O SUICÍDIO NA ABORDAGEM EXISTENCIAL FENOMENOLÓGICA
Karley Campos1
Na psicologia existencial, a visão que se estabelece são as
condições existenciais da pessoa. É o próprio modo de ser e de
existir, pois ele sempre estará em busca de resoluções para as
suas vivências. Nessa questão, é necessário entender e compreender que a existência é uma totalidade e respeitar o homem
enquanto homem.
O que caracteriza a existência individual é o ser que se
escolhe a si-mesmo com autenticidade, construindo assim
o seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser. O indivíduo é um ser consciente, capaz de fazer escolhas livres e
intencionais,isto é, escolhas das quais resulta o sentido da
sua existência (TEIXEIRA, 2006, p. 290).
Como o individuo é um ser-no-mundo, ele se vê condenado a cuidar-se. É um ser de possibilidades, o daisen (condição
de ser do indivíduo que possui inúmeras possibilidades) escolhe,
porém não há um caminho certo, pois o indivíduo pode escolher vários caminhos. Os caminhos são construídos pelas escolhas que faz. Essa condição torna o viver humano um constante
angustiar-se, já que está sempre imerso em inúmeras possibilidades (HEIDEGGER, 1987).
A todo momento temos que escolher. A cada escolha que
fazemos decretamos a morte da outra possibilidade não
escolhida. Isso freqüentemente nos traz ansiedade frente
ao conflito de não podermos viver tudo ao mesmo tempo,
de não podermos estar em mais que em um lugar ao mesmo tempo. O ser-aí morre cotidianamente todos os dias
(ROTHSCHILD; CALAZANS, 1992, p. 146).
Segundo Sartre (1970, citado por Angerami 1997), o homem se não é definível, é porque primeiramente não é nada.
Será alguma coisa e tal como a si próprio fizer. Ele é, não apenas
como ele se concebe, mas como ele quer que seja. O homem
não é mais do que ele se faz. Antes de mais nada, o homem é
o que se lança para um futuro e o que é consciente para desse
projetar no futuro.
A consciência de que a vida é um emaranhado de sofrimento e agrura existencial faz com que assumamos a dimensão da
nossa responsabilidade como seres livres e, portanto, respon-
sáveis pela construção dos próprios ideais de vida (ANGERAMI,
1985, p. 17-18).
A morte é a possibilidade ontológica que a própria presença
sempre tem de assumir, pois com a morte, a própria pré-sença
é impendente sem seu poder mais próprio. Na possibilidade,
está em jogo é puramente e simplesmente a pré-sença de ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de não poder mais estar
pre-sente (HEIDEGGER, 1989).
O pleno conceito ontológico-existencial da morte se delimita como fim da pré-sença, a morte é a possibilidade mais própria,
irremissível, certa e indeterminada e insuperável da pré-sença.
Como fim da pré-sença, a morte é e está em seu ser para o fim.
O ser-para-a-morte em sentido próprio significa uma possibilidade existenciária da pré-sença (HEIDEGGER, 1989).
Ser para-a-morte em sentido próprio não pode escapar da
possibilidade mais própria e irremissível e, nessa fuga, encobri-la e adulterar o seu sentido em favor da compreensão
do impessoal. O projeto existencial de um ser-para-a-morte
em sentido próprio, deve, portanto, elaborar os momentos
desse ser que o constituem como compreensão da morte,
no sentido de um ser para a possibilidade caracterizada,
que nem foge e nem esconde (HEIDEGGER, 1989, p. 44).
Para Kubler-Ross (1991), o homem só será capaz de mudar
as coisas quando começar a refletir sobre a sua própria morte, e
isso não pode ser em nível de massa, mas individualmente. Todos nós temos o sentimento de fugir a essa situação, porém cada
um de nós, mais cedo ou mais tarde, deverá encará-la.
Quando o homem olha para o futuro, ele vislumbra a única
possibilidade que é certa: a possibilidade de não-mais-ser-aí. O
não-ser passa a ser parte importante da construção do indivíduo
e assim o ser-aí passa a adquirir presente, passado e futuro e a
fazer sua história. Porém a morte não é só um limite colocado
num horizonte marcado e distante, ela pode acontecer a qualquer momento. O homem quando nasce já está sujeito e pré-destinado a morrer (HEIDEGGER, 1987).
A morte é a possibilidade de ser a mais pessoal, a mais ímpar
e a mais intransferível do ser-aí, pois é o próprio Ser do Ser-aí é
ser-para-a-morte. A morte é o fim da existência, no seu sentido
autêntico de fim, pois sempre está presente na vida humana.
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A morte uma vez entendida como possibilidade, leva o Ser-aí a
tomar o primeiro passo em direção a uma existência autêntica. A
autenticidade significa tornar-se si-mesmo, torna-se verdadeiro,
pois o Ser-aí defronta-se com a morte, que é libertadora. A morte
é libertadora porque, liberta o Ser-aí da servidão às preocupações
mesquinhas que ameaçam submergir a própria existência autêntica (BOEMER, 1989).
de renúncia à vida vazia em seu vir-a-ser. Sob essa ótica, o ser-suicida pode ser apreendido em seu existir como tal (Sampaio;
Boemer, 2000).
Sartre (1970 citado por Angerami, 1997), estabelece que o
essencial não é aquilo que se fez o homem, mas aquilo que ele fez
daquilo que fizeram dele. Cabe dizer que o suicida faz algo com
que fizeram dele.
Se o Ser-aí não assumir a existência para projetar-se em
plena antecipação da morte, a vida parecerá necessariamente com uma série de momentos que se sucedem passivamente. Só ao nível de uma existência autêntica pode-se
tomar consciência dos diversos aspectos do tempo - passado, presente e futuro – como características ou momentos
da temporalidade. O modo existencial inautêntico, impessoal, seduz, tranqüiliza de certa forma, mas aliena o Ser-aí da existência na sua temporalidade e na historialidade
(BOEMER, 1989, p. 113-114).
Somos a realidade de nossos fenômenos em tanto quanto o
observamos na consciência. Dessa maneira a autodestruição é uma manifestação humana, mas não como afirmam
alguns teóricos “inconsciente” e “obscuro”, ao contrário,
assumida pela condição de liberdade. O homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado no mundo,
é responsável por tudo quanto fizer (SARTRE, 1970 citado
por ANGERAMI ; 1997. p. 41).
Para Boemer (1989), já que a existência é temporal, o Ser-aí situa-se entre dois nadas factuais. A não-existência, o antes de
nascer e o final da existência. na morte, pois é a negação de todas
as possibilidades ulteriores no futuro, e, por antecipação, a desvalorização de todas as possibilidades, inclusive as realizadas no
presente. O futuro se revela com aquilo no qual a existência é
projetada, no passado a existência transcende. Futuro, passado
e presente são dados juntos e definem uma existência temporal.
De acordo com Critelli (1996), habitamos um mundo por
muitas vezes inóspito, o indivíduo cria um mundo artificial que se
demonstra difícil de se abrigar e acolher.
Segundo Angerami (1997), quando o indivíduo busca o suicídio como alternativa para os devaneios e sofrimentos existenciais,
esse alguém padece emocionalmente em níveis sequer suportáveis.
Para o mesmo autor, o homem que se mata, o faz porque
está previamente condicionado e é constantemente estimulado
para adotar comportamento previamente autodestrutivo. O suicida é um homem preparado de antemão para terminar como
termina (KALINA, KOVADLOFF, 1983).
O ato suicida priva o ser de ser-para-morte em seu curso
natural. Ocorre quando o ser, em sua situacionalidade, vê uma
única possibilidade: a de não-poder-ser e, assim, busca como alternativa o não ser-mais-ser-aí, o que põe fim à angústia diante
de uma existência sem sentido, aos seus olhos. O não ser-mais-aí
por meio do suicídio, é vislumbrado pelo ser-aí como possibilidade de por fim a uma situação existencial para a qual não vê outras
possibilidades. O suicídio emerge, então, uma como alternativa
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Um exemplo que representa tais questões é o caso de um
homem de mais ou menos 50 anos, que trabalhava em um jornal
de grande circulação. O mesmo sofreu de câncer há 10 anos.
Após tal circunstância, relata que perdeu seu emprego, não tinha
mais relações com as pessoas, pois tinha perdidos todos os amigos. A sua vida teria se acabado neste momento. A única pessoa
com a qual tinha alguma relação era com sua mãe. Ele sempre,
durante os atendimentos, esbravejava: “Não quero existir nem
no céu e na terra. Quero ser nada. Não quero que reste nada de
mim, nem pó. Não quero que tenha nenhuma lembrança minha
aqui na terra.”
A fala demonstra que ele está construindo a sua existência
por meio de escolhas destrutivas, sempre relacionadas ao suicídio.
Não vê outras possibilidades para as suas vivências. Isso estabelece que o homem se constrói por meio das suas escolhas. Ele faz
a si próprio. O cliente faz a escolha de não ser-mais-aí, pois a sua
existência está plenamente vazia.
Afirmar que o homem é livre não significa conferir-lhe o
poder ou o destino de agir caprichosamente e ao acaso. O
homem é livre no sentido em que pode livremente decidir
do seu próprio comportamento, escolhendo os seus próprios
valores, assumindo uma determinada atitude em relação
ao seu próprio futuro, presente e passado. No plano ontológico, a liberdade é a possibilidade do para-si existente de
negar a sua própria facticidade em-si, transcendendo-a em
direção a uma “outra” situação (MOREIRA, 1985, p. 65).
Portanto, ele não vê outras possibilidades que poderiam es-
tar mudando a situação, não faz uma existência autêntica. Prefere
viver uma existência inautêntica, deixando de transcender como
pessoa. O que importa apenas é acabar com a situação que não
está mais sustentável. O seu projeto de existência está na sua destruição, o de não mais existir. Ele escolhe tal situação porque ele
é um ser livre para escolher.
REFERÊNCIAS
ANGERAMI, Valdemar Augusto. Psicoterapia existencial: noções básicas. São
Paulo: Traço, 1985. 99 p.
SARTRE, J.P e Ferreira, V. O Existencialismo é um Humanismo. Lisboa :Editora Presença, 1970. apud ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Suicídio:
fragmentos de psicoterapia existencial. São Paulo: Pioneira, 1997. 120 p.
CRITELLI, D. M. Analítica do Sentido: uma aproximação e interpretação do
real de orientação fenomenológica. São Paulo: Educ, 1996.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 3. ed. Cidade: Vozes, 1989.
HEIDEGGER, M. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA. Introdução à psicoterapia existencial.
Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309. Disponível < http://www.scielo.
oces.mctes.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a03.pdf> Acesso em 20 agos. 2008.
KALINA, Eduardo; KOVADLOFF, Santiago. As cerimônias da destruição. Rio
de Janeiro: F. Alves, 1983. 172 p.
KUBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. 4. ed. São Paulo: M.
Fontes, 1991 290 p.
MORAIVA, Sérgio. Sartre. Coleção Biblioteca Básica de Filosofia. Lisboa: Edições 70, 1985.
ROTHSCHILD, Daniela; CALAZANS, Raufin Azevedo, Morte: Abordagem Fenomenológico-Existencial. In: KOVACS, M. J. (Coord) Morte e desenvolvimento
humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
NOTA DE RODAPÉ
1Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio
supervisionado pela professora Raquel Neto.
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