UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias - Departamento de Ciências Veterinárias Pedro Emanuel Silva Machado Diabetes mellitus no cão Dissertação apresentada à Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias - Departamento de Ciências Veterinárias - da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Medicina Veterinária. Orientador: Professora Doutora Maria João Pires Co-orientador: Professor Doutor Luís Navarro de Hago VILA REAL, 2010 i Agradecimentos – Diabetes mellitus no cão. AGRADECIMENTOS À Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, na pessoa do seu Magnífico Reitor, Professor Doutor Carlos Alberto Sequeira, e aos meus professores por me introduzirem a Medicina Veterinária e me transmitirem os mais diversos conhecimentos das áreas científica, tecnológica e inter-pessoal. À Professora Doutora Maria João Pires, por toda a disponibilidade, simpatia, amizade e incentivo. Ao Professor Doutor Luís Navarro de Hago, à Dr.a Dolores Muñoz Muñoz e a todo o corpo clínico do Centro Veterinário Valdelasfuentes por todos os ensinamentos e por me terem recebido de braços abertos. À Medicina Veterinária por ter preenchido a minha vida com os melhores amigos e melhor mulher e amiga. À minha mãe e irmãs por serem os pilares da minha vida. À família Pita-Romero por me ii tratarem como parte da família. Resumo – Diabetes mellitus no cão. RESUMO A diabetes mellitus é uma doença metabólica de etiologia heterogénea, caracterizada por um aumento crónico da concentração de glicose no sangue devido a um defeito na produção de insulina ou falha na sua utilização a nível celular. A insulina é a base fundamental do tratamento da diabetes mellitus no cão, sendo factores coadjuvantes a dieta e o exercício. Os animais não tratados ou mal controlados podem sofrer complicações como a cetoacidose diabética. Este trabalho foi efectuado durante o estágio curricular no Centro Veterinário Valdelasfuentes e encontra-se estruturado em duas partes principais: revisão bibliográfica sobre o tema e apresentação de 4 casos clínicos, acompanhados durante o mesmo período. Tendo em conta o conhecimento teórico e prático adquiridos durante a realização deste trabalho, é possível concluir que o sucesso do tratamento depende essencialmente, do compromisso do proprietário em tratar a doença, da facilidade de regulação da glicemia, da presença de doenças concorrentes, assim como da prevenção de complicações crónicas relacionadas com a diabetes mellitus. Palavras-Chave: diabetes mellitus, cão, hiperglicemia e glicose. iii Abstract – Diabetes mellitus no cão. ABSTRACT Diabetes mellitus consists of a group of metabolic diseases, with heterogenic etiology, that are characterized by a chronic excess of blood glucose concentration, resulting from defects in insulin secretion, insulin action, or both. Insulin is the cornerstone of therapy for Diabetes mellitus in dogs. Diet and exercise plays an integral role in the successful management of diabetic dog. Untreated animals or bad controlled ones can suffer complications as diabetic ketoacidosis. This work was performed during the curricular period in the Veterinary Center Valdelasfuentes and is structured in two main parts: bibliographical report and presentation of 4 case studies, accompanied during the same period. Based on practical and theoretical knowledge acquired during the achievement of this work, is possible to conclude that the success on handling this disease, depends essentially, on the owner commitment to treat the disease, on the facility of glucose regulation, on the presence of concurrent diseases, as well as the prevention of chronic complications related with the Diabetes mellitus. Keywords: diabetes mellitus, dog, hyperglycemia and glucose. iv Índice Geral – Diabetes mellitus no cão. ÍNDICE GERAL Agradecimentos ....................................................................................................................... ii Resumo ................................................................................................................................. iii Abstract ................................................................................................................................. iv Índice de figuras e gráficos..................................................................................................... x Índice de tabelas.................................................................................................................... xi Lista de siglas/acrónimos e abreviaturas .............................................................................. xii I. INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 1 1. Classificação segundo a sua fisiopatologia .............................................................................. 1 2. Diagnóstico ............................................................................................................................ 4 3. 2.1 Identificação do Animal ................................................................................................................................................ 4 2.2 Anamnese e Exame físico ............................................................................................................................................. 5 2.3 Avaliação Laboratorial................................................................................................................................................... 6 2.3.1 Hemograma .................................................................................................................................................................... 7 2.3.2 Bioquímica sanguínea ............................................................................................................................................... 8 2.3.2.1 Glicose ............................................................................................................................................................................... 8 2.3.2.2 Colesterol ......................................................................................................................................................................... 8 2.3.2.3 Triglicerídeos ................................................................................................................................................................ 8 2.3.2.4 Enzimas hepáticas ...................................................................................................................................................... 9 2.3.2.5 Ureia e creatinina ........................................................................................................................................................ 9 2.3.2.6 Equilibrio ácido-base ................................................................................................................................................ 9 2.3.3 Análise de urina .........................................................................................................................................................10 2.3.3.1 Glicose .............................................................................................................................................................................10 2.3.3.2 Corpos Cetónicos .......................................................................................................................................................10 2.3.4 Outras provas complementares ........................................................................................................................10 2.3.4.1 Concentração de fructosamina circulante ....................................................................................................10 2.3.4.2 Concentração de hemoglobina glicosilada ...................................................................................................11 2.3.4.3 Enzimas pancreáticas e TLI .................................................................................................................................11 Tratamento ........................................................................................................................... 12 v Índice Geral – Diabetes mellitus no cão. 3.1 Dieta ......................................................................................................................................................................................12 3.2 Exercício ..............................................................................................................................................................................13 3.3 Hipoglicemiantes Orais ...............................................................................................................................................13 3.4 Insulina ................................................................................................................................................................................14 3.5 Pauta de Tratamento ....................................................................................................................................................15 3.6 Curva de Glicemia ...........................................................................................................................................................16 3.6.1 Interpretação da Curva de Glicemia ................................................................................................................17 3.6.1.1 Eficácia da insulina ...................................................................................................................................................17 3.6.1.2 “Nadir”.............................................................................................................................................................................18 3.6.1.3 Duração de acção da insulina ..............................................................................................................................18 4. Controlo do animal diabético ................................................................................................ 19 5. Complicações da terapia insulínica ....................................................................................... 20 6. 7. 5.1 Hipoglicemia .....................................................................................................................................................................20 5.2 Hiperglicemia Induzida pela Insulina (“Efeito Somogyi”) ........................................................................20 5.3 Curta Duração do Efeito Insulínico .......................................................................................................................21 5.4 Resistência à Acção da Insulina ..............................................................................................................................21 Complicações da Diabetes mellitus a longo prazo ................................................................. 22 6.1 Cataratas .............................................................................................................................................................................22 6.2 Uveíte ....................................................................................................................................................................................22 Cetoacidose diabética ........................................................................................................... 23 7.1 Tratamento ........................................................................................................................................................................23 7.1.1 Fluidoterapia ...............................................................................................................................................................23 7.1.2 Suplementação com Potássio ..............................................................................................................................24 7.1.3 Suplementação com Fosfato ................................................................................................................................24 7.1.4 Bicarbonato ..................................................................................................................................................................25 7.1.5 Insulina ...........................................................................................................................................................................25 8. Prognóstico........................................................................................................................... 26 II. Objectivos ......................................................................................................................... 27 vi Índice Geral – Diabetes mellitus no cão. TRABALHO PRÁTICO – Casos Clínicos ........................................................................ 28 III. 1. Considerações gerais ............................................................................................................ 28 2. Casos clínicos ....................................................................................................................... 30 2.1 Caso clínico 1 ....................................................................................................................................................................30 2.1.1 Identificação do animal ..........................................................................................................................................30 2.1.2 Anamnese ......................................................................................................................................................................30 2.1.3 Exame físico .................................................................................................................................................................30 2.1.4 Diagnósticos diferenciais ......................................................................................................................................31 2.1.5 Exames complementares ......................................................................................................................................31 2.1.6 Diagnóstico ...................................................................................................................................................................32 2.1.7 Prognóstico...................................................................................................................................................................32 2.1.8 Tratamento ...................................................................................................................................................................32 2.1.8.1 Tratamento médico ..................................................................................................................................................32 2.1.8.2 Tratamento dietético...............................................................................................................................................33 2.1.8.3 Exercício .........................................................................................................................................................................33 2.1.8.4 Acompanhamento do caso ...................................................................................................................................33 2.2 Caso clínico 2 ....................................................................................................................................................................34 2.2.1 Identificação do animal ..........................................................................................................................................34 2.2.2 Anamnese ......................................................................................................................................................................34 2.2.3 Exame físico .................................................................................................................................................................34 2.2.4 Diagnósticos diferenciais ......................................................................................................................................34 2.2.5 Exames complementares ......................................................................................................................................35 2.2.6 Diagnóstico ...................................................................................................................................................................36 2.2.7 Prognóstico...................................................................................................................................................................36 2.2.8 Tratamento ...................................................................................................................................................................36 2.2.8.1 Tratamento médico ..................................................................................................................................................36 2.2.8.2 Tratamento dietético...............................................................................................................................................36 2.2.8.3 Exercício .........................................................................................................................................................................36 vii Índice Geral – Diabetes mellitus no cão. 2.2.9 2.3 Acompanhamento do caso ...................................................................................................................................36 Caso clínico 3 ....................................................................................................................................................................38 2.3.1 Identificação do animal ..........................................................................................................................................38 2.3.2 Anamnese ......................................................................................................................................................................38 2.3.3 Exame físico .................................................................................................................................................................38 2.3.4 Diagnósticos diferenciais ......................................................................................................................................39 2.3.5 Exames complementares ......................................................................................................................................39 2.3.6 Diagnóstico ...................................................................................................................................................................40 2.3.7 Prognóstico...................................................................................................................................................................40 2.3.8 Tratamento ...................................................................................................................................................................40 2.3.8.1 Tratamento médico ..................................................................................................................................................40 2.3.8.2 Tratamento dietético...............................................................................................................................................40 2.3.8.3 Exercício .........................................................................................................................................................................40 2.3.9 Acompanhamento do caso ...................................................................................................................................41 2.4 Caso clínico 4 ....................................................................................................................................................................44 2.4.1 Identificação do animal ..........................................................................................................................................44 2.4.2 Anamnese ......................................................................................................................................................................44 2.4.3 Exame físico .................................................................................................................................................................44 2.4.4 Diagnósticos diferenciais ......................................................................................................................................45 2.4.5 Exames complementares ......................................................................................................................................45 2.4.6 Diagnóstico presuntivo ..........................................................................................................................................47 2.4.7 Prognóstico...................................................................................................................................................................47 2.4.8 Tratamento ...................................................................................................................................................................47 2.4.8.1 Tratamento médico ..................................................................................................................................................47 2.4.8.2 Tratamento cirúrgico ..............................................................................................................................................48 2.4.1 Acompanhamento do caso ...................................................................................................................................48 IV. Discussão .......................................................................................................................... 50 V. CONCLUSÃO .................................................................................................................. 55 viii Índice Geral – Diabetes mellitus no cão. VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 56 ix Índice de Figuras e Gráficos – Diabetes mellitus no cão. ÍNDICE DE FIGURAS: Figura 1. Catarata da Chispa. Existe hiperemia a nível da esclera (fotografia gentilmente cedida pelo Centro Veterinário Valdelasfuentes). ......................................................................................................................................... 6 Figura 2. Curva de glicemia ideal (adaptado de: Greco, 2002) ...................................................................................19 Figura 3. Aparelhos utilizados no processamento das amostras...............................................................................29 Figura 4. Algumas das imagens presentes no pequeno manual da Caninsulin , para o seguimento do cão diabético. ........................................................................................................................................................................................29 Figura 5. Chispa ...................................................................................................................................................................................30 Figura 6. Electrocardiograma da Linda. ..................................................................................................................................45 ÍNDICE DE GRÁFICOS: Gráfico 1. Curva de glicemia da Breda. ....................................................................................................................................37 Gráfico 2. Curva de glicemia da Jana. ........................................................................................................................................42 Gráfico 3. Curva de glicemia da Linda. .....................................................................................................................................48 x Índice de Tabelas – Diabetes mellitus no cão. ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1. Classificação da Diabetes mellitus em humanos (adaptado de: Catchpole et al., 2008). ............ 2 Tabela 2. Classificação proposta por Catchpole para a diabete mellitus no cão (adaptado de: Catchpole et al., 2005 e 2008). ............................................................................................................................................................................. 3 Tabela 3. Classificação proposta por Fall para a diabetes mellitus canina (adaptado de: Fall, 2009). ..... 4 Tabela 4. Algumas das raças com maior/menor predisposição para o desenvolvimento de DM (adaptado de: Nelson, 2007). ......................................................................................................................................................... 5 Tabela 5. Alterações clinicopatológicas frequentes em cães com DM não complicada (adaptado de: Ettinger, 2003). ...................................................................................................................................................................................... 7 Tabela 6. Causas de hiperglicemia (adaptado de: Ettinger, 2003).............................................................................. 7 Tabela 7. Conteúdo de macronutrientes (matéria seca) em algumas comidas comerciais para cães (adaptado de: Greco, 2003). ..........................................................................................................................................................12 Tabela 8. Alguns tipos de insulina utilizadas em animais de companhia (adaptado de: Nelson e Couto, 2000; Nelson, 2007, INFARMED, 2010). .................................................................................................................................14 Tabela 9. Prospecto de Caninsulin®. .......................................................................................................................................16 Tabela 10. Causas de ineficácia ou de resistência à insulina em cães diabéticos (adaptado de: Ettinger, 2003). ........................................................................................................................................................................................................21 Tabela 11 . Valores de referência de fructosamina do metrolab 2300. ..................................................................30 Tabela 12. Hemograma realizado na Chispa. .......................................................................................................................31 Tabela 13. Resultados das análises clínicas realizadas na Chispa. ...........................................................................32 Tabela 14. Resultados das análises clínicas realizadas na Breda. .............................................................................35 Tabela 15. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Breda. ........37 Tabela 16. Resultados das análises clínicas realizadas na Jana. .................................................................................39 Tabela 17. Análise de urina da Jana (Segunda colheita).................................................................................................41 Tabela 18. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Jana. ..........42 Tabela 19. Análise de urina da Jana (Terceira colheita). ................................................................................................43 Tabela 20. Resultados das análises clínicas realizadas na Linda. ..............................................................................46 Tabela 21. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Linda. ........47 Tabela 22. Análise de urina da Linda (Segunda colheita)..............................................................................................48 Tabela 23. Resultados da biopsia pancreática da Linda. ................................................................................................48 xi Lista de siglas/acrónimos e abreviaturas – Diabetes mellitus no cão. LISTA DE SIGLAS/ACRÓNIMOS, SINAIS/SÍMBOLOS ALT – Alanina Amino transferase AST – Aspartato Amino transferase BID – Cada 12 horas CAD – Cetoacidose diabética CMHC – Concentração média de hemoglobina corpuscular dL – Decilitro DM – Diabetes mellitus DMDI – Diabetes mellitus dependente de insulina DMNDI – Diabetes mellitus não dependente de insulina DRI – Diabetes por resistência à insulina ECG – Electrocardiograma EDTA – Ácidoetilenodiaminotetracético EM – Energia metabólica Eq – Equivalente FA – Fosfatase Alcalina fl – Fentolitro g – Grama GH – Hormona de crescimento (“Growth hormone”) GHb – Hemoglobina glicosilada h – Hora HCM – Hemoglobina corpuscular média Hgb – Hemoglobina IM – Intramuscular IPE – Insuficiência pancreática exócrina IV – Intravenoso K+ – Ião potássio Kcal – Quilocaloria Kg – Quilograma (unidade de peso) L – Litro mEq – Mili-equivalentes mEq/L – Mili-equivalentes por litro (unidade de concentração) mg – Miligrama mg/dL – Miligrama por decilitro xii ABREVIATURAS E Lista de siglas/acrónimos e abreviaturas – Diabetes mellitus no cão. mg/Kg – Miligrama por quilograma min. – Minuto mL – Militro mmol – Milimole mmol/L – Milimole por litro NaCl – Cloreto de Sódio NPH – Insulina isofânica (“Neutral Protamine Hagedorm”) ºC – Graus Celsius OVH – Ovariohisterectomia PD – Polidipsia PDWc – índice de distribuição de plaquetas (“Platelet Distribution Width”) pH – Potencial Hidrogeniónico PO – Via oral PU – Poliuria PZI – Insulina protamina-zinco (“Protamine Zinc Insulin”) RDW – Índice de anisocitose (“Red Cell Distribution Width”) SC – Subcutâneo T4 – Tiroxina TLI – “Trypsin-Like Immuno reactivity” TRC – Tempo de repleção capilar U/Kg – Unidade por quilograma UI – Unidades internacionais VCM – Volume corpuscular médio VMP – Volume médio das plaquetas % – Percentagem – Marca registada mol – Micromole mol/L – Micromole por litro < – Menor > – Maior xiii Introdução – Diabetes mellitus no cão. I. INTRODUÇÃO O pâncreas endócrino é composto por ilhéus de Langerhans, que se encontram dispersos como “ilhas pequenas” num “mar” de células acinares de secreção exócrina. Com base nas suas propriedades de coloração e morfologia, as células que compõem esses ilhéus dividem-se em quatro tipos distintos: as células as células que segregam o glucagon, as células que segregam a insulina, que segregam a somatostatina e as células F que segregam o polipéptido pancreático (Feldman e Nelson, 2000). A glicose é a principal fonte de energia para as células do corpo, excepto para os músculos cardíaco e esquelético que normalmente usam ácidos gordos livres como fonte de energia. A concentração de glicose no sangue é um reflexo da absorção gastrointestinal de hidratos de carbono, proteína e gordura, e ainda um reflexo da produção de glicose através da lipólise, da glicogenólise nos adipócitos, fígado e músculo, e através da gliconeogénese hepática (Johnson, 2008). A diabetes mellitus (DM) é uma doença endócrina caracterizada por um aumento crónico dos níveis de glicose no sangue devido a um defeito na secreção de insulina, na sua acção, ou ambas (ADA, 2003). A sua etiologia não se conhece com exactidão, sendo sem dúvida multifactorial (Nelson, 2007). 1. Classificação segundo a sua fisiopatologia Ao longo dos anos foram várias as tentativas de classificar a DM canina. No entanto, continuam a não existir em Medicina Veterinária critérios internacionalmente aceites para a classificação da mesma (Rand et al., 2004). A maioria dos cães diabéticos têm uma deficiência absoluta de insulina, e há evidências que normalmente é causada por destruição imunomediada das células . A infiltração de células inflamatórias nos ilhéus de Langerhans ocorre em 46% dos cães, e 50% apresentam em circulação anticorpos anti-células (Rand et al., 2003). A diabetes mellitus é classificada nos humanos em diabetes mellitus tipo 1, diabetes mellitus tipo 2, diabetes de outros tipos de etiologia e diabetes gestacional (tabela 1). Se estes critérios de classificação fossem aplicados à espécie canina, pelo menos 50% dos casos de diabetes seriam classificados como tipo 1, esta proporção tem sido demonstrada pela existência de anticorpos contra as células (Davison et al., 2003; Rand e Fleeman, 2005). Os restantes cães têm outros 1 Introdução – Diabetes mellitus no cão. tipos de diabetes específicos que resultam da destruição pancreática, resistência crónica à insulina, ou diabetes induzida pelo diestro (Rand e Fleeman, 2005). Tabela 1. Classificação da Diabetes mellitus em humanos (adaptado de: Catchpole et al., 2008). I. Diabetes mellitus tipo 1 (destruição de células que leva a uma deficiência absoluta de insulina): A. Imunomediada B. Idiopática II. Diabetes mellitus tipo 2 (há predominantemente uma resistência à insulina com deficiência de produção de insulina relativa ou predominantemente uma deficiência na produção de insulina com resistência periférica à insulina). III. Outros Tipos: A. Defeitos genéticos na função das células B. Defeitos genéticos na acção da insulina C. Doenças do pâncreas exócrino D. Endocrinopatias E. Induzida por fármacos ou substâncias químicas F. Infecções G. Formas raras de diabetes imunomediadas Diabetes na Gestação IV. Aproximadamente 28% da DM canina deve-se a uma pancreatite crónica (Rand, et al., 2004) por destruição dos ilhéus de Langerhans. A DM e a pancreatite podem ocorrer concorrentemente e está provado que a DM aumenta o risco de morte por pancreatite aguda em cães, e que em sentido inverso a pancreatite é uma complicação comum da DM e da cetoacidose diabética (CAD) (Watson, 2007). A insuficiência pancreática exócrina subclínica tem sido descrita em cães diabéticos. Contudo, pode ser a causa ou a consequência da insuficiente produção de insulina pelas células (Fleeman e Rand, 2005), uma vez que, foi demonstrado que o pâncreas se atrofia na diabetes tipo1 crónica em humanos possivelmente devido à falta do efeito trófico que a insulina exerce sobre o pâncreas exócrino (Gale, 2005). A incidência da diabetes de gestação e de diestro é baixa em cães (Fall, 2009), e depende da proporção de cadelas inteiras na população (Fleeman e Rand, 2005). Este tipo de diabetes deve-se ao aumento de progesterona que tem um efeito antagonista directo na insulina e também estimula a secreção de hormonas de crescimento (GH) pelas glândulas mamárias (Gale, 2005). A progesterona diminui a união da insulina e o transporte de glicose nos tecidos, e a GH antagoniza a insulina através de uma diminuição do número de receptores de insulina. Como a DM em fêmeas não esterilizadas está na maioria das vezes associada ao diestro (Catchpole et al., 2005), e actualmemente a ovariohisterectomia (OVH) antes dos 12 meses, é um procedimento cada vez mais aconselhado, a incidência deste tipo de diabetes é cada vez menor (Catchpole et al., 2005; Davison et al., 2005). Segundo Rand e Fleeman (2005), cerca de 20% da DM canina está associada a estados de resistência à insulina que podem ser devidos a uma doença concorrente ou a um tratamento que 2 Introdução – Diabetes mellitus no cão. produz resistência à insulina, podendo ocorrer em cães com hiperadrenocorticismo ou que estão com tratamentos crónicos com corticosteroídes. Embora a obesidade produza resistência à acção da insulina, não existem publicações de diabetes tipo 2 em cães, nem de que a obesidade é um factor de risco da diabetes canina (Rand e Fleeman, 2005). Enquanto German et al. (2009), defendem que embora não seja comum os cães sofrerem de diabetes tipo 2, existe uma associação entre diabetes canina e obesidade, e suportam esta associação dizendo que a DM pode ser induzida em cães através da manipulação da dieta, e que em cães em que ao longo das suas vidas se restringiu a ingestão de alimento, verificou-se uma melhoria na sensibilidade à insulina e na tolerância à glicose. O sistema de classificação em diabetes mellitus dependente de insulina (DMDI) e diabetes mellitus não dependente da insulina (DMNDI) foi usado em Medicina Humana até 1999, sendo ainda utilizado em Medicina Veterinária. Como a maioria dos cães são tratados com insulina uma vez detectada a doença, quase todos são classificados em DMDI. Além disso, este sistema de classificação não ajuda o clínico a elaborar prognósticos e opções de tratamento (Fall, 2009). Catchpole et al. (2005), sugerem um sistema de classificação em que os cães são divididos em dois grupos: diabetes por deficiência de insulina (DDI) e diabetes por resistência à insulina (DRI) (Tabela 2). Tabela 2. Classificação proposta por Catchpole para a diabete mellitus no cão (adaptado de: Catchpole et al., 2005 e 2008). I. Diabetes por Deficiência de Insulina (DDI): Deficiência absoluta em insulina. A DDI primária é caracterizada por uma diminuição progressiva das células . A etiologia da destruição/deficiência em células é actualmente desconhecida, mas pensa-se que vários processos possam estar envolvidos: - Hipoplasia/atrofia congénita das células - Destruição de células associada a doenças do pâncreas exócrino - Destruição de células imunomediada - Processos idiopáticos Diabetes por Resistência à Insulina (DRI): deficiência relativa em insulina1. A DRI primária resulta geralmente de um antagonismo à acção da insulina por outras hormonas. - Diabetes na gestação ou no diestro - Secundária a outras endocrinopatias (Hiperadrenocorticismo; Acromegalia) - Iatrogénica (Glucocorticóides de síntese; Progestagéneos de síntese) II. 1 Pode haver progressão de DRI para DDI secundária como consequência da perda de células associada a hiperglicemia não controlada. Segundo Fall (2009), embora esta classificação proposta por Catchpole et al. (2005) seja atractiva, tem vários inconvenientes, dado que a maioria dos casos de DM permanecem como idiopáticos e mantém-se a dificuldade de comunicação com os clínicos de Medicina Humana que classificam a diabetes mellitus em tipo 1 e tipo 2. Para além disto, alguns cães passam de um estado de resistência à insulina para um estado de deficiência de insulina, após o efeito tóxico da glicose. Por estas razões, este autor sugere um novo sistema de classificação semelhante ao usado em medicina humana (Tabela 3). 3 Introdução – Diabetes mellitus no cão. Tabela 3. Classificação proposta por Fall para a diabetes mellitus canina (adaptado de: Fall, 2009). Diabetes mellitus juvenil: - Hipoplasia das células - Deficiência de células combinado com atrofia acinar pancreática Correspondência na classificação em humanos Sem correlação Sem correlação Relacionada com progesterona: - Gestação - Diestro Classe IV Classe IV Secundária a pancreatite Classe III: C Tumores endócrinos: - Hiperadrenocorticismo - Acromegalia - Glucagonoma Iatrogénica: - Glucocorticoides - Progestagéneos - Secundária a tratamento de insulinoma Diabetes mellitus imunomediada2 Diabetes mellitus idiopática Classe III: D Classe III: D Classe III: D Classe III: E Classe III: E Classe III: C/ Classe III: E Classse I: A Sem correlação Classificação em cães 2 A importância da etiologia imunomediada na diabetes mellitus canina ainda não é claramente conhecida Apesar de todas as classificações sugeridas pelos vários autores, não há em Medicina Veterinária uma classificação que seja aceite a nível internacional, sendo no entanto de extrema importância para o clínico usar um sistema de classificação apropriado que lhe permita identificar e diferenciar as diferentes formas e estádios da doença. 2. Diagnóstico Segundo Nelson (2007), um diagnóstico de diabetes mellitus requer a presença de sinais clínicos característicos (poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso), de uma hiperglicemia de aparecimento agudo e persistente, e de glicosúria. Alguns autores referem valores de glicose sérica de 250 mg/dL e uma densidade urinária > 1,014 (Nelson, 2005; Jardón et al., 2007). Os dados laboratoriais devem ser sempre avaliados juntamente com a história clínica e o exame físico (Schermerhorn, 2003), sendo fundamental averiguar a existência de doenças concorrentes como o hiperadrenocorticismo ou a pancreatite (Fall, 2009). Actualmente não há um teste laboratorial capaz de detectar a doença precocemente e o diagnóstico é geralmente feito tarde no decurso da doença (Rand e Fleeman, 2004). Em Medicina Veterinária, não é costume realizarem-se testes para avaliar a secreção de insulina (Fall, 2009). 2.1 Identificação do Animal A DM apresenta uma maior incidência em cães entre os 4 e 14 anos, com um pico de prevalência entre os 7-10 anos (Nelson, 2007). É muito mais frequente em fêmeas (Feldman e Nelson, 2000; Nelson, 2007), embora num estudo britânico, realizado por Davison et al. (2005), 4 Introdução – Diabetes mellitus no cão. com 253 cães com DM, esta relação não tenha sido observada. Alguns autores mencionam uma certa predisposição racial (tabela 4), no entanto pode afectar cães de todas as raças (Nelson, 2007). Tabela 4. Algumas das raças com maior/menor predisposição para o desenvolvimento de DM (adaptado de: Nelson, 2007). Raças com maior predisposição Raças com menor predisposição Terrier australiano Schnauzer standard Schnauzer anão Bichon frise Spitz Fox terrier Caniche anão Samoyedo Cairn terrier Keeshond Pastor alemão Collies Pastor shetland Golden retriever Cocker spaniel Pastor australiano Labrador retriever Dobermann pinscher A predisposição racial pode ser justificada pelo facto de algumas raças apresentarem uma maior susceptibilidade para outras endocrinopatias como o hiperadrenocorticismo (Hoening, 2002). 2.2 Anamnese e Exame físico É importante a realização de uma anamnese e de um exame físico exaustivos em todos os animais com suspeita de diabetes mellitus devido à alta prevalência de complicações concorrentes (Nelson, 2007). Os animais com DM podem apresentar uma grande variedade de sinais clínicos que dependem do intervalo de tempo entre o aparecimento de hiperglicemia e o diagnóstico; da gravidade da hiperglicemia; da presença e gravidade da cetonemia; e da natureza e gravidade de doenças concorrentes, como a pancreatite (Rucinsky et al., 2010). Os sinais clínicos aparecem quando as concentrações de glicose no sangue superam o seu limiar renal de reabsorção (180-220 mg/dL) (Nelson, 2007). Estes sinais incluem a poliúria (produção de urina >50 mL/Kg/dia), a polidipsia (consumo de água >100 mL/Kg/dia) e a perda de peso (Battistella, 2005). É usual que os proprietários levem o seu animal à consulta devido ao facto de este ter começado a urinar em casa. Apesar de não ser muito frequente, às vezes o motivo da consulta é o aparecimento de alguma complicação da DM, sem que previamente se tenham detectado os sinais clínicos típicos da doença. Uma das complicações mais frequentes é a cegueira de evolução rápida devido à formação de cataratas (figura 1) (Nelson e Feldman, 2000). 5 Introdução – Diabetes mellitus no cão. Figura 1. Catarata da Chispa. Existe hiperemia a nível da esclera (fotografia gentilmente cedida pelo Centro Veterinário Valdelasfuentes). Se o cão não for tratado pode passar a um estado de cetoacidose, uma situação grave que necessita de cuidados intensivos (Fall, 2009), apresentando estes animais sinais de doença sistémica (letargia, anorexia, vómito e fraqueza), associados ao desenvolvimento de cetonemia e acidose metabólica (Greco, 2004; Fleeman e Rand, 2005). As alterações detectadas durante a realização do exame físico dependem da gravidade da doença e da existência de complicações. Em cães diabéticos que não sofrem de outras doenças, o exame físico é praticamente normal, na sua maioria são animais obesos ou que apresentam um bom estado corporal e, mesmo que tenham perdido peso, raramente aparecem muito magros ou caquéticos (Nelson e Feldman, 2000), a menos que exista uma doença concorrente (por ex.: insuficiênia pancreática exócrina) (Nelson, 2007). A hepatomegalia, devido à lipidose hepática é muito comum, assim como um pêlo mal cuidado (Petrie, 2004; Fleeman e Rand, 2005). As alterações do cristalino compatíveis com cataratas são comuns em diabéticos (Petrie, 2004). A presença de CAD aumenta a gravidade das alterações observadas, nomeadamente: desidratação, letargia, debilidade, e um característico odor a acetona na cavidade oral (Nelson e Feldman, 2000). Em caso de acidose metabólica grave pode observar-se uma respiração lenta e profunda (respiração de Kussmaul), vómito, dor e distensão abdominal, e em casos de hiperosmolaridade grave, os animais podem entrar num estado de coma (Greco, 2004; Nelson, 2005). 2.3 Avaliação Laboratorial A avaliação laboratorial mínima deve incluir a realização de um hemograma, de alguns parâmetros bioquímicos séricos e de uma análise e cultura de urina (Nelson, 2007). Uma vez estabelecido o diagnóstico de DM, recomenda-se uma avaliação minuciosa dos dados clinicopatológicos de rotina (Tabela 5) (Nelson, 2007), com o objectivo de identificar qualquer alteração que possa, ser a causa ou ter contribuído para o desenvolvimento da diabetes 6 Introdução – Diabetes mellitus no cão. (por ex.: hiperadrenocorticismo), ser uma consequência da diabetes (por ex.: cistite bacteriana) ou necessitar de tratamento adicional (por ex.: pancreatite). Tabela 5. Alterações clinicopatológicas frequentes em cães com DM não complicada (adaptado de: Ettinger, 2003). Hemograma Completo: Habitualmente normal Leucocitose por neutrofilia, neutrófilos tóxicos se existe pancreatite ou infecção Análise bioquímica: Hiperglicemia Hipercolesterolemia Hipertrigliceridemia (lipedemia) Aumento da ALT (habitualmente <500 UI/L) Aumento da FA (habitualmente <500 UI/L) Análise de urina: Densidade frequentemente >1.025 Glicosúria Cetonúria variável Proteinúria Bacteriúria Provas complementares: Hiperlipasemia Hiperamilasemia TLI sérico habitualmente normal1 Concentrações variáveis de insulina sérica 2 1 Pode aumentar em caso de pancreatite; Pode diminuir em caso de insuficiência pancreática exócrina; 2 DMDI: baixo, normal; DMNDI: baixo, normal, aumentado; Resistência à insulina induzida: Baixa, normal, aumentada. A hiperglicemia e a glicosúria são importantes para o diagnóstico de DM, uma vez que a hiperglicemia distingue a diabetes mellitus de uma glicosúria renal primária, e a glicosúria distingue a diabetes mellitus de outras causas de hiperglicemia (tabela 6). Tabela 6. Causas de hiperglicemia (adaptado de: Ettinger, 2003). Diabetes mellitus Pós-prandial (alimentação húmida) Hiperadrenocorticismo Estro Feocromocitoma Pancreatite Neoplasia pancreática exócrina Insuficiência renal Stresse Fármacos (glucocorticóides, progestagénios, acetato de megesterol) Fluidoterapia com glicose Erro laboratorial Ocasionalmente, podemos encontrar animais com hiperglicemia leve (130-180 mg/dL), acompanhada ou não de glicosúria ligeira ou transitória, isto pode ocorrer como consequência da ingestão de alimento, em animais stressados, numa fase inicial da doença (ainda subclínica), ou no começo das alterações que produzem uma resistência à acção da insulina (Nelson,2005). 2.3.1 Hemograma Os resultados são praticamente normais nos animais diabéticos sem complicações. Em alguns casos, pode observar-se uma leve policitemia se o animal está desidratado. A presença de 7 Introdução – Diabetes mellitus no cão. leucocitose pode estar relacionada com processos infecciosos ou inflamação grave, especialmente se existe uma pancreatite subjacente. A presença de neutrófilos tóxicos, ou de um desvio à esquerda apoia a presença de um processo infeccioso como causa da leucocitose (Nelson, 2007). 2.3.2 Bioquímica sanguínea As alterações bioquímicas mais frequentes em cães diabéticos são a hiperglicemia, a hipercolesterolemia, a hipertrigliceridemia, o aumento da actividade sérica da Alanina Aminotransferase (ALT), da Aspartato Aminotransferase (AST), e da Fosfatase Alcalina (FA); a hiperglobulinemia, e o aumento da ureia e da creatinina (Jardón et al., 2008). 2.3.2.1 Glicose A principal alteração é a hiperglicemia em jejum ( 150 mg/dL), que é uma das bases de diagnóstico e que aparece praticamente em todos os animais diabéticos, apesar de não ser exclusiva de esta doença (Feldman e Nelson, 2000). Jardón et al. (2008), num estudo realizado com 30 cães diabéticos observaram que 100% dos animais apresentavam hiperglicemia. No entanto, Hess et al. (2000), em 221 casos de DM canina, detectaram hiperglicemia em apenas 85% dos cães, apresentando os restantes normoglicemia (12%) ou hipoglicemia (3%). 2.3.2.2 Colesterol A utilização de lípidos aumenta progressivamente à medida que aumenta a gravidade da diabetes, dado que há um aumento da mobilização dos depósitos de gordura corporal, aparecendo hipercolesterolemia em proporção directa com o grau de mobilização dos lípidos (Jardón et al. , 2008). 2.3.2.3 Triglicerídeos A hipertrigliceridemia surge por alteração do metabolismo energético presente na DM (Blaxter e Gruffydd-Jones, 1990). O aumento em circulação de vários lípidos (triglicéridos, colesterol e ácidos gordos livres) resulta da lipomobilização dos triglicéridos desde os depósitos de gordura, diminuição na degradação hepática do colesterol e aumento da produção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade. Outras causas que produzem hipertrigliceridemia são: a diminuição da actividade da enzima lipoproteína lipase, a obesidade, o alto consumo de calorias e 8 Introdução – Diabetes mellitus no cão. o excesso de produção hepática de triglicéridos. O aumento da sua concentração pode dar origem à frequente lipémia visível no soro (Jardón et al. , 2008). 2.3.2.4 Enzimas hepáticas A ALT é uma enzima que avalia a integridade dos hepatócitos e aumenta durante a DM canina (Nelson, 2005; Jardón et al. , 2008; Greco, 2001). As alterações metabólicas podem alterar a permeabilidade da membrana dos hepatócitos e consequentemente aumentar a sua actividade sérica (Lassen, 2004). Um aumento da actividade sérica da AST sugere uma lesão hepatocelular activa, inclusivamente necrose hepática (Lassen, 2004; Blaxter e Gruffydd-Jones, 1990). O aumento da actividade sérica da FA em cães diabéticos pode dever-se à colestase, à colangiohepatitis, ao fígado gordo ou ao hiperadrenocorticismo, entre outros (Nelson, 2005; Jardón et al. , 2007; Greco, 2001). Os aumento das actividades séricas da ALT, da AST e da FA sugerem lipidose hepática (Jardón et al. , 2007). 2.3.2.5 Ureia e creatinina As concentrações séricas de ureia e de creatinina estão geralmente dentro dos valores de referência em cães diabéticos sem complicações (Nelson, 2005; Jardón et al., 2008). O aumento da concentração sérica de ureia na DM pode ser de origem pré-renal ou renal (Hess, 2000; Lassen, 2004). As causas pré-renais são a desidratação por vómito, ou o aumento da produção de urina pelo rim, e as renais devem-se ao facto de que a hiperglicemia crónica induzir a degeneração hialina dos capilares sanguíneos glomerulares (Jardón et al., 2008). 2.3.2.6 Equilibrio ácido-base Os electrólitos e o equilíbrio ácido-base permanecem normais nos diabéticos sem complicações, sofrendo graves alterações em animais com CAD (Nelson, 2007). A hipercarbonatemia pode estar associada à alcalose metabólica secundária ao vómito (Jardón et al., 2008). 9 Introdução – Diabetes mellitus no cão. 2.3.3 Análise de urina A análise da urina tem vários propósitos diagnósticos em cães com DM, entre os mais importantes destaca-se a detecção de glicosúria e cetonúria (Nelson e Feldman, 2000). Outras alterações que podemos encontrar a este nível são: a proteinúria (por infecção urinária ou lesão glomerular) e bacteriúria, com ou sem piúria, e a hematúria associadas. Devido à alta incidência de infecções urinárias nos animais diabéticos, recomenda-se um minucioso estudo do sedimento urinário e a realização de uroculturas (Nelson e Feldman, 2000; Nelson, 2007). 2.3.3.1 Glicose Como já foi referido anteriormente, a glicosúria juntamente com a hiperglicemia em jejum, constituem a base de diagnóstico da DM, e são as únicas alterações detectadas em casos não complicados (Nelson, 2005). Segundo Nelson (2007), a densidade específica da urina em cães diabéticos não tratados é de 1,025- 1,035, associada à grande quantidade de glicose na urina. Jardón et al. (2008), num estudo com 30 cães com DM mencionam que a densidade urinária varia entre 1,020 e 1,052. 2.3.3.2 Corpos Cetónicos Quando estão presentes grandes quantidades de corpos cetónicos na urina, especialmente num animal com sinais sistémicos de doença (por ex.: letargia, vómitos, diarreia ou desidratação), deve-se fazer um diagnóstico de CAD e tratar o animal apropriadamente (Greco, 2007). Num estudo realizado por Jardón et al. (2008), com 30 cães com DM, apenas 10% dos animais apresentaram cetoacidose. As tiras reactivas de urina detectam os corpos cetónicos mediante a sua reacção com o nitroprussiato de sódio, com o qual se detecta principalmente o ácido acetoacético. No entanto, o corpo cetónico mais abundante em casos de cetoacidose metabólica é o ácido beta-hidroxibutírico (Jardón et al., 2008), o que pode explicar os resultados observados por estes autores. 2.3.4 Outras provas complementares 2.3.4.1 Concentração de fructosamina circulante A fructosamina é uma proteína glicosilada resultante de uma reacção não enzimática e irreversível entre a glicose e as proteínas séricas (Nelson, 2004). No cão, uma única determinação de fructosamina reflecte a média da concentração de glicose no sangue entre uma e duas semanas 10 Introdução – Diabetes mellitus no cão. anteriores à determinação (Marca et al., 2000; Loste et al., 2000 e 2001). A sua concentração sérica não é afectada por aumentos agudos da concentração de glicose no sangue, como acontece em situações de excitação ou stresse, contudo pode ser afectada pela hipoalbuminemia (< 25g/L) e hiperlipidemia (triglicéridos > 1,7 mmol/L) (Nelson, 2004, Marca et al., 2000). Segundo Briggs et al. (2000), os valores normais de fructosamina em cães variam entre os 225-365 mol/L. 2.3.4.2 Concentração de hemoglobina glicosilada A hemoglobina glicosilada (HbG) reflecte a média dos níveis de glicose no sangue dos últimos 2-3 meses prévios à realização do teste (Marca et al., 2000). A hemoglobina glicosilada resulta de um processo lento, não-enzimático e irreversível, e está directamente relacionado com a concentração da glicose sérica e a vida média dos eritrócitos (aproximadamente 120 dias nos cães). Ao contrário da fructosamina, que pode ser usada facilmente no controlo glicémico por ser um método rápido, fácil e económico, a hemoglobina glicosilada não é usada normalmente em Medicina Veterinária (Loste e Marca, 2000). 2.3.4.3 Enzimas pancreáticas e TLI As enzimas pancreáticas (amilase e lipase) podem encontrar-se aumentadas nos casos em que a DM se encontra associada com uma pancreatite (Greco, 2001; Lassen, 2004). Devido à elevada prevalência de pancreatite em cães diabéticos, recomenda-se a determinação da lipase sérica e da imunoreactividade da tripsina (TLI: “Trypsin-Like Immunoreactivity”), especialmente se não há possibilidade de realizar uma ecografia abdominal (Nelson, 2007). Em teoria, os cães com uma pancreatite activa concomitante deveriam ter um aumento da actividade sérica de lipase e da TLI. Infelizmente, estas concentrações nem sempre estão relacionadas de maneira precisa com a presença ou ausência de pancreatite (Hesse, 2000; Nelson, 2007). Por isso, estas provas devem sempre ser analisadas juntamente com os dados obtidos na história clínica e no exame físico, e outros exames complementares. A determinação da TLI no soro também se utiliza para diagnosticar uma insuficiência pancreática exócrina (IPE) (Nelson, 2007). 11 Introdução – Diabetes mellitus no cão. 3. Tratamento Uma vez estabelecido o diagnóstico de DM, os principais objectivos do tratamento são a redução ou a resolução dos sinais clínicos e a manutenção da glicemia próxima dos valores normais, durante a maior parte do dia, procurando evitar o desenvolvimento de hipoglicemias. Deste modo consegue-se eliminar ou atrasar o desenvolvimento de complicações da doença (Nelson e Feldman, 2000). Para se atingirem estes objectivos, existem várias opções de tratamento: o tratamento dietético, o controlo do exercício, o tratamento com hipoglicemiantes orais e a administração de insulina (Nelson e Feldman, 2000). No entanto, a base do tratamento da DM clínica é a insulina, juntamente com a modificação da dieta. Independentemente do tratamento instituído, a colaboração do proprietário é fundamental, pois este será o responsável pela administração de insulina e pela avaliação da resposta do animal ao tratamento (Alenza, 2001). 3.1 Dieta O principal objectivo da terapia dietética em cães diabéticos é fornecer calorias suficientes para manter um peso corporal ideal, corrigir situações de obesidade ou magreza, minimizar hiperglicemias pós-prandiais, e facilitar uma absorção ideal da glicose fazendo para isso coincidir as refeições com a administração da insulina. O aporte calórico deve ser de 60-70 kcal/Kg/dia para cães pequenos e de 50-60 Kcal/Kg/dia para cães grandes (Greco, 2003). Os animais obesos devem reduzir o seu peso durante um período de 2-4 meses, sendo alimentandos com 60-70% das calorias calculadas para o seu peso corporal ideal. Uma vez alcançado o peso corporal ideal, o animal deve passar a uma dieta com elevado conteúdo em fibra (Tabela 7) (Greco, 2003). Tabela 7. Conteúdo de macronutrientes (matéria seca) em algumas comidas comerciais para cães (adaptado de: Greco, 2003). Dieta Hill´s: Prescriptionr/d Prescriptionr/d Prescriptionw/d Prescriptionw/d Purina: DCO-formula Eukanuba: Glucose-control* FitNTrim Cycle3light Forma da comida Proteína (%) Hidratos de Carbono (%) Gordura (%) Fibra (%) Lata Seca Lata Seca 26 25 16 17 36 39 56 54 7 7 12 7 21 22 13 16 Seca 23 43 11 7 Seca Seca Lata 26 17 19 48 61 53 7 9 9 2.6 9 5 *Contém cromium tripicolinato 12 Introdução – Diabetes mellitus no cão. A suplementação de fibra na dieta tem sido recomendada como adjuvante no maneio de animais diabéticos. Um estudo realizado por Schermerhorn (2003), demonstrou que em cães saudáveis, o aporte de fibra diminui o colesterol total, deste modo uma dieta rica em fibra pode beneficiar os animais com hipercolesterolemia. Também neste estudo, a administração de uma dieta rica em fibra a cães diabéticos, durante 4 meses, teve efeitos benéficos significativos no controlo glicémico (as dietas ricas em fibra tornam mais lenta a absorção de glicose no tracto gastrointestinal). Este grupo de animais, apresentou uma redução da concentração da glicose pósprandial, nas concentrações de hemoglobina glicosilada e nas concentrações de colesterol (Schermerhorn, 2003). Os hidratos de carbono devem ser complexos e de absorção lenta, o que reduz as grandes flutuações depois da alimentação. O sorgo e a cevada são boas fontes de hidratos de carbono, devendo evitar-se o arroz nas dietas de cães diabéticos (Rand e Fleeman, 2005). Devido às alterações do metabolismo lipídico que acompanham a DM, recomenda-se uma dieta baixa em gordura ( 17% da matéria seca), com predomínio de ácidos gordos insaturados. Para evitar uma perda de peso indesejável, não se devem recomendar de forma rotinária dietas com baixo teor em gordura (< 30% da energia metabólica) em cães diabéticos com deficiente condição corporal (Rand e Fleeman, 2005). 3.2 Exercício O exercício deve ser constante em animais diabéticos e os donos devem ser instruídos a caminhar com o seu animal diariamente, evitando o exercício violento, como caminhadas e corridas (Greco, 2003). O exercício optimiza o controlo da glicemia, promovendo a perda de peso e eliminando a resistência à insulina induzida pela obesidade. O exercício tem também o efeito de diminuir os níveis de glicose através da mobilização da insulina do local da administração, do aumento do fluxo sanguíneo (e consequentemente a distribuição da insulina) até aos músculos (Nelson, 2007). 3.3 Hipoglicemiantes Orais Existem diferentes grupos de hipoglicemiantes orais, sendo as sulfonilureas os mais utilizados em Medicina Veterinária. O seu principal efeito é a estimulação das células - pancreáticas, ao mesmo tempo que melhoram a sensibilidade dos tecidos à acção da insulina. Para que sejam eficazes, é necessário que existam nos animais ilhéus de Langerhans funcionais, capazes 13 Introdução – Diabetes mellitus no cão. de segregar insulina (Feldman e Nelson, 2000). Como a forma mais frequente de DM em cães é a tipo 1, este tratamento não é indicado nesta espécie (Cook, 2007). 3.4 Insulina A insulina é a base fundamental no tratamento da DM. A insulina exógena induz as mesmas respostas farmacológicas que a hormona endógena. As preparações de insulina são utilizadas para o tratamento adjuvante da CAD, DM não complicada e como medida adicional no maneio da hiperpotassemia (Plumb, 2010). A insulina disponível comercialmente classifica-se pelo seu início de acção, duração de acção e pico de acção (reflecte o efeito máximo de acção da insulina). Na tabela 8 estão representadas alguns tipos de insulina utilizados em animais de companhia. Tabela 8. Alguns tipos de insulina utilizadas em animais de companhia (adaptado de: Nelson e Couto, 2000; Nelson, 2007, INFARMED, 2010). Via de administração Início de acção Duração de acção Pico de acção Humana* IV, IM, SC Imediato (IV) 10-30 min. (IM, SC) Curta 1-4h (IV) 3-8h (IM) 4-10h (SC) 30 min.-2h (IV) 1-4h (IM, SC) Humulin NPH Insulatard Isuhuman Basal Humana* SC 30 min.-2h Intermédia 6-18 2-10h Lenta Caninsulin Suína SC 30 min.-2h Intermédia 8-20h 2-10h PZI PZI vet Bovina 90% Suína 10% SC 30min.- 4h Longa 6-28h 4-14h Insulina Nome Comercial Regular Humulin Regular Actrapid Isuhuman Rapid NPH Espécie de origem NPH: “Neutral Protamine Hagerdorm” ou insulina isofânica; PZI: Insulina de Protamina de Zinco; *Insulinas obtidas por recurso a tecnologia de DNA recombinante a partir de uma estirpe de Escherichia coli. A insulina regular deve ser reservada apenas para uso hospitalar, devido à sua alta potência e rapidez de acção (Cook, 2007), sendo usada frequentemente para a estabilização dos animais diabéticos e é a única formulação apropriada para ser administrada por via intravenosa (IV), podendo também ser administrada por via intramuscular (IM) e subcutânea (SC). Em cães com CAD ou coma diabético apenas esta insulina deve ser utilizada (Plumb, 2010). As insulinas mais usadas para o controlo a longo prazo da DM são: - NPH (Insulina Isofânica ou “Hagedorn de protamina neutral”); - PZI (Insulina de protamina de Zinco); - Lenta. As preparações de insulina NPH e PZI, contêm protamina e zinco para atrasar a absorção da insulina e prolongar a duração do seu efeito. Estas insulinas diferem na origem, concentração 14 Introdução – Diabetes mellitus no cão. (NPH, está disponível na concentração de 100 UI/mL, enquanto que a PZI encontra-se disponível na concentração de 40 UI/mL) e duração de acção (Nelson, 2007). A insulina lenta, consiste numa suspensão aquosa de zinco e insulina e é formada por uma mistura de insulina semi-lenta (de curta duração) com uma ultralenta (de acção longa). Esta combinação origina um pico de actividade pouco depois da administração e outro algumas horas depois, permitindo a obtenção de uma actividade insulínica rápida e previsível. Esta insulina é considerada como sendo uma insulina que actua de maneira intermédia, apesar de que as suas concentrações no plasma possam permanecer aumentadas durante mais de 14 horas após a sua administração subcutânea em alguns cães (Nelson, 2007). A insulina lenta de origem porcina é conhecida comercialmente por Caninsulin e apresenta-se na concentração de 40 UI/mL. Esta insulina é idêntica à canina e considera-se a fonte de eleição para cães diabéticos por ter um potencial mínimo de gerar anticorpos anti-insulina nesta espécie. Os cães com reacção anafilática conhecida a produtos porcinos não devem ser tratados com Caninsulin (Plumb, 2010). Estudos farmacocinéticos da acção da insulina lenta de base porcina duas vezes ao dia provaram que esta apresenta os melhores resultados no controlo da DM em cães (Schermerhorn, 2003). 3.5 Pauta de Tratamento Segundo Feldman (2008), a Humulin NPH deve ser a primeira opção para o controlo dos cães diabéticos e a dose inicial deve ser de 0,2 a 0,4 U/Kg, administrada duas vezes ao dia ou uma vez ao dia (pela manhã) quando não é possível ao proprietário fazer as duas administrações. Mais especificamente, os cães que pesam menos de 10 Kg devem começar com uma dose de 0,35 U/Kg uma vez ou duas vezes por dia, os cães que pesam entre 10 e 25 Kg devem ser tratados com 0,3 U/Kg uma ou duas vezes por dia, e os cães que pesam mais de 25 quilos devem receber 0,25 U/Kg. Estas doses iniciais de insulina são doses muito baixas, que depois devem ser ajustadas lentamente conforme for necessário. A maioria dos cães são tratados com insulina lenta (Caninsulin®) ou NPH duas vezes ao dia (Feldman, 2008). Para a maioria dos autores, a dose de insulina lenta, administrada duas vezes por dia, varia entre 0,25-0,5 U/Kg (Nelson e Couto, 2000; Alenza, 2001; Nelson, 2007; Plumb, 2010). No entanto, Alenza (2001) menciona que a dose média requerida de Caninsulin® em cães para obter um bom controlo da diabetes é de 0,6 U/Kg, administrada duas vezes por dia. 15 Introdução – Diabetes mellitus no cão. Nelson (2007) refere que em casos não complicados de DM canina, deve iniciar-se o tratamento com uma dose de Caninsulin® de 0,25 U/Kg, administrada duas vezes por dia, e desta forma é mais fácil estabelecer um bom controlo da glicemia evitando situações indesejadas como a hipoglicemia. Esta dose é muito inferior à recomendada pelo prospecto da Caninsulin® que recomenda doses iniciais 1 UI/Kg, administradas uma vez ao dia, mais uma dose suplementar dependente do peso do animal como se descreve na tabela 9. Tabela 9. Prospecto de Caninsulin®. Peso corporal Suplemento dependente do peso < 10 Kg Aprox. 10 Kg 12-20 Kg >20 Kg 1 UI 2 UI 3 UI 4 UI Peso 6 Kg 10 Kg 16 Kg 30 Kg Exemplos Dose inicial total 6+1=7 UI 10+2=12 UI 16+3=19 UI 30+4=34 UI Os protocolos de insulinoterapia são variáveis consoante os autores, pelo que cabe ao clínico escolher o que considera mais apropriado para o caso clínico em questão. 3.6 Curva de Glicemia A curva de glicemia é apenas indicada quando se suspeita de um mau controlo dos níveis de glicose, fornecendo indicações que permitem fazer ajustes racionais à terapia insulínica. É importante ter consciência de que a falta de consistência dos resultados é o reflexo directo de todas as variáveis que afectam a concentração de glicose no sangue em diabéticos. O propósito destas medições é obter uma indicação da acção da insulina e tentar identificar as razões que possam explicar o mau controlo dos níveis de glicose. A avaliação da história clínica, do exame físico, do peso corporal, e da concentração da fructosamina sérica são preponderantes para se determinar quando é necessário realizar uma curva de glicemia, desta forma, limita-se a realização desta prova e consequentemente reduz-se o número de punções venosas e de hospitalizações, minimizando-se a aversão/stresse do animal a esta prova, melhorando-se assim a probabilidade de obter resultados fiáveis quando se realizar a curva de glicemia (Nelson, 2007). A primeira curva de glicemia só deve ser realizada 7 dias depois de iniciar-se o tratamento. O clínico não deve ter muita pressa em controlar a glicemia, porque o risco de CAD decresce uma vez iniciado o tratamento com insulina e pode levar umas semanas até que o cão e o dono se habituem. Além disso, o fenómeno de toxicidade da glicose pode atrasar-se pela resposta à insulina (Krohne, 2009). 16 Introdução – Diabetes mellitus no cão. Greco (2005), estabelece a seguinte metodologia para a realização de uma curva de glicose: - Dar a mesma quantidade e tipo de comida diariamente; - Alimentar e administrar a insulina à mesma hora; - Permitir que o proprietário administre a insulina para avaliar a técnica de administração; - Colher amostras de sangue a cada 2 horas, durante 12 horas (ideal 24 horas). 3.6.1 Interpretação da Curva de Glicemia A curva de glicemia permite ao Médico Veterinário avaliar a eficácia da insulina, o “nadir” de glicose e a duração de acção da insulina (Nelson e Couto, 2000). Idealmente as concentrações de glicose no sangue deveriam estar entre os 90-270 mg/dL entre as duas administrações de insulina (Nelson, 2007). Segundo Scott-Moncrieff (2008), o mais importante é que a glicemia se mantenha entre 100-300 mg/dL a maior parte do dia. 3.6.1.1 Eficácia da insulina A avaliação da eficácia da insulina consiste em averiguar se a insulina é efectiva na redução da concentração de glicose no sangue. A dose de insulina, o valor de glicemia mais elevado e a diferença entre a glicemia mais alta e mais baixa (diferencial de glicemia), devem ser avaliados em simultâneo, sempre que se avalia a eficácia da insulina. Assim: - Se o diferencial de glicemia é de 50 mg/dL, será aceitável, no caso de a glicemia variar entre 120-170 mg/dL, mas será inaceitável se a concentração de glicose no sangue variar entre 350-400 mg/dL; - Se o diferencial de glicemia for de 100 mg/dL, indica eficácia da insulina, no caso de o animal estar a receber uma dose de insulina de 0,4 U/Kg, por outro lado será indicador de uma resistência à insulina se a dose for de 2,2 U/Kg (Nelson e Couto, 2000); - Se a insulina não é eficaz a diminuir a concentração de glicose no sangue, o clínico deve considerar a possibilidade de estar a administrar uma dose insuficiente de insulina, no caso de estar a administrar doses de insulina < 1,0 U/Kg, e no caso de estar a administrar doses de insulina superiores a 1,5 U/Kg deve suspeitar de uma situação de resistência à insulina (Nelson, 2007); - Se a insulina é eficaz a diminuir a concentração de glicose no sangue, o seguinte parâmetro a avaliar é o “nadir” de glicose. 17 Introdução – Diabetes mellitus no cão. 3.6.1.2 “Nadir” O “nadir” de glicose é a menor concentração de glicose detectada depois da administração de insulina, reflectindo o efeito máximo da insulina. A curva de glicemia é especialmente importante para determinar o “nadir”, e é fundamental na prevenção de hipoglicemias e para fazer ajustes na quantidade e frequência de administração de insulina (Zoran, 2005). Os valores do “nadir” de glicose variam consoante os autores entre os: 80-120mg/dl (Stein, 2002), 70-110 mg/dL (Greco, 2005), 90-126 mg/dL (Nelson, 2007) e 100-200 mg/dL (Scott- Moncrieff, 2008). A avaliação dos valores do “nadir” de glicose varia consoante os autores, pelo que cabe ao Médico Veterinário, tendo em conta todas as variáveis associadas à condição clínica de cada caso, saber interpretar os valores do “nadir” de cada situação específica. No entanto, é importante conhecer linhas de orientação gerais para a interpretação deste parâmetro e ajustar as doses de insulina em função do mesmo. Segundo Nelson (2007): - Se o nadir é menor do que 60 mg/dL ou se o animal mostra sinais de hipoglicemia a dose de insulina deve diminuir 50%; - Se o nadir é menor que 100 mg/dL ou a concentração de glicose no sangue antes da administração de insulina é menor que 200 mg/dL, a dose de insulina deve ser diminuída 20-25%; - Se o nadir descer para 100-150 mg/dL e a concentração de glicose antes da administração de insulina é maior que 200 mg/dL não é necessário ajustar a dose; - Se o nadir é maior do que 150 mg/dL e a concentração de glicose antes da administração de insulina é maior do que 200 mg/dL a dose deve ser subida 20-25%. 3.6.1.3 Duração de acção da insulina A duração de acção da insulina é o período de tempo que vai desde a administração da insulina até que a concentração de glicose no sangue atinja valores superiores a 200-250 mg/dL, depois de ocorrer o nadir. Este parâmetro só pode ser avaliado, se o nadir de glicose é > 70 mg/dL e se não ocorrer uma rápida diminuição da concentração de glicose no sangue, caso contrário esta avaliação pode não ser válida devido à possibilidade de ocorrência do “Efeito Somogyi” (hiperglicemia induzida por uma dose excessiva de insulina) (Nelson, 2007). A duração de acção da insulina lenta é de 10-14 horas em aproximadamente 90% dos cães que recebem uma pauta de tratamento de insulina duas vezes ao dia. Os cães apresentam normalmente sintomas de diabetes se a duração de acção da insulina é menor que 10 horas e 18 Introdução – Diabetes mellitus no cão. podem desenvolver hipoglicemias, ou ocorrer o “Efeito Somogyi” se a duração da acção da insulina é maior que 14 horas e a insulina é administrada duas vezes por dia (Nelson, 2007). Segundo Greco (2002), a curva de glicemia ideal em cães, em que a insulina é administrada duas vezes ao dia, seria obter uma concentração de glicose inicial de 200 mg/dL, um “nadir” de 80 mg/dl e voltar ao valor de 200 mg/dL, 12 horas depois (Figura2). Figura 2. Curva de glicemia ideal (adaptado de: Greco, 2002) 4. Controlo do animal diabético O proprietário tem um papel fundamental a este nível e deve ser informado sobre a importância que tem o controlo do animal em casa uma vez estabelecido o tratamento de manutenção. Deve saber identificar os sinais de poliúria/polidipsia (PU/PD), apetite e alterações do peso corporal. Se algo não é normal, é sinal que a doença não está controlada devendo recorrer ao médico veterinário. É conveniente também que o proprietário seja capaz de identificar os sinais clínicos de hipoglicemia para que possa actuar com rapidez e ao mesmo tempo informar o clínico para fazer os reajustes necessários. A glicosúria persistente indica sempre um mau controlo da doença e obriga a uma reavaliação do caso. Apesar do interesse na avaliação da glicosúria em casa, o proprietário nunca deve modificar a dose de insulina sem consultar previamente o seu veterinário (Alenza, 2001). O animal diabético deve ser avaliado periodicamente, com uma frequência que varia segundo cada caso. No início e depois de se instaurar o tratamento com a insulina, os controlos deverão ser mais frequentes, cada 2-4 semanas. Se tudo estiver bem, os controlos passam a ser cada 2-4 meses. Sempre que o animal vem à consulta de controlo, além da informação fornecida 19 Introdução – Diabetes mellitus no cão. pelo proprietário, é importante a realização de um exame físico exaustivo para detectar possíveis complicações ou o desenvolvimento de doenças concorrentes. Devem também ser realizadas análises de sangue e urina, incluindo a determinação sérica da fructosamina, de grande importância para avaliar a glicemia média sem interferências causadas pelo stresse ou variações pontuais na mesma (Alenza, 2001). Ao longo da vida de um animal diabético surge muitas vezes a necessidade de mudar o tipo, a dose ou a frequência de administração da insulina (Alenza, 2001). 5. Complicações da terapia insulínica Os efeitos secundários incluem a hipoglicemia, a hiperglicemia induzida pela insulina (“Efeito Somogyi”), o antagonismo/ resistência, o metabolismo acelerado e as reacções locais a proteínas “estranhas” (Plumb, 2010). 5.1 Hipoglicemia A sobredose de insulina pode conduzir a diversos graus de hipoglicemia. Os sintomas podem incluir debilidade, inclinação da cabeça, letargia, ataxia, convulsões, cegueira, comportamento atípico e coma. A hipoglicemia prolongada pode dar origem a lesões encefálicas permanentes ou morte. A hipoglicemia leve pode-se tratar oferecendo o alimento habitual. Os sintomas mais pronunciados (por ex.: convulsões) devem ser tratados com soluções de dextrose por via oral (esfregando sobre a mucosa bucal) ou administrações IV de dextrose a 50% (quantidades reduzidas administradas lentamente, normalmente entre 2 e 15 mL). Controlada a hipoglicemia (resposta costuma ocorrer em 1-2 minutos), o animal deve ser monitorizado para evitar novo episódio e impedir o aparecimento de hiperglicemia. As doses futuras de insulina e os hábitos de alimentação devem ser ajustados para evitar novos episódios de hipoglicemia (Plumb, 2010). 5.2 Hiperglicemia Induzida pela Insulina (“Efeito Somogyi”) O “Efeito Somogyi”, caracteriza-se por uma hipoglicemia ( 80 mg/dL) seguida de uma hiperglicemia ( 300 mg/dL) compensatória, causada por uma dose excessiva de insulina. O animal tem uma reacção de hipoglicemia, seguida de uma hiperglicemia na manhã seguinte (Alenza, 2001), por acção das hormonas contra reguladoras da glicose (glucagon, epinefrina, cortisol e GH) (Nelson, 2007). Nestes casos, deve-se reduzir a dose de insulina em 25-50% ou dividir a sua dose no caso de o animal estar a receber uma dose diária de insulina (Schaer, 2003). 20 Introdução – Diabetes mellitus no cão. 5.3 Curta Duração do Efeito Insulínico Na maior parte dos cães diabéticos, a insulina de acção intermédia raramente actua durante as 24 horas, e por isso o animal permanece em hiperglicemia durante parte do dia, persistindo os sinais clínicos e uma intensa glicosúria matinal. O diagnóstico desta complicação requer determinações seriadas da glicemia, demonstração de uma hiperglicemia significativa ( 300 md/dL) às 18 horas, ou menos, depois da administração da insulina com um “nadir” de glicose sempre superior a 80 mg/dL. O tratamento requer a mudança do tipo de insulina e/ou o aumento da frequência de administração, e a avaliação do animal vários dias depois de se instaurar a nova pauta de tratamento (Alenza, 2001). 5.4 Resistência à Acção da Insulina As doenças concorrentes e os fármacos como a prednisona e o acetato megesterol produzem resistência à insulina (tabela 10) e interferem na efectividade da terapia com a insulina. O excesso de glucocorticoídes, a GH e os progestagénios provocam uma resistência grave à insulina e uma hiperglicemia persistente, independentemente do tipo ou da dose de insulina. Por outro lado, as inflamações como a pancreatite crónica e a gengivite, as infecções, a obesidade, o hipotiroidismo, a disfunção de órgãos como a insuficiência cardíaca ou renal, causam resistência à insulina que normalmente é moderada, podendo flutuar em gravidade, sendo relativamente fácil de controlar aumentando a dose de insulina. O reconhecimento e a correcção da resistência à insulina, independentemente da gravidade, é fundamental para o sucesso do tratamento (Nelson, 2007). Tabela 10. Causas de ineficácia ou de resistência à insulina em cães diabéticos (adaptado de: Ettinger, 2003). Produzidas pelo tratamento com insulina: Insulina inactivada; Insulina diluída; Técnica de administração inadequada; Dose inadequada de insulina; Alteração da absorção da insulina (sobretudo da insulina ultralenta); Excesso de anticorpos anti-insulina; Produzidas por uma doença associada: Fármacos diabetogénios; Hiperadrenocorticismo; Estro; Infecção*; Hipotiroidismo; Insuficiência renal; Insuficiência hepática; Insuficiência cardíaca; Glucagonoma; Feocromocitoma; Inflamação crónica (em especial pancreatite); Insuficiência pancreática exócrina; Obesidade grave; Hiperlipidemia; Neoplasia; *Principalmente na cavidade oral ou no tracto urinário Pode-se suspeitar de resistência à insulina quando para manter a glicemia em valores inferiores a 300 mg/dL são necessárias doses altas de insulina ( 2,2 U/Kg) (Alenza, 2001). 21 Introdução – Diabetes mellitus no cão. 6. Complicações da Diabetes mellitus a longo prazo As complicações mais frequentes são a cegueira devido à formação de cataratas, a pancreatite crónica e as infecções recorrentes do tracto urinário, das vias respiratórias e da pele, existindo ainda o risco de hipoglicemia e de cetoacidose diabética (Greco, 2004). 6.1 Cataratas A formação de cataratas é a complicação mais frequente em cães com DM. São irreversíveis e podem evoluir com bastante rapidez (Fleeman e Rand, 2005). Um estudo realizado por Beam et al. (1999), com 200 cães com DM demonstrou que 75% destes animais desenvolveram cataratas nos primeiros 12 meses, após o diagnóstico da DM, e que 16 meses depois, a percentagem de animais com cataratas subiu para os 80%. Segundo Rand e Fleeman (2005), aproximadamente 30% dos cães diabéticos, apresentam uma diminuição da visão quando se apresentam na primeira consulta. A velocidade de formação de cataratas é variável, no entanto, elevados níveis de glicose sérica e flutuações diárias de glicose podem favorecer o seu desenvolvimento (Krohne, 2009). A formação de cataratas está relacionada com as alterações osmóticas do cristalino. Este é livremente permeável à glicose, que entra no cristalino a partir do humor aquoso mediante transporte facilitado. Em circunstâncias normais, a glicose é convertida em ácido láctico por meio da via glicolítica anaeróbia. No entanto, com o aumento da concentração sérica de glicose, as enzimas glicolíticas ficam saturadas, a glicose é então metabolizada em sorbitol e frutose pela aldose redutase, aos quais a membrana celular não é livremente permeável. Actuam como compostos hidrofílicos potentes, gerando um fluxo de água para o cristalino, o que dá origem à intumescência e ruptura das fibras do mesmo e ao desenvolvimento de cataratas (Wilkie et al., 2006). 6.2 Uveíte As proteínas do cristalino são capazes de iniciar uma resposta inflamatória. A uveíte induzida pelo cristalino, ou uveíte facolítica, é uma inflamação linfocítica- plasmocitária crónica em que existe quebra da barreira entre o sangue e o humor aquoso, que acontece com frequência na DM canina. Os sinais clínicos mais frequentes são a fotofobia, o corrimento ocular e a hiperemia da esclera (Fleeman e Rand, 2005). O uso tópico de anti-inflamatórios esteróides não é recomendado a não ser em casos extremos de uveíte ou quando o animal tem mais de 30 Kg, uma vez que estes fármacos produzem 22 Introdução – Diabetes mellitus no cão. uma resistência sistémica à insulina. Assim, é recomendável o uso de anti-inflamatórios não esteróides tópicos e sistémicos (Krohne, 2009). 7. Cetoacidose diabética A CAD ocorre com maior frequência em cães com DM não diagnosticada, mas também pode ocorrer, embora menos frequentemente em cães diabéticos tratados com doses insuficientes de insulina, ou em associação com processos infecciosos, inflamatórios ou insulino-resistentes (Nelson e Couto, 2000). Os cães que sofrem de CAD apresentam acidose metabólica como consequência da elevada produção de corpos cetónicos e pela baixa utilização destes pelos tecidos periféricos (Jardón et al., 2008). A anamnese e os dados do exame físico são variáveis e dependem do tempo que decorreu entre o início da CAD e o reconhecimento da mesma por parte do proprietário. Os sinais clínicos clássicos da DM não complicada (poliúria, polidipsia e perda de peso) apresentam-se numa fase inicial mas não são identificados pelo proprietário. Os sinais sistémicos (letargia, anorexia e vómito) aparecem à medida que se desenvolve e se agrava a cetonemia e a acidose metabólica, com uma intensidade que varia segundo a magnitude da acidose metabólica e a natureza dos problemas concorrentes (ex.: pancreatite ou infecção). O intervalo de tempo entre o aparecimento dos primeiros sinais clínicos da diabetes e o desenvolvimento dos sinais sistémicos da CAD, é imprevisível (de poucos dias até 6 meses). As alterações mais comuns ao exame físico são: a desidratação, a depressão, a debilidade, a taquipneia, o vómito e, em certas ocasiões, o forte odor a acetona. Pode haver respiração lenta e profunda em animais com acidose metabólica intensa e o diagnóstico estabelece-se através da cetonúria (Nelson e Couto, 2000). 7.1 Tratamento Os principais objectivos do tratamento da CAD são: 1. restaurar as perdas de água e electrólitos; 2. fornecer insulina para normalizar a glicemia; 3. corrigir a acidose metabólica; 4. identificar a causa da doença. O tratamento da CAD deve ser feita de forma progressiva e lenta (36-48 horas) (Nelson e Couto, 2000). 7.1.1 Fluidoterapia A fluidoterapia é essencial para manter o gasto cardíaco, a pressão sanguínea e um fluxo sanguíneo capaz de chegar a todos os tecidos, além disso diminui a glicemia, inclusivamente sem a administração de insulina, apesar de não acontecer o mesmo com os corpos cetónicos. O tipo de 23 Introdução – Diabetes mellitus no cão. fluido a utilizar inicialmente depende do estado electrolítico, glicemia e osmolalidade do plasma. Na maioria dos casos começa-se com uma solução de NaCl a 0.9%, excepto quando a osmolalidade supera os 350 mOsm/Kg, neste caso administra-se uma solução de NaCl a 0.45%. O volume e a velocidade de administração são determinados pela gravidade de choque, grau de desidratação, necessidades de manutenção, concentração de proteínas plasmáticas e existência ou não de doença renal. No início administra-se 60-100 mL/Kg/24 horas, ajustando-se com a dose conforme a evolução do animal, o que requer a monitorização do doente, sendo recomendável cada 6-8 horas o controlo dos níveis de Na+, K+ e gases sanguíneos. Se o Na+ está entre 140 e 155 mEq/L pode-se mudar para uma solução de Ringer ou Ringer lactato. Se é menor de 140 mEq/L continua-se com a solução de NaCl a 0.9%. Em caso de ser maior que 155 mEq/L, muda-se para uma solução de NaCl a 0,45% ou a uma mistura de 50% de solução de NaCl a 0,9% e de 50% de uma solução de dextrose a 5% (Nelson e Feldman, 2000). 7.1.2 Suplementação com Potássio A maioria dos cães com CAD tem um défice de potássio por perdas deste ião através da urina, e perdas gastrointestinais por vómito e anorexia. A acidose metabólica, a deficiência de insulina e a hipertonicidade do soro, fazem com que o potássio passe do espaço intracelular para o extracelular, o que pode mascarar a gravidade da hipocalemia corporal quando se mede a concentração de K+ no plasma (Greco, 2007). A terapia com insulina, assim como a correcção do estado ácido-base com fluidoterapia e/ou bicarbonato, conduzirá o potássio do espaço extracelular até ao espaço intracelular causando uma acentuada hipocalemia (Greco, 2007). Os níveis séricos de potássio podem variar muito ao longo da CAD. Em caso de hipocalemia deve-se fazer a sua suplementação em função dos seus valores, quando não se conhece o nível de potássio pode-se adicionar 20 mEq de KCl (cloreto de potássio) e 20 mEq de KPo4 (fosfato de potássio) a cada litro de solução parenteral (Nelson e Couto, 2000). 7.1.3 Suplementação com Fosfato O fosfato, é o principal anião intracelular e é importante para a produção de energia e manutenção das membranas celulares. As concentrações de fosfato são reguladas: pela ingestão de alimento; pela eliminação renal; por factores que promovem o seu movimento dentro e fora das células; pela vitamina D e interacções das paratiroides (Greco, 2007). Na CAD, as concentrações circulatórias normalmente estão dentro dos valores de referência ou inicialmente estão aumentadas devido à desidratação e/ou transtorno renal. O fosfato também 24 Introdução – Diabetes mellitus no cão. pode estar diminuído devido a uma perda urinária por diurese osmótica (Greco, 2007). A suplementação de fosfato em excesso deve ser evitada porque pode causar hipocalemia ou calcificação metastásica (Nichols e Crenshaw, 1995). Greco (2007), recomenda a sua suplementação quando o nível de P é < 1.5 mg/dL e a dose é de 0.01 a 0.03 mmol de fosfato/Kg/hora, administrado com fluidos livres de cálcio (solução salina a 0.9%). 7.1.4 Bicarbonato A utilização do bicarbonato na correcção da acidose é controverso e só se recomenda se o nível de bicarbonato é igual ou inferior a 11 mEq/L e nunca se deve administrar em bolus de infusão. A quantidade a administrar calcula-se a partir de uma das seguintes fórmulas: mEq de bicarbonato = peso (Kg) x 0,4 x (12 – bicarbonato do doente) x 0.5 mEq de bicarbonato = peso (Kg) x 2 Passado 6 horas reavalia-se o estado ácido-base e calculam-se os ajustes necessários, suspendendo-se a sua administração quando os seus níveis de bicarbonato atingem os 12 mEq/L (Nelson e Feldman, 2000). 7.1.5 Insulina O tratamento da CAD com insulina regular deve iniciar-se o mais rápido possível, administrando a insulina em doses baixas por via intravenosa ou por via intramuscular. Na administração intravenosa (2,2 U/Kg de insulina regular diluída em 250 mL de solução salina), espera-se uma diminuição da concentração de glicose para valores inferiores a 270 mg/dL em aproximadamente 10 horas. Uma vez atingidos estes valores, o animal deve ser mantido com administrações SC de insulina regular (0,1-0,4 U/Kg cada 4-6 horas), até que comece a comer ou se tenha resolvido a cetoacidose (Greco, 2007). Plumb (2010), sugere dois protocolos para o tratamento da CAD, usando doses baixas de insulina regular: 1. administração intramuscular intermitente de insulina; 2. infusão constante IV de doses baixas de insulina. A administração intramuscular intermitente de insulina regular, deve ser iniciada com uma dose de 0.2 U/Kg, passando-se depois para uma dose de 0.1 U/Kg/hora. A glicemia deve ser determinada a cada hora e a sua dose ajustada em função dos resultados. A dose inicial pode ser reduzida entre 25 a 50% nos animais com hipocalemia grave. Com este protocolo pretende-se 25 Introdução – Diabetes mellitus no cão. reduzir lentamente a glicemia até níveis entre 200-250 mg/dL, num período de 6-10 horas (Plumb, 2010). A infusão constante de doses baixas de insulina regular, é feita através da administração de 0.05-0.1U/Kg/hora por via endovenosa, utilizando-se uma via distinta à utilizada para a fluidoterapia. A dose deve ser ajustada em função da glicemia, que será determinada a cada hora. O ideal é obter uma descida da glicemia de 50-100 mg/dL/hora (Plumb, 2010). Qualquer que seja o protocolo para a administração de insulina, quando a glicemia atinge os 250 mg/dL pode passar-se a administrar a insulina regular, por via IM, a cada 4-6 horas, ou por via SC (se o estado de hidratação é bom) cada 6-8 horas. Deve ainda ser administrada uma solução de dextrose a 5%, com o objectivo de manter a glicemia entre 150 e 300 mg/dL até que o animal esteja estável e a comer por si mesmo (Plumb, 2010). 8. Prognóstico O prognóstico para cães com DM depende, em parte, do compromisso do proprietário para tratar a doença, da facilidade de regulação glicémica, presença e reversibilidade de alterações concorrentes e da prevenção de complicações clínicas associadas com a DM. O tempo médio de sobrevivência em cães diabéticos é de aproximadamente 3 anos desde o momento do diagnóstico, embora seja difícil de prever uma vez que os cães normalmente têm 8 ou mais anos no momento do diagnóstico e existe uma mortalidade relativamente alta nos primeiros 6 meses devido a alterações concorrentes graves (por ex.: cetoacidose, pancreatite aguda, doença renal). Os cães diabéticos que sobrevivem os primeiros 6 meses podem viver facilmente mais de 5 anos, seguindo um apropriado controlo por parte do proprietário, avaliações periódicas do Médico Veterinário e uma boa comunicação entre cliente e Médico Veterinário (Nelson, 2007). Nelson (2007), refere que no seu hospital aproximadamente 30% dos cães com CAD grave morrem ou são sacrificados durante a hospitalização inicial. Na maioria das vezes a morte está associada a doenças graves subjacentes (insuficiência renal oligúrica, pancreatite necrosante), acidose metabólica pronunciada ou outras complicações (ex.: edema cerebral, hipocalemia) que desenvolvem durante o tratamento. No entanto, menciona que de uma maneira geral, a maioria dos cães diabéticos podem ter uma vida relativamente normal. 26 Objectivos – Diabetes mellitus no cão. II. Objectivos O objectivo principal deste trabalho foi o de consolidar e desenvolver os conhecimentos sobre a DM, adquiridos durante o Mestrado Integrado em Medicina Veterinária. Para isso foram estabelecidos objectivos mais específicos, nomeadamente o acompanhamento: - De todos os procedimentos clínicos e meios complementares necessários ao diagnóstico da DM; - Do tratamento médico e aconselhamento do proprietário no maneio da DM; - Da evolução dos casos observados durante o estágio curricular. 27 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. III. TRABALHO PRÁTICO – Casos Clínicos 1. Considerações gerais O presente trabalho foi realizado durante um período de 7 meses (Outubro de 2009 a Abril de 2010), no Centro Veterinário Valdelasfuentes, tendo sido acompanhados 7 canídeos com DM (6 fêmeas e 1 macho). Em 4 destes animais, o diagnóstico já tinha sido realizado e estavam a ser monitorizados. O diagnóstico foi realizado com base na anamnese, no exame físico e nos exames complementares que foram realizados. O procedimento adoptado para a realização da anamnese implicou um conjunto de perguntas a todos os proprietários, com vista à identificação dos factores predisponentes envolvidos no desenvolvimento da doença, tendo sido avaliados aspectos como a raça, a idade, o sexo, os sinais clínicos que motivaram a ida à clínica, o tipo de alimentação, os tratamentos actuais ou anteriores, as alterações de peso corporal, o estro, as doenças concorrentes, e a presença de cataratas e de cetoacidose no momento do diagnóstico. No momento do diagnóstico, todos os animais seleccionados apresentavam os seguintes sinais clínicos: a poliúria/polidipsia, a hiperglicemia e a glicosúria. A sua evolução clínica foi acompanhada individualmente durante o período de práticas na clínica. As amostras de sangue para a realização do hemograma e das análises bioquímicas foram obtidas a partir da veia cefálica. O sangue foi colhido para 2 tubos, um com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) e outro com heparina. Os tubos para a bioquímica foram centrifugados (Nahita Centrifuge Model 2610), durante 5 minutos para a obtenção de plasma, sendo todas as análises sanguíneas realizadas imediatamente após a sua colheita. As análises bioquímicas foram realizadas no aparelho de bioquímica Reflotron (figura 3A), com tiras reactivas Reflotron Roche (figura 3B) ou no metrolab 2300 (“Random Acess Clinical Analyzer”) (figura 3C). O hemograma foi realizado num contador automático (Abacus júnior vet ) (figura 3D). As amostras de urina foram colhidas por micção espontânea no internamento ou trazidas pelos donos, sendo analisadas no momento de chegada à clínica com tiras reactivas de diagnóstico (Medi-test Uryxx on ) e lidas na máquina Uryxxon Relax (figura 3E). A determinação dos níveis de glicose para a realização das curvas de glicemia foram feitas com recurso a um aparelho de medição rápida de glicose Accutrend (figura 3F), sendo a amostra de sangue obtida por punção, com uma agulha de 23G (Nipro ), no pavilhão auricular ou na veia 28 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. cefálica após a tricotomia da área. Para elaboração das curvas de glicemia foi utilizado o Microsoft Office Excel . Figura 3. Aparelhos utilizados no processamento das amostras. A. Reflotron | B. Tira reactiva de glicose Reflotron Roche | C. Máquina de bioquímica metrolab 2300 “Random Acess Clinical Analyzer”. | D. Contador automático Abacus júnior vet | E. Máquina Uryxxon Relax | F. Aparelho de medição rápida de glicose Accutrend . Aos proprietários foi fornecido um pequeno manual da Caninsulin (figura 4) com informações acerca da doença e com instruções sobre como armazenar a insulina, como prepará-la e sobre a técnica de administração. Em casa, utilizaram seringas de 1mL (Henry Schein ) com agulha de 25G (Nipro ) para a administração da insulina Os donos foram, ainda, instruídos para a elaboração de um protocolo com os procedimentos em caso de presenciarem um episódio de hipoglicemia. Figura 4. Algumas das imagens presentes no pequeno manual da Caninsulin , para o seguimento do cão diabético. A. Apresentação | B. Aspiração | C. Agitação | D. Administração Todos os valores de referência usados neste trabalho foram fornecidos pelos fabricantes dos aparelhos usados. A determinação da concentração de fructosamina foi utilizada para avaliar o controlo da doença e na tabela 11 estão representados os valores de referência fornecidos pelo fabricante de metrolab 2300. 29 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Tabela 11 . Valores de referência de fructosamina do metrolab 2300. Cão Não diabético 225-365 mol/L Cão Diabético recém diagnosticado 320-850 mol/L Cão Diabético com controlo excelente 350-400 mol/L Cão Diabético com bom controlo 400-450 mol/L Cão Diabético com controlo normal 450-500 mol/L Cão Diabético com controlo escasso >500 mol/L 2. Casos clínicos Dos 7 casos de DM acompanhados foram seleccionados apenas 4, por apresentarem uma maior quantidade e qualidade de informação clínica. 2.1 Caso clínico 1 2.1.1 Identificação do animal Nome: Chispa Figura 5. Chispa Espécie: Canídeo Raça: Indeterminada Sexo: Fêmea, inteira Idade: 12 anos . Peso: 10 Kg 2.1.2 Anamnese A Chispa apresentou-se no dia 1 de Dezembro de 2008 no Centro Veterinário Valdelasfuentes apresentando apatia e perda de peso nos últimos dias. A proprietária notava que a Chispa urinava mais e que bebia mais água. Nessa altura, tinha as vacinas em dia e estava desparasitada. Não recebia nenhum tratamento, nem tinha nenhuma doença diagnosticada e era alimentada à base de “sobras” de casa. 2.1.3 Exame físico Estado mental: Alerta Frequência cardiaca: 70 bpm Temperatura: 38,3 ºC Frequência respiratória: 26 rpm Tempo de repleção capilar: < 2seg 30 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. A sua condição corporal era de obesa e o exame físico revelou-se normal. Ao exame oftalmológico apresentou uma ligeira opacidade do cristalino, bilateral. A Chispa mostrou-se muito calma durante a exploração física. 2.1.4 Diagnósticos diferenciais Tendo em conta os dados obtidos na anamnese e no exame físico, nomeadamente a perda de peso, a polidipsia/poliúria, a idade e o facto de não estar castrada, foram realizados os seguintes diagnósticos diferenciais: - Piómetra; - Insuficiência hepática; - Diabetes mellitus; - Hipercalcemia maligna; - Hiperadrenocorticismo; - Diabetes insipidus. - Insuficiência renal; 2.1.5 Exames complementares Foram realizados um hemograma, alguns parâmetros bioquímicos e uma tira reactiva de urina (tabelas 12 e 13). Após centrifugação da amostra de sangue verificou-se que o plasma estava lipémico. Tabela 12. Hemograma realizado na Chispa. Parâmetro Resultado obtido Leucócitos ( x109/L) 13,86 6-17 Linfócitos ( x109/L) 2,17 1-5,8 Monócitos ( x109/L) 0,29 9 Valores de referência Granulócitos(x10 /L) 11,40 3-12 Linfócitos (%) 15,7 12-40 Monócitos (%) 2,1 Granulócitos (%) 82,2 52-87 Eritrócitos ( x 1012/L) 6,83 5,5-8,5 Hemoglobina ( g/dL) 17,1 12-18 Hematócrito (%) 50,00 37-55 VCM (fl) 73 60-77 19,5-24,5 HCM (pg) 25,1 CMHC ( g/dL) 34,3 31-38 RDWc (%) 14,8 12,5-16 Plaquetas ( x 109/L) 477 150-500 Plaquetas % 0,43 VMP ( fl) 8,9 PDWc (%) 33,8 31 7,5-11 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Tabela 13. Resultados das análises clínicas realizadas na Chispa. Exame Parâmetro Resultado obtido Valores de referência Glicose ( mg/dL) >600 80 a 126 Creatinina ( mg/dL) 0,76 < 1,8 Ureia ( mg/dL) 60 < 74 Bioquímica (Reflotron) GPT/ALT ( U/L) 95 < 74 Sangue/Hemoglobina NEG Negativo Urobilinogénio (EU/dL) NORM 0,1-1 Bilirrubina NEG Negativo Proteína NEG Negativo/ +1 Nitritos NEG Negativo Corpos cetónicos NEG Negativo Glicose >13,2 Negativo pH 6 5 - 9 Densidade específica 1,010 Leucócitos NEG Análise de urina Negativo NEG: Negativo | NORM: Normal O hemograma não revelou nenhum dado relevante. Em relação aos parâmetros bioquímicos observou-se um aumento da concentração plasmática de glicose e um aumento da actividade plasmática da ALT. Quanto à análise de urina verificou-se a presença de glicosúria. 2.1.6 Diagnóstico Com base na presença de hiperglicemia e glicosúria, juntamente com a perda de apetite e perda de peso estabeleceu-se um diagnóstico de DM. 2.1.7 Prognóstico Bom/ reservado. 2.1.8 Tratamento 2.1.8.1 Tratamento médico Numa fase inicial optou-se por iniciar um tratamento com uma dose de Caninsulin® de 0,27U/Kg (0,05ml), a cada 12 horas, por receio de hipoglicemia iatrogénica e que a dona não reagisse convenientemente. Devido ao aumento da actividade plasmática da ALT, prescreveu-se Zentonil na dose de 20 mg/Kg (protector hepático com S-adenosilmetionina). 32 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.1.8.2 Tratamento dietético Aconselhou-se a mudança da alimentação caseira para uma ração r/d de Hill´s, com duas tomas diárias, cada uma antes da administração da insulina. 2.1.8.3 Exercício Foi recomendado a realização de passeios moderados e constantes. 2.1.8.4 Acompanhamento do caso Durante ano e meio acompanhou-se o caso de Chispa. O principal problema desta doente foi a dificuldade de fazer com que a proprietária entende-se a importância de um bom maneio. Aparece na consulta dias depois da marcação, apresenta dificuldades na administração da insulina e não reconhece os sintomas de diabetes descompensada como a PU/PD. Pouco a pouco foi-se subindo as doses mediante a determinação da glicemia e os sinais clínicos. Os valores de concentração de glicose sempre flutuaram muito, sendo a maioria das vezes demasiado altos (> 350 mg/dL), e em outras ocasiões muitos baixos (~80 mg/dL). Suspeitou-se que a proprietária não cumpria com rigor as doses estipuladas de insulina e que continuava a alimentar a Chispa com comida caseira. Quatro meses depois de iniciar o tratamento, a catarata diabética era total e madura. Nos primeiros sete meses verificou-se uma marcada perda de peso, atingindo os 7 Kg (perda de 3 Kg, 30% do seu peso inicial). Juntamente com as determinações das concentrações plasmáticas de glicose efectuaram-se estudos esporádicos da actividade plasmática da ALT e da concentração plasmática da creatinina. Desde que se administrou o protector hepático (Zentonil ), a actividade plasmática da ALT estabilizou-se, embora sempre nos limites superiores. A concentração plasmática da creatinina apresentou-se sempre dentro dos limites de referência (< 1,8 mg/dL). Após a centrifugação das amostras sanguíneas verificou-se sempre a presença de plasma lipémico e, por isso, efectuaram-se alguns controlos do nível do colesterol (todos >250 mg/dL), contudo a proprietária continuou a dar comida caseira não mudando a dieta para uma ração baixa em gordura. A situação económica da proprietária foi sempre um factor limitante na realização de provas complementares, necessárias para descartar doenças concorrentes. Para além disso, opôs-se sempre à realização de uma OVH em Chispa. 33 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.2 Caso clínico 2 2.2.1 Identificação do animal Nome: Breda Sexo: Fêmea, esterilizada Espécie: Canídeo Idade: 9 anos Raça: Pastor Belga Peso: 27 Kg 2.2.2 Anamnese No dia 26 de Janeiro de 2010, a Breda apresentou-se na consulta do Centro Veterinário Valdelasfuentes com um quadro de apatia, perda de peso, perda de apetite e a proprietária referiu ainda um aumento no consumo de água e que urina constantemente, e em grande quantidade mesmo dentro de casa, o que até à altura nunca tinha acontecido. Era alimentada com uma grande quantidade de prémios ricos em gordura como salsichas e queijo (além da sua ração Brekkies excel, gama de supermercado de Affinity ). Estava vacinada e desparasitada e não padecia de nenhuma outra doença, nem estava medicada com nenhum fármaco. 2.2.3 Exame físico Estado mental: Alerta Frequência cardiaca: 70 bpm Temperatura: 38,7 ºC Frequência respiratória: 16 rpm Tempo de repleção capilar: < 2seg A sua condição corporal para era de sobrepeso e o restante exame físico revelou-se normal. 2.2.4 Diagnósticos diferenciais Tendo em conta os dados obtidos na anamnese e no exame físico, nomeadamente a perda de peso, a polidipsia/poliúria, foram realizados os seguintes diagnósticos diferenciais: - Diabetes mellitus; - Insuficiência hepática; - Insuficiência renal; - Hipercalcemia maligna; - Hiperadrenocorticismo; - Hipertiroidismo. 34 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.2.5 Exames complementares Foram realizados um hemograma, alguns parâmetros bioquímicos e uma tira reactiva de urina (tabela 14). Após centrifugação da amostra de sangue verificou-se que o plasma estava lipémico. Tabela 14. Resultados das análises clínicas realizadas na Breda. Exame Hemograma Bioquímica (Refrotron) Análise de urina Parâmetro Resultado obtido Leucócitos ( x109/L) 6,61 Valores de referência 6-17 Linfócitos ( x109/L) 2,03 1-5,8 Monócitos ( x109/L) 0,30 Granulócitos (x109/L) 4,29 3-12 12-40 Linfócitos (%) 30,7 Monócitos (%) 4,5 Granulócitos (%) 64,9 52-87 Eritrócitos (x 1012/L) 6,26 5,5-8,5 Hemoglobina (g/dL) 14,7 12-18 Hematócrito (%) 45,16 37-55 VCM (fl) 72 60-77 HCM (pg) 23,5 19,5-24,5 CMHC (g/dL) 32,6 31-38 RDWc (%) 16,2 12,5-16 Plaquetas (x 109/L) 385 150-500 Plaquetas % 0,31 VMP (fl) 10,3 PDWc (%) 35,6 7,5-11 Glicose (mg/dL) 263 80 a 126 mg/dL Creatinina (mg/dL) 0,67 < 1,8 mg/dL Ureia (mg/dL) 48 < 74 mg/dL GPT/ALT (U/L) 57 < 74 U/L Sangue/Hemoglobina NEG Negativo Urobilinogénio NORM 0,1-1 EU/dL Bilirrubina NEG Negativo Proteína NEG Negativo/ +1 Nitritos NEG Negativo Corpos cetónicos NEG Negativo Glicose (mmol/L) > 27,8 Negativo 5 - 9 pH 5 Densidade específica 1,010 Leucócitos NEG NEG: Negativo | NORM: Normal 35 Negativo Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. O hemograma não revelou nenhum dado relevante. Em relação aos parâmetros bioquímicos observou-se um aumento da concentração plasmática de glicose e na análise de urina verificou-se a presença de glicosúria. 2.2.6 Diagnóstico Com base na presença de hiperglicemia e glicosúria, juntamente com a perda de apetite e perda de peso estabeleceu-se um diagnóstico de DM. 2.2.7 Prognóstico Bom/ Reservado. 2.2.8 Tratamento 2.2.8.1 Tratamento médico Iniciou-se um tratamento com Caninsulin 2.2.8.2 na dose de 0,5 U/Kg (0,33mL), cada 12 horas. Tratamento dietético Foi recomendada uma mudança gradual da alimentação para uma ração com elevado teor em fibra (r/d Hill’s ), com duas tomas diárias, cada uma antes da administração da insulina. A dona foi ainda aconselhada a suprimir os extras ricos em gordura. 2.2.8.3 Exercício Foi recomendado a realização de exercício moderado e constante e de preferência à mesma hora. 2.2.9 Acompanhamento do caso No dia 30 de Janeiro, determinou-se a concentração plasmática de glicose no momento do nadir de glicose (metade do tempo entre as duas administrações de insulina), e obteve-se uma concentração de 253 mg/dL. No dia 3 de Fevereiro, a dona comentou que este era o primeiro dia em que não apresentava PU/PD e que a Breda tolerou muito bem a mudança de ração. 36 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Determinou-se a concentração de glicose plasmática e obteve-se uma concentração de 123 mg/dL. Como a concentração de glicose plasmática era menor que 150mg/dL, decidiu-se ajustar a dose de insulina para 0,37U/Kg (0,25 mL), a cada 12 horas. No dia 10 de Fevereiro, os proprietários comentaram que a Breda estava a comer pior, apesar de se apresentar bem animicamente, e que no dia anterior tinha começado de novo com sintomas de PU/PD. Como comia menos pela manhã, os proprietários estavam a administrar 0,15mL de insulina pela manhã e 0,25 mL pela noite. A concentração da glicose plasmática desse dia foi de 266mg/dL, apresentando a amostra um plasma lipémico. Foi recomendada a realização de uma curva de glicemia com a finalidade de melhorar o controlo da doença, sendo efectuada no dia 6 de Março. Para minimizar o stresse solicitou-se aos proprietários que se apresentassem na clínica de 2 em 2 horas para realização da prova. Tabela 15. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Breda. Tempo 9h 9:30h 11:30h 13:30h 15:30h 17:30h 19:30h 21.30h 21:50h 22:20h 22:30h Concentração de glicose (mg/dL) 86,7 mg/dL comida e insulina 200 mg/dL 183 mg/dL 229 mg/dL 190 mg/dL 305 mg/dL 162 mg/dL comida insulina 180 mg/dL Gráfico 1. Curva de glicemia da Breda. 350 305 Glicemia (mg/dL) 300 250 229 200 200 190 183 180 162 150 100 86,7 50 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Horas de internamento/hospitalização 13 14 15 16 A proprietária comentou que, na noite anterior, tinha administrado a insulina antes da comida, e que a Breda não comeu, facto que pode justificar a baixa concentração de glicose 37 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. plasmática na primeira determinação. Perante os resultados obtidos e pela persistência de sinais clínicos de PU/PD, decidiu-se subir a dose de insulina a 0,5U/Kg (0,27mL), a cada 12 horas. No dia 27 de Março voltou à consulta e a proprietária referiu que os sinais de PU/PD desapareceram e que tinha perdido cerca de 1,5 Kg, devido ao controlo dietético, no decorrer do tratamento. O plasma já não se apresentava lipémico e a concentração de glicose plasmática era de 289 mg/dL. No dia 17 de Abril, a Breda continuava sem apresentar sinais de PU/PD, a concentração plasmática da glicose 6 horas após a administração da insulina era de 158mg/dL e a concentração da fructosamina sérica era de 373 mol/L, valor este compatível com um bom controlo da doença (segundo valores de referência da tabela 11). 2.3 Caso clínico 3 2.3.1 Identificação do animal Nome: Jana Sexo: Fêmea, esterilizada Espécie: Canídeo Idade: 10 anos Raça: Husky Siberiano Peso: 29 Kg 2.3.2 Anamnese A Jana apresentou-se na clínica no dia 12 de Janeiro de 2010 porque urinava muito e bebia mais água. Além disso, estava a comer menos que o habitual. Era alimentada com uma ração marca Hill’s para cães maiores de 7 anos, com um regime ad libitum e a dona reconheceu que a cadela era premiada, muitas vezes ao dia, com bolachas e comida de casa. A Jana estava vacinada e desparasitada e não tinha nenhuma doença no seu historial clínico, nem estava medicada com nenhum fármaco. 2.3.3 Exame físico Estado mental: Alerta Frequência cardiaca: 82 bpm Temperatura: 38,1 ºC Frequência respiratória: 30 rpm Tempo de repleção capilar: < 2seg A sua condição corporal era obesa e o restante exame físico revelou-se normal. 38 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.3.4 Diagnósticos diferenciais Tendo em conta os dados obtidos na anamnese e no exame físico, nomeadamente a polidipsia/poliúria e a diminuição do apetite foram realizados os seguintes diagnósticos diferenciais: - Diabetes mellitus; - Hiperadrenocorticismo; - Insuficiência renal; - Hipoadrenocorticismo; - Insuficiência hepática; - Hipertiroidismo. - Hipercalcemia maligna; 2.3.5 Exames complementares Foram realizados um hemograma, alguns parâmetros bioquímicos e uma tira reactiva de urina (tabela 16). Tabela 16. Resultados das análises clínicas realizadas na Jana. Exame Hemograma Bioquímica (Metrolab) Análise de urina Parâmetro Leucócitos (x109/L) Linfócitos (x109/L) Monócitos (x109/L) Granulócitos (x109/L) Linfócitos (%) Monócitos (%) Granulócitos (%) Eritrócitos (x 1012/L) Hemoglobina (g/dL) Hematócrito (%) VCM (fl) HCM (pg) CMHC (g/dL) RDWc (%) Plaquetas (x 109/L) Plaquetas (%) VMP (fl) PDWc (%) Glicose (mg/dL) Creatinina (mg/dL) Ureia (mg/dL) GPT/ALT (U/L) Sangue/Hemoglobina Urobilinogénio (EU/dL) Bilirrubina Proteína Nitritos Corpos cetónicos Glicose (mmol/L) pH Densidade específica Leucócitos Resultado obtido 17,21 4,40 1,06 11,76 25,6 6,1 68,3 7,16 16,7 49,11 69 23,4 34,1 14,7 285 0,28 9,8 37,4 746 1,5 37 34 NEG NORM NEG NEG NEG NEG > 27,8 5 1,010 NEG NEG:Negativo| NORM:Normal 39 Valores de referência 6-17 1-5,8 3-12 12-40 52-87 5,5-8,5 12-18 37-55 60-77 19,5-24,5 31-38 12,5-16 150-500 7,5-11 60-120 mg/dL < 1,8 mg/dL < 74 mg/dL < 74 U/L Negativo 0,1-1 Negativo Negativo/ +1 Negativo Negativo Negativo 5 - 9 Negativo Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Após centrifugação da amostra de sangue verificou-se que o plasma estava lipémico. O hemograma apresentava uma ligeira leucocitose, mas não foi considerado relevante e a concentração de glicose no sangue estava aumentada. Na análise de urina verificou-se a presença de glicosúria. 2.3.6 Diagnóstico Com base na presença de hiperglicemia e glicosúria, juntamente com a perda de apetite estabeleceu-se um diagnóstico de DM. 2.3.7 Prognóstico Bom/ reservado. 2.3.8 Tratamento 2.3.8.1 Tratamento médico Iniciou-se um tratamento com uma dose de Caninsulin® de 0,5 U/Kg (0,35mL), a cada 12 horas. 2.3.8.2 Tratamento dietético Foi aconselhada uma mudança gradual da alimentação para uma ração com elevado conteúdo em fibra (r/d Hill’s ), seguindo uma pauta de alimentação com tomas, duas vezes ao dia, cada uma antes da administração de insulina. Foi ainda recomendado a restrição total dos extras ricos em gordura. 2.3.8.3 Exercício A proprietária comentou que o seu marido dava passeios de uma hora com a Jana às 6 horas da manhã. Este comportamento foi desaconselhado de imediato, por se tratar de um exercício intenso e a uma hora desapropriada, atendendo a que a essa hora, a Jana se encontrava em jejum, aumentando seriamente o risco de uma hipoglicemia. Assim, aconselhou-se a realização de passeios moderados e à mesma hora, de preferência após a administração da comida e da insulina. 40 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.3.9 Acompanhamento do caso No dia 19 de Janeiro voltou à consulta para o controlo da doença e a proprietária comentou que os sintomas de PU/PD desapareceram, no entanto, a Jana continuava com a comida à sua livre disposição e a receber comida caseira. Por este motivo, voltamos a sensibilizar os proprietários para a importância do controlo dietético. Durante a consulta foi ainda efectuada uma determinação da concentração da glicose no sangue, 6 horas após administração de insulina, sendo de 182 mg/dL. A Jana voltou à clínica no dia 29 de Janeiro, não tendo sido descritas mudanças importantes e a concentração de glicose no sangue era de 156 mg/dL (10 horas após administração de insulina). No dia 12 de Fevereiro, voltou à clínica e a proprietária comentou que, nas noites anteriores, urinou em casa, comportamento totalmente atípico na Jana. Determinou-se a concentração de glicose no sangue e o resultado foi de 99,6 mg/dL. Perante este valor, a dona informou que a Jana não tinha comido convenientemente pela manhã e que lhe administrou a dose de insulina na totalidade. Relembrou-se a importância de um rigoroso controlo dietético e que só deveria administrar a dose de insulina após se certificar que a Jana comeu. No dia 15 de Fevereiro voltou à clínica com uma colheita de urina verificando-se novamente a presença de glicosúria (tabela 17). Efectuou-se a determinação da concentração de glicose no sangue, 10 horas após administração de insulina, apresentando-se em 454 mg/dL e uma determinação da concentração de fructosamina sérica, tendo sido o resultado de 475,7 mol/L, valor este compatível com um controlo normal ou recém diagnosticado segundo tabela 11. Perante estes resultados decidiu-se subir a dose de insulina a 0,6 U/Kg (0,43mL), a cada 12 horas. No dia 22 de Fevereiro, foi determinado a concentração de glicose no sangue, meia hora depois da administração da insulina e o resultado foi de 247mg/dL. Tabela 17. Análise de urina da Jana (Segunda colheita). Parâmetro Resultado obtido Valores de referência Negativo Sangue/Hemoglobina NEG Urobilinogénio (EU/dL) NORM 0,1-1 Bilirrubina NEG Negativo Proteína NEG Negativo/ +1 Nitrito NEG Negativo Corpos cetónicos NEG Negativo Glucose (mmol/L) > 27,8 Negativo pH 6 5-9 Densidade específica 1.000 Leucócitos NEG NEG:Negativo|NORM:Normal 41 Negativo Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. No dia 4 de Março, a proprietária comentou que a Jana já não apresentava sinais da doença e que tinha tolerado bem a mudança de ração. Determinou-se a concentração de glicose no sangue, que neste dia era de 215 mg/dL, 10 horas após a administração da insulina. Nessa data, foi aconselhada a realização de uma curva de glicemia, com a finalidade de avaliar o controlo da doença, uma vez que se tinha alterado a dose de insulina 17 dias antes. No dia 13 de Março, efectuou-se a curva de glicemia (Gráfico 2) e como a proprietária não tinha possibilidade de vir à clínica de duas em duas horas, hospitalizou-se a Jana. Nessa altura a proprietária informou que o comportamento da Jana tinha sido normal e que andava a comer bem. Durante esta consulta foi solicitado à proprietária que administrasse a insulina para avaliar a técnica de administração e corrigir eventuais erros. No decorrer da hospitalização de Jana efectuaram-se as determinações da concentração de glicose no sangue, de duas em duas horas (tabela 18) e observou-se a quantidade de água ingerida e quantidade de urina, tendo-se verificado a presença de PU/PD. Foi efectuado ainda uma tira reactiva de urina, tendo-se observado a presença de glicosúria (Tabela 19). Tabela 18. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Jana. Tempo Concentração de glicose (mg/dL) 8:30 09:00 10:30 12:30 14:30 16:30 18:30 20:30 21:30 113 mg/dL comida e insulina 270 mg/dL 295 mg/dL 293 mg/dL 184 mg/dL 328 mg/dL 365 mg/dL comida e insulina Gráfico 2. Curva de glicemia da Jana. Glicemia (mg/dL) 350 305 300 250 229 200 200 190 183 180 150 162 100 86,7 50 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Horas de internamento/hospitalização Relativamente à curva de glicemia, verificou-se que a primeira determinação de glicose no sangue foi de 113 mg/dL, valor que pode ser justificado pelo facto de a proprietária ter efectuado 42 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. um passeio superior a uma hora, antes de trazer a Jana à clínica num período em que esta se encontrava em jejum. Esta informação só nos foi facultada depois da realização da curva de glicemia. Após a avaliação da curva de glicemia, dos sinais clínicos e da informação da proprietária acerca do exercício físico antes da realização da curva de glicemia, decidiu-se continuar com a mesma dose de insulina, alertando a proprietária sobre os riscos de hipoglicemia, caso continue a realizar passeios longos e a horas inapropriadas. Procedeu-se ainda à sensibilização da proprietária acerca da importância do controlo dietético e que a insulina só deve ser administrada depois de se certificar que a Jana comeu convenientemente. Tabela 19. Análise de urina da Jana (Terceira colheita). Parâmetro Resultado obtido Valores de referência Sangue/Hemoglobina NEG Negativo Urobilinogénio NORM 0,1-1 EU/dL Bilirrubina NEG Negativo Proteína NEG Negativo/ +1 Nitrito NEG Negativo Corpos cetónicos NEG Negativo Glicose > 27,8 mmol/L Negativo pH 6 5 - 9 Densidade específica 1.01 Leucócitos NEG Negativo Neg: Negativo | Norm: Normal No dia 12 de Abril voltou à clínica e a proprietária descreveu 2 episódios de hipoglicemia com letargia, ataxia e debilidade, e referiu que uma vez aumentou a dose de insulina, após presenciar episódios de poliúria. Além disso, comentou que os dois episódios de hipoglicemia sucederam depois de um passeio longo à primeira hora da manhã, sem que tivesse comido previamente, tendo esfregado mel na mucosa bucal. Determinou-se a concentração de glicose no sangue e era de 157 mg/dL, 10 horas após administração de insulina, resultado considerado baixo, atendendo ao facto de, segundo informação da proprietária, a Jana ter comido duas horas antes desta prova. Perante este valor decidiu-se diminuir a dose de insulina para 0,5 U/Kg (0,36mL) e voltou-se a falar sobre a importância do cumprimento da pauta de tratamento com rigor, nomeadamente que não efectuasse passeios longos e em jejum, e que administrasse a insulina em função da comida e sempre depois de se certificar que come primeiro. Voltou no dia 26 de Abril, e determinou-se a concentração da glicose no sangue (295 mg/dL, 10 horas após administração de insulina) e da concentração sérica da fructosamina (463,4 mol/L), valor este compatível com um controlo normal ou recém diagnosticado (tabela 11). 43 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Para a obtenção de um bom controlo da DM são necessários muitos meses e muita cooperação e disciplina por parte dos proprietários. Neste caso, toda a sensibilização e informação dada à proprietária não foi eficaz, tendo sido pouco cooperante, como foi evidente nos vários episódios de hipoglicemia e na manutenção de hábitos e comportamentos que em nada beneficiavam a estabilização da doença de Jana, nomeadamente os longos passeios, a horas não recomendadas e a administração incorrecta da terapêutica instituída. Assim, no caso de Jana, decidiu-se manter a dose de insulina e voltou-se a recomendar, a administração da insulina após as refeições. No caso de não comer, não administrar a insulina, e em caso de comer metade da ração administrar metade da insulina. 2.4 Caso clínico 4 2.4.1 Identificação do animal Nome: Linda Sexo: Fêmea, inteira Espécie: Canídeo Idade: 8 anos Raça: Pastor Belga Peso: 29,3 Kg 2.4.2 Anamnese A Linda apresentou-se no Centro Veterinário Valdelasfuentes para uma consulta, no dia 21 de Abril de 2010, com uma história de apatia, perda de apetite, aumento da micção (urina muito clara), aumento do consumo de água nos últimos 15 dias e dor abdominal. Segundo a proprietária tinha tido o cio há duas semanas e desde aí começou com os sintomas. Quando questionada, a dona referiu que as fezes eram normais mas em pequena quantidade, possivelmente associada à diminuição de apetite, e que apresentava anorexia há quase 3 dias, tendo comido iogurte forçada. 2.4.3 Exame físico Estado mental: Deprimida Frequência cardiaca: 162 bpm (taquicardia) Auscultação: arritmia Temperatura: 40,2 ºC (hipertermia) Frequência respiratória: 56 rpm (respiração costo-abdominal, taquipneia) Mucosas: rosadas, não brilhantes Tempo de repleção capilar: > 2seg Aumento ganglionar inguinal ligeiro Palpação mamária aparentemente normal. Foi proposto internamento para fluidoterapia, terapêutica endovenosa e execução de exames complementares. 44 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. 2.4.4 Diagnósticos diferenciais Tendo em conta os dados obtidos na anamnese e no exame físico, nomeadamente a perda de apetite, a polidipsia/poliúria, a dor abdominal e o facto de não estar esterilizada foram realizados os seguintes diagnósticos diferenciais: - Piómetra - Hipoadrenocorticismo - Diabetes mellitus - Hipertiroidismo - Pancreatite - Insuficiência renal - IPE - Insuficiência hepática - Hiperadrenocorticismo - Hipercalémia maligna 2.4.5 Exames complementares Foram realizados um hemograma, alguns parâmetros bioquímicos, uma tira reactiva de urina (tabela 20), uma ecografia abdominal, um electrocardiograma (figura 6) e uma biopsia pancreática. Figura 6. Electrocardiograma da Linda. Complexos prematuros ventriculares (CPV’s) 45 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Tabela 20. Resultados das análises clínicas realizadas na Linda. Leucócitos (x109/L) Resultad o obtido 18,27 Valores de referência 6-17 Linfócitos (x109/L) 3,34 1-5,8 Monócitos (x109/L) 1,10 Granulócitos (x109/L) 13,84 3-12 12-40 Exame Parâmetro Linfócitos (%) 18,3 Monócitos (%) 6,0 Granulócitos (%) 75,7 52-87 12 Eritrócitos (x 10 /L) 5,98 5,5-8,5 Hemoglobina (g/dL) 12,9 12-18 Hematócrito (%) 37,81 37-55 VCM (fl) 63 60-77 19,5-24,5 HCM (pg) 21,5 CMHC ( g/dL) 34,0 31-38 RDWc (%) 16,7 12,5-16 Plaquetas (x 109/L) 291 150-500 Plaquetas (%) 0,32 VMP 10,9 fl PDWc (%) 39,6 Hemograma Creatinina (mg/dL) 2,2 O,5-1,9 mg/dL Ureia (mg/dL) 55,7 18-60 mg/dL FA (mg/dL) 84 0-180 U/L ALT/GPT (U/L) 47 0-100 U/L PT (g/dL) 6,41 5,2-7,6 g/dL Bioquímica (Metrolab) 1 Análise de urina 7,5-11 Albumina (g/dL) 3,31 2,3-4,5 g/dL Glicosse (mg/dL) 472 60-120 mg/dL 3,6-5 mmol/L Potássio (mmol/L) 3,42 Sangue/Hemoglobina (Ery/ L) 10 Negativo Urobilinogénio NORM 0,1-1 EU/dL Bilirrubina ( mol/L) 17 Negativo Proteína (g/L) 1 Negativo/ +1 Nitritos NEG Negativo Corpos cetónicos ( mol/L) 30 Negativo Glicose (mmol/L) > 27,8 Negativo 5 - 9 pH 5 Densidade específica 1,030 Leucocitos NEG Negativo 1 Neg:Negativo| Norm:Normal| Reflotron No leucograma, observou-se uma leucocitose por aumento dos granulócitos, o que nos sugeriu a existência de um processo inflamatório. Após centrifugação da amostra de sangue verificou-se que o plasma estava lipémico. Verificámos ainda um aumento da concentração plasmática da creatinina, um aumento da concentração sanguínea de glicose e hipocalemia. Na tira reactiva de urina verificou-se a presença de glicosúria, cetonúria e uma densidade urinária de 1,030. 46 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. O ECG mostrou a presença de Complexos prematuros ventriculares simples e a ecografia abdominal não mostrou alterações muito relevantes, embora se tenha observado a presença de uma imagem compatível com a presença de uma pequena quantidade de líquido abdominal, uma hiperreactividade pancreática e um possível espessamento uterino ligeiro. 2.4.6 Diagnóstico presuntivo Com base na presença da leucocitose, hiperglicemia, glicosúria e cetonúria juntamente com a perda de apetite, depressão, estabeleceu-se um diagnóstico de CAD. 2.4.7 Prognóstico Reservado/Grave. 2.4.8 Tratamento 2.4.8.1 Tratamento médico Iniciou-se um tratamento com Cefalexina IV (22 mg/Kg), fluíodoterapia com Ringer Lactato suplementado com 10 mEq/L de potássio (IV, lento). Posteriormente, realizou-se uma curva de glicemia com administração de insulina Actrapid (0,2 UI/Kg/IV inicial, subindo 0,1UI/Kg quando a glicemia se apresentasse com valores elevados, este aumento da dose de insulina está representado na tabela 21 com um asterisco). Tabela 21. Medições da concentração de glicose para elaboração da curva de glicemia da Linda. Tempo 20H 22H 24H 04H 08H 11H 14H 17H 20H 23H 01H 04H 08H 11H 14H Concentração de glicose (mg/dL) 472 mg/dL 521 mg/dL 432 mg/dL * 442 mg/dL * 408 mg/dL * 396 mg/dL * 372 mg/dL * 298 mg/dL 245 mg/dL 322 mg/dL 272 mg/dL 242 mg/dL 208 mg/dL 244 mg/dL 236 mg/dL 47 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. Gráfico 3. Curva de glicemia da Linda. 600 Glicemia mg/dL 500 472 521 432 442 408 396 400 372 322 298 300 272 245 242 208 244 236 200 100 0 0 5 10 15 20 25 30 35 Horas de internamento/hospitalização 40 45 Tabela 22. Análise de urina da Linda (Segunda colheita). Sangue/Hemoglobina NEG Negativo Urobilinogénio NORM 0,1-1 EU/dL Bilirrubina NEG Negativo Proteína NEG Negativo/ +1 Nitrito NEG Negativo Corpos cetónicos NEG Negativo Glucose (mmol/L) > 27,8 Negativo pH 6 5 - 9 Densidade específica 1,01 Leucocitos NEG Negativo Neg: Negativo | Norm: Normal. 2.4.8.2 Tratamento cirúrgico Após estabilização da glicemia e da cetoacidose (gráfico 3 e tabela 22) foi efectuada uma laparatomia exploratória com o objectivo de se efectuar uma biopsia pancreática (tabela 23) e OVH. Tabela 23. Resultados da biopsia pancreática da Linda. Exame Macroscópico Exame Microscópico Diagnóstico Amostra de tecido de pâncreas com 1,1x0,6 cm Pâncreas com sinais de congestão/inflamação muito marcada. O fragmento de pâncreas consta de ninho de células epiteliais de revestimento infiltrado por população inflamatória neutrofilica; focos de congestão intravascular e hiperreactividade pancreática generalizada (ilhotas pancreáticas inclusivé). Ligeiro foco de autodigestão (acção exócrina). Lesões típicas de pancreatite aguda superficial. 2.4.1 Acompanhamento do caso Após a realização da biópsia pancreática e OVH estabeleceu-se o diagnóstico definitivo de cetoacidose diabética secundária a complexo endometrite/piómetra e pancreatite aguda. A Linda 48 Casos Clínicos – Diabetes mellitus no cão. foi para casa um dia depois da cirurgia com uma dose de Caninsulin® de 0,5 U/Kg, a cada 12 horas e ficaram agendados controlos da concentração de glicose, K+, creatinina e um hemograma completo, em dois dias. 49 Discussão – Diabetes mellitus no cão. IV. Discussão A quantidade de dados recolhidos foi a possível em função do período de tempo disponível e da casuística existente. Apesar das limitações por vezes sentidas, os dados foram descritos o mais detalhadamente possível para obter o máximo de informação e contribuir para a melhor compreensão do tema. A idade em que os animais desenvolveram a doença variou entre 8 e 12 anos, estando dentro das idades relatadas por Nelson (2007), de 4 a 14 anos. Dos 4 casos seleccionados, todos eram fêmeas o que está de acordo com o observado por alguns autores, que referem que a DM é mais frequente em fêmeas (Feldman e Nelson, 2000; Nelson, 2007). No entanto, num estudo britânico com 253 cães esta relação não foi verificada (Davison et al., 2005). Algumas raças têm sido apresentadas como tendo uma maior ou menor predisposição para o desenvolvimento da DM. Como exemplos de raças mais predispostas temos samoyedo, cairn terrier e autralian terrier, enquanto que em raças como pastor alemão, golden retriever e boxer a doença é menos frequente (Catchpole et al., 2005; Davison et al., 2005; Fall, 2009; Hess et al., 2000; Nelson, 2007). Embora neste trabalho, se tenha verificado a presença de duas cadelas de raça pastor belga entre os 4 casos apresentados, nenhum destes autores menciona esta raça como sendo predisposta. No entanto, os resultados dos diferentes estudos sobre a predisposição de determinadas raças para a DM dependem da distribuição geográfica das mesmas. Dos 4 casos seleccionados, a Breda e a Linda apresentavam sobrepeso e a Chispa e a Jana apresentavam-se obesas, condições corporais típicas em diabéticos sem complicações como descrevem Nelson e Feldman (2000). No caso de Chispa verificou-se um emagrecimento ao longo do tempo que poderá estar associado a um transtorno concorrente como por exemplo uma IPE, como refere Nelson (2007), ou perda de apetite por mau controlo diabético. O estudo de Klinkenberg et al. (2006), com 59 cães (19 com DM e 40 saudáveis) menciona que os padrões de alimentação e a intensidade de exercício são factores de risco no desenvolvimento da DM. Nos casos descritos, todos apresentavam um padrão de alimentação inadequado (comida caseira e alimentos ricos em gordura) e pouca realização de exercício. Das 4 fêmeas seleccionadas, 2 não estavam esterilizadas. No caso de Linda, esta foi submetida a uma ovariohisterectomia quando se realizou a laparotomia exploratória, por suspeita de piómetra e para melhorar o controlo da DM. No caso de Chispa, foi recomendado proceder a uma OVH, uma vez que, o aumento da progesterona tem um efeito antagonista directo na insulina e também estimula a secreção de hormonas de crescimento (GH) pelas glândulas mamárias (Gale, 50 Discussão – Diabetes mellitus no cão. 2005). A progesterona diminui a união da insulina e o transporte de glicose nos tecidos e a GH antagoniza a insulina através de uma diminuição do número de receptores de insulina, contudo a proprietária não se mostrou interessada em sujeitar a Chispa a uma intervenção cirúrgica. Nos casos seleccionados, todo os animais apresentavam PU/PD, sintomas característicos de DM e responsáveis pela ida à consulta como salientam Nelson e Feldman, (2000). Em todos os casos verificou-se apatia (excepto Jana) e perda de apetite, sinais sistémicos que Greco (2004) e Fleeman e Rand (2005), referem como sinais de CAD, quadro clínico que só se observou na Linda. A presença de plasma lipémico em todos os casos poderá ser justificado pela obesidade e alta ingestão calórica, pela insuficiência de insulina que provoca diminuição da actividade da lipoproteína lipase, enzima responsável por remover os quilomicrons e triglicéridos de lipoproteínas de muito baixa densidade da circulação como referem Jardón et al. (2008). Na Breda, após um bom controlo da DM o plasma deixou de estar lipémico. Na Chispa e na Jana o plasma apresentou-se sempre lipémico que poderá ser justificado pelo mau controlo dietético. Como refere Nelson (2007) a maioria dos hemogramas em cães com DM são normais, podendo aparecer um aumento dos leucócitos em casos de pancreatite ou infecções. Em Linda observou-se uma leucocitose por aumento dos granulócitos o que sugeriu a existência de um processo inflamatório que mais tarde, através de exames complementares, demonstrou-se estar associado a uma piómetra e pancreatite aguda. Em todos os casos verificou-se a presença de hiperglicemia e glicosúria determinantes para o diagnóstico de DM. O aumento da concentração sanguínea de glicose pode estar associado a um processo de hiperglicemia/glicosúria devido a um processo inflamatório ou a mecanismos de compensação de produção de glicose por deficiência na produção de insulina, que vai estimular a secreção de glucagon, epinefrina, noraepinefrina, GH e cortisol, que promovem a lipólise, a glicogenólise e a gliconeogénese, aumentando assim a concentração sanguínea de glicose. A glicosúria deve-se à hiperglicemia que se verifica a nível sanguíneo que ao ultrapassar o limiar renal, a glicose deixa de ser reabsorvida e aparece na urina. A presença de corpos cetónicos na urina deve-se à deficiência na produção de insulina que vai estimular a acção de hormonas contrareguladoras que vão estimular a lipólise, dando origem a ácidos gordos. O excesso desses ácidos gordos é convertido no fígado em corpos cetónicos que provocam um quadro de acidose metabólica. O organismo tenta eliminar os corpos cetónicos pela urina e pela respiração, dando origem à cetonúria que se verifica no caso de Linda. Segundo Nelson e Couto (2000), a CAD é um fenómeno típico em animais com DM não tratados ou tratados com doses insuficientes de insulina. 51 Discussão – Diabetes mellitus no cão. Na Linda, a densidade de urina foi de 1,030, valor que se encontra dentro do intervalo de 1,025-1,052 que descrevem Jardón et al. (2008) para cães diabéticos não tratados, devido à grande quantidade de glicose na urina. Na Linda realizou-se um ECG, tendo-se verificado a presença de CPV simples, que não foram considerados relevantes. Na Chispa verificou-se um aumento da actividade plasmática da ALT, que segundo Nelson (2007), ocorre em animais com DM. Observaram-se valores de colesterol superiores a 250 mg/dL que como sugerem Jardón et al. (2008), a utilização de lípidos aumenta com a gravidade da DM, aparecendo hipercolesterolemia em proporção directa ao grau de mobilização dos lípidos. Nelson (2005), salienta que a hipercolesterolemia pode ainda aumentar a probabilidade de aterosclerose. Na Linda, verificou-se um aumento da concentração plasmática da creatinina que pode estar associado à desidratação ou a uma diminuição na taxa de filtração glomerular. Nelson (2005), menciona que os cães com DM podem ter hipocalemia, normocalemia ou hipercalemia em função da duração da doença, da função renal e da nutrição prévia. Na Linda, verificou-se a presença de hipocalemia, que segundo Cotton et al. (1971), pode estar associada à poliúria e anorexia. As fructosaminas são proteínas séricas que sofreram uma glicosilação irreversível, não enzimática, dependente da insulina. A reacção de glicosilação ocorre durante o tempo de semi-vida da proteína e é proporcional à concentração de glicose durante esse período (Loste et al., 2001). Nos casos de Breda e Jana, utilizou-se a fructosamina para avaliar o controlo da doença. Contudo, apesar do aumento da concentração sérica de fructosamina indicar um mau controlo da glicemia, esta prova não identifica o problema, e segundo Cook (2007), a avaliação da curva de glicemia é que determina o tipo de alterações necessárias a realizar à terapêutica instituída. Para Cook (2007), a detecção de doenças concorrentes é fundamental na avaliação diagnóstica da DM. Segundo Hess et al. (2000), as doenças mais frequentes em cães diabéticos são o hiperadrenocorticismo (23%), a pancreatite (13%), as neoplasias (5%) e o hipotiroidismo (4%). Fleeman et al. (2004) estudaram uma população de canídeos diabéticos durante 6 meses e verificaram que cerca de 80% dos indivíduos apresentaram, no decorrer desse tempo, alterações analíticas compatíveis com a presença de pancreatite e IPE, sem qualquer evidência de sinais clínicos ou alterações ecográficas. Assim, a presença de pancreatite e IPE em cães poderá ser frequentemente subdiagnosticada e estar associada de uma forma muito mais intima ao desenvolvimento da DM. Sempre que possível, recomenda-se a utilização de métodos imagiológicos, nomeadamente ecografia abdominal, cujo principal objectivo é detectar a presença 52 Discussão – Diabetes mellitus no cão. de entidades clínicas concorrentes (como a pancreatite, o hiperadrenocorticismo e a piómetra) e avaliar a funcionalidade do fígado e do tracto urinário (Nelson, 2005). Em Linda a ecografia abdominal foi utilizada como meio de diagnóstico, que embora não tenha mostrado alterações muito relevantes, indicou a presença de uma pequena quantidade de líquido abdominal, uma hiperreactividade pancreática, e uma região compatível com um possível espessamento uterino, preponderantes para a decisão de realizar uma laparotomia exploratória e uma OVH. Quando foi necessário a realização de provas complementares de diagnóstico existiram limitações de ordem financeira, como no caso de Chispa em que não foi realizada nenhuma curva de glicemia, OVH ou testes para avaliar a funcionalidade pancreática, como o TLI e as concentrações séricas de amilase e de lipase. Em Linda foi feito o diagnóstico de pancreatite aguda, que segundo Watson (2007), a DM e a pancreatite podem ocorrer concorrentemente e está provado que a DM aumenta o risco de morte por pancreatite aguda em cães, e que em sentido inverso a pancreatite é uma complicação comum da DM e CAD. Nos casos de Chispa, Breda e Jana, usou-se a Caninsulin como primeira opção, pois como refere Plumb (2010), a insulina de origem suína é a mais semelhante à canina e é considerada como a primeira escolha no tratamento da DM em cães. As doses de Caninsulin recomendadas por Alenza (2001), para iniciar o tratamento da DM são de 0,25-0,5 U/Kg, a cada 12 horas. Este intervalo foi aplicado em todos os casos e na Chispa foi usada uma dose inicial 0,27 U/Kg, a cada 12 horas, por receio de uma hipoglicemia e que a proprietária não reagisse convenientemente. No caso de Linda, usou-se inicialmente uma insulina Regular (Actrapid ), que segundo Plumb (2010) é a insulina recomendada para animais com CAD ou coma diabético. Devido à potência e rapidez de acção, a insulina Actrapid só foi usada com a Linda hospitalizada, como recomenda Cook (2007), monitorizando-se a glicemia e uma vez estabilizada, mudou-se para Caninsulin como nos outros casos. Em todos os animais foi recomendada a mudança da alimentação para a ração r/d de Hill’s , que é um alimento com um elevado teor em fibra e que, segundo Greco (2003) e Schermhorn (2003), é um coadjuvante no controlo diabético. Foi ainda recomendado em todos os casos, a realização de exercício constante e moderado, e de preferência à mesma hora, como refere Greco (2003). O prognóstico da DM está relacionado com o grau de compromisso do proprietário e da facilidade em regular a glicemia (Nelson, 2007). Assim, nos casos de Breda e de Linda, os proprietários são uma mais valia no controlo da doença porque estão muito implicados e não 53 Discussão – Diabetes mellitus no cão. oferecem nenhuma resistência ao cumprimento das terapêuticas instituídas. Por outro lado, nos casos de Chispa e de Jana, existiu sempre uma grande dificuldade em envolver as proprietárias no tratamento adequado das suas cadelas, factor que se torna frustrante para o clínico que assim vê reduzido a possibilidade de sucesso no controlo da doença. 54 Conclusão – Diabetes mellitus no cão. V. CONCLUSÃO As principais conclusões deste trabalho sobre a diabetes mellitus, tendo em conta o conhecimento teórico e prático adquiridos durante o período de estágio, são: - A DM será uma doença cada vez mais comum em clínica de pequenos animais. Este facto poderá dever-se ao modo de vida dos animais de companhia em apartamentos, muitas vezes associado à diminuição da actividade física e a uma dieta desequilibrada; - Todos os casos de DM acompanhados foram diagnosticados quando os animais já apresentavam sintomatologia típica da doença, pelo que não foi feito nenhum diagnóstico de DM numa fase subclínica. - A principal dificuldade no controlo desta doença é, na maioria dos casos, o mau maneio por parte dos proprietários, relacionado com o não cumprimento rigoroso dos tratamentos instituídos. Ao mesmo tempo, o factor económico constitui uma limitação importante no que diz respeito à necessidade de realização de exames complementares, essenciais para determinar a causa da doença. Além disso, considero que a utilização domiciliar de glucómetros, por parte dos proprietários, permitirá minimizar factores como o stresse, garantindo a obtenção de resultados mais fiáveis e, ao mesmo tempo, envolvendo-os mais na terapia e no controlo da doença. 55 Referências Bibliográficas – Diabetes mellitus no cão. VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADA. American Diabetes Association. Report of the expert committee on diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes care. 2003; 26: 5-20. Alenza MDP. Diabetes mellitus Canina y Felina. In: Proceedings Seminário de endocrinologia veterinaria. AVEPA. 2000-2001: 35-47. Battistella MS. Fluid Dysfunction- The Polyuria/Polydipsia Patient. In: Proceedings of The North American Veterinary Conference. 2005: 3-4. Beam S, Correa MT, Davidson MG. A retrospective cohort study on the development of cataracts in dogs with diabetes mellitus: 200 cases. Veterinary Ophthalmology. 1999; 2: 169-172. Blaxter AC, Gruffydd-Jones TJ. Concurrent diabetes mellitus and hyperadrenocorticism in the dog: Diagnosis and management of eight cases. Journal of Small Animal Practice. 1990; 31: 117-122. Briggs C, Nelson RW, Feldman EC, Elliot DA Neal LA. Reliability of history and physical examination findings for assessing control of glycemia in dogs with diabetes mellitus: 53 cases (1995-1998). Journal of the American Veterinary Medical Association. 2000; 217: 48-53. Catchpole B, Ristic JM, Fleeman LM & Davison LJ. Canine diabetes mellitus: Can old dogs teach us new tricks? Diabetologia. 2005; 48: 1948–1956. Catchpole B, Kennedy LJ, Davison LJ & Ollier WER. Canine diabetes mellitus: from phenotype to genotype. Journal of Small Animal Practice. 2008; 49: 4–10. Cook AK. The latest management recommendations for cats and dogs with nonketotic diabetes mellitus. Veterinary Medicine. 2007; 102: 600-614. Cotton RB, Cornelius LM, Theran P. Diabetes mellitus in the dog: a clinic pathologic study. Journal of the American Veterinary Medicine Association. 1971; 159: 863-870. Davison LJ, Herrtage ME, Steiner JM, Williams DA Catchpole B. Evidence of anti-insulin autoreactivity and pancreatic inflamation in newly diagnosed diabetic dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine. 2003; 17: 395. Davison LJ, Herrtage ME & Catchpole B. Study of 253 dogs in the United Kingdom with diabetes mellitus. Veterinary Record. 2005; 156: 467-471. Dunn J. The dog with polydipsia and polyuria. In: Torrance AG & Mooney CT, eds. Manual of Small Animal Endocrinology. United Kingdom: BSAVA, 1998: 3-9. 56 Referências Bibliográficas – Diabetes mellitus no cão. Ettinger SJ. Compendio de la Quinta Edición del Tratado de Medicina Veterinaria. 3ª ed. St. Louis, Elsevier Saunders, 2003: 562-571. Fall T. Characterisation of Diabetes Mellitus in Dogs. Doctoral Thesis. Sweedish University of Agricultural Scienses. Faculty of Veterinary and Animal Science. Department of Clinical Sciences. Uppsala, 2009; 45: 9-67. Feldman EC. Polyuria and polydipsia. In: SJ Ettinger & EC Feldman, eds. Textbook of Veterinary Internal Medicine. 6a ed. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005: 102-105. Feldman EC. Entender la Diabetes mellitus felina y canina. Estratégias terapêuticas en Diabetes difíciles de controlar. In: Proceedings Congresso anual AMVAC, Medicina y Cirugía del Sistema Endócrino y de la Reproducción. 2008: 291-295, 299-301. Feldman EC, Nelson RW. Endocrinologia y Reproducion en perros y gatos. 2ªed. McGraw-Hill Interamerica, 2000: 370-427. Fleeman LM, Rand KS, Steiner JM Williams DA. Chronic, Subclinical, Exocrine Pancreatic Disease Is Common in Diabetic Dogs. In: American College of Veterinary Internal Medicine, Forum Proceedings.Minneapolis, USA. 2004; 22: 807-807. Gale EAM. Do dogs develop autoimmune diabetes? Diabetologia. 2005; 48: 1945–1947. German AJ, Hervera M, Hunter L, Holden SL, Morris PJ, Biourge V, Trayhurn P. Improvement in insulin resistance and reduction in plasma inflamatory adipokines after weight loss in obese dogs. Domestic Animal Endocrinology. 2009; 37: 214-225. Greco DS. Cetoacidosis Diabética. In: Mooney CT and Petersonn ME. Manual de Endocrionología en pequeños animales, 3ª ed. British Small Animal Veterinary Association, 2007: 207-216. Greco DS. Monitoring Diabetics. In: Proceedings of Ontario Veterinary Medical Association Conference. 2005: 53-56. Greco DS. Choosing a diet for a diabetic dog or cat. In: Proceedings The North American Conference. 2003: 285-286 Greco DS. Diagnosis of diabetes mellitus in cats and dogs. Veterinay Clinics of North American: Small Animal Practise. 2001; 31: 845-853. Hess RS. Concurrent disorders in dogs with diabetes mellitus: 221 cases (1993-1998). Journal of American Veterinay Medical association. 2000; 217: 1166-1173. Hoenig M. Molecular and Cellular Endocrinology. 2002; 197: 221-229 INFARMED. Prontuário Terapêutico online. Acedido em 18 de Maio, 2010. Disponível em: http://www.infarmed.pt/prontuario/framepesactivos.php?palavra=insulina&x=0&y=0 57 Referências Bibliográficas – Diabetes mellitus no cão. Jardón HSG, Vargas RLM, Ortuño LEG & Bouda J. Alteraciones de analiticos séricos y de orina en perros diabéticos: Informe de 30 casos. Veterinaria México. 2008; 39: 387-395. Jardón HSG, Mondragón VRL, Bouda J. Alteraciones en el hemograma y analitos bioquímicos selectos en perros diabéticos: estudio retrospectivo en 40 perros. Veterinaria México. 2007; 38: 55-62. Krohne SG. Treating the Uveitis caused by Canine Diabetes, Systemic Infections Systemic Hypertension: New Drugs Feline Concepts. In: Proceedings of North American Veterinay Conference. 2009: 975-979. Lassen ED. Laboratory evaluation of the endocrine pancreas and of glucose metabolism. In: Thrall MA, Baker DC, Lassen ED, Campbell TW, Rebar A, De Nicola D, editors. Veterinary hematology and clinical chemistry, Philadelphia: Lappincott Williams Wilkins, 2004: 441-443. Loste A, Marca MC, Pérez M & Unzueta A. Clinical value of fructosamine measurements in nonhealthy dogs. Veterinary Research Communications. 2001; 25: 109-115. Loste A, Marca, MC. Fructosamine and glycated hemoglobin in the assessment of glycaemic control in dogs. Veterinary Research Communications. 2000; 32: 55-62. Marca MC, Loste A & Ramos JJ. Effect of acute hyperglycaemia on the serum fructosamine and blood glycated haemoglobin concentrations in canine samples. Veterinary Research Communications. 2000; 24: 11-16. Nelson RW . Diabetes mellitus. In: Ettinger SJ & Feldman EC. Textbook of veterinary internal medicine. 6a ed. St. Louis, Mo: Elsevier Saunders. 2005: 1563-1591. Nelson RW. Diabetes mellitus canina. In: Mooney CT, and Peterson ME. Manual de Endocrionología en pequeños animales, 3ª ed. British Small Animal Veterinary Association, 2007: 163-186. Nelson RW, Couto CG. Medicina interna de animales pequeños. 2a ed. Inter-medica editorial, 2000: 782-815. Neuvians TP & Berger M. Diabetes care in cats and dogs. Diabetic Medicine. 2002; 19: 77-79. Nichols R, Crenshaw KL. Complications and concurrent disease associated with diabetic ketoacidosis, and other severe forms of diabetes mellitus. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. 1995; 25: 617-624. Petrie G. Monitoring the diabetic dog . 1. Clinical signs, goals of therapy and techniques. In Practice. 2004; 26: 411-418. Plumb DC. Manual de farmacologia veterinária. 6a ed. Pharm. D. Merial, 2010: 592-598. 58 Referências Bibliográficas – Diabetes mellitus no cão. Rand SR, Appleton DJ, Fleeman LF, Farrow HA. The Link Between Obesity and Diabetes in Cats and Dogs. In: Proceedings of The North American Veterinary Conference. 2003: 292-293. Rand SR, Fleeman LF, Farrow HA, Appleton DJ & Lederer R. Canine and Feline Diabetes mellitus: Nature or Nurture? The Journal of Nutrition. 2004; 134: 2072-2080. Rand SR, Fleeman LF. Diabetes mellitus canina: Estratégia Nutricional. In: Enciclopédia de la Nutrición Clínica Canina. Royal Canin, 2005: 205-230. Rucinsky R, Cook A, Haley S, Nelson R, Zoran DL, Poundstone M. AAHA Diabetes Management Guidelines for Dogs and Cats. Journal of the American American Animal Hospital Association. 2010; 46: 215-223. Schaer M. Diabetic phenomena. In: Proceedings of The North American Conference. 2003: 294295. Schermerhorn T. Recent Advances in Diabetes Mellitus. In: Proceedings of The North American Conference. 2003: 310-312. Scott-Moncrieff JC. Update on insulin therapy in dogs and cats. In: Proceedings of North American Veterinary Conference 2008: 459-462. Stein JE, Greco DS. Portable blood glucose meters as a means of monitoring blood glucose concentrations in dogs and cats with diabetes mellitus. Clinical Techniques in Small Animal Practice. 2002; 17: 70-72. Watson PJ. How I treat concurrent diabetes mellitus and pancreatitis. In: Proceedings of The North American Conference. 2007: 471-472. Zoran DL. Management of diabetes mellitus- Parts I II. In: Proceedings of The North American Conference. Small Animal- Endocrinology. 2005: 333-337. 59