0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA GLEYDSON ROSSINY SILVA DE ASSIS MÚSICA EM PROJETOS SOCIAIS: UMA PRÁTICA SIGNIFICATIVA NO PETI – NOVA PARNAMIRIM/RN NATAL/RN 2011 1 GLEYDSON ROSSINY SILVA DE ASSIS MÚSICA EM PROJETOS SOCIAIS: UMA PRÁTICA SIGNIFICATIVA NO PETI – NOVA PARNAMIRIM/RN Monografia apresentada ao departamento de graduação da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção da graduação em Licenciatura Plena em Musica. Orientador: Profº Ms. João Paulo de Araújo NATAL/RN 2011 2 A848m Assis, Gleydson Rossiny Silva de. Música em projetos sociais: uma prática significativa no PETI – Nova Parnamirim/RN / Gleydson Rossiny Silva de Assis. – Natal, 2011. 43 f. Orientador: João Paulo de Araújo. Monografia (Graduação) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2011. 1. Música – Instrução e estudo. 2. Música – Aspectos sociais. I. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). II. Araújo, João Paulo de. III. Título. RN/BS/EMUFRN CDU 78:37 3 GLEYDSON ROSSINY SILVA DE ASSIS MÚSICA EM PROJETOS SOCIAIS: UMA PRÁTICA SIGNIFICATIVA NO PETI – NOVA PARNAMIRIM/RN Monografia apresentada ao departamento de graduação da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção da graduação em Licenciatura Plena em Musica. APROVADA EM: 02 / 12 / 2011. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ Profº Ms. João Paulo de Araújo Universidade Federal do Rio Grande do Norte ________________________________________________ Profº Ms. Maria Clara de Almeida Gonzaga Universidade Federal do Rio Grande do Norte ________________________________________________ Profº Cláudia Roberta de Oliveira Cunha Universidade Federal do Rio Grande do Norte 4 Dedico esse trabalho a minha família, pelo amparo e sustentação em todos os momentos. 5 AGRADECIMENTOS A Deus pela força e presença infinita Aos meus familiares que com apoio e amor estruturam a minha caminhada. Aos meus pais pelo incentivo cotidiano. A minha namorada, amiga e companheira permanente. Aos meus amigos pela troca de aprendizagens durante todo o curso. Ao meu professor orientador prof. João Paulo de Araújo pela atenção e orientação necessária para concretização e qualificação do trabalho. 6 A educação musical em contextos de projetos sociais tem, além da tarefa de desenvolver indivíduos, a a de musicalidade gerar dos formas de recuperar ações educativas e culturais, aprimorando a capacidade destes indivíduos de atuar de modo autônomo na sociedade. (SANTOS, 2006) 7 RESUMO Esse estudo objetivou analisar a prática de música em projetos sociais tendo como base ações desenvolvidas no PETI – Nova Parnamirim/RN. O local foi escolhido por apresentar uma filosofia de trabalho que foge aos comuns padrões de assistencialismo em instituições semelhantes. Como metodologia o estudo desenvolveu uma pesquisa teórica e um relato prático experiencial. A pesquisa teórica teve como base literaturas especificas sobre o tema, visando estruturar os seguintes tópicos referenciais: a visão da música em projetos sociais, as experiências da música em projetos sociais e suas repercussões educacionais e a abordagem do programa PETI. O relato prático experiencial foi adquirido através de um estágio realizado pelo próprio pesquisador no período Setembro/2007 a Outubro/2008, com um trabalho de prática musical com alunos de 07 a 14 anos. Os resultados práticos mostraram importantes significados. Para o educador as significações foram de percepção das potencialidades humanas, com aprendizagens em possíveis contextos vivenciais adversos, com trocas substantivas de ensino e aprendizagem. Para os alunos a prática musical desenvolvida no PETI teve significação social, educacional e cultural, com cooperação e sociabilidade na sala de aula, com aprendizagem e capacitação musical e aquisição cultural através dos diferentes estilos musicais aprendidos. As considerações finais pontuam sobre a condição transformadora da música, assinalando o seu valor prático e referenciando o estudo para outras pesquisas na área, pela importância do tema que visualizou os sujeitos dos projetos sociais com necessidades de sociabilidade, cultura e educação. Palavras – chave: Música. Projetos sociais. Significados. 8 ABSTRACT This study aimed to analyze the practice of music in social projects taking actions developed in the PETI as a base – Nova Parnamirim/RN. The place was chosen because of presenting a philosophy of work that avoids the common standards of assistance in similar institutions. Like methodology the study developed a theoretical inquiry and a practical report experience. The theoretical inquiry had like base literatures you specify on the subject, aiming to structure the next topical referential systems: the vision of the music in social projects, the experiences of the music in social projects and you sweat the education repercussions and the approach of the program PETI. The practical report experience was acquired through a traineeship carried out by the investigator himself in the period In September / 2007 to October / 2008, with a work of musical practice with pupils from 07 to 14 years. The practical results showed important meanings. For the educator the significations were of perception of the human potentialities, with apprenticeships in possible contexts you survive averse, with exchanges you substantives of teaching and apprenticeship. For the pupils musical practice developed in the PETI had social, education and cultural signification, with cooperation and sociability in the classroom, with apprenticeship and capacitor musical and cultural acquisition through the different musical learnt styles. The final considerations punctuate on the condition transformer of the music, marking his practical value and reference the study for other inquiries in the area, for the importance of the subject that visualized the subjects of the social projects with necessities of sociability, culture and education. Keywords: Music. Social projects. Meant. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 09 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................................ 11 2.1 A MÚSICA EM PROJETOS SOCIAIS............................................................ 11 2.1.1 A visão da música em projetos sociais.................................................. 12 2.1.2 Experiências relevantes da música em projetos sociais e sua repercussão educacional.................................................................................. 15 3 O PROGRAMA PETI......................................................................................... 20 4 A MÚSICA E SUA SIGNIFICAÇÃO NO PETI: SOB O OLHAR DOCENTE.... 25 4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PETI – PARNAMIRIM/RN................................. 4.2 AVALIANDO A PRÁTICA MUSICAL NO PETI: RELATO 25 DE EXPERIÊNCIA VIVENCIAL................................................................................. 26 4.2.1 Significados para o professor...................................................................... 31 4.2.2 Significados para os alunos........................................................................ 34 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 38 REFERÊNCIAS................................................................................................ 40 ANEXOS.......................................................................................................... 42 9 1 INTRODUÇÃO No Brasil, a música em suas variadas formas de apresentação, produção e veiculação se faz presente no dia-a-dia das pessoas, sendo difícil até mesmo de imaginar a ausência da mesma. Como parte do cotidiano, as pessoas ouvem música em sua diversidade, com tipos e formas variadas que buscam atender a todos as escolhas e interesses. Analisando o seu valor social, a música tem sido amplamente disseminada em projetos e programas de inclusão social, atendendo a crianças e adolescentes e em estado de risco social com carências afetivas, econômicas e culturais. Sobre a música em projetos sociais, Muller (2004) considera que já há algum tempo existem diversos exemplos de projetos que utilizam a música de alguma maneira em ações sociais que se realizam no Brasil. Essa ação de ordem governamental, não governamental, de parcerias entre Estado, ONGs1 e empresariados têm promovido um grande desenvolvimento de atividades que envolvem música em comunidades, associações de bairro e diversos outros tipos de agrupamentos sociais. Verifica-se um crescimento da inserção da música em projetos sociais, carecendo então não somente visualizar essa inserção, mas principalmente documentar sua atuação e prática. Neste sentido, esse estudo provoca o seguinte questionamento: qual o significado da prática musical no projeto social PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) – Nova Parnamirim/RN? A necessidade desse questionamento justifica-se pela percepção de que nos projetos sociais a abordagem musical geralmente é orientada e reduzida apenas ao entretenimento, sendo relevante ressaltar que sua função, entretanto, não se restringe apenas a essas atribuições, mostrando-se ampla e valorosa em sua formação social e educacional. Sobre isso, Kater (2004) sinaliza que a música em projetos sociais, quase sempre é desenvolvida como arte, mostrando-se subaproveitada em seu papel de formação. Ao invés de um valioso recurso educativo, a música constitui-se como 1 Organizações Não Governamentais. 10 uma espécie particular de lazer ou passatempo. Para o autor é preciso reivindicar sua utilização ampliada em projetos sociais. Para tanto, objetiva-se analisar a música em projetos sociais tendo como referência a prática musical desenvolvida no PETI – Nova Parnamirim/RN, por ser um espaço local que tem procurado efetivamente trabalhar a música com crianças e adolescentes de uma forma mais ampla, sem restringi-la unicamente ao lazer e diversão. Como metodologia o estudo desenvolveu uma pesquisa teórica e um relato prático experiencial. A pesquisa teórica teve como base literaturas especificas sobre o tema, visando estruturar os seguintes tópicos referenciais: a visão da música em projetos sociais, as experiências da música em projetos sociais e suas repercussões educacionais e a abordagem do programa PETI. O relato prático experiencial foi adquirido através de um estágio realizado pelo próprio pesquisador no período Setembro/2007 a Outubro/2008, com um trabalho efetivo de prática musical com alunos de 07 a 14 anos. A vivência permitiu estruturar as concepções do pesquisador sobre a significação da música para si e para o alunado. O trabalho faz as considerações finais mostrando a importância da aprendizagem teórica e prática com vistas a um possível campo profissional e acadêmico, abrindo possibilidades de outras abordagens sobre o tema. 11 2 REFERENCIAL TEÓRICO Para o desenvolvimento teórico, diferentes leituras foram feitas, com seleção de livros, revistas especializadas, artigos científicos e manuais com datas de publicações recentes e que apresentam conteúdos que esclarecem o tema, problematizando e refletindo sobre as questões relacionadas com a música em projetos sociais, as repercussões da música no processo educacional e os preceitos e finalidades do programa PETI. 2.1 A MÚSICA EM PROJETOS SOCIAIS Para avaliar a prática e o estudo da música em projetos sociais, algumas considerações sobre o significado da aprendizagem da música e dos projetos sociais precisam ser feitas. Como definição, segundo Souza (2004), a música é um fato cultural inscrito em uma sociedade dada, pois a música é influenciada pelas normas da sociedade e se desenvolve em condições particulares ligadas a uma dada cultura. A música tem, portanto, significado social. Para Queiroz (2004, p. 101) “a música, por sua forte e determinante relação com a cultura, ocupa dentro de cada grupo humano um importante espaço com significados, valores, usos e funções que a particularizam de acordo com cada contexto sociocultural”. Em termos de aprendizagem, Loureiro (2004, p. 66) coloca que: Qualquer pessoa pode aprender música e se expressar através dela, desde que sejam oferecidas condições necessárias para a sua prática. Quando afirmamos que qualquer pessoa pode desenvolverse musicalmente, consideramos a necessidade de tornar acessível, às crianças e aos jovens, a atividade musical de forma ampla e democrática. 12 Notadamente a música tem grande importância para a sociedade, com diferentes conotações, dependendo de seu ensino e aprendizagem para que adquira valor e significado. Sobre os projetos sociais, Maciel (2010) em seus estudos coloca que nas últimas décadas do século XX houve grandes articulações dos movimentos sociais, com criação de ONGs e projetos sociais. Esses movimentos foram criados a partir do novo cenário mundial, em que o fenômeno da globalização expandiu o setor informal da economia, crescendo assim as atividades do terceiro setor através de novas posturas de mobilidade da sociedade civil, com trabalhos voltados para determinados grupos sociais. É importante ressaltar que os projetos sociais foram criados com o intuito de atender a demanda de indivíduo que se postam a margem da sociedade. Muitas vezes o poder público não consegue atender satisfatoriamente a população em seus serviços básicos necessários para o exercício cidadão. Os projetos sociais, em suas organizações, prestam serviços em ambientes com grupos carentes, com ações que desenvolvem a inserção social das pessoas através da construção da cidadania, da emancipação e dignificação da pessoa humana (MACIEL, 2010). Vê-se uma movimentação social em torno dos projetos sociais e de suas capacidades de inclusão social das comunidades menos abastadas, visando propiciar a identidade do indivíduo, através do desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades. Um caminho que tem sido buscado pelos projetos sociais é a inserção da música nos espaços de ensino e aprendizagem, sendo esta abordagem desenvolvida no tópico seguinte. 2.1.1 A visão da música em projetos sociais A música, dependendo de sua atuação assume diferentes sentidos e formas de ensino e aprendizagem na sociedade, destacando-se pelo seu desenvolvimento em projetos sociais. 13 Diferentes investigações e concepções sobre a ação da música em projetos sociais podem ser trazidas para reflexão. Inicialmente não é possível fugir da realidade econômica, social e cultural que permeia as crianças e adolescentes que participam de projetos sociais, pois em suas funções os projetos buscam oportunizar em seus espaços condições de integralização e de aceitação social. Tem-se então atendimento a um público diversificado e limitado em suas opções de lazer, cultura e educação, advindos de contextos familiares complexos e muitas vezes desestruturados emocionalmente. A maioria dos projetos são compostos por jovens oriundos de famílias com níveis diversificados de organização, apresentando limitações econômicas, intelectuais, emocionais e afetivas. Essa realidade é confirmada por Kater (2004), quando sinaliza que os projetos sociais dão oportunidade a participação de comunidades sem seleção, estrita de competências, integrando aqueles com desajustes sociais e restrições estigmatizantes. Ao mesmo tempo em que essas limitações existem, cada sujeito a sua maneira carrega também em si sentimentos e desejos de superação, que induz para a transposição de obstáculos existentes e estimulação do desenvolvimento pessoal. É com essa visão que Muller (2004, p.55) afirma que os projetos sociais precisam necessariamente “se imbuir de humildade, de muita sensibilidade e de um profundo respeito para com as especificidades dos modos de vida de quem está à margem ou em situação de risco”. Neste contexto, a música insere-se como um componente motivador, capaz de promover essa percepção sobre as potencialidades humanas, não somente de desenvolvimento da capacidade musical, mas de propiciar ao sujeito condições de experimentarem novas formas de relacionamento, de socialização e de aquisição de diferentes valores. Santos (2006) pontua que os projetos sociais desenvolvem um ensino de música contextualizado com o universo sociocultural, tanto dos alunos quanto dos múltiplos espaços em que acontecem. As práticas musicais nos projetos atendem pessoas que não tem acesso ao ensino musical formal, possibilitando assim um melhor conhecimento musical. Firmam-se, assim, como um campo significativo para uma educação musical inclusiva. 14 Nota-se que a música desenvolvida em projetos sociais oferece mudanças para seus participantes, quando é capaz de promover a transformação social em diferentes espaços comunitários, criando interrelações pessoais e de sociabilidade. Kater (2004, p. 46) assinala bem as possibilidades que a música proporciona: No caso da educação musical temos tanto a tarefa de desenvolvimento da musicalidade e da formação musical quanto o aprimoramento humano dos cidadãos pela música. Por outro lado, ao destinar-se a indivíduos em situação de risco pessoal e social, localizados na periferia dos benefícios oferecidos pela sociedade – e em níveis acentuados de distanciamento senão exclusão – a educação musical representa uma alternativa prazerosa e especialmente eficaz de desenvolvimento individual e de socialização. Como bem colocado pelo autor, a música em seu campo rico insere-se em projetos sociais visando atender sujeitos socialmente excluídos e marginalizados, em que o ensino da música como uma condição de inclusão social procura resgatálos e fornecer-lhes condições de desenvolvimento. Conforme Kater (2004, p. 44), “em muitos dos projetos de ação social existentes vemos a música presente, quase sempre, entretanto, na condição prática de elemento de integração social, o que, aliás, ela proporciona com excelência e de maneira própria”. Com base nos escritos do autor, a música em projetos sociais procura sociabilizar crianças e adolescentes, com estabelecimento de relações positivas com os pares, integralizando-as na vivência cotidiana com o meio social. Outra percepção da importância da música em projetos sociais posta-se nos registros de Araújo (2009), que reconhece que a música em projetos de inclusão social desenvolve a formação da personalidade, levando o aprendiz a integrar-se socialmente, desenvolve as habilidades cognitivas, possibilitando melhorias no caráter do individuo para que eles possam melhor atuar socialmente. Percebe-se então que a função social da música geralmente é cumprida dentro dos projetos sociais, mas sabidamente a música em suas múltiplas atribuições tem promovido também desenvolvimento educacional. No tópico seguinte serão trazidas experiências que mostram a condição de educação propiciada pelo ensino da música. 15 2.1.2 Experiências relevantes da música em projetos sociais e suas repercussões educacionais É notável que a música em projetos sociais têm mostrando significância, no âmbito da socialização, integração e inclusão de indivíduos que por diversos motivos de ordem social e cultural tem sido marginalizados socialmente. Essa verdade pode ser constatada em diversos programas sociais desenvolvidos no Brasil, mas sabidamente a música em sua amplitude vai além de socializar e melhorar as relações de integração entre as pessoas, pois tem primordial função educacional, de promover nos sujeitos condições de aprendizagem musical tanto teórica quanto prática, valorizando as capacidades e fazendo emergir as potencialidades humanas. Para fundamentar a música em sua importância para o processo educacional é pertinente trazer as posições de autores que investigaram o tema, como também situar exemplo de projeto que possibilitou consistentes aprendizagens musicais e conhecimentos educacionais significativos. A música e a educação são caminhos que levam as pessoas a se desenvolverem, como bem coloca o autor. Música e educação são, como sabemos, produtos da construção humana, de cuja conjugação pode resultar uma ferramenta original de formação, capaz de promover tanto processos de conhecimento quanto de autoconhecimento. Nesse sentido, entre as funções da educação musical teríamos a de favorecer modalidades de compreensão e consciência de dimensões superiores de si e do mundo, de aspectos muitas vezes pouco acessíveis no cotidiano, estimulando uma visão mais autêntica e criativa da realidade (KATER, 2004, p. 44). Essa concepção do autor coloca a música e a educação em patamares de formação do homem, em que além de adquirir conhecimentos inerentes a musicalidade e suas técnicas, a música propicia também um autoconhecimento, isso quer dizer que o sujeito passa a adquirir consciência de suas possibilidades de criação e construção do conhecimento. Maciel (2010, p.2) sinaliza que: 16 Entre os projetos que se apresentam com bons resultados estão os que utilizam a música como instrumento de educação. Encontramos, assim, a música/educação musical, devido ao seu caráter de coletividade, de agregação, como um dos caminhos para a inclusão social, para a recuperação de indivíduos em situação de exclusão e de risco social, como eixo que congrega as demais atividades da vida em sociedade. Certamente que o ensino da música não pode ser trabalhado de maneira isolada, sem perceber os sujeitos em suas limitações e progressões, como também a aprendizagem deve considerar as diferentes características individuais e coletivas de determinado grupo ou comunidade. Sobre isso é que: Conscientes de que a música não é uma linguagem universal, é importante ter a consciência de que os seus processos de transmissão – ensino e aprendizagem – também não são. Da mesma forma, sabendo e reconhecendo a existência de diferentes mundos musicais dentro de uma cultura, cada um com a sua importância e significado próprio, é preciso que a educação musical tenha processos de ensino e aprendizagem – dentro de qualquer contexto que vise a formação musical do indivíduo – que contemplem diferentes abordagens educacionais. Abordagens que devem ser adequadas a cada situação cultural e que consigam dialogar com os múltiplos contextos em que se ensina, aprende e vive música (QUEIROZ, 2004, p. 104). . Quando se aborda as diferenças de aprendizagem, Santos (2004) enfatiza que a questão do lidar com as diferenças vão além do respeito e tolerância ao que se mostra diferente, pressupõe essencialmente refletir como as diferenças e desigualdades são produzidas, pois a diversidade cultural não é um ponto de origem, mas o ponto final de um processo conduzido por operações de diferenciação. É preciso então não somente reconhecer as diferenças, mas primordialmente questioná-las. Conforme Queiroz (2004), os processos de ensino e aprendizagem da música ocorrem de diferentes maneiras, sendo determinados pelo contexto em que se inserem, pois cada cultura tem seus ideais, valores e processos próprios de conhecimento e estes vão adequando-se às particularidades de cada grupo, o que possibilita diferentes performances musicais. 17 Com base nessa visão entende-se que cada pessoa ou comunidade tem diferentes formas de aprendizagem. Na música a aquisição do saber parece ser bem mais criteriosa, pois a aquisição do conhecimento musical passa necessariamente pelos gostos, costumes e crenças de cada individuo ou grupo social. Neste sentido é que a música para a formação educacional necessita primeiramente despertar o interesse pela musicalidade e sonoridade no indivíduo, para que a partir dessa motivação haja compreensão da música em sentido pessoal e social (KATER, 2004). A partir das colocações dos autores, nota-se que a música une socializa e educa pessoas, dependendo da sua abordagem e desenvolvimento no ensino musical. Neste ambiente de abordagem e desenvolvimento do ensino musical, Muller (2004) traz considerações importantes sobre o papel do educador. Para o autor, o educador deve pressupor em sua formação a condição de fazer a diferença, com noções de responsabilidade e qualidade, no contexto em que atua. O educador musical precisa ter a construção de seu conhecimento atrelado e intrínseco ao processo de construção do sujeito, assumindo a posição de mudança para estruturar e dar significação a constituição de sua identidade e de seus alunos. Como exemplo da utilização da música como função educacional em projetos sociais, Santos (2006) fez uma pesquisa em 2005, no projeto “Musicalizar e viver” na cidade de João Pessoa e os resultados apontaram que houve progressiva evolução dos alunos, com diferentes aprendizagens de estilos e gêneros musicais. A partir de articulações da aprendizagem com a realidade sociocultural de seu público, houve significativas contribuições para a formação musical e social dos indivíduos. A educação musical possibilitou aquisição de habilidades técnicas, conhecimento teórico, leitura musical e apuração auditiva, com alcance satisfatório de desenvolvimento musical e estético dos alunos (SANTOS, 2006). Simões et al (2009) realizou uma pesquisa de campo visando analisar a contribuição do PETI para o desenvolvimento das múltiplas aprendizagens de alunos de uma Escola da Rede Pública Municipal de Montes Claros/MG. A pesquisa foi aplicada no Centro de Convívio onde é desenvolvido o PETI, alocado ao lado da escola pesquisada. 18 O estudo foi amostral, com a turma do 5º ano do Ensino Fundamental, e os alunos que responderam as entrevistas foram aqueles que fazem parte do PETI e que são freqüentadores tanto na escola quanto no referido programa. Foram incluídos na pesquisa professores do PETI e da Escola, totalizando um universo de 13 pessoas envolvidas no estudo. O autor em suas palavras destaca os resultados alcançados na pesquisa: No que tange o processo de ensino-aprendizagem no PETI, foi considerado pelos professores do Programa, professores da Escola Municipal, alunos e pais dos alunos que o PETI contribui para o desenvolvimento das múltiplas aprendizagens (comportamento, sociabilidade, artes, disciplinas curriculares) dos alunos atendidos (SIMÕES et al, 2009, p. 1). Se os exemplos colocados são substanciais para mostrar que pode-se educar pessoas através da música, segundo Queiroz (2004) a música quando trabalhada dialogando com a sociedade pode propiciar diversas contribuições, cabendo aqui destacá-las: • Experiências educativas que interajam com a realidade de cada cultura; • Ensino contextualizado com os diferentes universos musicais da vida cotidiana; • Práticas e vivências musicais que retratam experiências significativas para cada sujeito do processo educativo; • Visão ampla dos valores culturais e musicais da sociedade; • Vivências musicais distintas que permitem ao indivíduo de um determinado contexto conhecer e reconhecer diferentes “sotaques” culturais, inclusive o seu próprio; • Ampliação estética e artístico-musical a partir do conhecimento e da experiência com diferentes aspectos de distintas culturas; • Valorização e aproveitamento do aprendizado musical proporcionado pelos diferentes meios e agentes presentes no processo musical de cada cultura. Assim, notadamente a música tem fins educacionais, quando seu ensino considera as experiências de cada sujeito, seu ambiente, cultura e vivência social. 19 Educar musicalmente vai além de ensinar a tocar instrumentos, representa a expressão humana em suas relações de interação social, abrindo caminhos para que o encontro e o complemento do indivíduo com a música construam conhecimentos e saberes para a vida. 20 3 O PROGRAMA PETI O PETI é um programa social conhecido em todo o Brasil, atendendo a demanda de crianças e adolescentes que vivem em condições de carências e com negação de direitos. Compreender melhor como o programa é desenvolvido possibilita conhecê-lo em seus critérios de ação no país. Para fundamentar o estudo é necessário fazer considerações relativas à sua origem, objetivos, abrangência e atuação. Conforme Araújo (2009), o PETI é um projeto governamental, e como tal possui características metodológicas e ideológicas próprias que não podem ser confundidas nem estruturalmente e nem em seu formato com outras ações sociais, como entidades filantrópicas e ONGs. O projeto busca atender a população mais carente, que constitucionalmente aparecem com seus direitos negados ou violados. Em seu histórico o PETI surgiu no contexto social e político em que o Brasil dependia de organismos internacionais e de financiamentos internacionais, estes voltados ao trabalho de proteção a criança e adolescente através da UNICEF. Os referidos órgãos financiadores elaboravam documentos com orientações estratégicas para a assistência aos países tomadores de empréstimos e devedores, em que existem cláusulas que sugestionam o maior apoio para o desenvolvimento da educação básica. Esse é um dos motivos do PETI atender a crianças e adolescentes de cinco até 15 anos e onze meses, faixa etária correspondente a educação básica na época. O projeto PETI tem suas ações associadas ao Programa Bolsa-família2 e teve sua origem do Programa de Ação Integrada (PAI) que foi concebido pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), composto por representantes do governo, trabalhadores, empresários, ONGs, Procuradoria Geral da União e do Ministério do Trabalho (ARAÚJO, 2009). Conforme Lei 8.742/93, em seus objetivos: 2 O Programa Bolsa Família (PBF), como um programa de transferência de renda, o foi instituído a partir da lei nº 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/2004, que unificou a gestão e a execução dos seguintes programas: Programa Nacional de Renda Mínima, Bolsa Escola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Bolsa Alimentação, Programa Auxílio-Gás e Cadastro Único do Governo Federal (Cadastro Único ou CadÚnico) (ARAÚJO, 2009). 21 O PETI é um programa do Governo Federal que visa erradicar todas as formas de trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos e garantir que freqüentem a escola e atividades sócio educativas. Esse programa, gerido Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, é desenvolvido em parceria com os diversos setores dos governos estaduais, municipais e da sociedade civil. Na concepção de Barboza e Spink (2002), em princípio a criação do programa PETI tinha o intuito de atender apenas crianças e adolescentes que exercessem atividades laborais no campo, nas carvoarias, olarias e na agricultura. Porém, o trabalho infantil também estava presente na cidade, nas funções de flanelinhas, engraxates e catadores dos lixões. No campo, pela intensa fiscalização do Ministério do Trabalho, os proprietários de carvoarias deixaram de contratar famílias com crianças e adolescentes, o que gerou a saída da população do meio rural para os centros urbanos. Esses motivos levaram o PETI em 1999 a ser modificado em seus termos, sendo o programa ampliado em seu atendimento á crianças e adolescentes também da zona urbana. Em 2000 as redefinições do PETI se substanciaram em perda do seu caráter preventivo e o estabelecimento de “metas” para os diversos Estados, que por sua vez as redistribuem entre os municípios. O programa se estendeu a áreas urbanas e metropolitanas, passando a contemplar um maior elenco de atividades que envolvem o trabalho precoce, como os lixões, o comércio ambulante, as feiras livres, o cultivo de algodão, fumo, café e laranja, a ocupação em cerâmicas e olarias, garimpos e pedreiras, dentre outras (CARVALHO, 2004). Estabeleceu-se um tempo máximo de quatro anos para a permanência dos beneficiários e, para justificá-lo, a Secretaria de Estado de Assistência Social – Seas, do Ministério da Previdência e Assistência Social, a quem o PETI se encontrava vinculado, ampliou seus objetivos e responsabilidades (CARVALHO, 2004). Em termos de participação dos municípios, é necessário que existam casos de trabalho infantil. Esse levantamento é feito pelos estados e municípios, por meio de seus órgãos gestores de assistência social. Além disso, outros órgãos como Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) e Ministério Público podem participar deste levantamento (ARAÚJO, 2009). 22 As demandas são avaliadas e validadas pela Comissão Estadual e são submetidas à Comissão Intergestora Bipartite (CIB) da Assistência Social (formada por representantes do estado e municípios) para os devidos acordos e acertos. Com as necessidades pactuadas as informações são destinadas ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com a relação nominal das crianças e adolescentes a serem atendidos e as respectivas atividades econômicas exercidas (PORTARIA MPAS n° 2.917, de 12/9/2000). Em relação à atuação do PETI: A ideologia redentora do trabalho está fortemente enraizada na Região Nordeste de nosso país. É comum escutarmos que mesmo o infantil, é capaz de formar bons cidadãos, de retirá-los das drogas, agregar e instigar responsabilidades, despertar a boa convivência, entre outros adjetivos intelectuais. Entretanto aos poucos o respeito à individualidade da criança e a intenção de garantir que seus direitos de formação intelectual-social-cultural vêm fazendo com que essa situação seja aos poucos revertida (ARAÚJO, 2009, p. 18). Em termos de benefícios, o Governo Federal paga uma bolsa mensal de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por criança em atividade para a família que retirar a criança do trabalho, em municípios, na área rural ou urbana, com população inferior a 250.000 habitantes e de R$ 40,00 (quarenta reais) por criança, em atividade urbana, em capitais, regiões metropolitanas e municípios com população superior a 250.000 habitantes (BRASIL, 2000). Além dos benefícios financeiros, o programa oferece ainda os seguintes benefícios: apóia e orienta as famílias beneficiadas por meio de atividades de capacitação e geração de renda; fomenta e incentiva a ampliação do universo de conhecimentos da criança e do adolescente, por intermédio de atividades culturais, desportivas e de lazer, no período complementar ao do ensino regular (Jornada Ampliada) e estimula a mudança de hábitos e atitudes, buscando a melhoria da qualidade de vida das famílias, numa estreita relação com a escola e a comunidade. (PORTARIA MPAS n° 2.917, de 12/9/2000). Barboza e Spink (2002, p.4) sintetizam bem quais os nortes do programa: São três os eixos básicos do Programa: a escola, a Jornada Ampliada e o trabalho com as famílias. A família recebe uma bolsa mensal para cada filho retirado do trabalho. Para tanto, eles devem estar freqüentando a escola e a Jornada Ampliada, durante a qual 23 terão reforço escolar, além de desenvolverem atividades esportivas, culturais, artísticas e de lazer. Para a permanência no programa, a família deve retirar as crianças/adolescentes de atividades laborais e de exploração e efetivar a freqüência mínima da criança e do adolescente nas atividades de ensino regular e nas ações sócio educativas e de convivência (Jornada Ampliada) no percentual mínimo de 85% (oitenta e cinco) da carga horária mensal (BRASIL, 2000). Em termos de abrangência: Envolvendo uma parceria entre governo federal, Estados e municípios, dando prioridade a áreas que utilizam o trabalho infantil em larga escala e em condições especialmente intoleráveis, ao longo dos anos o PETI se expandiu significativamente. Em 2000, ele já atendia a cerca de 140 mil crianças e adolescentes no país. Em 2001, houve um grande aumento e, em 2002 esse número chegou a 810.769, beneficiando 2.590 municípios em todos os Estados da Federação (CARVALHO, 2004, p.51). Segundo Araújo (2009) o bom funcionamento do PETI advém da dinâmica articuladora, com outras políticas públicas, como o Programa Saúde da Família (PSF), que entre outros serviços possibilita aos atendidos e beneficiados pelo programa acesso a saúde físico-mental necessária para o aprendizado e o seu desenvolvimento psicológico, social, afetivo e educacional. Conforme Barboza e Spink (2002) o programa PETI buscar modificar a qualidade de vida da criança e da família, não só do ponto de vista da melhoria financeira, mas também da ressocialização, valorização e respeito ao outro. Situando a importância do PETI, quando se avalia os direitos da população, tem-se no Brasil muitos dos direitos das pessoas violadas, sendo importante criar mecanismos governamentais que busquem garantir os direitos individuais, principalmente das crianças e adolescentes. O PETI é um esforço para a construção da cidadania, cidadania essa entendida como pleno exercício dos direitos sociais, civis e educacionais (SIMÕES et al 2009). Como percebe-se através das literaturas dos autores, o programa PETI é um programa social efetivo, que possibilita ajuda financeiras às famílias das crianças e adolescentes que participam do programa, porém este não é o objetivo principal. O 24 PETI objetivamente busca promover a inserção social do público infantil, propondo não somente a sociabilidade de crianças e adolescente, mas oferece oportunidade de cidadania, através da valorização dos oportunizando lazer, socialização e educação. sujeitos em desenvolvimento, 25 4 A MÚSICA E SUA SIGNIFICAÇÃO NO PETI: SOB O OLHAR DOCENTE A avaliação da inserção da música no projeto PETI fundamenta-se em um relato de experiência, realizado através de estágio no período de setembro/2007 a outubro/2008. A prática foi desenvolvida no programa PETI especificamente na área de música e a opção pela instituição teve por base a percepção de que a idade das crianças e a proposta social do PETI oferecem condições para o ensinoaprendizagem da música, possibilitando assim estruturar os conhecimentos teóricos e práticos pedagógicos. Essas razões em si já configuram consistentes motivos para que a música seja contribuidora para jovens e adolescentes em processos de aprendizagem, mas outro aspecto motivador foi o sentimento intuitivo, de que a música em sua riqueza de possibilidades, poderia oferecer muito mais ao universo do PETI, como um propulsor da mudança. Nestes termos, a crença é de que o pensar deve vir acompanhado do agir e foi assim que o estágio ocorreu, com observações, propostas e planejamentos de aulas, práticas musicais e avaliações realizadas, buscando assim descobrir o sentido da música para quem ensina e principalmente para quem aprende. Sendo assim, os tópicos seguintes tratarão da caracterização do PETI e do efetivo relato de experiência. 4.1 CONTEXTUALIZAÇÕES DO PETI – PARNAMIRIM/RN O estágio foi desenvolvido no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), localizado na Rua das Garças, S/N, no bairro de Nova Parnamirim, no município de Parnamirim/RN. A estrutura do local é composta de 03 salas de aula, 01 cozinha com despensa, 01 secretaria, 01 depósito de materiais, 03 banheiros, sendo 1 para os funcionários e 02 para alunos, masculino e feminino. Possui 01 área de lazer com um parque de diversões. 26 Em relação ao processo pedagógico da instituição, sua proposta é voltada para a questão social e educacional infantil, com planejamentos realizados de 15 e 15 dias com todos os professores. No que concerne ao espaço especificamente destinado para a música, existe uma sala destinada para o ensino de artes e música, com materiais e equipamentos para um ensino adequado. Apesar de não ter uma instrumentalização completa para música, o PETI dispõe de alguns equipamentos como Pandeiro, Violão, Tantan e Flauta doce. As turmas em que efetivamente se deu o estágio podem ser caracterizadas como heterogêneas, com faixa etária de 07 a 14 anos, sendo estudantes da rede pública de ensino e de classes populares, diga-se, baixa renda. As turmas em número de 03 são divididas por série, com a primeira turma compreendendo alunos de 7 a 9 anos, cursando as séries iniciais, a segunda turma compreendendo alunos de 10 a 12 anos, nas séries 5º e 6º ano e a terceira turma, com alunos na faixa etária entre 13 e 14 anos, nas séries 7º e 8º ano. Em termos de comportamento, pela situação socioeconômica dos alunos, percebeu-se uma carência em termos de cultura, apoio e acompanhamento familiar, o que levou a comportamentos dispersos, com momentos de agressividade e de sofrimento pelas desestruturas familiares das crianças. Neste contexto, constatou-se que os desafios educacionais são imensos, pois é necessário que o educador concilie o ensino e aprendizagem musical com o contexto histórico, social, cultural e econômico que aluno se insere. Para melhor explicitar, a abordagem do relato experiencial que segue, mostra como essa conciliação foi realizada. 4.2 AVALIANDO A PRÁTICA MUSICAL NO PETI: RELATO DE EXPERIÊNCIA VIVENCIAL A intenção deste relato de experiência é de demonstrar como a prática musical ocorre em projetos sociais, considerando os aspectos de significação para o professor e em especifico para os alunos do PETI. 27 Com breves considerações ao PETI, o ensino de música neste ambiente aparece como uma possibilidade de aprendizagem pedagógica e cultural, considerando que o estágio curricular conduz os graduandos para dentro da vivência pedagógica em sua amplitude educacional, social, cultural e econômica, contemplando então a diversidade existente no âmbito da educação, apontando como um campo de desafios para futuros professores. A experiência da teoria e prática musical foi desenvolvida no PETI durante um ano e um mês (2007-2008), em que durante este período foram realizadas diversas observações da turma, com planejamento teórico de conteúdos, práticas musicais e as avaliações das aprendizagens do alunado. Em relação às observações em sala de aula, identificaram-se imensas dificuldades de aprendizagem musical, pois em geral, os alunos tinham poucos conhecimentos prévios. Algumas alunas já haviam tido aulas de flauta doce. Sendo assim, o ensino de música a partir dessas observações, tornou-se um grande desafio, sendo necessário avaliar vontades, gostos e vocações musicais dos alunos. A partir daí, nota-se necessidade de um planejamento de aulas direcionado, com amostragem de instrumentos, apontando a finalidade e o uso de cada um. As aulas foram sendo trabalhadas com o planejamento de conteúdos e através de investigações teóricas buscou-se desenvolver junto aos alunos a história da música, os conceitos básicos da música, o sentido da melodia, da harmonia e do ritmo das músicas. Para o trabalho de percepção musical foram utilizados na sala de aula métodos com jogos, em que a partir dos sons no teclado os alunos buscavam perceber os ritmos e as melodias. Na sala de aula foram trabalhados filmes com musicais buscando despertar nos alunos o interesse pela musicalidade. Em termos práticos, as ações desenvolvidas foram efetivas, com diversos momentos em que se criou grupos musicais, corais e grupos de percussão, como também aperfeiçoou-se outras ações que já vinham sendo trabalhadas com os alunos. Para a prática, inicialmente houve apresentação dos instrumentos musicais, apontando o caráter cultural de cada um deles, como funcionava o pulso e o andamento. Foi analisada a percepção auditiva dos alunos, os tempos fortes e fracos, mostrando-se as propriedades do som: altura, intensidade, timbre e duração. Desenvolveu-se demonstrações de rodas e cirandas, exercícios de entoação dos 28 sons da escala, introdução aos elementos da linguagem musical, noções básicas de canto e confecção de instrumentos. Todas essas práticas demonstrativas serviram para situar os alunos no ambiente musical, como também promover uma maior familiarização com os instrumentos, colegas e professor. A partir dessas amostragens, com treinamento e aperfeiçoamento musical dos alunos, atividades significativas foram desenvolvidas. Ao grupo de flauta, que já vinha sendo trabalhado, deu-se continuidade. O grupo em diversas ocasiões apresentou-se mostrando um repertório diversificado da cultura brasileira. O coral foi uma atividade criada para apresentação no dia das mães. Teve um bom desempenho dos alunos, que apresentaram a música “como é grande o meu amor por você” de Roberto Carlos. Para o êxito da apresentação, houve previamente planejamento e diferentes fases de preparação, com a música sendo ouvida repetidas vezes. A letra foi escrita no quadro, foram feitos diversos tipos de aquecimentos e trabalhos para a afinação. Com a ajuda do violão, a música foi ensaiada diversas vezes. A apresentação mostrou-se proveitosa e bastante elogiada, isso fez com que as crianças elevassem sua auto-estima, fazendo com que as mesmas se interessassem cada vez mais pelas atividades a apresentações musicais. O grupo de percussão, outra atividade criada juntamente com os alunos, teve a intenção de promover a integração do grupo, desenvolver as habilidades rítmicas e motoras e incentivar a conscientização dos alunos sobre a reciclagem. Na preparação, o grupo de 08 alunos foi dividido em dois naipes, sendo um grave e outro agudo, as células rítmicas foram passadas separadamente com cada naipe, depois de forma coletiva, o ritmo escolhido foi o Samba-reggae, por se tratar de um ritmo popular entre os participantes do grupo e pela facilidade dos mesmos em assimilar o ritmo. Com a composição, treinamento e desenvolvimento do grupo de percussão, os alunos apresentaram-se em duas ocasiões. Primeiramente em um evento chamado Arte PETI, onde todos os trabalhos artísticos desenvolvidos por todos os núcleos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil são apresentados. Posteriormente, o grupo fez sua apresentação no seu próprio núcleo, Nova Parnamirim, em uma comemoração natalina e encerramento do ano letivo. Outra prática desenvolvida foi a criação do Grupo Musical “Forró Pé-deSerra”. O grupo foi criado com os alunos mais habilidosos em seus respectivos 29 instrumentos, visando a prática de conjunto, fazendo com que os alunos entendam sua função dentro do grupo, considerando o respeito pelo outro e suas individualidades como condição de produção, além de estimular o envolvimento e interesse pela música como um meio de expressão. Os Instrumentos utilizados foram o Zabumba, Triângulo, Agogô, violão e teclado, este último sendo executado pelo professor. Com a escolha da música “esperando na janela” de Gilberto Gil, os ensaios foram freqüentes, buscando a aprendizagem e o aperfeiçoamento dos alunos nos instrumentos utilizados. Na fase de preparação, a parte rítmica foi ouvida e posteriormente passada com a zabumba, triângulo e agogô, explicando as características do ritmo regional. A parte harmônica foi escrita em cifras para a melhor assimilação do aluno aprendiz na prática com violão, a letra da música foi executada pelo aluno que tocava triângulo, ressaltando a habilidade do mesmo em tocar e cantar ao mesmo tempo. A música foi ensaiada com o todo o grupo diversas vezes, sempre acompanhado pelo professor, e com as orientações necessárias. O grupo apresentou-se em duas ocasiões, ambas em praças públicas, uma na praça localizada no centro da cidade de Parnamirim e outra no bairro Jóquei Clube, todas organizadas pela Prefeitura Municipal de Parnamirim. Para a avaliações das aprendizagens do alunado, quando do desenvolvimento de conteúdos, eram aplicados exercícios práticos, para assim melhor avaliar a aprendizagem. Outra forma de avaliar os alunos era quanto ao envolvimento e participação, pois os que mais participavam geralmente se destacavam, com opiniões e idéias sobre a melhor forma de fazer as atividades propostas. É pertinente colocar que para os alunos do PETI a questão prática foi mais bem aceita do que os estudos teóricos sobre música, pois os alunos gostavam mais do contato com o instrumento do que necessariamente dos conceitos aplicados sobre os instrumentos. A auto-avaliação educacional foi proveitosa, pois possibilitou ao educador desenvolver concretamente os conhecimentos teóricos aprendidos em sala de aula, levando aos alunos noções básicas sobre a música. Porém, acredita-se que a questão teórica ainda pode ser melhor trabalhada, com o educador buscando levar os alunos a entenderem a questão conceitual e técnica para o aprimoramento da prática musical. 30 Com as proposições colocadas cabe situar que toda a prática musical desenvolvida foi um processo organizado e sistematizado no ambiente do PETI. As observações foram criteriosas, sensíveis ao contexto histórico, social e cultural dos alunos. O planejamento de conteúdos considerou as limitações e avanços da aprendizagem dos alunos, contemplando as peculiaridades e singularidades de cada um. As práticas desenvolvidas foram ricas, pois permitiu mostrar valores individuais e socialização dos alunos. O desenvolvimento não aconteceu em um passe e mágica, ao contrário, houve respeito ao tempo e espaço de cada um. Os erros, que foram muitos, serviram para maior aprofundamento dos treinamentos e ensaios, mas nunca foi motivo de desistência, foi mola propulsora de incentivo a persistência de todos. Assim, após o relato da experiência vivenciado no PETI, é importante sinalizar as significações que o processo de ensino e aprendizagem musical propiciou ao educador e aos alunos. 31 4.2.1 Significação para o professor Sempre que o desafio bate a porta, vontade de avançar e recuar são interrogações que povoam a mente humana e ao avaliar a proposta de estágio no PETI, essas questões, os prós e os contras, foram colocados na balança para avaliar as vantagens da prática pedagógica, que seria experienciada no programa PETI. O que essa experiência poderia agregar ao currículo e a vida profissional? A decisão de desenvolver a música em um programa social veio através do sentimento de novidade, considerando que era efetivamente a primeira experiência concreta de ensino, e porque certamente melhoraria o currículo, pois era a possibilidade de constatar na prática o que fora aprendido teoricamente em sala de aula. Essas vantagens foram o ponto decisivo para realizar o estágio. Nos contatos iniciais com as três turmas, nas quais foram realizadas o estágio, o panorama encontrado foi de diversidade, mas também de diferentes particularidades. Começando pela faixa etária, convivia-se com alunos de 7 aos 14 anos (3º ao 8º ano), e essas idades têm processos de desenvolvimentos diferentes, e, portanto, formas de aprendizagens musicais também diferentes, cada uma tem seu tempo, espaço, timbre de voz e afinação. Outros pontos de heterogeneidade foram às condições familiares, sociais e culturais. É notório que se tratando de programas sociais, certamente os sujeitos participantes têm carências e os que frequentam o PETI, tem diferenças bem mais prementes, tem baixas condições sociais, advém de famílias simples e sem estrutura econômica e cultural, e a maioria deles frequentam o PETI pelo benefício financeiro que a participação possibilita para eles e suas famílias. Essa realidade produziu diversos comportamentos em sala de aula, em que encontrou-se alunos retraídos, dispersos e agressivos, mas que também produziu um só sentimento observados em todos eles, o sofrimento pela falta, de atenção, de valor, de identidade, dignidade e cidadania. Pode-se dizer que os participantes do programa PETI são sujeitos tão diferentes e tão iguais. Diferentes em suas singularidades e iguais diante das necessidades sociais, familiares e culturais. Sob esse panorama é pertinente abrir um parênteses e refletir sobre os meus sentimentos docentes frente à realidade encontrada. Pode-se dizer que em termos 32 de situação sócio-econômica e cultural tive o privilégio de uma vida digna, com uma família estruturada e que pode propiciar uma vida social, econômica e educacional adequada, tendo oportunidade de escolher a música como vocação desejada e com amplas possibilidades de dedicação a ela. Mesmo vivendo essa realidade, sempre houve a consciência de que as desigualdades sociais e culturais são imensas e que a igualdade de oportunidades ainda é para poucos, porém como bem coloca Ostetto (2004, p. 12), não podemos esquecer “um só momento do caráter ativo e criativo dos sujeitos culturais que somos”. É preciso então acreditar no potencial humano, pois partindo da força de vontade de cada um é possível ativar as múltiplas possibilidades de aprendizagem do individuo. Foi com essa convicção que, as expectativas iniciais docente, de teorizar e praticar imediatamente o ensino-aprendizagem de música ficou a esperar, pelo menos até conhecer os alunos em seus diferentes contextos, e principalmente perceber como cada um identificava-se com a música em gostos, vocações, afinidades e vontades de aprender. Esse desafio foi motivador para o ensino da música aos alunos. A busca inicial foi de desenvolver uma pedagogia de familiaridade, entrosamento e criação de espírito de grupo. A tarefa foi árdua, considerando que estava enraizado nos alunos o sentido de que o PETI era uma forma de apoio financeiro e um espaço que possibilitava também alimentação. Exceto o futebol que a maioria dos meninos apreciava, a participação no programa não tinha muita importância para os alunos que visavam atender as próprias necessidades básicas e cumprir a carga horária necessária para tais fins. Propôs-se rodas de conversas e nos primeiros contatos, poucos se pronunciavam, as palavras que saiam eram travadas, sendo preciso estimular as falas. As perguntas giraram em torno de onde moravam, onde estudavam e qual os objetivos profissionais deles. Nos dias e semanas seguintes, pouco a pouco, os retraídos foram perdendo a timidez, os dispersos passaram a se entrosarem e os agressivos ficaram mais dóceis. Não houve milagres, as mudanças deram-se gradativamente, com troca de idéias, incentivo a escuta e respeito pelas falas dos colegas. Estava sendo construídas a coletividade e a coesão grupal, desejadas para o ensinoaprendizagem de música. 33 Nos meses que seguiram os instrumentos musicais foram apresentados aos alunos e as teorias e conceitos musicais foram introduzidos sistematicamente na rotina. A prática foi incorporada considerando o gosto e a identificação dos alunos com os instrumentos e essa condição proporcionou aprendizagens mais ricas, sem rigidez e obrigações de tocar instrumentos que os alunos não tinham vocação. Para dinamizar propostas de criação de grupos foi colocado para os alunos, visando aperfeiçoar as práticas musicais, como também valorizar os potenciais individuais e coletivos dos alunos. Como já referenciado foram formados com os alunos o grupo de coral, de percussão e o grupo de forró, o grupo de flauta que já estava formado deu-se continuidade. Os alunos não faltavam aos ensaios, o que permitiu qualidade musical aos grupos formados. Diversas apresentações foram realizadas, com a participação de todos, professor, alunos e representantes do PETI. Pode-se constatar o domínio dos instrumentos e da música pelos alunos. A melhoria musical dos alunos repercutiu não somente no PETI, mas repercutiu também na melhoria na aprendizagem escolar, com poucas faltas, interesse, motivação e comprometimento de todos. Quando se reavalia todo o período experienciado no PETI, como resultados da vivência ficaram importantes significações. Se o interesse inicial do estágio fundamentou-se na condição de agregar valor ao currículo e a vida profissional e vivenciar na prática o aprendido na teoria, quando do efetivo estágio no PETI, as lições aprendidas com o ensino-aprendizagem proporcionaram novos significados para a vida. Ao entrar no programa como facilitador-educador, a sensação primeira foi de desafio, mas a saída foi de que a contribuição musical para com os alunos havia ainda um extenso caminho a ser percorrido, mas a vocação de muitos alunos para a música tinha sido despertada. Essa foi uma lição importante para a experiência da prática pedagógica. Como educador a crença é de que o ensino-aprendizagem não precisa somente de indivíduos para se desenvolver, necessita de criação de ambiente incentivador, acolhedor e valorizador das capacidades humanas. Assim, a experiência prática pedagógica foi plena de significados, e a maior lição foi conviver com diferentes sujeitos, que vivem em condições adversas, mas 34 que mostraram ao principiante educador a capacidade ilimitada de ensinar e aprender. 4.2.2 Significados para os alunos É sempre bom relatar experiências que contribuíram para que sujeitos bons se tornassem melhores, educador e alunos. Essa concepção foi adquirida durante o processo de experiência no PETI, em que as teorias e práticas educativas tiveram significados também para os alunos. Ao desenvolver a parte teórica, com os conceitos básicos de música, houve um normal interesse dos alunos. A mostra dos tipos de instrumentos, com indicação da função de cada um, mostrou um interesse maior dos alunos. Muitos dos alunos nunca tinham vistos os instrumentos apresentados, outros tinham visto, mas não tiveram oportunidade de tocar. Sendo assim, foi na prática musical que a motivação em geral foi despertada. Sem muito jeito, os alunos tiraram os primeiros acordes dos instrumentos. As primeiras vozes foram ouvidas por alunos sem nenhum conhecimento sobre música. Encantos e desencantos ocorreram durante semanas, mas os treinamentos e os ensaios possibilitaram grandes melhorias, com alunos com desenvoltura na flauta, no violão, na zabumba, na percussão e no teclado. O grupo do coral foi aos poucos ganhando contorno e adquirido formato de afinação. Apesar de nem todos os alunos participarem, a grande maioria tiveram participação nos grupos formados. As apresentações vieram e tiveram êxito, pela aplicação dos alunos e pela cobrança do educador que participou de todas as apresentações realizadas. Buscando avaliar que sentimentos a música promovia nos alunos, houve um planejamento para que após cada apresentação as rodas de conversas fossem realizadas, com o intuito de verificar significados da musica para os alunos. O grupo do coral fez uma única apresentação no dia das mães, mas foi bastante elogiada por todos. A maioria dos alunos era de adolescentes mulheres. As mães se dispuseram a irem até o grupo e abraçarem seus filhos, orgulhosos da 35 participação, satisfeitas com os desempenhos. Muitas disseram que os filhos tinham melhorado o comportamento e estavam mais presentes na escola. Na roda de conversas, os elogios repercutiram nos olhares de cada participante, com os alunos mostrando-se satisfeito com o desempenho obtido. As perguntas giraram em torno de como os alunos sentiram-se cantando no coral. Muitos disseram que foi bom, que apesar do nervosismo sentiram-se importantes. Outros relataram que achavam que não tinham voz para cantar, mas que no coral, com todos cantando ficava bem bonito. Notadamente o sentimento de valor permeava os alunos, pois eles nunca tiveram a oportunidade de aprender a cantar, a descobrirem que voz de cada um poderia ser treinada, aperfeiçoada e melhorada. Através da música o potencial deles foi trabalhado. O grupo de percussão realizou duas apresentações, no próprio PETI e na cidade de Parnamirim em evento. O grupo foi formado em sua maioria por adolescentes homens. Na primeira apresentação, a roda de conversas com os alunos buscou analisar os ritmos tocados, se estavam no ritmo e como sentiam-se ao tocar os instrumentos. Alguns, nervosos, disseram que precisavam de mais treinamentos, outros disseram que a apresentação tinha sido proveitosa. Certamente que o próprio grupo fez uma auto-análise, pois os ritmos tocados precisavam de aperfeiçoamento, mas também estavam conscientes de que para começar as aprendizagens musicais tinham sido significativas. Na segunda apresentação, com os alunos já mais capacitados, a roda de conversas foi mais enfática. As perguntas foram sobre se eles estavam preparados para outras apresentações, sem o apoio do professor. Os burburinhos foram gerais, mas os alunos mostraram-se dispostos a realizar a próxima apresentação sem a presença ativa do professor, pois na apresentação ora realizada a aprendizagem musical tinha melhorado. Os alunos estavam sorridentes e convictos de que tinham adquirido aperfeiçoamento nos instrumentos, controlando melhor os ritmos da percussão. Vivenciar essa realidade foi prazerosa, pois diante do educador encontravamse garotos querendo superação, ganhando autonomia e dignidade. O grupo de flauta apresentou-se em diversas ocasiões. Era um grupo já formado e que já tinha um maior domínio dos instrumentos. 36 Após as apresentações as rodas de conversas giraram em torno das dificuldades enfrentadas e como se sentiam já dominando a flauta. Os alunos tinham consciência de que estavam em um nível de preparo considerável e que, portanto, disseram que era preciso manter e evoluir nas aprendizagens que já tinham adquirido. Os alunos claramente apontaram que a música tinha possibilitado a coletividade e o espírito de grupo. Tinham adquirido boas relações interpessoais e sociabilidade entre eles, tinham amadurecido musicalmente e psicologicamente. A autonomia também foi um aspecto marcante observado no grupo, com traços de responsabilidade e concentração percebidos em todos os alunos do grupo. O grupo de forró mostrou-se como um grupo de grande habilidade com os instrumentos e fez duas apresentações em praças públicas de Parnamirim. Na primeira apresentação a roda de conversas procurou ouvir os sentimentos de cada integrante, pois os instrumentos tocados eram diversos, zabumba, triângulo, agogô, e violão, cada um com finalidades distintas e formas de aprendizagens também distintas. Os alunos apontaram que apesar das dificuldades, sentiram-se satisfeitas com a prática musical compartilhada com os colegas. Colocaram também que buscaram apresentar o que tinham aprendido e que precisavam melhorar. Nota-se que o sentimento de cooperação presencia-se no grupo, como também o sentimento de aprender mais sobre a música instigava-os a buscarem aperfeiçoamento. Na segunda apresentação, considerando que houve mais tempo para ensaios, as rodas de conversas se fundamentaram em questionar as melhorias obtidas e o que elas significavam para eles. O grupo estava feliz, como se tivessem cumprido o que tinham combinado. Disseram que sentiam-se realizados, pois apesar de saberem que ainda podiam melhorar, acreditavam que tinham feito uma boa apresentação. Esse ambiente evidenciou indivíduos motivados para a música, conscientes de que a preparação e a capacitação possibilitariam melhores resultados. Era o caminho certo da vocação musical, pois a identificação com a música é a molamestra para o seu desenvolvimento. Após refletir sobre as colocações dos alunos pode-se dizer que os alunos em suas condições de vida foram perseverantes quando da aprendizagem musical, pois aprenderam a tocar instrumentos e compreenderam diferentes estilos musicais, mais ainda, ficaram mais aplicados na escola, melhoraram comportamentos e no PETI e 37 sentimentos em relação à música. Constata-se que a prática musical desenvolvida no PETI certamente promoveu entretenimento, mas substancialmente proporcionou significação social, educacional e cultural. A significação social pode ser percebida, na sociabilidade, espírito de equipe, mudança comportamental e melhoria dos alunos em termos de convivência grupal. Tinha-se alunos muito dispersos, agressivos e retraídos, a aprendizagem musical promoveu mudanças nesses aspectos, trazendo os alunos para participarem e serem co-autores de seus próprios conhecimentos. A significação educacional veio por intermédio dos ensinamentos musicais. Excetuando o grupo de flauta, os demais alunos tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre instrumentos e sobre a música. Promoveu-se essa condição, trazendo os alunos a aprenderem música e a mostrarem suas capacidades através da música. A significação cultural foi possibilitada através das apresentações, com repertório apresentando a música popular brasileira de diferentes maneiras, com o canto coral, grupo de percussão, grupo de forró e grupo de flauta. As rodas de conversas foram providenciais para extrair dos alunos essas significações. A música, portanto, foi transformadora, com uma prática que possibilitou promover mudanças, no educador que ensina e aprende e nos alunos que aprendem e ensinam. As mudanças que ocorreram, acredita-se, servirão para a profissão e para a vida em sociedade. 38 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O acesso à universidade geralmente acompanha diferentes expectativas do discente, pois através da graduação as possibilidades se abrem para o campo profissional. Porém, a profissão não se sustenta somente nas teorias aprendidas ou nas trocas de aprendizagens entre os pares e o professor, certamente a prática pedagógica é quem realmente propicia a verdadeira dimensão do fazer e ser profissional. Neste contexto, o trabalho realizado permitiu mostrar o quanto a prática da sala de aula é ampla e cheia de significados. Para fundamentar essa concepção é que objetivou-se avaliar a prática musical no projeto social PETI no bairro de Nova Parnamirim/RN, cabendo aqui sinalizar a importância das teorias estudadas e principalmente as experiências vivenciadas. As literaturas que deram suporte ao estudo foram importantes, pois as investigações propiciaram entender que a música em projetos sociais tem proporcionando diversas significações, fornecendo autonomia e valorizando as capacidades humanas. Quando da efetiva experiência no PETI, afirma-se que a prática musical desenvolvidas promoveu grandes significações, para o educador e para os alunos. Para o educador a experiência em projetos sociais demonstrou que o ser humano tem potencial ilimitado para adquirir conhecimentos, mesmo quando as condições de vida, econômica, social e cultural são contrárias a dignidade e ao exercício da cidadania. O educador ensinou, mas principalmente aprendeu. Para os alunos a música possibilitou diferentes significados, não somente de entretenimento e lazer, mas essencialmente de sociabilidade, coletividade, educação e de cultura. Socialmente as mudanças foram sentidas com a formação dos grupos musicais, o envolvimento, a cooperação e a convivência e equipe foram favorecidos através da prática musical. A educação foi percebida através do desenvolvimento das capacidades e habilidades dos alunos, que aprenderam a tocar os instrumentos e a mostrarem autonomia através dos conhecimentos adquiridos. O acesso a cultura foi proporcionado com a aprendizagem sobre a música em suas diferentes abordagens culturais, com conceitos e conhecimentos passados 39 sobre os instrumentos e musicalidade. Assinala-se que a prática desenvolvida no PETI, em seu valor, ultrapassou todas as expectativas teóricas, contribuindo para que o graduando propiciasse aprendizagem musical para os alunos e adquirisse uma condição prática profissional estruturante para o futuro, como também promoveu lições para a vida. Assim, o estudo desenvolvido ofereceu grande contribuição para o campo acadêmico, considerando que os escritos qualitativos são referências para outras pesquisas na área. Ademais, o tema é de grande valia, quando se considera a importância dos sujeitos inseridos nos projetos sociais em suas necessidades de sociabilidade, cultura e educação. 40 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Anderson Henrique Simões de. Múltiplos contextos da educação musical: o ensino de música no PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e intenções de trabalho com os saberes dos aprendizes. Monografia. Natal, RN, 2009. BARBOZA, Hélio Batista; SPINK, Peter. Experiências de gestão pública e cidadania. 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