VIII Congresso Brasileiro de História da Educação
Sessão Coordenada - 03
POPULAÇÃO NEGRA E SUAS CONDIÇÕES DE EDUCABILIDADE
Coordenador: MARCUS VINÍCIUS FONSECA
Eixo Temático: 2 - Etnias e Movimentos Sociais na História da Educação
A educação dos negros é um tema que foi definitivamente incorporado à historiografia educacional brasileira.
Seu surgimento e consolidação enquanto objeto de análise na história da educação ocorreu nas duas últimas
décadas e a manifestação mais clara de sua evolução encontra-se no refinamento das análises. Os trabalhos
produzidos nos últimos anos revelam que o foco das pesquisas não está exclusivamente centrado nos processos
de inclusão/exclusão dos negros dos espaços escolares e nem tampouco em questões amplas como a relação dos
membros deste grupo com as políticas educacionais. A produção vem sendo revigoradas por análises que, sem
perder de vista os elementos estruturais, se voltam para o entendimento e detalhamento da relação entre os
negros e as práticas educativas (escolares e não escolares) que ocorreram em distintas regiões do país. As
questões que vem sendo formuladas pelas pesquisas giram em torno da tentativa de compreensão das
experiências que marcaram a trajetória dos negros enquanto um grupo social. Nesta perspectiva, o termo negro
deixou de ser uma categoria que reflete as condições de um grupo social homogêneo para ser tratado como uma
designação que se aplica a diferentes condições sociais vivenciadas por segmentos desta população. Estas
condições necessitam ser compreendidas para que haja um entendimento mais amplo de suas possibilidades de
relação com as práticas educacionais. Desta forma, procuramos nesta comunicação articular múltiplos elementos
que perpassam à trajetória social dos negros estabelecendo conexões com a educação. A partir disso, elementos
como a condição de livres e escravos adquirem uma significação importante na construção das perguntas e da
própria matriz interpretativa relativa às experiências educacionais do século XIX. Na mesma direção segue o
destaque cada vez maior que alcançam as práticas educativas que se davam fora do espaço escolar, como os
movimentos associativistas que, no século XIX, foram responsáveis pela elaboração e sustentação de padrões
conduta dos negros. As condições de educabilidade são ainda reforçadas por análises que colocam em foco os
processos de escolarização dirigidos a alunos negros que foram submetidos a processos pedagógicos específicos,
ou na condição de professores marcados por práticas em que a condição profissional e racial se encontravam
fortemente articuladas. Este conjunto de experiências indica um padrão de variabilidade dos processos
educacionais que precisa ser compreendido a partir de considerações que levem em conta os negros como
sujeitos portadores de condições sociais que possuem especificidades no tempo e no espaço. Assim, partimos do
tratamento desta situação em Pernambuco, Paraíba e Minas Gerais para indicar, entre o século XIX e XX, uma
variedade de condições sociais que possibilitaram diferentes formas de relação dos negros com a educação.
SER ESCRAVO, SER LIVRE NA PARAHYBA DO NORTE OITOCENTISTA: POSSIBILIDADES DE ANÁLISE
PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA
Surya Aaronovich Pombo de Barros
O objetivo dessa comunicação é discutir os limites entre ser livre e ser escravo no que se refere à população
negra da província da Parahyba do Norte ao longo do século XIX. Como demonstram trabalhos de historiografia
social da escravidão que analisam outras províncias, personagens ou momentos específicos do Império, as
fronteiras entre as duas condições jurídicas eram muito frágeis. A justificativa para a preocupação com esse
problema no campo da história da educação brasileira é pensar nas possíveis consequências dessa fluidez entre
ser livre e ser escravo para as experiências negras no acesso (ou não) à educação escolar, especificamente para a
escola paraibana no período imperial. A análise será desenvolvida a partir da conceituação de estratégias e
táticas de Michel de Certeau (1998) de modo a pensar sobre a ação dos que escravizavam ou re-escravizavam
pessoas negras livres (estratégia) e, também, em diferentes maneiras como escravizados se utilizavam dessa
possibilidade para se passar por pessoas livres (táticas). Serão utilizados como fontes a imprensa paraibana
(principalmente os jornais O Governista, O Publicador, e o Jornal da Parahyba), a legislação sobre instrução da
Parahyba do Norte (leis e regulamentos) e os documentos oficiais da administração provincial do governo da
Parahyba, como ofícios e relatórios de inspetores da instrução pública e de presidentes da província. Tendo como
referências os trabalhos de historiografia social da escravidão e história da educação, sugerimos que no caso de
estudos de história da educação da população negra é mais fecundo para a análise da sociedade imperial
paraibana analisá-los como um grupo social do que segmentá-los em categorias como escravos, libertos, livres,
ingênuos. Para os debates historiográficos e para o debate político acerca da resistência negra sempre foi
importante e necessário observar as diferenças entre as diversas classificações a que podiam estar submetidas as
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Caderno de Resumos - Comunicações Coordenadas
pessoas negras. A partir de referências à presença negra em espaços escolares, encontradas em notícias de jornal
e em outras fontes consultadas, defendemos que para o estudo da escola paraibana em que havia a presença de
alunos de diferentes condições jurídicas e raciais, é mais pertinente não dividir o segmento negro da população
em livres e escravos, uma vez que os limites entre estas condições eram muito tênues neste período.
APRENDENDO ENTRE IRMÃOS: VIDA ASSOCIATIVA E EDUCABILIDADES ENTRE AS IRMANDADES
NEGRAS DE PERNAMBUCO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX
Itacir Marques Luz
Esta comunicação discute as atividades associativas praticadas pela população negra, entendendo-as também
enquanto instâncias educativas no conjunto dos arranjos coletivos produzidos por este grupo no interior da
ordem escravista. Para tanto, observamos suas formas de manifestação particularmente na Província de
Pernambuco da primeira metade do século XIX, tendo em vista seu papel significativo no circuito do tráfico de
escravizados e, por conseguinte, cenário de uma expressiva presença dessa população de africanos e seus
descendentes. Nesse contexto, analisamos o papel social e político das irmandades negras, com recorte em três
destas entidades: Irmandade do Rosário dos Homens Pretos; Irmandade de N. S. do Terço; e Irmandade de S.
José do Ribamar, buscando compreender sua organização e funcionamento, as articulações existentes entre
essas entidades e sua capacidade de promover a circulação de valores e saberes diversos junto à população
negra local. Com base em estudos sobre História da África, História do Escravismo no Brasil, além de estudos
sobre Culturas e Sociabilidades no Mundo Atlântico, realizamos uma pesquisa documental sobre as irmandades
de pretos e de pardos, a exemplo dos Compromissos, Livros de Registros, Petições e outros. Além destes
registros produzidos diretamente pelos próprios sujeitos pesquisados, tomamos à análise os ofícios e relatórios
emitidos por órgãos oficiais e eclesiásticos da Província relativos a esse tipo de organização, bem como a
legislação e jornais da época, considerando a contribuição desses dois elementos no exercício de compreensão
da realidade vigente. Tal levantamento de fontes foi realizado no Arquivo Público Estadual, no Arquivo da
Assembléia Legislativa de Pernambuco, no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e
IPHAN. Somou-se ao estudo um levantamento da legislação da época e uma busca aos jornais da época
disponíveis no setor de microfilmagem da Fundação Joaquim Nabuco. Com base nesses levantamentos,
compreendemos que estes arranjos associativos da população negra como expressão de alternativas
“autônomas” de vida social e política frente à ordem escravista a partir do compartilhamento de valores e
saberes entre gerações, sendo a própria dinâmica associativa uma via de educabilidade. Os estudos sobre essa
prática associacionista da população negra nesse período também apontam para essas entidades como
possibilidade de certas “vivências africanas” para seus membros, ao mesmo tempo em que também ajudava na
configuração de estatutos sociopolíticos diferenciados, o que pode nos ajudar avançar na compreensão sobre as
diferentes formas de afirmação e resistência promovidas pelos negros.
PADRE VICTTOR: UM EDUCADOR NEGRO NO SUL DA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XIX
Marcus Vinícius Fonseca
Este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre a educação e a população negra no sul de Minas, região
em que os membros deste grupo racial tinham menor capacidade de circulação no espaço social. Isso pode ser
constatado através de dados demográficos que indicam a elevada proporção de escravos em meio à população
das cidades desta região. Pode também ser constatado através da comparação com outras regiões de Minas,
onde é possível perceber que os negros tinham uma presença significativa na população livre, inclusive com
elevado registro em meio aos alunos das escolas elementares, como ocorria na região central de Minas Gerais.
Para construção da análise utilizamos como referência a trajetória de Padre Victor (1827-1903) que nasceu em
Campanha/MG, onde frequentou escolas de instrução elementar e latim; posteriormente foi para o Seminário
Nossa Senhora da Boa Morte, em Mariana/MG, tornando-se sacerdote. Em 1852, tornou-se vigário na cidade de
Três Pontas/MG, atuando também como professor público de latim e francês. Nesta mesma cidade, foi diretor do
Colégio Sacra Família, escola que foi criada e dirigida por ele com objetivo de educar a mocidade da região, foi
também diretor da primeira escola normal da cidade, fundada no ano de 1895. Padre Victor foi considerado uma
pessoa profundamente generosa, sendo atribuída a ele a condição de santo. A idéia de santidade permaneceu
após a sua morte dando origem a um forte movimento de culto a sua imagem, resultando na construção de um
processo para sua canonização que, atualmente, encontra-se em curso no Vaticano. Neste trabalho utilizaremos
como referência a idéia de ilusão biográfica, de Pierre Bourdieu, para analisar registros relativos à sua trajetória
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de vida. O primeiro deles foi produzido em 1946, por um ex-aluno chamado João Abreu Salgado, Magnus
Sacerdos: Conêgo Padre Vitor; o segundo foi produzido em 1973, por padre Victor Rodrigues de Assis tendo como
título Vida e vitórias de monsenhor Francisco de Paula Victor: o patriota e milagroso padre Victor de Três Pontas.
Por fim, analisaremos o livro Padre Francisco de Paula Victor: o Homem de Deus para o mundo, publicado em
2004, por Maria Rogéria de Mesquita e Nilce de Oliveria Piedade, através da Associação Padre Victor de Três
Pontas. A partir destes registros procuramos demonstrar a implicação da condição racial na trajetória social de
Padre Victor e também, que a sua atuação como educador foi um dos elementos acionado para construir a
condição de homem santo deste padre negro que viveu no sul de Minas Gerais.
MEDICINA E RACIALIZAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DA BIOTIPOLOGIA DAS CRIANÇAS QUE
FREQUENTAVAM AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS PERNAMBUCANAS
(1911-1945)
Adlene Silva Arantes
Neste texto buscamos compreender como se davam as ações médicas para construir a biotipologia das crianças
que frequentavam as aulas de educação física nos grupos escolares e nas escolas isoladas da cidade do Recife na
década de 1911-1945, com vistas a perceber como a biotipologia tentou estabelecer uma hierarquia entre
brancos e negros a partir das suas práticas de racialização no ambiente escolar. A periodização aqui adotada
tomou como referência inicial o momento de institucionalização dos grupos escolares em Pernambuco, enquanto
que o marco final refere-se ao Estado Novo, período que foi marcado por uma preocupação mais acentuada do
estado brasileiro em relação à definição da “figura do homem brasileiro.” Para tanto, foram elaborados muitos
estudos antropométricos objetivando o estabelecimento do biótipo do escolar pernambucano. Tais estudos
visavam criar turmas escolares homogêneas física e intelectualmente. Assim, as discussões em torno do
higienismo e do pensamento eugênico se materializaram no universo escolar a partir das prescrições e
normatizações que iam desde a construção das escolas até o seu funcionamento, marcando, portanto
singularidades da cultura escolar especialmente no âmbito dos grupos escolares. Baseados nas discussões,
comumente racializadas, a elite intelectual e política procurou explicar biologicamente o atraso pelo qual se
encontrava a nação brasileira. Para tanto, a proposta apontada para sair daquela situação era a harmonização de
um tipo nacional, buscando-se para isso o “branqueamento” da sociedade brasileira, ora de forma mais explicita
ora mais velada. Utilizamos como fontes: leis, decretos, relatórios, regimentos, regulamentos e reformas da
instrução pública, programas de ensino das escolas primárias, relatórios e jornais de grupos escolares, anuários
estatísticos de ensino, mensagens de governadores sobre a educação, revistas do ensino, da área médica e de
assuntos gerais. Nos baseamos teórica e metodologicamente na Nova História Cultural, além de estudos sobre o
pensamento racial brasileiro e sobre história da educação no Brasil. Percebemos que nas escolas primárias a
antropometria foi utilizada com o intuito de estabelecer o biotipo do escolar pernambucano. Nesse processo o
fator racial era levado em consideração e a classificação adotada era a de Edgard Roquette-Pinto:
leucodermos(brancos), faiodermos(brancos x negros), xantodermos(brancos x indios) e melanodermos(negros).
Nesse contexto, destacamos o papel que teve a matéria de educação física no cenário nacional e local tendo em
vista que as políticas de racialização, baseadas testes e medições antropométricas imprimiram a missão de
revigorar a raça e garantir o estabelecimento de uma sociedade saudável fisicamente, intelectualmente e
moralmente.
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