2004/10/27 ESTRATÉGIA NAVAL PORTUGUESA. DOCUMENTAÇÃO ESTRUTURANTE [1] António Silva Rib eiro INTRODUÇÃO A estratégia naval portuguesa exprime o que a Marinha fará e como fará para cumprir a sua missão. É explicitada através da política naval, que assume forma pública na respectiva directiva (DPN), e da doutrina estratégica naval, materializada pelo conceito estratégico naval (CEN), pelas missões sectoriais (dos Órgãos Centrais de Administração e Direcção e equivalentes, doravante designados por Sectores da Marinha) e pelas directivas de planeamento genético, estrutural e operacional. É com base neste modelo teórico que caracterizamos um possível método de elaboração da documentação estruturante da estratégia naval portuguesa. Embora a maioria destes documentos exista, a sua definição e elaboração ocorreu em épocas diferentes, por motivos distintos e sem uma conceptualização de conjunto. Em consequência, carecem de adequada compatibilização e complementarização, de forma a exprimirem uma visão harmonizada da estratégia naval portuguesa. POLÍTICA NAVAL A política naval é determinada pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA). Traduz o que a Marinha fará para cumprir a sua missão, tendo presente as envolventes ambientais internas e externas. Em concreto, reflecte o pensamento do decisor naval de mais alto nível, sobre o que é necessário e possível fazer com prioridade durante o seu mandato (3 a 5 anos) nos diferentes Sectores da Marinha e com os recursos disponíveis e previsíveis, visando os objectivos genéticos, estruturais e operacionais de longo prazo. Existem dois níveis fundamentais para a política naval: Um nível superior, vocacionado para o planeamento das actividades de curto e médio prazo da Marinha como um todo; um nível sectorial, direccionado para o planeamento e execução das actividades de curto e médio prazo dos organismos que integram os Sectores da Marinha. A política naval de nível superior é concebida pelo EMA e assume forma pública na DPN. Analisando a DPN 03 (A) em vigor, verifica-se que traduz a visão estratégica do CEMA, evidenciando os objectivos genéticos, estruturais e operacionais prioritários para o seu mandato, e as respectivas linhas de materialização quanto a pessoal, material, estruturas, sustentação, treino e doutrina. Todas elas visando as operações. O estado de execução daqueles objectivos será analisado quadrimestralmente pelo Conselho do Almirantado, com recurso à técnica “Balanced Scorecard”, ou outra equivalente. A política naval de nível sectorial não é um elemento constitutivo da documentação estruturante da estratégia naval portuguesa. A sua formulação cabe aos órgãos de apoio dos responsáveis pelos Sectores da Marinha e é determinada por estas entidades. Assume forma pública nas Directivas Sectoriais, que aprofundam e particularizam os objectivos e as linhas de materialização determinados na DPN. Importa realçar que, tal como o nível superior da política naval influencia o nível sectorial, definindo-lhe a estrutura e a direcção, também aquele é condicionado pela política militar. DOUTRINA ESTRATÉGICA NAVAL DEFINIÇÃO A doutrina estratégica naval é promulgada pelo CEMA. Traduz como a Marinha fará para cumprir a sua missão, tendo presente a postura estratégica institucional. É definida pelo conjunto de princípios, orientações e medidas segundo os quais os Sectores da Marinha devem regular as suas acções genéticas, estruturais e operacionais num horizonte que varia do curto ao longo prazo. A doutrina estratégica naval não trata do passado. Serve o presente e desvenda caminhos para o futuro. Embora seja mais duradoura e menos susceptível a mudanças que a política naval, não é rígida nem inflexível. Na realidade, tem dinâmica e necessita de ser revista pelo EMA, sob orientação do CEMA, em duas circunstâncias distintas: sempre que se verifiquem alterações fundamentais do ambiente estratégico, de forma a manter a utilidade e a relevância suficientes para informar os debates acerca do futuro da Marinha e para guiar a instituição no seu desenvolvimento e no cumprimento da missão; quando as lições aprendidas sobre o emprego das capacidades da Marinha, face a determinadas envolventes ambientais internas e externas, recomendam aperfeiçoamentos na forma como é cumprida a missão. CONTEÚDO O CEN define os princípios filosóficos que conferem lógica e coerência à acção da Marinha nos campos genético, estrutural e operacional. Depois de caracterizar os desafios que se colocam à Marinha, deve evidenciar a natureza dessa acção, indicar as razões da sua adopção e definir os preceitos de materialização segundo os domínios do pessoal, do material, das estruturas, da sustentação, do treino e da doutrina. O último CEN português foi concluído em finais de 1988, pelo que carece de uma profunda revisão. As missões sectoriais fixam as orientações globais necessárias à actuação dos Sectores da Marinha. Para isso, especificam genericamente as tarefas a realizar (objectivos departamentais) e os propósitos a alcançar (finalidades). Foram promulgadas pelo Decreto-Lei n.º 49/93, de 26 de Fevereiro, (Lei Orgânica da Marinha - LOMAR). A prática da última década mostrou a necessidade de alguns ajustamentos pontuais. As directivas genética, estrutural e operacional são documentos simples e breves, onde se estabelecem as medidas de conduta nos seis domínios antes enunciados. Implicam racionalização e calendarização. Colocam ênfase na evolução, na gestão da mudança e num horizonte temporal que varia do curto ao longo prazo. Desta forma, proporcionam continuidade e direcção à Marinha, através da definição de uma visão de futuro e de uma aproximação clara e objectiva à sua gestão, com os objectivos e os prazos fundamentais para melhoramentos nos domínios do pessoal, do material, das estruturas, da sustentação, do treino e da doutrina. Convirá realçar, por um lado, que a doutrina estratégica militar tem, relativamente às directivas em apreciação, bem como à restante documentação da doutrina estratégica naval, uma relação de determinação. Por outro lado, estas directivas articulam-se com a DPN de forma a originar um processo integrado de planeamento. Nele, os objectivos de curto e médio prazo incluídos na DPN, são seleccionados pelo CEMA, em função da sua visão estratégica para a Marinha e da possibilidade de materialização durante o respectivo mandato, a partir das medidas definidas nas directivas genética, estrutural e operacional. Em consequência, a mudança resultante da concretização daquelas medidas é progressiva e feita à custa da consecução, durante anos, dos objectivos de curto e médio prazo prioritizados pelos sucessivos CEMA nas respectivas DPN. A directiva genética engloba as medidas necessárias para gerar novos meios em pessoal e material, a pôr à disposição das operações no momento adequado, que sirvam o CEN e tenham em atenção a evolução da conjuntura. O estudo “Contributos para o planeamento de forças da Marinha” cumpre estes requisitos. Porém, alarga-os ao planeamento estratégico naval quando, em anexos detalhados, articula os objectivos em termos de pessoal e material, com os recursos financeiros e os prazos em cada capacidade do sistema de força naval (SFN). A directiva estrutural engloba as medidas necessárias para organizar os meios da Marinha, tarefa que se desenvolve segundo cinco vertentes: na criação ou desactivação de órgãos; na modificação de competências e das respectivas linhas de autoridade; nas estruturas da força que permitam configurações compatíveis com as necessidades operacionais de uma Marinha equilibrada; nas estruturas de apoio das actividades da esquadra; no papel a desempenhar pelas pessoas na evolução estrutural da Marinha. Não existem antecedentes de um documento com este conteúdo. A directiva operacional engloba as medidas necessárias ao emprego dos meios, atendendo às suas características e possibilidades para cumprir as missões da Marinha. Também não se conhecem exemplos anteriores de um documento que satisfaça tal requisito. Com efeito, a directiva de planeamento operacional (PLANOP) está aquém do que se conceptualiza para uma directiva operacional onde constem medidas relativas: à sustentação, direccionadas para a preparação, a movimentação, a manutenção e a recuperação dos meios envolvidos na actividade operacional; ao treino, vocacionadas para que os comandos, as forças e as unidades da Marinha operem de forma coesa, cumprindo as suas tarefas com sucesso; à doutrina, pugnando para que o seu desenvolvimento seja adequado aos novos desafios resultantes das alterações políticas, estratégicas, militares ou tecnológicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O possível método de elaboração da documentação estruturante da estratégia naval portuguesa que se caracterizou, permitirá apresentar e explicar a política naval e a doutrina estratégica naval, como partes do processo de planeamento da Defesa Nacional. Por isso, ajudará à decisão governamental. Sendo lógico e coerente, também facilitará o diálogo no seio da Marinha, auxiliará a formação e a integração dos oficiais mais jovens nas actividades de planeamento, e será um instrumento essencial de trabalho dos oficiais dos escalões médio e alto, que desempenham funções no EMA, no EMGFA e no MDN. Terá igualmente utilidade para informar outras entidades que necessitam de conhecer as prioridades e como a Marinha actua, nomeadamente os outros ramos das F. A. e os departamentos governamentais com acções nos campos da política externa e das missões de interesse público. Os deputados, os académicos, os sectores industrial e comercial, os jornalistas e os cidadãos em geral, todos manifestam interesse legítimo em conhecer a documentação estruturante da estratégia naval portuguesa. Uma última palavra antes de concluir o artigo. As ideias apresentadas sobre o possível método de elaboração e, até, sobre a natureza desta documentação, não são definitivas, nem pretendem ser uma declaração estática. O assunto tratado é muito rico, pelo que não se esgota num texto que procura ser uma síntese de estudos recentemente iniciados, ao longo dos quais procuraremos compatibilizar as visões teóricas com as realidades e necessidades práticas da Marinha, e receber ideias inovadoras e criativas que melhorem aquilo que fazemos. [1] Artigo publicado na Revista da Armada.