Prtugal pequenino, de Maria Angelina e Raul Brandão
Autor(es):
Silva, Sara Reis da
Publicado por:
Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa
URL
Persistente:
URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35061
Accessed :
2-Feb-2016 22:54:34
La navegación, consulta y la descarga de los títulos inseridos en las Bibliotecas Digitales UC
Digitalis, UC Pombalina y UC Impactum supone la aceptación plena y sin reservas de los Términos y
Condiciones de Uso de estas Bibliotecas Digitales, disponibles en la página web
https://digitalis.uc.pt/es/terminos_y_condiciones.
Según lo expuesto en los referidos Términos y Condiciones de Uso, la descarga de títulos de acceso
restringido requiere una licencia válida de autorización, debiendo el usuario acceder al/ a los
documento/s a partir de una dirección de IP de la institución que posea la licencia antes mencionada.
Al usuario solo le está permitida la descarga cuando esta es para uso personal, por lo que el uso del/
de los título/s descargado/s con otro fin, particularmente el comercial, carece de la autorización del
respectivo autor o del editor de la obra.
Puesto que todas las obras de la UC Digitalis están protegidas por el Código de Derechos de Autor y
Derechos Conexos y por la legislación establecida en la ley, cualquier copia parcial o total de este
documento, en los casos en que sea legalmente admitida, deberá contener o ir acompañada por este
aviso.
impactum.uc.pt
digitalis.uc.pt
SARA REIS DA SILVA
Universidade do Minho
Sobre um Livro de Ponte:
PORTUGAL PEQUENINO
DE MARIA ANGELINA
E RAUL BRANDÃO
³/HVJUDQGVDXWHXUVQHYLHQQHQWVRXYHQWjODOLWHUDWXUH
HQIDQWLQHTX¶XQSHXWDUGLYHPHQW/HGpVLUGHV¶DWWLUHU
XQSXEOLFHQIDQWLQVHPEOHrWUHOHWHUPHG¶XQHHYROXWLRQ
QDWXUHOOHGHQRPEUHX[pFULYDLQVTXLYLVHQWOHVKDXWHXUV
GHVJUDQGVFKHIVG¶RHXYUHOLWWpUDLUHVeFULUHSRXUOHV
HQIDQWVHVWODYRFDWLRQGHVPDvWUHV´%HFNHWW
O título que atribuímos a este breve ensaio
não é – como nenhum título, em boa
verdade, o será – inconsequente. Com
efeito, pedida de empréstimo a Matilde Rosa
Araújo (1921-2012), que assina o prefácio
da 2ª edição1 da obra que nos propomos
aqui reler –, a expressão “livro de ponte”
encerra múltiplas implicações, introduzindo
KLSyWHVHVGHUHÀH[mRDFHUFDGHWySLFRVTXH
vão desde as suas circunstâncias de escrita
(entre duas sensibilidades ou duas vozes
próximas/íntimas, entre os afectos), até ao
seu contexto de edição (entre a Primeira
República e o Estado Novo), passando
pela própria recepção (entre a infância e a
juventude/adultez) e pela “raiz e a função da
Literatura Infanto-Juvenil” (como escreve a
autora do prefácio) e, mesmo, pela própria
FRQ¿JXUDomRLGHRWHPiWLFDHHVWLOtVWLFDHQWUH
o real, o sonho e a memória).
E porque tendo sido situado pela crítica
GHIRUPDGLUtDPRVSRXFR³SDFt¿FD´QR
espaço da literatura de potencial recepção
infantil, Portugal Pequenino (1930) levanta
inevitavelmente questões como: qual o seu
lugar na História da Literatura Portuguesa
para a Infância e a Juventude? É ou não esta
uma obra “para” leitores infantis? Como
entender as possíveis orientações de leitura
que anuncia o paratexto-dedicatória “Para os
¿OKRVGRVRXWURV´"&RQVWLWXLUiRXQmRHVWHD
uma forma de vinculação da obra ao universo
infantil? Será mesmo, como preconiza Carlos
Carneiro, uma escrita “feita mais para os
grandes que para os pequeninos” (Carneiro
apud Reynaud, 1995: 234)?
131
O próprio contexto em que foi editada a obra
em análise merece alguns comentários e o seu
UHFRQKHFLPHQWRSHODKLVWRULRJUD¿DOLWHUiULD
parece mais ou menos evidente quando
revemos o que sobre ela escreveram Esther
de Lemos, Natércia Rocha e José António
Gomes, como, de seguida, se explicitará.
Na verdade, Portugal Pequenino2 é editado
no mesmo ano em que veio a lume Os
/XVtDGDVGH&DP}HV&RQWDGRVjV&ULDQoDV
H/HPEUDGRVDR3RYR (1930), conhecida
adaptação de João de Barros (1881-1960),
e já depois também de, sob a inspiração e a
vitalidade republicanas, se terem publicado
outros títulos de outros autores clássicos,
como foram os casos de Virgínia de Castro e
Almeida (1874-1945), Jaime Cortesão (18841960), Ana de Castro Osório (1872-1935),
António Sérgio (1883-1969), Irene Lisboa
(1892-1958) ou Aquilino Ribeiro (18851963), apenas para citar alguns exemplos.
Em Para uma História da Literatura
3RUWXJXHVDSDUDD,QIkQFLDHD-XYHQWXGH
(MC-IPLB, 1997), José António Gomes,
referindo-sea um conjunto relativamente
restrito de obras que se distinguiram, desde o
LQtFLRGDGpFDGDGHWULQWDDWp¿QDLVGRVDQRV
quarenta do século XX, escreve o seguinte
sobre o livro de Raul Brandão (1867-1930)
e Maria Angelina (1878?-1964?): “Em
Portugal Pequenino (1930), Pisca e Russo
voam à descoberta de Portugal. A esse
extraordinário poeta da prosa que foi Raul
Brandão e a sua mulher Maria Angelina
faltou, contudo, a percepção de que não só
a linguagem e os conceitos excediam as
FDSDFLGDGHVGHGHVFRGL¿FDomRGRVSHTXHQRV
leitores, como as personagens e a acção se
diluíam num emaranhado de impressões de
viagem, registadas porém numa prosa de
intensa poeticidade. A obra não conseguiu,
assim, alcançar projecção idêntica à do livro
que a terá inspirado:$0DUDYLOKRVD9LDJHP
132
de Nils Holgersson, de Selma Lagerlof”
(Gomes, 1997: 29).
Trata-se, na realidade, de uma percepção
crítica antecedida pela perspectiva de
Natércia Rocha, por exemplo, que deixa
também registado o seguinte, em %UHYH
História da Literatura para Crianças em
Portugal. Nova edição actualizada até ao
ano 2000 (Caminho, 2001): “Raul Brandão
e Angelina Brandão, ao escreverem Portugal
Pequenino, procuravam levar até às crianças
um conhecimento do país; mas se a obra
resultou valiosa, é contudo pelo menos
discutível a sua acessibilidade para o pequeno
leitor a quem aparentemente se destinava.”
(Rocha, 2001: 77). Este apontamento crítico
é complementado com uma nota de rodapé na
TXDOVHD¿UPDDLQGD³7DOYH]FRPRULHQWDomR
inicial idêntica à que norteou Selma Lagerlof
ao escrever $9LDJHP0DUDYLOKRVDGH1LOV
Holgerson, os Autores cedo são arrastados
para um rumo bem diferente que os afasta do
leitor infantil, perdido pela ausência da linha
do fantástico, tão bem dobada pela Autora
Sueca.” (idem, ibidem: 77).
Aliás, já em 1972, Esther de Lemos tinha
assinalado a frustração do intuito de Raul
Brandão e da sua mulher ao pretenderem dar
uma “visão panorâmica de Portugal, na sua
FRURJUD¿DQDVXDGHPRJUD¿DHPDVSHFWRV
da lenda e da história, tudo isto ligado pelas
aventuras de um rapazinho.” (Lemos, 1972:
23). Como sublinha a mesma estudiosa,
“perdendo de vista as suas personagens, o
¿RGD¿FomRHDWpRVSULPHLURVREMHFWLYRV5
Brandão escreveu apenas uma série de notas
e impressões que têm a inconfundível força e
beleza do seu estilo, mas em nada se podem
considerar literatura infantil.” (idem, ibidem:
24). É ainda a própria que objectivamente
preconiza que “linguagem, conceitos,
intenções, tudo excede a capacidade
intelectual dos pequenos leitores” (Lemos,
1973: 471).
Com efeito, e nesta ordem de ideias, muito
embora não possamos deixar de assinalar
a intencionalidade implícita na dedicatória
GDREUD³3DUDRV¿OKRVGRVRXWURV´HDVVLP
intuir a vontade ou o impulso autoral, é
possível elencar uma série de singularidades
que sustentam o ponto de vista de Esther
de Lemos, Natércia Rocha ou José António
Gomes. A primeira das quais assenta talvezna
própria extensão do relato3, visto que se trata
de um volumecomposto por treze capítulos
relativamente longos. Outro aspecto reside
nas potenciais restrições interpretativas que
a pluralidade de referências intertextuais
poderão representar para um leitor menos
experiente ou com uma limitada competência
lecto-literária4. E a estes aspectos cumpre
acrescentar, igualmente, o escasso
LQYHVWLPHQWRYLVXDOJUi¿FRGRYROXPH5,
IDFWRTXHVHQRVD¿JXUDFRPSUHHQVtYHOVH
atendermos ao contexto/data em que a obra
veio a lume, mas que não deixa de contrariar
RVPRGHORVJUi¿FRVGDHGLomRFRQWHPSRUkQHD
especialmente vocacionada para os leitores
mais jovens.
Se tudo isto é verdade, o certo é que uma
(re)leitura de Portugal Pequenino não deixa,
porém, de nos dar a ler um escritor que, nesta
como em outras obras, “com a sua colorida
visão, animou algumas das paisagens mais
profundamente humanas da nossa terra”
(Torga, 1995: 378), como escreve Miguel
Torga6, a dado momento do IV volume do
'LiULR. E a este apontamento podemos
juntar um outro do mesmo autor, desta feita,
inscrito em Traço de União, em concreto em
“Panorama da Literatura Portuguesa”, texto
correspondente à conferência proferida na
)DFXOGDGHGH)LORVR¿DGR5LRGH-DQHLURHP
17 de Agosto de 1954: “Raul Brandão (…)
reagia (…) agudamente à cor das coisas e das
paixões, e manejava um instrumento vibrátil
de expressão (…). (…) devemos a Raul
Brandão muitas das páginas vivas e certas
que a paisagem portuguesa, física e humana,
inspirou (…).” (Torga, 1969: 93).
Miranda Mendes, por exemplo, na recensão
de Portugal Pequenino, disponível na secção
³5ROGH/LYURV´, do serviço Leitura@
Gulbenkian, nota datada de 15/02/1960,
além de o considerar “Muito recomendável”,
registou: “Um primor de estilo e de
comunicação. Ternura pela criança e pela
terra portuguesa. Humanização dos bichos
no encontro universal dos seres, para
além das limitações de tudo o que existe.”
E Maria João Reynaud apelida-o de
XP³OLYURtPSDU±QmRVyQDELEOLRJUD¿D
brandoniana como no campo pouco fértil da
nossa literatura infanto-juvenil” (Reynaud,
1995: 234).
A “colorida visão”, à qual alude Miguel
Torga, bem como o “primor de estilo e
de comunicação”, apontado por Miranda
Mendes são, na verdade, notas dominantes
dos treze capítulos de Portugal Pequenino.
Nestes, multiplicam-se as passagens nas
quais um acentuado sensorialismo, não raras
vezes, de expressão sinestésica, distingue
segmentos descritivos plenos de detalhes.
Como na globalidade da produção literária
brandoniana, no caso do livro em análise, a
escrita revela um gosto pelo pitoresco local
ou de costumes (e até de brincadeiras infantis
“de outros tempos”, muitas certamente
desconhecidas das crianças de hoje7), que
não esconde, em certa medida, o “espanto
sempre extasiado de ver e sentir” (Saraiva e
Lopes, 1987: 1035), a que aludem António
José Saraiva e Óscar Lopes8. As sucessivas
133
e longas passagens descritivas das paisagens
portuguesas materializam esse êxtase e não
GHL[DPGHUHÀHFWLUXPDIRUWHOLJDomRDIHFWLYD
ao espaço natal, às situações, aos locais, às
¿JXUDVDRVGLWRV9, aos costumes e aos rituais.
A este propósito, releia-se, por exemplo,
a abertura do capítulo intitulado “As
Andorinhas”: “Portugal, nos primeiros dias
de primavera, é coberto de asas e o céu azul
chilreia. (…) Conhecem Portugal a palmos:
as eiras do Minho, com alguns punhados de
milho e as vastas eiras do monte alentejano;
os descampados do sul com alguns pinheiros
mansos isolados, e o homem do Algarve que
desbrava a terra a fogo e pesca o atum na
costa.” (Brandão, 2003: 37)
O registo deixa transparecer uma
energia e uma vitalidade, aliadas a uma
aparente espontaneidade, que parecem
contagiar e querer envolver o leitor,
independentemente da sua idade. E, entre
outros aspectos, podemos apontar a presença
recorrente de frases interrogativas, que
(in)directamente apelam à atenção do
destinatário extratextual10, as expressões
de feição coloquial ou oralizante11, o
recurso a um vocabulário cuidado e
variado, que, aqui e ali, recupera elementos
sociolectais, as sucessivas onomatopeias/
palavras onomatopaicas (muitas vezes,
correspondentes às vozes dos animais) ou as
enumerações (que, pela pormenorização e
pela expressiva adjectivação, quase compõem
pequenos episódios “fílmicos”12), entre
outros, estratégias que, nunca substimando as
FDSDFLGDGHVGHVFRGL¿FDGRUDVGRVUHFHSWRUHV
mais jovens, parecem, pelo contrário, querer
estimulá-los a prosseguir a leitura. A estes
juntam-se, igualmente, uma pluralidade de
formas verbais actanciais, que sustentam,
em larga medida, o carácter dinâmico
da narrativa e que, aliadas a inúmeros
134
topónimos, estruturam o relato da viagem que
o livro guarda.
A presença assídua e a força dos diálogos,
frequentemente pontuados de humor13, em
especial, aqueles que se celebram entre
animais de espécies distintas, imprimem uma
notória vivacidade ao discurso. Além disso,
não são raras as notas críticas que nestes se
detectam. De facto, pela voz dos animais e
nas suas distintas intervenções, aponta-se o
dedo aos homens, deixando-se transparecer
traços como a indiferença, a ingratidão ou
uma certa crueldade e espelhando-se uma
sociedade que não é de um tempo passado,
mas que é de todos os tempos. Aliás, não
deixa de ser curiosa a proximidade de
certos segmentos com alguns dos textos
da fabulística, muito particularmente pelas
possibilidades simbólicas e representativas
que podemos entender em determinadas
personagens humanizadas. É o que se
constata, por exemplo, no longo diálogo
que entabulam vários animais acerca do seu
companheiro boi e dos gestos do seu amo:
“- Eles comem-te, boi. E não entendes, e não
entendes! Ficas na mesma! Com essa força
que tens!... Ai se fosse comigo”…
- Cala-te para aí, Farrusco – rosnou o cão, do
lado.
- Tu não dizes nada porque o amo te atira um
osso. Por isso lhe fazes festa. (…)
- Todos nós lhe temos medo!
- Pudera! – disse o boi – Ele pica.
- Não é por isso que temos medo. Nós temos
medo dele porque está de pé e fala-nos, e
sentimos que é grande, que é todo poderoso,
o amo que nos dá de comer.
- Mas é um bicho esquisito. É um bicho
que às vezes faz coisas incompreensíveis –
atalhou o burro, tirando o focinho de dentro
da manjedoura.
- Eu bem sei o que ele tem – interrompe o
gato. (…)
- Que bicho! Que bicho!... Anda sempre
ze, ze, ze, como as moscas varejeiras e não
cessa de magicar. De manhã já está a pé e aos
berros; à noite é o último que se deita…(…)
- Não creio! Não creio! São tudo intrigas
que vocês aí têm estado a armar. Eu já corri
mundo e estive no Presépio. (…) O homem é
meu amigo.
- Nem do homem! – concluiu o gato,
retirando-se com importância para a cozinha,
na ponta dos pés.” (Brandão, 2003: 43-45).
Assim, paralelamente às peripécias vividas
por Pisca e Russo “de Má Pêlo” durante
a sua atribulada viagem, o leitor descobre
também um vasto conjunto de personagens
animais. Uns e outras movem-se em cenários
naturalistas que servem de pano de fundo
a diversos episódios cujo encanto, em
muitos casos, repousa sobretudo na moldura
maravilhosa que os diferencia. Mas a
comunhão entre homens e animais, além de
poder situar-se na linha do franciscanismo,
parece ainda, deixar entrever uma temática
que, à época da primeira edição da obra
em apreço, não possui uma particular
expressão na literatura preferencialmente
recebida pelos mais novos. Trata-se da visão
ecológica e, daí decorrentes, de um elogio
e de um respeito pelos espaços naturais e
pela generalidade dos animais, mesmo pelas
espécies tradicionalmente “menos amadas”,
como se conclui, por exemplo, quando o
narrador se demora a relatar as desventuras
“última família de lobos do Marão” e, a dado
PRPHQWRD¿UPD
“É a última família que resta no Marão. A
ÀRUHVWDOPDWRXRVORERVTXHHUDPXPDGDV
expressões mais extraordinárias da serra e os
VHXV¿OKRVGLOHFWRV(QYHQHQRXRVSRUVHUHP
muitos e os julgar inúteis. Ora o lobo é uma
¿JXUDLQGLVSHQViYHOjVHUUD¬VHUUDHjYLGD
O Marão, sem eles, parece mais despovoado
e à vida de imaginação falta qualquer
coisa que apouca o homem em lugar de o
engrandecer.” (idem, ibidem: 53).
Uma referência, ainda, à componente
ilustrativa de Portugal Pequenino. A primeira
edição é ilustrada por Carlos Carneiro
(1900-1971) e integra aguarelas de Lisboa e
do Porto da autoria de José Tagarro (19011931). A edição que manuseámos para
redigir o presente ensaio, datada de 2003,
é ilustrada por António Pimentel (19351998) e apresenta apenas três estampas
incluídas nas seguintes secções: «Março»,
«O Marão» e «O Ribatejo». Estas três
ilustrações – uma delas retomada na capa da
obra – materializam a força, a presença e o
VLJQL¿FDGRGDQDWXUH]DQDQDUUDWLYDGDQGR
conta, no caso das duas primeiras, de uma
das linhas alicerçantesda narrativa e à qual já
aludimos: a comunhão que se celebra entre
esta e as crianças. De assinalar igualmente
que a última das três, sendo preenchida de
andorinhas a voar, parece acentuar as ideias
de viagem, de deslocação constante e, até,
de vitalidade que cruzam, como se sugeriu, a
totalidadedo discurso.
Tudo o que acabámos de expor e que,
agora, concluímos corrobora as razões que
permitem situar Raul Brandão no conjunto
português dos “grandes autores para
pequenos leitores”, ou, por outras palavras,
no universo da “produção canonizada na
literatura portuguesa para a infância e a
juventude (século XX)” (Gomes, Ramos e
Silva, 2007). Como tantos outros “grandes
romancistas que escreveram para crianças”
– pedindo de empréstimo a expressão titular
da obra de Sandra L. Beckett (1997) –, Raul
Brandão, associando-se a Maria Angelina,
colocou a sua escrita e o seu espírito criador
135
(criativo também) ao serviço dos leitores
mais novos, cativando simultaneamente os
adultos. Portugal Pequenino é, pois, um
dos exemplos provados de que as fronteiras
entre a literatura para a infânciae a literatura
dita canónica (para adultos) são difusas e,em
muitos casos, quase inexistentes. E Portugal
Pequenino transcende essas fronteiras.
5HIHUrQFLDVELEOLRJUi¿FDV
BECKETT, Sandra L. (1997). De grands romanciers écrivent
pour les enfants.Montréal: Les Presses de l’ Université de
Montréal.
GOMES, José António (1997). Para uma História da Literatura
Portuguesa para a Infância e a Juventude. Lisboa: Ministério da
Cultura-Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.
Gomes, José António, RAMOS, Ana Margarida e SILVA, Sara
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
136
Reis da (2007). “Produção canonizada na literatura portuguesa
para a infância e a juventude (Século XX)” in GOMES, J. A. e
ROIG RECHOU, Blanca-Ana. Grandes Autores para Pequenos
Leitores. Porto: Deriva, pp. 13-51.
LEMOS, Esther (1972). A Literatura Infantil em Portugal.
Lisboa: Ministério da Educação Nacional/Direcção-Geral da
Educação Permanente.
LEMOS, Esther (1973). “Infantil, literatura”in COELHO, Jacinto
do Prado (dir.). Dicionário de Literatura. Porto: Figueirinhas, pp.
468-474.
5(<1$8'0DULD-RmR³5DXO%UDQGmR¿FomR
e infância” in Revista da Faculdade de Letras “Línguas e
Literaturas”, XII, Porto, pp. 233-245.
ROCHA, Natércia (2001). Breve História da Literatura para
Crianças em Portugal.Nova edição actualizada até ao ano 2000.
Lisboa: Caminho.
SARAIVA, António José e LOPES, Óscar (1987). História da
Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora (14ª ed. corrigida e
actualizada).
TORGA, Miguel (1969). Traço de União. Coimbra: Ed. de Autor
(2ª ed. revista).
TORGA, Miguel (1995). Diário. Vol. I (I-VIII) e Vol. II (IXXVI). Coimbra: Ed. de Autor (1ª ed. Integral).
7RGDVDVFLWDo}HVVHUmRHIHFWXDGDVDSDUWLUGDHGLomRGDREUDGDWDGDGHHHGLWDGDFRPDFKDQFHODGD9HJD
,PSRUWDWDOYH]DFUHVFHQWDUTXHGHVGHRLQtFLRGRVDQRVGRVpFXOR;;VHREVHUYDXPDUHODWLYDDVVLGXLGDGHGH
WHPiWLFDVQmRLVHQWDVGHXPDOLJDomRDRLGHiULRSROtWLFRGRUHJLPHYLJHQWHGHVLJQDGDPHQWHRHORJLRDR³WRUUmR´
SRUWXJXrV$VVLQDOHVHHDWtWXORPHUDPHQWHH[HPSOL¿FDWLYRDSXEOLFDomRGH0HX3RUWXJDO0HX*LJDQWHGH$GROIR
6LP}HV0XOOHUH-RDQLWR$IULFDQLVWDGH(PtOLD6RXVD&RVWD
2YROXPHTXHVHUYLXGHREMHFWRGHDQiOLVHGHVWHHQVDLRSRVVXLSiJLQDV
5HIHULPRQRVSRUH[HPSORDH[SUHVV}HVFRPR³H[FODPDDDUDQKDPDLVDQWLJDGRWHPSRGH&DPLOR«´%UDQGmR
RX³1HPR=pGR7HOKDGR´LGHPLELGHPHQWUHYiULDVRXWUDV
(QWHQGDVHDTXLGRYROXPHUHIHUHQWHjHGLomR
$OLiVDRORQJRGRVGH]DVVHLVYROXPHVGR'LiULRPXOWLSOLFDPVHDVUHIHUrQFLDVD5DXO%UDQGmRHjVXDREUDHVFULWRU
HYRFDGR D SDU GH RXWURV WDQWRV SRUWXJXHVHV H HVWUDQJHLURV 6REUH HVWD WHPiWLFD YLGH 6,/9$ 6DUD 5HLV ³$VSHFWRVGD/LWHUDWXUD3RUWXJXHVDQR'LiULRGH0LJXHO7RUJD´LQ$$99&HQWHQiULRGH%UDQTXLQKRGD)RQVHFD
3UHVHQoDH2XWURV3HUFXUVRV$YHLUR8QLYHUVLGDGHGH$YHLURSS
&RPRSRUH[HPSORFDoDUJULORV%UDQGmRHSUHQGHUDYHVLGHPLELGHP
1R¿QDOGD³HQWUDGD´TXHGHGLFDPD5DXO%UDQGmRDVVLQDODP³'HFRODERUDomRFRPDPXOKHU0DULD$QJHOLQD
%UDQGmRHVFUHYHXXPDQDUUDWLYDSDUDFULDQoDV3RUWXJDO3HTXHQLQR´6DUDLYDH/RSHV
$VVLQDOHVH D HVWH SURSyVLWR RV YiULRV YHUVRV SHUWHQFHQWHV DR SDWULPyQLR SRpWLFR WUDGLFLRQDO RUDO PXLWRV GHOHV
UHFXSHUDGRVGHULPDVLQIDQWLVTXHHQWUHPHLDPRUHODWRQDUUDWLYR
&ISRUH[HPSOR³2QGHHVWiHOHHD3LVFD"1LQJXpPVDEH´%UDQGmR
&ISRUH[HPSOR³3RU~OWLPRGHYRGL]HUTXH´LGHPLELGHP³&RQIHVVRTXHRVHXFDQWRQmRpERQLWR±pPHOKRU
GRTXHERQLWR'LJDVHDYHUGDGHDDQGRULQKDQmRFDQWDDDQGRULQKDFRQYHUVD´LGHPLELGHP
Cf., por exemplo, “O sol doira uma janela, uma eira, um espigueiro, o campo de milho alimentado a sargaço que tem
RVSpVQDiJXD2ULRD]XORJUDQGHPRQWHIURQWHLULoRDiJXDRFpXQmRWrPH[LVWrQFLDUHDO´LGHPLELGHP
1RSULPHLURFDStWXORSRUH[HPSORXPDDQGRULQKDFRQIXQGHRLUPmRPDLVQRYRGH5XVVRFRPXPDUmSHOR
facto de aquele ainda gatinhar.
Download

Prtugal pequenino, de Maria Angelina e Raul Brandão Autor(es