A Sabedoria de Ser Livre
Só é merecedor de sua liberdade e existência aquele que diariamente as reconquista.
(Goethe)
A frase de Goethe, expressa em sua magnífica obra "Fausto", tem servido anos a fio a
diversas circunstâncias históricas e a diferentes interpretações.
Diante do autoritarismo, da repressão e do abuso de poder, sempre fica difícil sustentar o
direito básico à liberdade. A história do homem está marcada por incontáveis exemplos de
subjugação impositiva, e não poucas vezes os indivíduos se viram na necessidade de
buscar no silêncio e na própria integridade a sobrevivência emocional à escravidão.
Atualmente, apesar da onda de liberdade política que reina em quase todo o mundo, o
mesmo fenômeno acontece, só que pelo outro extremo, o da suposta identificação da
liberdade com o direito de fazer o que se quer, da forma que se pretende e com quem se
imagina.
A impressão de que se pode "curtir a vida" de qualquer maneira, rompendo os grilhões de
uma possível educação severa recebida, ou da opressão cultural e política de
determinados períodos históricos, não tem sido suficiente para grande número de
pessoas, haja vista a imensa procura a psicólogos e ao atendimento fraterno de algumas
casas espíritas, pelos que se imaginavam na posse da liberdade absoluta, mas que até
então não encontraram o prazer total com que a vivência dessa situação é anunciada.
Inúmeros pensadores que refletiram a esse respeito concordam que, em princípio, o
homem pode fazer tudo que quiser, desde que tenha capacidade de assumir as
conseqüências do que faz. É a liberdade consciente, que pela própria constituição, não
deve ser entendida sem a devida noção de responsabilidade.
O filósofo holandês Baruch Espinosa (1632-1677 - 45 anos), conhecido como um dos
maiores pensadores da liberdade, chegou a escrever algo mais forte, que a chamada
vontade livre não existia.
Para ele, a mente era levada a querer isto ou aquilo por algum motivo, e esse motivo era
determinado por outro motivo, e assim até o infinito.
O espírita encontra outros ângulos de observação a respeito do tema, na vasta bibliografia
que tem em mãos. Em O Livro dos Espíritos, questão 843, Allan Kardec pergunta se o
homem tem o livre arbítrio de seus atos, e obtém da espiritualidade a resposta de que se
ele tem a liberdade de pensar, tem a de agir. Sem livre arbítrio o homem seria uma
máquina.
No aprofundamento do estudo da mesma questão, o Espírito João Lustosa afirma (1) que,
"de conformidade com o Espiritismo, o espírita que aceitou a supervisão do Cristo já não
pode mais agir como quer, e sim, agir como deve querer".
Na mesma obra, o Espírito Lameira de Andrade (2) comenta com notável clareza que "a
liberdade total é impraticável". O autor espiritual acrescenta ainda que "quem deseja
superar-se moralmente não pode desfrutar, dominado pela ilusão, da regalia desenfreada
de fazer o que quer. Esse o esquema de responsabilidade do espírita".
Lameira de Andrade comenta também que "só usufrui de independência integral, na
romagem humana, quem se abandona aos instintos,( ... ) sem imprimir qualquer
discernimento às manifestações pessoais ". Em razão disso, explica, "a vida do espírita
jamais imitará o vôo livre das nuvens",
Na continuidade da mensagem, ele esclarece ainda que "marchamos cada vez mais
libertos intimamente caminho a fora, mas obedecendo cada vez mais aos deveres que nos
competem".
Para o espírita, a primeira conquista individual diante do mundo, como fruto do seu
esforço em se auto-descobrir, é saber-se autêntico, como quem encontra na própria
autonomia o campo fértil para exercer o ato de ser livre.
De nada adianta a criatura continuar nos extremos. Em termos de liberdade, nem a prisão
forçada em algemas de medo e auto-reclusão por conta própria, nem a suposta e ilusória
posse do mundo, como se tudo estivesse à disposição para a entrega a todos os tipos de
prazeres.
Emmanuel afirma que "só existe verdadeira liberdade na submissão ao dever fielmente
cumprido" (3). Ora, se a criatura descobre que se torna mais livre a partir do momento em
que conhece seus próprios limites (pois assim não assumirá compromissos além de suas
possibilidades), as chances de ter uma encarnação vitoriosa e feliz são muito maiores, à
medida que dedica sua vida à construção de uma realidade melhor e mais livre para todos.
Se temos no coração e na mente a certeza de estar no caminho certo, nada mais
importante do que investir todas as forças da alma na tentativa de transformar os esforços
individuais em conquistas definitivas, propiciadoras de paz interior e evolução espiritual.
O reforço necessário para a entrega total a tais empenhos está no próprio Evangelho,
quando Jesus define a senha segura para quem deseja entrar no clima psíquico da
liberdade, afirmando que ao buscarmos o conhecimento da Verdade, a própria Verdade
nos fará livres plenamente.
(1) VIEIRA, Waldo. Seareiros de Volta.Diversos autores espirituais. 4' ed. Rio [de Janeiro]:
FEB , 1987. A mensagem de João Lustosa chama-se Estados da consciência, pág.112.
(2) VIEIRA, Waldo. Op. Cit.,mensagem sob o título Liberdade Espírita,pág. 130.
(3) XAVIER, Francisco Cândido. Fonte Viva.Ditado pelo Espírito Emmanuel. 9a. ed. Rio[de
Janeiro]: FEB, 1980, cap. 173.
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