Por fim, é fundamental salientar que o presente trabalho monográfico não tem a pretensão de esgotar que se propõem, até porque analisar o princípio da proteção é deparar-se com a complexa e insuperável tarefa de abordar todo o Direito do Trabalhador. Portanto, este trabalho não quer exaurir o tema, mas materializar um estudo centrado nos principais elementos do princípio da proteção. Justificando a sua existência, importância, bem como a sua função na constituição do ramo jurídico que melhor efetiva a busca da dignidade humana: Direito do Trabalho. 11 CAPÍTULO I Noções Gerais sobre Princípios 12 NOÇÕES GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS 1.1 – Conceito e Definição De início, a fim de desenvolver um estudo mais completo, tornase necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípio dentro do ordenamento jurídico. Para Miguel Reale, “os princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”6. E ainda ressalta que: “Um edifício tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que são o ponto de referência e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício cientifico, é que chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de distinção e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano”7. Em sua lição, De Plácido e Silva8, estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que os princípios são: “o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”. 6 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p. 300. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 1975, p. 57. 8 SILVA, De Plácido e. Vocábulo Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 447. 7 13 Saliente-se Clóvis Beviláqua9, que os princípios são “os elementos fundamentais da cultura jurídica humana”. Para Coviello, os princípios são: “os pressupostos lógicos e necessários das diversas normas legislativas”. Para Valentin Carrion10, os princípios fundamentais de Direito do Trabalho, são os que: “norteiam e propiciam a sua existência, tendo como pressuposto a constatação da desigualdade das partes, no momento do contrato de trabalho e durante seu desenvolvimento”. A título de ilustração, expõe-se o comentário formulado por Celso Bandeira de Mello11 acerca dos princípios em geral: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. E o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”. Resta, assim, revelada a gigantesca importância dos princípios no sistema jurídico, de maneira que pode se concluir ao se ferir uma norma, diretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele sistema, eis que tal norma, direta ou indiretamente, está embutida em sua essência. 9 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p.42. 10 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 64-65. 11 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 230. 14 Por fim, ressaltando a importância dos princípios, Plá Rodrigues12 afirma que: “São linhas, diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”. Portanto, através das definições acima trazidas, pode-se concluir que os princípios constituem o fundamento maior de uma ciência jurídica, possuindo fundamental importância dentro de um ramo do direito, seja na elaboração da norma legal ou na aplicação em face dos casos concretos. Os princípios podem ser comuns a todo o fenômeno jurídico, ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, sendo que os princípios jurídicos gerais são preposições informadoras da noção estrutura e dinâmica essencial do direito, ao passo que os princípios especiais de determinação ramo do direito são proposições gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica essencial de certos ramos jurídico13. O estudo sobre a noção de princípio fica consubstanciado com o seguinte ensinamento de Ana Virginia Moreira14: “Em conclusão, para a Ciência do Direito os princípios conceituam-se como proposições gerais que informam a compreensão e aplicação do 12 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípio de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1993, p. 16. DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 16. 14 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 37. 13 15 fenômeno jurídico e que, após, inferidas, a ele se reportam, informando-o”. No que tange aos princípios vigentes no âmbito do Direito do Trabalho, a doutrina, em geral, atribui várias denominações, diferentes umas das outras. A título de exemplo, Plá Rodriguez denomina-os de “princípios de direito do trabalho”; Cesarino Júnior denomina-os de “princípios fundamentais da consolidação das leis do trabalho”; Alfredo Ruprecht denomina-os de “princípios normativos do direito do trabalho”; e, Pedreira da Silva atribui a denominação de “princípios específicos de direito do trabalho”15. Em suma, porém, independentemente da forma de denominá-los, devem ser entendidos como o elemento de fundamental importância na elaboração e aplicação da norma jurídica. Entretanto, para fins meramente didáticos, serão denominados de princípios de direito do trabalho. 1.2 – Funções As funções dos princípios são abordadas pela doutrina através das mais variadas matizes, sendo apropriado os conceitos elaborados por Mauricio Godinho Delgado16, afirmando que existem duas fases próprias do fenômeno jurídico. A primeira fase é denominada pré-jurídica, onde seria, na concepção do autor, um estágio histórico de elaboração das regras jurídicas. Nesse momento os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do direito. Trata-se fundamentalmente das forças econômica, do 15 LIMA, Franscico Meton Marques de. Princípio de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência. São Paulo: LTr, 1994, p. 14. 16 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 17. 16 movimento sócio-político e da corrente político-filosófica que instigam e condicionam a elaboração normativa. Posteriormente, temos a segunda fase como a denominação jurídica típica, onde o direito já esta construído, reservando aos princípios o papel mais importante, pois desempenham múltiplas funções, muitas vezes, combinadamente, de modo simultâneo. Segundo a lição de Frederico de Castro17, os princípios constituem-se: “Nas idéias organização fundamentais jurídica, e informadoras possuindo as da seguintes funções: a) informadora, tendo em vista que, de forma direta ou indireta, inspiram o legislador, servindo-lhe como fundamento do ordenamento jurídico; b) normativa, como fontes formais, dado o fato de atuarem de forma supletiva, no caso de ausência de lei, ou seja, funcionam como elemento de integração interpretadora, da ou norma ainda jurídica; informativa, e, eis c) que funcionam como um critério de orientação do juiz ou do intérprete da lei”. Percebe-se, pois, que os princípios possuem tríplice função dentro da ciência jurídica, possuindo o condão de informar o legislador na época da elaboração da norma jurídica, bem como servir de critério para a integração e aplicação da lei aos casos concretos. Todavia, saliente-se ainda que, inúmeras outras funções são descritas pela doutrina cabendo destacar, na concepção de Roberto 17 CASTRO, Federico de. apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. p. 18. 17 Garcia Martinez18, que apresenta as funções de incentivador da imaginação criadora e recriadores de normas absolutas; que os princípios funcionam como solucionadores de problemas interpretativos, possuindo, também, função inventiva proporcionando novas combinações, com organizadores de atos heterogêneos, mutáveis e contraditórios da vida jurídica e como rejuvenescedor das normas do Direito do Trabalho, que notadamente, dada à celeridade do ramo, podem já não refletir os parâmetros das relações sociais. No Brasil a função supletiva está positivada no artigo 8° da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)19, no artigo 4° da Lei de Introdução do Código Civil (LICC)20 e no artigo 126 do Código de Processo Civil (CPC)21. Sobre a positivação de utilização dos princípios comenta o mestre Miguel Reale22: “Na realidade, não precisava dize-lo, porque é uma verdade implícita e necessária. O jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar princípios gerais, aos quais deve recorrer sempre até mesmo quando encontra a lei própria ou adequada ao caso. Não há ciência sem princípios, que são verdades válidas para um determinado 18 MARTINEZ, Roberto Garcia apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 45. 19 CLT - Art. 8° As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. 20 LICC - Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 21 CPC – Art. 126 – O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. 22 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 1975, p. 57. 18 campo do saber, ou para um sistema de enunciados lógicos. Prive-se uma ciência de seus princípios, e tê-la-emos, privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as consolidam e as tornam significantes”. Entretanto, modernamente a doutrina apresenta um novo papel para os princípios, trata-se da efetiva função normativa própria, resultante de sua dimensão fundamental a toda a ordem jurídica. Sobre esta classificação comenta Maurício Godinho Delgado23: “A função fundamentadora dos princípios (ou função normativa própria) passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático não vinculante. Isso significa que o caráter normativo contido nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria também presente nos princípios gerais de direito. Ambos seriam, pois norma jurídica, adotado da mesma natureza normativa”. Os ensinamentos de Noberto Bobbio24 nos solidificam a função normativa supletiva dos princípios: “Os princípios gerais são apenas, a meu ver, 23 normas fundamentais sistema, as normas ou mais generalíssimas gerais. A do palavra DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 17. 24 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 1994, p. 158-159. 19 princípios leva a engano tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há duvida; os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos; antes de mais nada, são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque devam ser normas também eles; se abstraído da espécie animal obtendo sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é a função de regular um caso”. Portanto, fica claro que os princípios, além da função interpretativa e supletiva, possuem uma função normativa concorrente, mas não autônoma, apartada do conjunto jurídico geral e a ele contraposto. Vale dizer que estas funções não são inerentes a determinado princípio A ou B, pois um princípio, seja geral ou especial, cumpre o seu clássico papel interpretativo, podendo também, em casos de integração jurídica cumprir a função normativa subsidiária, bem como, conforme a doutrina constitucional e jusfilosófica, pode exercer a função normativa concorrente fundamentando a ordem jurídica com eficácia limitadora e ao mesmo tempo diretiva da ordem, harmonizando a aplicação ao caso concreto. 20 1.3 – Enumeração dos Princípios do Direito do Trabalho Em geral, costuma-se apontar vários princípios que são peculiares ao Direito do Trabalho, dentre os quais, pode-se indicar como princípios gerais do Direito do trabalho: em primeiro plano temos um grupo de princípios liderados pela dignidade humana, dando ensejo a diversos outros como o princípio da não discriminação; princípio da justiça social e princípio da equidade; posteriormente viriam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; e, em terceiro plano os princípios da boa-fé e seus corolários, princípios do não-enriquecimento sem causa; vedação ao abuso de direito e da não alegação da própria torpeza. Os princípios especiais constituem-se em diretrizes gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica, todas essenciais de certo ramo jurídico; sua abrangência é mais restrita, eis que atuam como pontos de particularização do respectivo ramo jurídico perante os demais integrantes do ordenamento normativo. Assim destacamos os princípios especais do Direito do Trabalho pátrio são os: princípio da proteção (in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica), da primazia da realidade, da irrenunciabilidade, da continuidade, igualdade de tratamento, razoabilidade, da autodeterminação coletiva dentre outros apontados pela doutrina. A existência de princípios especiais é um dos elementos fundamentais para que determinado ramo seja autônomo em face de qualquer ramo jurídico, pois os princípios especiais determinam as linhas mestras, peculiares de tal ramo perante os demais25. Em relação à enumeração dos princípios é sem dúvida uma matéria em que a doutrina não chega a um acordo, havendo inúmeras variações nos princípios apresentados. 25 DELGADO, Mauricio Godinho. Principio de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 28. 21 Destacamos Maurício Godinho26, que defende em sua obra a existência de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, mas entende que os princípios do direito individual confundem-se com os próprios princípios especiais do Direito do Trabalho, sendo que o autor enumera os seguintes princípios: “Princípio da proteção, da norma mais favorável, da Imperatividade das normas trabalhistas, da indisponibilidade dos direitos, da condição mais benéfica, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, primazia da realidade e da continuidade da relação de emprego. Tais princípios compõem aquilo que se denomina o núcleo basilar dos princípios especiais do Direito do Trabalho (ou Direito Individual do Trabalho)”27. Pedreira28 apresenta a seguinte posição: “Os princípios especiais do Direito do Trabalho são os de proteção, in dubio pro operario, norma mais favorável, condição irrenunciabilidade, mais continuidade, benéfica, igualdade de tratamento, razoabilidade e primazia da realidade”. Cabe ressaltar que Américo Plá Rodrigues, apresenta em nosso entender, a melhor classificação, eis que fundamenta a técnica da proteção com muita propriedade. O jurista classifica da seguinte forma: 26 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 1994, p. 158-159. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 34. 28 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípios do Direito do Trabalho. 2000, p. 26. 27 22 • Princípio da proteção caracterizado por três idéias: (In dubio pro operario; Regra da aplicação da norma mais favorável; Regra da condição mais benéfica) • Princípio da irrenuciabilidade dos direitos; • Princípio da continuidade da relação de emprego; • Princípio da primazia da realidade; • Princípio da razoabilidade; • Princípio da boa-fé; • Princípio da não discriminação. A principal diferença de Américo Plá Rodrigues para a classificação apresentada pelos demais autores está contida no fato de que o autor entende que o princípio da proteção se expressa em três regras: in dubio pro operario, da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Sendo que Pedreira qualifica as regras como princípios e Delgado utiliza a mesma regra com a exceção da regra in dubio pro operario que do autor, também, entende como desdobramento do princípio da proteção. Entretanto, a análise de todos os princípios peculiares ao Direito do trabalho, em sede de artigo, torna-se praticamente impossível o aprofundamento necessário para justificar a sua publicação, razão pelo qual delimita-se o objeto do estudo, apontando com objetivo principal a abordagem do princípio da proteção e as regras que dele se extrai. 1.4 – Aplicação dos Princípios Antes de qualquer comentário ressaltamos, como já vimos anteriormente que o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), descreve que: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Diante deste artigo buscamos a melhor forma de materializar a aplicação dos 23 princípios gerais. Os princípios jurídicos são de critérios formais aplicáveis em geral, em qualquer circunstância de lugar e tempo. A própria legislação admite a incidência dos princípios gerais ou fundamentais de direito do trabalho como fonte formal de aplicação do Direito do Trabalho, conforme se constata da disposição contida no art. 8° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), afirma que na falta de disposições legais ou contratuais, os casos serão decididos pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, mas, principalmente, pelos princípios do Direito do Trabalho. Assim, estaríamos diante da regra que determinaria a aplicação dos princípios gerais no Direito do Trabalho. Por outro lado, cabe contestar certos elementos descritos no artigo 8° da CLT, primeiro porque a redação da norma de princípios gerais do Direito pode inferir confusão com os princípios gerais do Direito do Trabalho, devendo ser mais apropriado o vocábulo “princípios especiais do Direito do Trabalho”, pois este reflete melhor a autonomia do ramo. A segunda crítica deriva da visão advinda da norma, de que os princípios não possuem a única aplicação de preencher lacunas, mas surge para reajustar moldes jurídicos inadequados a proteção do trabalhador. O jurista uruguaio Plá Rodrigues29 enfoca importante divergência entre os autores espanhóis Eugenio Peres Botija e Gaspar Boyón Chacón, onde este acredita que diante de um conflito entre princípio especial e princípio geral deva prevalecer o geral sobre o princípio especial do Direito do Trabalho; já aquele entende que deve prevalecer o princípio do Direito do Trabalho. Diga-se de passagem, o pensamento de Botija é o acatado por Plá Rodrigues e, parece, o mais embebido no primordial critério da razoabilidade. 29 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000 p. 26. 24 Os doutrinadores juslaborais de nosso país seguem com a mesma divergência, sendo, porém, bem fundamentada a opinião de Luiz de Pinho Pedreira da Silva30, o qual segue o posicionamento de Perez Botija no sentido de que os princípios gerais do direito não se aplicam ao Direito do Trabalho ao se contraporem com um princípio específico do ramo. Neste mesmo sentido, entende Mozart Vitor Russomano. Porém, em linhas gerais, o comando adstrito na norma no sentido de que, preferencialmente, tenta-se solucionar a controvérsia com os princípios do Trabalho, sendo, posteriomente, aplicado os princípios gerais do direito, traz duas conclusões: a primeira de que os princípios especiais do próprio ramo são hierarquicamente superiores aos demais; a segunda que os princípios gerais do direito também podem ser aplicados ao Direito do Trabalho. Note-se, portanto, que o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro admite, de forma expressa, a existência dos princípios de direito do trabalho, e, ainda, a sua existência como fonte formal deste ramo de direito e método de aplicação e integração da norma jurídica. Após verificação da importância dos princípios dentro do ordenamento jurídico, passa-se doravante a analisar um dos mais importantes princípios peculiares do Direito do Trabalho, qual seja, o princípio da proteção. 30 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 20. 25 CAPÍTULO II O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho 26 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO 2.1 – A História da Proteção no Brasil A origem do Direito do Trabalho tem divergência doutrinária advinda da origem, eis que como destaca Tarso Fernando Genro31: “Criou-se um mito, em nossa literatura jurídica, que às leis sociais no Brasil são puro resultado de um paternalismo estatal(...)”. Esta concepção fica exemplificada por Evaristo de Moraes32 que menciona em sua obra “O problema do sindicato único no Brasil” que o Direito do Trabalho não teve a sua formação histórica através do impulso dos movimentos operários. No mesmo sentido Orlando Gomes e Élson Gottschalk33: “já se disse, não sem razão que o nosso Direito do Trabalho tem sido uma dádiva da lei, uma criação de cima para baixa, em sentido vertical.” Entretanto, estas afirmações nos parecem equivocadas, sendo mais apropriada o pensamento de Tarso Fernando Genro34 sobre a matéria: “Toda a legislação social, em regra, surgiu de duros combates de classe, de violência contra a classe operária, momentos em que o Estado sempre revelou sua essência de instrumento da dominação burguesa”. 31 GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. 1994, p. 31. MORAES, Evaristo de apud MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Carvalho. Direto do Trabalho. Revista atualizada de acordo com a constituição de 1988 e legislação posterior, 1993, p. 20. 33 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 1994, p. 6. 34 GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. 1994, p. 31. 32 27 Na mesma esteira deste pensamento, Luiz de Pinho Pedreira da 35 Silva afirma que: “o Direito do Trabalho não foi, como querem alguns, simples dádiva do poder”. Destrate, é de suma importância resgatar os principais acontecimentos relacionados à criação do Direito do Trabalho no Brasil. Para termos uma melhor dimensão dos fatos é propicio a exposição de Orlando Gomes e Élson Gottshalk36 que define as seguintes fases: “1ª fase proclamação da independência até a abolição, 2ª fase da abolição até a Revolução de 30 e 3ª fase da Revolução de 30 até nossos dias”. Na primeira fase destacam-se as normas de locação de serviço entre brasileiros e estrangeiros de 1830, legislação sobre a locação de serviço de colonos (1830) e o Código comercial de 1850. A segunda fase apresenta a liberdade de associação de 1893, a sindicalização na agricultura e indústria rurais, normas de acidentes do trabalho 1919 e a Lei Eloi Chaves que cria a Caixa de Aposentadoria e Pensões Ferroviárias. A terceira tem como ícone a Revolução de 30. No entanto, desencadearam esse processo uma série de movimentos sociais, dentre eles destaca-se a grande greve de 25 mil Cachoeiros em 1903, no mesmo ano a greve dos metalúrgicos da Fábrica de Pregos Ipiranga, onde se obteve redução de jornada diária de 11h 30 para 9h diárias, dentre outros movimentos que estabeleceram um fermento ideológico para a Revolução de 1930. Esta Revolução da origem a uma série de conquistas da legislação do trabalho, quais sejam: 35 36 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 29. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 1994, p. 7. 28 • Criação da Justiça Trabalho em 1939; • Consolidação das Leis do Trabalho em 1943; • Lei do repouso semanal em 1945; • Lei de greve e lockout em 1946; • 13° salário em 1962; • Salário família em 1963. A esta abordagem histórica, Tarso Fernando Genro37 acrescenta uma quarta fase a partir de 1964, onde o golpe militar desprestigia instituições e retira do trabalhador a estabilidade através da criação do Fundo de Garantia por tempo de Serviço, Lei 5.107/66. Por fim, não poderíamos deixar de mencionar a Constituição de 1988 que inaugura uma nova fase na qual a gama de direitos individuais do trabalho é guindada para o texto constitucional ganhando status de direito fundamental do cidadão, merecendo este diploma uma abordagem especifica em relação à importância dos direitos tutelares na carta de 1988. 2.2 – O Princípio da Proteção Primeiramente destacamos algumas definições do princípio da proteção com alguns grandes conceituados autores: De acordo com Sergio Pinto Martins38, o princípio da proteção versa: “Como regra que se deve proporcionar uma forma de compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a 37 GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. 1994, p. 31. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13ª Ed. rev. e ampl. Atualizada até Dez/2000. São Paulo: Atlas, 2001. 38 29 este último uma superioridade jurídica. Esta é conferida ao empregado no momento em que se dá ao trabalhador a proteção que lhe é dispensada por meio da lei”. Arnaldo Sussekind39 alega que: “O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal”. Na mesma linha de raciocínio, La Cueva40 afirma ser o Direito do Trabalho “(...) en su acepción más amplia, una congerie de normas que, a cambio del trabajo humano, intentam realizar el derecho del hombre a uma existência que sea digna de la persona humana”. Informa Mauricio Godinho delgado41 que: “(...) tal princípio que o Direito do trabalho estrutura em seu interior, através de suas normas, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando retificar (ou 39 SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. I – 20ª ed. Atual. In LA CUEVA, Mario de. Derecho Mexicano Delt Trabajo. 4. ed. México: Editorial Porrua, 1954, Tomo I, p. 263. 41 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2ª ed. rev. Atual, reelaborada. São Paulo: Ltr, 1999, p. 154. 40 30 atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”. E assim poderíamos seguir citando diversos autores, todos convergindo no caráter protetivo do trabalhador do Direito do Trabalho. O autor Plá Rodrigues explica-nos que o fundamento deste princípio está ligado a “razão de ser do Direito do Trabalho”42. O mesmo autor alega que: “(...) no Direito do Trabalho, a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes”43. A necessidade de proteção jurídica, assim, decorre da condição da subordinação pessoal e muitas vezes econômica inerentes ao trabalhador, encontrando, segundo o autor, um duplo fundamento. Saliente-se que essa referida igualdade substancial tem a finalidade de equiparar as partes desiguais, já que dar tratamento isonômico às partes, significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Exatamente neste sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco44 afirmam que: “A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica, por isso, do 42 In PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípio de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1996, p. 30. In PLÁ RODRIGUES, Américo. Op. Cit., p. 32. 44 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 543-54. 43 31 primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentre o e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial”. A aplicação do princípio da proteção no âmbito do Direito do trabalho, não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduzse, em perfeita aplicação da igualdade substancial das partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes, seja nas relações de direito material seja nas relações de direito processual45. No direito comum há uma constante preocupação em assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes (entre as partes). Já no Direito do Trabalho à preocupação central é a de proteger uma das partes, ou seja, objetivou a proteção do trabalhador, com o objetivo de mediante essa proteção, alcançar uma igualdade substancial verdadeira entre as mesmas. Observa-se que nas relações trabalhistas facilmente se percebe a desigualdade das partes, especialmente aquela de cunho econômico. O 45 Neste sentido, Eduardo Couture afirma que: “o procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades”. In Algunas Naciones Fundamentales del Derecho Procesal del Trabajo. Apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, p. 16. 32 empregador possui o poder de dirigir o seu empreendimento e, não se pode negar que, em tempos de altos níveis de desemprego, o empregado não se sinta temeroso ante o risco de ser despojado de seu emprego. Assim, como poderia o direito tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais? Justamente com a finalidade de igualar os desiguais foi que surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que este princípio trata-se de reflexo da igualdade substancial das partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual. Nesse sentido, Américo Plá Rodrigues46 comentando sobre a atuação do princípio protetor afirma que: “Orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo prefacial a uma das partes: o trabalhador”. Luiz Pinho Pedreira da Silva47 afirma que: “A motivação de proteger, é a inferioridade do contratado em face do contratante. Onde a superioridade existente permite ao empregador, ou a um organismo que o represente, impor unilateralmente as cláusulas do contrato, tendo em vista que o empregado não tem a possibilidade de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco”. 46 47 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 26. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 22. 33 Aliás, a inferioridade não deve ser tomada somente quando da aceitação contratual, mas também ao longo do contrato de trabalho, eis que o trabalhador não pode expor a sua vontade com liberdade. Contudo, Pinto Pedreira48 salienta que: “É a inferioridade-ignorância que faz essencial diferença entre o trabalhador e o empregador, eis que para o trabalhador faltam informações sobre a conclusão do contrato. A ignorância pode ser em razão do regime jurídico aplicável em face da incompreensão dos seus elementos constitutivos”. Por fim, resta a concepção de “inferioridade-vulnerabilidade” que na concepção de Couturier49, advém do fato de que o contrato de trabalho implica em vender a força física, incide de certo modo sobre o corpo do empregado, tanto o é que a proteção do trabalhador teve início pelas regras de segurança física. 2.2.1 - Função e fundamentos da proteção Como se sabe, o Direito do Trabalho tem como um dos primeiros fundamentos a proteção do trabalhador. É oriundo da reformulação do quadro social iniciada no capitalismo organizado a partir da ascensão do movimento operário aos mecanismos de regulação social, principalmente o estatal, que visava a inserção máxima (busca ao pleno emprego) e digna dos trabalhadores no mercado de trabalho. A partir de então, voltou-se o Estado – e conseqüentemente, o Direito – para o propósito de estabelecer patamares máximos de exploração 48 ou mínimos de dignidade aos trabalhadores. Esta Idem, p. 23. COUTURIER, Gerard citado por SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 23. 49 34 característica do Direito do Trabalho protetiva do trabalhador atribuiu-lhe, na visão de alguns tratadistas, um caráter revolucionário, emancipatório do trabalhador, somente possível quando procedemos a uma abordagem sistemática fechada, ou seja, excluindo as inter-relações constantes entre Direito e Sociedade. Saliente-se que identificar estas inter-relações entre Direito e Sociedade, verificar-se-á que, ao estabelecer um patamar mínimo, o Direito do Trabalho acabou igualmente preservando a exploração. Nesse sentido, o Direito do Trabalho surgiu também com a função de realimentação ou de preservação do sistema capitalista. Esta perspectiva extra-sistêmica de permanente interatividade entre Sociedade e Direito, e onde este se configura como subsistema daquela, nos auxilia no entendimento do porquê o Direito do Trabalho apenas surgiu quando a sociedade capitalista atingiu uma determinada configuração (capitalismo organizado) já analisada50. No processo de Produção capitalista há uma separação entre o produtor e o os proprietários dos meios de produção. Esta característica configurou, a partir da consolidação do sistema capitalista, uma nova forma de exploração social baseada nas noções de mais – valia e de trabalho excedente. No plano dos fatos, na imensa maioria dos casos, esta forma de exploração provoca a dependência econômica do trabalhador. Sendo assim, o Direito do trabalho surgiu para regular uma situação econômica em que um homem – o trabalhador – depende economicamente do outro – o proprietário dos meios de produção e onde um homem – o proprietário dos meios de produção – apropria grande parte do valor gerado na cadeia de produção pelo outro (mais-valia). As relações de produção que ocorrem no interior da sociedade capitalista entre si e informam a ordem jurídica que, por sua vez, ampara 50 Vide DORNELES, Leandro do Amaral D. de. A Descaracterização da Tutela Jurídico-Social do Trabalhador. Justiça do Trabalho. Revista de Jurisprudência Trabalhista. Porto Alegre, Ano XVI, n.º 184, p. 91-102. Abr/1999. 35 esta relação de exploração. Assim, o proprietário dos meios de produção, amparado pelo sistema jurídico, determina aos trabalhadores o que, como, onde, quando e com que finalidade produzir. Muitas vezes, o trabalhador está inserido em um sistema de normas que torna extremamente débil o seu poder de decisão, envolvendo-se em uma cadeia de produção cujas conexões sociais sequer conhece (padrão taylorista/fordista, em que o trabalhador não tem a consciência do todo, do que produz). No entanto, o Trabalho que se insere na cadeia produtiva não se separa da pessoa humana do prestador. Esta noção fundamental à lógica do Direito do Trabalho somente pôde ser reconhecida quando os próprios trabalhadores se organizam e puderam expor suas necessidades e reivindicar a preservação de sua dignidade perante todo o grupo social, transformando o valor dignidade humana do trabalhador um elemento chave mesmo em uma sociedade tipicamente capitalista (ou seja, que se baseia, entre outros fatores, na exploração do trabalho humano). Por isso, pode-se afirma que a relação visada pelo Direito do Trabalho é imediata em relação ao trabalho, porém mediata em relação à pessoa. Em outras palavras: quando um trabalhador se insere no processo produtivo, inserese imediatamente a sua força de trabalho, mas também mediatamente, a pessoa humana e sua dignidade, pois ambas nunca podem ser separadas51. É a partir desta constatação global da relação de trabalho que o Direito do Trabalho define sua lógica. Lógica esta que se baseia em uma dupla perspectiva de preservação. O Direito do Trabalho busca um sistema de proteção mínima (nunca máxima) que preserve a dignidade da pessoa humana trabalhadora; nesta perspectiva, estas garantias tentam compensar a diferença sócio-econômica (exploração) existente no seio das relações capitalistas de trabalho. Já em outra perspectiva, estas 51 No mesmo sentido ARAÚJO, Francisco Rossal de. A Boa Fé no Contrato de Emprego. São Paulo: LTr, 1996, p. 77-78. 36 garantias mínimas preservam a diferença econômica (exploração) existente no seio da sociedade capitalista, embora procure fazer com que a mesma não aumente. Verifica-se que esta é a função normativa do Direito do Trabalho: por um lado, não deixar que a diferença sócio-econômica entre trabalhador e empregador aumente, preservando aquelas garantias mínimas; por outro lado, legitima juridicamente um determinado regime de exploração do trabalhador, preservando o sistema capitalista. Este é o princípio da proteção, ao mesmo tempo em que uma perspectiva intra-sistêmica busca preservar a dignidade do trabalhador (valor social dignidade da pessoa humana), acaba indiretamente, em uma perspectiva global ou inter-sistêmica, preservando a lógica da exploração do capitalismo como modo de produção hegemônico)52. Verifica-se ainda, como já foi dito acima, que o princípio da proteção está ligado à própria razão de ser do Direito do trabalho, o qual surge da desigualdade existente entre empregado e empregador. O legislador não pode mais manter a ficção de igualdade existente. Sendo obrigado a compensar esta desigualdade com uma proteção jurídica favorável ao trabalhador, que limite o direito do mais forte. O direito do mais forte é bem delimitado por Jean-Jaques Rousseau53: “O mais forte nunca é suficiente forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em direito, a obediência em dever. Daí o direito do mais 52 Idem, p. 78-79. ROSSEAU, Jean-jacques. Do Contrato Social e discurso sobre a Economia Política. 2000, p. 20. 53 37 forte, direito tomado ironicamente na aparência, e realmente estabelecido em princípio. Obteremos, porventura, uma explicação dessa palavra? A força é uma potência física, não vejo qual moralidade poderá resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade, é no máximo um ato de prudência. Em que sentido poderá ser um dever?”. Destarte, Radbruch54 consolidada a visão contratual do Direito do Trabalho especificando que atuação protetora não é de constituir igualdade entre as pessoas, mas a de nivelar as desigualdades existentes, ou seja, a igualdade deixa assim de constituir ponto de partida do direito para converter em meta ou aspiração da ordem jurídica. Este entendimento é sem dúvida alguma advindo da nova concepção de direito social, lançado, ou seja, muito usado no século XX, foi muito bem delimitada por Norberto Bobbio55: “Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o individuo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quase – concebendo a liberdade apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência à participação cada vez mais ampla, 54 55 RADBRUCH apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 86. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 1992, p. 32. 38 generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores – como os do bem estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado absolutista”. Então fica entendido que os Direitos trabalhistas são, antes de mais nada, advindos da concepção de Estado Social , determinando de que a proteção não está presente só no ramo específico mas no ideário de direito social. Este é o entendimento de Ana Virginia Moreira Gomes56: “Os direitos trabalhistas são direitos sociais e, além do reconhecimento e da defesa deferidos pelos órgãos políticos aos direitos individuais, exigem prestações possíveis positivas que caracterizam a própria forma de agir do Estado Social. Assim há ato de proteção sempre que o Estado interfere em certos espaços reservados antes à sociedade, a fim de amenizar desigualdades por ela própria geradas”. Sobre a concepção social de proteção do direito social Cesarino Jr.57 afirma que: 56 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p77. 57 CESARINO Jr. Apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 86. 39 “Em última análise o sistema legal de proteção do economicamente mais fraco (hipossuficiente) é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente fraco, que o empregado, se em litígio com o empregador”. Portanto, assim como o legislador produziu norma em caráter de proteção deve o interprete aplicá-las na mesma sintonia da sua elaboração, sendo importante que, embora o Direito do Trabalho não possua métodos próprios de interpretação, introduz e aprofunda no direito positivo a idéia de solidariedade social. Hueck e Nipperdey58 afirmam que: “A especial proteção do trabalhador tem dois fundamentos: 1) o sinal distintivo do trabalhador é sua dependência as ordens. Essa dependência afeta a pessoa do trabalhador; 2) a dependência econômica, embora não necessária conceitualmente, apresenta-se na grande maioria dos casos, pois em geral somente coloca sua força de trabalho a serviço de outro quem se vê obrigado a isso para obtenção de seus meios de vida”. Inúmeras são as posições doutrinárias que fundamento a existência do Direito do Trabalho abstraindo-se dos conceitos ideológicos Marxistas de Direito de Classe por Mario De La Cueva59 e Tarso Fernando Genro, o qual expressa com brilhantismo a idéia advinda da presença protetiva na atual sociedade: 58 HUECK e NIPPERDEY apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípio de Direito do Trabalho. 2000, p. 88 59 DE LA CUEVA, Mario apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. p. 86. 40 “A sua existência é um expresso reconhecimento que a sociedade atual é composta por classes dominantes e dominados. É o que está por trás, como estatuto científico, do conceito “cariativo” de hipossuficente.”60. Todavia, é de suma importância ressaltar que a aceitação doutrinária é quase uníssona no que tange ao reconhecimento do caráter protetor do Direito do Trabalho, sem restringir-se, exclusivamente, em conceitos ideológicos e políticos, em que pese seja a mais pura expressão da verdade o pensamento de Eros Grau61: “A neutralidade política do intérprete só existe nos livros, nos discursos jurídicos (=discursos que falam do Direito) (...) No discurso dos Direitos ela se dissolve sempre (...) Todas decisões jurídicas, porque jurídica, são políticas”. Vale destacar as opiniões contrárias dos juristas brasileiros J. Pinto Antunes, que sustenta sua tese “nos valores econômicos e políticos do capitalismo, ou seja, proteger o trabalhador seria contra a livre iniciativa empresarial, contra a vontade de desenvolvimento do Estado inscrita na constituição” 62, sendo que no mesmo sentido. Alípio Silveira63, que também nega o princípio protetor baseado em quatro fundamentos: “1) a finalidade do Direito do Trabalho e igualar, não privilegiar; 2) não se pode sacrificar o interesse da empresa para defender um único empregado; 3) no artigo 8° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), determina que não se deve sacrificar o 60 GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. 1994, p. 75 GRAU, Eros apud GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 37. 62 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 92. 63 Idem. 61 41 interesse público em detrimento de qualquer interesse privado; 4) se a dúvida não pode ser resolvida pelos processos comuns de hermenêutica, somente se decide em favor do empregado se não houver grave prejuízo para o interesse da empresa”. Inicialmente, devemos ter bem presente que os valores capitalistas descritos por J. Pinto Antunes, que estão calçados na ordem constitucional de 1937, ou seja, a atual carta de 1988, guinda, os direitos sociais à magnitude de um capítulo e a proteção tutelar do Estado. Ademais, o Princípio protetor não questiona a capacidade de decisão na empresa, não questiona a livre iniciativa; é inegável que o poder de direção está na mão do proprietário, até porque o Direito do Trabalho se aplica ao subordinado, trabalhador, que reconhece a supremacia do empregador. Em relação às críticas de Alípio Silveira de forma preliminar devemos afastar o argumento em torno da finalidade do Direito do Trabalho, pois conforme ensina Plá Rodrigues64: “Esse equilíbrio resulta do fortalecimento e do apoio, isto é, da proteção elemento trabalhador, graças ao qual pode se situar no mesmo nível da parte contrária”. No que tange a importância da estabilidade e prosperidade da empresa, o legislador tenta impedir que esta seja onerada com cargas insuportáveis. Porém esta concepção é interpreta a luz do espírito da lei que em razão da tutela protetora do Estado legisla protegendo. O mestre Luiz de Pinho Pedreira da Silva65 apresenta quatro fundamentos para o conceito de proteção no Direito do trabalho, sendo 64 65 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 93. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 26. 42 que adiante faremos uma exposição sintética, sem prejuízo às idéias do autor. O primeiro elemento apontado pelo autor é a subordinação jurídica, eis que o contrato de trabalho é revestido “da singularidade de ser, entre os contratos, o único em que há entre as partes uma relação de poder, a supremacia de uma delas (o empregador) sobre a outra (o empregado)”. Tal subordinação é advinda do poder diretivo, poder de comandar, dar ordens e impor disciplina. O segundo elemento é a dependência econômica, que advém da necessidade que o trabalhador tem de vender a sua força a outrem. Terceiro fundamento tem a ver com o comprometimento pessoal do trabalhador na execução das tarefas, o que lhe expõe a perigos de incolumidade moral e física, tais como doenças do trabalho, assédio sexual, dano moral etc. O quarto fundamento tem a ver com a incultura do trabalhador, sobretudo, no Brasil onde notadamente possuímos alto grau de analfabetismo e quase analfabetismo. Portanto, o trabalhador não tem conhecimento, nem tão pouca informação sobre direitos e obrigações no plano jurídico do contrato de trabalho. Esta realidade cultural do Brasil fica bem exposta no estudo de Márcio Pochmann66, o qual formulou um comparativo na América do Sul, sendo que todos os países têm baixo nível de permanência escolar. No entanto, o Brasil tem a pior média escolar com 3,9 anos, já a Argentina tem 8,7 anos, o Uruguai 7,8 anos e o Paraguai 4,9 anos. Assim sendo, acatamos a seguinte definição: 66 POCHMAM, Márcio apud GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 112. 43 Podemos definir o princípio da proteção como aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores. 2.2.2 - Técnicas e regras utilizadas para proteger o trabalhador A proteção, fruto dos Direitos Sociais, possui inúmeras formas de atuação no universo do direito laboral, seja por técnicas ou regras67. O jurista Pinto Pedreira desenvolve, meios de atuação objetivando a proteção do trabalhador, e os denomina de “técnicas de proteção”, as quais podem ser: 1° - A intervenção do Estado nas Relações de trabalho, que se concretiza na edição de normas e na adoção de outras providências tendente ao amparo do trabalhador. 2° - A negociação coletiva, que consiste em procedimentos destinados a celebração da convenção de trabalho ou acordo coletivo; 3° - A autotutela, que é a defesa dos interesses do grupo ou do indivíduo mediante o apelo à ação direta. Estas regras possibilitam a afirmação de que o Direito do Trabalho é um conjunto de garantias mínimas para o trabalhador, que podem ser ultrapassados em seu benefício. Nesse sentido, Manuel Alonso Olea68: 67 68 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 30. Idem, 1999, p.31. 44 “(...) embora o mandamento que o princípio implica seja dirigido aos poderes normativos, dele deriva que sejam nulas, ou não devam ser aplicadas pelos tribunais, quaisquer normas que impliquem redução dos mínimos estabelecidos por outra de nível superior em favor do trabalhador, aos quais não pode este renunciar”. É certo que a intervenção do Estado fere o liberalismo e o princípio geral de direito da liberdade contratual, mas consoante a famosa sentença de Lacordaire, entre o fraco e o forte a liberdade escraviza, a lei é que liberta. Outra importante conclusão deriva das técnicas mencionadas, é de que o procedimento de negociação coletiva é procedimento destinado a realização da autonomia privada coletiva, ou seja, a auto-regulação dos seus interesses pelos grupos profissionais contratantes. Vale dizer que os instrumentos da autonomia coletiva se sobrepõem hierarquicamente aos contratos individuais de trabalho, que só prevalecem contra eles quando sejam mais favoráveis aos trabalhadores, sendo que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 114, atribui competência a Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios coletivos69. Em relação a autotutela salienta-se que, constituem-se: na defesa dos seus interesses pelos próprios grupos ou indivíduos. Exemplos típicos 69 CF/88 Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da união, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. 45 de autotutela no campo do direito coletivo do trabalho é exemplificada pela greve e o lock-out70. Observa-se no que tange a forma de aplicação da ordem jurídica, já nos referimos à celeuma paradoxal com que é abordado pela doutrina o conceito principiológico da proteção. Adotamos, o entendimento do mestre Américo Plá Rodrigues71 que apresenta um único princípio com três regras distintas de aplicação. 1. Regra in dúbio pro operário, critério que deve ser utilizado pelo juiz ou interprete para escolher entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador. 2. Regra da norma mais favorável, determina que em caso de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela favorável ao trabalhador, ainda que rompa com os critérios clássicos de hierarquia; 3. regra da condição mais benéfica, determina que a aplicação de uma norma trabalhista não pode reduzir condições favoráveis ao trabalhador. Portanto, adiante se apresenta um estudo detalhado das três regras da proteção. Note-se, que não será raro que às regras serão chamadas de princípios, em face dos enfoques doutrinários (o referido 70 “Lock-out” (Expressão em inglês) – Greve dos padrões (greve patronal). Coalizão dos empregadores, que fecham simultaneamente e temporariamente seus estabelecimentos, por exemplo, como reação contra greve ou ameaça de greve de empregados que visam a melhoria da remuneração. Decorrente de decisão coletiva e de fins políticos ou contratuais. Seus exercícios e limites são objetivos de dispositivo constitucionais e de lei. Dicionário de Direito do Trabalho; coordenação de José Teófilio Viana Clementino, Amauri Mascaro do Nascimento e Cristóvão Piragibe Tostes Malta, 1985, pg. 175. Ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho disciplina na matéria no artigo 722. “Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabele3cimentos, sem prévia autorização do tribunal competente ou que violarem ou se recusarem a cumprir decisão proferida em dissídio coletivo, incorrerão nas seguintes penalidades”. A Lei n. 7.783/89 em seu Artigo 17 proibiu o Lock-aut no Brasil. 71 RODRIGUES, Américo Plá. Princípio de Direito do Trabalho. 2000, p. 107. 46 princípio desdobra-se em três regras: a) in dúbio pro operário; b) norma mais favorável; c) condição mais benéfica). 2.2.3 - Da regra in dubio pro operario A regra do in dubio pro operario foi transportada do in dubio pro reo, vigente no Direito Penal, bem como a favor debitoris existente no Direito Civil, onde e o devedor deverá ser protegido contra o credor. Tal regra possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum72. Ou seja, a regra do in dubio pro operario, também modernamente denominada de in dubio pro misero, constitui no desdobramento do princípio da proteção atinente a interpretação jurídica, o qual determina que entre várias interpretações que comporta uma norma, deve ser preferida a mais favorável ao trabalhador, ou como melhor definiu Montoya Melgar73, “uma regra de hermenêutica jurídicalaboral”. Essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória74. Enfatizando que essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória. 72 LIMA, Francisco Meton Marques de. Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência, p. 81. 73 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 41. 74 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA Filho, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho, 16.ª ed, São Paulo: LTr, 1997, p. 134. 47 Na mesma esteira de pensamento manifesta-se Ana Virginia Moreira Gomes75: “A regra in dubio pro operario constitui um critério de interpretação jurídica, conforme o qual, diante de mais de um sentido possível e razoável para a norma, o aplicador do Direito deve escolher o que seja condizente com o abrandamento da desigualdade material que caracteriza a relação de emprego”. Antonio Vasquez Vialard76, afirma que: “Em todos os ramos do Direito existe um critério para vencer a escolha da dúvida que oferece a interpretação de uma norma, assim como também, a aplicação da norma a outro caso, sendo que esta norma não é clara ao integrar um ordenamento jurídico”. Tal concepção exemplifica-se em relação ao direito comum, com a regra pro debitore que normalmente é a parte mais débil da relação. No Direito Penal aplica-se o critério in dubio pro reo, bem como no direito financeiro vige o critério in dubio contra fiscum. Enfatizando ainda a concepção segundo a qual o legislador deve estabelecer um favorecimento àquele que visa proteger, Cesarino Júnior77 afirma que: 75 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Principio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 46. 76 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 42. 77 CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito Social. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 112. 48 “Sendo o Direito Social, em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador”. Entretanto, a aplicação de tal regra suscita algumas dificuldades, haja vista não ser possível a sua aplicação de forma generalizada e incontida. Para que seja possível a aplicação do in dubio pro operario, torna-se necessária à observância de certas condições. Em sua obra Plá Rodrigues78, faz expressa menção aos ensinamentos de Deveali, no sentido da existência de duas condições para a aplicação da regra in dubio pro operario, a saber: “a) somente quando exista dúvida sobre o alcance da norma legal; e b) sempre que não esteja em desacordo com a vontade do legislador”. Neste sentido, não pode o intérprete estabelecer interpretação extensiva onde essa não é cabível, nem pode procurar interpretações que fujam da sistemática da norma, já que somente poderá ser aplicada a regra in dubio pro operario, quando efetivamente existir uma dúvida acerca do alcance da norma legal e, ainda assim, sempre em consonância com a mens legislatoris. Em sua lição, Ludovico Barassi79 faz um alerta para que se recorra ao in dubio pro operario, somente quando existir uma dúvida efetiva em relação ao alcance da norma positivada: 78 DEVEALI, Mario. La Interpretación de las Leyes Del Trabajo. Apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, p. 44-45. 79 BARASSI, Ludovico. Tratado del Derecho del Trabajo. Apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípio de Direito do Trabalho, p. 45. 49 “Não se deve pensar que, em homenagem ao espírito dos tempos, se possa exceder, não apenas os limites da forma literal, mas também os do espírito da lei, tal como resulta formula legislativa em homenagem ao fim protetor a que se propõe a lei. Há silêncio e reticências legislativas não fortuitas, mas provavelmente meditadas, de modo de que em tal hipótese é preciso agarrar-se ao critério – por si tão mecânico e talvez falaz – oposto ao da analogia, e que é o de ubi lex volut dixit /.../ Com efeito, em leis como estas em que a finalidade protetora leva o legislador a estender o mais possível à regulamentação tutelar com fórmulas habitualmente meditadas e amplas, é necessário entender, melhor ainda, que se a interpretação duvidosa de uma fórmula deve ser conciliada com o fim e a economia geral da lei, uma lacuna ou um silêncio não deverão ser integrados às pressas, naquele sentido unilateral, porque não se pode excluir a possibilidade de que a lacuna desejada represente uma homenagem ao equilíbrio entre os contratantes”. Ao menos de forma absoluta, não se pode afirmar que o empregado sempre será à parte hipossuficiente da relação jurídica, eis que, em certos casos, o empregador poderá ser tão, ou mais, frágil que o próprio empregado. Neste sentido, exemplificando, Francisco Meton Marques de Lima80, menciona caso concreto ocorrido na Vara do Trabalho de Quixadá (CE), conforme ora se aduz: 80 LIMA, Francisco Meton Marques de. Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência, p. 81-82. 50 “Diante do pretório, o empregado e o patrão, ambos com sintoma de infinita pobreza; o primeiro reclama soma elevada de diferença salarial, 13°, férias, horas extras, salário-família, indenização de antiguidade, anotação de CTPS; o reclamado não sabe sequer se manifestar em contestação, limitase a dizer que não tem condição financeira para pagar qualquer indenização, mesmo com prejuízo do sustento próprio e da família (claro que expresso em linguagem coloquial); o Juiz-Presidente propõe a conciliação e para a surpresa de todos, o reclamado oferece a bodega ao reclamante na condição de este o empregar com carteira assinada e salário-mínimo. O reclamante rejeitou a proposta, dizendo que a bodega (contra a qual reclamava) não suportava encargo”. Neste caso, não se pode afirmar de forma absoluta que o empregado seja à parte hipossuficiente da relação jurídica, razão pela qual, em determinadas situações, aplicação do princípio deve ser mitigada, tendo em vista o fato de que o hipossuficiente é recíproco. Aliás, reconhecendo que, em determinadas ocasiões, o hipossuficiente da relação nem sempre é o empregado basta lembrar que a subordinação que se exige como requisito para a caracterização da relação de emprego não é econômica, mas jurídica. Não é difícil encontrar situações em que o empregado, por diversas razões (outra fonte de renda, economias, herança etc.), possui condições econômicas melhores que o seu empregador. Também, há de se mencionar que existe grande divergência doutrinária acerca da possibilidade de aplicação da regra do in dubio pro 51 operario no âmbito processual, sobretudo em se tratando de matéria probatória. A doutrina divide-se, basicamente, em duas correntes. Com a finalidade de justificar a adoção do referido princípio, inclusive em matéria probatória, Cesarino Junior81 afirma que: “Na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não satisfazer ambições, mas a prover as necessidades imediatas da vida. Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou contra a lei /.../ assim, o na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não satisfazer ambições, mas a prover às necessidades imediatas da vida. Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou contra a lei /.../ assim, o elemento ético-social, concretizado na tutela razoável do trabalhador, contribui para uma solução humana e justa”. No mesmo sentido, Mozart Victor Russomano82 entende que: 81 CESARIANO Júnior, A. F. Direito Processual do Trabalho. Apud BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1977, p. 533. 82 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários a CLT. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 44. 52 “Se deve decidir em favor do empregado sempre que o juiz estiver, com fundados motivos, hesitantes entre duas soluções opostas. E quer essa dúvida resulte da ‘interpretação da lei’, quer resulte da ‘avaliação crítica da prova’, a conclusão do magistrado deve ser a mesma”. Para Santiago Rubinstein83, a dúvida do legislador pode ocorrer: “tanto no momento de interpretação da lei ou da aplicação in concreto da norma jurídica, bem como na valoração das provas produzidas pelas partes no processo”, ou seja, sendo que, em todas essas hipóteses, pode haver a incidência da regra do in dubio pro operario. Em contrapartida, a doutrina mais tradicional sustenta que a questão deve ser analisada sob o prisma do ônus probandi, e não pela aplicação da regra do in dubio pro operario, sendo certo que somente poderá o magistrado afastar-se desse critério, nos casos em que o legislador estabeleceu determinadas presunções, permitindo-se, pois, a inversão do ônus da prova84. Como exemplo típico disso, pode-se mencionar o caso em que o empregado com a finalidade de comprovar a jornada de trabalho laborada, requer ao juiz, que determine ao empregador para proceder à juntada de cartões de ponto, sob as penas do art. 359 do Código de Processo Civil (CPC). No caso de o empregador ignorar a determinação judicial, haverá uma presunção de veracidade das alegações do empregado, por força da disposição constante no art. 359 do CPC e Enunciado nº 338 da Súmula de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho85. 83 RUBINSTEIN, Santiago. Fundamentos para La Vigência del Princípio in dubio pro operario. apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. p. 47. 84 HENRÍQUEZ, Guilhermo Camacho. De La Carga de La Prueba en Proceso Laboral apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. p. 48. 85 CPC Art. 359 – ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I – se o requerido não efetuar a exibição, nem 53 Entretanto, o caso acima mencionado reflete perfeitamente uma incidência do princípio da proteção, mas não da regra do in dubio pro operario. O exemplo demonstra perfeitamente a aplicação das normas processuais atinentes ao ônus da prova, sendo certo que a presunção de veracidade das alegações do empregado, não demonstram aplicação da in dubio pro operario, mas apenas conseqüência por não ter o empregador se desincumbido do seu ônus probandi. Neste sentido, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região decidiu da seguinte forma: Prova dividida ou inconclusiva - decisão judicial. “O princípio do ‘in dubio pro operario’ é de natureza exclusivamente hermenêutica, quando o julgador, ao deparar-se com um dispositivo legal de sentido dúbio, adotará a interpretação que for mais benéfica ao trabalhador, trabalhistas, considerando-se por hipossuficiente. princípio, A são interpretação que as protetivas de leis do provas, entretanto, é de natureza processual e neste campo não existe proteção ao trabalhador, buscando-se, ao contrário, a igualdade entre os litigantes, motivo pelo qual a dubiedade ou inconclusão de provas levará o julgador a decidir contra a parte que detenha o ônus probatório, inimportando se este é o empregado ou o empregador. (TRT24ªR - RO nº 4.310/93 - Rel. Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior - DJMS 28.03.94)”86. fizer qualquer declaração no prazo do artigo 357; Em complemento a idéia, o Enunciado n° 338 dispõe que a omissão injustificada por parte da empresa de cumprir determinação judicial de apresentação dos registros de horário (CLT, art. 74, § 2°) importa em presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário. 86 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, Jurisprudência extraída da Internet. www.trt24.gov.br 54 Para Manoel Antônio Teixeira Filho87, não haverá incidência da regra do in dubio pro operario em matéria probatória: “Tendo em vista que ou a prova existe ou não se prova. A insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado seja ele o empregado. Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, não se prender pela utilização da in dubio pro operario, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma”. Afirma Benito Pérez88 que: “A regra do in dubio pro operario se aplica para a interpretação, ou seja, a verificação do sentido da norma jurídica, tendo em vista, que é a forma de atuar conforma o espírito da lei. Porém, não será possível a sua utilização em matéria probatória, já que os fatos devem chegar ao juiz exatamente como eles ocorreram, sendo vedada a utilização dessa regra para suprir deficiências probatórias”. 87 É importante mencionar que o ilustre autor não nega, contudo, a possibilidade de que, em outras hipóteses, haja a incidência do referido princípio no âmbito do direito processual trabalhista, sendo certo que não o admite em matéria probatória. In TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A Prova no Processo do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 1991, p. 101-102 88 O ilustre autor acrescenta que uma coisa é a interpretação da norma para valorar seu alcance e outra muito diferente é a apreciação de um meio de prova para decidir o conflito. In Pérez, BENITO. O Princípio in dubio, pro operario é inaplicável em matéria de prova. Apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. p. 45. 55 A decisão em benefício do empregado, pelo simples fato de ser empregado, não é decisão que se coaduna com as normas jurídicas positivadas, mas, ao contrário disso, reflete atitude piedosa, de favor, que se ressente de qualquer lastro de juridicidade. Torna a sentença frágil, suscetível de virtual reforma pelo grau de jurisdição superior. A desigualdade real entre as partes, entretanto, há de ser outorgada por leis processuais adequadas e não pela pessoa do julgador, a poder de certos critérios subjetivos e casuísticos89. Assim, a aplicação à regra do in dubio pro operario não pode ser aplicada de forma absoluta, sendo que a sua aplicação requer discernimento e ponderação do magistrado diante das situações concretas, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada. 2.2.3.1 - Condições e diretrizes na aplicação da regra in dubio pro operario Deveali90 apresenta como condições de aplicação da regra in dubio pro operario: “quando exista dúvida do alcance da norma legal, não ocorrer desacordo com a vontade do legislador”. O critério in dubio pro operario não é corrigir a norma ou integrala, mas determinar o verdadeiro sentido dentro dos vários possíveis, ou seja, é imperativo à existência de uma norma. Esta concepção também é defendida pela doutrina, através do eminentemente doutrinador Mario De La Cueva91, na seguinte passagem: 89 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A Prova no Processo do Trabalho. p. 101. RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 10. 91 DE LA CUEVA, Mario apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 112. 90 56 “Fala-se do princípio em caso de dúvida deve resolver-se à controvérsia em favor do trabalhador, posto que o Direito do Trabalho é eminentemente protecionista; o princípio e exato, mas sempre que exista verdadeira dúvida acerca do valor de uma cláusula de contrato individual ou coletivo ou da lei. Mas não deve ser aplicado pelas autoridades judiciais para criar novas instituições”. Ainda dentro das condições de aplicação da norma é sobremaneira interessante o posicionamento de José Martins Catharino, abordando primeiro a possibilidade de estender um beneficio ou diminuir um prejuízo e, depois no que tange gradativa aplicação do critério in dubio pro operario: “Restrinja-se o desfavorável e amplia-se o favorável. Ou, segundo os brocardos conhecidos: odiosa restringenda, favorabilia amplianda; benigna amplianda, odiosa restringenda. É regra de interpretação semelhante à penal, a contrário sensu: as disposições cominadoras de pena interpretam-se estritamente. /.../ Em progressão seria absurdo, por exemplo, a aplicação da regra, com igual peso de intensidade, a caos, mesmo iguais, estando envolvidos empregados ganhando salário mínimo e altos empregados, quase empregadores. Sem dosagem condizente e objetiva a regra seria imprestável e até odiosa”92. Em relação às diretrizes de aplicação da regra é possível localizar as seguintes93. 92 93 CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do Trabalho, 1982, p. 95. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, 1999, p. 62. 57 • A primeira é de que a regra in dubio pro operario, aplica-se tanto para estender benefício como para diminuir prejuízo. • A segunda diretriz determina a moderação na aplicação da regra, para que os tribunais não calem no subjetivismo perigoso. • A terceira diretriz determina a variação do brocardo em face da fonte de que provenha a norma interpretada, sendo arrematado pelo conceito de Vasquez Vialard que recomenda especial atenção as partes em relação a sua categoria e a situação especial em concreto. Esta última regra pode levar à conclusão no caso concreto de um jogador de futebol “estrela” não mereceria a regra in dubio pro operario, mas, em realidade, a grande maioria não possui este quilate, estando, muitas vezes, a serviço de clubes sem capacidade para remunerá-los, sendo que com certa freqüência, tem o pagamento dos seus salários atrasados, conforme temos notícia da realidade brasileira. Este análise salva as proporções que são aplicáveis às demais relações de trabalho94. 2.2.3.2 - Limites na aplicação da regra in dubio pro operario Pelo já exposto, é possível afirma a existência de dois limites, o primeiro é a existência real de dúvida sobre o alcance da norma e o segundo é denominado de ratio leis, ou seja, a interpretação favorável não pode contrariar a vontade do legislador. No entanto, a doutrina nos apresenta diferentes concepções acerca dos limites na aplicação da regra, sendo interessante abordar os aspectos em sua utilização ou negação. A primeira divergência conceitual está relacionada com a aplicação da regra in dubio pro operario no direito previdenciário. 94 Idem, p. 63. 58 Tissembaum e Deveali95 entendem inaplicável a regra em relação à matéria no campo previdenciário, sendo que os autores somente autorizariam o favorecimento do trabalhador no caso de eminência no atendimento médico, ou seja, casos em que o sujeito trabalhador ou sua família estivesse com o seu direito eminente a ser tutelado como assistência médica de urgência, intervenção cirúrgica etc. Outra importante divergência doutrinária em relação à utilização da regra in dubio pro operario ocorre em função do direito coletivo do trabalho, tendo em vista que alguns autores negam a influência da regra interpretativa no direito coletivo, pois haveria intervenção na liberdade sindical e no direito de cunho negocial. Entretanto, a maior parte da doutrina entende como pertinente à “aplicação no Brasil do in dubio pro operario no direito coletivo do trabalho”, arrematando com o ideário de Vasques Vialard96, ou seja, “na elaboração da norma se dá em paridade, mas a aplicação, na medida em que apareça duvida, é em favor do trabalhador”. Cavazos Flores97, expõe outra limitação, ao afirmar que: “o critério in dubio pro operario não pode interferir no poder administrativo da empresa”. Entretanto esta opinião é isolada, pois a regra aplicá-se a todos os setores do Direito do Trabalho, em que pese à existência do poder de gestão da empresa. 2.2.3.2.1 - Limitação em relação aos elementos probantes no processo trabalhista Existe o debate sobre a limitação da regra in dubio pro operario em relação aos fatos, ou seja, em caso de existir provas que determinem uma igualdade entre alegações de empregado e empregador. Seria 95 TISSEMBAUM e DEVEALI apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 51. 96 Possuem este entendimento América Plá Rodrigues e Luiz de Pinho Pedreira da Silva. 97 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 117. 59 cabível ao julgador aplicar a regra protecionista em caso de autêntica dúvida em relação aos fatos? Parte da doutrina entende que a regra, como de interpretação jurídica não admite aplicação em relação à interpretação de fatos, reconhecendo a dificuldade do trabalhador a uma boa defesa, mas isso não seria o suficiente para quebrar as regras da igualdade processual. No entanto, se no Direito material é reconhecida à debilidade econômica e jurídica do trabalhador, por que então estabelecer igualdade em face das regras do processo do trabalho? A interrogativa posta é brilhantemente resolvida pelo mestre processualista Wagner D. Giglio98 em sua obra Direito Processual do Trabalho que faz análise sobre o princípio protecionista no direito processual do trabalho: “O primeiro princípio concreto, de âmbito internacional, é o protecionista: o caráter tutelar do direito Material do Trabalho se transmite e vigora também no direito Processual do Trabalho. E assim é porque, nas palavras de Coqueijo Costa: o processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento de composição das lides, que garante a efetividade do direito material. E como esse pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa”. O mestre Giglio99 fundamenta o seu entendimento mencionando a idéia de Ada Pelegrine Ginover que afirma ser o processo autônomo, mas 98 99 GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho, 1995, p. 105. Idem, p. 105. 60 pela instrumentalidade conexo a pretensão de direito material, tendo como fundamento a atuação da norma objetiva e a tutela do direito violado. Afirma Giglio100: “Ora, o Direito Material do Trabalho tem natureza profundamente diversa dos demais ramos do Direito, porque imbuído de idealismo, não se limita a regular a realidade da vida em sociedade, mas busca transformá-la, visando uma distribuição da renda nacional mais equânime e a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e de seus dependentes; por que os conflitos coletivos do trabalho interessam a uma grande parcela da sociedade, e têm aspectos e repercussões sociais, econômicas e políticas não alcançáveis nem de longe pelos litígios de outra natureza; porque pressupõe a desigualdade das partes e, na tentativa de equipará-las, outorga superioridade jurídica ao trabalhado, para compensar a sua inferioridade econômica e social diante do empregador; e porque diz respeito, é porque diz respeito, é aplicado e vivido pela maioria da população”. Em relação ao pensamento doutrinário que nega a aplicação da regra in dubio pro operario afirmando que comprometeria a justiça, Giglio101 afirma que “justo é tratar desigualmente os desiguais” e a lei determina o favorecimento. “Em suma: o trabalhador é protegido pela lei, e não pelo juiz”. 100 101 Idem, p. 107. Idem. 61 No mesmo sentido, afirma Amador Paes Bueno102 que: “Com efeito, enquanto o direito processual civil, via de regra, assegura a aplicação das leis para garantir a inviolabilidade dos direitos individuais, o direito processual do Trabalho visa à tutela jurisprudencial de grupos ou coletivos como ressalta Amauri Mascaro Nascimento”. A propósito o citado Amauri Mascaro Nascimento103 em sua obra de processo do trabalho cita Trueba Urbina e Radbruch para afirmar que: “tantos as normas substantivas como as processuais são essencialmente protecionistas e tutelares dos trabalhadores”. Na visão de Sérgio Pinto Martins104 aplica-se a concepção protecionista: “O processo do Trabalho visa, segundo Galart Folch, assegurar empregado em a superioridade face de sua jurídica ao inferioridade econômica. O processo é que ira adaptar-se a natureza da lide trabalhista. O empregador sempre tem melhores meios de conseguir facilmente sua prova, escolhendo testemunhas entre seus subordinados, podendo suportar economicamente a demora na solução do processo. Já o empregado não tem essa facilidade ao ter que convidar a testemunha e não saber se esta comparecerá com medo de represálias do empregador, e, muitas vezes, de não ter prova a produzir por esses motivos”. 102 BUENO, Amador Paes. Curso Prático de Processo do Trabalho. 1994, p. 134. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso do Direito Processual do Trabalho. 1994, p. 55. 104 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 1994, p. 49. 103 62 Entretanto, sobrevém o questionamento: o magistrado ao aplicar a regra in dubio pro operario estaria quebrando uma regra cogente que determina a igualdade processual entre as partes? Para efetivar a resposta vale os ensinamentos de Hans Kelsen105 sobre a função juiz, aplicador do direito: “(...) é um criador de Direito e também ele é, nesta função, relativamente livre. Justamente por isso, obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida em que nesse processo seja preenchida a moldura da norma geral, uma função voluntária“. Assim, o magistrado tem autenticidade na criação de uma norma individual, eis que ao julgar um caso em concreto cria uma norma autêntica aplicável ao caso sub judice, o que autoriza a influência protetiva na elaboração de norma. Na matéria pertinente a influência da regra, é elucidador o pensamento de Santiago Rubinstein106 que concorda com a aplicação da regra independentemente de sua positivação, especificando que a aplicação é de fundamental importância em face da paridade de provas: “Não concebemos a vigência da Justiça Social no processo do trabalho quando se tenta excluir o princípio in dubio pro operario em matéria probatória já que pode haver paridade entre as distintas provas e então o julgador deve recorrer a sua aplicação, tendo em conta que para retificar desigualdades é 105 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduzido por João Baptista Machado. 1979, p. 470. REBEISTEIN apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 58. 106 63 necessário incorporar outras, segundo a feliz expressão de Couturier”. Por fim, cabe transcrever a passagem de Pinho Pedreira107, onde ele apresenta conclusões do IV Congresso Ibero-amerciano de Direito do Trabalho, reunido em São Paulo 1972, concluem: “O princípio in dubio pro operario incide nos processos trabalhistas quando no espírito do julgador não existe uma convicção absoluta derivada da análise das provas produzidas”. Por outro lado, podemos afirmar que existem normas processuais com sentido de proteção, a título de exemplo temos: a gratuidade do processo, não sucumbência, inversão do ônus da prova, o arquivamento do processo, quando o empregado não comparece a audiência, revelia se o empregador não comparecer a audiência, o impulso processual oficial ex officio determinado pelo juiz na execução. Insta destacar, que a inversão do ônus da prova na Justiça do Trabalho constitui nítida influência do princípio protetor no âmbito da regra processual, mas nada tem a ver com a aplicação do in dubio pro operario sobre um caso onde os elementos probantes estão empatados. Cabe ressaltar que o ônus da prova não mantém relação com a solução de matéria de fato, já que naquele caso abordou-se o chamado empate entre as provas. No que tange ao funcionamento da inversão do ônus da prova ensina o meste Giglio108: “Em síntese, incumbe ao reclamante (autor) provar os fatos constitutivos de seu direito (como por 107 108 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, 1999, p. 60. GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 1995, p. 246. 64 exemplo: a existência da relação de emprego, o despedimento, o trabalho em feriado etc), e a reclamada (ré), os fatos extintivos desse direito (como por exemplo: o cumprimento integral do contrato a termo, o pagamento das indenizações legais, o pagamento da remuneração do feriado em dobro etc.), ou a existência de outros fatos, impeditivos ou modificativos, que obstem que os primeiros alcancem seus efeitos normais (como por exemplo: a existência do pedido de demissão, a ocorrência de justa causa para o despedimento, o gozo de descanso em outro dia da semana etc.)” Sobre o ônus da prova, Américo Plá Rodrigues109 aborda com muita propriedade o atual estágio do processo do trabalho: “Apesar da vigência do sistema inquisitório, continua importante o problema do ônus da prova, entendendo-se que, na medida em que se aborda esse problema, consideração o trabalhador especial. Não merece apenas uma pela desigualdade básica das partes, nem somente pelo estado de subordinação em que se encontra muitas vezes o trabalhador, mas também pela natural disponibilidade de meios de prova que tem o empregador e que contrasta com a dificuldade que possui o trabalhador nesse aspecto”. Em relação à matéria, o Tribunal Superior do Trabalho consagrou o entendimento de inversão do ônus da prova nos Enunciados: 68, 212 e 338110. 109 RODRIGUES, Américo Plá. Principiologia do Direito do Trabalho. 2000, p. 117. 65 Insta salientar que o magistrado do trabalho possui certa liberdade na coleta e aplicação das provas, conforme os artigos 765 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), 130 e 395 do Código de Processo Civil (CPC)111. Para estabelecer uma conclusão sobre o assunto, transcrevemos os ensinamentos de Ana Virginia Moreira Gomes112: “Diante da complexibilidade que surge, especificamente na lide trabalhista – aplicação estrita das regras processuais ou reconhecimento da posição desfavorável em que se encontra o empregado – considera-se o cabimento para a aplicação da regra in dubio pro operario. Esta se expressa na inversão do ônus da prova, através das presunções favoráveis ao trabalhador, e, ainda, na aceitação do fato de que, mesmo tendo sido as provas produzidas, podem restar dúvidas suficientes para impedir que o juiz forme sua convicção. Isto não significa que se afasta a aplicação da lei apenas se reconhece não serem 110 Enunciado 68 TST - A prova é do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. (RA 9/77 – DJU 11.2.77). Enunciado 212 TST – Despedimento – ônus da prova – o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o principio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. (RA 14/85 – DJU 19.9.85). Enunciado 338 TST – Registro de Horário – inversa do ônus da prova – a omissão injustificada por parte da empresa de cumprir determinação judicial de apresentação dos registros de horário (CLT art. 74 § 2°) Importa em presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (RA 36/94 – DJU 18.11.94). 111 Art. 765 CLT - Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento deles. Art. 130 CPC – Caberá ao juiz de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo. Indeferido as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 359 CPC – Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que por meio do documento ou da coisa a parte pretendia provar. 1 – Se o requerido não efetuar a exibição nem dizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II – se a recusa for havida por ilegítima. 112 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 49. 66 estes dispositivos absolutos na resolução de um problema tão complicado, como bem acentuou Ponte de Miranda”. 2.2.3.3 - Debates sobre a validade da regra: as teses de negação A doutrina tem levantado a existência de crise em relação ao primado do in dubio pro operario, centralizando esta crise no fato que esta concepção só seria aplicável aos primeiros momentos do Direito do Trabalho e que hoje estaria contrariando a imparcialidade do magistrado. O doutrinador Maurício Godinho113 analisa a regra in dubio pro operario, contestando a sua validade e aplicação no atual Direito do Trabalho. Entende o autor que este princípio está contido na noção interpretativa da regra da norma mais favorável. “Ora, essa dimensão do velho princípio é valida e importante, sem dúvida, mas já está, hoje, atendida, com precisão, pelo princípio da norma mais favorável”. Na ótica de Pinho Pedreira114 esta crítica cai por terra ao realizarmos um estudo comparado, pois o autor afirma que esta concepção tem sido aplicada pelos Tribunais da França e do Uruguai, bem como está consagrado na legislação da Argentina, Venezuela, República Dominicana, El Salvador, Colômbia e México. No Brasil os grandes expoentes da doutrina trabalhista proclamam a existência da regra in dubio pro operario, dentre eles destacam-se Cesarino Junior, Orlando Gomes e Gottschalk, Arnaldo Susskind, Hugo Gueiros Bernades, Paulo Emílio de Vilhena, Evaristo de Moraes Filho, José Martins Catharino e Mozart Victor Russomano115. 113 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípio de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 84. 114 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 46. 115 Idem, p. 47. 67 Ramirez Bosco116 apresenta crítica ao in dubio pro operario, no sentido de que a dúvida desprestigia o magistrado aplicador do direito. Tal concepção é equivoca, visto que o critério in dubio pro operario é apenas um fundamento para o magistrado decidir por caminhos que necessariamente já existiam, mas que vão se diferenciar em face do acréscimo ao critério in dubio pro operario. “Não vemos, por isso, que se deva ser usando de uma maneira tímida ou dissimulada. A nosso ver, o que pode desprestigiar mais a justiça é um questionamento incompleto – e, portanto, insincero – das autenticidades motivações que tenham levado à sentença“. Por fim, devemos analisar criticamente a opinião que alguns autores fazem sobre a inaplicabilidade da regra in dubio pro operario. Afirmam que tal argumento não pode de forma alguma ser aplicado como regra única dos contratos coletivos de trabalho. Em resposta a esta crítica, é pertinente transcrever o fundamento de Luiz de Pinto Pedreira117: “Todavia, o poder social do sindicato e a autotutela não tiveram força suficiente, principalmente nos países do terceiro mundo, para suprimir a desigualdade econômica e jurídica entre os que vivem da sua força de trabalho e os donos do capital”, razão pela qual permanece a aplicação da regra. 116 117 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 109. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 49 68 Santiago J. Rubinstel118 arremata afirmando que o princípio in dubio pro operario surgiu como: “Conseqüência das econômicas sociais e evidentes entre desigualdades empregadores e trabalhadores, tais diferenças continuam vigentes, com a agravante de que se acham aumentadas pelas graves crises estruturais e pela incompreensão e carência de sensibilidade do setor patronal”. 2.2.4 - A regra da norma mais favorável ao trabalhador Ao iniciarmos a abordagem sobre a regra da norma mais favorável é importante mencionarmos o entendimento de Amauri Mascaro Nascimento119, o qual considera o princípio da norma mais favorável como o grande princípio do Direito do Trabalho, pois este possui tríplice função: ”A primeira referente à elaboração da norma jurídica mais favorável ao trabalhador, a segunda é o princípio da hierarquia das normas jurídicas, já que havendo diversos tipos de normas prevalecerá a mais benéfica ao trabalhador, e a terceira função é a interpretação das normas jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais forma de interpretar a norma jurídica, será escolhida a que conduzir ao melhor resultado para o trabalhador”. 118 RUBINSTEI, Santiago J. apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 49. 119 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 1990, p. 26. 69 No entanto, é preciso salientar que nem todos os doutrinadores reconhecem à tripla função descrita por Amauri Mascaro do Nascimento, mas trata-se de regra reconhecida de forma unânime como um critério de seleção de normas que favoreça mais o trabalhador. No pensamento de Mauricio Godinho Delgado120 a regra influência na fase pré-jurídica, pois seria fonte material formal, exercendo influência política clara na forma da norma, sendo que na fase jurídica o princípio atua como critério de hierarquia ou interpretação. O jurista Luiz de Pinho Pedreira da Silva destaca a importância do conceito enfatizando que o princípio da regra mais favorável é o mais amplo, em termos de proteção, e o único incontestavelmente específico do Direito do Trabalho, pois ao menos no sistema jurídico do Brasil não se admite a aplicação de norma hierarquicamente inferior com desprezo da hierarquicamente superior121. O direito do Trabalho possui caráter peculiar diferenciado do hermetismo corriqueiro da ordem jurídica, fato que fica explicito com a aplicação da regra da norma mais favorável, pois diferente no direito comum, entre as várias normas sobre a mesma matéria, aplica-se à pirâmide de Kelsen122, através de sua estrutura escalonada da ordem jurídica tendo o vértice na Constituição Federal. No Direito do Trabalho o vértice não será a Constituição ou a Lei Federal, ou as Convenções Coletivas, ou Regulamento de Empresa, não haverá de modo invariável e fixo o vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas, pois este será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes normas em vigor, tendo em que no ramo jurídico laboral existe fixado em suas normas níveis mínimos de proteção, 120 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 44. 121 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 47. 122 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Traduzido por João Baptista Machado. 1979, p. 309. 70 ou seja, nada impede que acima desses níveis de proteção venham novas normas que ampliem a própria proteção, sendo que no Brasil a regra da norma mais favorável está positivada no caput do artigo 7° da Constituição Federal de 1988123, o qual garante um mínimo de proteção ao trabalhador, ou seja, esta regra reconhecida na Constituição determina a própria existência do princípio protetor, pois “caso fosse ela subtraída, não mais existiria trabalhadores” 124 um conjunto de direitos fundamentais dos . A aplicação de uma norma por outra não importa em derrogação, mas apenas utiliza-se da tutela protetiva para privilegiar o trabalhador em um caso concreto, sendo importante ressaltar o pensamento de Luiz de Pinho Pedreira da Silva125 sobre o tema: “Embora o princípio da norma mais favorável torne ineficaz a regra de nível superior em relação a uma determinada situação jurídica a que seja aplicável norma de categoria inferior mais benéfica ao trabalhador, nem por isso há, no Direito do Trabalho, subversão da clássica hierarquia das fontes do Direito, quer porque é a norma hierarquicamente mais alta que, não proibindo a aplicação daquele princípio, possibilita-a, quer porque a subsunção do caso concreto à norma inferior mais favorável não derroga a norma superior menos favorável, que continua a reger as hipóteses para as quais seja pertinente a primeira”. 123 Art. 7° CF/88 – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social. 124 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho, 2001, p. 46. 125 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A Principiologia do Direito do Trabalho, 1999, p. 71. 71 2.2.4.1 - Fundamento jurídico para a aplicação da regra da norma mais favorável De plano, reiteramos que o principal fundamento da regra da norma mais favorável está localizado no caput do artigo 7° da Constituição Federal de 1988, sendo que a Consolidação das Leis do Trabalho, rege a matéria através das disposições dos artigos 444 e 620126. Ana Virginia Moreira Gomes menciona Pedro Vidal afirmando as normas de categoria inferior não podem restringir vantagens conferidas por normas superiores, sendo esta concepção jurídica reconhecida nos artigos 44 e 620 da Consolidação das Leis do Trabalho127. Portanto, o Direito do Trabalho brasileiro positivo a regra da norma mais favorável permitindo que o contrato individual de trabalho possa estipular normas mais benéficas que as já existentes e aplicáveis às relações, bem como as convenções coletivas prevalecem sobre os acordos em caso de cláusulas mais benéficas ao trabalhador. É da lavra do Ministro Coqueijo Costa128, o brilhante julgado sedimenta o presente entendimento: “A hierarquia das fontes sofre no Direito do Trabalho os efeitos da regra que beneficia o mais fraco, pelo que se aplica a mais favorável ao empregado”. 126 CLT Art. 444 – as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, as convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes. CLT Art. 620 – As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. (Redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei n.° 229, de 28.02.67). 127 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 60. 128 TST, 1° T. Proc. RR 570/74, Rel. Min. Coqueijo Costa citado por SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 68. 72 2.2.4.2 - Regras e pressupostos para aplicar a norma mais favorável. A regra da aplicação da norma mais favorável se constitui mais uma das vertentes do princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho. Para aplicar a regra da norma mais favorável, segundo Pinto Pedreira129, devem estar presentes os seguintes pressupostos: “a) pluralidade de normas jurídicas; b) validade das normas em confronto, que não devem padecer de vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade (abstraída naturalmente a questão da conformidade da norma com a hierarquicamente superior); c) Aplicabilidade das normas concorrentes ao caso concreto; d) Colisão entre aquelas normas; e) Maior favorabilidade, para o trabalhador, de uma das normas em cotejo”. Em relação às regras é com maestria que Duran Lopes130 em sua obra “Origem, evolução e tendências do estado de bem estar”, delimita as regras para a aplicação da norma mais favorável. 1. A comparação considera o conteúdo das normas, abstraindo-se das conseqüências econômicas, como por exemplo, o ônus imposto ao empresário. 2. Na comparação das normas deve ser considerada a coletividade dos trabalhadores para que não haja privilégio a um trabalhador e prejuízo a coletividade, ou seja, a cláusula contida em convenção coletiva de trabalho que fosse prejudicial à coletividade seria 129 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 67. DURAN LOPES apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 127. 130 73 nula, ainda que trouxesse benefícios a um trabalhador isoladamente considerado. 3. A solução na aplicação da norma mais favorável deve ser objetiva, considerando a inspiração das normas comparadas, ou seja, a apreciação da norma mais favorável não depende de avaliação subjetiva dos interessados, mas de forma objetiva, em função das razões que tenham inspirado as normas. 4. O confronto (a comparação entre duas normas aplicáveis) deve ser realizado no caso concreto verificando se a regra inferior é verdadeiramente favorável, como por exemplo, no caso de norma coletiva de aumento salarial condicionada, sendo que a norma inferior não vai substituir a superior, mas será aplicada ao caso. 5. Como a possibilidade de melhorar a condição dos trabalhadores constitui uma exceção ao princípio da intangibilidade da regra imperativa hierarquicamente superior, não se pode admitir a eficácia de uma disposição inferior, embora se possa duvidar de que seja efetivamente mais favorável aos trabalhadores131. A regra da aplicação da norma mais favorável resume-se em que havendo uma pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho, há de se optar pela que seja mais favorável ao trabalhador. 2.2.4.3 - Limites da aplicação da norma mais favorável. A aplicação de regra da norma mais favorável não é absoluta, comportando inúmeros limites e exceções. Saliente-se que o limite instrumental advém do confronto entre leis gerais e especiais, sendo que o estudo do direito comparado nos mostra como exemplo à Argentina, que através do artigo 2° da Lei de Contratos do Trabalho, determina que a lei especial só é aplicada se não 131 Idem. p. 57. 74 for incompatível com a lei geral, ou seja, a lei traz um conceito reconhecido pela doutrina de que, independente do reconhecimento normativo enquanto princípio positivado, a lei geral só será aplicável se não contrapor o sistema jurídico da lei especial, abstraindo-se a regra da condição mais favorável. Tal concepção é valida para o Brasil132. Ademais, também existem limites materiais relacionados com a possibilidade do Estado impor regras no interesse geral da sociedade, impedido que se aplique o conceito de norma mais benéfica, como por exemplo, motivos de ordem econômica determinassem congelamento de salário. Fundamentando o entendimento e o limite material descrito, temos o pensamento de Ana Virginia Moreira Gomes: As normas trabalhistas, além de resguardarem direito de uma classe, também constituem direito de toda a sociedade; entretanto, a norma que excepciona a aplicação a aplicação da regra protetora alcança de forma imediata um interesse público que seria atingido pela alteração in millius de uma condição específica de trabalho. Portanto, devemos estabelecer que as normas trabalhistas de ordem pública absoluta, as quais preservam interesse da sociedade não são objetos de derrogação, diferentemente das normas trabalhistas públicas relativas que admitem derrogação in mellus133. 2.2.4.4 - Teoria e método de aplicação da norma mais favorável. A doutrina busca estipular um método para determinar qual a norma mais favorável, destacando-se duas teorias, a do conglobamento ou inscindibilidade e a da acumulação ou atomista. 132 133 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 73. Idem, p. 74. 75 Os enfoques doutrinários colocam a problemática advinda do processo de comparação, onde fica a interrogativa: deve haver comparação em seu conjunto, ou de forma isolada? A teoria da conglobamento ou da incidibilidade afirma que as fontes devem ser verificadas em conjunto, sendo certo que não deve a cisão do instrumento que contém as normas aplicáveis. Deverá, portanto, segundo essa teoria, haver a consideração global ou do conjunto das normas aplicáveis, para então, se verificar a definição de qual é a mais benéfica. A teoria do conglobamento traz vantagens, pois respeita a harmonia interna e a organicidade das fontes jurídicas, assim como a vontade de quem elaborou a norma, especialmente, quando se trata de convenções e acordos coletivos, os quais podem inserir cláusulas compensatórias ou outro de modo a resultar no equilíbrio do conjunto. Contudo, cabe frisar que essa técnica determina a comparação de condições heterogêneas de trabalho, bem como subjetividade atinente ao conjunto de elementos fáticos que circundam o contrato de trabalho. A teoria do conglobamento foi consagrada no artigo 3° do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha, no seguinte teor: “Os conflitos originados entre os preceitos de duas ou mais normas trabalhistas tanto estatais como pactuadas, que deverão respeitar em qualquer caso os mínimos de direito necessário, resolver-se-ão mediante a aplicação do mais favorável para o trabalhador, apreciado em seu conjunto e no 76 cômputo anual quantificáveis” 134 a respeito dos títulos . No que é pertinente a teoria da acumulação ou atomista, é possível afirmar que ela colhe de cada norma uma das fontes em cotejo, as cláusulas mais favoráveis ao trabalhador, reunindo-as todas para aplicação ao caso concreto, ou seja, consubstancia-se na possibilidade de extração de cada norma as disposições mais favoráveis ao trabalhador, ou seja, haveria uma soma das vantagens extraídas de diferentes normas. Denomina-se atomista, pelo fato que não toma o todo como um conjunto, mas a cada uma de suas partes como coisas separáveis. Parte da doutrina atribui um caráter demagógico a posição acumuladora. Acerca do tema Mauricio Godinho Delgado, entende que não pode o operador do direito romper com a lógica jurídica, não pode ser casuístico, acumulando somente preceitos favoráveis devendo ser aplicada à teoria do conglobamento135. Pinho Pedreira136 emite a seguinte opinião: “A legislação tem, usualmente e com efeito coerência interna uma estrutura, um jogo de freios e contrapesos. Rara vez ou nunca é uma soma de positivos, porém costuma compensar proveitos e requisitos, benefícios e deveres ou condições. A valoração de uma cláusula singular, para decidir se é ou não mais favorável ao trabalhador, de acordo com a lógica jurídica, deve ser efetuada com critérios sistemáticos, isto é, não a isolando do 134 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 84. DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 45. 136 Idem. 135 77 conjunto do contrato, mas considerando-a no contexto desse contrato, do qual faz parte e a respeito do qual não goza de autonomia”. Destarte, o critério da acumulação provocaria uma instabilidade jurídica decorrente da aplicação de acordo com a realidade de cada contrato de trabalho. As imperfeições advindas das teorias do conglobamento e da acumulação deram origem a teoria do conglobamento por instituições. A explicação conceitual é exposta por Mario Deveali, que defende o conglobamento, ressalvando que o objeto de comparação não constitui, pois, cada cláusula – e ainda menos uma parte da mesma – mas o conjunto das cláusulas que se referem a uma mesma matéria, como por exemplo, regulação das férias, regulação sobre rescisão contratual etc., razão pela qual não se poderia aplicar parcialmente137. O jurista uruguaio Américo Plá Rodrigues138, também, defende uma posição intermediária, e do nosso ponto de vista a melhor fundamentada, eis que afirma a necessidade de se analisar o caso e os institutos que nele estejam presente, como, por exemplo, analisar disposições sobre férias ou hora extras e outros, pois se deve levar em conta o conjunto que: “Estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria, que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior. Mas não se pode levar a preocupação da harmonia além desse âmbito”. 137 DEVEALI, Mario apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 87 138 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000 p. 131. 78 Por outro lado, após avaliarmos as teorias, passamos a definir as regras metodológicas, também apresentadas como limites aplicativos, relacionados com a determinação da norma mais favorável139. A primeira regra denominada princípio diretores, determina que a comparação entre normas deve desprezar conseqüências, ou seja, se uma norma coletiva determina um aumento de salário, o fato de isto gerar como conseqüência um possível desemprego não pode ser levado em conta. Contudo, no atual contexto econômico, onde a relação capital trabalho sofre pressão do movimento flexibilizador e desregulamentador do Direito do Trabalho, esbarra na conseqüência de existir risco na manutenção dos pontos de trabalho, tendo norteado as negociações de melhoria para o contrato de trabalho, ou seja, vale mais manter o posto de trabalho do que, por exemplo, pleitear um aumento salarial. Entretanto, acreditamos que indubitavelmente a comparação jurídica passa por uma interpretação que não pode ficar a mercê de considerações econômicas e de flutuações da conjuntura, sob pena de esquecermos a lógica da ciência jurídica. A segunda regra determina que na comparação das normas devese tomar em conta a situação da coletividade trabalhadora atingida e não o interesse de um único operário isoladamente. Esta regra passa, necessariamente, pela análise do objeto em questão, eis que se a comparação é decorrente de vantagens individuais o critério a ser considerado é o interesse do trabalhador isoladamente, mas se o objeto tutelado é coletivo irá prevalecer o interesse conjunto de trabalhadores. 139 DURAND, Paul apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 77. 79 A terceira regra determina que na aplicação da norma mais favorável não se pode levar em conta os interesses subjetivos do trabalhador como, por exemplo, no prolongamento de jornada, que mesmo acompanhado de maior remuneração, não pode ser considerada com norma mais favorável, bem como no caso de supressão dos direitos com, por exemplo, de férias em troca de indenização pecuniária. Este critério deriva da intenção do Estado em proteger outros valores relacionados ao contrato de trabalho como a saúde do trabalhador. A quarta regra determina que a aplicação deve levar em conta o caso em concreto, como na situação em que uma cláusula dissidial de escala móvel, permitindo a revisão dos salários, em caso de variação do custo de vida de 10%, na alta ou na baixa, enquanto o coeficiente legal é de 5%, será julgada prejudicial no caso de alta do custo de vida e favorável em caso de baixa do custo de vida. A quinta e última regra determina que uma vez a norma mais benéfica, caso exista fundamentada perda para o trabalhador, a norma escolhida será tida como ilícita. Destacamos aqui algumas Jurisprudências do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, acolhendo a teoria do conglobamento, que proferiu a seguinte decisão: Horas in itinere - Princípio do conglobamento x princípio da norma mais favorável - Teto máximo para sua concessão fixado em convenção coletiva. Sendo a convenção coletiva firmada mediante transação entre as partes, há que se ter em mente o princípio do conglobamento onde a classe trabalhadora, para obter certas vantagens, negocia em relação a outras. Isso de modo algum afeta o 80 princípio da norma mais favorável ao trabalhador, uma vez que a norma coletiva deve ser analisada sistemicamente e não particularmente, sob pena de sua descaracterização. Assim, é válida a fixação de teto máximo para a concessão de horas in itinere em convenção coletiva. (TST - RR nº 214.745 - 5ª T - Ac. nº 903/97 - Rel. Min. Armando de Brito - DJU 18.04.97)140. Também assim, prestigiando a regra em questão, decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região: Norma coletiva – norma mais favorável. De acordo com a teoria do conglobamento, é da interpretação do conjunto das cláusulas normativas instituídas pelos respectivos instrumentos que se extrai o conceito da norma mais favorável. (TRT - 5ª R. - RO 008.95.1827-50 - Ac. 1ª T. 1.893/97 - Rel. Juiz Roberto Pessoa - DJBA 20/03/97) 141. Conforme já mencionado, resta evidente que a jurisprudência e à doutrina tem dado guarida ao princípio da autodeterminação coletiva142, já que a própria Constituição Federal foi bastante rica nesta questão, permitindo a redução de salários, a compensação da jornada de trabalho, 140 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Jurisprudência extraída da INTERNET. www.trt5.gov.br 141 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Jurisprudência extraída da INTERNET. www.trt5.gov.br 142 Para Francisco Meton Marques de Lima, o princípio da autodeterminação coletiva deriva do princípio protetor, já que o trabalhador individual não dispõe de barganha contra o empregador, não tem voz, não tem força. Por sua vez, o obreiro que reivindica passa a ser alvo de perseguição do meio econômico. Em resumo, sozinho, sem uma organização, o trabalhador não consegue nada para si nem para a categoria e sofre perseguições. Assim, o indivíduo esconde-se por detrás de uma associação, somente sua força à de outros companheiros, sem, entretanto, aparecer como sujeito ativo das reivindicações coletivas. Aparece a entidade e isso salvaguarda a pessoa individual do empregado reivindicante. In Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência, p. 54. 81 inclusive no que tange ao trabalho em turno ininterrupto de revezamento e, por fim, a reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, sempre mediante a negociação coletiva com a participação da entidade sindical143. A negociação coletiva deve ser instrumento de melhoria das condições de trabalho e, também, das condições de vida dos trabalhadores, razão pela qual deve ser atribuída prevalência das normas coletivas sobre as normas individuais, inclusive no que tange à identificação da norma mais favorável aplicável à determinada relação de emprego. Neste sentido, prestigiando a autodeterminação coletiva, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região proferiu a seguinte decisão: Horas in itinere - Pré-fixação por intermédio de norma coletiva - Possibilidade. A pré-fixação de horas "in itinere" mediante negociação coletiva se toma perfeitamente possível, em virtude da conglobamento, aplicação segundo o do qual princípio do podem ser pactuadas em convenções e acordos coletivos de trabalho, cláusulas aparentemente desfavoráveis aos trabalhadores, ao lado de outras que estipulem benefícios nem sempre protegidos pelas normas positivas, sem que o resultado global da avença coletiva 143 seja considerado necessariamente CF/88 Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social /.../ VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; /.../ XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários, redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho em turnos realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; /.../ XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Por fim, tem se que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (CF/88 Art. 8°, VI). 82 prejudicial, afastando-se assim a ocorrência de qualquer nulidade. (TRT - 15ªR - RO nº 20.906/96-0 - 5ª T - Ac. 010760/98 - Rel. Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva - DOE 05.05.98)144. De igual forma, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região decidiu a matéria da seguinte forma: Acordo coletivo de trabalho - Transação Validade. A autonomia dos sindicatos na negociação dos interesses e direitos da categoria representada encontra especial relevo na atual Constituição da República - artigos 8º, incisos I, III e VI, e 7º XXVI -, não havendo como se questionar a validade de cláusulas de instrumento coletivo, livremente pactuadas, mormente se os representados se beneficiaram de outras vantagens entabulado, pressupondo-se a do ajuste intenção de concessões recíprocas. Deve a norma coletiva ser interpretada levando-se em conta a Teoria do Conglobamento ou da Incindibilidade, a qual não admite a invocação de prejuízo como objeção a uma cláusula, abstraindo-a do conjunto que compõe a totalidade da negociação coletiva. Recurso a que se nega provimento. (TRT - 10ªR - RO nº 924/97 - Ac. 2ª T - Rel. Juíza Heloísa Pinto Marques - J. 10.03.98 - DJ. 27.03.98)145. 144 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Jurisprudência extraída da INTERNET. www.trt15.gov.br 145 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Jurisprudência extraída da INTERNET. www.trt10.gov.br 83 Em recente decisão, a mais alta Corte Trabalhista decidiu no sentido de dar prevalência à autodeterminação coletiva em detrimento de interesse de trabalhador individualmente considerado, tendo em vista que as partes, por meio de convenção ou acordo coletivo, livremente pactuaram as condições de trabalho e, sendo assim, devem ser cumpridas. Confira-se: Horas in itinere – Existência de horas excedentes à prevista na norma coletiva. Havendo cláusula normativa dispondo que serão consideradas horas ‘in itinere’ apenas uma hora diária, independentemente de comprovação, impossível a desconsideração do pactuado, tendo em vista o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, decorrentes de determinação constitucional, conforme exegese do art. 7º, XXVI, da atual Carta Política. Recurso Provido. (TST – RR nº 348.875/97.2 – Ac. 1ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula – j. 15.12.99)146. É possível, portanto, extrair que a verificação da norma mais favorável não poderá ser apurada pela acumulação de todas as normas favoráveis ao empregado, senão ser feita a partir de um conjunto de 146 Revista LTr, São Paulo, ano 64 n.° 08, 2000 p. 1043. Em seu voto, o Ministro Carlos Alberto Reis de Paula afirma que no caso em tela, verifica-se que o acordo coletivo assegurava aos trabalhadores o pagamento de uma hora diária a título de remuneração in itinere independentemente de comprovação. Por outro lado, ficou evidenciada, no acórdão regional, a comprovação de que o tempo gasto no percurso foi superior ao que fora estabelecido na norma coletiva. Ressalte-se que o entendimento predominante nessa Turma é o da prevalência do acordo coletivo de trabalho, que fora celebrado pela entidade sindical representativa da classe dos trabalhadores, tendo como base a livre estipulação entre as partes, desde que respeitados os princípios de proteção ao trabalho. Destarte, se há cláusula normativa dispondo que será considerada in itinere apenas uma hora diária, independentemente de comprovação, impossível a desconsideração do pactuado, tendo em vista o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho decorrentes de determinação constitucional, conforme exegese, do art. 7°, XXVI, da atual Carta Política. Ante o exposto, ressalvado meu entendimento pessoal, dou provimento para excluir da condenação as horas in itinere deferidas pelo Regional, restabelecendo, assim, a sentença de origem, no particular. 84 normas. A adoção da teoria da acumulação fere o poder de disposição das partes em negociação coletiva, e, sobretudo, vulnera o princípio da autodeterminação coletiva, tendo em vista que, em certas ocasiões, a categoria profissional negocia em relação a determinadas matérias, justamente com o fito de obter vantagens em outra. Assim, a adoção da teoria da acumulação, geraria um desequilíbrio entre as partes, estabelecendo vantagens indevidas a uma delas e, além disso, poderia prejudicar sobremaneira o que arduamente se busca – negociação coletiva para o estabelecimento das condições de trabalho. 2.2.4.5 - A regra da norma mais benéfica e o atual contexto O afastamento da regra da norma mais favorável fica ainda mais potencializado diante das manifestações de flexibilização, desregulamentação e negociação coletiva in pejus. Octavio Bueno Magano147 é enfático em afirmar que: “a regra da norma mais favorável não informa mais o Direito do Trabalho”. Todavia, o entendimento contrário à aplicabilidade da regra da norma mais favorável não deve vingar, eis que existe vasto suporte doutrinário, inclusive, em relação ao direito comparado, como consagra a Constituição da OIT no seu artigo 19, alínea 8°148. Na ordem jurídica brasileira é preciso que se destaque o comando do artigo 7°, incisos, VI, XIII e XIV da Constituição Federal de 1988149, os 147 MAGANO, Octavio Bueno apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 94. 148 Constituição da OIT. Artigo 19, alínea 8°. “Em nenhum caso se poderá admitir que a adoção de uma convenção ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de uma convenção por qualquer membro torne sem efeito qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis que as que configuram n convenção ou na recomendação” apud SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 1994, p. 342. 149 CF/88 Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem À melhoria de sua condição social: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII – duração do trabalho norma não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou 85 quais permitem derrogação de direito tutelar através de norma coletiva in pejus para casos de redução salarial, e ampliação de jornada de trabalho, inclusive, para turnos de revezamento. Estes comandos constitucionais, constituem-se em verdadeira aplicação da regra da norma mais benéfica e, por conseguinte, do princípio protetor, devendo ser repudiado pelos defensores do Direito do Trabalho. Ana Virginia Moreira Gomes150, comenta os dispositivos constitucionais: “Estas disposições constitucionais representam limite claro na aplicação do princípio protetor na medida em que favorecem a aplicação do princípio da autonomia privada coletiva, afastando a atuação do Estado e, em seu lugar, privilegiando a atuação dos próprios atores sociais”. No entanto é imperioso constatar que o pensamento de Ana Gomes aponta para a sobreposição da autonomia coletiva sobre a tutela protetiva, o que nos leva a lastimar o intuito do legislador constitucional, eis que o poder do trabalhador brasileiro de impor conquistas no âmbito da autonomia coletiva é, substancialmente, reduzido, seja pela pouca consciência de organização sindical ou pelo contexto econômico fúnebre, onde vige a pressão do desemprego. Todavia as introduções desregulamentadoras introduzidas pela Constituição de 1988, não fulminaram a aplicação da regra mais favorável, sendo conclusiva a opinião de Pinho Pedreira151: convenção coletiva de trabalho; XIV – Jornada de seis horas para o trabalhado realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. 150 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. 2001, p. 89. 86 “Por força dessas exceções que foram introduzidas, não pereceu o princípio, pois continua válido para muitos outros institutos do mesmo gênero previsto em normas constitucionais e ordinárias, como, só para citar alguns, salários mínimo, fundo de garantia, décimo terceiro remunerado, férias, equiparação salarial, licença cuja salário, a repouso gestante e regulamentação é insuscetível de desmelhoramento, mesmo através de convenção ou acordo coletivo, e passível de ampliação in mellus para os empregados, até normas hierarquicamente inferiores às que os disciplinam, pois têm estas o caráter de mínimas, comportando a elevação do nível de proteção ao trabalhador que nelas se estabelece”. 2.2.5 - A regra da condição mais benéfica. Na análise das regras derivadas do princípio da proteção constatou-se que o conceito in dubio pro operario, distingue-se das demais porque tem como pressuposto uma única norma, suscetível de diferente interpretação, devendo a dúvida ser dirimida em favor do empregado. A regra da condição mais benéfica e da norma mais favorável assemelha-se pelo fato de aplicarem-se quando da existência de uma pluralidade de normas aplicáveis ao caso, sendo que a primeira regra pressupõe confronto em razão das leis no tempo e a segunda trata-se de comparação entre simultâneas normas. Na visão dos contratualistas, conceitua-se a relação do contrato de trabalho como de trato sucessivo, pois a execução das obrigações se dá de forma continuada, ao longo do tempo. 151 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 95. 87 Portanto, o conflito enfocado pela regra da condição mais benéfica é aquele em que a lei mais antiga regula determinada situação que se inicia no nascedouro do contrato de trabalho e avança até a nova regulação. Esta regra tem relação com a existência de uma condição concreta, anterior, reconhecida e determinada devendo ser respeitada se mais favorável ao trabalhador, ou seja, essa regra determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis. Efetivamente, a alteração das normas trabalhistas (lato sensu) não pode gerar uma modificação para piorar as condições de trabalho do empregado. Pode-se dizer que esse fundamento encontra guarida no direito positivo, evidenciado pela disposição segundo a qual: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”152. Ratificando o posicionamento do legislador, nesse sentido, o Enunciado n° 51 da Súmula de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, dispõe que: “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. 152 Consolidação das Leis do Trabalho, art. 444. 88 O jurista Américo Plá Rodrigues153 apresenta estudo no sentido de que os conceitos denominados pelo enunciado apresentam dois elementos: condição e benefício. A condição deve ser entendida como a situação particular de fato, voluntariamente outorgada pela empresa, ou de direito concedido pela lei anterior. Em relação à conceituação da regra da condição mais benéfica Olejo Avillés e Miguel A. Sardegna154 define como: “A conservação das vantagens obtidas por aplicação de normas anteriores se mais benéfica ou não contempladas pela norma substituída, podendo ser sintetizado pelo fato de que as normas não se modificam nem se substituem para explorar a situação do trabalhador. Deve-se respeitar a situação mais favorável que este gozava antes do pacto, norma, convenção coletiva ou laudo que tente piorar a situação do autor”. No que se refere ao fundamento, encontram-se duas posições divergentes, sendo uma defendida por Luiz de Pinho Pedreira da Silva155 o qual afirma ser esta regra derivada do direito adquirido. Entretanto, Ana Virginia Moreira Gomes156 discorda da relação estabelecida, apresentando o seguinte fundamento: 153 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 132. AVILIÉS, Olejo; SARDEGNA, Miguel A apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 102. 155 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 102. 156 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Principio Protetor no Direito do Trabalho. 2001. p, 51 154 89 “A regra da condição mais benéfica diferencia-se da teoria dos direitos adquiridos, porque seu âmbito de aplicação é distinto: naquele, o conflito no tempo ocorre entre duas normas convencionais; enquanto, nesta última, o conflito dá-se entre duas normas estatais”. Com máxima venia a autora parece expressar um limite não conceitual, tendo em vista que diferenciar a origem da norma não descaracteriza o fundamento do direito adquirido. O pensamento da doutrina brasileira a respeito está bem representado na lição de Caio Mário da Silva Pereira157: “Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para o seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade”. Portanto, a referencia que se faz não concebe a comparação da origem do diploma normativo, razão pela qual não é plausível a negação sobre os direitos adquiridos, até por que no Brasil o direito adquirido pode nascer do contrato ou de outras fontes jurídicas, sendo plena a aplicação da regra da condição mais benéfica. 157 GOMES, Orlando apud PEREIRA, Caio Mário da silva. Instituições de Direito Civil. 1961, p. 125. 90 Orlando Gomes158 esclarece: “É realmente, do contrato que nasce o vínculo de trabalho; e as obrigações essenciais que lhe são inerentes entram no concurso de vontades, seu elemento propulsor. O contrato é, pois, a única e exclusiva fonte voluntária da relação de emprego. Esta fonte tem sua capacidade produtiva limitada pela produção de outras fontes que, por sua natureza, podem ser denominadas imperativas, visto como suas normas se impõem de modo irresistível à vontade dos contratantes, incorporando-se automaticamente ao conteúdo da relação”. Dessa forma, é possível concluir que a regra da condição mais benéfica é garantia de que, ao longo do contrato de trabalho, vale cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, revestindo-se do caráter do direito adquirido, sendo fundamental as considerações de Maurício Godinho Delgado159: “O que o princípio abrange são as cláusulas contratuais, ou qualquer dispositivo que tenha, no Direito do trabalho, essa natureza. Por isso é que, tecnicamente, seria o melhor enunciado pela expressão princípio da cláusula mais benéfica“. 158 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999 p. 103. DELGADO, Mauricio Godinho. Principio de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2001, p. 54. 159 91 2.2.5.1 - A condição mais benéfica em relação ao contrato de trabalho As condições no contrato de trabalho, como já foi salientado, deveriam, necessariamente, do tipo de modalidade contratual analisada. O contrato de trabalho pode ser firmado expressa ou tacitamente conforme determina os artigos 442 e 443 da Consolidação das Leis do Trabalho160. Destarte, as cláusulas que instituem condição mais benéfica podem ser tácitas, eis que se o empregador concede voluntariamente melhora, entende-se aceita esta pelo trabalhador e incorporada ao conteúdo do contrato como cláusula tacitamente pactuada. Por outro lado, é pertinente a ressalvada de Luiz de Pinho Pedreira da Silva161 ao ressalvar que: “No direito brasileiro serão nulas as alterações unilaterais do contrato, e mesmo as bilaterais estas 160 CLT Art. 442 – Contrato Individual de Trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente À relação de emprego. Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre éster e os tomadores de serviço daquela. Parágrafo acrescido pela Lei 8489, de 09,12,1994 (DOU de 12, 12, 1994 em vigor desde a publicação). CLT Art. 443 – o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. § 1° - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. * O Decreto – Lei 229, de 28.02.1967, transformou o antigo parágrafo único do art. 443 em § 1°. § 2° - O contrato por prazo determinado só será valido em se tratando: * O Decreto – Lei 229, de 28.02.1967, acrescentou o § 2° ao art. 443. a) de serviço cuja ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo. B) de atividade empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência. 161 SILVA, Luiz Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 104. CLT Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é licita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infrigente desta garantia. Parágrafo único. Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregador reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança. 92 últimas quando causem, direta ou indiretamente, prejuízos ao trabalhador (art. 468 da CLT)”. 2.2.5.2 - A limitação da regra A aplicação da regra da condição mais benéfica é consagrada pela doutrina, jurisprudência e em norma constitucional de ordem geral. No entanto a aplicação dessa regra possui limites, os quais Ojeda Avilés 162 melhor classificou: “Assim se apresentam limites intrínsecos e extrínsecos, sendo que os primeiros decorrem do próprio regime jurídico da condição mais benéfica, e, em razão deles, não ficam protegidas as condições coletivas de representação, negociação e conflito, as expectativas de direito nem as interinidades, devendo os trabalhadores somente alegar condição anterior mais benéfica se de fato forem abrangidos por elas. No que tange aos limites extrínsecos; o primeiro seria a expressa declaração em convenção coletiva de que não será reconhecida a condição mais benéfica; o segundo limite extrínseco é o da técnica jurídica da compensação, ou seja, não se acumulam as vantagens da norma antiga com as da nova norma, respeita-se o limite dos benefícios retributivos, os incrementos da nova concepção podem ser absorvidos e compensados com aquelas melhoras”. Como já foi dito a regra da condição mais benéfica não importa em derrogação da nova lei, apenas ocorre à chamada garantia ad personam. Tal desigualdade não fere, no caso, o princípio constitucional 162 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 107. 93 da isonomia, de que descende o de tratamento igual do Direito do Trabalho, pois um e outro proíbem discriminação arbitrária e não as que tenham causas objetivas como aquelas decorrentes do respeito à condição mais benéfica e, em conseqüência, ao direito adquirido, que socorre aos trabalhadores amparados pela aludida condição mais não aos outros. Entretanto no Brasil esta disposição, não vingaria em razão de que a nossa Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 5°, XXXVI163, reconhece o Direito Adquirido. Conforme o entendimento do autor Odonel Urbano Gonçales164: “A lei não pode tirar do trabalhador condições e benefícios já concedidos e adquiridos, exatamente por ser o trabalhador a parte hipossuficiente da relação de trabalho. Do contrário, o trabalhador não teria nenhuma segurança em sua vida quotidiana”. O Enunciado da Súmula 87 do Tribunal Superior do Trabalho exemplifica: “Se o empregado, ou o seu beneficiário, já recebeu da Instituição Previdenciária Privada, criada pela empresa, vantagem equivalente, é cabível a dedução do seu valor do benefício a que fez jus por norma regulamentar anterior”. 163 CF/88 Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 164 GONÇALES, Odonel Urbano. O Direito do Trabalho para Concursos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 29. 94 Sobre limites na aplicação devemos considerar a ressalva que Américo Plá Rodrigues faz sobre a discricionalidade do empregador. Se na prática, os fatos demonstrarem que se tratava de um benefício meramente transitório, uma vez finda a situação que o originou, pode ser tomado sem efeito. Entretanto, se é beneficio que se prolongou além da circunstância que lhe deu origem, ou que não esteja ligado a nenhuma situação transitória especial, devemos concluir que constituiu condição mais benéfica, que deve ser respeitada165. 2.2.5.3 - Os instrumentos normativos e a condição mais benéfica. Em relação à aplicabilidade da condição mais benéfica se apresenta uma grande problemática envolvendo a convenção coletiva, acordo coletivo e sentença normativa, eis que a condição mais favorável estabelecida por estes instrumentos deve ser respeitada. Na busca da melhor conceituação é importante estabelecer a distinção entre cláusulas obrigacionais e cláusulas normativas. As primeiras são as que criam deveres para as próprias partes como, por exemplo: sanções por inadimplemento, criação de comissões paritárias para dirimirem divergência quanto à interpretação do dissídio coletivo, criação de obras como colônia de férias, bem como outros casos similares. Tal categoria obrigacional não goza de ultratividade, a sua vigência cessa com o fim do instrumento normativo que as prevê. Porém, as cláusulas normativas por determinarem o conteúdo dos contratos individuais de trabalho só serão sobrepostas se a nova norma 165 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 2000, p. 139. 95 for mais favorável que a antiga, caso contrário aplicar-se-á à regra da condição mais benéfica. Nessa esteira, é fundamental a opinião de Délio Maranhão166 que afirma: “Extinta a convenção coletiva, claro que suas cláusulas contratuais, obrigando, diretamente, as partes convenientes, se extinguem, também. Quanto às cláusulas normativas, que estabelecem condições de trabalho, às quais terão que se subordinar os contratos individuais, perdem, evidentemente a sua eficácia em relação aos novos contratos que se irão celebrar, individualmente, depois de extinta a convenção”. No que se refere aos contratos por ela modificados, automaticamente, ou celebrados durante o período de vigência da norma, não nos parece que, em nosso direito positivo do trabalho, possa haver outra solução: continuam regidos pelas normas da convenção extinta. É que elas se incorporam nos contratos individuais e as condições do trabalho nestes incorporados não podem sofrer alterações, nos termos expressos no artigo 468 da CLT167. Em contrário à maioria da doutrina do Direito do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), editou o Enunciado 277: “As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva os contratos”. 166 MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. Revista atualizada de acordo com a constituição de 1988 e legislação posterior. 1993, p. 328. 167 Idem. 96 Nessa linha de raciocínio entendem Valentim Carrion e Octavio Bueno Magano168. No entanto a defesa do Enunciado 277 do TST é minoria na doutrina de nosso país, sendo ao nosso ver correto o entendimento de Luiz de Pinho Pedreira da Silva: “Mas esse enunciado não é vinculativo, nem merecedor de observância, porque, como dito acima, vale a tese da incorporação definitiva para as sentenças normativas “169. Vale destacar que o ordenamento juslaboral pátrio, notadamente a Consolidação das Leis Trabalhista, possui dispositivos que garantem a ultratividade da condição mais benéfica, assegurando a sua eficácia normativa, como já citados artigos 444 e 468 da Consolidação das Leis do Trabalho. Além dos artigos já mencionados, temos no Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho os artigos 611 e 619 do mesmo diploma legal que também constituem dispositivos legais que garantidores da ultratividade da condição mais benéfica170. Os mencionados dispositivos celetista determinam que a autonomia da vontade individual não pode quebrar norma de convenção ou acordo coletivo, o contrato individual de trabalho não pode ser alterado, em prejuízo do trabalhador, bem como é nula de pleno direito a 168 CARRION, Valentin. Cometários à Consolidação das Leis do Trabalho. 2001, p. 453. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 114. 170 CLT Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos, representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho. Art. 611 com redação dada pelo Decreto-Lei 229, de 28.02.1967. § 1° - É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes Às respectivas relações de trabalho. § 1° com redação dada pelo Decreto-lei 229, de 28.02.1967. CLT Art. 619 – Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito. Art. 619 com redação dada pelo Decreto-Lei 229, de 28.02.1967. 169 97 disposição contratual individual que contrariar norma de convenção ou acordo coletivo. Nesse sentido é elucidativo o entendimento de Orlando Gomes e Élson Gottschalk171: “O contrato gera direitos e obrigações. A convenção coletiva traça normas a que devem estar condicionados esses direitos e deveres. Nessas condições, o conteúdo da relação de emprego encontra na convenção coletiva de trabalho uma das mais abundantes fontes imperativas”. E importante ressaltar que a incorporação da condição mais benéfica ao contrato de trabalho possui apoio em Pontes de Miranda172: “Conseqüências da extinção – Se ao expirar o prazo do contrato normativo, ou ao extinguir-se ele por outro causa, que não seja desconstitutiva ex tunc, já se havia concluído contrato com a observância das normas, não há qualquer repercussão de extinção”. Por fim, cabe ressaltar os exemplos advindos do Direito Comparado. Em Portugal, os direitos adquiridos e vencidos são intocáveis pelo fenômeno da sucessão das convenções. Na Itália respeita-se o direito adquirido quando convenção posterior é desvantajosa. Na Alemanha com base no Estatuto Regulamentador do Trabalho em seu artigo 4°, parágrafo 5°, determina que uma convenção coletiva após sua vigência pode produzir efeitos a posteriori. Na França o artigo L. 132-6 do Código do Trabalho preceitua que à falta de estipulação contrária, a convenção ou acordo coletivo de duração determinada que expirar 171 GOMES, Orlando. GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 1994, p. 47. MIRANDA, José Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo, XLVII. 1964, p. 378. 172 98 continua a produzir seus efeitos como uma convenção ou acordo de duração indeterminada173. Concluindo, qualquer modificação das condições de trabalho importará em afronta à regra da condição mais benéfica, já que tal postulado repousa sobre a garantia constitucional de respeito ao direito adquirido, salvo em se tratando de condições benéficas estabelecidas provisoriamente, as quais poderão ser suprimidas e, ainda, aquelas modificações que não importam em alteração de condição mais benéfica, tais como a supressão de labor em ambiente insalubre ou perigoso, trabalho noturno e extraordinário. 173 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 1999, p. 114. 99 CONCLUSÃO O Estudo da principiologia protetiva demonstrou o papel fundamental exercido pelos princípios do direito na ordem jurídica, eis que estruturam e oxigenam o Direito com os elementos valorativos que neles se inserem. Nesse sentido o conceito de proteção e as suas regras de atuação não só justificam a autonomia do Direito do Trabalho como atribuem o essencial objetivo de promover a justiça social. Saliente-se que os princípios de Direito do Trabalho, inegavelmente, constituem uma forma de proteção do trabalhador, já que neste ramo de direito, ao contrário da paridade das partes existente no direito comum, existe uma flagrante desigualdade entre as partes contratantes. Pode-se dizer que o princípio basilar informativo do Direito do Trabalho é o princípio da proteção, sendo que este princípio comporta subdivisão para estabelecer três regras: in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica. Em síntese, pode-se afirmar que à aplicação dessas três regras visam a igualdade das partes – não no campo econômico –, mas no sentido tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, eis aí a essência do princípio da isonomia ou igualdade substancial. Não basta a garantia formal da igualdade das partes, mas é necessário assegurar a igualdade substancial. O Direito do Trabalho, com a finalidade de igualar os desiguais, estabeleceu normas em benefício da parte mais frágil: o trabalhador. No entanto, desde o nascimento do ramo jurídico laboral, trava-se uma disputa essencialmente ideológica, onde os liberais defendem o afastamento da concepção protetiva, sob a tese de que a liberdade pressupõe a igualdade. 100 Do outro lado, está o ideário dos direitos sociais, consagrados constitucionalmente como os de terceira geração, onde o Estado tutela e equilibra situações de desigualdade como a do contrato de trabalho, já que não resta a mínima dúvida de que o trabalhador é hipossuficiente na relação contratual, como no pensamento de Jean-Jaques Rosseau174: “A liberdade não pode sobreviver onde o cidadão indigente está disposto a vende-la por um prato de lentilhas”. Assim, o embate era justificado na teoria contratualista de autonomia da vontade contra a proteção contratual. Entretanto, prevaleceu, a custa da luta dos trabalhadores, a necessidade jurídica de proteger o trabalho na relação com o capital, sendo que esta vitória, influenciou outros ramos jurídicos onde, também existia no plano fático profunda desigualdade contratual. Porém, a partir do final da década de oitenta os defensores da autonomia da vontade, se travestem com uma nova roupagem, acrescentando ao pensamento liberal a noção de globalização econômica, avanços tecnológicos, desemprego, competividade, eficácia e evolução do capitalismo. O neoliberalismo propôs a flexibilização175 e a desregulamentação, concepções jurídicas que embora diferenciadas atentam contra a regra protetiva do trabalho, pois como ficou devidamente exposto nesta monografia o Direito do Trabalho é, essencialmente, a existência do próprio princípio da proteção, ou seja, desregulamentando 174 ROSSEU, Jean-Jacque apud SADER, Emir; GENTIU, Pablo. Pós – Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. 2000, p. 71. 175 A tendência é flexibilização das normas que regulam o Direito do Trabalho, visando o privilégio da coletividade trabalhadora, relegando à segundo plano o trabalhador individualmente considerado, razão pela qual a aplicação do princípio da proteção, certas vezes, fica um tanto quanto limitada, demonstrando, assim, que o princípio em comento não se aplica de forma absoluta às relações de trabalho, mas, ao contrário do que se pensa, comporta certas limitações. 101 ou flexibilizando, estaremos retirando aquilo que é essencial, a tutela estatal dos direitos sociais. Portanto, cabe aos operadores do ramo Juslaboral, juízes, professores, advogados, doutrinadores, estudantes, sindicalistas, trabalhadores e a coletividade em geral, impedir que as concepções da autonomia da vontade, derivadas do neoliberalismo e associadas à teoria jurídica da flexibilização, vençam o ideário da proteção ao trabalhador, pois caso isso ocorra estaremos anuindo com a extinção do próprio Direito do Trabalho. Vimos que os princípios do Direito do Trabalho podem ser analisados em uma dupla perspectiva: interna e externa. Em uma perspectiva interna, os princípios revelam as verdades básicas do sistema, a partir do conteúdo valorativo presente nas inter-relações de suas normas. Em uma perspectiva externa, revelam alguns dos valores existentes no seio da sociedade emitidos ao subsistema Direito a fim de serem preservados. Assim ocorrem com o mega-princípio da tutela: mais do que um valor básico do Direito do Trabalho, a proteção do trabalhador apresentou-se, ao menos à época da formação deste ramo jurídico, um valor social fundamental. Atualmente, vivemos um período de reestruturação do sistema capitalista, e conseqüentemente, da sociedade capitalista. É o período da chamada acumulação flexível, em que os meios de produção se estruturam de modo a perquirir mobilidade na produção a partir das demandas do mercado. Nesse contexto, o trabalho humano dignamente prestado e a busca pela inserção máxima do trabalhador no processo de produção são vistos, a partir da lógica hipertrofiada do Capital, como valores secundários, entraves à própria capitalista. Esta lógica se consolida aos poucos no seio social, sedimentando a idéia hoje quase consensual de que à proteção jurídico-social do trabalhador nos moldes do Direito do Trabalho é inviável às economias capitalistas. Esta idéia 102 forma a brecha para a propagação do discurso de flexibilização ou de desregulamentação de direitos trabalhistas historicamente consolidados. Os direitos trabalhistas não representam entrave social. Embora não representem emancipação, representam inegável evolução social. Enquanto não se pense para além de uma sociedade estruturada sob uma lógica perversa de acumulação por parte de poucos às custas da dignidade de muitos, os direitos trabalhistas representam, pelo menos, a esperança de um mundo onde a dignidade humana seja minimamente preservada. O único valor que tais direitos confrontam é o que diz respeito à acumulação capitalista em sua forma mais selvagem. Assim, se é imprescindível uma reformulação da regulação jurídica do mercado de trabalho – de forma a adaptá-la à nova realidade do sistema capitalista – não é menos imprescindível que dita reformulação tenha como norte à preservação da dignidade do trabalhador, uma vez que este ainda é hipossuficiente e ainda é o representante legítimo de um dos valores básicos e fundamentais da dinâmica social moderna: o trabalho. Entretanto, o que se buscou demonstrar com o presente estudo é que a aplicação dos princípios, em geral, e, especialmente o princípio da proteção, não pode ocorrer de forma absoluta e impensada, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada. Ademais, em que pese à peculiaridade do Direito do Trabalho, deve se ter bem presente que em todos os ramos do direito a proteção é sempre em beneficio da parte mais fraca da relação, ou seja, na relação trabalhista o trabalhador é protegido em face do empregador, na relação do direito comum o devedor em relação ao credor do direito comum, e assim sucessivamente. 103 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARAUJO, Francisco Rossal de. A boa fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996. BOBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. Traduzido por Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. 4ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994. 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São Paulo: Ltr, 1991. 108 ÍNDICE INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 11 NOÇÕES GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS 11 1.1 – Conceito e Definição 12 1.2 – Funções 15 1.3 – Enumeração dos Princípios do Direito do Trabalho 20 1.4 – Aplicação dos Princípios 22 CAPÍTULO II 25 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO 25 2.1 – A História da Proteção no Brasil 26 2.2 – O Princípio da Proteção 28 2.2.1 – Função e fundamentos da proteção 33 2.2.2 – Técnicas e regras utilizadas para proteger o trabalhador 43 2.2.3 – Da regra in dubio pro operario 46 2.2.3.1 – Condições e diretrizes na aplicação da regra in dubio pro operário 55 2.2.3.2 – Limites na aplicação da regra in dubio pro operário 57 2.2.3.2.1 – Limitação em relação aos elementos probantes no Processo Trabalhista 58 2.2.3.3 – Debates sobre a validade da regra: as teses de negação 2.2.4 – A regra da norma mais favorável ao trabalhador 66 68 2.2.4.1 – Fundamento jurídico para aplicação da regra da norma mais favorável 71 2.2.4.2 – Regras e pressupostos para aplicar a norma mais favorável 72 2.2.4.3 – Limites da aplicação da norma mais favorável 73 2.2.4.4 – Teoria e método de aplicação da norma mais favorável 74 2.2.4.5 – A regra da norma mais benéfica e o atual contexto 84 2.2.5 – A regra da condição mais benéfica 86 2.2.5.1 – A condição mais benéfica em relação ao contrato de trabalho 91 2.2.5.2 – A limitação da regra 92 2.2.5.3 – Os instrumentos normativos e a condição mais 109 benéfica CONCLUSÃO 94 99 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 103 BIBLIOGRAFIA CITADA 106 ÍNDICE 108 FOLHA DE AVALIAÇÃO 110 110 FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE Pós-Graduação “Lato Sensu” Título da Monografia: O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho Autor: Cilene Ferreira Melo. Data da entrega: 27 de Janeiro de 2005. Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Conceito Final: