SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – IMPORTÂNCIA DO SEU USO ORIGINÁRIO E ESTRATÉGICO Hellom Lopes Araújo1 RESUMO: O presente trabalho tem como abordagem específica o estudo de uma das espécies societárias mais antigas até então conhecidas, e que ainda vem sendo largamente utilizada, qual seja, a sociedade em conta de participação – SCP. O estudo realizado expõe a evolução histórica dessa espécie societária, suas características peculiares como sociedade empresária, com vistas à defesa da sua formação originária como uma estratégia de proteção patrimonial dos sócios, seja ele ostensivo ou oculto perante terceiros de boa-fé. As alterações introduzidas pelo novo Código Civil brasileiro no que tange à matéria da responsabilidade civil sem culpa (objetiva), com fulcro na teoria do risco, bem como a introdução do parágrafo único do artigo 993, foram algumas das questões utilizadas para demonstrar as alterações introduzidas na SCP que, ao nosso entender, fragilizam, de forma significativa, a segurança jurídica patrimonial dos seus sócios. INTRODUÇÃO A essência do presente capítulo norteia-se por uma reflexão doutrinária e prática do Direito Empresarial brasileiro centrado especificamente no Direito Societário, com cerne nuclear na Sociedade em Conta de Participação (SCP). A espécie societária suscitada encontra-se disposta na parte especial do Novo Código Civil brasileiro (NCC), Livro II (Do Direito de Empresa), Título II (Da Sociedade), Subtítulo I (Da Sociedade Não Personificada), nos artigos 991 a 996. O tema escolhido teve como mola propulsora a consagração e permanência da SCP em nosso mais novo ordenamento jurídico pátrio, qual seja, Código Civil de 2002. É de se ressaltar que para alguns doutrinadores essa espécie societária, atípica e informal, não possui expressão jurídica relevante e concreta para permanecer regida e disciplinada normativamente. Colhendo opiniões, pensamentos e posições de grandes juristas e doutrinadores, pode-se concluir que para muitos a espécie societária em estudo, além de possuir sua peculiar informalidade, é objeto de muita discordância e divergência de entendimentos. 1 Mestre em Direito Privado pela Universidade FUMEC - Advogado 1 Desta feita, o presente estudo visa expor de maneira lógica e dedutiva o entendimento de grandes doutrinadores sob o tema, proporcionando, assim, um liame coerente na direção de provar a relevância societária da SCP, suas características fundamentais e a responsabilidade civil dos seus sócios, em especial a do sócio participante (oculto) perante terceiros, uma vez registrado o seu contrato social (art. 993 NCC/2002). EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ATUAL DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO (SCP) Inicialmente e de forma indispensável se faz ressaltar que a nova roupagem atribuída ao Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/02), apesar de reestruturar alguns capítulos e de acolher algumas questões que até então não eram tratadas por este diploma especificamente, como o Direito Societário, não trouxe, com algumas exceções, grandes modificações à estrutura institucional das sociedades então existentes. Dentre as principais espécies societárias amparadas pelo Código Civil de 2002 a Sociedade em Conta de Participação (SCP), que para muitos não possui grande significado, foi introduzida no Livro II (Do Direito de Empresa), Título II (Da Sociedade), Subtítulo I (Da Sociedade Não Personificada), nos artigos 991 a 996. A título de iniciação para o estudo aprofundado da Sociedade em Conta de Participação, cumpre delinear que a mesma tem suas origens históricas no contrato medieval da Comenda Marítima. A referência mais antiga que se conhece, a esse tipo de sociedade, é de fonte veneziana, datando do ano de 976 a.C. Na Comenda Marítima, o Commmendans confiava ao Tractator os recursos necessários para o financiamento da viagem marítima, cujos resultados passavam a ser de interesse comum.2 Ou seja, surgiu a Comenda Marítima como uma forma de se remunerar o financiador (o Commendans), evitando-se a rigorosíssima proibição que a lei canônica impunha à cobrança de juros na Idade Média. Os contornos atuais do instituto referem-se historicamente ao Código Comercial francês de 1807, chegando ao nosso Código Comercial de 1850 a partir dos modelos do Código espanhol de 1829 e do português de 1833. As construções posteriores, até o advento do Novo Código Civil brasileiro, foram jurisprudenciais, doutrinárias e de práticas comerciais. 2 Muzzi, Rodrigo S. A Sociedade em Conta de <http://www.muzziadv.com.br> Acesso em: 23 maio 2008. Participação. Disponível em: 2 Atualmente a SCP, ao contrário do que muitos acreditam, vem assumindo o status de relevante instrumento jurídico-social, sendo utilizada por grandes empresários para a formatação de importantes negócios empresariais. A Lei nº 10.406/02, em seu art. 991, estatui que na Sociedade em Conta de Participação a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. Fran Martins (2001) conclui que: [...] existe Sociedade em Conta de Participação quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos um comerciante, se reúnem para a realização de uma ou mais operações comerciais, sendo essas operações feitas em nome e sob a responsabilidade de um ou alguns 3 dos sócios comerciantes. Há dois tipos de sócios na SCP: o ostensivo, que é aquele a quem incumbe a administração da sociedade e que realiza todos os atos necessários ao seu desenvolvimento; e o participante, conhecido também como oculto, a quem não cabe o poder de gerenciar a sociedade, ficando incumbido apenas da prerrogativa de fiscalizar os atos do administrador (sócio ostensivo). O Código Comercial de 1850 estabelece o objetivo da SCP como sendo “para lucro comum” dos seus sócios.4 O Novo Código Civil consagra o mesmo conceito ao dispor que aos sócios participantes (ocultos) assiste apenas o direito de participar dos resultados. A SCP cria para os sócios participantes a obrigação de contribuir para o negócio jurídico societário; e para o Sócio Ostensivo, além do dever de contribuir para a formação da sociedade, a obrigação de gestão e de prestação de contas. Todos os sócios, ostensivos ou participantes, deverão fornecer à sociedade o seu capital, que a lei denomina como sendo “Patrimônio Especial”. Esse patrimônio especial será formado pela contribuição dos sócios, sendo a participação de cada um determinada em função dos critérios consensualmente adotados para a repartição dos resultados. Uma vez transferida para a SCP a contribuição destinada à formação do patrimônio especial, restará desapossado o sócio contribuinte. Perante terceiros tais bens ou direitos pertencerão ao sócio ostensivo. Os direitos creditórios dos sócios participantes contra o sócio ostensivo 3 Martins, Fran. Curso de Direito Comercial. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.177. Muzzi, Rodrigo S. A Sociedade em Conta de Participação. Disponível <http://www.muzziadv.com.br> Acesso em: 23 jan. 2006. 4 em: 3 serão, em uma falência deste último, reza o Novo Código Civil, de natureza quirografária. Os recursos destinados à formação do patrimônio especial, comprometidos por todos os sócios para o empreendimento comum, são colocados à disposição da sociedade e sob a gestão do sócio ostensivo. De fato, o patrimônio especial, depois de constituído, é entregue e transferido ao mesmo. Perante terceiros, portanto, a presunção é de que a este pertencem tais recursos. O sócio administrador é quem pode diligenciar no sentido de cumprir com as obrigações e os atos derivados do pacto originário de criação da SCP, sendo o único responsável ilimitadamente pelas dívidas contraídas em seu nome para a sociedade. O sócio participante, por sua vez, via de regra, não responderá pelas obrigações negociais assumidas pelo sócio ostensivo, salvo nos casos em que com ele venha praticar atos de gestão.5 Assim é o posicionamento dos tribunais, senão vejamos: EXECUÇÃO – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO DE SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – NECESSIDADE DA PRESENÇA NA FASE COGNITIVA DO PROCESSO – Ainda que se comprovasse a existência de sociedade em conta de participação, não se admite o redirecionamento da execução para alcançar bens de sócio que não figura como devedor no título executivo. Nesta modalidade societária, a responsabilidade patrimonial recai exclusivamente sobre o sócio ostensivo, que gere os negócios sociais (CC/2002, art. 991, caput e par. único), não incidindo o disposto nos artigos 592, inciso II, e 596 6 do CPC. Agravo de petição conhecido e desprovido. A constituição da Sociedade em Conta de Participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito (art. 992 do CC). Não há necessidade de registro em cartório, em junta comercial ou qualquer outro órgão governamental. Por não haver registro público, a SCP não possui razão social ou inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Tampouco há necessidade de constituição de capital social. O doutrinador Fran Martins conceitua que: [...] A sociedade em conta de participação, dado o seu caráter especial, de existir apenas entre sócios, não está sujeita, para constituição às formalidades exigidas para as demais sociedades 5 Carlezzo, Eduardo. Sociedade em conta de participação. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br >. Acesso em: 23 maio 2008. 6 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho 9. Região. Recurso Ordinário, n. 00668-2001-65409-00-8 – RO. Relator: Juiz Altino Pedrozo dos Santos. Diário da Justiça, Paraná, 23.01.2004. 4 comerciais, ou seja, a ter um contrato escrito, quer por instrumento 7 público ou particular. Alguns estudiosos do Direito, como o advogado e professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto, afirmam que “[...] a Sociedade em Conta de Participação não chega a se configurar como uma sociedade, no sentido próprio da expressão”.8 Como o citado professor, uma corrente doutrinária defende que a SCP, por não possuir a obrigatoriedade do registro de seus atos constitutivos na Junta Comercial, por não possuir personalidade jurídica própria nem denominação social, não pode ser qualificada como sociedade empresária. Para eles a SCP é um simples contrato de investimento que gera direitos e obrigações entre as partes contratantes. Já para outros estudiosos, como o também advogado José Xavier Carvalho de Mendonça, “[...] as Sociedades em Conta de Participação são verdadeiras sociedades mercantis, visto que possuem todas as características societárias fundamentais”.9 Alicerçado no entendimento desse último doutrinador, compreendo que a SCP é uma sociedade empresária na íntegra. O fato de possuir certa informalidade em sua constituição não lhe retira sua principal atribuição originária, a affectio societatis, ou seja, a vontade das partes contratantes (sócio oculto e sócio ostensivo) de constituir uma sociedade empresária para a busca de um fim comum, o lucro. As questões levantadas por aqueles que defendem o posicionamento de que a SCP é um simples contrato de investimento em vez de uma sociedade empresária não merece razão de ser. O registro dos atos constitutivos de uma sociedade na Junta Comercial, o surgimento de um novo ente jurídico autônomo, a inscrição desse ente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a constituição de uma denominação ou razão social, dentre outras formalidades legais prescritas; não são prerrogativas essenciais para atribuir a uma sociedade o caráter de empresária. Tanto assim não é que o Direito brasileiro reconhece como sociedade empresária aquelas sociedades irregularmente constituídas (sociedades irregulares) e aquelas sociedades que não tiveram seus atos constitutivos levados a registro (sociedades de fato). Para o nosso Direito, suficiente é que se prove que a conjugação de esforços entre duas ou mais pessoas se deu pela affectio societatis (acordo de vontade), ou seja, as partes se uniram volitivamente para a realização de atividades inerentes a uma sociedade empresária. 7 Martins, Fran. Curso de Direito Comercial. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.180. Gonçalves Neto, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p.153. 9 Mendonça, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1952. p.228. 8 5 A SCP não pode ser declarada falida, pois, se falência houver, recairá exclusivamente sobre o sócio ostensivo. Sua liquidação resume-se a uma simples prestação de contas, amigável ou judicial. Ultrapassadas as questões que atribuem à SCP a qualificação de sociedade empresária, é de suma importância adentrar as questões inerentes à responsabilidade civil dos seus sócios perante os negócios jurídicos realizados com terceiros. Como relatado em linhas pretéritas, a administração, bem com a execução do objeto fim de uma SCP é de responsabilidade, única e exclusivamente, do sócio ostensivo. Todas as operações comerciais da SCP são realizadas em seu próprio nome. Via de regra, por se tratar de uma sociedade oculta, invisível ao mundo das aparências, as consequências jurídicas das condutas danosas realizadas pelo sócio ostensivo deverão ser por ele suportadas. O sócio oculto, por ser desconhecido e por não haver participado da conduta danosa realizada pelo sócio administrador, não poderá ser juridicamente responsabilizado. Tanto é que os nossos tribunais têm-se posicionado da seguinte forma: DUPLICATA – EMISSÃO POR FORNECEDORA DE MOBILIÁRIO CONTRA O PROPRIETÁRIO DE UNIDADE AUTÔNOMA DE EDIFÍCIO – SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – RESPONSABILIDADE PERANTE TERCEIROS – SÓCIO OSTENSIVO – "Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata." (RESP nº 168.028-SP). Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa 10 parte, provido. COMERCIAL – SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS – SÓCIO OSTENSIVO – Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata. Hipótese 11 de exploração de flat em condomínio. Recurso conhecido e provido. No entanto, algumas mudanças introduzidas no novo Código Civil poderão mudar o direcionamento de interpretação e de decisão dos tribunais pátrios. O surgimento da teoria da responsabilidade civil objetiva ou responsabilidade sem culpa, bem como a introdução do art. 993 e seu parágrafo único do Código Civil (CC); são questões que deverão ser levadas a sério no intuito de evitar futuros dissabores ao 10 DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial, n. 192603 – SP. Relator: Ministro Barros Monteiro. Diário da Justiça, Brasília, 01.07.2004, p.00197. 11 DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial, n. 168028 – SP. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Diário da Justiça, Brasília, 22.10.2001, p. 00326. 6 sócio oculto quanto a sua responsabilização perante terceiros de boa-fé por fato danoso realizado pelo seu sócio. Como cerne de discussão, o presente trabalho encontra-se calcado nas inovações introduzidas pela Lei nº 10.406/02, que institui a responsabilidade civil sem culpa e que também abriu a possibilidade de registro dos atos constitutivos de uma SCP (art. 993). Assim dedicaremos dois importantes capítulos para tratarmos especificamente de tais questões. RESPONSABILIDADE CIVIL O instituto da responsabilidade civil encontra-se previsto nos arts. 186 e 187 do Código Civil (CC), cominados com o art. 927 do mesmo diploma legal, que estabelecem, in verbis: Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. [...] Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano 12 implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. É importante frisar que o próprio caput do art. 927 faz referência aos artigos 186 e 187; o art. 186 nada mais expressa senão a definição de culpa em sentido amplo utilizada no direito civil, que compreende, portanto, o dolo e a culpa em sentido estrito. Ao enunciar a "ação ou omissão voluntária", o artigo refere-se ao dolo; já a expressão "negligência ou imprudência" refere-se à culpa em sentido estrito. Para que surja o dever de indenizar, faz-se necessária a configuração de três grandes elementos inerentes à responsabilidade civil subjetiva, quais sejam: a) a conduta antijurídica estampada na ação ou omissão voluntária (dolo); ou, alternativamente imperita, imprudente ou negligente (culpa); b) o nexo de causalidade; 12 BRASIL. Código Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. (Legislação brasileira) 7 c) o efetivo dano. Os elementos elencados são fundamentalmente necessários para atribuir o dever de reparação do dano ao gerador do ato ilícito. A culpa é o principal fator que substancialmente fundamenta a responsabilização do sujeito ativo da conduta ilícita. É a chamada responsabilidade subjetiva. No entanto, com o passar do tempo e com o desenvolvimento social mais complexo, no que tange às relações jurídicas entre os homens, o fator culpa não mais poderia ser tomado como único apoio para atribuir responsabilidade. Surgiu daí a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar.13 Esse fundamento fez também nascer a teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva. Neste aspecto, há importante inovação no Código Civil de 2002, presente no parágrafo único do artigo 927. Por esse dispositivo, a responsabilidade objetiva aplicase, além dos casos descritos em lei, também "[...] quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".14 Por esse dispositivo o magistrado poderá definir como objetiva, ou seja, independente de culpa, a responsabilidade do causador do dano no caso concreto. Esse alargamento da noção de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovação do novo Código em matéria de responsabilidade e requererá, sem dúvida, um cuidado extremo da nova jurisprudência. Nesse preceito há inclusive implicações de caráter processual que devem ser dirimidas, mormente se a responsabilidade objetiva é definida somente no processo já em curso. Na responsabilidade objetiva, há pulverização do dever de indenizar por um número amplo de pessoas. A tendência prevista é a de que, por exemplo, num contrato de seguro se encontrará a solução para a amplitude de indenização que se almeja em prol da paz social. Para tratarmos mais especificamente da responsabilidade objetiva e suas teorias, visto que é por meio delas que alcançaremos a responsabilidade do sócio oculto da SCP perante terceiros, é que dedicaremos um subcapítulo exclusivo ao tema. 13 Venosa, Sílvio de Salvo. A responsabilidade objetiva no novo Código Civil. Disponível em: <http://www.societario.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 14 Venosa, Sílvio de Salvo. A responsabilidade objetiva no novo Código Civil. Disponível em: <http://www.societario.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 8 RESPONSABILIDADE OBJETIVA A responsabilidade objetiva foi consignada no parágrafo único do art. 927, do Código Civil, que possui a seguinte redação, in verbis: [...] Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A responsabilidade objetiva ocorre quando é suprimido o primeiro elemento, ou seja, não é necessária a conduta antijurídica expressa pela culpa ou dolo, bastando o nexo de causalidade, ou seja, a existência do fato causador do mal sofrido para atribuir-se o dever de reparar.15 O fundamento da orientação contida no art. 927 é aquilo que se denomina de teoria do risco criado, pela qual o causador do dano deve suportar incontinenti os riscos que advêm de sua atividade, quando esta expõe terceiros a risco imediato ou mediato, eliminando-se assim o expediente probatório da culpa, o que por vezes se revela impossível de se realizar, carreando graves injustiças sociais. Aguiar Dias, principal expressão doutrinária sobre o tema, como que alertando o leitor a respeito de seu posicionamento contrário à teoria subjetiva, bem como explicando os fundamentos em que se baseavam seus defensores, pondera que: A teoria da culpa, resumida, com alguma arrogância, por Von Ihering, na fórmula "sem culpa, nenhuma reparação", satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela 16 vida moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma. Todavia, fato é que a responsabilidade subjetiva há muito tempo já não apresentava uma forma satisfatória de se proceder à entrega da tutela jurisdicional, dado que em muitos casos era impossível à vítima fazer prova da conduta faltosa do autor do dano, como só ocorre nos casos de acidente de trabalho, em que ao empregado era praticamente impossível demonstrar a negligência do patrão, seja pela 15 Alves, José Carlos Moreira. Responsabilidade civil objetiva do Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.elfez.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 16 DIAS, Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v.1, p.36 apud Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 9 dificuldade na colheita de provas documentais, seja ainda pela ausência de testemunhas, todas zelosas no sentido de manterem seus empregos. Diante de situações como a acima externada, e de outros exemplos que poderiam se perpetuar, ocorreu em nosso Direito o surgimento de algumas legislações esparsas, de modo a possibilitar, em alguns casos, a responsabilização de forma objetiva, independente da culpa do autor do dano, como exemplos o Código das Estradas de Ferro, a Lei do Acidente de Trabalho, o Código Brasileiro do Ar e, mais recentemente, o Código de Defesa do Consumidor. Os diplomas legais referidos certamente abriram caminho para a reparabilidade plena, fundada na teoria do risco, em que o simples exercício de determinada atividade com o proveito econômico daí decorrente cria o dever de indenizar eventuais danos causados a terceiros. Também Rui Stoco faz importante ponderação a respeito do sentimento de insatisfação, decorrente da utilização generalizada da teoria da responsabilidade subjetiva, como forma de caracterizar a obrigação de reparar o dano causado: A insatisfação com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Cáio Mário, tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação de oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação.17 Outrossim, conforme se perceberá da análise dos dispositivos do Código Civil vigente, é lícito afirmar que existe no Direito brasileiro a tendência irrefragável de se adotar a responsabilidade objetiva como regra geral nos casos de indenização por danos causados a outrem, seja porque mais se coadunam com a realidade das relações sociais, seja ainda porque o antigo sistema fundado na existência de culpa mostrou-se insatisfatório como meio de proporcionar a reparabilidade plena.18 Cumpre ressaltar a análise dos pontos em referência de modo a demonstrar os princípios que inspiram a teoria da responsabilidade objetiva, quais sejam, a boa-fé e a equidade, como forma de propiciar a entrega de uma tutela jurisdicional mais justa. Com efeito, a partir do momento em que a evolução das relações sociais, em confronto com preceitos que inspiraram legisladores de outras épocas, torna insuficientes os meios para se obter a indenização correspondente ao dano experimentado, não se deve negar que é preciso rever conceitos antigos. 17 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.76. 18 Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 10 Portanto, não se pode fugir à conclusão de que a responsabilidade objetiva, que buscou suporte na teoria do risco, sempre se pautou em princípios e valores sociais, como a equidade e a boa fé, que ganharam inegável reforço com o advento da Constituição Federal de 1988, na qual a proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) tornou-se fundamento do Estado Democrático de Direito. De modo a conferir maior praticidade ao objeto do estudo, que visa demonstrar a adoção da teoria da responsabilidade objetiva no Direito brasileiro, mister se faz tecer algumas ponderações acerca da teoria do risco. Nesse diapasão e dada a importância e atualidade da obra, não se pode prescindir dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como ‘risco-proveito’, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do 19 responsável (ubi emolumentum, ibi onus). (grifo nosso) Como mister se faz ressaltar para o desenrolar lógico na compreensão do tema em deslinde, dedicar-se-á o próximo capítulo exclusivamente para tratar da teoria do risco. TEORIA DO RISCO A teoria do risco se desdobra em várias vertentes, a saber, a teoria do riscoproveio, a do risco profissional, a do risco excepcional, e a do risco integral. Pela teoria do risco-proveito ou risco-benefício se entende que deva suportar a responsabilização pelos danos todo aquele que tire proveito de determinada atividade que lhe forneça lucro ou mesmo prazer. A teoria do risco profissional defende o mesmo, mas se tratando de atividade profissional. Já a teoria do risco excepcional aborda o risco advindo de atividades que em si apresentam notado risco, como exploração de energia nuclear, energia elétrica etc. 19 Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1995, p.29 apud Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2006. 11 Do verbete responsabilidade civil do Estado (V) tomamos a definição da teoria do risco integral: é aquela na qual o Estado indeniza sempre, independente do fato de ter havido dolo ou culpa da própria vítima, firmada no princípio de igual repartição dos encargos públicos prescindindo assim até da causalidade, sendo suficiente o dano, como por exemplo o caso do preso em flagrante que se suicida no pátio da cadeia. A teoria do risco integral é um extremo e não um equivalente da teoria do risco administrativo, porque esta sustenta a responsabilidade objetiva e incondicional do Estado pelos atos que efetivamente tiver praticado o Poder Público através de seus agentes e servidores, e não nos casos em que houver dolo da própria vítima.20 De acordo com essa última teoria, o dever de indenizar não mais encontra amparo no caráter da conduta do agente causador do dano, mas sim no risco que o exercício de sua atividade causa para terceiros, em função do proveito econômico daí resultante.21 Portanto, consoante referido posicionamento, vale dizer que a parte que explora determinado ramo da economia, auferindo lucros desta atividade, deve, da mesma forma, suportar os riscos de danos a terceiros. Deve-se mencionar que a insatisfação produzida pela exigência de demonstração da culpa na responsabilidade subjetiva foi fator preponderante para a mudança de entendimento sobre os elementos caracterizadores do dever de reparar o dano. Para efeitos de esclarecimento dos fundamentos da teoria da responsabilidade objetiva, cite-se o ensinamento do grande doutrinador Sílvio Rodrigues: Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta 22 tem direito de ser indenizada por aquele. Já Sérgio Cavalliere Filho estabelece que: 20 Alves, José Carlos Moreira. Responsabilidade civil objetiva do Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.elfez.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 21 Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 22 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.IV, p.10. 12 [...] o risco por si só, ainda que inerente, não basta para gerar a obrigação de indenizar, porque risco é perigo, é mera probabilidade de dano. Ninguém viola dever jurídico simplesmente porque exerce uma atividade perigosa, mormente quando socialmente admitida e necessária. Milhões fazem isso sem terem que responder por alguma coisa perante a ordem jurídica. A responsabilidade surge quando o 23 exercício da atividade perigosa causa dano a outrem. Assim, como já afirmado, a teoria que mais se aplica ao art. 927 é a chamada teoria do risco criado, porque é genérica, ou seja, simplesmente aponta que toda atividade que expõe outrem ao risco torna aquele que a realiza responsável, sem considerações maiores sobre o benefício ou proveito que dela tire. A jurisprudência deverá esclarecer o sentido da expressão desenvolvida normalmente no art. 927, ou seja, se refere-se à pessoa incidindo em profissionalidade ou habitualidade ou se o desenvolvimento normal diz respeito às características da própria atividade; seja qual for a interpretação, resta claro que é independente do proveito que lhe confira a mesma. A responsabilidade objetiva não é, entretanto, completa novidade no ordenamento jurídico pátrio, havendo várias situações onde essa mesma responsabilidade objetiva era já prevista (por exemplo o art. 1.529 do Código Civil de 1916 ou 938 do Novo Código Civil) Neste contexto, o novo Código Civil tem relevo indiscutível, pois proporcionou o entendimento de que a teoria da responsabilidade objetiva efetivamente incorporou-se ao direito pátrio, como, aliás, já previa Cáio Mário da Silva Pereira: Autores e tribunais, manifestando franca tendência pela doutrina objetiva, reclamam, contudo, contra a ausência de disposição genérica a permitir a afirmação de que ingressou, efetivamente, em nosso direito positivo. No plano puramente teórico, Rodiere observa que o insucesso da doutrina do risco provém da ausência de um texto a sustentá-la, como ainda da "contradição irredutível entre o sentimento que sugere e os resultados que ela propõe. [...] O Projeto do Código Civil de 1975 (Projeto 634-B) absorveu a doutrina e estabeleceu, no art. 929, parágrafo único: Todavia, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem. A tendência manifesta dos dois projetos de reformulação de nosso direito privado faz prever que, de iure condendo, a teoria do risco 24 encontrará abrigo em norma genérica de nosso direito positivo. 23 CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.158. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 2002 apud Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento 24 13 Todavia, a análise dos dispositivos concernentes à responsabilidade civil dão o nítido caráter de mudança nos rumos da verificação dos elementos para que nasça o direito de receber indenização. O primeiro e mais importante dispositivo que trata dessa alteração de entendimento é o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, ao estabelecer, in verbis: Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano 25 implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem. Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves: A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável. Pode-se antever, verbi gratia, a direção de veículos motorizados ser considerada atividade 26 que envolve grande risco para os direitos de outrem. Com efeito, a alteração introduzida pelo dispositivo em comento pode ser efetivamente considerada como uma das mais importantes no campo da responsabilidade civil, porquanto imputa ao Judiciário a atividade de interpretar a atividade desenvolvida como de risco ou não, para efeitos de atribuir a responsabilidade como objetiva.27 Este também é o posicionamento de Sílvio Rodrigues, ao comentar o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil: A segunda hipótese é de considerável interesse, pois se inspira diretamente na teoria do risco em sua maior pureza. Segundo esta, como vimos, se alguém (o empresário, por exemplo), na busca de seu interesse, cria um risco de causar dano a terceiros, deve reparálo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 25 BRASIL. Código Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. (Legislação brasileira) 26 Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1995, p.32 apud Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15/05/2008. 27 Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15/05/2008. 14 [...] Muito aplauso merece o legislador de 2002 pela inovação por ele consagrada. Em conclusão, poder-se-ia dizer que o preceito do novo Código representa um passo à frente na legislação sobre a responsabilidade civil, pois abre uma porte para ampliar os casos de responsabilidade civil, confiando no prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também, indiretamente, por eqüidade. 28 Admitindo-se a tendência atual da doutrina e jurisprudência de ampliar o acesso à reparabilidade plena, aceitando a teoria do risco, não se pode negar que a atividade do Judiciário, no sentido responsabilizar objetivamente o empresário ou comerciante, pelos danos que causar em função do exercício de sua atividade, será um caminho fértil para o enraizamento da responsabilidade objetiva como regra geral.29 Neste caso, prevê o Código Civil que o empresário responderá de forma objetiva – isto é, sem que seja necessária a verificação da culpa – pelos danos que forem causados em função do produto ou serviço, bastando tão somente demonstrar a existência do dano. 30 Pode-se dizer, inclusive, que o artigo 931 de certa forma complementa o parágrafo único do artigo 927, todos do Código Civil, ao delimitar que os riscos inerentes à exploração de determinada atividade econômica são os fatos geradores do dever de indenizar. De efeito, a inclusão da responsabilidade objetiva como regra geral, ou mesmo como forma mais ampla de se conceber o instituto da responsabilidade civil, coadunase com o moderno posicionamento do processo civil, no tocante à necessidade veemente de se conferir maior efetividade ao provimento jurisdicional. Essa conclusão torna-se insofismável, porquanto a análise dos dispositivos em comento denotam a inequívoca intenção do legislador em ampliar os casos de indenização sem culpa, como forma de providenciar o acesso à justa reparação, e ao processo civil, que atinja seu escopo precípuo, que é a pacificação social. 28 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.IV, p.162. Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 30 Silva. Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. 29 15 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO SÓCIO OCULTO A PARTIR DO REGISTRO DOS ATOS CONSTITUVOS DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO (SCP) Antes de adentrarmos as questões de fato e de direito inerentes à responsabilização do sócio oculto, é de suma importância conceituar a legalidade e a efetiva função do registro púbico. O registro público dos atos constitutivos de uma sociedade mercantil, ou de uma sociedade que executa atividades afins, encontra-se previsto e regulamentado na lei n° 8.934 de 18 de novembro de 1994. O artigo 1° e seus respectivos incisos, da referida lei, estabelecem, in verbis: Art. 1° - O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, subordinado às normas gerais prescritas nesta lei, será exercido em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com as seguintes finalidades: I - dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei; II - cadastrar as empresas nacionais e estrangeiras em funcionamento no País e manter atualizadas as informações pertinentes; III - proceder à matrícula dos agentes auxiliares do comércio, bem 31 como ao seu cancelamento. (grifo nosso) O art. 2° da mesma lei determina a forma que os atos constitutivos de uma sociedade serão arquivados, in verbis: Art. 2° - Os atos das firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins independentemente de seu objeto, salvo 32 as exceções previstas em lei. Analisando a norma em apreço concomitantemente com o art. 993, parágrafo único do Novo Código Civil (NCC), dúvidas não restam no que concerne ao local para o registro dos atos constitutivos de uma SCP. 31 BRASIL. Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994. Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências. Código Comercial. 48. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. (legislação brasileira) 32 Ibidem. 16 Para alguns militantes na área, como advogados e contadores, o órgão competente para o registro dos atos constitutivos de uma SCP seria o respectivo cartório de registro de títulos e de documentos da comarca em que o ato foi firmado. No entanto, para o fim a que se propicia, qual seja, dar segurança jurídica e publicidade ao ato, o registro de uma SCP independe de um local determinado, prescrito em lei. Seja na Junta Comercial, seja no cartório de títulos e documentos, o que neste trabalho é relevante são as consequências jurídicas que este ato trará aos sócios da SCP. Apesar de colher e respeitar as opiniões de muitos, entendo que a SCP configura-se normativamente como legítima sociedade empresária, todavia, despersonificada. Assim, capacitada está a SCP, conforme prescrito no art. 1° da lei 8.934, a submeter seus atos constitutivos para arquivamento perante a delegacia da junta comercial do estado. Como estabelecido no inciso I do referido artigo, uma das consequências mais importantes do arquivamento e do registro dos atos constitutivos de uma sociedade empresária é publicidade do feito. Algo que era oculto aos olhos da maioria, ou que simplesmente era de conhecimento restrito de algumas pessoas, passa a ser de conhecimento geral. O registro dos atos constitutivos, e a consequente publicidade de uma SCP, traz à tona algo que até então era oculto. A relação jurídica firmada entre o sócio ostensivo e o oculto agora não mais se encontra guardada em “gaveta”, neste momento passa a apresentar-se os olhos de todos. O sócio oculto (participante), até então desconhecido, agora passa a ser visto, passa a ser visível. A atividade que a sociedade irá realizar, agora será de conhecimento geral. As atividades inerentes ao sócio ostensivo, agora demonstraram que os resultados e os seus frutos serão também aproveitado(s) pelo(s) outro(s) integrante(s) da SCP. O que for realizado exclusivamente em nome do sócio ostensivo, agora com o registro sofrerá influência direta e indireta do sócio oculto. A pessoa que até então se escondia por trás do sócio oculto, agora conhecida por todos, poderá trazer, quem sabe, solidez financeira e negocial ao ato, pelo simples fato de estar presente indiretamente na operação comercial. É certo que o simples fato de se saber da existência de uma grande empresa por traz de uma SCP, com certeza, garantirá e trará tranquilidade jurídico-financeira a terceiro de boa-fé que estiver realizando operação comercial com o sócio ostensivo. 17 Sendo assim, caso o sócio ostensivo realize qualquer ato de improbidade ou de lesividade que atinge o terceiro de boa-fé e à sociedade em função das suas atividades na SCP, o sócio oculto não poderá se valer da prerrogativa de que não haver participado da operação comercial. Note-se que a teoria do risco proveito, já explanada em linhas pretéritas, confere responsabilidade civil ao indivíduo que simplesmente retirou proveito da conduta danosa realizada por outrem. Assim não seria diferente em relação ao sócio oculto, que é beneficiário direto das atividades realizadas pelo seu sócio. O sócio oculto, acionado por terceiro para cumprir obrigação assumida pelo sócio ostensivo em benefício da atividade-fim da SCP, não pode se esquivar de tal responsabilidade sob a alegação de não ser ele o responsável pelo negócio jurídico realizado. É tão importante esse entendimento, que desde os primórdios, especificamente no dia 19 de setembro de 1873, foi proferido parecer na Seção de Justiça do Conselho de Estado com declínio doutrinário dentro destas ponderações, veja: Uma participação que publica por meio de registro os nomes de todos os seus participantes e dentre eles os que são gerentes, não pode impor aos terceiros, como responsáveis pelos atos sociais, somente tais ou tais que ela designa; não pode dizer aos terceiros contra o que diz, o registro que tais ou tais participantes obram em nome deles e com crédito deles quando são gerentes e há uma operação coletiva e um fundo social. Esta associação assim organizada não será uma participação, mas outra coisa; será coletiva ou comandita, aquela nula por falta de firma social, aquela e esta nulas pelo registro destituído dos requisitos essenciais que o código exige. Se fosse lícita tal publicidade, a participação se confundiria com a sociedade coletiva ou comandita sem garantias que essas sociedades importam, mas livre de qualquer responsabilidade solidária ou limitada. Um ou dois testas de ferro, inculcados com grande ostentação, seriam os únicos solidariamente responsáveis para com os terceiros, os demais se prevaleceriam dos art. 326 e 328 do código para terem somente uma responsabilidade indireta e limitada. Que irrisão!” (N’O Diretito, 33 vol. 5°, págs. 353-366). Como visto, o sócio oculto não poderá jamais se valer da alegação de que não participou da operação mercantil objetivando, com isso, se eximir de eventuais responsabilidades perante terceiros. Repita-se: o simples proveito retirado da conduta danosa do sócio ostensivo é suficiente para atribuir responsabilidade ao sócio oculto. CONCLUSÃO 33 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial. 4. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1952. p.233. 18 Mesmo diante das limitações doutrinárias e jurisprudenciais ainda existentes, é de se ressaltar que a análise e o estudo realizado por meio do presente trabalho surge como sendo de grande relevância. Não se pode negar que a Sociedade em Conta de Participação vem sendo amplamente utilizada por grandes empresários. Seu caráter de informalidade, tanto para sua constituição como para o seu funcionamento, é um atrativo que, a cada dia, vem arregimentando mais adeptos. A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é a sociedade ideal para a realização de pequenas e de grandes operações comerciais. Seus atos constitutivos podem ser formados de maneira simples e informal entre as partes. Seu contrato deverá estabelecer de forma clara e simples o objeto social da operação, as atividades de cada sócio e o seu tempo de duração. Ademais, não obstante ao tempo determinado de duração de uma SCP, já é pacífico o entendimento de que é possível se criar uma SCP por tempo indeterminado de duração, realizando continuamente uma mesma tarefa. Para muitos estudiosos, a abertura da possibilidade do registro na SCP desvirtuaria totalmente as suas características idiossincráticas. José Xavier Carvalho de Mendonça34 alega que seria até defesa a possibilidade de registro de uma SCP. No entanto, conforme amplamente discutido, esse não foi o entendimento dos nossos legisladores. O parágrafo único do artigo 993 do CC veio justamente demonstrar isso. Todavia, apesar de comungar grande parte do meu entendimento com os ensinamentos do saudoso doutrinador José Xavier Carvalho de Mendonça,35 compreendo que a possibilidade de registro de uma SCP, introduzida no novo Código Civil brasileiro, não traz maiores prejuízos para as suas características societárias idiossincráticas. O registro da SCP trará consequentemente publicidade ao feito, transparecendo a todos os seus atos e os seus detalhes negociais. Assim, em caso de ser acionado judicialmente para responder pelos atos danosos praticados pelo sócio ostensivo, o sócio oculto terá grande dificuldade para se desvencilhar de sua efetiva responsabilidade. Ainda mais agora, com o advento da responsabilidade sem culpa, a qual traz à baila inúmeras teorias, que buscam abraçar o maior número possível de situações e de sujeitos, com o objetivo único e exclusivo de criar e de garantir segurança às relações jurídicas firmadas pelas partes. 34 35 Ibidem. Ibidem. 19 Mesmo com a possibilidade de registro, visando a uma atuação estratégica da sociedade formada, ideal será que os atos constitutivos da SCP permaneçam ocultos à sociedade, ou seja, não sejam levados a registro. A segurança comercial de toda a operação avençada seria maior. O sócio ostensivo agiria em seu nome próprio, sem a revelação de sua atividade empresária inerente a uma SCP, da qual é sócio. Da mesma forma, a imagem do sócio oculto estaria juridicamente preservada, uma vez que, via de regra, jamais saberiam de sua existência. A conduta ideal e mais segura para que os sócios atuem na condução dos negócios de uma SCP deverá se fundar precipuamente nas formas originárias de sua criação. O caráter oculto da Sociedade em Conta de Participação possui uma razão lógica, com fundamentos jurídicos relevantes para a seguridade das partes envolvidas. Ademais, a alegação de muitos de que o registro da SCP teria o condão de dar segurança aos próprios sócios não tem razão de ser, pois é certo que o contrato firmado entre estes, mesmo sem registro, possui forma e respaldo de lei, prevendo o Código Civil formas e modos de sua resolução, não prescrevendo para validade jurídica do ato seu registro. Preservar a invisibilidade de uma SCP, mesmo que o ordenamento jurídico pátrio abra a possibilidade para a sua publicidade, é uma conduta lícita, correta e segura para todos. As atribuições jurídicas, tanto de responsabilidade quanto de atuação, estarão alicerçadas nas características históricas e fundacionais desse tipo societário. Assim, a única figura existente e atuante aos olhos de todos será o sócio ostensivo, que agirá realmente em nome próprio, sem que a sociedade local saiba ou tenha a possibilidade de saber que a sua atuação liga-se ao objeto-fim de uma SCP. Da mesma forma, segura estará a imagem jurídica e a integridade moral do sócio oculto, que continuará desconhecido por todos, não gerando qualquer influência negocial ao ato. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, José Carlos Moreira. Responsabilidade civil objetiva do Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.elfez.com.br>. Acesso em: 15 maio 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS E TÉCNICAS (ABNT). 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