Jornal do Comércio - Porto Alegre Terça-feira, 8 de setembro de 2015 5 Nicola Calicchio Neto Produtividade é saída para o País, defende a McKinsey & Company Agência Estado A McKinsey & Company tornou-se referência na prestação de consultorias à alta gestão de grandes empresas. Ocorre que ela também destrincha virtudes e deficiências dos países, em áreas tão variadas quanto a qualidade da educação e a oferta de água. O Brasil aparece em vários de seus estudos. Segundo o presidente da McKinsey para América Latina, Nicola Calicchio Neto, no que se refere ao crescimento, o diagnóstico não é alentador. “O Brasil praticamente jogou os últimos 50 anos no lixo”, diz. Para retomar o rumo, a prioridade é acelerar ações que elevem a produtividade e, a reboque, adotar valores como a meritocracia: “O empresário de sucesso precisa ser admirado, não levar a comentários como ‘ahh, esse cara deveter roubado’”. O que o Brasil precisa fazer para voltar a crescer? Nicola Calicchio Neto - Para ter um bom plano, é preciso um bom diagnóstico. Uma pesquisa mundial recente do MGI (Mckinsey Global Institute) traz um dado muito interessante sobre o Brasil, que passou batido. Essa pesquisa avalia o que ocorreu em vários países nos últimos 50 anos e estima o que pode acontecer nos próximos 50. Detalhe: De 1900 a 1964, o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo, junto com o Japão. Mas a conclusão é dramática em relação ao período de 1964 a 2014. O Brasil praticamente jogou os últimos 50 anos no lixo. Por que no lixo? Calicchio Neto - Imagine que, em 1964, um trabalhador nos Estados Unidos produzia 50 unidades de um produto. Em comparação, o brasileiro produzia 10 unidades - o equivalente a 20% do trabalhador americano. Em 50 anos, o americano dobrou a produtividade. Passou de 50 para 100. O brasileiro dobrou também. Foi de 10 para 20. Eram necessários cinco trabalhadores brasileiros para fazer o mesmo que um americano. Passados 50 anos, continua igual. O que houve na China? O chinês produzia uma unidade do mesmo produto e foi para 20 - aumentou a produtividade 20 vezes. O brasileiro, duas vezes. Há 50 anos, o brasileiro produzia 10 vezes mais que o chinês. Hoje, a relação é de um para um. Isso tem um impacto enorme sobre o crescimento. Nos últimos 50 anos, o Brasil cresceu 4% ao ano: 1,4% veio da produtividade e 2,6% do aumento da massa trabalhadora, por duas razões. Houve a entrada das mulheres no mercado de trabalho e o “boom” demográfico (aumento elevado e repentino da população). Qual é a péssima notícia? Nos próximos 50 anos, se não tivermos o aumento de 1,4% ao ano na produtividade, vamos crescer apenas 1,7% ao ano - isso porque O senhor poderia dar exemplo de o efeito da força de trabalho feminina amarra? e do “boom” demográfico vai cair para Calicchio Neto - Para fazer um inves0,3% ao ano. Dito isso, a única maneira timento, precisa de uma licença. Para ter de o Brasil crescer de forma sustentável é a licença, precisa de um projeto aprovado, aumentando a produtividade. As pessoas que precisa da licença. Muitas vezes entra falam muito isso, mas o que temos aqui num processo circular. São muitos órgãos, são dados. Perdemos o vento a favor: os com responsabilidades não tão claras. Um 2,6% de crescimento ao ano que vieram entra no espaço do outro. A gente precisa do aumento da massa de trabalhadores. de uma simplificação da máquina pública. Agora não adianta o Brasil apenas estar Quarto ponto: carga tributária elevada. O na direção certa, precisa aumentar a ve- setor público precisa fazer uma dieta. Não locidade. O bônus demográfico (quando o estou falando que é fácil. Muitas das alanúmero de jovens em idade produtiva é vancas que ajudam na gestão do setor primuito maior que o de velhos) está che- vado não existem no setor público, como a gando ao fim. É praticamente impossível gestão de consequência... virar um país velho e depois ficar rico. O que é gestão de consequência? Ou a gente fica rico logo ou vamos ter diCalicchio Neto - No setor privado, se ficuldades. Todo mundo quer mais saúde, eu não estou satisfeito com a sua performais qualidade na educação, trabalhar mance, te dou um retorno. Você não memenos, viver mais e melhor. Mas, para lhora, eu troco. No setor público, eu te ter tudo isso, é preciso um nível de produ- dou retorno, você não faz nada e eu tamção maior, que suporte os benefícios. Não bém não faço nada. O setor público predá para ter os benefícios da Europa com a cisa ser mais eficiente, porque já temos renda da África. O imperativo é acelerar carga tributária alta e investimos pouco. a taxa de crescimento da produtividade. A única forma de sobrar mais para o inPode dar exemplo? vestimento é gastando menos. Não estou Calicchio Neto - O modelo de cresci- falando em tirar serviços da população. mento Brasil foi baseado no aumento do Falo de melhorar a qualidade e a eficiênconsumo. O investimento em infraestrutu- cia dos serviços: fazer mais com menos. ra é muito baixo: 17%, 18% do PIB. A China Isso é produtividade. As empresas privatem uma taxa de investimento superior a das fazem o tempo todo. 40%. O investimento tem efeito multiplicaE o quinto ponto? dor. Faz o País crescer mais e mais rápido. Calicchio Neto - Melhorar a qualificaO Brasil tem uma oportunidade aí. Se au- ção da mão de obra. É inegável que a edumentar o investimento, vai ter um efeito cação melhorou no Brasil. No ritmo atual, multiplicador. vamos chegar a um nível educacional bom E como se faz isso? daqui a 50, 70 anos. Sexto item: informaliCalicchio Neto - Atraindo capital ou dade. De novo: o Brasil reduziu a informaeconomizando para investir mais. Inde- lidade. De novo: a questão é a velocidade pendentemente de o dinheiro ser público disso. As grandes empresas formais, com ou privado, nacional ou internacional. A condição para crescer, têm dificuldades. As gente precisa investir mais. Ponto. Não dá informais têm barreiras para crescer porpara escolher este ou aquele dinheiro. Pre- que não aguentam ser formais. cisamos de diversas fontes. O dinheiro está Comparando internacionalmente, aí pelo mundo buscando como é o nível de gesoportunidades. O Brasil tão das brasileiras? “De 1900 a 1964, o Brasil precisar criar as oportuCalicchio Neto - É foi um dos países que mais nidades. sempre difícil fazer pacresceram no mundo, junto O País cria, mas ralelos pegando pela com o Japão. Mas a conclusão não atrai o suficiente. média. Comparando a é dramática em relação ao perí- empresa A com a B, no Calicchio Neto - Aí odo de 1964 a 2014. O Brasil entra um outro probleBrasil, existe uma dispraticamente jogou os últimos persão muito grande. ma: incerteza regulató50 anos no lixo” ria. Capital gosta de reHá inúmeras técnicas gras claras e de longo que não são difundidas prazo. Se não fizer isso, ou não atrai capital e até coisas novas pouco conhecidas. Vou ou atrai a uma taxa mais alta. Como se cal- dar dois exemplos simples. A evolução dicula o retorno sobre o investimento? Toman- gital é um tema super importante. Vai ter do como base o risco. Quando tem mais in- um impacto enorme sobre a produtividade certeza, tem mais risco. Então, é precisos ter da economia como um todo. No entanto, um retorno maior. Por que o mundo está dis- ainda não está na pauta como precisaria. O posto a emprestar para os Estados Unidos a big data (sistema de grande armazenamen0, 25% e para o Brasil a 14%? Porque o risco to de dados com maior velocidade). Com a percebido aqui é maior. É preciso reduzir a proliferação da informação, a redução do incerteza no Brasil. A terceira coisa a atacar custo de processamento e de transmissão são as amarras. O Brasil criou muitas. essas três coisas juntas - é possível manipu- FSB COMUNICAÇÃO/DIVULGAÇÃO/JC Para o executivo, se o País aumentar o investimento, haverá um efeito multiplicador lar uma imensa base de dados para tomar decisões melhores. Poucas empresas utilizam o big data com eficiência. Se nos colocássemos nessa vanguarda, poderíamos dar saltos de produtividade. Esta não é uma lista de novos temas, mas o Brasil não avança. Por quê? Calicchio Neto - Tenho dúvidas se a população tem tanta consciência sobre este diagnóstico claro e o caminho a seguir. Precisamos estabelecer prioridades nacionais. A prioridade número um, para o Brasil crescer de forma acelerada e sustentável, é fazer um aumento dramático de produtividade. Na corrida pelo crescimento no século 21, o Brasil hoje é um País atrasado? Calicchio Neto - Atrasado, não sei, mas com certeza não é o mais proeminente. Nós não estamos capturando o nosso imenso potencial para ter um desenvolvimento maior e mais acelerado. O Brasil é democrático, tem recursos naturais abundantes, uma população com massa crítica e até ajuda divina - Deus é brasileiro. Deveríamos estar muito melhores. Mas estamos vivendo em berço esplêndido. Temos de ir à luta. Algum país, que esteve na situação do Brasil hoje, deu a volta por cima? Calicchio Neto - Analogias são difíceis. Você fala e alguém diz: mas este país é menor, este é uma ditadura, este aqui está em outro hemisfério. Verdade. Cada país tem um contexto. Mas vários países com problemas estão crescendo rapidamente. Na África, Nigéria e África do Sul. Na Ásia, Cingapura. Quer melhor? Estados Unidos, uma economia madura, cresce mais que o Brasil. Não dá para aceitar isso. Para tudo! Vamos ver o que fazer para mudar.