Uma Luz na Cidade A praça pública sempre fez parte da liberdade. É a Ágora onde os cidadãos falam e discutem política, se manifestam para protestar contra as injustiças, reivindicar direitos ou comemorar as alegrias da cidade. A Praça da Liberdade, que tão bem acolheu Bento XVI, é o coração que pulsa da cidade do Porto. Já o era quando, na minha juventude, a tentávamos alcançar para gritar o seu nome, essa palavra feita de desejo e de afecto. Na maioria das vezes, não lhe conseguíamos chegar por medo, por repressão da polícia de choque, e ela ficava com o seu bonito nome e nós com o desejo de o dizer alto. Restava-nos continuar sentados, conspirando nas mesas do café Piolho ou nas grades da rua do Heroísmo. Eram os anos 60. A liberdade, esse bem tão necessário à vida como o ar que se respira, vivemo-la hoje, aqui, no Porto e, desde a queda do muro, em toda a Europa, enquanto precioso bem político, bem essencial ao ser humano, que dá significado à vida e faz de nós seres diferentes. Por ser um bem tão essencial e que nos parece hoje tão natural como o sol nascer todos os dias, a liberdade tem de ser percebida como um bem único a salvaguardar e que não tem a marca da eternidade. Corre permanentemente perigo e nunca está definitivamente conquistada. Uma das grandes lições do século XX está no facto de ter sido na Europa desenvolvida e culta que se viveram os mais brutais atentados à liberdade e se escreveram as mais negras páginas da história, pela mão de ideologias totalitárias cujas vítimas se contam por milhões. A liberdade não é o fim, o objectivo da nossa vida. A liberdade é apenas um meio para podermos atingir a felicidade. Repito um meio, porque nos tempos que vivemos a liberdade é frequentemente confundida como um fim em si, como algo que nos faz felizes enquanto pessoas e face ao qual eu, cidadão ou cidadã, não posso aceitar nenhum limite que a condicione. Não é esse o conceito católico de Liberdade. Liberdade não é libertinagem, não é o meu direito de fazer tudo o que me apetece e o seu contrário. A minha liberdade é, desde logo, condicionada pela liberdade do outro. É ela que faz de nós seres responsáveis, capazes de optar e distinguir o bem do mal. Um ser sem liberdade reage por instintos. A diferença do ser humano está no facto de ser livre e logo ter diante de si o bem e o mal. «Escolhe o bem e viverás.» Só assim podemos assegurar uma sociedade sem violência e um mundo sem guerra. A liberdade pressupõe e é indissociável da responsabilidade, mas sobretudo da verdade. «A verdade vos libertará», escreve São João. Só na verdade, a liberdade pode ser plenamente vivida em democracia. A democracia pressupõe que existam verdades e valores sagrados para todos que são respeitados por todos. São esses valores essenciais, respeitados por todos, que tornam a Cidade habitável por gente livre e fazem de nós seres livres. Mas são, no entanto, contrários à última moda, ao que nos dá jeito no momento, ao que alguns chamam «coisas modernas», ao relativismo, ao estar no mundo tendo por lema «e que mal tem isso?», que todos os dias ouvimos. Bento XVI chama a esses valores essenciais o «confronto com Cristo». Disse o Santo Padre: «A verdadeira liberdade consiste em confrontar-se com Cristo, e não em fazer o que se quer.» No momento em que nos confrontamos com uma grave crise económica e financeira e em que, por toda a Europa e em Portugal também, somos varridos por uma onda de medo e dúvida, já não só sobre o futuro mas mesmo sobre o presente, termino com as palavras sábias de Tocqueville, escritas há 150 anos mas que podiam ter sido escritas ontem: «Aquilo que, em todos os tempos, ancorou a liberdade no coração de alguns homens foi o seu encanto próprio, independentemente dos seus benefícios: foi o prazer de poder falar, agir, respirar sem constrangimento, sob o único governo de Deus e das leis.» Zita Seabra Porto, 31 de Maio de 2010