Termodinâmica Macroscópica 101 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ 5. Potenciais Termodinâmicos Na dedução da Equação Fundamental verificamos que as suas representações na forma energética e na forma entrópica eram intermutáveis. Todavia, o segundo princípio da Termodinâmica foi enunciado relativamente à entropia através da afirmação de que num processo adiabático a entropia nunca diminui. Todavia, nem sempre este enunciado é o mais operacional, seja nas aplicações, seja para certos desenvolvimentos da teoria, em que seria mais útil o enunciado de um princípio de extremo em termos da energia. Este enunciado obtém-se através da demonstração do teorema do mínimo de energia. 5.1. Teorema do Mínimo de Energia O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida é o que minimiza a energia interna quando a entropia total se mantém constante. Este teorema é uma consequência imediata do princípio do máximo de entropia. Para a sua devida interpretação, considere-se o sistema composto formado pelos sistemas A, B, C, C A B Termodinâmica Macroscópica 102 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ que no seu todo formam um sistema fechado e adiabático. Como o conjunto (A+ B+C) é apenas adiabático pode trocar energia com o exterior desde que não seja sob a forma de calor. Considere-se agora que entre A e B foi removido um constrangimento, de tal modo que A e B podem interaccionar (permutando energia entre si), e mover-se para um novo estado de equilíbrio. O que o teorema afirma é que o novo estado de equilíbrio corresponde à situação em que UA + UB é mínimo. Demonstração: A demonstração será feita por absurdo. De acordo com o segundo princípio, na posição de equilíbrio do sistema composto formado por A + B + C a entropia total S = SA + SB + SC é máxima. Suponhamos agora que UA + UB não é o mínimo compatível com os constrangimentos que existem entre A e B. Nesse caso, e por um processo natural, a energia acima do mínimo que se encontra em A + B poderia ser transferida para C e dissipar-se neste por processos irreversíveis de 1ª espécie, com o que a sua entropia aumentaria. Mas então, a entropia do conjunto (A+B+C) aumentava, contrariamente à hipótese inicial de que era a máxima possível. Conclui-se portanto que a posição de equilíbrio entre A e B é determinada pelo mínimo de UA + UB. Como o papel dos sistemas A, B e C é intermutável, podemos igualmente concluir que UA + UB + UC é mínimo69. O sistema C, aqui considerado, apenas se destina a facilitar a demonstração, pois é desnecessário. De facto, suponhamos que o sistema conjunto estava em equilíbrio. Como tal, a sua entropia era a máxima possível compatível com os constrangimentos impostos. Todavia, como o sistema conjunto é apenas adiabático, ele pode trocar com o exterior todas as formas de energia excepto sob a forma de calor. Então, se a sua energia não for a mínima possível compatível com os constrangimentos, essa energia pode ser cedida ao exterior e ser-lhe devolvida por este. Como em qualquer processo natural há sempre dissipação da energia perfeita recebida , a entropia do sistema é 69 Se o conjunto fosse isolado e não apenas adiabático esta afirmação era uma tautologia. Termodinâmica Macroscópica 103 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ maior depois de o exterior lhe devolver a energia recebida. Deste modo, embora a energia total do sistema fica igual à que inicialmente possuía, a sua entropia é agora mais elevada, o que contraria a hipótese inicial de que era a máxima possível. O teorema do mínimo de energia pode ainda obter-se directamente, por argumentos físicos, do postulado da dissipação. Basta considerar o sistema em estudo e o seu exterior interaccionando através de uma parede adiabática e formando no seu conjunto um sistema isolado. Pelo postulado da dissipação, no final de qualquer ciclo real (ou natural), o sistema recebeu mais energia do que a que cedeu. Esta diferença traduziu-se num aumento da sua entropia. Todavia, o exterior do sistema é também, ele próprio, um sistema termodinâmico em relação ao qual também é válido o postulado da dissipação. Por isso, no final de qualquer ciclo real, a sua entropia também aumentou. Como facilmente se infere, haverá um momento em que qualquer dos sistemas permutou com o outro toda a energia que podia permutar mantendo adiabática a parede que os separa. Isto é, permutaram toda a energia livre de entropia70 que possuíam ou seja, "toda a energia que se podia dissipar foi dissipada" Enunciado aqui como um Teorema, para acentuar o facto de resultar do princípio de máximo de entropia um sistema fechado e adiabático, este teorema é muitas vezes enunciado como o Princípio do mínimo de energia e engloba, como caso particular, o princípio geral do mínimo de energia na física perfeita de que merecem particular referência as expressões utilizadas na mecânica do contínuo, na mecânica dos materiais, estruturas, etc. ... A demonstração feita do teorema invocou apenas argumentos físicos. Todavia, ela é susceptível de uma demonstração matemática rigorosa, como se verá de seguida. Com efeito, suponhamos que o sistema está em equilíbrio, o que significa que a sua entropia é máxima compatível com os constrangimentos. Se S é máximo isso implica que dS = 0 e que d 2 S < 0 70Livre de entropia no sentido em que não envolve permuta de energia pelas coordenadas internas. Trata-se portanto de fluxos de energia macroscópica perfeita. Este conceito de energia livre é importante, como se verá na sequência do curso. 104 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ Mas ∂ S dU + ∂ U X i i dS = ∂ S ∂ Xi U dX i = 0 (a) Como dU e dX são arbitrários, a estacionaridade exige que cada uma das derivadas parciais se anule. Considerando agora a equação fundamental na forma energética, será: dU = ∂ U ∂ S dS + Xi ∂ U ∂ Xi i dX i S o primeiro termo desta expressão é nulo porque dS=0. Calculando agora os termos do somatório a partir da equação fundamental na forma entrópica e utilizando o teorema das funções implícitas obtém-se: ∂ U ∂ Xi Fi = S ∂ S ∂ Xi =− ∂ S ∂ U ∂ S ∂ Xi Mas de (a), resulta U = −T ∂ S ∂ Xi U Xi = 0 pelo que, sendo T≠0 será Fi=0 U implicando que seja também dU=0. Deste modo, a estacionariedade de S implica a de U. Resta demonstrar que esse ponto de estacionariedade, que para S corresponde a um máximo, é para U, um mínimo. Para tal consideremos ( d U) 2 S = i, j ∂ 2U dX i dX j ∂ Xi∂ X j E calculemos as segundas derivadas de U, isto é: ∂ 2U ∂ Xi ∂ X j S a partir da forma entrópica, como anteriormente: 105 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ ∂ 2U ∂ Xi∂ X j = S ∂ Fi ∂ Xj ∂ Fi ∂ U = = S Fj + X ∂ Fi ∂ U ∂ Fi ∂ Xj X ∂ U ∂ Xj + S ∂ Fi ∂ Xj U U O primeiro termo é nulo devido às condições de estacionaridade de S imporem Fi=0. O segundo termo calcula-se novamente a partir da forma entrópica : ∂ Fi ∂ Xj = U ∂ ∂ Xj ∂ ∂ − ∂ ∂ S Xi S U U X U ∂ 2S ∂ 2S ∂ Xi ∂ X j ∂ S ∂ X j∂ U =+ ∂ S ∂ Xi ∂ S 2 ∂ U ∂ U = −T (a) ∂2S ∂ Xi∂ X j O segundo termo de (a) anula-se pois o primeiro factor é nulo devido à estacionariedade de S. Tendo em conta a expressão anterior obtém-se ( d U) 2 S = i, j ∂ 2U ∂ 2S dX i dX j = T ∂ Xi∂ X j ∂ Xi∂ X j dX i dX j < 0 , U mostrando que o ponto de estacionariedade de U corresponde a um mínimo. Resulta pois, formalmente, que o máximo da entropia sob o constrangimento da energia se manter constante, corresponde ao mesmo ponto que o mínimo de energia sob o constrangimento da entropia se manter constante. Termodinâmica Macroscópica 106 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ A propriedade que acaba de se demonstrar é uma consequência directa da forma da hipersuperfície que representa a equação fundamental a qual tendo de traduzir a monotonicidade da dependência de U em S e reciprocamente, assume a forma esquemática que a figura seguinte representa: U=const S Hipersuperfície Ponto de Estacionaridade U O ponto de estacionariedade, mantendo constante a energia U corresponde ao máximo da entropia S. 107 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ Se o constrangimento for S=constante, o ponto de estacionariedade é o mesmo, mas é agora obtido na intersecção do plano S=constante com a hipersuperfície. A energia interna corresponde à mínima possível no conjunto de estados admissíveis pelos constrangimentos como esquematicamente se representa na figura seguinte: S S=const Hipersuperfície Ponto de estacionaridade U Dada a completa dualidade existente entre o Mínimo da Energia e do Máximo da Entropia, a estrutura formal da Termodinâmica pode construir-se tanto a partir do princípio do máximo de entropia como do mínimo da energia. Aliás, tomando como postulado o mínimo de energia na posição de equilíbrio, a existência de um máximo para a entropia constitui um teorema que se demonstra de modo inteiramente análogo ao que seguimos na demonstração do teorema do mínimo de energia. Utilizar uma ou outra formulação é equivalente em termos formais, muito embora qualquer delas apresente vantagens consoante o tipo de problema de que se trata. Termodinâmica Macroscópica 108 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ 5.2. Estrutura do Espaço Termodinâmico O espaço termodinâmico fundamental, que temos vindo a considerar, é um espaço afim, isto é, um espaço em que a distância entre dois pontos não tem sentido físico (como tem na Geometria Euclidiana ou na de Riemann). A este espaço, em que as coordenadas são propriedades extensivas, chamamos espaço de Gibbs. Neste espaço, a utilização de eixos de coordenadas ortogonais não tem nenhum significado particular, e a generalização do seu uso apenas se deve ao hábito e à comodidade que por vezes representa. No espaço de Gibbs, há todavia invariantes fundamentais que o caracterizam, como adiante veremos (elemento de volume). Todavia, apesar da sua fundamental importância, na estrutura conceptual e na geometrização da Termoestática, a utilização das coordenadas extensivas base é pouco prática nas aplicações e é sobretudo limitativa na construção prática da Equação Fundamental de sistemas particulares pois estes requerem a obtenção de dados experimentais, mesmo quando, como actualmente sucede, muitas das propriedades são obtidas por cálculo a partir de modelos atómicos ou moleculares. Sob o ponto de vista da TME (Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio) as variáveis internas (U e S) não são directamente mensuráveis e têm que se obter por cálculo a partir dos valores conhecidos de outras grandezas. Como a Equação Fundamental, tanto na forma entrópica como na energética, se exprime em termos das variáveis extensivas, a questão fundamental que se põe é a de saber se é possível exprimir o conteúdo fundamental e toda a informação sobre o sistema que a Equação Fundamental possui utilizando como variáveis independentes não as variáveis extensivas mas sim as intensivas. De facto, tal mudança de variáveis é possível devido às propriedades particulares que a Equação Fundamental possui, nomeadamente a unicidade e a monotonicidade na relação U ⇔ S que impõe uma forma particular (convexidade) à hipersuperfície que representa a equação fundamental no espaço de Gibbs. Tendo em conta que os parâmetros intensivos que desejamos tomar como variáveis independentes são derivadas parciais de primeira ordem da Equação Fundamental: Termodinâmica Macroscópica 109 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ T= Fi = ∂ U ∂ S ∂ U ∂ Xi X 1 ,X 2 ,...X n X 1 ,...,X j≠ i ,...X n ,S constata-se imediatamente que a mera eliminação de S, U, Xi, ...na Equação Fundamental a partir de T, Fi, etc. ... não seria invertível porque ao querermos passar da Equação Fundamental expressa em T, Fi, etc. aos valores iniciais teríamos de efectuar integrações as quais iriam introduzir funções e constantes de integração arbitrárias, com o que se teria perdido informação que existia na Equação Fundamental original. Verifica-se, assim, que a transformação a efectuar só será possível se, de um modo único, pudermos definir a Equação Fundamental pelas suas coordenadas (S, x1 , ... xn) ou como a envolvente dos planos tangentes à superfície U = U (S, x1 , ... xn) no espaço de Gibbs. Referem-se os planos tangentes à hipersuperfície porque os planos tangentes se definem a partir das derivadas parciais no ponto e as derivadas parciais (variáveis intensivas) são o que desejamos para novas variáveis independentes. Esta questão foi estudada por Legendre e é análoga à que se põe em mecânica quando se procura no estudo do movimento fazer a sua descrição tomando as velocidades como novas coordenadas independentes e construir a lagrangeana. 5.3. Transformada de Legendre Seja dada uma função F = F (x1, ... xn), contínua e possuindo derivadas parciais contínuas, e tal que o determinante de ∂2 F ≠ 0 i, j = 1,2,....n ∂X i∂X j em todo o domínio. 110 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ Chama-se transformada parcial de Legendre da função F relativamente a Xm...Xk, à função Φ obtida de F pela relação: Φ = F− k ∂ F X ∂ Xk k k ∈1, n (2) ou Pk = ∂ F ∂ Xk Φ = F− k Pk X k (3) em que o somatório tem qualquer número de termos com k contido no conjunto 1 a n. Se o número de termos é igual a n, a transformada diz-se total e é identicamente nula71. Se na transformada parcial Φ eliminarmos os Xi envolvidos na transformada pelas relações (3) e a equação de partida, obtemos Φ em função dos X não transformados e das derivadas (parâmetros intensivos) relativamente aos X que entraram na transformação. Diferenciando (3) teremos: dΦ = dF − (Pk dX k − X k dPk ) k Mas dF = k Pk dX k donde resulta que dΦ = i≠k Pk dX k − X k dPk k pelo que: ∂Φ = − Xk ∂Pk (b) relação que é simétrica de : 71 É identicamente nula porque o somatório é igual a F, pelo relação de Euler. Termodinâmica Macroscópica 111 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ Pk = ∂ F ∂ Xk Obtida a transformada de F, isto é Φ , pode também obter-se a transformada parcial de Φ ( a que chamaremos Ψ ) relativamente aos Pk utilizando o mesmo tipo de transformação: Ψ= Φ− ∂Φ Pk ∂Pk mas de (b) ∂Φ = − Xk ∂Pk e portanto: Ψ= Φ+ k Pk X k ou seja: Φ=Ψ− k Pk X k Comparando esta expressão com a de Φ obtida da transformada de F verifica-se que F≡Ψ , pelo que se conclui que a transformada da transformada de F é a própria função F. Como a passagem de F à sua transformada é unívoca, e como da transformada de F se passa a F pelo mesmo processo, concluí-se que F e Φ possuem a mesma informação, pois conhecendo uma se obtém univocamente a outra. A diferença entre F e Φ é que, em Φ, algumas das variáveis independentes passaram a ser os parâmetros intensivos que escolhemos para intervir na transformada. A transformada de Legendre tem uma interpretação geométrica simples, mas é importante sublinhar a condição já acima referida para que possa existir e é: ∂2 F ≠0 e ∂X i ∂X j ∂2Φ ≠0 ∂Pi ∂Pj Termodinâmica Macroscópica 112 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ no domínio em que a transformação de Legendre é definida. Na verdade, a existência da relação para F implica a sua existência para Φ, e inversamente. Por outro lado, e como se verá, o não anulamento do Hesseano de F (i. e., do determinante das segundas derivadas parciais de F) é uma condição imposta pela estabilidade intrínseca do sistema termodinâmico, pelo que se F fôr a Equação Fundamental do sistema, aquela condição se verifica sempre. Geometricamente, o não anulamento do hesseano de F (isto é, do hesseano da equação fundamental) significa que a hipersuperfície que a representa no espaço de Gibbs não muda de curvatura e também que esta curvatura nunca se anula. Uma vez que a curvatura nunca se anula e é sempre do mesmo sinal, em cada ponto da superfície existe um só plano tangente que é distinto do plano tangente em qualquer outro ponto. É esta propriedade que permite uma correspondência biunívoca completa entre um ponto na superfície e o seu plano tangente.72 Por este motivo, representar a superfície que representa a Equação Fundamental no espaço de Gibbs dando as suas coordenadas (os parâmetros extensivos) ou dando o plano que é tangente no ponto e de que a superfície Φ é a envolvente, torna-se equivalente. Dando os planos tangentes estamos a considerar como independentes os parâmetros intensivos. É importante ainda referir que a forma geométrica da superfície pode ser acentuadamente diferente se a representamos num espaço cujos eixos coordenados são X1, ... Xn, ou se são os Pk, Xi (i ≠k). 5.4. Potenciais Termodinâmicos A cada transformada parcial de Legendre da Equação Fundamental (seja na forma energética seja na forma entrópica), corresponde uma nova equação, com a mesma informação que a Equação Fundamental possuía, mas tendo agora como variáveis independentes alguns dos parâmetros intensivos. Como a transformada total de Legendre é identicamente nula (como resulta da equação de Euler), na função transformada, pelo menos uma das variáveis é uma variável extensiva. 72 Desta propriedade também resulta que a hipersuperfície que representa a equação fundamental não é planificável. Termodinâmica Macroscópica 113 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ Às transformadas de Legendre da equação fundamental correspondem aos chamados Potenciais Termodinâmicos. Estes tiveram um papel histórico importante no desenvolvimento da Termodinâmica e as relações entre eles só muito posteriormente à sua introdução foram clarificadas. A transformada de Legendre teve esse papel, ao mostrar que os vários potenciais exprimem essencialmente o mesmo, embora de forma diferente, porque diferentes são as variáveis termodinâmicas tomadas como independentes. Destes potenciais termodinâmicos, alguns têm nomes "consagrados" devido ao uso generalizado que os seus autores deles fizeram e aos resultados novos que por essa via obtiveram. Os potenciais termodinâmicos mais conhecidos e importantes são o Potencial (ou Energia Livre) de Helmholtz, a Entalpia e a Energia Livre de Gibbs, que correspondem às transformadas parciais da equação fundamental na forma energética relativamente à entropia, ao volume, e simultaneamente à entropia e ao volume, respectivamente, e no caso de sistemas simples. As transformadas parciais de Legendre da equação fundamental na forma entrópica correspondem às chamadas funções de Massieu. Os potenciais termodinâmicos obtidos por transformadas parciais da equação fundamental na forma energética foram introduzidos por Gibbs em 1875 e são posteriores aos que se deduzem a partir da forma entrópica e se devem a Massieu, que os publicou em 1869. 5.4.1. Potencial de Helmholtz, F O potencial de Helmholtz designa-se também como Energia Livre de Helmholtz. Corresponde à transformada parcial de Legendre relativa à entropia da equação fundamental na forma energética. A sua finalidade é substituir a entropia pela temperatura, como variável independente. Partindo da equação fundamental: U = U(S,V,X1,...,X n) T= ∂ U ∂ S Xk O potencial de Helmholtz define-se por: F = U - TS cujo diferencial é: (b) (a) Termodinâmica Macroscópica 114 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ µ i dN i dF = −SdT − PdV − i donde S =− ∂F ∂T V,N1, ,N r Eliminando S entre a) e b) obtém-se: F = F (T,V, N1, ..., Nr) A utilização do potencial de Helmholtz é indicada sempre que o sistema descreve um processo termodinâmico caracterizado por a temperatura se manter constante. Exemplo Vamos neste exemplo determinar o potencial de Helmholtz molar para um gás perfeito simples. O potencial de Helmholtz molar em geral é igual a f = u − Ts . As variáveis naturais do potencial de Helmholtz molar são T e v. Precisamos portanto de exprimir u e s em termos de T e v, o que se traduz em obter u em função de T e v. Esta relação obtemos a partir de uma das equações de estado, obtida por derivação da equação fundamental: 1 ∂s = T ∂u = v cR . u Substituindo na equação da entropia, temos s = s0 + cR ln T v . + R ln T0 v0 Substituindo na expressão para o potencial de Helmholtz, temos f = cRT − T s0 + cR ln T v T v . + R ln = T cR − s0 + cR ln + R ln T0 v0 T0 v0 Termodinâmica Macroscópica 115 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ 5.4.2. Entalpia, H A entalpia corresponde à transformada parcial de Legendre relativamente ao volume (para tornar a pressão variável independente) da equação fundamental na forma energética. A entalpia define-se como H = U + P V, cujo diferencial é: µ k dN k dH = TdS + VdP + k Desta expressão conclui-se que V=− ∂H ∂P S, N k , , N r Eliminando U da expressão de definição da entalpia, obtém-se: H = H ( S , P, N1 ,..., N r ) A entalpia é o potencial termodinâmico cuja utilização tem vantagens nos processos caracterizados por a pressão se manter constante. 5.4.3. Potencial de Gibbs, G O potencial de Gibbs corresponde à transformada parcial de Legendre relativamente à entropia e ao volume, de modo a substituir S e V por T e P, como variáveis independentes. A transformada de Legendre que define o potencial de Gibbs é dada por: G = U - TS + PV e dG = − SdT + VdP + r j =1 µ j dN j Eliminando U da Equação Fundamental obtém-se: G = G (T, P, N1, ... Nr) O potencial de Gibbs é muito utilizado no estudo das reacções químicas e em todas as situações em que o sistema termodinâmico evolui a pressão e temperatura constantes. Nestas circunstâncias, a descrição dos processos fica Termodinâmica Macroscópica 116 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ simplificada utilizando G, pois P e T são duas das suas variáveis independentes. Exemplo Vamos determinar o potencial de Gibbs molar para o gás perfeito simples. O potencial de Gibbs molar é g = u − Ts + Pv = f + Pv . As variáveis naturais do potencial de Gibbs são T e P. Precisamos portanto de exprimir f e v em função de T e P. Dado que já temos f em função de T e v, precisamos só de exprimir v em função de T e P. Para isso, precisamos da segunda equação de estado: P ∂s = T ∂v = u R . v Substituindo na equação do potencial de Gibbs: T cR − s0 + cR ln 5.4.4. T RT P0 RT + R ln +P =T T0 P RT0 P ( c + 1) R − s0 + ( c + 1) R ln T P − R ln T0 P0 Funções de Massieu Generalizadas Efectuando as transformadas parciais de Legendre a partir da Equação Fundamental na forma entrópica S = S(U, V, N1, ..., Nr), obtêm-se as funções de Massieu generalizadas, cuja descoberta o seu autor divulgou em 1869. As funções de Massieu têm grande importância em Mecânica Estatística. As três funções de Massieu mais representativas correspondem à substituição da energia interna por 1/T como variável independente, à substituição do volume por P/T; e à substituição simultânea da energia interna e do volume por 1/T e P/T, respectivamente. As transformadas que se obtêm são, respectivamente: 117 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ S 1 1 F = s− U = T T U S P P = s− V T T S 1 P 1 P G , = s− − V = T T T T T (a) (b) em que se utilizou o símbolo [...] para indicar as variáveis intensivas que passaram a ser variáveis independentes. Como imediatamente se verifica, a função de Massieu definida por (a) está directamente relacionada com a energia livre de Helmholtz, e a definida por (c), com a energia livre de Gibbs, às quais correspondem, à parte o factor 1/T. A unidade comum a todas estas funções e potenciais era desconhecida quando foram inventadas. A unidade formal aqui apresentada resulta da Equação Fundamental introduzida por Gibbs em 1875, e da transformada de Legendre que já era conhecida na Mecânica Racional. Deve acentuar-se que, embora as transformadas contenham exactamente a mesma informação que a Equação Fundamental, elas permitem clarificar aspectos fundamentais da estrutura da Termodinâmica ou são particularmente bem adaptadas a certas situações. O melhor exemplo de uma situação análoga é o da Mecânica Racional com os formalismos Lagrangeano e Hamiltoniano, que, possuindo exactamente o mesmo conteúdo formal que a Mecânica de Newton, permitiram, todavia, generalizações e desenvolvimentos praticamente impossíveis de obter directamente da formulação newtoniana original. Apresentada a unidade dos potenciais e o modo de os construir, a dedução de outros potenciais, porventura mais adequados para a situação particular a estudar, transformou-se numa tarefa simples. Termodinâmica Macroscópica 118 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ 5.5. Teoremas de Mínimo para os Potenciais Termodinâmicos Com a demonstração do teorema do mínimo de energia mostramos a dualidade das formulações da Termodinâmica a partir da expressão da Equação Fundamental na forma Entrópica ou na Energética, e como existia para cada uma das formulações um princípio de extremo. Contendo as transformadas parciais de Legendre da Equação Fundamental a mesma informação que esta possui, trata-se agora de verificar se a essas transformadas parciais, ou potenciais termodinâmicos, correspondem também princípios de extremo a partir dos quais possamos igualmente deduzir as novas posições de equilíbrio do sistema quando algum dos constrangimentos é removido. No caso do teorema do mínimo de energia, a conclusão essencial a que chegamos foi a de que, na situação de equilíbrio, a energia é um mínimo, ou ainda a de que, se o constrangimento imposto ao sistema for o de manter constante a sua entropia, que a situação de equilíbrio é a que corresponde ao mínimo de energia. Para que o sistema possa atingir o seu mínimo de energia, essa energia tem de poder permutar-se com o exterior. Tal como se verificou no teorema do mínimo de energia, não há qualquer restrição a esse tipo de permuta. 5.5.1. Teorema do Mínimo do Potencial de Helmholtz Considere-se, como caso particular, que o sistema está em contacto com uma fonte de calor a temperatura constante Tfonte e atingiu o equilíbrio compatível com os constrangimentos impostos. Se o sistema atingiu o equilíbrio, a sua temperatura é necessariamente uniforme e igual à temperatura imposta pela fonte de calor Tfonte. Além disso, e pelo teorema do mínimo de energia, o sistema possuí a energia mínima. Qual é, nesta situação, o valor da energia livre de Helmholtz? Como dF = − SdT + i é PdX i i 119 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ T = Tfonte dT = 0 − SdT = 0 Por outro lado, a variação de energia interna do sistema é dada por: dU = TdS + PdX i i i Como, por hipótese, é dS = 0 (17) segue-se que TdS = 0. Deste modo, quando T e S permanecem constantes, conclui-se que: dF = PdX i i = dU i pelo que, ao ponto de estacionariedade de U, corresponde o ponto de estacionariedade de F. Resta verificar se esse ponto de estacionariedade corresponde a um máximo ou a um mínimo. Para isso, consideremos o sistema e a fonte como formando um sistema composto em equilíbrio. Nessas condições, d(U+Ufonte)= 0 condição de estacionariedade d2(U+Ufonte) > 0 por ser mínima a energia do conjunto (a) (b) mas, por definição de fonte de calor (73), dUfonte=TfontedSfonte, pelo que de (a) resulta dU+TfontedSfonte=0 (c) Por outro lado e por hipótese: d(S + Sfonte) =0 pelo que dSfonte = -dS donde, por (c), e atendendo a que a temperatura da fonte permanece constante: 73Recordar-se-á que uma fonte de calor é um sistema termodinâmico que só permuta entropia mantendo constante a sua temperatura.Na prática, trata-se de um sistema de tão grande extensão que as suas interacções como o sistema em estudo se traduzem apenas em variações infinitésimais de ordem superior nos parâmetros extensíveis, as quais por isso se podem desprezar. 120 Termodinâmica Macroscópica 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ d(U - TfontedS) =0 (d) como Tfonte = T pois o sistema e a fonte se encontram em equilíbrio a expressão (d) é equivalente a dF=0, o que corresponde ao resultado já anteriormente demonstrado. Diferenciando a relação (d), e tendo em conta a expressão (b) obtém-se de modo análogo ao anterior que d2 U = d2 (U − Tfonte S) = d2 (U − TS) = d2 F > 0 Expressão que demonstra o teorema do mínimo do potencial de Helmholtz e se exprime por: O valor no equilíbrio, de qualquer parâmetro não constrangido de um sistema que se encontra em contacto diatérmico com uma fonte de calor à temperatura TF=constante, é o que minimiza o potencial de Helmholtz de entre os estados T = TF. 5.5.2. Teorema do Mínimo de Entalpia Para a entalpia demonstra-se um teorema equivalente, o qual se enuncia como: O valor no equilíbrio, de qualquer parâmetro não constrangido de um sistema que se encontra em contacto com uma fonte de pressão constante, é o que minimiza a Entalpia para P = pressão da fonte. Para a demonstração do teorema considera-se o sistema conjunto F (fonte de pressão) + A (sistema em estudo) Pelo teorema do mínimo de energia será d(UF + UA) = 0 = -PF dVF + dU (74) (a) e também d2 (UF + UA)>0 (b) Como PF = constante, é ainda d(UA + PF dVA) = 0 74Por definição de fonte de pressão constante, esta é formada por um sistema que só permuta volume e mantém constante a pressão. Resulta assim que para a fonte é dU = -PdV Termodinâmica Macroscópica 121 5 - Potenciais Termodinâmicos _________________________________________________________________ pois dVF = - dVA Como no equilíbrio é PF = P, segue-se que dH = d(UA + PF dVA) = 0 mostrando a estacionariedade de H no equilíbrio. Como P é constante e dUF = - PFdVF = PdV segue-se de (b) que d2H = d2 (U + P dV) = d2U > 0 o que demonstra o teorema. 5.5.3. Teorema do Mínimo do Potencial de Gibbs O valor no equilíbrio, de qualquer parâmetro não constrangido de um sistema em contacto com uma fonte de calor a temperatura constante, e uma fonte de pressão constante, é o que minimiza o potencial de Gibbs para os valores de temperatura e de pressão iguais aos das correspondentes fontes. A demonstração é análoga à anterior, tendo em conta que o sistema se encontra agora em interacção simultânea com uma fonte de calor e uma fonte de pressão. Os teoremas anteriores generalizam-se "mutatis mutandis" para todas as transformadas parciais de Legendre (potenciais termodinâmicos). Nota: Se os parametros intensivos que caracterizam os vários potenciais não forem impostos como constantes, o ponto de estacionariedade corresponde a um ponto sela, e por isso, um dado ponto na hipersuperfície tanto pode corresponder a um máximo como a um mínimo relativamente aos constrangimentos impostos. Deve ainda sublinhar-se o facto de os princípios de extremo para os potenciais termodinâmicos corresponderem a casos particulares do teorema do mínimo de energia, e de a sua utilidade estar estritamente ligada às situações em que os contrangimentos externos impõem um valor constante a uma ou mais variáveis intensivas. Termodinâmica Macroscópica 123 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ 6. Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos 6.1. Introdução A situação de equilíbrio de um sistema fechado e adiabático corresponde ao máximo de entropia do sistema compatível com os constrangimentos impostos. Deste princípio de extremo para a entropia, decorreram como teoremas os do mínimo de energia bem como as condições de extremo para os potenciais termodinâmicos. Todavia, nas aplicações até agora feitas, a condição de ser d2S < 0 - máximo ou d2U < 0 - mínimo apenas se reduziu à condição de estacionariedade dS = 0 ou dU = 0, tendo ficado implícito que o ponto de estacionariedade correspondia a um extremo. Neste capítulo vamos considerar as implicações de se tratar de um extremo no que se refere à estabilidade do equilíbrio relativamente a pequenas perturbações. 6.2. Estabilidade Intrínseca Até agora considerámos sempre a evolução para o equilíbrio que resultava de ser removido um constrangimento que impedia a interacção entre dois sistemas A e B. Esse constrangimento era conceptualmente representado por uma parede. Consideremos agora um só sistema, homogéneo, que dividimos arbitrariamente em dois subsistemas por uma parede fictícia. Termodinâmica Macroscópica 124 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ A B Para cada (sub)sistema teremos S A = S( U A , X 1A ,... X nA ) S B = S( U B , X 1B ,... X nB ) SA = S (UA, x1A, ... , xnA) e para o sistema conjunto, como a expressão funcional da Equação Fundamental é a mesma: S = S A + S B = S( U A + U B , X1A + X1B ,..., X nA + X nB ) e U = UA + UB X i = X iA + X iB como A e B são supostos em equilíbrio entre si, isto significa que S ( A + B) é máximo, ou seja, que se entre A e B houver trocas de energia ∆U ou de qualquer xi se deve verificar que S ( A+ B ) = S (U A − ∆U , X 1 A − ∆X 1 A ,..., X nA − ∆X nA ) + + S (U A − ∆U , X 1 A − ∆X 1 A ,..., X nA − ∆X nA ) ≤ S(U, X 1 ,..., X n ) se considerarmos, por facilidade, mas sem perda de generalidade que UA = UB e X iA = X iB a expressão anterior pode escrever-se que é a definição de função côncava se os ∆ forem arbitrários. Desenvolvendo a relação anterior em série de Taylor, teremos 125 Termodinâmica Macroscópica 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ ∂ ∂ S( U + ∆U, X + ∆X ,..., X + ∆X ) = exp ∆X + ∆U [S] 1 1 n n i ∂X ∂U i ∂S ∂S 1 ∂ ∂ = S( U, X ,..., X ) + ∆U + ∆X + ∆U + ∆X 1 n i i ∂U ∂X 2! ∂U ∂X i i ∂ ∂ S( U + ∆U, X1 + ∆X1 ,..., X n + ∆X n ) = exp ∆X i + ∆U [S] ∂X i ∂U = S( U, X1 ,..., X n ) − ∆U ∂S ∂S 1 ∂ ∂ − ∆X i − ∆U − ∆X i ∂U ∂X i 2! ∂U ∂X i 2 S+... 2 S+... Substituindo em (a) e desprezando infinitésimos de ordem superior obtémse: ( ∆U ) 2 ∂2S + ∂U 2 (∆X i ∆X j ) i, j ∂2S ∂2S + 2∆U∆X ∂X i ∂ X j ∂U∂X i ≤0 De igual modo, se tivéssemos utilizado a equação fundamental na forma energética teríamos obtido: ( ∆S ) 2 ∂2U + ∂S 2 ( ∆X i ∆X j ) i, j ∂2U ∂2U + 2∆S∆X ≥0 ∂X i ∂X j ∂S∂X i Os casos em que se verifica o sinal de "=" correspondem a pontos de inflexão. Havendo pontos de inflexão, é necessário ter em conta os termos de ordem superior. Nas expressões anteriores individualizámos as variáveis S e U para sublinhar a sua importância. A notação fica, todavia, mais compacta se designarmos genericamente as variáveis por X e convencionarmos que S = S (X ) na representação entrópica e U = U (X ) na representação energética. A condição de estabilidade exprime-se assim por i, j ∂ 2S ∆ X i ∆X j < 0 ∂X i ∂X j i, j ∂2 U ∆ X i ∆X j > 0 ∂X i ∂X j e na forma energética Termodinâmica Macroscópica 126 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ em que, por simplicidade, excluímos o caso de anulamento nas relações anteriores, o qual corresponderia a um ponto de inflexão e obrigaria a considerar as quartas derivadas. Dada a sua equivalência, consideremos apenas a representação na forma energética. Atendendo a que ∂U ∂X i = Pi Xj (j ≠ i) em que Pi é o parâmetro intensivo correspondente a X i , a relação anterior também se pode escrever: ∂P ∂2 U = i . ∂X i ∂X j ∂X j U i, j = As relações anteriores também se podem escrever em notação matricial como: U 11 [ ∆X 1 ,..., ∆X n ]. ... Un U 1, n ∆X 1 ... . ... U nn ∆X n ... ... À matriz Uij chama-se Matriz de Rigidez. A definição de rigidez resulta do seguinte. Como Pk = dPk = ∂U , ∂X k ∂Pk dX j = U kj dX j ∂X j como há n parâmetros intensivos, também se pode escrever, em notação matricial, dP1 ... dPn [ ] dX 1 = U ij . ... , dX n mostrando como a matriz Uij liga as forças generalizadas Pk aos deslocamentos Xk. Retomando a expressão 127 Termodinâmica Macroscópica 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ que exprime a condição de estabilidade, constata-se que se trata de uma forma quadrática que, por adequada rotação dos eixos de coordenadas, se pode sempre reduzir a uma soma de quadrados em ∆X. Em teoria de matrizes, a condição de estabilidade é equivalente à condição de a matriz uij ser positiva definida. Se [uij] for positiva definida, d2u > 0 para todos os ∆ X≠ 0 e reais, que é o caso. Para demonstrar que [uij] é positiva definida existem vários métodos, nomeadamente a sua redução, por rotação adequada do sistema de eixos, à forma diagonal. Se a matriz for positiva definida, todos os seus valores próprios são positivos. No caso vertente, dada pequena dimensão da matriz, a forma mais expedita de verificar se a matriz é positiva definida é verificar se todos os seus menores principais são positivos. No caso de sistemas fechados de 1 só componente, u = u (s, v ) . Teremos então u11 = u12 = ∂ 2u ∂s 2 = v ∂ 2u ∂P =− ∂s ∂v ∂s u 22 = ∂ 2u ∂v 2 v ∂T ∂s v ∂T ∂v = u 21 = =− s ∂P ∂v s Pelo que, para existir estabilidade, terá de ser: − ∂P >0 ∂v (ou ∂T > 0) ∂s e ∂P − ∂v ou ainda, atendendo a que ∂T ∂P − ∂s ∂s 2 >0 s 128 Termodinâmica Macroscópica 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ ∂P ∂T = ∂s ∂v − tem-se ∂P − ∂v s ∂T ∂s ∂T ∂v − v 2 >0 s Vejamos agora a que correspondem, fisicamente, as condições de estabilidade: − ∂P >0 ∂v 75 Tendo em conta a definição do coeficiente de compressibilidade adiabático, e ainda que v>0, aquela condição corresponde a ser Ks > 0 A condição ∂T ∂s >0 v exige Cv > 0 Consideremos agora a última condição: ∂P − ∂v s ∂T ∂s − v ∂T ∂v 2 >0 s ora ∂T ∂s = v [T, v] = T [s, v] C v Por sua vez: 75 Esta condição é intuitiva e signfica apenas que quando a pressão aumenta o volume deve diminuir e inversamente. Se assim não sucedesse, qualquer pequena redução de volume faria diminuir a pressão do sistema que por sua vez iria provocar uma redução de volume, etc. Ter em atenção a convenção de sinais aplicada à pressão, que levou a exprimir o trabalho elementar recebido pelo sistema por -PdV. 129 Termodinâmica Macroscópica 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ ∂P ∂v = s [ P, s] = − C P [ v, s] C v 1 >0 v. k T analogamente se obtém: ∂T ∂v =− s Tα CvkT Substituindo as relações acima na condição de estabilidade obtemos que: C P Tα 2 − >0 v kT Como76 CP − Cv = ks Cv Tvα 2 >0 e = 2 kT CP kT 77 conclui-se que : A estabilidade intrínseca exige que: CP ≥ Cv ≥ 0 e que kT ≥ ks ≥ 0 6.3. Condições de Estabilidade Potenciais Termodinâmicos para os O método anterior é extensível aos potenciais termodinâmicos. 76 Ver 3.7 - Relações de Maxwell. 77 A descoberta experimental destas relações teve um papel fundamental no nascimento da Termodinâmica. O facto de as termos deduzido a partir dos axiomas iniciais é uma prova indirecta da sua correcção e das deduções matemáticas que se seguiram. Termodinâmica Macroscópica 130 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ No caso de sistemas fechados de um só componente a condição de estabilidade intrínseca exige que a matriz de rigidez: ∂2 U ∂S 2 ∂2 U ∂S∂V ∂2 U ∂S∂V ∂2 U ∂V 2 seja positiva definida, o que impõe a positividade dos menores principais, ou seja: U 11 = U 22 ∂ 2 U ∂T = >0 ∂S ∂S 2 ∂2 U ∂P = =− >0 2 ∂V ∂V U 11 U 22 − U12 U 21 = ∂2 U ∂2 U ∂2 U − >0 ∂S 2 ∂V 2 ∂S∂V Por outro lado, a transformada de Legendre relativa a uma variável genérica X tem a propriedade: P= ∂U ∂X X=- ∂U[ P] ∂P donde ∂ 2 U[ P] ∂X 1 =− = 2 2 ∂P ∂P ∂ U ∂X 2 em que U [P] significa a transformada de U relativa a X. A relação anterior mostra que os sinais de ∂2 U ∂X 2 e de ∂ 2 U[ P] ∂P 2 estão trocados. Tal significa que se U é uma função convexa de X, a transformada de U em relação a X, isto é, U [P] ,é uma função côncava de P. 131 Termodinâmica Macroscópica 6 - Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos _________________________________________________________________ Aplicando esta conclusão aos vários potenciais obtém-se as seguintes conclusões. Para o Potencial de Helmholtz: ∂2 F ∂T 2 V,N ∂2 F ∂V 2 T,N S ,N ∂2 H ∂S 2 P ,N ∂2 G ∂P 2 T,N ≤0 ≥0 para a Entalpia: ∂2 H ∂P 2 ≤0 ≥0 para a Energia Livre de Gibbs: ∂2 G ∂T 2 ≤0 P ,N ≤0 Generalizando, podemos concluir que as hipersuperfícies que nos respectivos espaços representam os potenciais termodinâmicos (que resultam das transformadas de Legendre da Equação Fundamental na forma energética) são convexas relativamente às variáveis extensivas e côncavas relativamente às variáveis intensivas. Com as transformadas da Equação Fundamental na forma entrópica (funções de Massieu) passa-se o inverso. Tendo em conta que os teoremas de mínimo para os potenciais (transformadas de Legendre na forma energética, i. e., F, H e G) exigem que as respectivas variáveis intensivas permaneçam constantes, a mesma exigência permanece para as condições de estabilidade Como as relações acima demonstram, o ponto de estacionaridade dos potenciais corresponde a um ponto sela. Este ponto corresponde a um máximo ou a um mínimo consoante se mantêm constantes as variáveis extensivas ou as intensivas. Ao utilizar os teoremas de mínimo para os potenciais é por isso fundamental ter em conta que os constrangimentos impostos são a constância das suas variáveis intensivas naturais (isto é, das variáveis intensivas que foram tomadas como variáveis independentes). Termodinâmica Macroscópica 133 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ 7. Mudança de Fase 7.1. Dimensionalidade do Espaço de Representação Quando o sistema perde a estabilidade intrínseca, qualquer parte do sistema que se afaste infinitesimalmente do equilíbrio com o restante verá esse afastamento aumentar até que o conjunto encontre uma nova situação em que a entropia é máxima (se o sistema total for fechado e adiabático) ou em que a energia interna é mínima (se a entropia se mantiver constante). Nesta nova situação, o sistema deixou necessariamente de ser homogéneo, embora se possa ter desdobrado em regiões homogéneas. Cada uma das regiões homogéneas em que o sistema se desdobra constitui uma fase. A questão da perda de estabilidade pode ainda encarar-se do seguinte modo: se a Equação Fundamental do sistema perde num certo domínio a propriedade de ser côncava (na representação entrópica) ou a de ser convexa (na representação da energia) ela não pode, nesse domínio das variáveis, representar o sistema. Assim, a Equação Fundamental indica, ela própria, que deixou de poder ser a equação fundamental do sistema. Quando a expressão analítica da Equação Fundamental deixou de ser válida em certo domínio do espaço termodinâmico, tal não significa que o sistema tenha deixado de possuir uma Equação Fundamental. O que significa, isso sim, é que a representação funcional que estávamos a utilizar precisa de ser substituída. Esta situação corresponde, habitualmente, a uma falta de dimensionalidade no espaço termodinâmico que adoptamos para representar o sistema. O caso mais simples em que tal facto pode ser posto em evidência corresponde ao caso de sistemas de um só componente e homogéneos, situação em que existe uma só fase. Consideremos, por exemplo, o caso da água. A água pode apresentar-se sob a forma de sólido (gelo), de líquido e de vapor. Em qualquer destes estados, a sua composição química é a mesma, mas isso não impede que o gelo e o Termodinâmica Macroscópica 134 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ vapor de água correspondam a situações muito distintas, nomeadamente quanto a volumes molares, calores específicos. etc.. Tendo este facto em conta, é óbvio que uma Equação Fundamental da forma S = S (U, V, N) ou U = U (S, V, N) é incapaz de representar o sistema "água" em todo o espaço termodinâmico. Para que o fosse, teríamos de introduzir as variáveis adicionais N1 - número de moles de água no estado gasoso N2 - número de moles no estado líquido N3 - número de moles sob a forma de gelo I N4 - número de moles sob a forma de gelo II Nk - ... em que N3, N4,... correspondem a formas diferentes de gelo, que se distinguem pela sua estrutura cristalina, compressibilidade, etc. Por outro lado, como a Equação Fundamental tem de ser obtida de valores experimentais (ou, quando se deduz de um modelo microscópico, tem de ser experimentalmente validada) é a própria extrapolação analítica desses valores experimentais que revela a existência da perda de estabilidade intrínseca, indicando que é necessário explorar em mais pormenor e com experimentação física adequada o que se passa nesse domínio das variáveis termodinâmicas. Por este facto, a prática habitual não é a de procurar as formas gerais que representem a substancia em todas as situações, mas sim a de procurar a que melhor se ajusta em cada um dos domínios em que existe cada uma das fases. Posto de outro modo, em vez de procurarmos a expressão U = U (S, V, N1, N2, ... , Nk) que seja válida em todo o espaço termodinâmico, o que procuramos, se se tratar de um só componente químico que pode apresentar-se em fases diferentes, é a equação fundamental que seja válida para cada uma das fases em presença. Isto é procuramos: 135 Termodinâmica Macroscópica 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ ( ) U (1) = U (1) S (1) , V (1) , N (1) = N (1) u (1) ( ) U (k ) = U ( k ) S (k ) , V (k ) , N ( k ) = N (k ) u (k ) S (1) N (1) , S (k ) , V (1) N (1) ( = N (1) u (1) s (1) , v (1) V (k ) N (k ) N ( k ) ( ) = N (k ) u (k ) s (k ) , v (k ) ) para cada fase, e passamos a tratar o sistema conjunto como formado por tantos subsistemas quantas as fases em presença. Esquematicamente corresponde a ter a situação da Figura 5, em que N = N i = constante , i pois o sistema total é fechado. Figura 5 – Equilíbrio de fases. Fase 2 Fonte de Pressão P Fase 1 N1 N2 Fase i Ni Fase 3 N3 Fonte de calor a T Supomos, além disso, que as paredes que separam as fases umas das outras não são restritivas a nenhuma propriedade, o que significa, nomeadamente, que as fases podem trocar massa entre si (chamam-se por isso fases abertas, porque o subsistema com que se identificam é aberto). Como as paredes que separam as fases permitem a passagem de entropia (calor) e de volume, em equilíbrio a pressão e a temperatura são iguais em todas as fases, porque assim o exige o máximo da entropia no sistema total. No esquema anterior, ao sistema formado pelo conjunto das fases juntou-se uma fonte de trabalho reversível a pressão constante (fonte de volume) e Termodinâmica Macroscópica 136 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ uma fonte de calor a temperatura constante T. Para a exposição que se segue estas fontes não são essenciais mas simplificam as deduções78. Uma vez que o sistema é mantido a T e a P constantes, o equilíbrio é dado pelo valor dos parâmetros que minimizam a energia livre de Gibbs do sistema conjunto, dada por N i g i (T , P ) , G= i onde o índice i corresponde à fase i e g é o potencial de Gibbs molar, o qual é igual ao potencial químico no caso de sistemas com um componente químico. Quando se atinge o equilíbrio, a energia livre de Gibbs do conjunto é um mínimo, pelo que será (dado que dT = dP = 0): dG = 0 = i µ i dN i . Se tivermos apenas duas fases, por exemplo, água e vapor, esta expressão fica µ água dN água + µ água dN vapor = 0 Eliminando dNágua utilizando dN água + dN vapor = 0 e considerando que dNvapor é agora arbitrário, deduzimos que µ água = µ vapor Por se tratar apenas de um componente químico será também g água = g vapor , o que significa que em equilíbrio os potenciais de Gibbs molar da água líquida e do seu vapor terão de ser iguais. Aplica-se uma expressão idêntica para o equilíbrio entre quaisquer duas outras fases, por exemplo entre gelo e água líquida ou entre gelo e vapor. 78 O equilíbrio entre os subsistemas (fases), uma vez que as paredes que os separam não impõem restrições, obrigará sempre à igualdade da pressão e da temperatura entre eles. Um modo simples de exprimir este facto é supôr o seu contacto com as fontes a T e a P constantes. Por outro lado, se o sistema total não é isolado, o mais simples é supor que o mesmo se encontra em contacto com a atmosfera a qual se comporta, nas aproximações práticas, como fonte de temperatura e de pressão constantes. Termodinâmica Macroscópica 137 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Deve no entanto sublinhar-se que a expressão funcional do potencial de Gibbs é necessariamente diferente para cada fase, embora o seu valor numérico seja igual no ponto em que as fases coexistem em equilíbrio. As relações anteriores mostram como podemos descrever o sistema termodinâmico quando há mudança de fase sem aumentar a dimensionalidade do espaço, mas introduzindo, em contrapartida, a coexistência de subsistemas em equilíbrio intrínseco e em equilíbrio entre si. Suponhamos, como exemplo, que tínhamos obtido por extrapolação de resultados experimentais (para um sistema de um só componente) a Equação Fundamental na forma de energia livre com a seguinte representação: D C B A D´ C´ B´ A´ Nesta figura, as curvas representam, esquematicamente, a variação de G com o volume específico a temperatura constante. Suponhamos que a temperatura imposta era T1 e que o volume específico diminuía de v > vA´ para vA´. Neste ponto, o sistema tem um mínimo relativo de G, e poder-se-á conservar nele em equilíbrio metaestável, porque se houver uma flutuação que o leve a vA, como GA < GA´ o sistema transita espontaneamente para vA e nele permanecerá indefinidamente, em termos macroscópicos. Em contrapartida, se o exterior impusesse T3, o ponto estável seria C , porque GC < GC´. Na situação da isotérmica T4, GD = GD´, e o sistema pode permanecer estavelmente em qualquer das situações de v =vD ou v = vD´ porque a energia livre tem um mínimo para ambas e esse mínimo tem o mesmo valor. Termodinâmica Macroscópica 138 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ O facto de o sistema poder estar, em equilíbrio estável, em qualquer das duas posições, porque ambas têm o mesmo valor de G, quer também dizer que as duas posições (às quais correspondem, por exemplo, volumes específicos molares diferentes) podem coexistir. De facto, o sistema desdobrou-se em duas fases, cada uma com as suas propriedades específicas, e em equilíbrio entre si. Esquematicamente a isotérmica T1 que efectivamente se irá verificar será: Deste modo, quando o sistema se desloca da Fase I (de maior massa específica e, portanto, menor v) para maiores volumes específicos, ao atingir-se vB, surge o aparecimento de um núcleo muito pequeno da Fase II. Há medida que v aumenta, o número de moles na Fase II aumenta e na Fase I diminui. Quando chegarmos a vB´, a Fase I desaparece. A representação anterior de G (T,P,N), que apresentava máximos e mínimos, resultou de termos extrapolado a equação fundamental para uma só fase para além do domínio em que só essa fase existe. Se tivéssemos feito o mesmo para cada fase, e representássemos o lugar geométrico dos mínimos, obteríamos num diagrama (G, T) a representação esquemática da Figura 6. Termodinâmica Macroscópica 139 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Figura 6 – Variação do potencial de Gibbs com a temperatura, para pressão e número de moles constantes (sistema com um componente químico), para diferentes fases. T Como G tem de ser mínimo para que o equilíbrio seja estável, segue-se que a evolução real seguida pelo sistema será, A, B, C, D. Como imediatamente se conclui, em B e em C existem pontos angulosos, significando que o valor de (∂G ∂T ) P, N é diferente à esquerda e à direita do ponto. Como (∂G ∂T ) P, N = −S , conclui-se que a entropia do sistema, neste sistema de coordenadas, tem uma descontinuidade, com S TB − dT < S TB + dT . Esta descontinuidade de G, em função de T, quando as restantes variáveis permanecem constantes, corresponde à mudança total do sistema de uma fase para outra, mudança essa que é feita a temperatura constante. Esta variação de entropia corresponde a um fluxo de calor dado por Q=T∆S. Dividindo ambos os lados desta equação pelo número de moles N, obtemos o calor latente de mudança de fase, l: l = T∆s. A descontinuidade anterior, (por exemplo a que representamos por B, nas coordenadas (G,T)) corresponde à projecção para um valor particular de P da linha que resultou da intersecção da hipersuperfície que representava G para o estado sólido, com a hipersuperfície que representava G para o estado líquido. Se fizermos a projecção desta curva de intersecção no plano (P, T) obtemos a representação na Figura 7. Termodinâmica Macroscópica 140 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Figura 7 – Exemplo de diagrama de fases, com o correspondente gráfico de potencial de Gibbs em função do volume molar. P ´ Os vários pontos correspondem aos mínimos estáveis e coalescem em D num só ponto. Este ponto é o ponto crítico. Em resumo, quando o ponto representativo da evolução do sistema de um só componente atravessa a curva que representa a projecção, no plano (P, T), da intersecção das hipersuperfícies correspondentes a uma só fase, o sistema muda de fase e esta mudança é uma mudança de fase de primeira ordem. Se ela se dá no ponto crítico trata-se de uma mudança de fase de segunda ordem. Todavia, o sistema pode evoluir do domínio correspondente a uma fase para o domínio correspondente a outra sem que se verifique qualquer descontinuidade. Este facto mostra que há estados em que uma fase e outra são indistinguíveis pelo que a designação de se tratar de uma ou de outra é puramente arbitrária. O ponto crítico corresponde a uma situação especial, que para ser formalmente tratada exige o recurso a um formalismo mais elaborado e a resultados da Termodinâmica Estatística. Acrescente-se apenas que a teoria da vizinhança dos pontos críticos só muito recentemente (década de 70) foi elaborada e que nela a estrutura que até agora apresentamos para a Termoestática teve um papel relevante. 141 Termodinâmica Macroscópica 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Para além da peculiaridade termodinâmica do ponto crítico, o outro ponto notável é o da coexistência de fases, o ponto (Pc, Tc) que, no caso de sistemas de um só componente químico, é um ponto triplo. 7.2. Descontinuidades da Entropia Mudanças de Fase: Calores Latentes nas Como vimos, à transição de fase corresponde uma descontinuidade de segunda espécie (descontinuidade da derivada)79 da energia livre. Esta descontinuidade corresponde ao calor latente de mudança de fase, que é dado por: L = T (S2 - S1) sendo T a temperatura, a que corresponde a pressão P, a que se dá a mudança de fase. • Se S1 corresponde ao estado sólido e S2 ao estado líquido, L é o calor (molar) latente de fusão. • Se S1 corresponde ao estado sólido e S2 ao estado gasoso, L será o calor latente (molar) de vaporização. • Se S1 corresponde ao estado sólido e S2 ao gasoso, L é o calor latente de sublimação. Para ilustração considere-se gelo à pressão de 1 atmosfera e T < 273,15 ºK. Fornecendo calor, a temperatura do gelo sobe na relação aproximadamente 1 ºK por cada 2,1 kJ/kg que forem fornecidos. de Quando se atinge a temperatura de fusão, o fornecimento de calor não faz subir a temperatura mas sim aumentar a quantidade de gelo fundido, na relação aproximada de 335 kJ/kg de gelo fundido. O fornecimento desta quantidade de calor altera, obviamente, a entropia total do sistema. Como da própria descrição se infere, a variação de entropia é contínua com o número de moles da nova fase (água líquida) e a redução do número de 79 Descontinuidade que é fruto de usarmos um espaço com dimensão reduzida, ou seja, quando projectamos a hipersuperfície que representa o sistema num espaço com menos dimensões. Termodinâmica Macroscópica 142 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ moles na fase existente (gelo) . A descontinuidade de que falamos refere-se à passagem total do sistema de uma fase para outra, mantendo constante (e no seu valor mínimo) a energia livre de Gibbs. À descontinuidade da entropia corresponde também uma descontinuidade na energia interna molar, no volume específico molar, na entalpia, etc.. Para a energia interna teremos, utilizando o índice 1 para uma das fases e 2 para a outra e utilizando a equação de Euler na forma molar: u 2 = Ts 2 − Pv 2 + µ 2 u1 = Ts1 − Pv1 + µ 1 como µ 1 = µ 2 devido ao equilíbrio entre as fases: u 2 − u1 = T( s2 − s1 ) − P( v 2 − v 1 ) Para a entalpia obtém-se analogamente: h2 = Ts 2 + µ 2 h1 = Ts1 + µ 1 donde h2 − h1 = T ( s2 − s1 ) = l . mostrando que o calor latente é igual à descontinuidade da entalpia. 7.3. Equação de Clapeyron Consideremos de novo o diagrama da esquerda da Figura 7. Vamos agora obter uma equação que caracterize as linhas de coexistência de fases. Estas linhas são caracterizadas por µ 1 = µ 2. Assim, são casos particulares do conjunto de linhas com µ 1 - µ 2 constante. Para determinarmos a sua forma no plano (T, P), podemos estudar a seguinte expressão: ∂P ∂T = µ1 − µ 2 dP ∧ d (µ 1 − µ 2 ) dP ∧ dµ 1 − dP ∧ dµ 2 . = dT ∧ d (µ 1 − µ 2 ) dT ∧ dµ 1 − dT ∧ dµ 2 O nosso objectivo é caracterizarmos as linhas no plano (T, P), portanto interessa-nos obter esta expressão em termos de pressão e temperatura. Para isso, utilizamos a equação de Gibbs-Duhem para eliminar os diferenciais dos potenciais químicos. Simplificando, obtemos ∂P ∂T = µ1 − µ 2 s 2 − s1 l = , v 2 − v1 T (v 2 − v1 ) Termodinâmica Macroscópica 143 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ onde na última expressão se aplicou a expressão anteriormente obtida para o calor latente. Esta é a equação de Clapeyron.80 A equação de Clapeyron é um caso particular da situação em que a Equação Fundamental, os potenciais ou, genericamente, qualquer função de estado tem um conjunto numerável de pontos de descontinuidade de primeira espécie (Domingos, 1962). 7.4. Regra das Fases de Gibbs No caso de sistemas com vários componentes químicos a teoria é inteiramente análoga à anterior mas mais complexa, porque a dimensão mínima de espaço de representação aumenta. Tal como nos sistemas de um só componente, quando num sistema multicomponente se perde a estabilidade intrínseca aparece(m) nova(s) fase(s) e a condição para a coexistência das fases em equilíbrio é inteiramente idêntica à anterior, i. e., G tem de ser mínimo. Seja pois um sistema multicomponente, fechado, cuja Equação Fundamental é U = U (S, V, N1, N2, ... , Nr) em que N1, N2, ... , Nr são os números de moles de cada um dos componentes químicos (1,2...r), distintos e independentes. Existem assim r1 fracções molares independentes. A equação fundamental na forma molar escreve-se u = u (s, v, x1 , , x r −1 ) ou g = g (T , P, x1 , , x r −1 ) As fracções molares, tal como a energia, a entropia e o volume molar diferem em cada fase. Todavia, os seus valores no equilíbrio serão os que tornem mínimo o potencial de Gibbs molar, porque as paredes que separam as fases não são restritivas e a pressão e a temperatura são uniformes para todas. Se houver M fases e (r - 1) componentes independentes, o potencial químico do componente i na fase j, µ i( j ) , será µ i( j ) = 80 ∂ ( j) g (T , P, x1 ,..., x ( r −1) ) ∂x i Esta dedução da equação de Clapeyron foi originalmente obtida por Sousa et al. (2004). Termodinâmica Macroscópica 144 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ e para cada componente i ,(i =1,2, ... ,r.-1), haverá a igualdade do respectivo potencial em cada fase, i. e., µ 1(1) = µ 1( 2 ) = µ 1( 3) =... = µ 1( M ) µ (21) = µ (22 ) = µ (23) =... = µ (2M ) ... µ (1) r −1 =µ (2) r −1 =µ ( 3) r −1 =... = µ (rM−1) Para cada componente haverá, portanto, (M - 1) relações daquele tipo. Se o número de componentes independentes for r, o número total de equações será r (M - 1). Existindo M fases, existirão M (r - 1) fracções molares independentes. Existem ainda mais duas variáveis independentes: T e P, cujo valor é igual para todas as fases, devido a encontrarem-se em equilíbrio. Resumindo, temos: M (r - 1) + 2 variáveis independentes r (M - 1) condições de igualdade dos potenciais químicos O número de graus de liberdade, ou seja, de variáveis que podem ser arbitrariamente fixadas será portanto: f = M (r- 1) + 2 - r (M - 1) ou f=r-M+2 Regra das fases de Gibbs (81) Para que o equilíbrio possa existir é, obviamente f≥0 Para o caso simples de 1 só componente, r =1. Se houver 2 fases, resulta que é f =1, o que significa que apenas P ou T podem variar independentemente, continuando a manter-se o equilíbrio entre as fases. Se existirem 3 fases e um só componente, é 81 Tratando-se de uma dedução a partir de outros resultados, a designação mais correcta seria teorema de Gibbs. Mantém-se, todavia, a designação habitual. Termodinâmica Macroscópica 145 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ f=0 o que significa que em sistemas de um só componente, a coexistência de 3 fases só é possível para um valor bem determinado de P e de T. No caso da água, o ponto triplo existe para T=273,16 o K . Dado o facto de só poder haver a coexistência de 3 fases para um valor fixo de P e de T: O ponto triplo da água foi internacionalmente tomado como ponto de referência para a definição da temperatura Termodinâmica para o qual se fixou o valor de 273,16 o K Se o sistema possuir 2 componentes, o número máximo possível de fases coexistentes será dado por 0=2-M+2 M=4 e as mesmas só podem coexistir para um par bem determinado de P e T. 7.5. A Mudança de Fase e a Equação de Van der Waals Por ser um caso típico, vamos considerar, no âmbito da teoria anterior, o fenómeno da mudança de fase num gás utilizando a equação de Van der Waals: P= RT a − 2 v−b v A base desta equação é essencialmente empírica, mas verifica-se que correlaciona relativamente bem o comportamento de um gás, quer antes quer depois da mudança de fase. Uma isotérmica típica, na zona onde se processa a mudança de fase, tem um andamento análogo ao apresentado na Figura 8. Termodinâmica Macroscópica 146 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Figura 8 – Comportamento típico de uma isotérmica do fluido de van der Waals O troço AB da curva não pode ter realidade física uma vez que aí não é satisfeito o critério de estabilidade intrínseca: ∂P ∂v <0 T A curva representada carece, pois, de sentido nessa zona. Todavia, como a equação de Van der Waals constitui uma boa aproximação dos resultados experimentais quando o sistema é homogéneo, e se encontra na fase gasosa, vamos admitir que a equação pode ser extrapolada para fora daquela região, o que permite salientar algumas características importantes da mudança de fase. Se o sistema for evoluindo no sentido indicado na figura, atingir-se-á um estado A para o qual o sistema perde necessariamente a homogeneidade pois se torna intrinsecamente instável. A partir deste ponto aparece uma nova fase, e o sistema é forçosamente heterogéneo. Todavia, embora em A o sistema tenha perdido a estabilidade intrínseca, sucede que ele muda de fase antes de atingir esse ponto porque a energia livre correspondente à nova fase se tornou inferior à energia livre da fase em que se encontrava. Admitamos que a mudança de fase se inicia no estado XI, para o qual a pressão é PMF e a temperatura é a da isotérmica que estamos a considerar. O sistema será inicialmente homogéneo (fase I), à pressão PMF e temperatura T1, e encontra-se em equilíbrio. Mantendo o sistema nestas condições formar-se-á no seu interior um núcleo da fase II se o núcleo assim Termodinâmica Macroscópica 147 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ formado não contribuir para aumentar a energia livre de Gibbs do sistema total. Segue-se que, enquanto as duas fases coexistem terá de ser: gX = gX I II verificando-se ainda para cada fase que dg = - s dT + v dP Considerando a evolução isotérmica (dT = 0) a partir do estado 0, a energia livre de Gibbs molar (g) será para um estado qualquer sobre a isotérmica dada por : g − g0 = P vdP P0 O integral pode ser obtido a partir da equação de Van der Waals mas é mais fácil fazer a integração a partir da curva da isotérmica em (v, P), referida a eixos invertidos relativamente aos considerados anteriormente. Obter-se-á, então, para g = g(P) uma curva do tipo que se representa a seguir: Considere-se, por exemplo, o estado 3. É evidente que, a essa pressão, não se poderá formar um núcleo de fase II, que estaria no estado 6, pelo facto de esse processo conduzir a um aumento de g do sistema total. Quando o sistema atinge o estado XI processa-se a mudança de fase e o sistema não evoluirá pelo ramo XI A ,uma vez que os estados ao longe de XI 10 têm menor energia livre de Gibbs g que os estados anteriores. A mudança de fase processou-se à pressão constante PMF e a evolução do sistema foi (0, 1,2, 3, XI , XII ,4, 8, 9, 10). Num sistema de coordenadas (P,V) a evolução é representada como: 148 Termodinâmica Macroscópica 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Neste diagrama, representa-se a traço interrompido a evolução XI XII, para indicar que nessa região o sistema é heterogéneo, e não pode ser tratado como um sistema simples. Atendendo a que g − g0 = P vdP P0 e a que g X I = g X II Obtém-se para a área tracejada C A vdP + XI 5 vdP + A B vdP + X II vdP = 0 B 5 ou A XI vdP − A 5 vdP = 5 B vdP − B vdP = 0 X II o que significa que as áreas (XII,3,5) e (5,A,XI) são iguais no espaço (P,v). Como já assinalamos, o ramo AB da curva representada no diagrama (g,p), não tem realidade física. Todavia, o ramo XI A pode ter, visto aí não haver conflito com as condições de estabilidade intrínseca. Na realidade o sistema poderá seguir o ramo XIA (o mesmo poderá acontecer com o ramo XIIB, no caso da evolução se realizar no sentido inverso ao considerado). Diz-se então que os estados de equilíbrio do sistema são metaestáveis; no sentido em que, embora se encontrem transitoriamente em equilíbrio, esse equilíbrio não é estável muito embora possa, em termos práticos, permanecer muito tempo neles, devido à transição para o equilíbrio estável ser muito lenta. A explicação do fenómeno é a seguinte: - um núcleo da fase II necessita de um certo intervalo de tempo para se formar e há caso em que esse intervalo 149 Termodinâmica Macroscópica 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ de tempo é tão longo que praticamente nunca se forma quando o sistema está à temperatura T1 e à pressão PMF. Os vários resultados anteriormente descritos podem representar-se por uma superfície num espaço (P, v, T) como esquematicamente se mostra na figura seguinte T 7.5.1. Descontinuidade no Volume Molar Quando o sistema evolui isotermicamente até atingir o estado XI com um volume VI, verifica-se nesse estado o aparecimento dum núcleo de fase II que corresponde ao estado XII com o volume VII. A pressão mantém-se constante durante a formação de novos núcleos de fase II e do respectivo crescimento, só voltando a alterar-se quando todo o sistema tiver passado à fase II. Verifica-se, portanto, que à temperatura T1 e à pressão PMF o volume molar sofre uma descontinuidade. Esta descontinuidade nos parâmetros extensivos específicos, é uma das característica mais importantes num processo de mudança de fase. Termodinâmica Macroscópica 150 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Se Chamarmos x à fracção do número de moles da fase I que num dado instante existe no sistema heterogéneo., teremos x = 1 no estado X! e x=0 no estado XII.;Em qualquer estado onde x=xy, a fracção da fase II será dada por 1-x.y (82) Para um estado y, qualquer, na região de duas fases, o volume específico, que o sistema possui será dado por: vy = vy N Sendo v y -o volume total do sistema no estado y e N o número de moles total do sistema. Como o volume é aditivo, teremos: v y = v Iy + v IIy onde vIy e vIIy são os volumes ocupados, respectivamente, pela fase I e pela fase II no estado y. Como v Iy = N Iy v I v IIy = N IIy v II sendo: 82 x é um número adimensional cujo valor seria o mesmo se em vez do número de moles tivessemos tomado a massa de cada componente. Quando se toma a fracção em massa é habitual chamar título a x, correspondendo x à fracção de gás (ou vapor) na mistura de fases. Termodinâmica Macroscópica 151 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ N Iy - o número de moles da fase I no estado y N IIy - o número de moles da fase II no estado y virá: Vy = N Iy v I + N IIy v II vy = N Iy N vI + N IIy N v II ou: v y = x. v I + (1 − x). v II Esta conclusão é conhecida com o nome de regra da alavanca, que se pode por na forma: 1 − x vI − v y = x v y − v II ou seja: "A fracção da fase II no estado y está para a fracção da fase I no mesmo estado, assim como o comprimento y XI está para o comprimento y XII". 7.5.2. Descontinuidade na Entropia Integrando, ds = ∂s ∂v dv T ao longo da isotérmica hipotética que atrás considerámos, entre os estados XI e XII verificar-se-á: 152 Termodinâmica Macroscópica 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ ∆s = s X − s X = II I X I ABX II ∂s ∂v dv = − X I ABX II T ∂P ∂T dv v que é um valor não nulo. Isto é, a entropia molar, tal como o volume molar, tem uma descontinuidade finita à temperatura T1 e à pressão PFM. Chamase calor latente por mole à quantidade: L = T∆s = T( s X − s X ) I II a qual exprime a quantidade de calor que, por mole, é necessário retirar do sistema para que todo ele passe da fase I para a fase II, isotermicamente ou, inversamente, a quantidade de calor que, por mole, necessita ser fornecida ao sistema para que todo ele passe da fase II (suposta a mais condensada) para a fase I. Se tivermos o sistema no estado XI, a fase II irá crescendo no seu interior à medida que o calor fôr sendo retirado. Se em determinado momento deixarmos de retirar calor ao sistema, ele permanecerá no estado heterogéneo em que se encontrava. Se fornecêssemos calor ao sistema, a parte da fase II que se havia formado regressará à fase I. 7.5.3. Descontinuidade na Energia Interna De modo inteiramente análogo poderemos obter a descontinuidade da energia interna na mudança da fase I para a fase II. Assim: ∆u = Tds − X I X II 7.5.4. X I X II Pdv = T(s X − s X ) − PMF ( v X − v X ) II I II I Representação da Zona a Duas Fases Se no diagrama (P, v) representarmos as várias isotérmicas obteremos o seguinte: Termodinâmica Macroscópica 153 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Para melhor compreensão pode pensar-se que a fase II é a fase líquida e I a fase gasosa. À linha (L1, L2, L3, PC), lugar geométrico dos estados onde se inicia a mudança de fase II I para evoluções isotérmicas no sentido das pressões decrescentes, chama-se curva de fase II saturada ou curva de saturação. À linha (G1, G2, G3, PC) chama-se curva de fase I saturada e corresponde ao lugar geométrico dos estados onde se inicia a mudança de fase para evoluções isotérmicas no sentido das pressões crescentes. O estado representado pelo ponto PC chama-se ponto crítico e à isotérmica Tc que por ele passa chama-se isotérmica do ponto crítico ou isotérmica crítica. A temperatura Tc é caracterizada pelo facto de para T>Tc não ocorrer, no sistema, mudança de fase, enquanto que para T<Tc essa mudança de fase se verifica. À pressão Pc do ponto crítico chama-se pressão crítica. A zona compreendida entre as duas curvas de saturação (L1, L2, L3, PC) e G1, G2, G3, PC) representa o lugar geométrico dos estados onde o sistema se encontra heterogéneo. Na figura seguinte está representada a forma típica do diagrama do estado de uma substância pura num sistema de eixos (P, V, T): Termodinâmica Macroscópica 154 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Os pontos sobre a superfície (não tracejada) representam estados de equilíbrio possíveis. Como se verifica, é possível ligar dois estados, um na zona líquida e outro na zona vapor, por uma evolução que não contenha mudanças de fase (ver figura seguinte). 7.6. O Caso da Água A água, como sistema termodinâmico, apresenta um interesse particular, não só pela sua importância social e económica como também pelo facto de ser, sob múltiplos aspectos, um fluido anómalo, cujo comportamento em termos de estrutura molecular apresenta ainda muitos aspectos obscuros. Entre as anomalias mais significativas encontra-se a redução do volume especifico Termodinâmica Macroscópica 155 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ com o aumento de temperatura, entre 0ºC e 4ºC, anomalia que é vital, por exemplo, para a existência de vida aquática nas regiões frias do globo. Fases da água num diagrama P,T Termodinâmica Macroscópica 156 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Superfície P,V,T para a água Termodinâmica Macroscópica 157 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ (a contracção na passagem sólido líquido não é normal em fluidos simples Calor específico da água e do vapor (note-se a singularidade para o ponto crítico) Termodinâmica Macroscópica 158 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Diagrama P,θ(ºC) para a água e o vapor. Termodinâmica Macroscópica 159 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ 7.7. Diagramas Termodinâmicos Como as figuras anteriores ilustram, a escolha das variáveis independentes é importante para a compreensão do comportamento do sistema, sobretudo quando existe mudança de fase. Por outro lado, a escolha do diagrama adequado, permite pôr em evidência as grandezas termodinâmicas mais relevantes no processo em causa. Tipicamente, uma representação nas coordenadas (T,s) põe em relevo as quantidades de calor trocadas pelo sistema, pois um elemento de área dA=Tds=dQ, como se mostra na figura seguinte. Escolhidos as variáveis independentes, constam também do diagrama as linhas correspondentes aos valores constantes das outras variáveis necessárias ao cálculo, como as isobáricas, as isócoras, as linhas de título constante nas zonas de duas fases, etc. A equação daquelas linhas, que são as linhas notáveis em qualquer diagrama, obtém-se facilmente utilizando o método dos produtos exteriores de diferenciais, desde que os coeficientes de compressibilidade e os calores específicos sejam conhecidos. A título de exemplo, suponhamos que as variáveis independentes escolhidas foram (T,s), e se pretende estabelecer a equação das isobáricas. Ora, nas variáveis (T,s), a equação diferencial de uma isobárica é dada por: dT = ∂T ∂s ds = P = s − s0 = T T0 [T, P] ds [s, P] cp T ds T dT cp que, no caso geral, se pode integrar numericamente83. 83 A expressão é válida nas zonas de uma só fase. Na zona a duas fases, dP=0 e dT=0. Termodinâmica Macroscópica 160 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Diagrama (T,s) A área tracejada representa a quantidade de calor recebida pelo sistema na evolução isobárica de a a d No diagrama estão também representadas as linhas de título x constante Termodinâmica Macroscópica 161 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Diagrama T,s Linha de volume constante, isócora Termodinâmica Macroscópica 162 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ Diagrama T,s para a água Isobáricas (a cheio), isócoras (a tracejado), isentálpicas (traço-ponto) Termodinâmica Macroscópica 163 7 - Mudança de Fase _________________________________________________________________ 7.7.1. Diagrama de Mollier No diagrama de Mollier as coordenadas independentes são a entropia e a entalpia (Figura 9). A grande vantagem do diagrama de Mollier decorre da equação geral dos sistemas abertos (deduzida no capítulo 8), pois o trabalho realizado pelo sistema é dado pela diferença de entalpias, que podem ser lidas directamente do diagrama. Na figura seguinte, apresenta-se, esquematicamente, o diagrama de Mollier para uma substância simples. Figura 9 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substância simples. Apresentam-se também as linhas de volume constante. Termodinâmica Macroscópica 164 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ 8. Sistemas Abertos Sem Difusão 8.1. Introdução Até agora, apenas considerámos sistemas fechados, isto é, sistemas que não permutam massa com o exterior. Essa restrição não retira generalidade aos resultados já obtidos, pois o estudo de um sistema aberto pode sempre reduzir-se ao de um sistema fechado, bastando para tal que o sistema se considere como um subsistema num sistema mais geral que o envolve a si próprio e a todos os outros com os quais há permutas de massa. Recapitulando os passos fundamentais que foram dados, verificamos que começamos por considerar um sistema isolado (e por isso também fechado) para que, sem qualquer ambiguidade, pudéssemos aplicar o princípio da conservação da energia. Seguidamente, considerámos a interacção entre sistemas que, no seu conjunto, formavam um sistema isolado, por exemplo A + B: A TA B TB Tendo sempre subjacente o sistema total, fechado e isolado, pudémos enunciar o 2º Princípio da Termodinâmica para qualquer subsistema, ao qual já não se exigiu que fosse isolado mas apenas que fosse adiabático. O 2º Princípio permitiu estabelecer, seguidamente, as condições de equilíbrio entre os sub-sistemas que formam o sistema total e o sentido da evolução para o equilíbrio quando esses subsistemas interaccionam entre si. Todavia, em todos os casos anteriores, continuou a exigir-se a todos os subsistemas que interacionavam que não houvesse permuta de massa entre si. Neste capítulo iremos fazer a primeira generalização dos resultados anteriores aos sistemas que permutam massa com o seu exterior. Chamamos-lhe primeira generalização porque não envolve ainda todas as situações e, em particular, a de existir difusão no seio da massa que o sistema Termodinâmica Macroscópica 165 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ permuta com o exterior. Esta restrição é pouco importante nas aplicações correntes de engenharia mecânica e por isso a maioria dos textos a omite. As situações em que a difusão é importante serão tratadas no âmbito da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis. Mantendo-nos por agora no âmbito dos princípios gerais e da estrutura conceptual da Termodinâmica Macroscópica, a primeira finalidade deste capítulo é mostrar como, sem qualquer dificuldade conceptual ou formal, se deduz a chamada equação geral de balanço para sistemas abertos. 8.2. Balanço de Energia para Sistemas Abertos Consideremos um sistema genérico, fechado, e sintetizemos toda a energia trocada com o exterior por dQ e dτ: Consideremos agora que o sistema tem uma pequena parte da sua fronteira que se pode deslocar, a qual representamos por um êmbolo impermeável, e adiabático, (a - b), de espessura infinitesimal e secção dA, em equilíbrio com o fluido à sua esquerda de (a - b)84. 84 Note-se que a parede global do sistema só é adiabática nas zonas da superfície onde vier a haver permuta de massa. Apenas nessas zonas se terá de verificar também a igualdade das forças generalizadas entre o sistema e o exterior. Termodinâmica Macroscópica 166 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Se E for a energia interna do sistema, a sua variação será dada por: dE = dQ + dτ (como para todos os sistemas fechados) Suponhamos agora que o êmbolo (a - b) se desloca de dl no sentido do interior do sistema. A energia recebida pelo sistema é (considera-se positiva a normal dirigida para o interior do sistema e por isso F > 0) dτe = F dl sendo F = pe dA e pe a pressão exterior que o fluido exerce sobre o êmbolo. Donde dτe = pe dA dl = pe dVe Termodinâmica Macroscópica 167 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ e dVe é o volume [(a - b) (a´ - b´)] varrido pelo êmbolo. Se ve for o volume específico do fluído, é também dVe = ve dme sendo dme a massa contida em dVe. A energia do sistema passou a ser, após o deslocamento do êmbolo para a´-b´, dE = dQ + dτ+ dτe = dQ + dτ + pe ve dme onde representamos por dτe a troca de energia devida especificamente à variação de volume. Depois deste processo, a fronteira do sistema passou a estar em (a´ - b´) e não em (a - b), como estava inicialmente. Todavia, o volume deixado livre pelo movimento do êmbolo passou a ser ocupado pelo fluído que estava à sua esquerda. Chamemos A a esse sistema (a-a´- b-b´) Considerando agora o sistema conjunto (A + B), verificamos que o sistema tem a sua fronteira na posição em que B se encontrava antes de se iniciar o processo. Por outro lado, como existe equilíbrio das forças generalizadas através da fronteira que separa A de B, concluímos que nada se altera se a mesma for removida, pelo que podemos tratar o conjunto (A+B) como um único sistema mas agora com a massa: M = MB + dme e a energia 168 Termodinâmica Macroscópica 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ E ( total ) = E A + E B Para calcular E ( total ) notamos que o sub-sistema B é um sistema fechado, pelo que a variação da sua energia é dada por85. dEB = dQ + dτ+ pe ve dme Para obter dEA. deve ter-se em conta que: • a massa de EA é dme • o subsistema A tem a energia interna ue, • a energia cinética associada à sua velocidade w é dada por r dme • 1 2 w 2 energia potencial de posição relativamente a uma cota de referência Z é dada por g Z Pelo que a energia total do sistema elementar A é dada por dE A = ( u e + gZ + 1 2 w ) dm e 2 Tendo em consideração o conjunto de operações efectuadas sobre o sistema verificamos que, se o mesmo for aberto, a equação de variação da sua energia total é dada por: dE = dQ + dτ + ( u e + gZ + 21 w 2 + Pe v e ) dm e Introduzindo agora o potencial termodinâmico entalpia : H = U + PV 86 e designando por he=ue + Pe ve a entalpia específica87 do fluido que entra no sistema, a equação de variação da energia total também se escreve: 85 Note-se que apenas é invocado o primeiro princípio e que se considera a pressão exterior, medida no exterior (pe) para que a relação seja válida independentemente da existência de equilíbrio no interior de B 86 A entalpia corresponde à transformada de Legendre da equação fundamental na forma energética, como se viu na secção 5.4.2. 87 Entalpia por unidade de massa. 169 Termodinâmica Macroscópica 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ dE = dQ + dτ + ( h e + gZ + 1 2 w ) dm e 2 Supondo que o processo descrito se desenrolou no intervalo de tempo dt, obtemos: dE dQ dτ 1 dm = + + ( h + gZ + w 2 ) dt dt dt 2 dt Se designarmos por: • ρ a massa específica do fluido r • w a velocidade com que atravessa dA r • n a normal a dA dirigida para o interior do sistema temos ainda a relação: dV dm dl = ρ e = ρ( ) dA = ρ( w. n) dA dt dt dt Como as relações foram estabelecidas para um elemento da superfície, a equação generaliza-se facilmente para trocas de massa através de toda a superfície que contem o sistema. Admitindo que as velocidades do fluido e as suas propriedades, bem como os fluxos de calor e de trabalho, se podem exprimir em função do ponto na superfície que define o sistema, obtém-se: dE = dt ( Ω 1 dq dτ )dΩ + ( )dΩ + ρ( h + gZ + w 2 )( w. n)dΩ dt 2 Ω dt Ω 88 Designando agora por: 88 q é a quantidade de calor que atravessa a unidade de área na unidade de tempo. τ é o trabalho que as forças generalizadas, (com excepção da pressão), realizam na sua própria direcção, sobre a superfície do sistema por unidade de área v n é o vector unitário da normal à superfície que contém o sistema.Toma-se como positivo se aponta para o interior da superficie Na forma apresentada a equação é absolutamente geral desde que não haja difusão de massa através da superfície. Termodinâmica Macroscópica 170 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Ω dq dΩ dt Saldo de todas as trocas de calor com o sistema no intervalo de tempo dt Ω dτ dΩ dt Saldo de todas as trocas de energia com o sistema no intervalo de tempo Estas trocas excluem a energia sob a forma de calor bem como as associadas a fluxos de massa, as quais são tidas em conta noutros termos. Q= τ= E= dE dt variação da energia total do sistema no intervalo de tempo dt a equação geral de balanço de energia para um sistema fechado assume a forma: E = Q + τ + ρ( h + gZ + Ω 1 2 w )( w. n) dΩ 2 sendo o integral estendido a toda a superfície que envolve o sistema. 8.3. Regime Estacionário Se o regime for estacionário, a energia total do sistema não varia no tempo, isto é dE =E=0 dt pois a energia total mantém-se constante. A massa total contida no sistema também se mantém constante, pelo que: M=0= Ω ρ( w. n) dΩ significando que o fluxo de massa que entra iguala o fluxo da massa que sai, e se mantêm constantes, no tempo, as propriedades associadas as esses fluxos. Quando o regime é estacionário, a massa que entra no sistema por unidade de tempo é igual à massa que sai no mesmo intervalo. Termodinâmica Macroscópica 171 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ A essa quantidade comum chamamos caudal mássico, G: G= 1 ρ |( w. n)|dA 2A 89 Se, além do regime ser estacionário, existe apenas uma zona (simplesmente conexa) da superfície por onde entra todo o fluido( secção de entrada) e uma zona por onde todo o fluido sai (secção de saída), e se em cada uma dessa secções as propriedades puderem ser representadas pelos seus valores médios, por unidade de massa, definidos genericamente por x= 1 Ω ρ x ( w . n ) dΩ Ω vem Q + τ + (h s + 1 2 1 2 w s + gZ s ) − ( h e + w e + gZ e ) G = 0 2 2 em que os índices e e s se referem, respectivamente, à entrada e à saída e se tem em conta que G tem o mesmo valor absoluto à entrada e à saída mas sinais contrários. Esta expressão também se apresenta muitas vezes na forma 1 1 (Q + τ) = ( h e − h s ) + g( Z e − Z s ) + ( w e − w s ) G 2 a qual mostra que as quantidades de calor e de trabalho trocadas com o sistema e referidos à unidade de massa que o atravessa por unidade de tempo igualam a variação da entalpia, da energia potencial e da energia cinética, por unidade de massa, entre a entrada e a saída do sistema. Notas Como se verifica, a dedução da equação geral para os sistemas abertos apenas invocou, no essencial, o princípio da conservação da energia e nada mais requer, desde que se tenha desprezado a difusão de massa 89 Tendo considerado os fluxos em módulo, e sendo iguais as quantidades entradas e as quantidades saídas, cada uma delas será metade do total. Termodinâmica Macroscópica 172 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Devido a esta generalidade, a equação é geralmente deduzida sem qualquer referência ao postulado da dissipação ou ao segundo princípio da Termodinâmica, admitindo como implícitas as restrições, geralmente pouco importantes, acima referidas. A dedução envolveu apenas valores globais tal como podem ser observados e medidos por um observador colocado no exterior do sistema. Como tal, ignora-se o que se passa no seu interior, limitando-se o observador a contabilizar o que entra e o que sai, isto é, a fazer um balanço das quantidades de energia que atravessam a fronteira do sistema na unidade de tempo. Trata-se portanto de uma equação geral de balanço. Como imediatamente se infere,a clara identificação da fronteira é crucial porque é nela que todas as quantidades são medidas. Para acentuar estas características, chamamos ao volume contido no interior da fronteira volume de controle. A equação geral limitou-se, assim, a exprimir que no interior do volume de controlo a energia e a massa se conservam (isto é, não se criam nem se destroem). Deve notar-se o modo natural como a entalpia aparece como variável do sistema e não a energia interna. Isso deve-se ao facto de U e PV andarem sempre associados na forma H = U + P V devido à realização de trabalho associado à entrada e à saída de fluido no sistema. A entalpia é, por isso, a variável natural característica dos sistemas abertos. 8.4. Aplicações A utilidade da equação geral, uma vez deduzida, não é a de verificar e continuar a verificar o princípio da conservação da energia, mas sim a de nos permitir, pelo cálculo, inferir o valor de algumas das variáveis sabidas as restantes. Para isso é necessário em geral, fazer hipóteses adicionais quanto à evolução do que se passa no interior do sistema. Para ilustrar este ponto, consideramos o mais simples possível dos sistemas abertos: um tubo de secção constante, horizontal no qual se escoa um fluído em regime estacionário e que não troca calor nem trabalho com o exterior (salvo, naturalmente, o associado à entrada e saída de fluído do volume de controlo). 173 Termodinâmica Macroscópica 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Nas hipóteses anteriores é Q + τ = 0 e também 1 2 E=0 Como o tubo está horizontal: Z1 = Z2 pelo que a equação geral se reduz a (h1 + 1 2 1 2 w1 ) − ( h 2 + w 2 ) = 0 2 2 Se as secções 1 e 2 forem muito próximas, também podemos escrever 1 dh + d ( w 2) = 0 2 sendo dh = h2 - h1 "Entrando" agora no interior do sistema90, podemos exprimir a entalpia nas outras variáveis termodinâmicas estudadas para os sistemas fechados e teremos: dh = T ds + v dP 91 90 O que significa ser necessária a exigência suplementar de os parâmetros intensivos serem uniformes no seu interior, ou ainda de que o sistema é suposto estar a cada instante em equilíbrio interno. 91 Estas relações virão a ser aprofundas mas para esta aplicação basta notar que a relação resulta da própria definição de entalpia: dH=d(U+PV)=dU+d(PV)=dU+PdV+VdP atendendo a que dU=TdS-VdP vem imediatamente dH=TdS+VdP relação que expressa por unidade de massa é: dh=Tds+vdP onde os símbolos minúsculos das propriedades extensivas exprimem valores específicos por unidade de massa Termodinâmica Macroscópica 174 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ a qual é ainda uma relação geral e apenas pressupõe que no sistema elementar de volume dV delimitado pelas secções 1 e 2 são válidas as relações da Termoestática, o que é correcto na maioria dos casos. Teremos pois 1 Tds + vdP = − dw 2 2 Verificando-se que o número de incógnitas aumentou. Para prosseguirmos torna-se por isso necessário introduzir uma hipótese suplementar. Suponhamos que essa hipótese era a de uma evolução reversível de que resultaria dS = 0 implicando que w2 vdP = − d ( ) 2 Se se tratar de um fluído incompressível será92: v = const. e P= const.93 Devido à conservação da massa, como a secção do tubo é constante, resulta que: w1 = w2 e portanto dw2=0, donde, finalmente dP=0 o que significa que a pressão no interior do fluido não varia entre a entrada e a saída. Ora, e como a experiência demonstra, o resultado é falso, (e seria de esperar, pois o movimento de um fluído corresponde a um fluxo de energia, e a um fluxo de energia está sempre associada uma dissipação.) 92 Hipótese muito corrente em mecânica dos fluidos quando as velocidades do escoamento são muito inferiores à velocidade do som no fluido. 93 A definição de fluido imcompressível consiste no conjunto das duas relações. Termodinâmica Macroscópica 175 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Não sendo admissível a hipótese ds=0 por implicar, neste caso, uma evolução reversível, vejamos a hipótese de não haver variação de entalpia: dh = 0, Teremos então: dh = 0 = T ds + v dP ou T dp = − ds v pelo que, se: dp ≠ 0 ds ≠ 0 isto é, o escoamento a entalpia constante implica uma irreversibilidade se a pressão variar. Como v > 0, e T > 0 pelo seu próprio sentido físico e ds>0 pelo segundo princípio da Termodinâmica, concluimos que terá de ser dP < 0 ou seja: P1 > P2 que é o comportamento que experimentalmente se verifica. Esta perda de pressão por irreversibilidade é tida em conta, habitualmente, (sobretudo em hidráulica e para fluídos incompressíveis em geral) sob a forma de um termo correctivo determinado experimentalmente e que exprime: v dP dS = −T dL dL (sendo L a distância entre duas secções) ou 1 dP ds = −T ρ dL dL como uma função: dP = f (ρ, w , µ , ε ) dL em que f é empírico (ρ é a massa específica, µ a viscosidade do fluido e ε a rugosidade do tubo) As formas que f assume serão dadas em Mecânica dos Fluídos e Transmissão de Calor. A sua determinação teórica está fora do âmbito da Termoestática, mas cai no da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis. Termodinâmica Macroscópica 176 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ Como facilmente se infere, esta irreversibilidade provoca um aumento da entropia que arrasta o da temperatura, se não houver mudança de fase. 8.5. Balanço de Entropia para Sistemas Abertos O balanço de entropia para sistemas fechados encontra-se contido na Equação Fundamental na forma entrópica. No caso de sistemas que deixaram de estar em equilíbrio interno por ter sido removido um constrangimento que impedia a interacção entre sub-sistemas, a nova situação de equilíbrio é dada pelo máximo de entropia do conjunto (que forma um sistema adiabático ou é a ele redutível). Enquanto propriedade (extensiva) do sistema, uma característica fundamental da entropia é não ser uma propriedade conservada, (salvo nos casos limites de evoluções totalmente reversíveis) contrariamente ao que sucede com a energia e a massa. A característica fundamental da irreversibilidade é o aumento de entropia, e o aumento de entropia é o facto mais comum e saliente nas evoluções reais. Todavia, a entropia, para além de ser criada num processo irreversível também pode ser permutada, e isso sucede sempre que existe um fluxo de calor. Efectivamente, e como já por várias vezes foi sublinhado, é sempre: dQ = T dS ou dS = dQ T desde que T e S se refiram ao sistema que recebe dQ. Por este facto, podemos sempre escrever para o sistema fechado contido pela superfície fechada Ω o balanço de entropia como dS ( total ) dt em que = Ω 1 ( q . n ) dΩ + T ds ρ (int erno ) dV V dt 177 Termodinâmica Macroscópica 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ q= fluxo de calor dq dtdA quantidade de calor que atravessa a unidade de área na unidade de tempo r n sint = normal interior à superfície Ω dS Produção de entropia dt Aumento de entropia por unidade de tempo e de massa no interior do sistema devido a irreversibilidades internas de 1ª e 2ª espécie (int erior ) Tratando-se de um sistema aberto, a equação de balanço da entropia generaliza-se imediatamente, bastando para tal ter em conta que, associado à unidade de massa que entra (ou sai do volume de controlo) vem associada não só uma energia, como todas as propriedades associadas à unidade de massa, nomeadamente a entropia. Aliás, na equação de balanço energético para um sistema aberto, a entrada de entropia já foi implicitamente considerada na energia interna. A equação geral do balanço de entropia para um sistema aberto é portanto: STotal = dST = dt ρ Ω r 1 1 (q . n ) + s( w. n ) dΩ + T T sint dV r V Tal como anteriormente, w é a velocidade do fluido e n a normal interior à superfície que define o volume de controlo. O primeiro termo no integral de superfície representa o fluxo de entropia ligado ao fluxo de calor. O segundo termo resulta do fluxo de entropia associado ao fluxo de massa. Ambos podem ser positivos ou negativos. O integral de volume representa o aumento de entropia na unidade de tempo devido às irreversibilidades no interior do sistema. Pelo segundo princípio da Termodinâmica, este termo é intrinsecamente positivo. Tal como anteriormente, se a superfície Ω que define o volume de controle puder ser dividida em j troços nos quais as temperaturas, as velocidades e massas específicas são uniformes, os integrais anteriores podem substituir-se por um número finito de parcelas, obtendo-se Termodinâmica Macroscópica 178 8 - Sistemas Abertos Sem Difusão _________________________________________________________________ dST = dt j ( Qj Tj + mj sj + σ j ) em que Qj = ( q . n ) dΩ j Ωj ρ ( w. n )dΩ j mj = Ωj σv = ρ V dsint dV dt σ v é a produção total de entropia por irreversibilidades no interior do volume de controlo. O cálculo de σ v é feito na termodinâmica dos processos irreversíveis. Todavia, do 2º princípio da termodinâmica (ou do postulado da dissipação), sabemos já que dsint ≥0 dt pelo que σv ≥ 0 Verificando-se apenas o sinal de igualdade se no interior do volume de controlo todos os processos forem reversíveis. Notas É fundamental ter em atenção, no cálculo do fluxo de entropia associado ao fluxo de calor, que a temperatura que se considera é a da fronteira do sistema. Neste caso, é a temperatura a que se encontra o elemento de superfície d Ω do volume de controlo, por onde o fluxo de calor em causa entra (ou sai) trazendo entropia para o sistema (ou levando se sai). Como nos processos reais um fluxo de calor requer sempre uma diferença de temperatura, se a fronteira do volume de controlo não é definida com rigor, a temperatura a que o mesmo se encontra tambem deixa de o ser, arrastando em consequência imprecisões nos fluxos de entropia permutados. Termodinâmica Macroscópica 179 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ 9. Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot Os trabalhos de Sadi Carnot94 tiveram uma importância histórica fundamental e as suas reflexões “Sobre a Potência Motriz do Fogo”, apesar de utilizarem o conceito de calórico, conduziram ao famoso rendimento do ciclo de Carnot, o rendimento inultrapassável por qualquer máquina térmica independentemente do modo como é constituída ou da substância que descreve o ciclo. Foram a generalidade e pertinência dos seus argumentos que levaram, posteriormente, Clausius ao conceito de entropia e ao enunciado clássico da segunda lei da Termodinâmica. Nos textos clássicos de Termodinâmica, o ciclo de Carnot é a pedra angular no desenvolvimento da teoria. Neste curso, o rendimento do ciclo de Carnot e o limite superior que o mesmo representa para qualquer máquina térmica são uma consequência quase trivial dos conceitos até agora introduzidos e das deduções a que os postulados nos conduziram. Em particular, para a demonstração do teorema de Carnot basta ter em conta a existência da equação fundamental para qualquer sistema termodinâmico e o princípio da conservação da energia. Por outro lado, o ciclo de Carnot permite-nos uma abordagem directa à questão da conversão do calor em trabalho e ao significado prático das irreversibilidades de 2ª espécie. 9.1.1. Ciclo O conceito de ciclo desempenha na construção da Termodinâmica Clássica (Clássica≡Histórica) um papel fundamental, pois constitui o modo de evitar 94 Nicolas Léonard Sadi Carnot viveu entre 1796 e 1832 e foi engenheiro militar. O seu pai, Lazare Nicolas Marguerite Carnot (1753-1823), engenheiro militar e general, foi um dos líderes da Revolução Francesa e ficou conhecido como o Grande Carnot e organizador da vitória. Foi o primeiro ministro da guerra de Napoleão e demitiu-se passados 5 meses (1800). Um seu neto, sobrinho de Sadi Carnot e que tinha o mesmo nome, foi Presidente da 3ª República Francesa, desde 1887 até ao seu assassinato em 1894. Termodinâmica Macroscópica 180 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ qualquer referência ou hipótese explícita relativamente ao que se passa no interior do sistema. Dizer que o sistema descreve um ciclo é o mesmo que afirmar ser possível identificar de modo absoluto e sem ambiguidades a configuração macroscópica do sistema pelo menos num ponto de partida, que é o ponto ao qual o sistema tem de regressar para que o conjunto de processos que sofreu formem um ciclo. Este ciclo designa-se habitualmente por ciclo fechado. Mas um ciclo que não é fechado não é um ciclo, pelo que afirmar que é fechado se torna redundante. 9.2. Fontes Reversíveis Na discussão clássica do ciclo de Carnot e na construção clássica da Termodinâmica, os conceitos de fonte de calor e de fonte de trabalho reversível desempenham um papel fundamental. A sua formulação é por isso apresentada de acordo com a terminologia e conceitos que temos vindo a utilizar. As fontes de calor reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados que podem permutar energia mantendo constantes as coordenadas externas e em que a temperatura no seu interior é sempre uniforme. Pela definição, a energia permutada só pode ser energia interna (calor). O sistema termodinâmico (no âmbito da Termodinâmica de Equilíbrio) está sempre em equilíbrio interno, o que se traduz pela uniformidade dos variáveis intensivas, nomeadamente a temperatura. Também podíamos definir as fontes de calor reversíveis como sistemas termodinâmicos que estando sempre em equilíbrio interno só podem trocar energia através da coordenada interna entropia. No ciclo de Carnot há apenas duas fontes. Chama-se por isso fonte quente à fonte a temperatura mais elevada e fonte fria à outra. As fontes de trabalho reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados, em equilíbrio interno (e que portanto não são sede de irreversibilidades de primeira espécie) cujas paredes são adiabáticas. A Termodinâmica Clássica teve de inventar estes conceitos extrapolando para um limite prático a idealização experimental. Destas idealizações, a mais difícil de intuitivamente assimilar é a de fonte de calor associada ao processo de transferência reversível de calor. O motivo Termodinâmica Macroscópica 181 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ porque introduzimos o conceito de irreversibilidade de 2ª espécie, resulta, entre outros, deste facto. Por outro lado, os conceitos de fontes de calor e trabalho reversível desempenham um papel fundamental porque é através delas que na Termodinâmica Clássica se vão inferir as propriedades do sistema. 9.3. Descrição do Ciclo O ciclo de Carnot é o ciclo descrito por um sistema termodinâmico em contacto exclusivo com fontes de trabalho e fontes de calor reversíveis. O ciclo é constituído pelos processos apresentados de seguida (Figura 10). Processo A B. O sistema recebe a quantidade de calor dQAB à temperatura TA de uma fonte de calor reversível. A troca de calor é reversível.95 Processo B D. O sistema sofre uma evolução adiabática e isentrópica fornecendo o trabalho τBC a uma fonte de trabalho reversível.96 Processo D C. O sistema cede uma quantidade de calor dQDC, à temperatura constante Tf a uma segunda fonte de calor reversível. Processo C A. O sistema sofre uma evolução adiabática e isentrópica recebendo a trabalho τCA de uma fonte de trabalho reversível. Figura 10 – Ciclo de Carnot 95 Tal significa que, no sistema conjunto formado pelo sistema que descreve o ciclo mais a fonte, não há aumento global de entropia durante a transferência de calor. Isto é, no sistema conjunto não há irreversibilidades de 2ª espécie. 96 V. nota anterior. No sistema conjunto não há irreversibilidades de 1ªespécie. Termodinâmica Macroscópica 182 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Em nenhum dos processos há irreversibilidades de 1ª ou de 2ª espécie, tanto na permuta de energia com as fontes como no interior do sistema. O ciclo descrito é o chamado ciclo directo. O ciclo inverso é inteiramente idêntico, mas percorrido em sentido inverso. Neste caso, onde no ciclo directo recebia calor (ou cedia trabalho), passou a ceder calor (ou a receber trabalho). Ao ciclo directo chama-se ciclo motor. Ao ciclo inverso chama-se ciclo frigorífico. O sistema que sofre a evolução é absolutamente geral, pois não especifica nenhuma substância particular a descrever o ciclo. 9.4. Teorema de Carnot O Teorema de Carnot desempenha um papel especial porque trata das conversões de calor em trabalho e exprime a realidade fundamental da natureza ou mundo em que vivemos de que todo o trabalho é convertível em calor mas de que nem todo o calor é convertível em trabalho num processo cíclico. Sublinhamos cíclico, porque há processos, de que é exemplo a expansão isotérmica de um gás perfeito, em que todo o calor recebido é cedido pelo sistema sob a forma de trabalho. Todavia, o sistema não regressa ao estado inicial. 9.4.1. Enunciado O rendimento do ciclo de Carnot depende apenas das temperaturas extremas e é dado por97: η= Q T =1− f τ Tq O rendimento é máximo se todos os processos forem reversíveis, tanto de 1ª como de 2ª espécie. 9.4.2. Demonstração Para aplicar a teoria que já construímos à demonstração do Teorema de Carnot, comecemos por notar que o (sub)sistema A e as fontes formam um 97 Temperaturas absolutas. Termodinâmica Macroscópica 183 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ sistema total isolado enquanto se desenrola o processo correspondente ao contacto com as fontes. Notemos ainda que tanto cada uma das fontes como o sistema que descreve o ciclo possuem uma Equação Fundamental que é específica da substância que os forma, isto é, teremos: U = U (S, X1, ... , Xn) - para o sistema que descreve o ciclo Ucq = Ucq (Scq) - para a fonte de calor à temperatura Tq = TA = TB Ucf = Ucf (Scf) - para a fonte de calor à temperatura Tf = TD = Tc Ut = Ut (X1t, ... , Xnt)- para a fonte de trabalho reversível Note-se que escrevemos a Equação Fundamental da fonte de trabalho reversível independente de S para sublinhar que, por definição, numa fonte de trabalho reversível, a entropia se mantém sempre constante pelo que é desnecessária para a descrição das suas permutas de energia ou das suas evoluções. Por outro lado, será sempre:98 dQcq = Tcq dScq - para a fonte quente dQcf = Tcf dScf - para a fonte fria e será também para o sistema A, sempre dQA = TA dSA Consideremos agora , individualmente, cada um dos quatro processos que formam o ciclo. Processo A B No estado inicial A, o sistema encontra-se na configuração UA = U (SA, X1A, ... , XnA) No processo A B, a fonte quente cedeu ao sistema dQcq = Tcq dScq e a entropia do sistema aumentou de 98 Pelo índice c referimo-nos à fonte. Notar-se-á que distinguimos a temperatura do sistema da tem- peratura da fonte, mantendo apenas a exigência de não haver irreversibilidades internas, tanto na fonte como no sistema. Assim, a relação dQ=TdS é sempre válida, pois T e dS referem-se ao mesmo sistema termodinâmico. 184 Termodinâmica Macroscópica 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ dS = dQcq TAB Se o processo não for infinitesimal obter-se-á, porque T evolução é isotérmica) AB é constante ( Qcq = Tcq (ScqA - ScqB) e para o sistema SB − SA = Qcq Q AB 99 = TAB TAB B, o sistema recebeu calor (entropia) da fonte Durante o processo A quente e cedeu trabalho, pelo que as suas coordenadas externas se alteraram para X1B, ... , XnB. A variação total de energia interna do sistema, entre A e B, foi portanto, UB - UA = tAB + QAB = U (SB, X1B, ... , XnB) - U (SA, X1A, ... , XnA) Processo B C Como o processo é adiabático e reversível a entropia do sistema não se altera, pelo que SC = SB. O sistema apenas cede trabalho à fonte de trabalho (reversível) no valor de UC - UB = U (SB, X1C, ... , XnC) - U (SB, X1B, ... , XnB) Processo C D Se notarmos que no processo A B a entropia do sistema aumentou de SA para SB, e que o processo C D é adiabático, conclui-se imediatamente que o sistema só pode voltar ao estado inicial se ceder no processo C D toda a entropia que recebeu desde o estado inicial100. O sistema terá, portanto, de ceder à fonte fria a quantidade de calor Q CD = SA − SB . TCD 99 Porque o calor recebido pelo sistema é igual ao cedido pela fonte. 100 Pois a única forma que um sistema termodinâmico tem de reduzir a sua entropia é cedendo calor e nos troços do ciclo em que permutou trabalho isso é impossível porque esses processos são adiabáticos. Termodinâmica Macroscópica 185 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Durante o processo, trocou também o trabalho correspondente à passagem da configuração (X1C, ... , XnC) à configuração (X1D, ... , Xno). Processo D A O sistema regressa adiabatica e reversivelmente ao estado inicial para o que apenas pode ceder trabalho à fonte de trabalho (não pode trocar calor, e portanto entropia , porque o processo é adiabático). Como o sistema regressa ao estado inicial, a sua energia interna é a mesma que tinha quando iniciou o ciclo. Pelo princípio da conservação da energia, resulta que o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema com as fontes de trabalho reversível só pode provir do saldo das suas trocas de calor com as fontes de calor. Ora o sistema recebe da fonte quente a energia Qq = Tq ∆Sq e com ela a entropia ∆Sq (= SB - SA). Para o sistema voltar ao estado inicial teve de ceder à fonte fria a entropia ∆ Sq que recebeu e para isso teve que lhe ceder a quantidade de calor Qf = Tf∆Sq. A quantidade de calor convertido em trabalho foi portanto: τ= Qq - Qf = (Tq - Tf) ∆S em que ∆S = SA - SB = SC - SD Como o rendimento do ciclo é definido pelo quociente do trabalho cedido pelo quantidade de calor recebida , isto é: η= τ ( Tq − Tf )∆S Tq − Tf = = Qq Tq∆S Tq ou seja η =1− como desejávamos demonstrar. Tq Tf Termodinâmica Macroscópica 186 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Notas Como se constata, a demonstração é quase trivial quando o princípio da conservação da energia e a existência de uma Equação Fundamental são dados adquiridos. O Teorema de Carnot, tal como deduzido, aproxima-se da concepção inicial de Carnot, que via numa diferença de temperaturas o análogo de uma diferença de cotas numa queda de água (diferença de energia potencial), que poderia ser aproveitada para a produção de trabalho mecânico (o análogo da água que desce é a entropia e o da altura da queda a diferença de temperatura). Todavia, Carnot utilizou o conceito de calórico e este não permite a dedução do teorema se o calórico fôr entendido como o era na época. Se Carnot tivesse feito a destrinça conceptual entre dQ, T e dS, (isto é, do que está contido em dQ = TdS), o princípio tal como o “tentou” exprimir estaria correcto. Todavia, e contrariamente ao que é corrente afirmar-se, não há nenhuma prova histórica de que Sadi Carnot tivesse feito essa reelaboração conceptual que teria criado o conceito de entropia.101 9.5. Reversibilidades Interna, Externa e Total Tal como enunciado e demonstrado, o Teorema de Carnot (princípio de Carnot nos textos históricos) exige a reversibilidade total no universo formado pelo sistema e pelas fontes, universo esse que é isolado. A reversibilidade total exige que todos os processos, (no interior do sistema e das fontes bem como na sua interacção) sejam reversíveis (de 1ª e 2ª espécie). A reversibilidade total permite que a realização do ciclo inverso anule completamente todos os efeitos do ciclo directo, e inversamente. A reversibilidade total é uma abstracção fundamental na construção da Termodinâmica Clássica (Clausius, Kelvin, Planck, etc.) onde o primeiro princípio consiste na afirmação de que o calor é a forma de energia que é preciso ter em conta para que a energia total se conserve num sistema isolado. 101 Que o rendimento de qualquer conversor de energia deve ser máximo para um processo reversível foi extensamente defendido por Lazare Carnot (pai de Sadi Carnot). Lazare Carnot tratou das conversões de energia no âmbito da "Física Perfeita" (máquinas hidráulicas, etc. ...) e designava o caso limite da reversibilidade (correspondente ao que definimos como reversibilidade de 1ª espécie) como movimento geométrico. Termodinâmica Macroscópica 187 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Por outro lado, através dos conceitos de reversibilidade total e através dos conceitos fulcrais de fontes, de trocas de calor e de trabalho reversível, procura-se demonstrar, com a utilização de ciclos de Carnot, (muitas vezes artificiosa) , que dQ ≥0 T em que dQ se refere à fonte de calor e T à sua temperatura. A situação dQ =0 T mostra que existe uma função de estado tal que dS = dQ/T102, a que Clausius chamou entropia. Clausius designou também como calor não compensado a diferença ( dQ − ( SA − SB ) ≥0 T no processo A B. Este modo de proceder transfere para as fontes o cálculo de todos os fluxos de energia e transforma-se facilmente em ratoeira se as temperaturas do sistema e das fontes não são iguais. A maior dificuldade conceptual reside no facto da reversibilidade total exigir permutas de calor entre corpos a igual temperatura, o que é contrário ao senso comum. Tal facto leva muitos estudantes a terem sérias dificuldades na aplicação da Termodinâmica a situações reais ... conduzindo-os a mecanizar (sem dominar) as aplicações. Ora, nas situações reais, é desnecessário exigir a reversibilidade total. Para que o formalismo já deduzido seja utilizável nas situações reais, basta que exista reversibilidade interna, a qual é sinónimo de validade "instantânea" da Equação Fundamental. 102 1/T é o factor integrante que multiplicado por dQ transforma o conjunto num diferencial exacto, isto é, no diferencial da função de estado que é a entropia. Termodinâmica Macroscópica 188 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Diremos, analogamente, que existe reversibilidade externa se as fontes com as quais o sistema troca calor e trabalho também têm reversibilidade interna (note-se que o próprio conceito de fontes reversíveis o exige), isto é, estão a cada instante em equilíbrio interno. Resta a interacção entre o sistema e as fontes, e a esta não é necessário exigir que seja reversível de acordo com o formalismo exposto, porque sabemos calcular facilmente o aumento de entropia total que resulta dessa irreversibilidade. Sucede ainda que a irreversibilidade mais corrente e impossível de evitar em termos práticos é a irreversibilidade de 2ª espécie porque a transferência de calor exige uma diferença de temperaturas não infinitesimal se a quantidade a transferir é finita e tiver de ser efectuada em tempo finito como sucede em qualquer motor térmico. Tendo em atenção as observações anteriores, verifica-se que, seja qual for o ciclo descrito pelo sistema, se ele tem de voltar ao estado inicial, a entropia tem de voltar ao valor que tinha no início. Segue-se que toda a entropia que o sistema recebeu (seja a proveniente de sistemas de temperatura mais elevada, seja a proveniente de dissipações associadas ao trabalho permutado) tem de ser cedida, o que exige a existência de sistema (ou sistemas) a temperatura mais baixa.103 Tendo em conta este facto, a quantidade de calor que pode ser convertida em trabalho é tanto menor quanto maior for o calor que o sistema é obrigado a ceder para que a sua entropia regresse ao valor inicial, e possa assim fecharse o ciclo. Voltando ao ciclo de Carnot e admitindo agora e apenas a reversibilidade interna do sistema e das fontes, será, para o calor recebido da fonte quente dQq = Tcq dSq para a fonte mas para o sistema é dSAB = dQ TAB pelo que , se TAB < Tcq é dSAB > dSqn. 103 Pelo que a conversão de "calor" em trabalho exige pelo menos duas fontes de calor a temperaturas diferentes. Termodinâmica Macroscópica 189 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ Isto é, devido à irreversibilidade de 2ª espécie na interacção entre o sistema e a fonte, o sistema recebeu, com a mesma quantidade de calor, mais entropia. Esta entropia, vai o sistema ter que a ceder à fonte fria. Para tal, tem de lhe ceder a quantidade de calor dada por (supondo que tudo o mais foi reversível) dQf = Tf´ dSq Para que esta transferência se faça num processo real, terá de ser Tf(sistema) > Tf (fonte fria) O que significa que, quanto maior fôr a diferença de temperaturas entre o sistema e a fonte fria , maior será dQf , porque dSq é imposto. Como o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema é o trabalho útil obtido da conversão de calor em trabalho, será dτ = dQq - dQf = TAB dSAB - TCD dSAB = (TAB - TCD) dSAB e ainda η* = TAB − TCD T =1− CD TAB TAB em que TCD e TAB são, agora, as temperaturas do sistema (e não das fontes). Como se vê η* ≤ η η * será o rendimento do ciclo quando existe apenas reversibilidade interna. Como é óbvio, se houver no sistema irreversibilidades internas, mais entropia é necessário ceder às fontes frias e portanto mais dQf, diminuindo, concomitantemente o rendimento. Do anteriormente exposto se conclui também que: o rendimento de qualquer ciclo na conversão de calor em trabalho é máximo existindo reversibilidade total. Termodinâmica Macroscópica 190 9 - Máquinas Térmicas: Ciclo de Carnot _________________________________________________________________ a que poderemos acrescentar, para qualquer ciclo real104: o rendimento máximo de um ciclo real verifica-se quando existe reversibilidade interna e aumenta quando diminuem as irreversibilidades na interacção com as fontes. Chamamos ciclos endoreversíveis aos ciclos em que apenas existem irreversibilidades de 2ª espécie nas trocas de calor com as fontes. 104 Pois para estes a reversibilidade total é impossível. 191 Termodinâmica Macroscópica 10 - Comentários Finais _________________________________________________________________ 10. Comentários Finais Existem diversas Termodinâmica: formulações alternativas do 2º Princípio da Postulado de Kelvin105: Uma transformação, cujo único resultado final, fosse transformar em trabalho o calor extraído de uma fonte que tem todos os seus pontos à mesma temperatura, é impossível. Postulado de Clausius106: Uma transformação cujo único resultado final fosse transferir calor de um corpo a dada temperatura para outro corpo a temperatura mais elevada, é impossível. Postulado de Planck107: É impossível construir um motor que, trabalhando num ciclo completo, tenha como único efeito levantar um peso e arrefecer um reservatório de calor. Como facilmente se constata, os postulados ou axiomas de Kelvin e Planck reduzem-se à afirmação de que é impossível converter calor em trabalho, num processo cíclico, utilizando uma só fonte de calor, a temperatura uniforme. Embora o postulado de Clausius não refira explicitamente um ciclo, a afirmação equivalente está implicitamente contida na condição "único resultado". Por exemplo, na conversão de calor em trabalho durante a expansão isotérmica de um gás, o efeito não foi só o fornecimento de trabalho mas também o aumento de volume. Que uma só fonte de calor não é bastante para converter calor em trabalho é uma consequência de a entropia final do sistema ter de ser igual à inicial. 105 Tal como citado Fermi (1973, p. 29). 106 Tal como citado Fermi (1973, p. 29). 107 Planck (p. 89). Termodinâmica Macroscópica 192 10 - Comentários Finais _________________________________________________________________ para que o ciclo se feche. Não havendo um sistema a temperatura mais baixa ao qual se cede a entropia recebida, não se pode voltar ao estado inicial. Se a entropia é cedida à temperatura a que foi recebida, o saldo do calor trocado é nulo e portanto também o é o saldo dos trabalhos. O postulado de Clausius está contido no raciocínio anterior se em vez de um ciclo motor, considerássemos um ciclo inverso. As observações anteriores mostram como a formulação aqui apresentada contém as outras, como aplicações particulares. Notar-se-á, por outro lado, que enquanto as formulações clássicas apresentadas o fazem, referindo explicitamente o calor, na formulação aqui apresentada é à dissipação, no sentido genérico, das formas macroscópicas de energia da Física Perfeita, que se faz referência. Qualquer das formulações parte de axiomas e tem de obter resultados consistentes entre si. Todavia, formulações diferentes permitem interpretações e, sobretudo, desenvolvimentos diferentes. A Mecânica de Lagrange e Hamilton está inteiramente contida na Mecânica de Newton. Mas foram estas reformulações que permitiram os mais notáveis desenvolvimentos posteriores da Física e o nascimento da Mecânica Quântica, por exemplo. O conceito de Equação Fundamental aqui utilizado foi inicialmente introduzido por Gibbs. Postular directamente a existência da Equação Fundamental e as suas propriedades foi iniciado por Callen, que divulgou e consagrou um tipo de reflexão iniciado por Tisza. Começando directamente pelos axiomas da existência de U como função de estado e da entropia e suas propriedades, Gibbs-Tisza-Callen desejaram evitar justificações artificiosas a partir de axiomas pouco claros ou desnecessariamente restritivos, para demonstrar a existência de uma Equação Fundamental cuja existência, uma vez provada, permite extrair inúmeras conclusões. Como, tanto num como noutro caso, é a previsão dos resultados experimentais o teste último da Teoria, o que o desenvolvimento da Termodinâmica Macroscópica a partir da Equação Fundamental oferece são consideráveis vantagens de generalidade, de concisão e de rigor, para além de tornar clara a ligação com a Termodinâmica Estatística. Neste curso, o ponto de partida (para além do Princípio de Conservação da Energia comum a todos os textos de Termodinâmica ...) foi o postulado ou Termodinâmica Macroscópica 193 10 - Comentários Finais _________________________________________________________________ princípio da dissipação, porque é a dissipação e a irreversibilidade de 1ª espécie que separa os fenómenos reais dos da Física Perfeita. Este postulado, ou princípio, que a experiência de todos os dias nos mostra existir, conjugado com o princípio (implícita ou explicitamente admitido em todas as formulações) de a Energia Interna ser uma função do ponto no espaço Termodinâmico obriga à existência de coordenadas internas. Usar apenas uma coordenada interna (Entropia) como suficiente é equivalente à afirmação (ou hipótese) de existir equilíbrio ou uniformidade interna. Obtivemos assim, dedutivamente, a Equação Fundamental e os axiomas de Callen como um resultado deduzido. Feita a comparação com os axiomas ou postulados de outras formulações verificamos também que eles estão contidos na formulação que adoptamos. Deve ainda referir-se, como modo de formular a Termodinâmica (Termoestática) a sugerida por Max Born108 a Carathéodory, da qual resultou um teorema puramente matemático devido a Caratheodory e que afirma:109 Na vizinhança do ponto P de um campo vectorial associado a um pfafiano integrável há pontos que não podem ligar-se a P por uma curva ergomédica.110 O axioma de Carathéodory, a partir do qual a Termodinâmica se formula, é: Na vizinhança de qualquer estado de um sistema fechado, há estados que são inacessíveis ao sistema através de uma evolução adiabática, seja ela reversível ou irreversível. Este axioma, utilizando o teorema de Carathéodory, permite a dedução formal da Termodinâmica. O nosso postulado da dissipação é o equivalente ao axioma de Carathéodory. 108 Born (1964). 109 Kestin (1966). 110 A vizinhança do ponto P pode ser arbitrariamente pequena. Se o pfaffiano fôr dQ = i Πidxi o mesmo diz-se integrável se existir um factor integrante λ tal que λdQ é uma diferencial exacta. Uma curva ergomédica é uma curva tal que i Πidxi = cons tan te Termodinâmica Macroscópica 194 10 - Comentários Finais _________________________________________________________________ O teorema de Carathéodory permite a dedução matemática rigorosa, que apresentamos de modo fisicamente necessário e intuitivo, da necessidade de existência da variável interna entropia. Finalmente, deve assinalar-se o que é específico deste curso tal como vem sendo apresentado: • A definição do calor por exclusão (como Max. Born sugeriu...) a partir da Física Perfeita. • A exclusiva utilização de coordenadas externas, o que permitiu evitar qualquer conceito prévio de reversibilidade ou equilíbrio interno. Deve notar-se que qualquer formulação que utilize variáveis intensivas exige a prévia definição de equilíbrio, reversibilidade, etc , o que gera um ciclo vicioso formal se se procura manter a coerência lógica da exposição. A importância que a equação de estado dos gases perfeitos assume na Termodinâmica Clássica e também na de Born-Carathéodory é uma consequência directa da utilização de variáveis intensivas, ou de uma mistura de variáveis extensivas e intensivas, como ponto de partida. Nesse tipo de abordagem, a ausência de uma definição rigorosa de transferência de energia sob a forma de calor origina também dificuldades e distorções, que seriam evitáveis. Termodinâmica Macroscópica 195 11 - Bibliografia _________________________________________________________________ 11. Bibliografia Born, M. (1964). Natural Philosophy of Cause and Chance. Dover Publications, New York. Domingos, J. J. D. (1973). From Thermostatics to Thermodynamics. In J. J. D. Domingos, M. N. R. Nina, J. H. Whitelaw, Foundations of Continuum Thermodynamics, Macmillan, London. Domingos, J. J. D. (1962). Demonstração e generalização do Teorema de Kirchoff e da equação de Clapeyron-Clausius em termoestática. Técnica 319: 357-364. Domingos, J. J. D. (1995). Termodinâmica: Princípios e Conceitos Fundamentais da Termodinâmica Macroscópica. Instituto Superior Técnico, Lisboa. Deus, J. D., M. Pimenta, A. Noronha, T. Peña, P. Brogueira (1992). Introdução à Física. McGraw-Hill, Lisboa. Fermi, E. (1973). Termodinâmica. Livraria Almedina, Coimbra. Goldstein, H. (1980). Classical Mechanics. Addison-Wesley. Guggenheim, E. A. (1970). A Critical Review of Thermodynamics. Mono Book, Baltimore. Joule, J. P. (1850). On the mechanical equivalent of heat. Philosophical Ttransactions of the Royal Society. Kestin, J. (1966). A Course in Thermodynamics, Vols. I e II. Blaisdell. Kotas, T. J. (1985). The Exergy Method of Thermal Plant Analysis. Butterworths. Landau, L. D., A. I. Kitaigorodsky (1980). Physics for Everyone. Mir Publishers, Moscovo. Lindemann, R. (1942). The trophic-dynamic aspect of Ecology. Ecology 23. Moran, M. J., H. Shapiro (1988). Fundamentals of Engineering Thermodynamics. John Wiley. Termodinâmica Macroscópica 196 11 - Bibliografia _________________________________________________________________ Odum, E. P. (1953). Fundamentals of Ecology, Saunders. Planck, M . Treatise on Thermodynamics (3ª edição, tradução da 7ª edição alemã). Dover, New York. Prigogine, I., I. Stengers (1986). A Nova Aliança. Gradiva, Lisboa. Prigogine, I., I. Stengers (1990). Entre o Tempo e a Eternidade. Gradiva, Lisboa. Sousa, T., T. Domingos, J. D. Domingos (2004). An introductory course on atmospheric thermodynamics following the formalism of Tisza-Callen (em prep.). Stauffer, D., H. E. Stanley (1991). From Newton to Mandelbrot. Springer Verlag. Tisza, L. (1966). Generalized Thermodynamics. MIT Press, Cambridge, MA. Tribus, M. (1961). Thermostatics and Thermodynamics. Van Nostrand. Truesdell, C. (1980). The Tragicocomical History of Thermodynamics 18221854. Springer Verlag. Ulanowicz, R. E. (1986). Growth and Development. Springer Verlag. 197 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ 12. Anexo - Ferramentas Matemáticas 12.1. Maximização 12.1.1. Livre Condições de Primeira Ordem Consideremos uma função f ( x1 ,..., xn ) . Para que um ponto ( x ,..., x ) * 1 * n desta função sejá máximo, têm que se verificar as seguintes condições: ∂f * x1 ,..., xn* ∂x1 ) = 0 ∂f * x1 ,..., xn* ∂xn ) = 0 ( ( Isto é o mesmo que escrever df = ∂f ∂f dx1 + ... + dxn = 0 , ∂x1 ∂xn dado que as variações dxi são independentes. 12.1.2. Constrangida Quando queremos maximizar uma função, temos que obedecer em primeiro lugar a restrições de primeira ordem, relacionadas com a primeira derivada. No entanto, vamos também encontrar muitas situações em que temos que maximizar uma função sujeita a certos constrangimentos. O método de Lagrange provém de uma questão simples. Como é que podemos utilizar aquilo que já sabemos sobre optimização não constrangida para resolver problemas de optimização constrangida? Consideremos a maximização de uma função de duas variáveis, com um constrangimento: 198 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ max f ( x1 , x2 ) , sujeito a g ( x1 , x2 ) = 0 . x1 , x2 A ideia do método de Lagrange consiste em transformar o problema de optimização constrangida num problema de optimização não constrangida. Definimos o Lagrangiano: L ( x1 , x2 , λ ) = f ( x1 , x2 ) + λ g ( x1 , x2 ) A maximização desta função corresponde a determinar a solução do sistema de equações: ∂L ∂x1 = ∂f ∂g ( x1 , x2 ) + λ ( x1 , x2 ) ∂x1 ∂x1 ∂L ∂x2 = ∂f ∂g ( x1 , x2 ) + λ ( x1 , x2 ) = 0 ∂x2 ∂x2 ∂L ∂λ = g ( x1 , x2 ) = 0 = 0 Isto é um sistema de três equações com três incógnitas, x1, x2, λ Note-se que neste sistema recuperamos o constrangimento. De acordo com o método dos multiplicadores, o óptimo é dado pela solução destas equações. Vamos agora tentar perceber porque é que a solução deste sistema de equações é igual ao óptimo constrangido. Começamos por calcular o diferencial de L: dL = ∂L ∂x1 dx1 + x2 ,λ ∂L ∂x2 dx2 + x1 ,λ ∂L ∂λ dλ . x1 , x2 Este diferencial obedece às condições acima. Substituindo-as, obtemos dL = ∂f ∂f ∂g ∂g dx1 + dx2 + λ dx1 + dx2 + g ( x1 , x2 )d λ .. ∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2 Dadas as condições, o terceiro termo do membro direito é nulo. O óptimo que estamos à procura é um óptimo que deverá obedecer a dL=0, para variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Para saber quais são essas variações, calculamos o diferencial da equação de constragimento: dg = ∂g ∂g dx1 + dx2 = 0 . ∂x1 ∂x2 Substituindo esta expressão na equação acima, temos 199 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ ∂f ∂f dx1 + dx2 = 0 , ∂x1 ∂x2 para variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Era esta a condição que procurávamos. Para o caso geral, temos max f ( x1 ,..., xn ) , x1 , x2 sujeito a g1 ( x1 ,..., xn ) = 0 g m ( x1 ,..., xn ) = 0 , com m < n . Para resolver isto, construímos o Lagrangiano através da multiplicação de cada equação de constrangimento por um multplicador diferente, λi, e somámo-los todos à função f. O Lagrangiano é então: L ( x1 ,..., xn , λ1 ,..., λn ) = f ( x1 ,..., xn ) + m j =1 λ j g j ( x1 ,..., xn ) . As condições de primeira ordem são agora que todas as derivadas parciais têm que ser nulas no óptimo. Dado que L tem n + m variáveis, teremos um sistema de n + m equações para as variáveis x1 ,..., xn , λ1 ,..., λn : ∂L ∂xi = ∂L ∂λ j = 12.2. ∂f ( x1 ,..., xn ) + ∂xi m j =1 λj ∂g j ∂xi ( x1 ,..., xn ) g j ( x1 ,..., xn ) = 0, i = j = 1,..., m 0 = 1,..., n Integrais de Linha Teorema Fundamental do Cálculo. Seja φ : S → um campo escalar de classe C e Γ a linha definida pelo caminho regular g : [ a, b] → 1 início no ponto A e fim no ponto B. Então, Γ ∇φ ⋅ dg = φ ( B ) − φ ( A ) . n , com Termodinâmica Macroscópica 200 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ 12.3. Formas Diferenciais O único conceito matemático novo que a Termodinâmica utiliza é o de diferenciais: dU, dS, ... Em Matemática, estes objectos denominam-se formas diferenciais. Existem dois caminhos para obter as regras de manipulação de formas diferenciais. Uma é com recurso ao jacobiano de transformações de coordenadas. Este é o percurso seguido em Domingos (1995). Outro é partir do significado de uma derivada parcial e derivar o significado das operações com formas diferenciais a partir daí. Esse o caminho seguido presente trabalho, que fornece assim uma justificação intuitiva para a utilização de formas diferenciais. Suponhamos uma função z = z(x). Intuitivamente, uma derivada é o quociente entre variações infinitesimais de duas variáveis, z, e x: dz dx No entanto, z pode ser função de mais variáveis: z = z(x,y). Neste caso, é necessário introduzir o conceito de derivada parcial, em que se faz a derivada da variável independente tomando uma das variáveis dependentes como constante. Para garantir que quer o diferencial da variável independente, quer o diferencial da variável dependente mantém y constante, o que precisamos é de uma forma de, para uma dada variação da variável independente, “retirar-lhe” a variação segundo y. Trata-se de um produto, o produto exterior, que, num certo sentido, é o oposto do produto interno: o produto interno dá a projecção de uma variável segundo a direcção da outra (dá a componente de uma váriável que é “interna” a outra); o produto exterior dá a projecção ortogonal da variável (dá a a componente de uma variável que é “externa” a outra). Assim, torna-se natural denotar uma derivada parcial da seguinte forma: dz ∧ dy dx ∧ dy Para tornar a argumentação anterior mais rigorosa, é necessário olhar para a verdadeira definição de formas diferenciais: uma formas-k é uma real de k vectores. Uma forma-0 é simplesmente uma função. Uma forma-1 é uma função de um vector. As formas-1 dx, dy e dz, são funções que retornam a componente de um vector segundo uma certa direcção. Para o vector v = (x, y, z) temos 201 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ dx( v ) = x , dz( v ) = z . dy( v ) = y , 12.3.1. Produto Exterior de Formas Diferenciais No caso geral das formas-k, com k ≥ 2, impõe-se uma restrição adicional: têm que ser funções alternantes. Isto significa que se trocarmos a ordem de duas variáveis, a função troca de sinal. Isto impõe uma forma especial para o produto de formas diferencias. Assim, para uma forma-2, temos dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) = dx( v 1 )dy( v 2 ) − dx( v 2 )dy( v 2 ) = x1 y 2 − x 2 y1 , com v1 = (x1, y1) e v2 = (x2, y2). Podemos agora interpretar rigorosamente o argumento apresentado acima para a passagem de derivadas parciais para quocientes de formas diferenciais. Consideremos outra vez a derivada parcial (∂z ∂x ) y . Podemos decompor dois vectores arbitrários v1 e v2 na soma de um vector perpendicular à direcção y e num vector paralelo a esta direcção. Temos assim v 1 = v 11 + v 12 dz ∧ dy( v 1 , v 2 ) dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) = = v 2 = v 21 + v 22 , com dy( v 12 ) = 0 e dy( v 22 ) = 0 dz ∧ dy( v 11 , v 21 ) + dz ∧ dy( v 12 , v 21 ) + dz ∧ dy( v 11 , v 22 ) + dz ∧ dy( v 12 , v 22 ) dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) + dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) + dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) + dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) dz( v 11 )dy( v 21 ) − dz( v 21 )dy( v 11 ) + dz( v 12 )dy( v 21 ) − dz( v 22 )dy( v 11 ) dx( v 11 )dy( v 21 ) − dx( v 21 )dy( v 11 ) + dx( v 12 )dy( v 21 ) − dx( v 22 )dy( v 11 ) Na expressão anterior fez-se já a simplificação relativa aos vectores que são perpendiculares à direcção x. = dz( v 11 )dy( v 21 ) − dz( v 21 )dy( v 11 ) + dz( v 12 )dy( v 21 ) − dz( v 22 )dy( v 11 ) dx( v 11 )dy( v 21 ) − dx( v 21 )dy( v 11 ) + dx( v 12 )dy( v 21 ) − dx( v 22 )dy( v 11 ) Podemos fazer agora uma nova separação dz ∧ dy( v 1 , v 2 ) dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) = dz( v 1 )dy( v 2 ) − dz( v 2 )dy( v 1 ) dx( v 1 )dy( v 2 ) − dx( v 2 )dy( v 1 ) = dz( v 1 ) dx( v 1 ) A definição acima apresentada para o produto de formas diferenciais mostra que o produto de formas diferenciais é associativo. Não é comutativo, mas sim anticomutativo, pois 202 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ dx ∧ dy( v 1 , v 2 ) = dx( v 1 )dy( v 2 ) − dx( v 2 )dy( v 1 ) = − dy( v 1 )dx( v 2 ) + dy( v 2 )dx( v 1 ) = − dy ∧ dx( v 1 , v 2 ) Isto é, dx ∧ dy = − dy ∧ dx Isto mostra também que dx ∧ dx = 0 Recorrendo ao mesmo tipo de derivação, é possível mostrar que o produto exterior é distributivo. Síntese de Propriedades do Produto Exterior Em síntese, o produto exterior tem as seguintes propriedades: dx ∧ ( dy ∧ dz ) = ( dx ∧ dy ) ∧ dz Associatividade Anticomutatividade dx ∧ dy = − dy ∧ dx dx ∧ dx = 0 dx ∧ ( dy + dz ) = dx ∧ dy + dx ∧ dz fdx ∧ dy = Distributividade do produto em relação à soma dx ∧ fdy 12.3.2. Expressões para Derivadas Parciais Consideremos o diferencial de uma função f ( x, y ) : ∂f ∂x df = dx + y ∂f ∂y dy . x Fazendo o produto exterior à direita por dy, obtemos df ∧ dy = ∂f ∂x dx ∧ dy ou y ∂f ∂x = y df ∧ dy . dx ∧ dy Temos assim a expressão que nos permite relacionar derivadas parciais com quocientes de produtos externos de diferenciais, transformando os problemas de manipulação de derivadas parciais em problemas algébricos. Consideremos agora a expressão geral para o diferencial de uma função de k variáveis, f ( x1 ,..., xk ) : 203 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ df = ∂f ∂x1 ∂f ∂xk dx1 + ... + { x2 ,..., xk } dxk . {x1 ,..., xk −1} Se multiplicarmos à direita ambos os membros desta equação por dx2 ∧ ... ∧ dxk , obtemos df ∧ dx2 ∧ ... ∧ dxk ∂f = dx1 ∧ dx2 ∧ ... ∧ dxk ∂x1 . (0.1) { x2 ,..., xk } Temos assim uma expressão sob a forma de um quociente de produto exterior de diferenciais para derivadas parciais com um número arbitrário de variáveis constantes. Podemos também multiplicar o diferencial acima por dz: df ∧ dz = ∂f ∂x ∂f ∂y dx ∧ dz + y dy ∧ dz . x Dividindo ambos os membros desta equação por dy ∧ dz , obtemos df ∧ dz ∂f = dy ∧ dz ∂x y dx ∧ dz ∂f + dy ∧ dz ∂y ou x ∂f ∂y = z ∂f ∂x y ∂x ∂y + z ∂f ∂y . x 12.3.3. Derivação Exterior Seja z uma forma-0, isto é, uma função. A sua derivada exterior (normalmente designada como diferencial) é a forma -1 dz = ∂z ∂x dx + y ∂z ∂y dy x Multiplicando à direita a equação por dy, e utilizando propriedade dy ∧ dy = 0 , obtemos por outro caminho a relação ∂z ∂x = y a dz ∧ dy dx ∧ dy (8) Esta definição mostra que se a fôr uma constante então d ( a ) = 0 . Como outro exemplo, tomemos a pressão dada pela equação dos gases perfeitos: P= nR0 T V Termodinâmica Macroscópica 204 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ Aplicando a relação anterior, temos dP = nR0 nR T dT − 02 dV V V Seja agora ϕ uma forma-k. A sua derivada exterior dϕ é a forma (k+1) obtida de ϕ através da aplicação de d a cada uma das funções que definem ϕ. No exemplo anterior obtivémos uma forma-1. Podemos esse reultado para ilustrar a obtenção de uma forma-2. d ( dP) = d nR0 nR0 T nR0 nR0 2nR0 T ∧ dT − d ∧ dV = − 2 dV ∧ dT − dV ∧ dV = 0 2 2 dT − V V V V V3 Este exemplo ilustra também uma regra geral: d ( dz) = 0 . Por simplicidade, demonstraremos esta relação só para o caso em que z é uma função, de duas variáveis. Temos assim: d ( dz ) = d ∂z ∂x ∂z dx + ∂y y ∂ 2z ∂ 2z ∂ 2z ∂ 2z dy = dx + dy ∧ dx + dy + dx ∧ dy = 0 ∂xy ∂xy ∂x 2 ∂y 2 x Da definição acima é possível obter trivialmente d ( x + y ) = dx + dy . 12.3.4. Formas Diferenciais e Método das Áreas A utilização do formalismo das formas diferenciais, aqui apresentado, limita-se a dar um fundamento mais sólido e mais intuitivo ao Método das Áreas, simultaneamente facilitando a sua generalização para sistemas abertos, com vários componentes. Todas as expressões escritas para o método das áreas, podem ser reescritas utilizando diferenciais e produtos, sendo mais simples de deduzir nesta forma. A conversão entre notações é dada por [X,Y] = dX ∧ dY e [W,X] [Y,Z] = dW ∧ dX ∧ dY ∧ dZ. Por exemplo, com z = z(x,y), temos dz = Xdx + Ydy . Multiplicando à direita por dW, obtém-se dz ∧ dw = Xdx ∧ dw + Ydy ∧ dw , equivalente a [ z, w] = X [ x , w] + Y[ y , w] 205 Termodinâmica Macroscópica 12 - Anexo - Ferramentas Matemáticas _________________________________________________________________ 12.3.5. Exercícios 1. Mostre que ∂y ∂x ( ∂ψ ( ∂ψ =− ψ ,z ∂x ) y , z ∂y ) x , z . 2. Mostre que ∂y ∂x = ψ ,z 1 . ( ∂x ∂y )ψ , z 3. Mostre que ∂y ∂x =− ψ ,z ( ∂y ∂u )ψ , z ( ∂x ∂u )ψ , z .