GEOMETRIA EM QUESTÃO Geometria em questão Janete Bolite Frant* A série Geometria em questão será apresentada de 7 a 11 de maio no programa Salto para o Futuro, e tem como principal objetivo discutir e entender um pouco mais sobre o ensino da Geometria na sala de aula. Os temas que serão enfocados podem ser trabalhados no Ensino Fundamental e Médio, dependendo da abordagem. Durante muito tempo, houve uma divisão entre Geometria e Matemática. Depois, a Geometria passou a ser ensinada dentro dos conteúdos da área/disciplina de Matemática, mas era sempre relegada ao último bimestre ou mês, aparecendo, geralmente, no capítulo final dos livros didáticos. Com isso, muitos de nós, professores, tivemos uma formação deficitária nesta área. Hoje, com o avanço das pesquisas em Educação Matemática no mundo e em nosso país, a Geometria está presente não só nos livros didáticos, como em revistas e vídeos educativos. Já existe uma bibliografia específica, bem como diversos livros – os chamados paradidáticos – que auxiliam o professor a trabalhar a Geometria nos diversos ciclos, trazendo um pouco da história e propondo atividades interessantes e criativas. Se olharmos brevemente a História, vamos encontrar em Heródoto, historiador do século V a.C., relatos que explicam como eram divididas as terras para tributação no Antigo Egito. As civilizações de beira-rio (as do Nilo e também as dos rios Tigre, Eufrates, Ganges, Indo em outras regiões) desenvolveram uma habilidade em engenharia na drenagem de pântanos, na irrigação, na defesa contra inundação, na construção de templos e edifícios. Era uma Geometria prática, em que o conhecimento matemático tinha uma função meramente utilitária. De acordo com essa função, a Geometria, que significa “medida de terra”, associa-se à prática de medição das terras, como por exemplo: a demarcação dos lados de um terreno; a idéia de área para a tributação e para a divisão entre herdeiros; a idéia de volume na irrigação; a construção de templos etc. A partir destas observações, percebemos que a Matemática era vista pelos gregos, dos anos 500 a.C. até 300 d.C., através da Geometria. Os números eram medidas de comprimento e, quando eles encontraram comprimentos diferentes dos números naturais (por exemplo, a medida da diagonal de um quadrado de lado 1 unidade), uma conseqüência imediata foi desacelerar o estudo dos números. * CEDERJ-SECT-RJ; PhD em Educação Matemática NYU. Consultora da série Geometria em questão. PROPOSTA PEDAGÓGICA 2 GEOMETRIA EM QUESTÃO Na atualidade, a Matemática ainda é vista, de modo geral, como a disciplina da “resposta certa”. Esta visão, entretanto, pode interferir no processo de aprendizagem e evitar que os estudantes expressem seus pensamentos matemáticos, que aprendam com seus erros, que testem suas hipóteses e as reformulem ou as defendam. Seria interessante se pudéssemos ajudar a transformar a tradicional pergunta dos estudantes: “Isso está certo?” para “Como eu posso desenvolver minha autoconfiança e julgar se estou no caminho certo quando resolvo um problema?” Esta é sem dúvida uma tarefa bastante difícil, mas muito gratificante. Este é o objetivo da série Geometria em questão: questão discutir a possibilidade de promover esta transformação nas aulas envolvendo a Geometria. Para possibilitar esta mudança, é importante pensar sobre o que promove a aprendizagem e o que promove o acúmulo de informação. O estabelecimento de relações, a leitura e escrita de textos, o confronto entre suposições e dados obtidos durante a investigação e o diálogo são procedimentos fundamentais para a aprendizagem, em contraposição ao ensino de algoritmos e “decorebas”. Adotamos a visão de que conhecimento e informação pertencem a classes distintas. Podemos dar informação (oral ou escrita) a outra pessoa e, com o uso de tecnologias, podemos até transferir informação de um local a outro, via Internet, ou utilizando fitas cassete de áudio ou vídeo, mas não podemos fazer o mesmo com o conhecimento. E o que é conhecimento? Certamente não é mais o simples “recitar” sobre um determinado tema. Ao perguntarmos qual é o teorema de Pitágoras, um aluno pode recitar “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”. Mas, na maioria das vezes, ele nem sabe o que é um cateto. Deste modo, “recitar” o teorema não mostra que o aluno conhece o que ele está “recitando” . Entendemos que para haver conhecimento é preciso não só uma afirmação, ou uma definição, mas também uma justificação, uma explicação. Por exemplo, se pedirmos para dois alunos desenharem um triângulo, os dois podem até desenhar a mesma figura. Mas, ao pedir que eles expliquem “o que é um triângulo”, um deles pode dizer: “É uma figura pontuda” e o outro: “É uma figura de três lados e três pontas”. Dessa forma, pela justificação, ou seja, pela maneira como são dadas as explicações, podemos observar que os dois têm conhecimentos diferentes sobre triângulo. Além de pensar na diferença entre conhecimento e informação, é importante refletir sobre a filosofia que está por trás de alguns mitos do ensino de Matemática. Somente a partir destas reflexões é que o professor pode escolher como será planejada e desenvolvida a sua aula. É muito comum ouvirmos “a Geometria está em toda parte” ou “precisamos descobrir as formas geométricas”, ou outras frases parecidas. Isto nos leva a aceitar que existe uma Geometria que não foi construída pelo ser humano. Falando assim, de maneira apressada, pode parecer óbvio que as únicas idéias matemáticas que um ser humano pode ter são as que seu cérebro permita. Portanto, a Matemática que conhecemos e ensinamos é criada e conceitualizada por nós, humanos. Por isso a ciência evolui, são criados novos teoremas, novas formas e novos modos de investigação. Na Física, por exemplo, o estudo da Física Quântica permitiu um avanço tão PROPOSTA PEDAGÓGICA 3 GEOMETRIA EM QUESTÃO grande neste campo da ciência quanto o conhecimento dos genomas, nos estudos de Biologia, vai permitir neste século. O que nós professores temos que ensinar aos alunos é o prazer da investigação do novo, para que eles possam ir além da reprodução de um punhado de teoremas. A Geometria pode ser vista como o estudo das formas e do espaço, de suas medidas e de suas propriedades. Os alunos descobrem relações e desenvolvem o senso espacial construindo, desenhando, medindo, visualizando, comparando, transformando e classificando figuras. A discussão de idéias, o levantamento de conjeturas e a experimentação das hipóteses precedem as definições e o desenvolvimento de afirmações formais. A exploração informal da Geometria pode ser motivadora e matematicamente produtiva, nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Nesta etapa, o ensino de Geometria deve recair sobre a investigação, o uso de idéias geométricas e relações, ao invés de se ocupar com definições a serem memorizadas e fórmulas a serem decoradas. A Geometria constitui parte importante do currículo, pois a partir dela o aluno desenvolve o pensamento espacial. A ação é de mão dupla: ao mesmo tempo que o aluno desenvolve este tipo de pensamento, descrevendo a sua própria ocupação e movimentação do espaço, é também através desse raciocínio que ele descreve e representa o mundo em que vive. É um processo dinâmico. Trabalhando o pensamento geométrico estaremos contribuindo para a aprendizagem de números e medidas. As atividades geométricas, como outras em Matemática, permitem também ao aluno identificar regularidades, buscar semelhanças e diferenças, argumentar a favor ou contra, fazer conjeturas. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, é importante que dois caminhos impulsionem o trabalho com a Matemática em sala de aula: as aplicações no cotidiano e as aplicações e avanços na própria ciência Matemática. A Geometria ajuda a falar da inserção do homem no espaço Terra, da utilização deste espaço, da sua divisão, e da construção de estratégias para resolver problemas relacionados à forma e ao espaço. O desenho da planta de uma casa ou de um terreno requer habilidades e competências que envolvem semelhança de figuras, proporcionalidade e métodos qualitativos e quantitativos, para verificar se um determinado lado da casa pode realmente ser daquele tamanho ou se deveria ser menor. Este tipo de atividade tem um papel de forte relevância social, pois os impostos sobre apartamentos (IPTU) ou terrenos dependem, fundamentalmente, da área dos mesmos. O avanço tecnológico nos coloca em uma nova era. E a sala de aula onde fica? Com o desenvolvimento de programas de computador interativos e dinâmicos, podemos entender alguns problemas da Geometria mas, sobretudo, podemos formular novos problemas. Enfatizamos a diferença entre educar e ensinar. O modelo pedagógico cujo sentido é ensinar valoriza os conteúdos como chave do processo: trata-se de passar informações e de verificar a assimilação das mesmas via avaliações. Esperamos com PROPOSTA PEDAGÓGICA 4 GEOMETRIA EM QUESTÃO essa série trazer opções para o professor que escolhe educar e, portanto, que não se preocupe apenas em trazer para a sala de aula informações gerais, muitas vezes descontextualizadas, mas sim em oferecer a seus alunos uma informação pedagogicamente mediada. Programas PGM 1 - GEOMETRIA E CULTURA Este programa procura mostrar que além dos conhecimentos de Geometria que nos foram legados pelos gregos, na Antigüidade, existiram também diversos outros povos e culturas que utilizavam a Geometria nas suas atividades cotidianas: na confecção de cestos, ornamentos, no trabalho com a terra, na irrigação etc. Será analisada, ainda, a contribuição da nossa cultura no “fazer geometria”, explorando a diversidade cultural do país. PGM 2 - GEOMETRIA E CARTOGRAFIA Este programa enfoca a criação de mapas – desde os mapas em relevo criados pelos polinésios até aqueles elaborados por satélites – enfatizando a importância das noções de Matemática nessa produção, principalmente as idéias de escala, semelhança, plano cartesiano, números negativos. O programa vai discutir a relação da Geometria com a Geografia, em especial com a cartografia, e apresentar atividades práticas que podem ser utilizadas na sala de aula. PGM 3 - ÂNGULOS Este tema é tão abrangente que merece um programa para sua discussão. Da navegação à construção, ele está presente, quer seja no plano, quer no espaço. Como medida, como giro, como espaço entre semi-retas. O programa propõe-se a analisar que o conceito de ângulo está associado a uma diversidade de idéias distintas, porém inter-relacionadas, como inclinação, rotação, região, abertura, orientação, direção, entre outras. PGM 4 - ÁREA, PERÍMETRO E VOLUME No programa, pretende-se ampliar as noções de área, perímetro e volume, que nos livros didáticos, de maneira geral, são abordadas de modo superficial, restringindose ao ensino de fórmulas. Veremos que estas noções estão ligadas a práticas cotidianas desde o tempo das enchentes do Nilo e das construções de Pirâmides, no Antigo Egito, até o cálculo de impostos sobre terrenos ou prédios, muito utilizado na atualidade. PGM 5 - GEOMETRIA E TECNOLOGIA A tecnologia está cada vez mais presente na sala de aula. Além de apresentar algumas sugestões de atividades que envolvem a utilização de novas tecnologias, o PROPOSTA PEDAGÓGICA 5 GEOMETRIA EM QUESTÃO programa tem por objetivo discutir a implementação dessas novas tecnologias no ensino da Geometria e as contribuições trazidas pela utilização de computadores e calculadoras gráficas para alunos e professores. Além dos aplicativos de Geometria, existem outros, como o Logo, que podem ser utilizados na sala de aula, oportunizando um trabalho mais dinâmico. Bibliografia comentada: ASCHER, M. Etnomatemática: Um panorama multicultural de idéias matemáticas. Ca: Brooks/Cole Publish Co., 1991. Discussões do número, dos gráficos, da topologia, dos jogos, da probabilidade, da simetria geométrica e da álgebra dos grupos inseridos em culturas freqüentemente omitidas das discussões matemáticas. Cada prática matemática é relacionada à Matemática da cultura ocidental e similaridades e diferenças são exploradas. Dirigido especialmente para professores, da Educação Infantil à universidade. ASCHER, M. & ASCHER R. O código do Quipu: Um estudo sobre a matemática e a cultura inca. Ann Arbor, Mi: Michigan University Press, 1981. Estudo sobre o quipu, um sistema de nós atados, usado pelos incas para armazenar as informações importantes sobre sua cultura. Inclui muita informação sobre a cultura dos incas, assim como uma análise sobre como os dados são armazenados e lidos através do sistema de nós. BAIRRAL, M.A; KINDEL, D. S. & OLIVEIRA, R. Uma Propor-Ação entre Matemática e PCN. Rio de Janeiro, GEPEM, 2000. Apresenta propostas de atividades em consonância com o PCN, relato de atividades realizadas com alunos, além de esclarecer sobre alguns pontos teóricos do PCN. BORBA, M. Um estudo de Etnomatemática: sua incorporação na elaboração da proposta pedagógica para o Núcleo-Escola da Favela da Vila Nogueira – São Quirino. Rio Claro, UNESP, 1987. Dissertação de mestrado em Educação Matemática, na qual o trabalho de campo foi realizado numa escola inserida na Favela da Vila Nogueira, localizada em São Quirino. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (1º e 2º ciclos). Brasília, MEC/ SEF, 1997. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (3º e 4º ciclos). Brasília, MEC/ SEF, 1998. Os PCN, como se tornou conhecido, é um documento de qualidade, apontando para as mais recentes pesquisas na área de Educação Matemática, com destaque especial para as Orientações Didáticas, nas quais o professor pode encontrar sugestões de atividades. D’AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo, Palas Athena, 1997. Preocupado com o tratamento holístico do homem, o autor estende esta preocupação para a educação, mostrando sua transdisciplinaridade. GERDES, P. A numeração em Moçambique. Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática. Maputo, Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1993. Respostas às perguntas: Como se conta nas diversas línguas faladas em Moçambique? Como se desenvolveram os sistemas de numeração? Quais são os principais sistemas de numeração da África? Como fazem os falantes das diversas línguas seus cálculos mentais? Como se pode melhorar o processo de ensino-aprendizagem da Aritmética nas escolas moçambicanas? GERDES, P. Pitágoras Africano: Um estudo em cultura e Educação Matemática. Maputo, Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1992. PROPOSTA PEDAGÓGICA 6 GEOMETRIA EM QUESTÃO O título deve-se à hipótese de que Pitágoras, grego de nascimento, tenha passado 22 anos no Egito, localizado no Continente Africano. O objetivo do livro é mostrar diversos ornamentos e artefatos africanos que podem ser usados para criar um contexto para a descoberta e demonstração do “Teorema de Pitágoras” e de idéias e proposições com ele relacionadas. GERDES, P. Geometria Sona, volumes 1, 2 e 3: Reflexões sobre uma tradição de desenho em povos da África ao sul do Equador. Maputo, Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1994. Análise e reconstrução de elementos matemáticos na tradição de desenhos na areia do Tchokwe e povos aparentados. KALEFF, A. M.M.R.; REI, D.M. & GARCIA, S. S. Quebra-cabeças geométricos e formas planas. Niterói, EDUFF, 1997. Apresenta uma boa diversidade de quebra-cabeças geométricos planos, são variações do Tangram. Traz exemplos de figuras e modelos de quebra-cabeças. KNIJNIK, G. Exclusão e resistência: Educação matemática e legitimidade cultural. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. Baseado na tese de doutoramento da autora, trata da interface dos saberes populares e dos saberes acadêmicos, especificamente na área da Matemática, e das relações de poder associadas ao saber. O trabalho de campo foi realizado junto ao MST, num assentamento em Braga, RS. A lógica interna do conhecimento de origem popular é analisada e os porquês de sua organização intelectual. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993. Através de comparações entre o computador e o pensamento humano, o autor aponta semelhanças entre algumas de suas estruturas. LINDQUIST, M. M. & SHULE P. A. (orgs.). Aprendendo e Ensinando Geometria. Trad.: Hygino H. Domingues. São Paulo, Atual Editora, 1994. Apresenta uma coletânea de artigos sobre o ensino e aprendizagem de Geometria. Alguns artigos abordam as dificuldades apresentadas por alunos no processo de aprendizagem. MARTINS, M. L. A Lição da Samaúma, formação de professores da floresta. Didática e educação matemática: do saber à construção do conhecimento. Rio Branco, AC, Poronga Editoração e Comunicação Ltda., 1994. Narra o processo do Projeto Seringueiro, através do relato de um pedagogo que constrói conhecimento com trabalhadores da floresta, monitores de saúde, em escolas não seriadas e diferenciadas quanto às suas necessidades pedagógicas especiais. NUNES, T. & BRYANT, P. Crianças fazendo Matemática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. Apresenta um arcabouço para organizarmos e entendermos o crescimento do conhecimento matemático das crianças e seu desenvolvimento, subdividindo-se em três temas gerais. O primeiro é que a compreensão que a criança tem da Matemática muda constantemente nos primeiros anos da infância, de forma generativa. O segundo é que o desenvolvimento do conhecimento e da compreensão matemática envolve três aspectos. E o terceiro é que a Matemática é uma atividade socialmente definida. SEBASTIANI, E. F. Etnomatemática, uma proposta metodológica. Rio de Janeiro, MEM/USU, 1997. A Etnomatemática é abordada como um método educacional para ser trabalhado em Educação Matemática, apresentando relatórios sobre pesquisas de campo e artigos do autor. SMOOTHEY, M. Atividades e jogos com área e volume. Trad.: Sérgio Quadros. São Paulo, Editora Scipione, 1997. Apresenta propostas de atividade com área no mesmo espírito das apresentadas. VERGANI, T. Educação Etnomatemática. O que é? Lisboa, Portugal, Pandora Edições, 2000. Apanhado de idéias sobre este ramo do conhecimento, a Educação Etnomatemática, dirigido a todos que por ele manifestarem interesse pedagógico, científico, social e humano: trata-se de romper uma ordem do conhecimento instituída à margem da harmonia/alegria/bem-estar sociocultural, cujas normas violentamente cegas e impositivas tendem a esmagar simultaneamente comunicação/solidariedade, esperança humana. PROPOSTA PEDAGÓGICA 7 GEOMETRIA EM QUESTÃO ZASLAVSKY, C. Jogos e Atividades Matemáticas do mundo inteiro – diversão multicultural para idades de 8 a 12 anos. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000. Os jogos, quebra-cabeças e projetos deste livro procedem de todas as partes do mundo. Os povos que praticaram os jogos, resolveram as charadas e criaram a arte são apresentados aos leitores através das atividades. ZASLAVSKY, C. Contagens da África: Número e padronagens na cultura africana. Brooklyn, NY: Mount Lawrence Press, 1973. Descrições de sistemas de numeração, de Geometria na arte, de arquitetura, e de Matemática nos jogos. Revela uma Matemática altamente desenvolvida que existe sobre todo o Continente Africano. Inclui estudos regionais da Nigéria e do Kenya. Muitas das idéias podem ser adaptadas para atividades em sala de aula. PROPOSTA PEDAGÓGICA 8 GEOMETRIA EM QUESTÃO GEOMETRIA E CULTURA Um passeio na história As primeiras considerações humanas a respeito da Geometria originaram-se da necessidade de “medir a terra”. As atividades incluíam observações, comparações e relações entre formas e tamanhos. Quando o homem sai das cavernas e começa a ter que construir sua morada, os conceitos de verticalidade, horizontalidade e paralelismo, entre outros, estão presentes. As antigas civilizações de beira-rio (Nilo, Tigre, Eufrates, Ganges, Indo) desenvolveram uma habilidade em engenharia na drenagem de pântanos, na irrigação, na defesa contra inundação, na construção de templos e edifícios. Utilizavam uma Geometria prática. Observamos, também, diversos outros momentos em que a Geometria foi empregada pelos povos considerados primitivos: na construção de objetos de decoração, de utensílios, de enfeites e na criação de desenhos para a pintura corporal. Formas geométricas, com grande riqueza e variedade, aparecem em cerâmicas, cestarias, e pinturas de diversas culturas. Nestas manifestações artísticas já apareciam formas como triângulos, quadrados e círculos, além de outras mais complexas. Tanto as “tábulas” de argila dos babilô- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Rosa M. Mazo Reis* nios, quanto os papiros registram atividades do homem no campo da Geometria. Acredita-se datarem do ano 3000 a. C., época dos sumérios, as “tábulas” mais antigas descobertas. E os papiros de 1850 a. C. contêm textos matemáticos com problemas, vinte e seis deles de Geometria. Isso sem falar na pirâmide de Giseh, que demonstra que os egípcios em 2900 a. C. possuíam conhecimentos geométricos para construí-la. A precisão do alinhamento, da medição e dos ângulos retos é impressionante, qualquer que sejam os critérios aplicados. Se já se fazia Geometria há tanto tempo, por que só ouvimos falar do conhecimento geométrico a partir dos gregos? Porque coube aos gregos o estabelecimento de um sistema de regras organizado não apenas por procedimentos empíricos. Depois de mais de um milênio do provável início da Geometria na Grécia, Proclus relata o desenvolvimento desta Geometria grega desde Tales de Mileto. Tales morou no Egito e trouxe a Geometria para a Grécia. Ele aplicou os argumentos dedutivos da Filosofia à Geometria. Proclus escreveu o Sumário eudemiano. Depois de Tales, ele fala de Pitágoras, que * Mestre em Educação Matemática. BOLETIM – PGM 1 9 GEOMETRIA EM parece ter feito percurso semelhante a Tales, e talvez tenha mesmo sido seu discípulo. Pitágoras, entre outros estudos, enunciou um dos teoremas mais importantes. “O quadrado sobre a hipotenusa é igual à soma dos quadrados sobre os catetos.” Como dissemos antes, nas pirâmides e em outras construções já se podia observar essa relação, mas foi com os gregos que ela foi formalizada da maneira que é ensinada hoje. Os babilônios, mais de mil anos antes de Pitágoras, estudaram e descobriram a relação da diagonal de um quadrado com a medida do lado do mesmo. Prova suficiente que conheciam o teorema associado a Pitágoras. A tábula de argila Plimpton 322 contém colunas de algarismos relacionados com os ternos pitagóricos (o quadrado do maior dos três números é igual à soma dos quadrados dos outros dois). Os egípcios, já em 2000 a. C., conheciam a relação 42 + 32 = 52, mas não podemos afirmar que demonstrassem a propriedade do ângulo reto da figura envolvida nesta relação. Os Sulvasutras (500 a. C.) fornecem regras da Matemática hindu a serem seguidas para obedecer a certas proporções em altares. Tais regras são aplicações do teorema de Pitágoras e demonstram um conhecimento do mesmo. Padrões que apresentam uma simetria rotacional de 90 graus ocorrem freqüentemente na decoração africana, como relata Paulus Gerdes na sua obra, Pitágoras africano. Hoje, também a cultura influi no fazer Geometria. Percorrendo a história da Humanidade, temos contato com diferentes culturas. De certa maneira, a agricultura, a pecuária e o artesanato caracterizam esta diversidade cultural. A forma encontra-se presente nas criações do homem para aproveitar ou conviver BOLETIM – PGM 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO com as peculiaridades de cada região, e manifesta-se na maneira de trabalhar com a terra, de produzir utensílios e ornamentos. Se entendermos Geometria como estudo da forma, cada região tem um vasto campo a ser estudado. Este estudo resgataria as raízes étnicas e culturais. O aprendiz envolvido neste processo sente-se enraizado e aumenta sua auto-estima. Esta metodologia, chamada por uns de Modelagem Matemática e por outros de Etnomatemática, permite uma livre interpretação, uma aprendizagem através do erro, uma observação de padrões e posterior generalização e, ainda, um resgate da cultura na qual o aprendiz encontra-se inserido. Ubiratan D’Ambrósio foi o fundador do Grupo de Estudos Internacional sobre Etnomatemática (ISGEm) em 1985, ocasião em que foi publicado seu primeiro boletim. Sala de Aula, PCN e Contextos Explorar a diversidade cultural de nosso país pode ser útil não apenas nas aulas de Matemática. Podemos levar para a sala de aula objetos que estimulem a observação de padrões e regularidades, a discussão de similitudes e diferenças, a elaboração de regras que descrevam o que se vê. Os cestos e os peixes As cidades que possuem mar ou rio de modo geral desenvolveram “artefatos” para a pesca: redes, puçás, cestos e outros. Ao levar esses objetos para a sala de aula, podemos desenvolver um projeto que envolverá Geometria, Geografia e Ética. Como será que foi pensado a feitura de um cesto? Como determinar sua capacidade, se partimos de um pedaço de cipó, palha ou outro material? Quantas tiras são necessárias? Qual a melhor forma, de boca larga ou estreita? Comprido ou curto? Várias perguntas sur10 GEOMETRIA EM gem a partir dos próprios estudantes. É interessante que o professor de Matemática entre em contato com o de Arte e o de Geografia, para que possam levar o cesto ou desenhos de cestos variados, e principalmente de locais variados. Hoje, com o auxílio da Internet, fica mais fácil de encontrar diferentes exemplos. Sabemos que os cestos servem também para guardar outros tipos de mantimentos. Quais? Verificar diferenças por região. Estabelecer uma regra para a construção do cesto vai “obrigar” o aluno a falar sobre área e volume. Esta atividade pode ser feita em aula com tiras de 1,5 cm de largura e 40 cm de comprimento, que serão trançadas para formar o cesto. Aqui podemos ver que povos moram perto das águas e ver na história de que modo este fato afetou a vida desses povos. Onde existe a pesca, que outras atividades são desenvolvidas? Sempre procurando saber o “porquê”. A árvore e a corda Numa região de florestas podemos introduzir o seguinte problema: Vocês sabem como é que se faz para, depois de serrar uma árvore, colocar uma corda para sustentar a sua queda, de modo que ela não caia na cabeça de quem está no trator? A pessoa fica de costas para a árvore e sai caminhando, pára, abre as pernas, se curva e olha, por debaixo das pernas, para a árvore. E, quando a vê inteira, sabe que a corda terá que ter o mesmo tamanho daquela distância. Por que isto dá certo? Aqui já estaremos falando de triângulos semelhantes, trigonometria e outros. A construção de hortas, quadras de esportes, objetos de artes etc. são outros pontos a ser explorados na aula de Geometria. Por exemplo, artistas como Escher e Volpi usaBOLETIM – PGM 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO ram e abusaram da geometria e seus trabalhos são muito interessantes de serem usados nas aulas, não em detrimento de nossa própria arte, mas como um complemento e para que a partir daí se discuta a Geometria na Arte. Dessa forma, estimulamos a diversidade. Como se vê, a cultura e a Geometria se relacionam. Podemos usar a Geometria para calcular a quantidade de material para um cesto, para uma casa e, ao mesmo tempo, se desejamos fazer um móvel diferente ou um cesto diferente, certamente teremos que pensar numa Geometria para tal. Deste modo, estamos continuamente produzindo novos saberes a partir e em consonância com outros. Bibliografia comentada comentada: ASCHER, M. Etnomatemática: Um panorama multicultural de idéias matemáticas. Ca: Brooks/Cole Publish Co., 1991. Discussões do número, dos gráficos, da topologia, dos jogos, da probabilidade, da simetria geométrica e da álgebra dos grupos inseridos em culturas freqüentemente omitidas das discussões matemáticas. Cada prática matemática é relacionada à Matemática da cultura ocidental e similaridades e diferenças são exploradas. Dirigido especialmente para professores, da Educação Infantil à universidade. ASCHER, M. & ASCHER R. O código do Quipu: Um estudo sobre a matemática e a cultura inca. Ann Arbor, Michigan, Michigan University Press, 1981. Estudo sobre o quipu, um sistema de nós atados usado pelos incas para armazenar as informações importantes sobre sua cultura. Inclui muita informação sobre a cultura dos incas, assim como uma análise sobre como os dados são armazenados e lidos através do sistema de nós. BORBA, M. Um estudo de Etnomatemática: Sua incorporação na elaboração da proposta pedagógica para o Núcleo-Escola da Favela da Vila Nogueira – São Quirino. Rio Claro, UNESP, 1987. Dissertação de mestrado em Educação Mate- 11 GEOMETRIA EM mática, na qual o trabalho de campo foi realizado numa escola inserida na Favela da Vila Nogueira, localizada em São Quirino. D’AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo, Palas Athena, 1997. Preocupado com o tratamento holístico do homem, o autor estende esta preocupação para a educação, mostrando sua transdisciplinaridade. GERDES, P. A numeração em Moçambique. Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática. Maputo, Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1993. Respostas às perguntas: Como se conta nas diversas línguas faladas em Moçambique? Como se desenvolveram os sistemas de numeração? Quais são os principais sistemas de numeração da África? Como fazem os falantes das diversas línguas seus cálculos mentais? Como se pode melhorar o processo de ensino-aprendizagem da Aritmética nas escolas moçambicanas? GERDES, P. Pitágoras Africano: Um estudo em cultura e educação Matemática. Maputo/ Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1992. O título deve-se à hipótese de Pitágoras, grego de nascimento, ter passado 22 anos no Egito, localizado no Continente Africano. O objetivo do livro é mostrar diversos ornamentos e artefatos africanos que podem ser usados para criar um contexto para a descoberta e demonstração do “Teorema de Pitágoras” e de idéias e proposições com ele relacionadas. GERDES, P. Geometria Sona: Reflexões sobre uma tradição de desenho em povos da África ao sul do Equador. Volumes 1, 2 e 3. Maputo/ Moçambique, Instituto Superior Pedagógico, 1994. Análise e reconstrução de elementos matemáticos na tradição de desenhos na areia do Tchokwe e povos aparentados. KNIJNIK, G. Exclusão e resistência: Educação matemática e legitimidade cultural. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. Baseado na tese de doutoramento da autora, trata da interface dos saberes populares e dos saberes acadêmicos, especificamente na área da Matemática, e das relações de poder associadas ao saber. O trabalho de campo foi realizado junto ao MST, num assentamento em Braga, RS. A lógica interna BOLETIM – PGM 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO do conhecimento de origem popular é analisada e os porquês de sua organização intelectual. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993. Através de comparações entre o computador e o pensamento humano, o autor aponta semelhanças entre algumas de suas estruturas MARTINS, M. L. A Lição da Samaúma, formação de professores da floresta. Didática e educação matemática: do saber à construção do conhecimento. Rio Branco, AC, Poronga Editoração e Comunicação Ltda, 1994. Narra o processo do Projeto Seringueiro, através do relato de um pedagogo que constrói conhecimento com trabalhadores da floresta, monitores de saúde, em escolas não seriadas e diferenciadas quanto às suas necessidades pedagógicas especiais. NUNES, T. & BRYANT, P. Crianças fazendo Matemática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. Apresenta um arcabouço para organizarmos e entendermos o crescimento do conhecimento matemático das crianças e seu desenvolvimento, subdividindo-se em três temas gerais. O primeiro é que a compreensão que a criança tem da Matemática muda constantemente nos primeiros anos da infância, de forma generativa. O segundo é que o desenvolvimento do conhecimento e da compreensão matemática envolve três aspectos. E o terceiro é que a Matemática é uma atividade socialmente definida. SEBASTIANI, E. F. Etnomatemática – uma proposta metodológica. Rio de Janeiro, MEM/USU, 1997. A Etnomatemática é abordada como um método educacional para ser trabalhado em Educação Matemática, apresentando relatórios sobre pesquisas de campo e artigos do autor. VERGANI, T. Educação Etnomatemática, O que é? Lisboa, Portugal, Pandora Edições, 2000. Apanhado de idéias sobre este ramo do conhecimento, a Educação Etnomatemática, dando a conhecer a todos que por ele manifestarem interesse pedagógico, científico, social e humano. Trata-se de romper uma ordem do conhecimento instituída à margem da harmonia/alegria/ bem-estar sociocultural, cujas normas violenta- 12 GEOMETRIA EM mente cegas e impositivas, tendem a esmagar simultaneamente comunicação/solidariedade, esperança humana. ZASLAVSKY, C. Jogos e Atividades Matemáticas do mundo inteiro – diversão multicultural para idades de 8 a 12 anos. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000. Os jogos, quebra-cabeças e projetos deste livro procedem de todas as partes do mundo. Os povos que praticaram os jogos, resolveram as charadas e criaram a arte são apresentados aos leitores através das atividades. BOLETIM – PGM 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO ZASLAVSKY, C. Contagens da África: Número e padronagens na cultura africana. Brooklyn, NY, Mount Lawrence Press, 1973. Descrições de sistemas de numeração, de Geometria na Arte, de Arquitetura, e de Matemática nos jogos. Revela uma Matemática altamente desenvolvida que existe sobre todo o continente africano. Inclui estudos regionais da Nigéria e do Kenya. Muitas idéias podem ser adaptadas para atividades em sala de aula. 13 GEOMETRIA EM QUESTÃO GEOMETRIA E CARTOGRAFIA Os homens utilizam mapas desde a mais remota Antigüidade, e provavelmente já o faziam em épocas pré-históricas. É possível que alguns desenhos encontrados em cavernas e com um significado desconhecido até agora sejam croquis dos territórios onde eles viviam e caçavam. Uma grande variedade de materiais era utilizada para a confecção desses mapas: madeira, pedra, peles de animal, ou pequenas tábuas de argila cozida. Vejamos o desenho abaixo de uma carta náutica Polinésia: Estas cartas eram construídas com gravetos atados por fibras de palmeira e conchas, que representavam as ilhas. E os gravetos curvos representavam as correntes marinhas. Apesar de ser um instrumento rústico, era muito utilizado pelos navegadores para se orientarem em suas navegações pelo Pacífico. Os Incas, no Peru, faziam mapas em rele- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Janete Bolite Frant* vo. Os astecas faziam mapas com aspecto muito decorativo, que eram vistos mais pelo seu valor histórico do que pelos próprios detalhes topográficos. A habilidade cartográfica dos esquimós é bastante conhecida. Em seus mapas se podia apreciar grandes deformações, que eram resultado do conceito primitivo que tinham de distância, que era cronométrico e não geométrico. Isto é, a distância não era medida pelo comprimento entre as duas cidades, mas sim pelo tempo que se gastava para sair de uma e chegar na outra. O mapa, em qualquer cultura, tem como objetivo representar pontos e acidentes da terra e a relação que se estabelece entre esses pontos e acidentes e os homens. Hoje, os mapas são muitas vezes confeccionados por computadores, que captam as imagens de satélites. E o que isto tem a ver com Geometria? A Geometria não estuda o espaço e as formas? As medidas, grandezas e propriedades? Pode, portanto, colaborar na confecção de mapas. Afinal latitude e longitude, bem como os fusos horários, são maneiras de representar o espaço que habitamos. Sala de Aula e Contexto Fazer o mapa da sala de aula parece ta- * Consultora da série Geometria em questão. BOLETIM – PGM 2 14 GEOMETRIA EM refa simples, mas se quisermos utilizar esse mapa para pintarmos as filas horizontais de amarelo e as verticais de azul vamos ter que desenhar este mapa com uma certa precisão. É claro que não temos e nem queremos um mapa do tamanho exato da sala, queremos algo menor, mais portátil,. Quem sabe numa folha de cartolina ou numa folha de papel A4. Como fazer? Vejamos os conteúdos envolvidos neste projeto: Primeiro passo: é preciso medir a sala. Como fazer? Vamos usar a fita métrica? Vamos usar barbante de 20 cm? Vamos usar o apagador? Palitos de fósforos? Seja qual for o método escolhido, temos que ter uma unidade padrão que pode ser o metro, o barbante, o apagador, palitos de fósforo, pés, mãos etc. E aí podemos ter 2,5 m, o que significa 2 fitas e mais uma metade desta fita; ou 12 barbantes e mais a metade do barbante... E por aí vamos. É bem provável que a medida não seja assim certinha, podemos ter algo como 2,37 m. Vamos precisar criar e entender os múltiplos e submúltiplos de uma medida padrão. Segundo passo, dar um jeito de representar essa medida maior no papel. A proporcionalidade vai entrar em ação. Terceiro passo: lembrar que agora todas as outras medidas da sala deverão estar na mesma escala. Até aqui temos 5 conteúdos que rapidamente geram outros tantos e que geram outros tantos... BOLETIM – PGM 2 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO A confecção de mapa é de fato uma atividade geométrica, que envolve outros contextos matemáticos, como números múltiplos, razão e proporção, divisão etc. Vamos supor que, ao invés de confeccionar um mapa, a atividade seja achar coisas num mapa, entender um mapa, calcular a distância entre cidades via mapa. Aí começamos a entrar na Geografia, pois veremos cidades, estados etc., ou seja, a divisão política da Terra, e ao pensarmos em política, isto vai nos levar a pensar também na História, na Ética, e muito mais. E, como o aluno deve escrever um relatório sobre a maneira utilizada para confeccionar o mapa, ou como ler um mapa, ele vai trabalhar as diferenças da linguagem escrita e oral. É dessa forma que vemos que a Geometria e a Cartografia devem ter um lugar de destaque na aula de Matemática. Entendemos que é importante que na escola se aprenda uma Geometria que ajude a resolver os problemas do cotidiano, mas queremos muito que o professor proponha atividades que façam o aluno se interessar pela Matemática como ciência e goste de fazer “exercícios geométricos”. Assim, podemos ter ao mesmo tempo uma atividade para trabalhar as relações de área e de perímetro de um mapa, e uma outra atividade com o Tangram. A atividade com o Tangram estimulará descobertas matemáticas que possivelmente são interessantes em si mesmas, e a atividade com mapas estimulará descobertas que possivelmente terão aplicações imediatas. Os dois tipos de atividade são extremamente importantes e desejáveis. 15 GEOMETRIA EM QUESTÃO ÂNGULOS UM ÂNGULO É MAIS DO QUE DUAS SEMI-RETAS DE MESMA ORIGEM Ângulos: importância e contextos de uso Dentre os vários conceitos geométricos, o conceito de ângulo é um dos mais importantes e complexos. Sua importância, inconteste, se dá pelo alto grau de conexões internas e externas. Você é capaz de imaginar um currículo de Matemática sem o ensino de ângulos ? Nem pensar. Poucos conceitos têm tantas conexões internas ou externas como têm os ângulos. Considerando apenas suas conexões internas, ou seja, aquelas que relacionam tópicos de um currículo da Matemática, ângulo se constitui num conceito chave para o estudo de figuras semelhantes, casos de congruência de triângulos, construção de polígonos regulares, relações métricas num triângulo, trigonometria, geometria analítica, números complexos, geometria espacial e outros tópicos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Antonio José Lopes* Mesmo em temas de natureza aritmética ou algébrica, como proporcionalidade e funções, os ângulos intervêm. A inclinação de uma reta dá informações sobre a posição relativa de duas retas, que pode ser decidida pela comparação de seus respectivos coeficientes angulares; a velocidade ou aceleração de um objeto em movimento também pode ser determinada através da inclinação de uma reta, ou de seu coeficiente angular. Usamos ângulos para a construção de representações relacionadas à estatística, à porcentagem e às probabilidades, como mostra a figura ao lado. Quanto às conexões externas, os ângulos são alicerces fundamentais de áreas como Astronomia, Geografia, Cartografia, Náutica, Física, Biologia, Química e de outras menos esperadas como Ergonomia, Arqueologia, Arquitetura ou Artes. Centenas de atividades profissionais utilizam ângulos para resolver problemas, como no caso do marceneiro, do pedreiro e até daquele mecânico que faz o alinhamento das rodas dos carro. Sistemas de alta tecnologia utilizam idéias angulares, dos controles remotos de aparatos eletrônicos caseiros aos radares em aeroportos. * Professor do Centro de Educação Matemática - CEM. BOLETIM – PGM 3 16 GEOMETRIA EM O conceito de ângulo: sua história e idéias associadas Não há registros confiáveis sobre o desenvolvimento do “conceito de ângulo”, entretanto, é possível fazer um ensaio a respeito das idéias primitivas associadas à noção de ângulo. O homem primitivo, que vagava à procura de alimento, se deu conta de que certos caminhos pelas montanhas causavam mais fadiga do que outros; assim a idéia de inclinação deve ter sido uma das primeiras a ser intuídas. Caminhos ótimos acompanhando as curvas de nível ainda hoje são utilizados na moderna engenharia de construção de estradas. Não é necessário discorrer sobre o fato de que há uma inclinação limite nas rampas, ruas e estradas. Outra idéia bem antiga é a do ângulo agudo. Sabemos isto analisando como são as pontas das flechas de povos da idade da pedra, passando pela idade dos metais e chegando até nossos dias. A ponta aguda dá mais direção, pela aerodinâmica, e penetra com mais facilidade no animal a ser caçado. Antropólogos que estudam sociedades indígenas e tribais nos trazem outros indícios. Quando a pesca é feita com uma flecha, a refração na água é considerada pelo pescador. Para produzir fogo com eficácia, esfregando dois gravetos, a posição ortogonal é a mais eficaz. BOLETIM – PGM 3 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO Vemos, assim, que idéias como inclinação, ângulo agudo, refração, ortogonalidade estão na origem do desenvolvimento da noção de ângulo. Porém, as primeiras idéias sistematizadas a respeito de ângulos são bem mais recentes e são encontradas nos gregos, a partir de Tales (séc. VI a.C.) e em Euclides (séc. III a.C.). Para Euclides “Ângulo plano é a inclinação de duas linhas, que se tocam em uma superfície plana. Quando as linhas são retas, o ângulo é denominado de retilíneo.” Modo complicado este de dar “vida” a um conceito. Podemos observar que Euclides está considerando duas classes de ângulos, os retilíneos e os curvilíneos. O curioso disto tudo é que os livros atuais não ignoram os ângulos curvilíneos de Euclides, mas as crianças pequenas, de um modo geral, crêem que formas, como a de um espinho, estão relacionadas a ângulos. As primeiras concepções das crianças a respeito de idéias geométricas são diferentes dos discursos formais dos livros de Matemática. Para as crianças “ângulos” estão relacionados a coisas que picam, que têm ponta como um espinho. Idéias associadas a ângulos O conceito de ângulo está associado a uma diversidade de idéias distintas, porém solidárias, como inclinação, rotação, região, abertura, orientação, direção, entre outras. As práticas curriculares das últimas décadas privilegiaram um ensino centrado em definições, uma classificação restrita e algumas fórmulas seguidas de exercícios modelo e exercícios de aplicação. Tal abordagem esconde a riqueza do conceito, sua complexidade e a engenhosidade de seus usos. Os vários aspectos do conceito de ân17 GEOMETRIA EM gulo não podem ser engessados numa determinada definição. Veja-se, por exemplo, a idéia de campo visual. Tanto o ser humano como os animais dispõem de um campo visual. A noção de campo visual está associada à idéia de ângulo como região, contínua. Uma definição clássica como, por exemplo, “ângulo é a reunião de duas semi-retas, não colineares, de mesma origem”, que se encontra em muitos livros, não dá conta da idéia de ângulo como região. Uma definição mais apropriada para conter esta idéia seria “ângulo é a região comum de dois semiplanos que se interceptam”. Alguns autores cercam este problema, fazendo distinção entre ângulo e região angular. Bem, mas que dizer de outra idéia associada a ângulo, a rotação ? Inúmeras são as situações angulares relacionadas à idéia de rotação. Qual seria a definição mais apropriada para cobrir estas situações ? Eis aqui uma: “ Ângulo é a figura formada por duas semi-retas com origem comum; pode ser formada pela rotação que leva uma semireta sobre a outra. A medida desta rotação dá a grandeza do ângulo”. (Herder Lexikon) O que se pode aproveitar disto é que um ensino significativo do conceito de ângulo não pode ficar preso a uma definição particular, sob pena de sonegar idéias e contextos importantes. Para se ter uma idéia da riqueza, da complexidade e da diversidade do conceito, o dicionário Aurélio apresenta 48 verbetes da palavra ângulo, relacionados a diversas situações, contextos e áreas do conhecimento. Atividades significativas e curiosidades O trabalho em torno do conceito de ângulos deve privilegiar atividades e problemas significativos: Faça um levantamento de situações práBOLETIM – PGM 3 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO ticas que envolvam o conceito de ângulo. Descreva algum objeto ou mecanismo em que alguma das idéias de ângulo intervém. Identifique as profissões que fazem uso do conceito de ângulo. Problematize: Quantos seguranças são necessários para controlar visualmente uma galeria em L? Qual é o ângulo adequado para a produção de bandejas que se encaixam numa mesa redonda? Uma bandeja com o formato acima daria conta do recado ? Investigue: Qual é o ângulo de visão de uma pessoa? E de um coelho ? Qual é a medida do ângulo cônico em que um controle remoto pode funcionar ? Qual é a inclinação ideal da mesa de trabalho de um desenhista ? 18 GEOMETRIA EM Qual é o ângulo de rotação da maçaneta de uma porta ? Qual é a medida do giro que um automóvel faz quando tem que mudar da direção Norte para a direção Nordeste ? Há muitas possibilidades de trabalho com os ângulos e suas idéias, sem ter que ficar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO preso a atividades estanques e que mobilizam, em geral, apenas habilidades algébricas ou aritméticas, como no exemplo abaixo. O que propomos é resgatar a riqueza estritamente geométrica do conceito de ângulo e reservar-lhe o lugar que merece. Contribuindo, assim, para despertar a curiosidade e o olhar dos alunos, com o objetivo de desenvolver suas capacidades de pôr as coisas em relação, fazer conexões, problematizar e argumentar. Ângulos famosos BOLETIM – PGM 3 19 GEOMETRIA EM Referências bibliográficas bibliográficas: Lopes, Antonio José. Matemática hoje é feita assim. São Paulo, Editora FTD, 2000. Lange, Jan de (e outros). Considerando todos los ángulos. In: Las matemáticas en contexto - un currículo coherente para los grados 5-8. Universidad de Wisconsin-Madison. Encyclo- BOLETIM – PGM 3 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO paedia Britannica Educational Corporation. 1993. Lindquist, Mary Montgomery & Shulte, Albert P. (orgs.) Aprendendo e Ensinando GEOMETRIA. Atual Editora. 1994. Gerdes, Paulus. Sobre o despertar do pensamento geométrico. Eduart/ UFPR, 1992. 20 GEOMETRIA EM QUESTÃO ÁREA, PERÍMETRO E VOLUME Como já foi comentado na Apresentação, a palavra Geometria significa “medida de terra”; associa-se à prática de medição das terras, seja para partilha entre herdeiros, seja para demarcar terras antes e depois das enchentes do Nilo, seja para outras atividades deste tipo. Heródoto, historiador do século V a.C., relata como foram divididas as terras para tributação no Antigo Egito. As antigas civilizações de beira-rio (Nilo, Tigre, Eufrates, Ganges, Indo) desenvolveram uma habilidade em engenharia na drenagem de pântanos, na irrigação, na defesa contra inundação, na construção de templos e edifícios: uma Geometria prática. Vemos nessas atividades a necessidade de descrever os contornos, para a demarcação dos lados de um terreno; a idéia de área, para a tributação e para a divisão entre herdeiros; a idéia de volume, utilizada na irrigação e, ainda, a inter-relação de todos esses conceitos, quando se trata da construção de templos. Hoje, continua sendo necessário “medir a terra”, por motivos semelhantes aos dos povos da Antigüidade: tributação, demarcação de terrenos, construções de galinheiros e ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Rosana de Oliveira* currais etc. E, além destas atividades do cotidiano, existem problemas matemáticos considerados passatempos, ou desafios, envolvendo a divisão de uma determinada figura em outras menores que possuam a mesma área, que envolvem o conhecimento de volumes e/ ou perímetros. PCN e Sala de Aula Os conceitos de área e perímetro são tratados na escola superficialmente. Geralmente são trabalhados simultaneamente, o que pode gerar confusão se forem abordados mecanicamente. Alguns livros didáticos atuais apresentam atividades envolvendo estes conceitos. Uma abordagem em consonância com os PCN explora essas noções desde as séries iniciais. Caso isso não aconteça, o professor de 3o e 4o ciclos deve fazer esse resgate. Adolescentes, assim como as crianças, gostam de atividades lúdicas, nas quais podemos usar barbantes, dobraduras, colagens, palitos e canudos. Explorar os conceitos de área e perímetro significa trabalhar com o conceito de medida. E medir é comparar. Se uma criança brinca de bola de gude, como medir a distância entre o triângulo traçado no chão e a linha onde se inicia o jogo? Essa distância pode ser medi- * Professora de Matemática da Prefeitura do Rio de Janeiro, Prefeitura de Angra dos Reis, Presidente do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas do Rio de Janeiro) e Mestre em Educação Matemática – USU/RJ. BOLETIM – PGM 4 21 GEOMETRIA EM da com passos. Uma costureira, ao medir o tamanho que vai ser necessário para aumentar ou diminuir uma saia, usa seu palmo. Na Antigüidade, o homem usava partes do corpo como padrões de medida. Em muitas situações são realizadas medidas nas quais não é utilizada uma medida padrão. O que as pessoas estão fazendo é comparar seu passo, ou seu palmo, ao objeto ou distância que se deseja medir. Na discussão dos conceitos de área e perímetro, a escolha da unidade de medida é fundamental, e também a distinção entre uma medida linear (perímetro) e uma medida de superfície (área). Ao medir o contorno da sala de aula, usamos o metro; para medir a superfície (o chão) da sala, usamos o metro quadrado. O uso dessas unidades não pode reduzir-se a colocar ao lado do número que expressa a medida o sinal de m (metro) ou m2 (metro ao quadrado). Grande parte dos professores que atuam em sala de aula define perímetro como “soma da medida dos lados”. A partir desta definição, qual seria o perímetro de uma circunferência ou de uma curva qualquer? Perímetro é a medida do contorno de determinada figura, ou a medida do contorno de um lago, de um pote, de uma sala ou de um terreno. É necessário trabalhar com os alunos diferentes estratégias para encontrar o perímetro de figuras diversas. A definição usada por muitos professores se refere ao perímetro de um polígono (uma linha fechada formada por segmentos de retas) e se restringe ao cálculo (soma) de valores. Quanto ao conceito de área, ele se restringe ao cálculo da área de um retângulo, em que mais uma vez é dito que se deve “multiplicar a medida dos lados”; no 4o ciclo, o ensino da área se estende para outros polígonos, mas o enfoque permanece em “como calcular”, ou seja, o uso de fórmulas é priorizado. Com essas definições, como calcular a área do fundo de uma piscina circular? Para construir com o aluno a diferença entre os conceitos de área e perímetro, uma atiBOLETIM – PGM 4 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO vidade interessante é fazer uso de uma fita métrica, jornal e cola. Propor aos alunos que construam o metro quadrado, ou seja, um quadrado com um metro de lado. Utilizando esse quadrado, eles poderão comparar com o chão da sala, verificando quantos “daquele” metro quadrado construído por eles cabem na sala. Antes de fazerem a atividade, o professor deve solicitar que digam quantos quadrados eles “acham” que cabem. Esta é uma boa tarefa para desenvolver a habilidade do aluno em estimar. Esta atividade difere, em qualidade, de simplesmente tomarmos comprimento e largura e multiplicarmos. No desenvolvimento desta atividade, outras questões importantes de serem exploradas podem surgir, como o fato de não ser possível caber um número inteiro de quadrados. O professor deve estimular o aluno a criar estratégias para expressar a medida, de forma mais próxima do real. Uma ação possível é “cortar o metro quadrado”; podem surgir registros em forma de número decimal, de fração, de desenhos ou com palavras. O professor deverá discutir com seu aluno as diferentes respostas e negociar com eles qual (ou quais) é (são) mais apropriada(as). De posse de palitos ou canudos de mesmo tamanho, o professor pode propor aos seus alunos que com 12 palitos construam figuras fechadas. Ao fixar o número de palitos, todas as figuras construídas terão o mesmo perímetro, porém não terão a mesma área. Imagine que as figuras criadas sejam dois retângulos: um que tenha como lados 4 palitos e 2 palitos, e outro que tenha como lados 5 palitos e 1 palito. Teremos dois retângulos de perímetro 12 palitos, mas com áreas distintas. 22 GEOMETRIA EM Deve-se incentivar o registro das diferentes respostas em papel quadriculado, pois isso permitirá a visualização da área das figuras encontradas. Um desdobramento dessa atividade é pedir aos alunos que meçam um pedaço de barbante de tamanho igual a 12 palitos alinhados. Com esse pedaço de barbante, novos desafios e propostas de investigações podem ser lançados. O barbante permite a construção de figuras não poligonais. Mesmo nesses casos o perímetro é mantido, modificando o valor das áreas das figuras. Devese estimular a busca por estratégias de determinação da área dessas novas figuras. O Tangram é um quebra-cabeça chinês, formado por sete peças. O mais tradicional tem como base um quadrado (2 triângulos grandes – TG; 2 triângulos pequenos – TP; um triângulo médio – TM; um quadrado- Q; um paralelogramo - P) que permite formar dezenas de figuras com todas as suas peças, sem sobreposição das mesmas. Com as sete peças formam-se animais, objetos, figuras humanas e polígonos. Neste caso, todas as figuras possuem a mesma área, mas perímetros diferentes. Além disso, existe uma relação de proporcionalidade entre as peças. Esse quebra-cabeça permite trabalhar com diferentes unidades de medidas. Se tomarmos o triângulo pequeno como unidade de medida de área, teremos que o quadrado, o paralelogramo e o triângulo médio possuem área igual a dois triângulos pequenos, portanto possuem a mesma área. O triângulo grande possui área igual a quatro triângulos pequenos e o quadrado maior possui área igual a 16 triângulos pequenos, a mesma área de todas as figuras formadas pelas sete peças. BOLETIM – PGM 4 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO Uma inter-relação entre diversos conceitos estimula a criatividade e faz com que o aluno se aproprie de diferentes formas de resolver determinada situação problema. O trabalho com área pode ser relacionado com os conceitos de múltiplos e divisores. Tomandose 12 quadrados de mesmo tamanho e solicitando que construam todos os diferentes retângulos, teremos: Observe que 1, 2, 3, 4, 6,12 são todos os divisores de 12. Se o total de quadrado for um número primo, será possível construir apenas um retângulo, pois os números primos possuem apenas dois divisores. Essas são algumas das atividades que nos permitem explorar os conceitos de área e perímetro com um caráter mais investigativo, estimulando a habilidade de estimar, de criar novos registros e de perceber as diferenças entre eles. A escolha das atividades é um ponto importante no trabalho de sala de aula, mas não se sustenta se o professor não proporcionar um espaço de respeito e troca efetiva entre ele e seus alunos. Agora, temos uma atividade que despertará a discussão sobre volume. O problema dos cilindros Atividade 1: Os alunos vão construir cilindros e descobrir a relação entre as dimensões do retângulo gerador e o par de cilindros gerados. Eles vão ordenar os cilindros A e B pelo volume, pela quantidade que podem armazenar, e tirar 23 GEOMETRIA EM conclusões sobre a relação entre as dimensões do cilindro e sua capacidade de armazenamento. Material necessário: Folhas de papel A4, fita durex, régua, feijões. Depois de registrar as respostas dos alunos, o professor deve pedir que coloquem o cilindro B numa caixa com o cilindro A dentro do B. Pedir que encham o cilindro A com feijões. A seguir, perguntar se alguém quer modificar sua resposta e explicação. Com cuidado, levantar o cilindro A para que os feijões caiam no cilindro B. Agora, é possível ver que B pode armazenar mais feijões que A. Perguntar para a turma: Será que podemos explicar porque B armazena mais feijões que A? Atividade 2: Pegar uma folha de papel e juntar a parte de cima com a parte de baixo para formar um cilindro oco e sem tampas. As bordas devem BOLETIM – PGM 4 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO estar bem juntas, sem buracos e sem passar por cima uma da outra. Usar a fita durex para fechá-las. Com uma outra folha do mesmo tamanho, juntar a borda esquerda com a direita para construir um outro cilindro. Colocar os dois cilindros de pé sobre a mesa. Um vai ser mais alto que o outro – chamar de A o mais alto e de B o outro. Escrever a letra em cada um para evitar confusões. Perguntar para os alunos: Vocês acham que cabe a mesma quantidade nos dois cilindros? Ou num vai caber mais que o outro? Nesse caso, em qual cabe mais? Olhando a folha de papel, qual sua forma? (retângulo) E suas dimensões? (Usar a régua.) Quais as dimensões do cilindro? A altura é o comprimento do lado que vocês juntaram, e a circunferência é o comprimento do outro lado. 24 GEOMETRIA EM QUESTÃO GEOMETRIA E TECNOLOGIA A Geometria teve em seu início o caráter puramente utilitário. Seu nome mostra isso pois “geo-metria” significa medição da Terra. E com certeza esta atividade era realizada por vários povos e não somente pelos gregos. Por exemplo, o triângulo retângulo que, segundo alguns historiadores, parece ter surgido com Pitágoras, já era utilizado pelo menos no Egito, na África e na Babilônia. Euclides, em 300 a.C, sistematiza a Geometria dedutiva iniciada por Tales em 600 a.C. Isto quer dizer que a Geometria perde seu caráter unicamente utilitário e se transforma em ciência. Tem uma teoria que a sustenta. E, como qualquer teoria, pode ser apresentada como um esquema axiomático (afirmações), no qual conseqüências são deduzidas de forma sistemática e lógica, a partir dessas afirmações. Desta forma, as teorias estão sempre em movimento, isto é, criam-se variações diferentes para as afirmações e portanto novas conseqüências aparecem. Na escola, é a Geometria Euclidiana que ensinamos, embora outras geometrias tenham surgido. Este jogo de demonstrações, quando figurava no currículo escolar, era apresentado ao aluno como mais uma coisa a ser decorada e não uma forma de explicar a teoria. Desta 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Janete Bolite Frant 1 forma, as demonstrações sumiram das salas e dos livros didáticos. A Educação Matemática, no Brasil a partir dos anos 80, trouxe uma forte crítica à ausência de Geometria nas aulas de Matemática em todos os níveis e à formação do círculo vicioso, no qual os estudantes não estudam Geometria no ensino básico, depois não vêem o suficiente nos cursos que formam professores de Matemática e portanto não se interessam por ensinar Geometria depois. No bojo desse movimento têm sido feitas diversas propostas para o ensino de Geometria, com ênfase na manipulação de materiais concretos, construção de “poliedros” e na pavimentação de novos caminhos para o ensino de formas de demonstrar. A partir dos anos 90, os microcomputadores ajudam os pesquisadores a pensar nesses novos caminhos. Hoje, o computador já está na escola. Parece uma afirmativa apressada, mas seja por influência de programas governamentais, seja pela iniciativa de algum professor ou mesmo pela curiosidade dos alunos, os computadores já estão sendo utilizados em muitas salas de aula. O computador trouxe para a sala de aula de Geometria a oportunidade de manusear CEDERJ-SECT / FAFIC. Consultora da série Geometria em questão. BOLETIM – PGM 5 25 GEOMETRIA EM objetos geométricos. Não se trata de jogar fora lápis, papel, régua e compasso, mas de ter um outro ambiente de aprendizagem, que favorece o desenvolvimento de outros raciocínios. PCN e Sala de Aula Os PCN apontam que dois blocos devem ser privilegiados no ensino da Geometria escolar: Espaço e Forma, e Grandezas e Medidas. Apontam, ainda, a introdução da tecnologia na sala de aula. Acreditamos que a utilização de computadores e calculadoras gráficas oferece a alunos e professores a oportunidade de trabalhar de uma forma dinâmica a Geometria, tão dinâmica que permite que novos problemas sejam formulados. Veremos que além dos aplicativos de Geometria existem outros como o Logo, que podem ser utilizados na sala de aula. O que faz o tal programa de Geometria dinâmica? Existem alguns software no mercado, o mais famoso talvez seja o Cabri2 , mas existe ainda em português o Sketchpad e o Geometriks3 . Eles permitem a manipulação de objetos geométricos. Esta manipulação trouxe os verbos “mexer” e “arrastar” para o ensino de Geometria. Um exemplo é o da circunferência. A figura 1a, mostra uma circunferência que foi gerada a partir de dois pontos. Na figura 1b, é mostrada a mesma circunferência, após ter sido “arrastada” de uma das inúmeras formas possíveis, (no caso “arrastou-se” o ponto B, distanciando-o do ponto A, fazendo com que o raio da circunferência aumentasse). 2 Encontrado na PUC-SP, PROEM. 3 Encontrado na UNESP - Rio Claro. BOLETIM – PGM 5 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO O arrastamento trouxe novas demandas, sugerindo que a introdução das mídias informáticas transformam o ensino de Geometria, ao invés de simplesmente melhorá-lo ou piorá-lo (Borba, 1999, Penteado & Borba, 2000). Construções que tinham um certo formato no papel assumem nova dimensão quando uma nova mídia é trazida para o ensino, assim como abrem novas possibilidades de que, ao experimentar, os alunos criem 26 GEOMETRIA EM novas conjeturas sobre propriedades geométricas. Existe ainda, o Logo, que pode ser encontrado gratuitamente na página do NIEDUnicamp com o nome de Slogo. O Logo que permite que alunos programem é um outro ambiente favorável à aprendizagem da Matemática. O aluno – ao programar o computador para fazer, por exemplo, um quadrado – deve pensar nas propriedades intrínsecas dessa figura. Aprenda Quadrado Frente 40 Direita 90 BOLETIM – PGM 5 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUESTÃO Frente 40 Direita 90 Frente 40 Direita 90 Frente 40 Fim A partir daí, pode-se verificar o que se repete, por que se repete, e estudar as propriedades dessa figura. Pode-se ainda, utilizar uma variável para exprimir o tamanho do lado. E ao usar uma variável para exprimir o ângulo de giro do cursor utilizado na programação (tartaruga) algumas surpresas acontecem. Experimente você também. 27 Presidente da República Fernando Henrique Cardoso Ministro da Educação Paulo Renato Souza Secretário de Educação a Distância Pedro Paulo Poppovic MEC Secretaria de Educação a Distância Programa TV Escola – Salto para o Futuro Diretora de Planejamento e Desenvolvimento de Projetos Carmen Moreira de Castro Neves Coordenadora-Geral de Planejamento e Desenvolvimento de Educação a Distância Tânia Maria Magalhães Castro Diretor de Produção e Divulgação de Programas Educativos Antonio Augusto Silva Coordenadora-Geral de Material Didático-Pedagógico Vera Maria Arantes Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto - ACERP Supervisora Pedagógica Rosa Helena Mendonça Consultoria Pedagógica Janete Bolite Frant Coordenadoras de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Programadora Visual Norma Massa e.mail: [email protected] Maio de 2001 28