Quarto disco, quatro histórias contadas em quatro fados cada, quatro autores para os quatro grupos de letras, um mundo: o fadista Helder Moutinho gravou o seu melhor disco até à data. Título? Só um número, e em quatro algarismos: 1987 Nuno Pacheco Quadros da vida em fado maior 18 | ípsilon | Sexta-feira 15 Fevereiro 2013 Liberdade e valores A verdade é que, antes dos números e do título, houve naturalmente um fado. “Isto começa tudo por eu próprio querer, mais uma vez, num disco, contar uma história. Comecei com o primeiro tema, Venho de um tempo…, que tem a ver com a falta de valores e de liberdade que existe. Porque liberdade não é uma coisa que tenha só a ver com o ser livre na expressão, no falar, é preciso ser livre das traições, das incertezas, das tristezas. A liberdade é uma coisa que implica tudo. E os valores, que são uma coisa muito importante, cada vez começam a faltar mais, e é por isso que isto está como está. Comecei então a lembrar-me do tempo em que era miúdo, da minha adolescência, que foi na fase pós-25 de Abril. A reconstrução da liberdade tinha valores. E comecei a escrever um fado sobre isso: ‘Venho de um tempo onde o tempo não havia/ quando o azul do céu não nos queimava’. As pessoas preocupavam-se com as coisas, preocupavam-se umas com as outras, valia a pena ser livre, no fundo.” Quando Moutinho começou a escrever isto, pensou: “Porque não escrever uma coisa que tenha a ver com a história da minha vida? Mas tive receio de que o disco ficasse muito igual.” Então o destino do disco decidiu-se numa conversa João Monge, autor de muitas canções, que Helder conheceu quando ele começou a escrever para Camané (irmão mais velho dos fadistas Helder Moutinho e Pedro Moutinho) e depois foi conhecendo melhor em trabalhos posteriores e com a entrada, como cantor, no Quinteto Lisboa, onde Helder e María Besararte se juntaram a José Peixoto, João Gil e Fernando Júdice. Falaram em fados e depois falaram em contar novas histórias através dos fados. E uma ideia levou à outra. “No fundo a minha história ainda não estava acabada, tinha só uma canção. Mas com isto de convidar o João Monge, pensei: porque não convidar três poetas para, além de mim, contarem uma história cada um em quatro poemas? Disse isto ao João, ele adorou a ideia e no espaço de uma semana já tinha a história dele feita”. Helder leu os quatro poemas e ficou “fascinado com todos eles”. A forma como João Monge encadeou a escrita (mandoulhe um poema de cada vez, pela ordem certa da sequência da história) ajudou ao resto. “Deu-me a ideia para escrever a minha própria história. E depois pus-me a pensar: quem é que eu vou chamar?” Numa viagem à Womex, a Copenhaga, encontrara o Pedro Campos (que já tinha escrito para Pedro Moutinho, Mariza ou Ana Moura), convidou-o e ele aceitou. “Só me faltava um. Então o Monge ligou-me e disse: tenho uma sugestão para te dar, vais estranhar bastante mas acho que é uma surpresa muito grande. E faloume no Zé Fialho Gouveia.” José Fialho Gouveia, jornalista e filho de um dos apresentadores históricos da RTP, não era um nome óbvio. “Nunca pensei que ele fizesse esse tipo de coisas”, diz Helder. “Mas a escrita dele fascinou-me. Se ao escrever eu recorro muito a metáforas e o Monge, quando faz canções, tem uma forma de escrever diferente, o Zé Fialho é muito directo. Ele já escrevia para ele, mas guardava em casa e não mostrava. Foi a primeira vez que compôs para alguém.” Ficava, assim, “fechado” o disco: Helder tinha a seu cargo quatro fados, num conjunto a que deu o nome Os dias da liberdade; João Monge escreveu outros quatro, sob o tema História de um desencontro; José Fialho Gouveia escreveu Luto de uma relação, também em quatro fados; e, por fim, assinando a letra e também a música, Pedro Campos deu vida a uma história em torno de uma personagem, Maria da Mouraria. A ideia para esta última história partiu de Helder: “É um bocado transportar para os dias de hoje a história da Rosa Maria. No fundo, há aqui duas personagens em termos de inspiração: a Rosa Maria, que era uma prostituta, e a Maria da Cruz do fado da Amália. É interessante porque o bairro da Mouraria está a ser reconstruído e parece que há uma grande vontade da Câmara de Lisboa em fazê-lo (o presidente até se mudou “Liberdade não é uma coisa que tenha só a ver com o ser livre na expressão, no falar, é preciso ser livre das traições, das incertezas, das tristezas” para lá). É quase a nossa Chinatown. O disco, aliás, foi todo gravado com vista sobre a Mouraria.” E foi gravado num local histórico, o Palácio Marquês de Tancos, em Lisboa. Quinze dias de ensaios, 15 de gravações mais 15 para Frederico Pereira (o produtor) tratar das misturas. “Os instrumentos ficaram numa sala com o chão em tijoleira e cheia de azulejos. Para a cor dos instrumentos era fantástico, mas para a minha voz não porque enrolava tudo, as palavras não se percebiam. Então eu tive de ir para uma sala de chão de madeira de tábuas corridas, sem azulejos; à minha frente tinha uma janela onde via o casario desde o Castelo de São Jorge até ao Bairro Alto. O que me dava uma vontade de estar ali cada vez mais! Havia ainda microfones espalhados por todo o palácio, a captar sons para depois serem usados em efeitos e reverberações não-artificiais”, conta ao Ípsilon. Embora em salas separadas, foi tudo gravado em simultâneo. “Temos uma empatia musical muito forte”, justifica. SÃO LUIZ Teatro Municipal © Vel Z A ideia surgiu-lhe de noite, não exactamente num sonho. Claro que os discos têm de ter nome e Helder Moutinho procurava um, mas o que lhe ocorrera não lhe agradava. “Estive para lhe chamar Era uma vez o amor”, conta ele. E o “era uma vez” estava ali porque ele gosta de contar histórias, cantando-as. Mas depois olhou para o que tinha em mãos e aquilo tinha mais a ver com liberdade do que com amor. Desistiu do nome. “Um dia acordei com a ideia de que tinha que ser um número, uma data. Não sei porquê. E comecei a pensar numa data que musicalmente me agradasse. Tinha de ser nos anos 1900. Mas 1988 não, foi um ano péssimo, bissexto, aconteceram coisas horríveis, morreram pessoas minhas amigas…” Depois, como “adora” o número 7, porque “tem a ver com magia”, di sse: 1987. “E senti musicalidade naquilo. Mas 1987 porquê? Pus-me a pensar. Fiz 18 anos e aconteceram coisas fantásticas, além de passar a ter chave de casa: escrevi a primeira letra para ser cantada, foi uma fase em que me formei como homem e senti o que queria fazer na vida, vi e ouvi filmes e discos que me marcaram.” Estava decidido: seria 1987. Mas se nasceu de um amor pelo sete, este é um disco de “quatros”. Quarto disco da carreira de Helder Moutinho (antes gravara Sete Fados e Alguns Cantos, 1999; Luz de Lisboa, 2004; e Que fado é este que vos trago?, 2008), tem uma estrutura assente em quatro histórias, cada qual contada em quatro fados, escritas por quatro letristas diferentes. E, para culminar, o próprio Helder Moutinho celebra dentro de dias, a 21 de Fevereiro, o seu 44.º aniversário (nasceu em 1969). ATÉ 17 FEV ILHAS KARNART Terça a Sábado às 21h00 Domingo às 17h30 Palco da Sala Principal Preçário €15 (com descontos: €7,50 a €10,50) m/12 15 E 16 FEV AR TRIO Sexta e Sábado às 23h30 Jardim de Inverno Preçário €7 m/3 JOÃO PAULO ESTEVES DA SILVA Um fado para Bia Além das quatro histórias que o disco conta (1987 é dedicado ao pai de Helder, que morreu recentemente), há um post-scriptum, um fado que Fernando Tordo escreveu em homenagem a Beatriz da Conceição, O fado da Bia. Depois de o estrear na sua voz, Tordo ofereceu-o a Helder Moutinho para que o gravasse. E ele fê-lo agora, também em homenagem a uma fadista felizmente viva. “No final disto tudo, é uma honra fazer uma homenagem a uma pessoa que eu considero bastante, que é das minhas principais referências. Cresci no fado com ela e de certa maneira comecei a cantar por causa dela. Havia um programa de televisão que o Mário Martins fazia no princípio da TVI, o Fado Fadinho, umas noites de fado filmadas nos estúdios da Valentim. Ele perguntou à Beatriz se ela conhecia malta nova. Ora como eu, um dia, comecei a cantarolar à Beatriz da Conceição uma letra para lhe explicar qual era o fado que ficava bem ali, ela desafiou-me a ir ao programa e lá arranjou maneira de os músicos ensaiarem comigo. Cantei o fado Zeca e o fado Loucura. De certa forma, estreei-me a cantar na televisão, em vez de ser numa casa de fados. E devo-lhe essa estreia, a ela.” LAURENT FILIPE CARLOS BARRETTO 19 FEV 22 FEV Terça às 21h00 Jardim de Inverno Entrada livre COM FERNANDO TORDO, ANA BRANDÃO E JOÃO PAULO, AURÉLIO GOMES E DESENHO EM TEMPO REAL DE ANTÓNIO JORGE GONÇALVES LER DOM QUIXOTE COMUNIDADE DE LEITORES COMISSÁRIO: ALVARO GARCÍA DE ZÚÑIGA CLUBE DA PALAVRA AO VIVO Sexta às 23h30 Jardim de Inverno Preço único €7 Classificação a definir facebook.com/clubedapalavra BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSAOLUIZ.PT, WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H; TEL: 213 257 650; [email protected] RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 1200-027 LISBOA; TEL: 213 257 640 [email protected] ípsilon | Sexta-feira 15 Fevereiro 2013 | 19