Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
LLM em Direito Societário
Eduardo Siqueira Brocchi
DIVULGAÇÃO DE FATO RELEVANTE, INSIDER TRADING E
A RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
São Paulo
2013
Eduardo Siqueira Brocchi
Divulgação de Fato Relevante, Insider Trading e a
Responsabilidade do Administrador
Monografia apresentada ao Programa de
LL.M. em Direito Societário, do Instituto de
Ensino e Pesquisa - INSPER, como parte dos
requisitos para obtenção do título de pós
graduação em direito.
Área de concentração: Direito Societário
Orientador: Professor André Antunes Soares
de Camargo.
Brocchi, Eduardo Siqueira
Divulgação de Fato Relevante, Insider Trading e a
Responsabilidade do Administrador / Eduardo Siqueira
Brocchi; orientador: André Antunes Soares de Camargo –
São Paulo: Insper, 2013.
123 f.
Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em direito
Societário – LLM). Área de concentração: Direito Societário.
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Eduardo Siqueira Brocchi
Divulgação de Fato Relevante, Insider Trading e a Responsabilidade do
Administrador
Monografia apresentada ao Programa de
LL.M. em Direito Societário, do Instituto de
Ensino e Pesquisa - INSPER, como parte dos
requisitos para obtenção do título de pós
graduação em direito.
Área de concentração: Direito Societário
Aprovado em:______________________
Banca Examinadora
Prof. André Antunes Soares de Camargo
Orientador
Instituição: Insper
Assinatura: _________________________
Prof. ________________________________
Instituição: __________________
Assinatura: _________________________
Prof._________________________________
Instituição: __________________
Assinatura: _________________________
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho de pesquisa ao meu mestre, colega, padrinho e avô,
Francisco Isolino de Siqueira (in memorian), brilhante profissional, companheiro,
amigo e professor para a vida e para a profissão da advocacia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais e amigos, Renata Salek de Siqueira e Sílvio Alfredo
Magalhães Brocchi e a toda minha família pelos ensinamentos e apoio ao longo de toda a
minha vida.
Ao meu avô João Brocchi e minha avó Maria Luz Amina Salek Siqueira, pelo
exemplo de dignidade, integridade e amor à vida e à família.
Agradeço ao meu irmão e melhor amigo, Bruno Siqueira Brocchi, advogado, de
notório saber e conduta ética e ilibada, por ter me introduzido à advocacia.
Aos meus sócios Daniel Jorge Moraes e Filipe Orsolini Pinto de Souza, meus
companheiros cotidianos do exercício profissional de operador do direito, enfrentando todos
os desafios e desfrutando de todos os benefícios da profissão advocacia.
Aos meus colegas de escritório, Marcus Paulo Gebin e Ana Carolina Pecin Consolo,
pela convivência diária e ensinamentos cotidianos.
Ao Professor André Antunes Soares de Camargo, por todo o esforço na coordenação
do curso de Pós Graduação do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, pelos ensinamentos
transmitidos nas matérias Teoria Geral das Sociedades e Governança Corporativa e na
orientação à presente pesquisa.
Ao Professor Flávio Kezam Málaga, pelos valiosos ensinamentos nas matérias de
Análise de Demonstrações Financeiras e Finanças Corporativas.
Ao Professor Pedro Whitaker de Souza Dias e à Professora Marina Anselmo
Schneider, pelos brilhantes ensinamentos na matéria Valores Mobiliários.
Aos meus amigos, por todos os bons momentos de descontração vividos.
RESUMO
BROCCHI, Eduardo Siqueira. Divulgação de Fato Relevante, Insider Trading e a
Responsabilidade do Administrador. Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em
direito societário – LLM) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2013.
O presente trabalho de conclusão do curso aborda os deveres dos administradores
de Sociedades Anônimas de capital aberto, focando nos deveres de sigilo e
informação, a obrigatoriedade de divulgação de fatos relevantes ao mercado,
conforme princípio do full disclosure, a prática do insider trading e a
responsabilização pessoal dos administradores.
Após proceder a uma análise dos deveres dos administradores, notadamente o
dever de informar ao mercado, são apresentadas as consequências de seus
descumprimentos e a possibilidade de sua responsabilização pessoal, com especial
atenção à business judgment rule.
Por fim analisa-se a prática delituosa do insider trading, seus pormenores, a atuação
fiscalizadora da Comissão de Valores Mobiliários, suas consequências ao mercado
acionário e a responsabilização pessoal dos administradores em decorrência do
insider trading.
Palavras-chave: Deveres dos administradores; princípio do full disclosure; dever de
informar; dever de sigilo; insider trading; responsabilidade pessoal dos
administradores; business judgment rule.
ABSTRACT
BROCCHI, Eduardo Siqueira. Divulgação de Fato Relevante, Insider Trading e a
Responsabilidade do Administrador. Monograph (LLM) – Insper Instituto de
Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2013.
This scientific study consists on certain aspects and concept of the duties related to
the profession of administrators of company listed on the stock market, with the due
study of the duty to inform and the duty of confidentiality, as defined by the full
disclosure principle, the insider trading practice and the personal liability
of the
administrators.
After making an analysis of the duties of the administrators, specifically the duty to
inform the stock market, are presented the consequences of its noncompliance and
the possibility to the personal liability of the administrators, in special concern to the
business judgment rule.
At last, it is analyzed the criminal act of insider trading, its details, the supervisory role
of the Brazilian securities commission, its consequences to the stock market and the
personal liability of the administrators due to the insider trading.
Keywords : Duties of administrators; full disclosure principle; duty to inform; duty of
confidentiality; insider trading; personal liability of administrators; business judgment
rule.
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ABRASCA – Associação Brasileira de Companhias Abertas
art. – Artigo
COB – Comissión des Opérations de Bourse
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio
EPP – Empresa de Pequeno Porte
IBCA – Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração
IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
ICVM – Instrução Normativa da Comissão de Valores Mobiliários
inc. – Inciso
ITSA – Insider Trading Sanctions Act
ITSFEA – Insider Trading and Securities Fraud Enforcement Act
LMC – Lei do Mercado de Capitais
LSA – Lei das Sociedades Anônimas
ME – Micro Empresa
MPF – Ministério Público Federal
RI – Relação com Investidores
S.A. – Sociedade Anônima
SEC – Securities Exchange Commission
UE – União Européia
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
2. DEVERES DO ADMINISTRADOR E PRINCÍPIOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA
“FULL DISCLOSURE” ......................................................................................................... 17
2.1. Breves noções sobre a administração da companhia ................................................ 17
2.1.1. Dos órgãos administrativos da companhia .......................................................... 17
2.1.2. Do conselho de administração, da diretoria e do administrador .......................... 19
2.1.3. Da governança corporativa ................................................................................. 22
2.2. Dos deveres dos administradores e dos princípios de governança corporativa ......... 23
2.2.1. Dever de diligência e princípio da responsabilidade corporativa ......................... 29
2.2.2. Dever de lealdade e o princípio da equidade ...................................................... 32
2.2.3. Deveres de informação e de sigilo e os princípios da transparência e prestação
de contas ...................................................................................................................... 34
2.3. A business judgment rule .......................................................................................... 42
3 – ORIGATORIEDADE DE DIVULGAÇÃO DE FATO RELEVANTE .................................. 48
3.1 – Definição e obrigação de divulgação ....................................................................... 48
3.2. A exceção à regra – possibilidade de não divulgação de fatos relevantes................. 54
3.3. Do momento da divulgação do fato relevante ............................................................ 57
3.3.1 – Exemplos de divulgação precoce ou tardia ou não divulgação de fato relevante
..................................................................................................................................... 60
4. RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DO ADMINISTRADOR ............................................ 65
4.1. Definição e características gerais .............................................................................. 65
4.2. Responsabilidade civil perante a companhia ............................................................. 72
4.3. Responsabilidade civil perante os acionistas ............................................................. 73
4.4. Responsabilidade civil perante terceiros em geral ..................................................... 74
4.5. Critérios para definição da responsabilidade ............................................................. 75
4.6. Responsabilidade pessoal e solidária........................................................................ 76
4.7. Causas Extintivas da responsabilidade civil dos administradores .............................. 79
5. INSIDER TRADING ......................................................................................................... 83
5.1. Regulação do mercado de capitais............................................................................ 83
5.2. Considerações e características gerais do insider trading ......................................... 85
5.2.1. Sanções aplicáveis no direito brasileiro .............................................................. 90
5.3. O Insider trading no direito comparado ...................................................................... 91
5.3.1. Legislação norte-americana ................................................................................ 92
5.3.2. Legislação Européia ........................................................................................... 97
5.4. Definição de Insider Trader ..................................................................................... 101
5.5. Exceção à regra ...................................................................................................... 105
5.6. Mecanismos de prova do insider trading ................................................................. 107
5.7. Insider trading e a obrigatoriedade de divulgação de fatos relevantes..................... 108
5.8. Outros casos concretos de prática de insider trading no Brasil................................ 110
5.9 – Escola de Manne – Corrente Favorável ao Insider Trading ................................... 114
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 116
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 121
12
1. INTRODUÇÃO
Conforme os resultados da última pesquisa publicada pelo Departamento
Nacional de Registro do Comércio – DNRC, que, apesar de ter sido realizada no ano
de 2005, ainda representa a atual tendência do país, o mercado empresarial
brasileiro é formado, principalmente, por empresários individuais que, na maioria das
vezes, são constituídos irregularmente1.
Também é destacado na referida pesquisa que, quando os empresários
optam pela formalização de uma sociedade para exploração da atividade
econômica, a modalidade preferida para constituição desta empresa é a sociedade
de responsabilidade limitada.
Atualmente, de acordo com o mesmo estudo, 98,93% adotam a
modalidade
de
sociedade
com
capital
social
dividido
em
quotas
com
responsabilidade limitada, enquanto somente 0,46% das sociedades empresariais
brasileiras adotam o formato societário com o capital social dividido em ações.
Isso ocorre pela limitação da responsabilidade dos sócios, ou seja, seus
bens pessoais não respondem a um eventual insucesso do empreendimento, pela
menor complexidade contábil e de gestão, bem como pelos menores custos de
constituição e manutenção, conforme explicitado por Samara Teixeira2.
No entanto, conforme demonstrado no referido estudo do DNRC, são as
sociedades anônimas as responsáveis pelos maiores índices de faturamento3.
Enquanto as sociedades limitadas são formadas em sua grande maioria
por micro empresas – ME – e empresas de pequeno porte – EPP – que possuem,
respectivamente, faturamento anual limitado, até o ano de 2013, em trezentos e
sessenta mil reais e três milhões e seiscentos mil reais, as dez maiores sociedades
1
Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/caep0101.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
TEIXEIRA, Samara. S.A. X Ltda. Conheça as Diferenças. Disponível em:
<http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/gestao-rh/s-a-x-ltda-conheca-as-diferencas>. Acesso em:
17 jun. 2013.
3
Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/caep0101.htm>. Acesso em: 21 mai. 2013.
2
13
anônimas brasileiras, de acordo com estudo realizado pela revista Exame no ano de
2012, faturaram, em média, mais de vinte e seis bilhões de dólares cada uma4.
Nos termos do artigo 4ª da Lei das Sociedades por Ações, as sociedades
anônimas se dividem em sociedades de capital fechado, quando suas ações não
são negociadas no mercado de bolsa de valores, e sociedades de capital aberto,
quando há a negociação de seus valores mobiliários na bolsa de valores5.
Há muito se lê na mídia sobre o destaque da economia brasileira no
cenário mundial, o que atrai investidores de diversos países do mundo, interessados
nos promissores rendimentos das aplicações disponíveis, inclusive após períodos de
instabilidade e crise6.
Em contraposição, não raro verificam-se notícias de que a baixa
credibilidade brasileira e os índices de intervenção governamental na economia
4
As 100 Maiores Empresas do Brasil – 2012. Exame, 2012. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/melhores-e-maiores/ranking/2012/>. Acesso em: 21
mai. 2013.
5
o
Art. 4 Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários
de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
o
§ 1 Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores
Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.
o
§ 2 Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio
registro na Comissão de Valores Mobiliários.
o
§ 3 A Comissão de Valores Mobiliários poderá classificar as companhias abertas em categorias,
segundo as espécies e classes dos valores mobiliários por ela emitidos negociados no mercado, e
especificará as normas sobre companhias abertas aplicáveis a cada categoria.
o
§ 4 O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser
cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle,
direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no
mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base
nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio
líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de
cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela
Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o
o
disposto no art. 4 -A.
o
§ 5 Terminado o prazo da oferta pública fixado na regulamentação expedida pela Comissão de
Valores Mobiliários, se remanescerem em circulação menos de 5% (cinco por cento) do total das
ações emitidas pela companhia, a assembléia-geral poderá deliberar o resgate dessas ações pelo
o
valor da oferta de que trata o § 4 , desde que deposite em estabelecimento bancário autorizado pela
Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares, o valor de resgate, não se
o
aplicando, nesse caso, o disposto no § 6 do art. 44.
o
§ 6 O acionista controlador ou a sociedade controladora que adquirir ações da companhia aberta sob
seu controle que elevem sua participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de
ações à porcentagem que, segundo normas gerais expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado a fazer oferta pública, por
o
preço determinado nos termos do § 4 , para aquisição da totalidade das ações remanescentes no
mercado.
6
JPMorgan Rejeita Cenário Pessimista Para o Brasil. Exame, 2013. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/mercados/noticias/j-p-morgan-rejeita-cenario-pessimista-para-o-brasil>.
Acesso em: 17 jun. 2013.
14
afastam investidores estrangeiros e evitam um maior desenvolvimento econômico do
país7.
De acordo com estudos feitos pela Heritage Foundation, o Brasil se
encontra, no ano de 2013, na 100ª posição dos países chamados de
economicamente livres. Os estudos comprovam que quanto maior o índice de
liberdade econômica, mais economicamente desenvolvido o país é8.
Já o índice de percepção de corrupção, conforme estudos realizados pela
organização Transparency International, o Brasil se encontra na 69ª posição, com
um alto nível de desmandos9.
Os estudos comprovam que quanto mais alto o nível de corrupção do
país, menor o volume de investimentos estrangeiros, o que também impede que o
desenvolvimento econômico seja mais expressivo, afetando diretamente o mercado
de capitais.
Considerando a classificação do Brasil nos referidos estudos, verifica-se
que, apesar da atratividade de seus investimentos, ainda existem condições que
restringem o aporte de capital estrangeiro no país.
Tais dados são relevantes para comprovar que a corrupção, assim como
observada na esfera governamental, ocorre no mundo empresarial com a prática de
delitos como o insider trading, tema central da presente pesquisa, o que também cria
aversão à atração de investimentos estrangeiros.
Nesse contexto, o presente estudo se concentrará nas sociedades
anônimas de capital aberto, na atuação de seus administradores na condução de
seus negócios sociais, em especial o cumprimento de seus deveres legais e
estatutários, notadamente os deveres de informar e de sigilo, objetivando a análise
da
prática
ilícita
de
insider
trading
e
a
responsabilização
pessoal
dos
administradores por eventuais danos decorrentes do não cumprimento de seus
deveres e pela ocorrência do mencionado delito.
Com o objetivo de analisar os limites da responsabilidade dos
administradores, importante a análise da criação legislativa do sistema de freios e
7
Disponível em: <https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/6/8/brasilcom-vies-de-baixa-risco-maior-afeta-mais-as-estatais>. Acesso em: 17 jun. 2013.
8
Disponível em: < http://www.heritage.org/index/ranking>. Acesso em: 14 abr. 2013.
9
Disponível em: < http://cpi.transparency.org/cpi2012/results/>. Acesso em: 15 abr. 2013.
15
contrapesos para que a atuação do administrador fosse pautada por deveres que
visam a proteção do patrimônio da companhia e, portanto, de seus acionistas.
Será analisada a Instrução Normativa nº. 358, do ano de 2002 – ICVM nº.
358/02 – editada pela Comissão de Valores Mobiliários na tentativa de melhor
controlar o dever de informação e o dever de sigilo, prevendo uma relação
exemplificativa dos fatos considerados relevantes e que devem ser comunicados ao
mercado, bem como a possibilidade de o administrador se recusar a divulgar
informações ao mercado.
Nesse
sentido,
serão
estudados
os
deveres
essenciais
dos
administradores de companhias, instituídos com base em princípios internacionais
de funcionamento de mercado, que estão previstos na Lei nº. 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações, ou LSA, em
seus artigos 153 a 157.
Verificar-se-ão as diretrizes emanadas pelo Instituto Brasileiro de
Conselheiros de Administração (IBCA), criado em 27 de novembro de 1995 e que,
posteriormente, já no ano de 1999, passou a ser chamado de IBGC – Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa, que servem como base ao desenvolvimento
sustentável mercadológico e à proteção ao acionista.
Os princípios de governança corporativa, que servem como diretriz para a
atuação do administrador na condução dos negócios sociais da companhia, e os
deveres e responsabilidades dos administradores de companhias são fundamentais
ao presente estudo, pois pautam os deveres dos administradores, dentre os quais,
para a presente pesquisa, destacam-se a obrigatoriedade de divulgação dos fatos
relevantes ao mercado e o dever de sigilo.
Por outro lado, a presente pesquisa não objetiva a análise de forma
pormenorizada dos demais deveres dos administradores, somente o dever de
informação e de sigilo. Os demais deveres, bem como os princípios de governança
corporativa, serão mencionados somente como forma de subsídio para o estudo da
responsabilização pessoal do administrador.
Também não serão abordados de forma detalhada os aspectos criminais
da prática do insider trading, havendo somente breves considerações sobre a
16
previsão legal de criminalização da conduta, bem como a responsabilização criminal
do administrador.
Para a análise da responsabilização pessoal do administrador serão de
suma importância a análise do instituto de criação norte americana da business
judgment rule e da atuação da CVM como órgão fiscalizador do mercado de capitais.
Portanto, em síntese, objetivando a análise da prática de insider trading e
a responsabilização pessoal do administrador, ao longo da presente pesquisa, serão
desenvolvidos
os
responsabilidades
pontos
pelo
sobre
os
cumprimento
deveres
ou
do
administrador
descumprimento
de
tais
e
suas
deveres,
notadamente o dever de sigilo e de informação, do qual decorre a necessidade de
divulgação de fatos relevantes ao mercado.
17
2. DEVERES DO ADMINISTRADOR E PRINCÍPIOS
GOVERNANÇA CORPORATIVA “FULL DISCLOSURE”
DE
2.1. Breves noções sobre a administração da companhia
2.1.1. Dos órgãos administrativos da companhia
As companhias, ao longo do tempo, aumentaram seus campos de
atuação e, naturalmente, cresceram sua importância perante a sociedade.
As sociedades anônimas possuem obrigações não somente em relação
aos seus acionistas, mas também junto aos seus funcionários, clientes, prestadores
de serviço e, ainda, com o mercado como um todo.
A Lei nº. 6.404/76, conhecida como Lei das S/A e neste estudo
denominada de LSA, em seus artigos 138 a 162, exige que as sociedades por ações
sejam compostas dos seguintes órgãos:
(i)
assembleia geral;
(ii)
diretoria;
(iii)
conselho fiscal.
O conselho fiscal, apesar de ter como obrigatória sua existência, como
previsto no artigo 161, da LSA, é de funcionamento facultativo. Já os conselhos de
administração são obrigatórios somente para as sociedades anônimas de capital
aberto, sociedades de economia mista, sociedades de capital variável e para
aquelas com previsão estatutária10.
Cada um dos órgãos da sociedade anônima possui competências
legalmente determinadas nos artigos 142, 144 e 163, da LSA, que são privativas e,
portanto, particulares e intransferíveis.
10
Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de
modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.
(...)
18
A
distinção
dos
órgãos
administrativos
de
uma
companhia
foi
estabelecida para que as empresas dissociassem sua imagem do sócio fundador ou
majoritário. Nesse sentido, Américo Luís Martins Silva sustenta:
A empresa moderna consagra o sistema de propriedade através do qual se
dissocia a unidade entre a gestão e a fruição dos bens, proporcionando ao
proprietário o gozo dos frutos, mas tirando-lhe a gestão ou administração
dos bens investidos. O acionista e o sócio-quotista, ao subscreverem a ação
ou a adquirir suas quotas, com seus cabedais, dispensa o direito de
administrá-los. Os órgãos da sociedade, seus administradores, diretores ou
11
sócios gerentes fá-lo-ão por ele.
Conforme indicado acima, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França
ilustra a composição dos diferentes órgãos de uma sociedade anônima, expondo o
seguinte:
Ao contrário do que sucede nos demais tipos societários, a economia
interna da sociedade anônima não é deixada à livre decisão dos seus
fundadores ou acionistas. O legislador discriminou poderes-funções
considerados fundamentais, atribuindo-os a órgãos próprios, insuprimíveis e
inconfundíveis: o poder-função deliberante à assembleia geral, o poderfunção administrativo à diretoria, o poder-função sindicante ao conselho
fiscal. A liberdade negocial dos particulares, na organização de uma
12
companhia, é, pois, limitada pelo respeito devido a essa estrutura básica.
Conforme
exposto,
diante
das
normas
acionárias
brasileiras,
a
administração das companhias é composta por diferentes órgãos e as companhias
de capital aberto, as sociedades de economia mista e as sociedades por capital
autorizado, possuem o conselho de administração como obrigatório, conforme
artigos 138, § 2º, e 144 da LSA.
Nos termos dos artigos 142 da LSA, ambos possuem atribuições
privativas e indelegáveis, sendo essenciais às sociedades anônimas, conforme
observados nas regras legais e nas melhores práticas de governança corporativa.
As sociedades de capital acionário, conforme ensina Marcelo Vieira von
Adamek, podem adotar os sistemas de administração conhecidos como monista ou
dualista. O sistema monista determina a existência de um único órgão de
administração, o que pode ser observado em algumas companhias de capital
fechado no Brasil. Já o sistema dualista prevê a existência de dois órgãos
11
SILVA, Americo Luíz Martins Da. Sociedades Empresárias, Volume II, Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2007. p. 537.
12
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Temas de Direito Societário, Falimentar e Teoria
da Emprsa, São Paulo: Malheiros Editores, 2009. pp. 366 e 367.
19
independentes entre si, mas que interagem, possibilitando um sistema de freios e
contrapesos13.
No Brasil, pela possibilidade normativa de existência do sistema dualista,
as companhias seguem tal sistema, inclusive seguindo as melhores práticas da
governança corporativa, conforme proposto pelo IBGC.
2.1.2. Do conselho de administração, da diretoria e do administrador
O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada que
orienta os negócios da companhia, fiscaliza a atuação dos diretores, entre outras
atribuições fundamentais à empresa.
Conforme expõe Marcelo Vieira von Adamek sobre o Conselho de
Administração:
O conselho de administração não tem qualquer poder de representação, já
que a administração externa compete privativamente aos diretores; é
apenas órgão deliberativo, de planificação e orientação da gestão, e de
14
fiscalização da diretoria.
Já a diretoria, apesar de ser necessariamente composta por, no mínimo,
duas pessoas, não é, necessariamente, órgão colegiado, pois cada diretor possui
obrigações e funções individuais, a não ser que o estatuto preveja a atuação
conjunta dos administradores.
Observa-se, portanto, que os órgãos de administração das companhias,
no Brasil, adotam o sistema dualista, caracterizado pela existência de dois órgãos
distintos de administração, sendo a diretoria responsável pelas atividades de gestão
propriamente ditas e o conselho de administração responsável pela supervisão e
tomadas de decisões estratégicas.
Esta divisão dualista dos órgãos de administração é hoje considerada
como fundamental para uma boa administração pelos princípios da governança
corporativa.
13
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 17.
14
Ibid. p. 22.
20
Pelas atribuições dos administradores componentes da diretoria e do
conselho, todos eles possuem deveres, logicamente distintos entre si, e
responsabilidades, que decorrem de lei e do estatuto.
Tendo a função de supervisão, os diretores e conselheiros possuem,
ainda, responsabilidade sobre as atitudes dos demais, quando estas forem
conhecidas. Sendo atitudes de um administrador que possam colocar em risco a
companhia ou que contrariem as boas práticas, medidas devem ser tomadas pelos
demais para evitar ou corrigir tais situações.
Enquanto a diretoria não precisa ser um órgão colegiado, o conselho de
administração sempre adotará esta forma. Apesar de haver a previsão legal de
composição com, no mínimo, dois membros, decisões da diretoria podem ser
tomadas por um único diretor ou em conjunto entre eles, o que diferenciará o
sistema de responsabilidade dos administradores, que será estudado.
Considerando a referida configuração legal existente às sociedades por
ações, o papel do administrador é ser aquele que comanda sua operação e conduz
seus negócios, como se fosse a própria sociedade, pois exteriorizam a vontade
coletiva da companhia.
Como definição do órgão de diretoria e seus componentes, Pontes de
Miranda, em sua obra Tratado de Direito Privado, estabelece que este é presentante
e dirigente, sendo essencial e específico à companhia15.
Muito se discutiu sobre qual seria a relação existente entre a companhia e
sua administração, se seria mandatária, representante ou um órgão próprio da
companhia, conforme determinado pela teoria organicista, instituída em nossa
legislação pelo Decreto-lei nº. 2.627 de 1940, proveniente primeiramente da doutrina
Alemã (1937) e, posteriormente, da italiana (1942) e da francesa (1960).
Portanto, nossa legislação considera a administração como um órgão
próprio da companhia, tendo seus deveres próprios e agindo com autonomia, da
qual resulta, também, sua responsabilização.
Já o vínculo dos administradores, conforme visto, são classificados por
diferentes teorias, a unilateralista, que sustenta que a nomeação do administrador se
15
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo 50, 3ª edição, 2ª Reimpressão, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 1984. p. 383.
21
dá unilateralmente pelos acionistas, a dualista, que sustenta que a nomeação deve
ser aceita pelo administrador, e a contratualista, que sustenta a existência de um
contrato entre sociedade e administrador.
Dentro da teoria contratualista, a natureza do contrato existente é
divergente, existindo sustentações sobre contrato de mandato, pelo qual o
administrador seria um mandatário da companhia, do contrato de prestação de
serviços, pelo qual o administrador prestaria seus serviços de administração, de um
contrato de trabalho, no qual o administrador se vincularia por contrato de emprego,
demandando subordinação, e, por fim, a teoria mais moderna de que o
administrador se vincula à companhia por um contrato de administração
propriamente dito, ou seja, um contrato atípico, inominado e único.
Esta teoria parece ser a mais sustentável, pois a relação entre o
administrador e a companhia possui inúmeros pormenores que fogem à estruturação
das demais relações contratuais e, como mencionado por Marcelo Vieira von
Adamek, é o entendimento majoritário16.
A forma de atuação do administrador, suas responsabilidades e seus
deveres são específicos de sua relação com a companhia, não existindo qualquer
outro contrato típico que os prevejam de maneira satisfatória.
O contrato de administração, conforme definição de Luís Brito Correia:
(...) é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição ou sem
ela, a prestar sua atividade de gestão e representação orgânica de uma
sociedade anônima, sob orientação da coletividade dos acionistas e sob a
17
fiscalização do conselho fiscal.
Portanto, verifica-se que, apesar de não ser isenta de críticas, a teoria de
vínculo contratual, especificamente por meio de contrato de administração, se
mostra a mais plausível para a definição do vínculo existente entre um administrador
e a companhia, pelo qual se institui uma pluralidade de vínculos obrigacionais entre
as partes, estabelecendo os deveres dos administradores frente à companhia, aos
demais órgãos desta e seus acionistas.
16
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 48.
17
CORREIA, Luís Brito. Os administradores de Sociedades Anônimas, Coimbra: Almedina, 1993. p.
740. apud ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as
Ações Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 50.
22
2.1.3. Da governança corporativa
O tema Governança Corporativa se tornou um dos focos dos
administradores de companhias, servindo como diretriz para sua atuação e
condução dos negócios sociais da companhia, dada sua extrema relevância para o
desenvolvimento econômico sustentável da sociedade empresária.
As práticas de Governança Corporativa, como definido pelo IBGC, em seu
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, são construídas a partir
de 04 (quatro) principais pilares, quais sejam:
(i)
transparência;
(ii)
equidade;
(iii)
prestação de contas;
(iv)
responsabilidade corporativa18.
As práticas de governança referendam a existência dos mencionados
órgãos de administração, sustentando a necessidade de haver suficientemente
independência entre eles para que exerçam suas atribuições de forma regular e
satisfatória.
Dentre os órgãos de administração estudados anteriormente, para a
presente pesquisa, os administradores serão o enfoque.
Baseando-se na teoria do vínculo contratual do administrador com a
companhia, os deveres do administrador merecem análise sob o enfoque dos
princípios de governança corporativa.
Como ilustração desta conexão entre os assuntos, Marcelo Vieira von
Adamek ressalta:
Em tempos mais recentes, os deveres dos administradores novamente se
tornaram assunto do momento, agora sob a pomposa expressão inglesa
corporate governance – que, entre nós, foi servil e literalmente traduzida
pela horripilante expressão “governança corporativa” –, sinalizando a
necessidade de adotar procedimentos de boa gestão societária tendentes a
garantir que os administradores atuem realmente no interesse dos sócios e,
18
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 4ª Edição. Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2009. p. 19.
23
atualmente, sopesem os interesses de colaboradores da empresa
19
(stakeholders), em especial os trabalhadores.
Portanto, a análise dos deveres dos administradores parece ser mais
precisa e completa quando feita paralelamente aos conceitos de governança
corporativa, o que se busca a seguir.
2.2. Dos deveres dos administradores e dos princípios de governança
corporativa
Na condição de detentor de grande responsabilidade perante os
stakeholders da companhia e todos aqueles que atuam no mercado acionário
nacional, os administradores ganharam grande relevância na legislação societária.
Mesmo com a necessidade de o legislador regrar a atuação do
administrador, não poderia haver restrição de sua atuação a ponto de privá-lo da
condução social da empresa.
Diante deste cenário, o legislador instituiu um conjunto de normas, dentro
da legislação societária, que lhe concede direitos privativos, estabelece parâmetros
gerais orientadores de seus deveres na forma de condução dos negócios sociais e
fixa os limites de sua responsabilização pelas consequências de seus atos.
Neste sentido, Marcelo Vieira von Adamek traz a seguinte definição para
a normatização da atuação do administrador:
O legislador pátrio, palmilhando a mesma rota trilhada pelas mais modernas
leis societárias, em vez de procurar inutilmente restringir a atuação e o
poder decisório dos administradores, por meio de preceitos rígidos e
específicos para cada um dos múltiplos acontecimentos da vida negocial –
no que certamente teria fracassado e contribuído para gerar maiores
ineficiências por meio de um sistema inflexível -, corretamente optou, de um
lado, por preservar a liberdade de atuação dos administradores, conferindolhes atribuições e poderes privativos e (consequentemente) indelegáveis
(LSA, arts. 138, § 1º, 139 e 144), e, de outro lado, resolveu pautar o
comportamento dos administradores por padrões de conduta gerais e
abstratos, verdadeiras cláusulas-gerais a serem contrastadas com sua
atuação específica em cada caso concreto (LSA, arts. 153 a 157), em clara
aproximação técnica com à técnica legislativa da commom law. Ademais,
trouxe regras específicas para tratar da efetivação da responsabilidade civil
19
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 115.
24
dos administradores perante a companhia, os acionistas e terceiros (LSA,
20
arts. 158 e 159, caput e § 7º).
Ao
lado
das
regras
legais
que
estabelecem
os
deveres
dos
administradores, mais recentemente houve a regulamentação da chamada
Governança Corporativa, inclusive com a criação, em 1999, do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa – IBGC, proveniente do IBCA – Instituto Brasileiro dos
Conselhos de Administração.
A governança corporativa institui as boas práticas administrativas de um
administrador perante a companhia e os deveres que este deverá sempre seguir na
condução dos negócios, ou seja, os princípios basilares da governança corporativa
se relacionam diretamente com os deveres legais dos administradores.
Conforme ensina Alexandre Di Miceli da Silveira:
Governança corporativa lida com o processo decisório na alta gestão e com
os relacionamentos entre os principais personagens das organizações
empresariais, notadamente executivos, conselheiros e acionistas. O tema
pode ser definido como conjunto de mecanismos que visam a fazer com
que as decisões corporativas sejam sempre tomadas com a finalidade de
maximizar a perspectiva de geração de valor de longo prazo para o
21
negócio.
Dentre os deveres do administrador, definidos pelos artigos 153 a 157, da
LSA, para a presente pesquisa serão destacados os deveres de diligência, lealdade,
sigilo e informação.
Em relação aos deveres dos administradores, vale a transcrição de um
trecho da clássica obra de José Cândido Sampaio de Lacerda que comenta a seção
dedicada aos deveres do administrador dentro da LSA, conforme segue:
Nesta seção ficaram definidos, como afirma a justificação do projeto “em
numeração minuciosa, e até pedagógica, os deveres e responsabilidades
dos administradores. É seção da maior importância no projeto porque
procura fixar os padrões de comportamento dos administradores, cuja
observância constitui a verdadeira defesa da minoria e torna efetiva e
22
imprescindível a responsabilidade social do empresário.
Américo Luís Martins da Silva lista os deveres dos administradores em
nove níveis, a saber:
(i)
20
Dever ético-social;
Ibid. p. 113.
SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: teoria e prática.
Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010. p. 02.
22
LACERDA, José Cândido Sampaio de. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo:
Editora Saraiva, 1978. p. 189.
21
25
(ii)
Dever de diligência;
(iii)
Dever de não praticar atos de liberalidade;
(iv)
Dever de não tomar por empréstimo recursos ou bens da
companhia;
(v)
Dever de não aceitar suborno;
(vi)
Dever de lealdade;
(vii)
Dever de sigilo (insider trading);
(viii) Dever de colocar os interesses da sociedade acima dos seus
interesses pessoais; e
(ix)
Dever de informar (disclosure). 23
Para este estudo serão analisados pormenorizadamente os deveres de
diligência, de lealdade, de sigilo e de informar.
Já os princípios basilares da governança corporativa instituídos pelo
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, que se encontra na sua
4ª versão, são os princípios da transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade corporativa24.
Os deveres de diligência e de lealdade estão diretamente ligados aos
princípios da governança corporativa da equidade e da responsabilidade corporativa.
A diligência determina que o administrador da companhia exerça sua função com o
cuidado e com a diligência que deveria empregar na administração de seus próprios
negócios, ou seja, deve gerir o patrimônio dos acionistas como se seu próprio fosse.
A lealdade exige que na condução dos negócios ele aplique seus
esforços para a promoção igualitária das áreas da empresa, bem como dê total
transparência sobre seus atos e conduza os negócios visando à longevidade da
companhia e o cumprimento de sua função social.
No exercício de suas atribuições, o administrador deverá procurar sempre
ter em vista o objeto social da companhia, tudo fazendo para que ele seja executado
satisfatoriamente, pois esse é o fim da sociedade. Além disso, deverá exercer suas
23
SILVA, Americo Luíz Martins Da. Sociedades Empresárias, Volume II, Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2007. p. 592.
24
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 4ª Edição. Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2009. p. 19.
26
atribuições de forma a atender aos interesses da companhia, procurando considerar
as exigências do bem público e da função social da empresa.
O dever de informação está intimamente ligado aos princípios da
transparência e da prestação de contas, pois é o princípio internacionalmente
conhecido como “full disclosure”, ou seja, o princípio de operar a companhia
concedendo total publicidade aos atos e fatos que possam impactar de qualquer
forma a companhia.
Este princípio possui fundamental importância para manutenção da
simetria de informações ao mercado. Trata-se de ferramenta necessária para que
todos os participantes do mercado tenham acesso às mesmas informações, nas
mesmas condições e ao mesmo tempo sobre aquela companhia.
O full disclosure é o princípio norteador do sistema de governança
corporativa e determina a máxima transparência para o desenvolvimento dos
negócios sociais da companhia. Trata-se da obrigatoriedade de divulgação das
informações relevantes sobre a companhia emissora de valores mobiliários, de
forma equitativa e simultânea, tendo como premissa o fornecimento das informações
relevantes sobre a companhia e seus valores mobiliários para que o investidor tenha
mais embasamento para tomar suas decisões de investimentos
Modesto Carvalhosa define a função do full disclosure da seguinte
maneira:
A função desse sistema é, portanto, a de assegurar equidade nas
negociações com valores mobiliários emitidos pela companhia e negociados
no mercado de capitais. Visa principalmente à proteção dos acionistas
minoritários, aqui entendidos como aqueles que não têm acesso à
administração da empresa. Objetiva, no entanto, o sistema não só a
estrutura do mercado de capitais, cuja credibilidade, organização e
equilíbrio dependem do cumprimento estrito, por parte dos administradores,
do seu dever de informar o público em geral sobre as alterações do estado
25
negocial ou institucional da companhia.
O também chamado de princípio do full and fair disclosure, foi adotado
inicialmente pelo mercado norte-americano, tornando-se regra fundamental para a
segurança e bom funcionamento do mercado de capitais.
25
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª Edição, Revista e
Atualizada, Volume III, São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 294. apud FRANÇA, Erasmo Valladão
Azevedo e Novaes. Temas de Direito Societário, Falimentar e Teoria da Empresa, São Paulo:
Malheiros Editores, 2009. p. 221.
27
A divulgação de informações deve ser amplamente feita pelos
administradores, desde divulgações de informações para seus funcionários e
colaboradores, para seus acionistas, até para o mercado e seus órgãos regulatórios.
Este dever do administrador também consiste na divulgação das
informações contábeis e financeiras da companhia aos seus próprios investidores e
ao mercado, conforme princípio da prestação de contas.
Todos os atos do administrador que possam interferir nos negócios da
companhia e nas suas relações com quaisquer dos stakeholders e com o mercado
em si, necessitam da devida publicidade.
A qualidade das informações divulgadas ao mercado possibilita ao
investidor uma melhor avaliação das companhias e, consequentemente, uma correta
precificação de seus valores mobiliários comercializados no mercado.
Claro exemplo disso é a exigência legal da publicação desde prospectos
explicativos para lançamento de valores mobiliários, nos quais estejam expostas
todas as informações necessárias para que um investidor se oriente, até os
balanços contábeis e demonstrações financeiras para demonstração ao mercado da
saúde financeira e rentabilidade operacional da companhia.
O acesso às informações sobre os valores mobiliários negociados e as
companhias que os tenham emitido é uma exigência da CVM, no seu papel de
regulador do mercado. Com este objetivo, visando um novo nível de transparência
das companhias e a proteção do investidor, a CVM editou a Instrução nº 480/09, que
altera as previsões sobre informações que devem ser divulgadas ao mercado pelas
companhias.
Não basta a divulgação de informações ou fatos relevantes ao mercado.
A exigência é que as informações comunicadas sejam feitas de forma completa,
possibilitando o entendimento pelo investidor das relações do fato relevante com o
cotidiano da empresa.
Para o cumprimento desta obrigação, a CVM pode, inclusive, solicitar
esclarecimentos adicionais ao comunicado feito pelo administrador da companhia ao
mercado.
28
Neste sentido, Pedro Oliveira Marcílio de Souza, diretor da CVM, nos
autos
do
Processo
Administrativo
CVM/RJ-2006/4776,
expõe
o
seguinte
entendimento:
60. Um outro aspecto importante sobre a divulgação de fatos relevantes, é
que as informações divulgadas ao mercado pelas companhias devem
sempre ser prestadas de forma completa (art. 3º, §4º da Instrução 358/02),
clara e precisa (§5º do mesmo artigo).
61. Considera-se completa uma informação quando ela contém os fatos,
dados, nuances e demais informações necessárias para a avaliação do
impacto da informação principal sobre preço dos valores mobiliários ou
sobre as decisões de investimento relativas a esses valores mobiliários.
Não é considerada informação completa aquela que possa induzir os
investidores a erro.
62. Assim, para que se possa considerar que a informação foi divulgada de
forma completa, a companhia deverá, também, divulgar informações
complementares à informação principal, mesmo que não sejam exigidas de
forma expressa pela legislação ou pela eventual ordem de divulgação de
informação expedida pela CVM. Ao procurar prestar informações de
maneira completa, a companhia deve evitar a inclusão de detalhes que não
tenham impacto razoável na decisão de investimento. A definição do que
sejam esses detalhes de pouca relevância deve ser feita seguindo-se os
mesmos critérios para a análise da relevância de um fato.
63. Deve-se notar que o administrador é o responsável pela divulgação,
desde o início, do fato relevante de forma completa. Não obedece a
legislação quem anuncia um fato, mas espera uma ordem da CVM para
divulgar os aspectos relevantes deste fato que já sejam de seu
conhecimento. A iniciativa deve, sempre, partir da administração da
companhia. Por isso, se a legislação ou uma decisão concreta da CVM
determinar a divulgação de uma dada informação específica e essa
informação específica não puder ser considerada completa, em razão de
outras informações que sejam de conhecimento da administração, cabe à
companhia complementar as informações solicitadas de forma a fazer com
26
que sua divulgação satisfaça a exigência de divulgação completa.
Todas as exigências formuladas pela CVM implicam na necessidade de
as companhias aprimorarem o serviço de divulgação de informações aos
investidores de forma coerente, conforme as melhores práticas de governança
corporativa, contribuindo para a adequada formação de preços no mercado de
capitais
Para que um sistema de governança seja eficiente há a necessidade da
manutenção de diferentes mecanismos de governança, sendo eles classificados
entre internos e externos, para que sejam asseguradas as decisões que melhor se
adéquem aos princípios acima mencionados.
Dentre os mecanismos internos, destaca-se a existência do conselho de
administração, que deve representar o interesse de todos os acionistas no
26
Processo disponível em: <
http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2007/rordinario/inqueritos/01_17_RJ2006-4776.asp>. Acesso
em: 05 mai. 2013.
29
direcionamento dos negócios da companhia, visando sua longevidade com as
melhores práticas de gestão, ou seja, prezando pela condução dos negócios em
respeito aos princípios basilares.
O desrespeito aos deveres do administrador pode resultar em sua
responsabilização pessoal nos campos administrativo, civil, tributário e criminal pelas
consequências e eventuais danos causados a terceiros, quando agir com culpa ou
dolo ou com violação da Lei ou Estatuto.
A regra geral define que o administrador não é pessoalmente
responsabilizado por eventuais prejuízos decorrentes de decisões regulares,
embasadas e que sejam tomadas de boa-fé. Desde que o administrador cumpra
seus deveres legais, estatutários e contratuais, não há que se falar em
responsabilização pessoal em decorrência de eventual insucesso de sua decisão de
gestão administrativa.
Ou seja, desde que o administrador da companhia vise o interesse
legítimo da companhia, aja em respeito aos seus deveres legais e estatutários, bem
como guarde atenção aos princípios de governança corporativa, que serão em
seguida
analisados,
não
poderá
ser
pessoalmente
responsabilizado.
A
responsabilização pessoal é possível em casos específicos, que serão discutidos
mais adiante nesta pesquisa.
2.2.1. Dever de diligência e princípio da responsabilidade corporativa
O dever de diligência, previsto no artigo 153, da LSA, é, sem dúvida, o de
maior abrangência e amplitude. Requer do administrador os cuidados na conduta
cotidiana dos negócios sociais da companhia na mesma medida que teria se fossem
seus negócios pessoais.
O administrador figura a posição de gestão do patrimônio de terceiros,
que, neste caso, é de propriedade dos stakeholders. Diante disto, o administrador
deve, sempre, envidar todos os seus esforços e cuidados para administrar a
companhia.
Para Américo Luís Martins da Silva:
30
Ser diligente ou agir com diligência significa ter cuidado ativo, agir com zelo
e aplicação, ou seja, canalizar sua vontade ao efetivo exercício da atividade,
ser rápido e agir com presteza. Portanto, o dever de diligência exige que o
administrador se esforce ou se empenhe na realização das tarefas inerentes
27
ao seu cargo.
Portanto, o dever de diligência é um dever individual e de conotação
fiduciária do administrador frente à companhia e aos stakeholders.
O dever de diligência deve ser analisado criteriosamente, pois, dada sua
subjetividade, possui aplicabilidade diferenciada aos diferentes administradores.
Obviamente os administradores de diferentes companhias possuem
diferentes formações e níveis de conhecimento dos diversos campos de atuação de
um administrador. Basta a alteração da área de atuação de uma companhia para
verificarmos as diferentes competências necessárias aos administradores.
Diante disto, na análise prática da conduta de um administrador, as
diferentes condições de cada um, devem ser consideradas para a observância da
existência de diligência.
Conforme exemplifica Marcelo Vieira von Adamek:
(...) Por exemplo, erros na conclusão de um contrato geralmente serão mais
escusáveis a um químico, ocupando função de diretor de produção, do que
28
a um advogado, diretor de departamento jurídico, e assim por diante.
Para a análise do dever de diligência devem ser consideradas as
condições que o administrador possuía para tomar a decisão na época dos fatos.
Não seria justo após o acontecimento de qualquer fato, analisar a tomada de
decisão com todos os elementos conhecidos após o resultado.
Portanto, o dever de diligência, dada sua condição abstrata, deve ser
cuidadosamente avaliado para que se analise a atuação de um administrador.
O dever de diligência está diretamente ligado ao princípio da
responsabilidade corporativa, que demanda que o administrador aja sempre em
atenção àquilo que é melhor para a companhia e com o dever de torná-la perene e
sustentável.
O resultado financeiro da companhia e a otimização de sua lucratividade
não são, por si só, sinais de um trabalho bem desenvolvido pelo administrador.
27
Ibid. p. 593.
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 126.
28
31
Muitas vezes a busca incessante pelos melhores resultados e pela melhora
performance da companhia levam os administradores a deixar de lado seu dever de
diligência e, consequentemente, o princípio da responsabilidade corporativa.
Ações pontuais sem que estejam perfeitamente alinhadas com as
estratégias da companhia, mas que possam render à companhia um aumento em
seu faturamento ou sua lucratividade, podem colocar em risco sua longevidade e
sua função social.
O IBGC, no código de melhores práticas, define o princípio da
responsabilidade corporativa da seguinte forma:
Os agentes de governança devem zelar pela sustentabilidade das
organizações, visando a sua longevidade, incorporando considerações de
29
ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.
Não raro se observa na história do mercado acionário empresas que,
conduzidas por seus administradores de maneira fraudulenta, ilícita ou com
assunção de riscos desmedidos, aumentam sua lucratividade, valorizando-a, ainda
que momentaneamente, no mercado. Após certo período, essas empresas são
flagradas e seus valores podem ser reajustados e reduzidos significativamente.
Exemplo comum de gestão fraudulenta com claro ferimento ao dever de
diligência e ao princípio da responsabilidade corporativa são administradores que
aceitam a divulgação de resultados financeiros e contábeis maquiados, também
conhecida como prática do earning management.
As operações de disfarces dos balanços contábeis e demonstrações
financeiras de uma empresa eram corriqueiras, o que as deixavam em situação
econômica extremamente fragilizada.
Quando descobertas, as más práticas contábeis se tornam escândalos no
mundo corporativo, levando as empresas que eram aparentemente rentáveis a se
mostrarem extremamente deficitárias, ou, muitas vezes, até o ponto falimentar.
Mesmo se a empresa se recupera e se torna uma empresa
financeiramente saudável, adotando práticas de boa governança, após um
escândalo de má-gestão, a imagem desta companhia fica inquestionavelmente
deteriorada perante o mercado e seus investidores.
29
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 4ª Edição. Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2009. p. 19.
32
Os administradores devem, ainda, mesmo que recebendo ordens do
conselho de administração ou da assembleia geral da companhia, verificar,
primeiramente, se estas ordens cumprem as diretrizes legais e estatutárias e,
posteriormente, se são as melhores para o interesse da companhia como um todo e
de seus colaboradores.
Mesmo sendo eleitos pelo conselho de administração e podendo ser
destituído pela assembleia geral a qualquer momento, o administrador não deve
obediência cega a estes órgãos. Pelo dever de diligência, não pode ser passivo a
todas as determinações, mas sim ativo em buscar o que realmente é de interesse da
companhia e o que cumpre as diretrizes estatutárias e legais.
2.2.2. Dever de lealdade e o princípio da equidade
A enunciação geral do dever de lealdade determina que o administrador
sirva à companhia sempre com lealdade e boa-fé, mantendo reserva sobre seus
negócios.
Neste cenário, o administrador deverá atuar e operar o objeto da
companhia sem que beneficie quaisquer agentes da companhia em detrimento a
outros ou favoreça qualquer departamento da companhia em detrimento de outro.
Verifica-se que, pelo texto normativo, o dever de lealdade do
administrador é para com a companhia, entretanto, fica claro o dever existente em
relação a todos os stakeholders e ao mercado em geral.
Este dever está intimamente ligado ao princípio da equidade que,
conforme já visto, trata-se de um dos pilares da governança corporativa.
Conforme já exposto, o princípio da equidade determina que o
administrador seja o mais justo possível e que conduza os negócios sociais da
companhia protegendo todos os stakeholders igualmente, visando o interesse único
e exclusivo da companhia.
A definição instituída pelo IBGC, no seu código de melhores práticas de
governança, sobre o princípio da equidade é a seguinte:
33
Caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes
interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob
30
qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis.
A instituição do dever de lealdade do administrador que, conforme
definição do artigo 155, da LSA, proíbe a utilização da companhia ou de seus
negócios em benefício próprio ou de terceiros em detrimento aos demais ou à
companhia, auxilia na manutenção do princípio da equidade.
Qualquer atuação do administrador não pode ter o objetivo de beneficiar
pontualmente um ou outro stakeholder ou a si próprio. O administrador deve sempre
agir visando o interesse geral da companhia em si, em proteção à sua longevidade,
bem como o interesse dos stakeholders em geral.
Para garantia da eficácia do dever de lealdade, a LSA fez previsões
expressas de vedações à prática de determinados atos ligados a conduta cotidiana
dos administradores de companhias. No entanto, as definições listadas neste rol são
meramente exemplificativas e não taxativas. O dever de lealdade do administrador
transcende à definição do artigo 155, da LSA.
Todas as previsões são hipóteses de aproveitamento de oportunidades
geradas pela companhia em benefício próprio ou de terceiros em detrimento aos
demais stakeholders ou à própria companhia, ou seja, segue a diretriz estipulada
pelo princípio da equidade, conforme visto.
O administrador também não pode se omitir no exercício ou na proteção
de direitos da companhia ou, ainda, comprar e revender bens de interesse da
companhia para obtenção de lucro, em benefício próprio ou de terceiros em
detrimento à companhia.
Conforme ensina Américo Luís Martins da Silva:
Desleal é o administrador que não tem honradez. É o desonesto, o
insincero. Desrespeita o dever de lealdade o administrador que pratica ato
de desonestidade, porque ele revela, com esta prática, o elemento subjetivo
inconveniente e anti-social, porque implica a perda da confiança daqueles
que o nomearam para tão importante cargo. Portanto, a deslealdade,
quando efetivamente comprovada, destrói o elemento nuclear da nomeação
31
que é a confiança.
30
Ibid. p. 19
SILVA, Americo Luíz Martins da. Sociedades Empresárias, Volume II, Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2007. p. 598.
31
34
Caso o dever de lealdade não seja devidamente respeitado, o
administrador, assim como no eventual ferimento às demais obrigações, pode ser
responsabilizado pessoalmente, conforme preceitua o artigo 158 da LSA.
Eventual desrespeito ao dever de lealdade configura um desvio de poder
ou um desvio da finalidade de suas atribuições, ferindo, inquestionavelmente, a
função social da empresa, o que é previsto no artigo 154 da LSA.
Vale ressaltar que o artigo 155 também prevê um dever de sigilo ao
administrador, quando define que deverá “(...) manter reserva sobre os seus
negócios”32.
Importante delimitar que o dever de sigilo se restringe aos assuntos que
possam prejudicar os negócios da companhia se divulgados.
Há de ser analisado em conjunto com o dever de informação, que será
discutido adiante e também possui ligação com o princípio da lealdade.
2.2.3. Deveres de informação e de sigilo e os princípios da transparência e
prestação de contas
O dever de informar está previsto no artigo 157, da LSA, e será o dever
fundamental a ser explorado para a finalidade da presente pesquisa.
32
Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus
negócios, sendo-lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades
comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens,
para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta
tencione adquirir.
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer
informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do
cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado
valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de
valores mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de
subordinados ou terceiros de sua confiança.
§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do
disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que
ao contratar já conhecesse a informação.
o
§ 4 É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a
ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de
valores mobiliários.
35
Vale a transcrição do artigo que o define para fixação de todos os pontos
propostos pelo legislador como premissas para início do dever e suas
consequências:
Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o
termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de
compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da
companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja
titular.
§ 1º O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à
assembléia-geral ordinária, a pedido de acionistas que representem 5%
(cinco por cento) ou mais do capital social:
a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de
sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou
alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exercício anterior;
b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no
exercício anterior;
c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha
recebido ou esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas,
controladas ou do mesmo grupo;
d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela
companhia com os diretores e empregados de alto nível;
e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia.
§ 2º Os esclarecimentos prestados pelo administrador poderão, a pedido de
qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados pela mesa da
assembléia, e fornecidos por cópia aos solicitantes.
§ 3º A revelação dos atos ou fatos de que trata este artigo só poderá ser
utilizada no legítimo interesse da companhia ou do acionista, respondendo
os solicitantes pelos abusos que praticarem.
§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar
imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer
deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da
companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir,
de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou
comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.
§ 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º,
alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4º), se entenderem que sua revelação
porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de
Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou
por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e
responsabilizar os administradores, se for o caso.
o
§ 6 Os administradores da companhia aberta deverão informar
imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de
Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado
de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da
companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas
posições acionárias na companhia.
O artigo acima transcrito estabelece as obrigações existentes aos
administradores de companhias em prestar informações ao mercado, aos seus
stakeholders e aos órgãos de fiscalização do mercado, bem como estabelece
situações nas quais esta obrigação é relativizada.
36
Posteriormente, no ano de 2002, foi editada a Instrução nº. 358, da CVM,
que será posteriormente discutida, com o estabelecimento das exceções à regra do
dever de informação.
Importante observar que a obrigação do administrador inicia desde o
momento de sua posse, ao longo de todo o seu exercício, até o final de sua gestão à
frente da diretoria da companhia.
A fundamentação deste dever é o sistema de full disclosure, ou seja, a
ampla publicidade a qualquer ato que possa influenciar a negociação dos valores
mobiliários da companhia e que forem de interesse do mercado ou de seus
stakeholders.
Nesse sentido, Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto define:
O sistema da lei é o full disclosure, ou seja, o da total publicidade de atos e
fatos que possam de qualquer forma afetar a tomada de decisão dos
33
investidores sobre a aquisição de valores mobiliários da companhia.
O dever de informação deve ser visto em duas vertentes, sendo a
primeira o dever de informação aos acionistas e colaboradores e a segunda o dever
de informação ao mercado e órgãos fiscalizadores.
Enquanto os stakeholders possuem direito de informação das condições
que resguardam à companhia e de todas as demais que possam lhes interessar, por
meio da assembleia geral, ainda que não seja um direito irrestrito, por respeito ao
dever de sigilo, o mercado e os órgãos regulatórios possuem direito às informações
sobre quaisquer atos ou fatos relevantes.
O direito de acesso à informação e o dever do administrador em informar,
seguem os princípios da transparência e da prestação de contas, que são pilares da
governança corporativa.
O princípio da transparência determina que a consecução do objeto social
da companhia e a atuação do administrador sejam feitas da forma mais clara e
transparente possível, definido pelo IBGC da seguinte forma:
Mais do que a obrigação de informar e o desejo de disponibilizar para as
partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não
apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A
adequada transparência resulta em um clima de confiança, tanto
internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve
33
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 473.
37
restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também
os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e
34
que conduzem a criação de valor.
A governança corporativa foi instituída para que o mercado acionário
fosse revestido da segurança necessária por meio da transparência e da facilidade
do acesso às informações sobre as empresas que o compõem.
Para tanto, o dever de informação e os princípios da transparência e da
prestação de contas são essenciais e indispensáveis.
Todo e qualquer investidor deve ter acesso às informações necessárias
para que ele tenha clareza sobre qualquer movimentação pretendida dentro do
mercado de ações.
Por esta razão é que se instituíram as condições básicas de divulgação
de informações para que uma empresa possa compor o mercado de capitais, desde
a publicação de prospectos pormenorizados com as condições de lançamentos de
valores mobiliários, até a divulgação das informações contábeis e financeiras
conforme padrões internacionalmente instituídos.
Já dentro do mercado de capitais, as empresas possuem diferentes
classificações propostas pela Bolsa de Valores de acordo com os diferentes níveis
de governança corporativa, o que lhes permitem integrar os variados níveis de
listagem para negociação de seus valores mobiliários, tais como o Nível 1, Nível 2 e
Novo Mercado.
Quanto maior for o aprimoramento das práticas de governança de uma
empresa, esta passará a integrar os níveis chamados mais Premium de listagem,
sendo o Novo Mercado o mais conceituado.
Entretanto,
alguns
administradores
de
empresas
ainda
possuem
considerado receio de adotar tais práticas, pois consideram que os custos para suas
implementações são altos demais e podem modificar o modo de gestão e a forma de
tomada de decisões pela necessidade de um nível mais alto de transparência.
O que há necessidade de se demonstrar aos administradores de
companhias que ainda possuem este tipo de pensamento é que os benefícios
34
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 4ª Edição. Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2009. p. 19.
38
conquistados por adotar tais práticas serão consideravelmente maiores que os
custos inerentes.
Conforme exposto por Alexandre Di Miceli da Silveira, as empresas
teriam, como benefício:
(i)
a majoração de seu valor de mercado;
(ii)
o menor custo de captação junto a seus credores;
(iii)
melhor imagem perante o mercado;
(iv)
melhor processo decisório na alta gestão e maior efetividade dos
órgãos de controle;
(v)
melhor gestão de riscos.
Em contrapartida, os custos de implementação seriam:
(a)
perda do controle total nas decisões, em decorrência da concessão
de maior voz aos minoritários;
(b)
resistência a novas visões externas e à mudança no modelo de
governança, em decorrência da nomeação de conselheiros
independentes e da formação de comitês de gestão;
(c)
perda do prêmio de controle em função da concessão de tag along;
(d)
menor chance de operações informais e transações arbitrárias com
partes relacionadas;
(e)
aumento dos custos explícitos com governança, em decorrência da
reestruturação da área de relações com investidores, aumento de
gastos com conselhos e órgãos de apoio;
(f)
maior transparência perante os concorrentes de mercado35.
Entretanto, a falta de divulgação clara dos benefícios de se integrar o
nível mais conceituado de listagem na bolsa de valores e a ausência de privilégios
diferenciados para que estas empresas procurem as boas práticas de governança
corporativa, não as incentivam a cumprir estas instruções e se adequarem a estes
preceitos.
O princípio de prestação de contas também se mostra fundamental para
que a empresa esteja apta a integrar o mercado acionário. A prestação de contas é
35
SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: teoria e prática.
Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010. p. 202.
39
condição sine qua non para receber investimentos, respeitar todos os stakeholders
de maneira equitativa e demonstrar ao mercado a solidez e regularidade de gestão.
De acordo com a definição do IBGC, “Os agentes de governança devem
prestar contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus
atos e omissões” 36.
Uma das principais vertentes do dever de informar é a obrigatoriedade de
divulgação de atos ou fatos relevantes ao mercado.
A divulgação dos fatos relevantes se faz necessária por alguns motivos
fundamentais, dentre os quais a proteção do mercado, e de quem nele atua, e o
impedimento da prática do crime de insider trading.
O mercado de capitais é sistêmico e, portanto, qualquer consequência
danosa a uma empresa que fira qualquer dever ou princípio da governança poderá
refletir em outra, prejudicando-a e prejudicando o mercado como um todo.
E, novamente, há de ser lembrado que o administrador que, em
desrespeito aos seus deveres ou aos princípios da governança corporativa, causar
dano a terceiros por falhas em sua gestão, poderá ser responsabilizado
pessoalmente.
Deve-se ressaltar a necessidade de obediência ao dever de informar,
entretanto nunca se esquecendo do dever de sigilo, que visa a proteção aos
interesses da companhia.
Pelo
dever
de
sigilo,
cumpre
ao
administrador
não
divulgar
antecipadamente qualquer informação que ainda não seja de conhecimento do
mercado e que possa influenciar na negociação dos valores mobiliários de sua
companhia ou utilizar tal informação em benefício próprio ou de terceiros, conforme
preceitua o artigo 155, § 1º, da LSA.
A regra geral instituída no mercado é a de que o administrador deve
informar o mercado de quaisquer fatos relevantes, ou seja, qualquer fato que
envolva a companhia e tenha potencial para interferir na decisão dos investidores
em manter, comprar ou vender valores mobiliários por ela emitidos.
36
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 4ª Edição. Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2009. p. 19.
40
Entretanto, a legislação societária possibilita ao administrador a
discricionariedade de optar por não divulgar fatos relevantes quando estes, caso
sejam divulgados, possam colocar em risco o legítimo interesse social da empresa.
Trata-se da liberdade que o administrador possui para realizar seu
trabalho visando o interesse da companhia.
Sobre o poder de discricionariedade do administrador, vale a transcrição
do seguinte trecho extraído do voto proferido pelo diretor da CVM Pedro Oliveira
Marcílio de Souza, nos autos do Processo Administrativo CVM/RJ-2006/4776:
56. Assim, se a divulgação de uma informação que deveria ser tornada
pública, de acordo com as regras de divulgação de informação, pode
impedir a conclusão de um negócio, a conquista de um cliente ou o
desenvolvimento de um produto ou serviço ou pode prejudicar legítimos
interesses negociais da companhia, a companhia poderá, de acordo com a
legislação específica, deixar de divulgar a informação.
57. Isso não significa que as companhias podem deixar de prestar
informações simplesmente porque acreditam que seus negócios podem ser
prejudicados pela divulgação. É preciso que haja um legítimo propósito
empresarial na manutenção do sigilo. Assim, por exemplo, um negócio em
que se beneficie um acionista específico não pode deixar de ser divulgado
porque essa informação impactaria negativamente o preço das ações da
37
companhia, aumentando o seu custo de captação.
Entretanto, o dever de sigilo possui algumas limitações, como, por
exemplo, o vazamento das informações ou a oscilação atípica das cotações dos
valores mobiliários emitidos pela companhia.
Caso ocorra quaisquer dos casos acima, o administrador possui a
obrigatoriedade de, em respeito ao dever de informar, divulgar imediatamente o fato
relevante que estava sob sigilo.
Neste sentido, o diretor Pedro oliveira Marcílio de Souza, no mesmo
processo esclarece da seguinte maneira:
58. Mesmo com relação a negócios legítimos e desinteressados, essa
exceção à divulgação não é absoluta, pois, de acordo com o parágrafo
único do art. 6º da Instrução 358/02, é obrigatório "divulgar imediatamente o
ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao controle ou se
ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos
valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles
referenciados".
59. Em razão desse dispositivo, a companhia não pode recusar-se a
confirmar, negar ou complementar uma informação já dispersa pelo
37
Processo disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2007/rordinario/inqueritos/01_17_RJ2006-4776.asp>. Acesso
em: 05 mai. 2013.
41
mercado (ou que esteja sendo utilizada pelos investidores), mesmo que ela
38
não tenha sido divulgada pela companhia.
O dever de sigilo possui fundamental importância à presente pesquisa
pela ligação direta à prática ilícita do insider trading que será pormenorizadamente
estudada.
Cabe ao administrador guardar sigilo sempre aos fatos relevantes que
ainda não foram divulgados ao mercado, pois sua divulgação, quando não oficial,
impõe assimetria de informações ao mercado, possibilitando a alguns investidores a
ciência de fatos que outros não possuem.
Esta assimetria favorece penas uma parcela de investidores, o que não
pode ser permitido, pois causa um risco sistêmico ao mercado acionário.
Quando apenas uma parcela de investidores possui contato com uma
informação relevante ainda não divulgada e negocia valores mobiliários com base
nestas informações, ou quando o próprio administrador negocie valores mobiliários
com a intenção de obter vantagem pessoal por meio destas informações ainda não
publicadas, sendo vantagem entendida como qualquer benefício econômico – evitar
prejuízos ou realizar lucros – configura-se a prática de insider trading.
A análise e classificação sobre a obrigatoriedade de informar ou de
guardar sigilo sempre será discricionária do administrador que deverá, acima de
qualquer elemento, buscar a lealdade à companhia e aos seus stakeholders.
Tal dever de sigilo possui o intuito de inibir a prática do crime de insider
trading, ou seja, a negociação de valores mobiliários com base em informações
privilegiadas de dentro da companhia e que ainda não foram divulgadas ao
mercado.
Ainda serão debatidas as diferenças entre a obrigatoriedade de
divulgação de fato relevante instituída pelo artigo 157, da LSA, e a exceção ao dever
de informar, preconizado pela instrução da CVM nº. 358/02, bem como a prática do
crime de insider trading.
Entretanto, para o cumprimento equilibrado dos deveres de sigilo e de
informação, cabe ao administrador atuar com discricionariedade, sempre em
atenção ao dever de diligência. Caberá ao administrador, na condução das
38
Ibid. Acesso em: 05 mai. 2013
42
atividades cotidianas da companhia, decidir o caminho e o momento de cada
tomada de decisão.
Tal discricionariedade é conhecida como Business Judgment Rule,
analisada a seguir.
2.3. A business judgment rule
Dentro do estudo do dever de diligência, bem como o cumprimento dos
demais deveres na atuação do administrador, importante ressaltar a regra
jurisprudencial norte-americana da business judgment rule, pela qual a análise sobre
a conduta de um administrador deve se limitar à verificação se a decisão do
administrador decorreu de um processo bem conduzido, razoável e revestido das
informações necessárias, sem apreciação do mérito da decisão em si.
Nesse sentido, José Waldecy Lucena ensina os elementos que compõem
a business judgment rule, denominada de forma abreviada pelo autor como bjr:
A indicação dos elementos da bjr pela mencionada Seção 8.3 (a) (2),
juntamente com aqueles colhidos em leading cases das cortes americanas,
propiciaram, é bem de ver, uma noção da regra que então isentaria o
administrador de responsabilidade pela decisão tomada, pela omissão em
agir ou pelo ato praticado: (a) agir com boa-fé; (b) ter a crença de que está a
tomar uma decisão que razoavelmente acredita é no melhor interesse da
companhia; (c) estar amplamente informado a respeito da decisão que ele
razoavelmente acredita apropriada nas circunstâncias; (d) não estar em
situação de conflito de interesses com a companhia ou agir em benefício de
39
terceiros; (e) agir independentemente .
Tal diretriz é de suma importância pelo fato do mérito da decisão, salvo,
logicamente, as decisões claramente equivocadas ou resultantes de condutas
dolosas, pode variar de acordo com o cenário existente nos diferentes setores
econômicos no qual as companhias estão inseridas ou questões momentâneas à
época da tomada de decisão.
A suprema corte norte-americana de Delaware abordou pela primeira vez
a business judgment rule em um julgamento de um administrador, sustentando que,
quando o administrador toma suas decisões utilizando-se das informações que
existiam à época dos fatos, agindo de boa-fé e com honestidade nas intenções de
39
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas – Comentários à Lei, Volume 2. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2009. p. 555.
43
cumprir e defender os interesses sociais da companhia, este não pode ser
pessoalmente responsabilizado por eventuais prejuízos daquela decisão.
A definição da criação jurisprudencial norte-americana denominada
business judgment rule exposta acima, foi exposta pelos estudiosos do Instituto de
Direito da Universidade de Cornell, dos Estados Unidos, nos seguintes termos:
In suits alleging a corporation’s director violated his duty of care to the
company, courts will evaluate the case based on the business judgment
rule. Under this standard, a court will not second guess the decisions of a
director as long as they are made (1) in good faith, (2) with the care that a
reasonably prudent person would use, and (3) with the reasonable belief that
40
they are acting in the best interests of the corporation.
A jurisprudência norte-americana considera que a business judgment rule
tem como premissa o duty of care e o duty of loyalty, que se equiparam na
legislação nacional com os deveres de diligência e lealdade.
O administrador deve sempre ter a possibilidade de discricionariedade
para a condução de seu trabalho e para a tomada de decisões frente à companhia.
De fundamental relevância, principalmente, para a divulgação de atos ou fatos
relevantes ao mercado, como contraposição entre os deveres de sigilo e de
informação.
Será abordado, futuramente, nesta pesquisa, exemplos da má aplicação
da business judgment rule no cotidiano do administrador e suas consequências,
principalmente no cumprimento de seu dever de informar.
De acordo com a business judgment rule, as eventuais investigações para
determinação de responsabilização pessoal do administrador pelas atitudes tomadas
frente à companhia deverão considerar se as decisões foram impensadas ou com
objetivos secundários, não pautados no interesse exclusivo da companhia e de seus
stakeholders.
Nos termos dos ensinamentos de Nelson Eizirik, Ariádna Gaal, Flávia
Parente e Marcus de Freitas Henriques:
O juízo de oportunidade e conveniência (discricionariedade) de uma decisão
empresarial não pode ser exercido por juízes ou por quaisquer outras
pessoas. Trata-se de prerrogativa exclusiva dos administradores, que, em
razão da sua experiência, e do acesso a informações, estão mais
40
Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/wex/business_judgment_rule>. Acesso em: 20 abr.
2013.
44
habilitados do que os juízes e os próprios acionistas a tomarem quaisquer
41
decisões referentes aos negócios da companhia .
Conforme visto anteriormente, dentro do objeto da presente pesquisa, a
business judgment rule fica clara quando o administrador decide manter um fato
relevante em sigilo para proteção do legítimo interesse social da companhia.
Dependerá de sua livre interpretação para considerar que um fato relevante deve ser
mantido em sigilo para proteção ao interesse legítimo da companhia, deixando de
cumprir o dever de informação, até o momento em que considerar apto a ser
divulgado.
A business judgment rule não possui previsão expressa no direito
brasileiro, ao contrário de outros países como Alemanha e Portugal. No entanto está
intrínseca ao sistema de responsabilidade civil, nos termos do artigo 159, § 6º, da
LSA, e conforme ensina Marcelo von Adamek42:
(...) No entanto, a business judgment rule é um desdobramento do próprio
sistema de responsabilidade civil dos administradores e, portanto, mesmo
no direito brasileiro, tem ela aplicação na definição da responsabilidade por
falta de gestão, pela bitola do dever de diligência; opera, assim, na
delimitação das próprias regras de conduta, afastando a ilicitude (sem
constituir propriamente uma específica causa de exclusão de culpa ou
43
excusa do dever de indenizar).
Portanto, a business judgment rule é a regra que deve ser considerada na
avaliação do cumprimento dos deveres instituídos por lei ou por meio do estatuto na
conduta dos administradores e em eventual responsabilização por atos de gestão
irracionais, descuidados ou até mesmo dolosos ou fraudulentos que causem danos
a terceiros.
Não basta simplesmente verificar a decisão e suas consequências para
analisar a atuação de um administrador. Sempre deve haver a consideração de
como a decisão foi tomada e quais eram as ferramentas e informações existentes à
disposição do administrador, para que seja mensurada sua responsabilidade da
forma mais justa possível.
41
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011, p. 439.
42
Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de
responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
(...)
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de
que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.
43
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. pp. 131-132
45
Nelson Eizirik, Ariádna Gaal, Flávia Parente e Marcus de Freitas
Henriques, definem a finalidade da business judgment rule da seguinte maneira:
A business judgment rule tem por finalidade oferecer proteção às decisões
de negócios bem informadas, constituindo uma espécie de “porto seguro”
para os administradores, que devem ser encorajados não apenas a
assumirem cargos de administração, como também a correrem
determinados riscos inerentes à gestão patrimonial, sem o receio da
44
possibilidade de terem seus atos questionados no caso de insucesso .
Sobre o juízo de valor que deve ser feito pelo administrador, vale a
transcrição do seguinte trecho extraído do voto proferido pelo diretor da CVM Pedro
Oliveira Marcílio de Souza, nos autos do Processo Administrativo CVM/RJ2006/4776:
47. Dado que a decisão de publicar o fato relevante se dá, via de regra,
antes que ele seja de conhecimento do público, na maioria das vezes, o
administrador deve fazer juízo de valor sobre a probabilidade de que ele
impacte a decisão de negociar valores mobiliários emitidos pela companhia,
sem, no entanto, poder confirmar, antes da divulgação, se o fato realmente
influenciará a decisão dos investidores. É, por isso, que a análise é sobre a
"potência" de impacto e não sobre o real impacto.
(...)
54. Em certas situações, um fato não é relevante, se olhado isoladamente,
ou se forem consideradas, segregadamente, suas características
quantitativas e qualitativas. Por isso, a administração deve analisar a
relevância de um fato a partir do conjunto de informações de que dispõe e
ponderando, de forma agregada, as informações quantitativas e qualitativas.
Dessa forma, uma informação não deixará de ser relevante se a companhia
dividir a sua implementação, sua divulgação ou sua análise em várias
45
etapas, que, isoladamente, não sejam relevantes.
As escolhas feitas pelos administradores na condução cotidiana de seu
trabalho podem parecer, em um segundo momento, como claramente equivocadas,
entretanto, quando estudada a realidade momentânea na qual o administrador da
companhia estava submetido à época da decisão, ela pode parecer a mais sensata,
mesmo tendo resultado desastroso.
Neste caso, observado o cuidado e atenção aos princípios de governança
e aos deveres legais e estatutários, considerando que o administrador tomou as
devidas precauções para determinar uma diretriz a ser seguida pela companhia,
este não poderá ser punido ou responsabilizado pelas suas atitudes, ainda que
causem prejuízo a terceiros.
44
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011, p. 438.
45
Processo disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2007/rordinario/inqueritos/01_17_RJ2006-4776.asp>. Acesso
em: 05 mai. 2013.
46
Conforme será estudado posteriormente e de forma pormenorizada, por
atos regulares de gestão, o administrador não responderá pessoalmente pelas
consequências, ainda que prejudiciais a terceiros. Nestas situações, a própria
companhia responderá por estes atos, pois o administrador atua em seu nome e na
busca de seu desenvolvimento econômico.
Desde que cumpridor de seus deveres, em clara atenção à lei e ao
estatuto da empresa, atuando conforme a realidade econômica do momento
objetivando a longevidade da empresa na defesa de seus interesses sociais, o
administrador terá a business judgment rule a seu favor, não sendo pessoalmente
responsabilizado por seus atos.
A business judgmente rule possui fundamental importância, pois
eventuais danos causados pela atuação do administrador serão submetidos a
avaliação do poder judiciário que não deverão analisar o mérito da decisão em si,
mas sim avaliar se a atuação de um administrador na condução dos negócios de
uma companhia foi condizente com seus deveres legais.
Seguindo esse entendimento, José Waldecy Lucena expõe:
Costuma-se dizer, para fundamentar o repúdio a esse recurso ao Judiciário,
que os juízes, que não são obviamente administradores, não têm
conhecimento empresarial para julgar tais casos, asserto com o qual não
concordamos, porquanto, do contrário, eles também não no teriam para
julgar as mesmas ações judiciais de responsabilidade quando jundadas na
prática de condutas culposas, às quais a assembleia geral não decidiu
aplicar a business judgment rule. O fundamento, em verdade, é o de que a
exclusão de responsabilidade do administrador, dispensada a intervenção
judicial, se dá por ele ter obrado de boa-fé, devidamente informado a
respeito da decisão que tomou, que não envolve interesse pessoal seu ou
de terceiro, e visando o melhor interesse da companhia e dos acionistas,
em razão do que a eventual quebra de seus deveres fiduciários é revelada,
excluindo-se sua responsabilidade civil, considerada, assim e em suma, a
sua atuação quando muito como uma modalidade tolerável de culpa e que
46
não chega a importar em quebra do dever de lealdade .
No mesmo sentido, valioso o ensinamento de Osmar Brina Corrêa-Lima:
Ao exercer o seu poder discricionário, optando entre alternativas diferentes,
o administrador só tem condições de fazer um prognóstico, mais ou menos
preciso. Ao julgar o administrador, o juiz já possui pleno conhecimento dos
resultados da conduta daquele. Daí não ser justo substituir a
47
discricionariedade de um pela do outro .
46
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas – Comentários à Lei, Volume 2. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2009. p. 557.
47
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima, 3ª Edição – Revista e Atualizada, Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 2005. p. 208.
47
Portanto, para todas as decisões dos administradores e para a eventual
análise de sua responsabilidade sobre os atos, a business judgment rule deve ser
considerada, pois somente com sua análise é possível a determinação da real
responsabilidade do administrador.
48
3 – ORIGATORIEDADE DE DIVULGAÇÃO DE FATO RELEVANTE
3.1 – Definição e obrigação de divulgação
Com a diretriz proporcionada pelo princípio do full disclosure, a LSA, em
seu artigo 157, abarcou a previsão da necessidade do administrador divulgar ao
mercado aquilo que for considerado fato relevante, desde que já concreto à
companhia.
Não há a que se analisar a relevância de um fato caso este fato ainda não
seja consideravelmente concreto. Entretanto, há a discussão do que seria um fato
efetivamente concreto ou ainda em fase de concepção, o que será analisado mais
adiante.
Esta obrigatoriedade normativa decorre do dever de informar e do
princípio da transparência, como visto anteriormente.
Merece atenção que fato relevante se difere de um simples comunicado
ao mercado ou de aviso aos acionistas.
Aviso aos acionistas, como a própria nomenclatura o define, é destinado
somente aos acionistas.
O dever de informação aos acionistas é definido pela Lei no momento em
que o administrador assume sua posição na companhia, sendo obrigado a declarar
se existe, em seu patrimônio, quaisquer valores mobiliários de emissão da empresa
que está administrando, além de a obrigatoriedade de prestar quaisquer
esclarecimentos aos acionistas em assembleia geral, quando solicitado por quem
detém ao menos 5% do capital social.
Assim como o administrador possui o dever de informar aos acionistas e
demais stakeholders, ele possui a obrigação de fornecer algumas informações ao
mercado e aos órgãos reguladores.
Comunicado ao mercado tem como destinatário o mercado em geral,
englobando os órgãos regulatórios, os investidores e a própria bolsa de valores. O
administrador, assim como o acionista controlador e os membros do conselho fiscal,
deve informar à CVM e à bolsa de valores ou mercado de balcão em que os valores
49
mobiliários da companhia são negociados, qualquer modificação em sua posição
acionária.
Já o fato relevante é definido por Fabio Ulhoa Coelho da seguinte forma:
Pode ser fato relevante todo e qualquer evento econômico ou de
repercussão econômica a envolver a companhia, incluindo neste amplo
conjunto as deliberações de seus órgãos societários, a realização ou não
realização de determinados negócios, projeções de desempenho etc. Será
relevante o fato se puder influir, de modo ponderável, na decisão de
investidores do mercado de capitais, no sentido de vender ou comprar
48
valores mobiliários emitidos pela sociedade anônima (LSA, art. 157, § 4º).
Diante da definição geral proporcionada pelo artigo 157 da LSA, a
Comissão de Valores Mobiliários editou a Instrução nº. 358, do ano de 2002 – ICVM
358/02.
Esta instrução regula os pormenores da obrigatoriedade da divulgação de
fatos relevantes no cotidiano das companhias listadas na Bolsa de Valores.
Importante, inicialmente, observarmos a definição instituída pela ICVM
358/02, em seu artigo 2º:
Art. 2º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer
decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos
órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou
fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômicofinanceiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de
modo ponderável:
I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou
a eles referenciados;
II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles
valores mobiliários;
III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à
condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados.
Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são exemplos de ato
ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:
I – assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário
da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;
II – mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração,
alteração ou rescisão de acordo de acionistas;
III – celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a
companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro
próprio da companhia;
IV – ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato
ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;
V – autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da
companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;
VI – decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;
VII – incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas
ligadas;
48
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2: direito de empresa, 16ª Edição, São
Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 277.
50
VIII – transformação ou dissolução da companhia;
IX – mudança na composição do patrimônio da companhia;
X – mudança de critérios contábeis;
XI – renegociação de dívidas;
XII – aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações;
XIII – alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos
pela companhia;
XIV – desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de
bonificação;
XV – aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou
cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;
XVI – lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em
dinheiro;
XVII – celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua
realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento
público;
XVIII – aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua
implantação;
XIX – início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de
produto ou da prestação de serviço;
XX – descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de
recursos da companhia;
XXI – modificação de projeções divulgadas pela companhia;
XXII – impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou
propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômicofinanceira da companhia.
Observa-se que, de acordo com o artigo acima transcrito, quaisquer
decisões, atos ou fatos que possam alterar o comportamento dos investidores em
relação a um valor mobiliário da companhia, ou seja, que possam influenciar na
decisão do investidor em adquirir ou alienar uma ação, é considerado fato relevante
e, como tanto, deve ser divulgado ao mercado.
A obrigatoriedade de divulgação de fato relevante visa proporcionar a
qualquer investidor o direito de tomar conhecimento da realidade negocial da
companhia e dos acontecimentos cotidianos, possibilitando a conclusão pessoal da
adequação do preço dos valores mobiliários negociados no mercado.
Neste sentido Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França define:
O sistema de relevação dos fatos negociais e institucionais relevantes da
companhia constitui a mais importante salvaguarda para os investidores,
porque lhes permite avaliar, por si mesmos, todos os dados necessários
para a verificação do efetivo preço dos valores mobiliários emitidos pela
49
companhia.
O rol do parágrafo único do artigo acima transcrito não é um rol taxativo,
mas sim um rol meramente exemplificativo. Isto significa que, qualquer decisão, ato
ou fato ainda que não esteja listado no artigo 2º da ICVM 358/02, mas que possa, de
49
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Temas de Direito Societário, Falimentar e Teoria
da Emprsa, São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 221.
51
qualquer maneira, influenciar na negociação dos valores mobiliários de uma
companhia, devem ser divulgados ao mercado.
Assim, a definição normativa de fato relevante é ampla e subjetiva,
possibilitando, aos administradores e demais profissionais que atuam no mercado,
diferentes interpretações sobre a mesma ocorrência.
Para ilustrar a vontade do legislador ao fazer esta distinção, Erasmo
Valladão Azevedo e Novaes França trouxe a seguinte previsão:
Ao falar a lei em ‘atos e fatos relevantes’, quis distinguir aqueles que são
próprios da vontade social dos que independem dela. Os atos relevantes
serão as deliberações da assembléia-geral e dos órgãos de administração
50
da companhia.
Assim, na condução cotidiana da administração de uma companhia, um
administrador deverá analisar e mensurar todos os atos praticados para concluir
sobre sua relevância, decidindo a necessidade ou não deste ser publicado ao
mercado.
Não basta considerar os atos de gestão previstos em lei, há a
necessidade de considerar a influência de quaisquer atos para o mercado,
considerado como um sistema, e para os investidores.
Neste sentido, há a definição de Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto:
Fato relevante é o fato que tem o poder de alterar uma decisão de
investimento de um investidor racional. A relevância de um fato não é
afetada mesmo que, após sua divulgação, constate-se que não houve
mudança na cotação das ações ou no volume negociado. O que importa é
que o fato tenha força suficiente para alterar a decisão de investimento,
51
independente de essa alteração vir a ocorrer.
Seguindo a mesma diretriz, vale a transcrição da definição de fato
relevante proposta pelo diretor da CVM Pedro Oliveira Marcílio de Souza, nos autos
do Processo Administrativo CVM/RJ-2006/4776:
51. Fatos podem ser relevantes independentemente de sua natureza
(operacionais, patrimoniais, financeiros ou societários) e mesmo que não
tenham impacto direto ou potencial relevantes sobre a operação, o
patrimônio, as finanças da companhia ou os direitos dos acionistas. Isso
porque um determinado fato pode fornecer elementos sobre a capacidade
dos administradores (e, conseqüentemente, o rumo de longo prazo da
companhia e a maneira com que os negócios sociais serão tratados no
longo prazo) ou, ainda, pode demonstrar a forma de tratamento pela
administração da companhia de cada uma das classes interessadas
50
Ibid. p. 221.
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 476.
51
52
(acionista controlador, acionistas não controladores, acionistas sem direito a
voto, credores, empregados, administradores, comunidade – vide art. 116, §
único) e, com isso, alterar o valor relativo entre os tipos e espécies de
valores mobiliários (a relação de preços entre as ações e os valores
mobiliários de renda fixa, por exemplo, ou entre as ações ordinárias e as
preferenciais) ou mesmo quanto ao valor absoluto do valor mobiliário (maior
interesse em ajudar a comunidade ou compartilhar lucros com os
empregados pode resultar em diminuição dos lucros distribuíveis aos
acionistas e, com isso, prejudicar o valor das ações). Por esses motivos,
também as características qualitativas do fato, e não apenas as
quantitativas, devem ser utilizadas na definição sobre a relevância de um
52
dado fato empresarial.
Fica claro que o administrador deve analisar, em cada caso concreto, os
dados, o momento, o ambiente no qual a companhia está inserida, entre outras
questões, para mensurar se aquele fato ou ato possui a relevância necessária para
que deva ser divulgado ao mercado.
No mesmo sentido, Nelson Eizirik e demais autores da obra Mercado de
Capitais – Regime Jurídico, definem o tema da seguinte maneira:
O critério fundamental para configurar um fato relevante, contudo, não
consiste na mera verificação se ele está incluído na relação exemplificativa
da Instrução CVM nº. 358/02, mas em saber se ele é capaz de influenciar a
cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, a intenção dos
investidores de comprá-los ou vendê-los ou de exercerem quaisquer direitos
inerentes à condição de seus titulares. Ou seja, fatos não relacionados
podem ser relevantes, devendo ser objeto de divulgação; por outro lado,
exemplos de fatos relevantes mencionados na referida Instrução podem,
diante do caso concreto, não merecerem tal qualificação, não sendo
53
necessária a sua divulgação.
Portanto, verifica-se que sequer estar relacionado dentre as hipóteses do
artigo 2º da ICVM 358/02 é motivo suficiente para determinar a certeza de uma
obrigação do administrador em divulgar o fato relevante.
O dever de informar não é irrestrito e não deve, sobremaneira, assim ser
interpretado.
O dever de informar, como visto, deve ser analisado paralelamente ao
dever de sigilo, pelo qual o administrador deve manter reserva sobre assuntos de
legítimo interesse da companhia ou, ainda, àqueles que ainda não foram divulgados
ao mercado.
52
Processo disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2007/rordinario/inqueritos/01_17_RJ2006-4776.asp>. Acesso
em: 04 jun. 2013.
53
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011, p. 559.
53
Em relação aos fatos ainda não divulgados ao mercado, trata-se do
período de silêncio obrigatório dos administradores de companhia previamente à
divulgação de fatos relevantes, como resultados financeiros e contábeis.
Já os assuntos que dizem respeito ao legítimo interesse da companhia,
comprometendo-o caso sejam divulgados, o próprio artigo 157 da LSA, em seu § 5º,
possibilita ao administrador se recusar a divulgar ao mercado fatos ou atos, ainda
que considerados relevantes, caso julgue que sua divulgação possa prejudicar a
companhia ou colocar em risco seu interesse legítimo.
Importante, ainda, ressaltar o dever de lealdade do administrador à
companhia e aos seus stakeholders. A eventual divulgação de fato que possa
colocar em risco interesse legítimo da companhia seria um ferimento latente ao
dever de lealdade.
Conforme definido pela ICVM 358/02, em seu artigo 3º, a comunicação do
ato ou fato relevante é dever do diretor de relações com investidores – Diretor de RI
– e deve ser feita, preferencialmente, antes do início ou após o término dos negócios
da bolsa de valores na qual seus valores mobiliários são negociados. Caso haja a
necessidade da divulgação durante o horário de negociação da bolsa, o Diretor de
RI poderá solicitar a suspensão da negociação dos valores mobiliários da
companhia até a adequada disseminação da informação relevante.
Este é obrigado a comunicar a ocorrência de qualquer fato relevante à
CVM, à bolsa de valores e ao mercado de balcão em que valores mobiliários de sua
companhia forem negociados, bem como garantir a imediata disseminação das
informações nos demais mercados em que os valores mobiliários forem negociados.
Nesse sentido, André Antunes Soares de Camargo explica:
(...) o diretor de RI é o responsável principal pela comunicação da
companhia para com seus stakeholders internos e externos. Acumulando ou
não a função com a área financeira, o DRI pode e deve ter uma equipe
própria, com a qual deve disseminar a cultura da transparência
internamente, para que possa prestar o seu dever de informar previsto na
LSA e pela regulamentação da CVM. Ou seja, a área de RI é fundamental
54
para a geração de valor em uma companhia.
Todos os membros da diretoria, do conselho de administração, do
conselho fiscal, o acionista controlador ou membros de eventuais órgãos estatutários
54
CAMARGO, André Antunes Soares de. O Profissional da Área de Relação com Investidores e as
“Regras do Jogo”. São Paulo: [s. n.], 2013. 12 f. Trabalho acadêmico. p. 4.
54
com funções técnicas ou consultivas possuem a obrigação de repassar ao Diretor de
RI qualquer fato relevante que tenha ocorrido.
Estes membros, listados acima, são co-responsáveis pela divulgação de
fatos que tenham conhecimento. Caso o Diretor de RI não comunique o mercado da
ocorrência de fato relevante que seja de conhecimento destes funcionários, estes
possuem a obrigação de comunicá-los o mais breve possível à CVM, sob pena de
serem responsabilizados (art. 3º, § 2º, ICVM 358/02).
Além da divulgação, o Diretor de RI é responsável por prestar quaisquer
esclarecimentos, sobre os fatos publicados, quando solicitados pelos órgãos
reguladores (art. 3º, § 6º, ICVM 358/02).
O Diretor de RI ainda é responsável por monitorar a oscilação de cotação
dos valores mobiliários da companhia no mercado, pois, caso observe uma
atipicidade na movimentação dos preços dos valores mobiliários sem que haja um
motivo claro, este deverá proceder a inquirição de todos os stakeholders que tenham
acesso a informações confidenciais para averiguar a existência de qualquer ato ou
fato relevante que ainda não tenha sido comunicado ao mercado (Art. 4º, p. ún.,
ICVM 358/02).
Caso seja detectado qualquer fato relevante ainda não comunicado ao
mercado, o Diretor de RI deverá fazê-lo tão logo o descubra.
Com estes parâmetros é que o administrador deve atuar visando o
cumprimento dos deveres de informação e de sigilo, pois a divulgação de alguns
fatos ou atos podem ser prejudiciais ao andamento dos negócios de uma
companhia.
3.2. A exceção à regra – possibilidade de não divulgação de fatos relevantes
Conhecendo a definição legal e doutrinária da regra geral que impõe ao
administrador a obrigatoriedade de divulgação de qualquer fato relevante, de suma
importância a análise da exceção legal à regra, ou seja, aquilo que o administrador
não possui obrigação para a divulgação.
55
O dever de informar, do qual decorre o dever de divulgar fatos ou atos
relevantes, deve ser sempre analisado em contraposição ao dever de sigilo em
proteção ao desenvolvimento de sua atividade social, com a devida segurança
jurídica.
O administrador deverá sempre conduzir os negócios em estrita
observância ao interesse da companhia, ou seja, em proteção aos princípios da
responsabilidade corporativa, da equidade, do dever de diligência e de lealdade.
Conforme já regulamentado pelo artigo 157, § 5º, da LSA, a ICVM 358/02
traz, em seu artigo 6º, a possibilidade do administrador se recusar a divulgar um fato
relevante caso julgue que sua divulgação possa colocar em risco o interesse
legítimo da companhia. No entanto, ficam obrigados à imediata divulgação caso haja
vazamento de informações, conforme segue.
Art. 6º - Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos
relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os
acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua
revelação porá em risco interesse legítimo da companhia.
Parágrafo único. As pessoas mencionadas no "caput" ficam obrigadas a,
diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores, divulgar
imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar
ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade
negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a
eles referenciados.
Observa-se que os termos da exceção proposta pela norma são
genéricos, cabendo aos administradores ou acionistas a interpretação das possíveis
consequências de divulgação daquele ato ou fato.
A forma como foi estruturado o texto normativo, possibilita ao
administrador agir conforme a estratégia da companhia, limitado, entretanto, pela
obrigatoriedade de divulgação nas hipóteses elencadas.
Desta maneira, a business judgment rule, já definida anteriormente, tornase de fundamental relevância ao administrador para o exercício de suas atribuições.
Conforme define Marcelo Vieira von Adamek:
Reconhece a lei acionária que o dever de informação não é irrestrito e deve
ser compatibilizado com outros deveres, notadamente o de sigilo (LSA,
art.155), pois, em certas condições, a divulgação de determinados fatos
relevantes poderia acabar por prejudicar a própria companhia. Surge,
assim, a necessidade de balancear o dever de informação, de um lado, e o
dever de sigilo, de outro. Trata-se de delicada tarefa, frente à qual cabe à
Comissão de Valores Mobiliários dar a decisão definitiva. Nesse sentido
prevê a lei acionária que os administradores poderão recusar-se a prestar
56
informação sobre fatos relevantes aos acionistas (LSA, art. 157, § 1º, e), ou
deixar de divulgá-los ao mercado (LSA, art. 157, § 4º), se entenderem que a
sua divulgação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à
Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores , de
qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de
informação e responsabilizar os administradores, se for o caso (LSA, art.
55
157, § 4º).
Também sobre a discricionariedade do administrador na divulgação dos
fatos relevantes, Fabio Ulhoa Coelho ensina:
(...) Quer dizer, se o administrador da companhia aberta, a partir de sua
experiência profissional, constatar que os investidores, ao tomarem
conhecimento de determinada notícia relacionada à sociedade que
administra, optariam por realizar ou deixar de realizar certos negócios no
mercado de capitais, então ele estará diante de um fato relevante, cuja
56
divulgação é seu dever legal.
Diante da atuação do administrador, que optará pela divulgação ou não
de qualquer fato relevante, a CVM, responsável por julgar eventuais ferimentos à
legislação, deverá considerar o contexto no qual a decisão foi tomada, a realidade
momentânea da companhia e do mercado para fazer valer a business judgment rule
na apuração do nível de responsabilidade do administrador para eventuais prejuízos
causados a terceiros.
A recusa de divulgação de fatos relevantes parece razoável quando estes
disserem respeito ao objeto social da companhia, ou seja, a sua atividade
empresarial, pois muitas vezes, quando divulgados, podem prejudicar o interesse
legítimo desta companhia.
Assim, as companhias, por meio de seus administradores podem, em
alguns casos, deixar de divulgar informações para resguardar seu legítimo interesse,
desde que sua publicidade seja capaz de dificultar ou inviabilizar a concretização de
determinada operação. Contudo, caso haja uma alteração substancial e injustificada
na cotação dos valores mobiliários emitidos pela companhia, seus administradores
deverão tornar público o fato até então sigiloso. Tal obrigação também existirá se
houver uma movimentação atípica na negociação dos títulos desta S.A.. Em ambos
os casos a CVM poderá, independentemente de pedido dos administradores, decidir
pela divulgação da informação. Esta decisão pode, ainda, ser pautada em
requerimento expresso dos administradores ou qualquer acionista.
55
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 177.
56
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2: direito de empresa, 16ª Edição, São
Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 277 e 278.
57
Os atos e fatos que tangenciam os negócios da companhia possuem
diferentes níveis de relevância e devem ser criteriosamente analisados para que
haja a determinação da obrigatoriedade ou não da sua divulgação, visando a
proteção do interesse social da empresa.
Além da dificuldade para a classificação de um fato ou ato como relevante
e sua necessidade de divulgação ou possibilidade de não divulgação, o
administrador deve se atentar ao momento da divulgação deste fato, conforme será
analisado.
3.3. Do momento da divulgação do fato relevante
Alguns fatos concretos, mesmo que classificados legalmente como
relevantes e, portanto de divulgação necessária, devem ser divulgados no momento
correto.
Conforme define José Marcelo Martins Proença:
Nos dias atuais, em função da grande evolução na área das comunicações,
a informação pode fluir com muita agilidade, o que, certamente, causa um
forte impacto nos costumes das sociedades modernas. As decisões podem
ser tomadas de forma rápida, aumentando o ritmo de todas as atividades
sociais. Por outro lado, determinadas ações podem ser postergadas até o
‘último minuto’ no aguardo de um maior número de dados informativos,
57
capazes de influenciá-las enormemente.
Como já exposto, o princípio do full disclosure, do qual decorre a
obrigatoriedade de divulgação de informações, deve ser sempre relacionado com os
deveres do administrador de informação, lealdade e sigilo. Possui como principal
objetivo o de municiar os stakeholders, o mercado e o investidor comum das
informações necessárias sobre a companhia. Visa assegurar a todos os investidores
oportunidades iguais de conhecimento sobre a companhia para que possam ter as
mesmas condições de tomar decisões na negociação de valores mobiliários.
Dentro da divulgação de informações, a obrigatoriedade de divulgação de
fatos relevantes visa dar publicidade a qualquer decisão, ato ou fato que possa
57
PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider Trading – Regime jurídico do uso de informações
privilegiadas no mercado de capitais, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. p. 129.
58
influenciar na decisão do investidor em adquirir ou alienar uma ação daquela
companhia.
Considerando o objetivo da divulgação do fato relevante, surge a
importância desta divulgação ser feita no momento mais adequado.
O administrador deve, sempre, observar quando um ato, fato ou decisão
deve ser divulgado, evitando divulgar algo precocemente, que pode não ser
concretizado, ou divulgar algo tardiamente, após as informações terem vazado ao
mercado.
Diferentes tipos de fatos relevantes podem ter diferentes momentos para
serem divulgados e a percepção deste momento é uma árdua tarefa concedida ao
administrador.
É de fácil imaginação a polêmica do momento correto de divulgação de
fatos relacionados a operações societárias, tais como fusões, incorporações e
cisões.
Neste sentido, vale a transcrição do decisório no Processo administrativo
CVM/RJ-2004/5.042, em recurso interposto pela Usina Costa Pinto S.A. Açúcar e
Álcool contra entendimento manifestado pela Superintendência de relações com
empresas, que tramitou na CVM sob análise do diretor Eli Loria:
É fato que, em tese considera-se relevante para efeito de divulgação a
incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas.
No entanto, deve sempre ser considerada a materialidade do fato.
O elenco de situações relacionadas no art. 2º, parágrafo único, da Instrução
CVM n. 358/2002 é meramente exemplificativo e tem por objetivo dar um
guia para os administradores das companhias abertas que deverão julgar,
caso a caso, a conveniência de divulgar as informações confidenciais,
ponderando entre o dever de informar e o dever de sigilo, nos termos do art.
58
157 da Lei n. 6.404/1976.
Trata-se de delicada análise para que seja determinado o momento exato
da divulgação do interesse de uma companhia em concretizar uma operação
societária como estas.
Existem dúvidas acerca de o simples interesse e início de contato entre
companhias serem acontecimentos suficientes para que desencadeasse a
necessidade de divulgação de uma eventual e futura operação societária.
58
Processo disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=4458-0.HTM>.
Acesso em: 04 jun. 2013.
59
A princípio, não parece razoável que a fase inicial de estudos e
prospecções para uma eventual operação societária deva ser publicada ao mercado,
pois o risco de a operação não ser concretizada ainda é alto e, portanto, uma
divulgação poderia ser prejudicial à companhia.
Assim, nota-se a grande dificuldade existente no cotidiano de um
administrador e do Diretor de RI de uma companhia para que seja determinado o
momento de divulgação de um ato ou fato que possa ser considerado relevante.
Deve haver um estudo criterioso para que seja evitada, ao máximo, a
divulgação precoce ou tardia de fatos relevantes, pois isto poderá desencadear a
responsabilização pessoal do administrador caso haja consequências danosas a um
investidor.
Neste momento é que o administrador deverá considerar todos os
pormenores envolvidos no negócio, o momento econômico do mercado, as
possíveis consequências de sua decisão e, com base em sua experiência e sua
discricionariedade, optar pela divulgação ou não do fato.
Houve na história do mercado de capitais brasileiro, antes da
regulamentação mais minuciosa da divulgação dos fatos relevantes, feita pelo
legislador e pela CVM, informações relevantes que foram divulgadas ao mercado
por meio de entrevistas dadas pelo administrador à mídia e não se concretizaram,
conforme exemplos práticos adiante.
A divulgação precoce de um fato causa, invariavelmente, uma oscilação
nos valores mobiliários sem que haja a efetiva concretização daquele fato, o que não
pode ser permitido, pois prejudica o mercado como um todo e, futuramente, a
própria companhia, em decorrência da perda de credibilidade frente a seus
stakeholders e todos os envolvidos no mercado de capitais.
Cabe à CVM analisar as consequências e as razões que levaram o
administrador a comunicar aquele fato que, por ventura, não se concretizou, pois há
possibilidade da divulgação ser estratégica para valorização momentânea do valor
mobiliário da companhia.
A divulgação tardia ocorre mais comumente quando as informações sobre
o ato, fato ou decisão relevante vazam ao mercado antes que sejam divulgados por
quaisquer meios que sejam.
60
Neste caso, mesmo que a companhia não julgue ser o momento correto
de divulgar fatos ou atos relevantes, caso haja a perda do controle da informação
com o vazamento ao mercado ou oscilação atípica de seus valores mobiliários,
haverá a necessidade de que seja imediatamente divulgado pela companhia, ainda
que possa colocar em risco seu legítimo interesse.
O dever de sigilo, no caso de vazamento da informação ao mercado, deve
ser relativizado, em respeito ao dever legal de informar, impedindo prejuízos maiores
aos investidores, à companhia e ao mercado.
3.3.1 – Exemplos de divulgação precoce ou tardia ou não divulgação de fato
relevante
Em decorrência da discricionariedade proporcionada pela norma para que
o administrador e o Diretor de RI divulguem ou não um fato relevante, há a
possibilidade destes escolherem o momento da divulgação, o que acarreta, também,
o iminente risco de a divulgação ser feita de forma precoce ou tardia.
Dependendo do fato a ser divulgado, considerando o nível de influência
que ele pode ter na condução dos negócios da companhia, há a possibilidade do
desencadeamento de alterações significativas nas cotações e níveis de negociações
de seus valores mobiliários.
Todos os fatos elencados no artigo 2º da ICVM 358/02 são
inquestionavelmente relevantes e devem ser divulgados, entretanto, o administrador
deve considerar sua materialidade para determinar sua divulgação.
Neste sentido, vale ressaltar o seguinte trecho extraído do voto proferido
pelo ilustre diretor da CVM Pedro Oliveira Marcílio de Souza, nos autos do Processo
Administrativo CVM/RJ-2006/4776:
45. A Instrução n. 358/2002 ainda complementa o art. 157, § 4º, com uma
lista exemplificativas de fatos que, usualmente, são relevantes para uma
companhia (ver art. 2º, parágrafo único). Essa lista, no entanto, nem exaure
as possibilidades de “fato relevante”, nem determina um “fato relevante”,
sendo necessário, sempre, analisar os dados concretos do fato e da
companhia a que ele se refere.
46. Tanto a Lei 6.404/76 quanto a Instrução 358/02 apresentam conceitos
gerais (standards) a serem utilizados pela administração da companhia
aberta para, frente a um fato concreto, definir se está diante de um fato
61
relevante. Sobre esses textos normativos, é importante perceber que eles
consideram relevante um fato que "pode" influenciar. Não se exige,
portanto, a efetiva influência, basta que tenha "força suficiente" para
59
influenciar.
Desta forma, o administrador deve sempre agir visando o equilíbrio entre
o dever de informar e o dever de sigilo, sempre prezando pela defesa do interesse
da companhia.
Com esta visão é que o administrador deve optar o momento mais
adequado para divulgar um fato.
Historicamente, no mercado acionário nacional existem exemplos de
divulgações precoces e tardias de fatos relevantes, que provocaram oscilações
atípicas nos valores mobiliários das companhias.
No ano de 2003, rumores envolvendo a venda do Banco Sudameris
provocaram oscilações extraordinárias com os valores mobiliários dos bancos
Unibanco e Itaú, conforme notícias veiculadas pela mídia.60
Previamente à veiculação destas notícias pela mídia, não houve
divulgação de qualquer fato relevante ao mercado tanto por parte do banco
Unibanco, quanto pelo banco Itaú. Verifica-se que houve veiculação na mídia de
entrevistas de funcionários do banco Unibanco que relatavam que haviam perdido a
disputa para o, à época rival, Itaú.
Em contrapartida, o Itaú negava as negociações e houve veiculação de
que este haveria desistido da compra em decorrência do elevado preço de
aquisição.
Estes desencontros de informações perduraram até o dia 16 de abril de
2003, quando houve anúncio da compra do banco Sudameris pelo banco ABN
AMRO Real.
Enquanto houve rumores publicados na mídia, as ações das instituições
financeiras obtiveram oscilações incomuns com quedas das ações dos supostos
adquirentes e elevação das ações do suposto adquirido.
59
Julgado disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2007/rordinario/inqueritos/01_17_RJ2006-4776.asp>. Acesso
em: 05 mai. 2013.
60
Unibanco Nega Oferta Para Compra do Sudameris. O Estado de São Paulo, 2003. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20030204p12505.htm>. Acesso em: 05 mai.
2013.
62
Já nos anos de 2008, 2010 e 2012, houve grande repercussão sobre a
possível negociação entre a empresa brasileira Positivo Informática e a chinesa
Lenovo. Rumores indicavam o interesse da Lenovo em adquirir o controle acionário
da empresa brasileira, conforme notícias frequentemente veiculadas pela mídia e
por agências que operavam no mercado de capitais.61
Estas notícias62 fizeram com que, por diversas oportunidades, os valores
mobiliários da Positivo Informática disparassem na bolsa de valores brasileira.
A empresa Positivo Informática formulou comunicados ao mercado
somente na tentativa de desconstituir as notícias veiculadas sobre a eventual
aquisição de seu controle acionário pela Lenovo, como feito em 09 de dezembro de
2008 e 07 de abril de 2010 em formato de fato relevante.63
Após a empresa Positivo Informática ser penalizada pela CVM com a
imposição de multa no valor de R$ 1,2 milhão pelo vazamento de informações ao
mercado sem que houvesse a divulgação de qualquer fato relevante, em fevereiro
de 2010 firmou um termo de compromisso com o órgão regulatório se
comprometendo a respeitar a obrigatoriedade de informação ao mercado com a
divulgação de fatos considerados relevantes.
Merece destaque, ainda, caso recente de divulgação precoce de
informações relevantes ao mercado que envolveu o Banco do Brasil, conforme
notícia veiculada pelo jornal Folha de São Paulo em 16 de abril de 201364.
Neste caso, dois gerentes da referida instituição financeira, sendo um de
São Paulo e outro do Rio de Janeiro, enviaram comunicações eletrônicas a alguns
clientes, veiculando a informação sobre a abertura de capital da BB Seguridade,
braço de seguros do banco.
61
Lenovo Fecha a Compra da Positivo, Diz Agência. Folha de São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u718038.shtml>. Acesso em: 05 mai. 2013.
62
Positivo Nega Venda de Operação Para Lenovo. Valor Econômico, 2012. Disponível em:
<http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2012/09/04/positivo-nega-venda-de-operacao-paraa-lenovo.jhtm> Acesso em: 05 mai. 2013.
63
Comunicados disponíveis em:
<http://ri.positivoinformatica.com.br/positivo/web/arquivos/Positivo_FR_20081209_port.pdf> e
<http://ri.positivoinformatica.com.br/positivo/web/arquivos/Positivo_Fato%20Relevante_07042010.pdf
> Acesso em: 05 mai. 2013.
64
SCIARRETTA, Toni, NERY, Natuza. E-mail de Gerentes do BB a clientes levou CVM a suspender
abertura de capital. Folha de São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/04/1263241-gerente-manda-e-mail-a-cliente-e-cvmsuspende-abertura-de-capital.shtml>. Acesso em: 16 abr. 2013.
63
Os gerentes informavam 61 clientes sobre a oportunidade de adquirirem
valores mobiliários na data de abertura do capital.
Conforme comunicado pela instituição financeira65, a CVM decidiu pela
suspensão do processo de abertura do capital da BB Seguridade, pois considerou
como publicidade irregular e não autorizada previamente, nos termos do artigo 50,
da ICVM nº. 400/03:
Art. 50 - A utilização de qualquer texto publicitário para oferta, anúncio ou
promoção da distribuição, por qualquer forma ou meio veiculados, inclusive
audiovisual, dependerá de prévia aprovação da CVM e somente poderá ser
feita após a apresentação do Prospecto Preliminar à CVM.
§ 1º Findo o prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado da data do protocolo do
material publicitário, sem que haja manifestação da CVM, considerar-se-á
que foi aprovado.
§ 2º O material publicitário não poderá conter informações diversas ou
inconsistentes com as constantes do Prospecto e deverá ser elaborado em
linguagem serena e moderada, advertindo seus leitores para os riscos do
investimento.
§ 3º O material mencionado neste artigo deverá fazer referência expressa
de que se trata de material publicitário e mencionar a existência de
Prospecto, bem como a forma de se obter um exemplar, além da
advertência em destaque com o seguinte dizer: "LEIA O PROSPECTO
ANTES DE ACEITAR A OFERTA"
§ 4º A CVM, inobstante ter autorizado a utilização do material publicitário,
poderá, a qualquer momento, por decisão motivada, requerer retificações,
alterações ou mesmo a cessação da publicidade.
§ 5º Não caracterizam material publicitário os documentos de suporte a
apresentações oferecidas a investidores, os quais deverão, no entanto, ser
encaminhados à CVM previamente à sua utilização.
No entanto, após medidas corretivas serem adotadas pela instituição
financeira, a CVM anulou a suspensão, sendo a oferta pública regularmente
retomada apenas dois dias após a suspensão.
Os casos exemplificados acima demonstram claramente a complexidade
da determinação do tempo exato para a divulgação de fatos relevantes.
Existia, tanto no caso do Sudameris, quanto no caso da Positivo
Informática, intenções e negociações sobre a eventual alienação do controle
acionário.
Entretanto, para o Sudameris, em relação ao Unibanco e ao Itaú, não
houve concretização da alienação do controle e, para o caso da Positivo, nunca
houve a alienação do controle acionário à Lenovo.
65
Comunicado disponível em:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/siteEsp/dimec/opa/dwn/bbseguridade_comunicado.pdf >. Acesso
em: 04 jun. 2013.
64
Portanto, percebe-se a complexidade não só da classificação se o fato é
relevante ou não, mas também do momento para divulgação dessa eventual fato
relevante. A simples intenção de negociar ou até mesmo o início da negociação, já
seriam motivos que ensejariam a divulgação de fato relevante ao mercado?
Conforme visto, o administrador deve analisar se o fato é concreto antes
de analisar sua relevância e optar ou não por sua divulgação.
A divulgação precoce de um fato que não venha a ser concretizado pode
ser tão prejudicial ao mercado e à companhia e seus stakeholders quanto a
divulgação tardia ou a não divulgação deste mesmo fato.
Por esta razão é que o Business Judgment Rule, o momento do mercado
no qual a companhia está inserida, as condições mercadológicas à época dos fatos
e as ferramentas à disposição do administrador são de suma importância para a
mensuração de eventual responsabilidade deste em relação à obrigatoriedade de
divulgação de fato relevante.
Ainda que o momento de divulgação de um possível fato relevante não
possui definição normativa clara ou objetiva, as companhias tentaram criar métodos
ou, ao menos, tentaram definir condutas necessárias para garantirem a divulgação
no momento adequado.
Estes critérios foram criados por empresas após algumas ocorrências
polêmicas sobre o momento da divulgação de fatos relevantes e podem ser
observados, inclusive, nos sites eletrônicos das companhias.66
Nos termos já vistos da business judgment rule, a discricionariedade do
administrador sobre o momento da divulgação das informações poderá, caso resulte
em prejuízo aos investidores ou à companhia, implicar em sua responsabilização
pessoal, conforme será estudado.
66
Disponíveis em: <http://www.itautec.com.br/pt-br/relacoes-com-investidores/governancacorporativa/politica-de-divulgacao-de-ato-ou-fato-relevante>
<http://www.comgas.com.br/investidores/media/pdf/Pol%C3%ADtica%20de%20Divulga%C3%A7%C3
%A3o%20de%20Ato%20ou%20Fato%20Relevante%20150607.pdf>
<http://ri.alpargatas.com.br/governanca_corporativa/estatutos/fato_relevante/Politica_FR.pdf> Acesso
em: 08 mai. 2013.
65
4. RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DO ADMINISTRADOR
4.1. Definição e características gerais
O administrador, como já exposto, exerce papel fundamental e central na
administração de uma companhia, com a tomada de decisões, não só cumprindo
ordens e diretrizes emanadas pelo Conselho de Administração e pelos demais
órgãos da companhia, mas também direcionando a conduta da empresa.
Conforme ensina Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:
Lembre-se que os administradores presentam a companhia na assunção de
direitos e obrigações, devendo ser diligentes neste mister e tomando como
parâmetro de sua conduta a cláusula de objeto social presente no estatuto,
para o fim de orientar (no caso de conselho de administração) ou executar
67
(no tocante à diretoria) atividade empresarial a ser desenvolvida.
No desempenho de suas funções, com a tomada de decisões, o
administrador pode impor prejuízos e danos aos acionistas da companhia, à própria
companhia e seus stakeholders, bem como ao mercado em termos gerais.
Caso isso ocorra, observado o nexo de causalidade entre a ação do
administrador e o resultado lesivo imposto ao terceiro, o administrador pode ser
responsabilizado por estes danos.
A regra geral, estabelecida pelo artigo 158, da LSA, define que o
administrador não é pessoalmente responsabilizado por eventuais prejuízos
decorrentes de decisões regulares, embasadas e que sejam tomadas de boa-fé,
conforme se observa:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas
obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular
de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando
proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
(...)
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de
obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com
violação da lei ou do estatuto.
No entanto, caso o administrador conduza sua atuação sem respeitar
seus deveres legais e estatutários, tomando decisões que possam colocar em risco
67
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, Volume 3. 2ª Edição, São
Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 479.
66
a longevidade da companhia de forma impensada ou, até mesmo, fraudulenta e
dolosa, este poderá ser pessoalmente responsabilizado nas áreas administrativa,
civil, tributária e criminal pela sua conduta sem observância aos deveres legais e
estatutários.
Neste sentido, conforme visto acima, o artigo 158 da LSA, prevê a
possibilidade de responsabilização pessoal em âmbito civil dos administradores.
Conforme visto, a regra geral instituída pelo direito pátrio, com a
personalidade jurídica reconhecida às empresas, pela estruturação orgânica do
conjunto normativo societário e pela LSA, determina que o administrador de uma
companhia não é pessoalmente responsabilizado pelas obrigações assumidas em
nome da empresa quando decorrentes de atos regulares de sua gestão.
Na condição de um dos órgãos diretivos da sociedade, o administrador
exterioriza a vontade social, agindo como se a própria companhia fosse. Por esta
razão é que, perante terceiros, as responsabilidades são assumidas pela própria
companhia no exercício de seus direitos e cumprimento das obrigações.
Assim, caso terceiros sejam lesados por atos decorrentes da regular
gestão do administrador, deverão pleitear seus direitos em face da companhia, e
não diretamente contra o administrador.
Todavia, em contraponto, por atos irregulares de gestão que causarem
danos a terceiros ou, ainda, ações regulares de sua gestão, mas com culpa ou dolo,
o administrador será pessoalmente responsabilizado.
Desde que o administrador cumpra seus deveres legais, estatutários e
contratuais, agindo com boa-fé, não há que se falar em responsabilização pessoal
em decorrência de eventual insucesso de sua decisão de gestão administrativa.
Por outro lado, o administrador responderá pessoalmente pelos prejuízos
causados quando agir com culpa ou dolo ou com violação da Lei ou Estatuto. Isto
significa, dentro do tema desta pesquisa, que o não cumprimento do dever de
informar, ou a não divulgação de fatos relevantes, quando causarem prejuízos a
terceiros, implica na responsabilização pessoal do administrador.
Conforme ensinamentos do professor Fábio Ulhoa Coelho, o artigo 158,
da LSA, prevê duas hipóteses de responsabilidade civil:
67
(...) uma relacionada aos prejuízos causados por sua culpa ou dolo, ainda
que sem exorbitância de poderes e atribuições (inc. I), e a outra pertinente à
violação da lei ou do estatuto (inc. II). Em relação à primeira, é unânime a
doutrina ao afirmar que a previsão legal imputa aos administradores
responsabilidade subjetiva do tipo clássico (...) Quanto à segunda, no
entanto, predomina largamente o entendimento de que cuida a hipótese
legal de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa, havendo,
68
também, quem a considere objetiva.
Isto significa que o administrador, mesmo quando age dentro de suas
atribuições ou poderes, caso configure-se culpa ou dolo, há a responsabilidade
subjetiva clássica, ou seja, aquela que necessita, obrigatoriamente, da comprovação
da culpa ou do dolo. Por outro lado, caso o administrador conduza sua atuação em
desrespeito à lei ou ao estatuto da companhia, trata-se da responsabilização por
culpa presumida, sem qualquer necessidade de comprovação da existência de culpa
ou dolo.
Para que seja comprovada a culpa ou dolo do administrador, devem ser
considerados todos os aspectos do caso concreto, tais como a atividade exercida,
os recursos disponíveis ao administrador, o momento econômico da época dos
fatos, entre outros, como determinado pela já exposta business judgment rule.
Salienta-se, ainda, que o ônus probatório da existência da culpa ou dolo é
daquele que ajuíza a ação de indenização, entretanto, em decorrência da violação
da lei ou estatuto, a culpa pode ser presumida, oportunidade na qual caberia ao
administrador comprovar que seu ato não foi decorrente de qualquer modalidade
culposa.
Também, para que haja a possibilidade de o administrador ser
demandado por terceiros que sofram prejuízos decorrentes de sua atuação, além da
culpa, o nexo de causalidade e o dano devem ser comprovados pelo demandante,
não havendo que se falar em possibilidade de inversão do ônus da prova neste
sentido.
Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto segue esta diretriz, conforme a seguinte
exposição, fundamentada com jurisprudência:
Três são os pressupostos para a configuração da responsabilidade do
administrador: (i) conduta antijurídica imputável ao administrador; (ii) dano
experimentado pela companhia; e (iii) nexo de causalidade entre a conduta
antijurídica do administrador e o dano experimentado pela companhia, ou
seja, a relação direta de causa e efeito entre a conduta do administrador e o
68
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 2. 16ª Edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 2012. pp. 279 e 280.
68
dano sofrido. Em regra, a prova da existência desses três requisitos cabe ao
autor da demanda.. Nesse sentido é a jurisprudência: “Cumpre ao terceiro
que se diz prejudicado não só comprovar os atos ilícitos imputados aos
diretores, como a ocorrência da lesão ao seu patrimônio em nexo causal
com os mesmos” (RT 428/173). Cumpre ressaltar que o dano deve ser certo
e de ordem patrimonial, não se admitindo dano meramente hipotético,
eventual ou conjuntural. A violação da lei não tem como consequência
necessária e imediata o surgimento do dano para a sociedade, porquanto é
69
indispensável alguma repercussão patrimonial.
Vê-se que é delicada a imposição de responsabilidade civil e pessoal aos
administradores pelos seus atos, pois eventuais excessos legislativos para a
responsabilização pessoal do administrador a qualquer custo interferem e
prejudicam uma boa atuação de um administrador.
A responsabilidade do administrador provém da própria lei. No entanto, o
vínculo obrigacional do administrador é instituído pelo estatuto social, que é o
contrato que rege o funcionamento da sociedade.
Existem discussões doutrinárias versando sobre a classificação da
responsabilidade do administrador, entre contratual e extracontratual. Pelo artigo
acima transcrito, a responsabilização pessoal do administrador pode ocorrer por
ferimento á lei ou ao estatuto.
Como o estatuto social é a lei que rege a sociedade e atribui poderes ao
administrador e delimita sua atuação, sua responsabilidade para com a companhia é
contratual. No entanto, para a presente pesquisa, a diferenciação entre
responsabilidade contratual ou extracontratual não será significante, pois não
compõe seu objeto central.
Outra discussão existente se refere a qual modalidade seria a
responsabilidade do administrador, se subjetiva ou objetiva. Alguns sustentam que a
responsabilidade seria subjetiva na hipótese do inciso I e objetiva na hipótese do
inciso II do artigo acima transcrito.
Difícil enquadrar uma conduta do administrador em apenas um dos
incisos. Conforme expõe Fábio Ulhoa Coelho:
Os dois incisos do art. 158 da LSA são interdefiníveis: não há conduta que
se enquadre num deles que não se possa enquadrar também no outro. Não
é correto, portanto, considerar que cada dispositivo expressa um sistema
69
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 486.
69
diferente de responsabilidade civil dos administradores de sociedade
70
anônima.
A prática culposa ou dolosa é, necessariamente, ilícita, contrária à lei, e a
prática ilícita ou violadora do estatuto é uma prática culposa ou dolosa, portanto não
haveria, a princípio, razão para a distinção das condutas em dois incisos.
Entretanto, Marcelo Vieira von Adamek traz duas explicações das razões
pelas quais existe tal diferenciação, dentre as quais destacaremos apenas uma, que
parece ser mais criteriosamente fundamentada:
No citado artigo de lei, o legislador não teria se limitado a explicitar as
hipóteses ante as quais despontaria a responsabilidade civil do
administrador, mas teria sim, simultaneamente, pretendido definir as
diferentes situações em que o ato praticado pelo administrador o vincularia,
ou então vincularia a sociedade ou ambos, perante terceiros. Embora essa
inteligência reste obscurecida pela redação defeituosa do artigo – que
deixou de incluir no inc. II o complemento necessário e implícito, dedutível
da cabeça e do inc. I do mesmo art. 158 da Lei das S/A – deve-se entender
que o legislador pretendeu estabelecer que as seguintes regras: (1ª) o
administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que
contrair em nome da sociedade, em virtude de ato regular de gestão; e
(2ª.A) os atos praticados dentro do âmbito de suas atribuições obrigam a
sociedade perante terceiros (ressalvado o direito de regresso contra o
administrador); e (2ª.B), em princípio, os atos praticados fora do âmbito de
suas atribuições não vinculam a sociedade perante terceiros, pois são da
direta e exclusiva responsabilidade do administrador, solução essa
consentânea com o regime de publicidade das sociedades anônimas. Dizse em princípio, porque, sob certas circunstâncias e à luz do primado da
boa-fé, tais atos do administrador, apesar de exercidos fora do âmbito de
suas atribuições ou além de seus poderes, podem vincular a própria
sociedade, quando: (i) forem ratificados posteriormente; (ii) a sociedade
deles auferir vantagem; ou (iii) a sua preservação impuser-se por efeitos de
outras regras e preceitos destinados a tutelar a posição jurídica de terceiros
(categoria na qual se incluiriam os atos ultra vires societatis, fora do objeto
social, e os praticados com excesso de poder pelo administrador, uns e
71
outros agora regulados pelo art. 1.015 do CC).
Aparentemente clara a previsão da responsabilidade subjetiva do
administrador quando há a necessidade de comprovação da causa do prejuízo a
terceiros em decorrência de sua atuação com culpa ou dolo.
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa explica quando é classificada a
modalidade
culposa
da
ação
do
administrador
que
poderá
impor-lhe
a
responsabilização pessoal, conforme segue:
Como se sabe a culpa se expressa no nosso ordenamento jurídico nas
modalidades de negligência, imprudência ou imperícia. Ora, no exemplo da
70
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2: direito de empresa, 16ª Edição, São
Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 289.
71
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. pp. 221-224.
70
loja de calçados, o administrador responderá por culpa se fizer a aquisição
de produtos de uma linha de calçados já ultrapassada, fabricada para
estação anterior e que não encontre saída no mercado. Isso se dá
especialmente no caso de calçados femininos, área sujeita às severas
imposições da moda. Sua responsabilidade dar-se-á mesmo que tenha
obtido um bom desconto do fabricante, porque, embora o prejuízo neste
caso se revele menor, ele se dará de qualquer maneira, ficando o
72
estabelecimento com um encalhe que não terá destino lucrativo.
Já a responsabilidade por atos praticados em contrariedade ao dispositivo
legal, que nos parece ser enquadrada como atitude negligente, a culpa seria
presumida, e o administrador deveria comprovar que não agiu com imperícia,
negligência ou imprudência para não ser obrigado a indenizar o dano causado.
Neste sentido, quanto à responsabilização decorrente de ato que violar a
lei ou o estatuto, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa ensina:
No que se refere à lei, como se sabe, a ninguém é escusado alegar sua
ignorância. Ainda no caso dos calçados, se o administrador faz sua
importação em descumprimento a normas proibitivas quanto ao
estabelecimentos de quotas e a sociedade vem a sofrer uma multa por
parte das autoridades governamentais, caberá a ele responder pelo prejuízo
a que deu causa.
Quanto ao estatuto, o administrador é obrigado a conhecê-lo
profundamente, para o fim de não contrariar as normas nele dispostas.
Havendo dúvidas sobre o entendimento e alcance de alguma cláusula,
deverá buscar a necessária assessoria jurídica ou a aprovação prévia do
órgão superior, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos que vier a
73
causar à sociedade.
Não parece razoável a existência de uma responsabilidade objetiva do
administrador, pois é clara a intenção do legislador em fazer prevalecer a
modalidade subjetiva pela necessidade de comprovação do nexo de causalidade
para estabelecimento da culpa ou a possibilidade de comprovação de regularidade
do ato do administrador.
Ainda pelo Código Civil, conforme o conceito da prática de ato ilícito, o
administrador é responsabilizado por eventuais danos causados a terceiros pela
omissão de não divulgar quaisquer fatos relevantes.
Observa-se que, para eventual responsabilização do administrador, não
há a análise do mérito de sua decisão, se ela foi boa ou má, há apenas a análise da
forma como ela foi tomada, se em contrariedade à Lei ou ao Estatuto ou não.
72
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, Volume 3. 2ª Edição, São
Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 482.
73
Ibid. p. 482.
71
O administrador poderá ser responsabilizado pelos atos que praticar em
descumprimento à legislação ou ao estatuto nos âmbitos civil, administrativo,
tributário e penal.
A
responsabilidade
em
âmbito
civil
provém
da
previsão
de
obrigatoriedade de indenização ao terceiro prejudicado. No âmbito administrativo, a
responsabilização será perante a Comissão de Valores Mobiliários.
Em âmbito tributário, nos termos do artigo 135, do Código Tributário
Nacional, o administrador será responsabilizado somente quando houver a prática
de atos em contrariedade à lei, ao estatuto, ou quando os atos foram praticados com
excesso de poderes, pois o simples inadimplemento do tributo não acarreta
automaticamente a responsabilidade do administrador.
Diz o referido artigo da carta normativa tributária:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.
Neste sentido, Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto expõe sua opinião
fundamentando-a com o seguinte julgado:
O simples inadimplemento de obrigação tributária não caracteriza violação
da lei: (...) Quem está obrigada a recolher os tributos devidos pela empresa
é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o
diretor ou o sócio gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes.
Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data de seu
respectivo vencimento, a impontualidade ou inadimplência é da pessoa
jurídica, não do diretor ou do sócio gerente, que só respondem, e
excepcionalmente, pelo débito se resultar de atos praticados com excesso
de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos, exatamente nos
termos do que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.
(STJ, REsp 100739/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 1º.2.1999, p. 138;
74
RSTJ 117/287)
Já a responsabilidade criminal será analisada de forma pormenorizada no
tópico que discorre sobre a prática de insider trading, analisando as previsões legais
e consequências desta prática, entretanto, vale a breve menção de sua classificação
e fundamentação legal.
74
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 488.
72
A responsabilidade em âmbito penal foi instituída pela Lei 10.303/01, que
incluiu o artigo 27-D, na Lei 6.385/76. Com a inclusão do referido, o administrador
também poderá ser responsabilizado criminalmente caso se utilize de informações
privilegiadas que ainda não tenham sido divulgadas ao mercado, com a previsão da
pena de reclusão de 01 a 05 anos e aplicação de multa de 03 vezes o montante da
vantagem ilícita obtida em decorrência da comercialização de valores mobiliários
com base na informação ainda não divulgada.
A responsabilidade civil, no entanto, não exige a obtenção de vantagem
ilícita, como a criminal. Basta que o administrador, não observando suas obrigações
legais e estatutárias, imponha prejuízos a um terceiro qualquer para que se
configure a possibilidade de responsabilização pessoal do administrador no âmbito
civil.
O administrador possui a responsabilidade civil, basicamente, em três
diferentes ordens, a saber, perante a companhia, os acionistas e terceiros, sendo
que nesta última estão incluídos quaisquer stakeholders ou qualquer participante do
mercado.
Ao dano causado diretamente ao patrimônio da companhia será
necessária a ação denominada social, ou seja, a ação composta pela sociedade no
pólo ativo, ajuizada diretamente contra o administrador.
Já se o dano for causado diretamente ao acionista, sem o dano causado
à companhia, a ação deverá ser a individual, sendo o acionista o componente do
pólo ativo.
Já se o acionista sofrer dano, no entanto o dano ser indireto, ou seja,
como consequência do dano sofrido pela companhia, não haverá espaço para a
ação individual, mas somente a ação social.
Estudaremos
particularmente
cada
nível
administrador.
4.2. Responsabilidade civil perante a companhia
de
responsabilidade
do
73
Conforme estudado anteriormente, os deveres legais do administrador
possuem relação direta com a companhia.
O administrador possui o dever legal de diligência, que, conforme visto,
requer do administrador os cuidados na conduta cotidiana dos negócios sociais da
companhia na mesma medida que teria com os seus negócios pessoais.
Além disso, a conduta profissional do administrador deve ser revestida da
responsabilidade corporativa, princípio da governança corporativa, que determina
que toda e qualquer atitude do administrador deve visar a longevidade da
companhia.
Ou seja, o administrador deve sempre atuar em proteção aos interesses
da companhia, visando sua permanência indefinida no tempo.
Conforme ensina Marcelo Vieira von Adamek:
A responsabilidade interna dos administradores perante a companhia, como
antes anotado, constitui critério de balanceamento dos poderes atribuídos
pela lei e pelos estatuto, assegurando que o seu exercício seja
75
corretamente direcionado para a consecução do interesse da companhia.
O administrador possui diversas restrições à sua atuação profissional
impostas pela LSA, como, por exemplo, a prática de atos de liberalidade à custa da
companhia (art. 154, § 2º, a), o uso em proveito próprio ou de terceiro dos bens,
serviços ou créditos da companhia (art. 154, § 2, b), venda de bens sociais por
preços inferiores aos de mercado ou sem a devida autorização, desvio do objeto
social, entre muitas outras restrições.
Enfim, o administrador possui responsabilidade perante a companhia,
sempre em atenção ao dever de diligência e defendendo a longevidade dos
negócios sociais.
4.3. Responsabilidade civil perante os acionistas
Em relação aos acionistas, o administrador possui o dever de ser leal e de
informá-los, tratando-os sempre em atenção ao princípio da equidade.
75
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 199.
74
Todos os acionistas devem possuir igualdade de direitos e tratamento
para proporcionar a simetria de informações entre estes, observando-se as
diferenças protecionistas ao acionista minoritário e os direitos do acionista
majoritário.
Conforme define Marcelo Vieira von Adamek:
Entende-se que a responsabilidade dos administradores perante os
acionistas é sempre de natureza delitual, emergente da violação de deveres
76
legais.
De acordo com a LSA, são exemplos de condutas de administradores que
possam impor prejuízos aos acionistas que resultam em sua responsabilização
pessoal, o ferimento aos seus direitos individuais, como:
(i)
o impedimento ilícito ou injustificado de ingresso de acionista ou de seu
procurador em assembleia geral, ou de seu exercício ao direito de voz e
voto (artigos 125, parágrafo único, e 126);
(ii)
a exclusão ilegítima do acionista da distribuição de dividendos (artigo 205);
(iii)
o impedimento do exercício de preferência (artigo 109, IV);
(iv)
prática de earning management, ou seja, divulgação de informação falsa
em demonstrações financeiras, fazendo com que acionistas subscrevam
ações por preços maiores do que a realidade (artigos 133, 155 e 176);
(v)
descumprimento do dever de informar fato relevante (artigo 157, §§ 1º e
4º), entre outros.
Portanto, a responsabilidade do administrador em relação aos acionistas
possui relação estreita com a obediência dos direitos dos acionistas e com os
deveres legais do administrador, objetivando o impedimento de causas de prejuízo
aos acionistas.
4.4. Responsabilidade civil perante terceiros em geral
Neste nível de responsabilidade do administrador estão incluídos todos os
stakeholders e os investidores do mercado em geral, mesmo que sem relação direta
com a companhia.
76
Ibid. p. 204.
75
A responsabilidade perante terceiros possui como fundamento o dever do
administrador de informar o mercado e de dar publicidade aos atos administrativos,
ligados ao princípio da transparência e da prestação de contas.
São exemplos desta responsabilidade, também provenientes da LSA e
outras normas, a utilização de informação ainda não divulgada que resulta em
ferimento aos investidores do mercado como um todo (artigo 155, § 3º), divulgação
de informações contábeis e financeiras falsas, manipulando o preço dos valores
mobiliários em negociação, a dissolução irregular da companhia, a emissão irregular
de valores mobiliários, entre outros.
Observa-se que qualquer descumprimento aos deveres normativos de
publicidade de atos relevantes ou informações contábeis, prestação de contas, são
atos passíveis de causar prejuízos a terceiros.
Portanto, a responsabilidade perante terceiros pode ser proveniente de
atos que estejam ou não ligados ao exercício da sua função. Não há critério definido
neste caso, tanto um quanto outro podem ensejar ilícitos causadores de danos a
terceiros.
4.5. Critérios para definição da responsabilidade
No que diz respeito aos critérios para definição da responsabilidade do
administrador, Marcelo Vieira von Adamek divide-os em sintético, analítico e misto77.
O critério sintético define que o legislador cria normas que descrevem o
dever do administrador de forma abstrata e de seu descumprimento decorre o dever
de reparar o dano causado.
Neste caso, a avaliação do dever de reparar o dano caberia somente aos
juízes, sendo a norma extremamente subjetiva, o que possibilita diferentes
interpretações sobre um mesmo fato.
Já o critério analítico determina a previsão taxativa dos deveres do
administrador e as condutas específicas que ensejariam sua responsabilização
pessoal. Porém, é praticamente impossível prever com exatidão todos os
77
Ibid. p. 207.
76
acontecimentos cotidianos da administração de uma companhia que poderiam
ensejar a responsabilização pessoal de um administrador.
Conforme expõe Marcelo Vieira von Adamek:
A vigente Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), na esteira da antiga
lei pátria e de outras leis estrangeiras, não adotou, de forma pura, nem o
critério sintético, nem o analítico, mas um misto de ambos. Na realidade, a
vigente lei acionária deu maior amplitude ao critério sintético, por meio da
enunciação legal dos desdobramentos do dever de diligência, mas, apesar
disso, manteve a referência a deveres específicos e hipóteses destacadas
78
de responsabilidade, pelas razões antes verificadas.
Parece mais correta a adoção de um sistema misto, pois os deveres dos
administradores decorrem de previsões legais e estatutárias, mas, também,
decorrem de normas aplicáveis àqueles que se relacionam com a companhia.
Portanto, mesmo que não haja a previsão legal expressa da conduta que ensejaria
sua responsabilização pessoal, eventuais prejuízos causados por atos do
administrador podem lhe impor a responsabilidade pessoal, de acordo com as
circunstâncias do caso concreto, obrigando-lhe a reparar o dano causado.
4.6. Responsabilidade pessoal e solidária
Importante observar, também, que o parágrafo quinto, do artigo 158,
prevê a responsabilização solidária daquele que concorrer com a prática do ato
ilícito com o objetivo de obter vantagem para si ou para outrem.
Este terceiro que concorre à prática do ato ilícito pode ser membro de
outros órgãos da companhia, colaboradores internos ou externos, acionistas,
credores ou qualquer outro que presenciar o ocorrido e nada fizer para que cessem
as irregularidades.
Isto significa que os funcionários da companhia que concorrerem para a
prática do ilícito também podem ser pessoalmente responsabilizados no âmbito civil,
juntamente com o administrador.
Importante observar que a previsão é de que o terceiro concorra com a
prática com o objetivo de obter vantagem para si ou para outrem, ou seja,
78
Ibid. pp. 208 e 209.
77
teoricamente, não há necessidade da consumação da vantagem, bastando somente
a intenção.
Sobre a responsabilização pessoal e solidária, Osmar Brina Corrêa-Lima
ensina:
A responsabilização de cada administrador é pessoal, cada um
respondendo pelos seus próprios atos. Contudo, os administradores são
solidariamente responsáveis: I – pelos prejuízos causados em virtude do
não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o
funcionamento normal da companhia, ainda que tais deveres não caibam a
todos eles; II – se, tendo conhecimento do não-cumprimento desses
deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixaram
de comunicar o fato à assembléia-geral; III – se concorrerem para a prática
de ato com violação da lei ou do estatuto, com o fim de obterem vantagem
79
para si próprios, ou para outrem.
A ação culposa ou dolosa que deu ensejo ao dano deve ser sempre
imposta a alguém.
Para que haja a responsabilidade solidária é necessário que os
administradores concorram para a prática do ilícito, ou seja, é necessário que o coresponsável tenha participação direta e descumpra dever legal ou estatutário.
A possibilidade da responsabilidade solidária é explicitada por Haroldo
Duclerc Verçosa da seguinte maneira:
Mas o legislador prevê casos de responsabilidade solidária por ato ilícito
nas seguintes hipóteses: (i) conivência; (ii) negligência; ou (iii) omissão
deliberada.
A conivência decorre o conluio de dois administradores na prática de atos
danosos à companhia, devidamente comprovado.
A negligência, no caso, está ligada ao dever de fiscalização recíproca
estabelecido na lei, em benefício direto da sociedade e indireto de seus
acionistas e credores.
(...)
Finalmente, a omissão deliberada acontece quando um administrador toma
conhecimento de ilícitos praticados por outro mas se mantém
absolutamente inerte tanto para impedir a prática do ato como na sua
80
comunicação à sociedade.
O administrador não pode responder por ato de outro apenas por integrar
o mesmo órgão social administrativo.
Neste sentido, Marcelo Vieira von Adamek esclarece:
Quando for conivente com a prática de ilícitos , se negligenciar em descobrilos ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua
79
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima, 3ª Edição – Revista e Atualizada, Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 2005. p. 185.
80
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, Volume 3. 2ª Edição, São
Paulo: Editora Malheiros, 2012. pp. 483 e 484.
78
prática, o administrador estará, pessoalmente, descumprindo dever jurídico
a seu cargo: sem prejuízo da concorrente violação de dever específico,
estará violando o dever de lealdade, quando for conivente, o de vigilância,
ao negligenciar em descobrir os ilícitos alheios, e o de diligência, se, deles
81
tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática.
Fica clara a necessidade de existência do concurso de ações dos
diferentes administradores para que possam ser solidariamente responsabilizados.
Entretanto, basta a concorrência de comportamentos culposos para que haja a
solidariedade, afastando a necessidade de co-participação para a consumação do
dano.
Em relação aos prejuízos causados à companhia em virtude do nãocumprimento dos deveres impostos legalmente ou pelo estatuto, que sejam
essenciais ao regular funcionamento da sociedade, na companhia de capital aberto
a responsabilidade é restrita aos administradores que tenham as atribuições
específicas de fazer cumprir tais deveres. Caso outros administradores tenham
conhecimento sobre o ocorrido e não tomem as devidas medidas para sanarem a
questão, tornam-se solidariamente responsáveis, ainda que não ligados diretamente
àquela parcela de gestão.
Isto não ocorre em sociedades de capital fechado, nas quais a gestão é
compartilhada entre os administradores e estes possuem acesso a praticamente
todas as informações de gestão que competem ao cotidiano da companhia.
Por outro lado, em relação a deveres que não sejam essenciais ao
funcionamento da empresa, não haverá a solidariedade de responsabilidade, pois
impera o princípio da incomunicabilidade da culpa. Mantém-se, no entanto, a coresponsabilidade caso outros administradores tenham conhecimento sobre o
ocorrido e não adotem as medidas necessárias para cessar a ocorrência.
Quando qualquer decisão sobre a gestão da companhia é tomada pelos
administradores em reunião de diretoria, existe a chamada administração colegiada.
Nestes casos a responsabilidade deverá ser considerada coletiva pelas deliberações
ou decisões colegiadas.
Para que um administrador não seja responsabilizado por atos
colegiados, deverá adotar as medidas previstas em lei, fazendo constar na ata sua
81
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as Ações
Correlatas, São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 237.
79
discordância e comunicando a ocorrência aos demais órgãos da sociedade, a saber,
ao órgão da administração, ao conselho fiscal ou à assembleia geral, para eximir
sua responsabilidade, não podendo ser negligente ou conivente com os demais
administradores.
Neste sentido ensina Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:
A forma de se ver livre da responsabilidade solidária depende do
cumprimento de formalidade legal expressa, qual seja, o administrador
dissidente do ato ilícito praticado ou planejado deve fazer consignar sua
divergência em ata de reunião do órgão de administração ao qual pertence
ou, não sendo possível, dela dar ciência imediata e por escrito ao órgãos da
administração de que faz parte (diretoria) ou ao conselho de administração
(se houver) ou, por último, à assembleia geral, cuja convocação lhe
competirá em caráter extraordinário caso não o faça quem de direito, a seu
82
pedido.
Portanto, verifica-se que o administrador deverá sempre fazer constar sua
posição contrária ao ato considerado ilícito para que seja possível se eximir de
qualquer responsabilidade pessoal sobre eventual consequência danosa daquele
ato.
4.7. Causas Extintivas da responsabilidade civil dos administradores
A responsabilidade civil do administrador pode ser extinta, extinguindo-se
a obrigação ou o crédito propriamente dito.
São causas da extinção da responsabilidade civil do administrador:
(i)
renúncia;
(ii)
remissão;
(iii)
transação;
(iv)
prescrição;
(v)
liberação decorrente da aprovação sem reservas do balanço e das
contas.
Apesar de não constar literalmente no texto normativo, casos fortuitos e
eventos considerados de força maior, também são considerados como causas de
82
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, Volume 3. 2ª Edição, São
Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 484.
80
excludentes de responsabilidade como condições normativas genéricas do direito
civil para exclusão da responsabilidade civil.
O conjunto normativo que rege o direito societário no Brasil não prevê a
possibilidade da renúncia, remissão ou a transação em relação à responsabilidade
civil do administrador.
A lei acionária, em seu artigo 134, § 3º, prevê que a responsabilidade do
administrador é extinta quando existe a aprovação das contas e balanços sem
qualquer reserva, desde que não haja erro, dolo, fraude ou simulação.
Conforme dito no início do trabalho de pesquisa, o administrador possui,
como principal função, a administração de bens de terceiros, pois a companhia
pertence aos acionistas, que conferem poderes ao administrador para que este
conduza o cotidiano da sociedade.
Não havendo a previsão expressa de renúncia, remissão ou transação da
responsabilidade civil do administrador, e considerando que o administrador opera
bens, direitos e obrigações de terceiros, não parece razoável a possibilidade de que
algum órgão declare a extinção da responsabilidade civil do administrador, pelo
menos pelas modalidades de renúncia ou remissão.
Não haveria legitimidade para os próprios administradores renunciarem
ou
perdoarem
as
atitudes
de
um
ou
alguns
deles
que
ensejariam
a
responsabilização civil pessoal. Igualmente, não haveria possibilidade da assembleia
geral renunciar ou perdoar esta responsabilidade civil, pois sequer possui poder para
aprovar as contas do administrador.
Ainda
devemos
considerar
que
a
renúncia
ou
remissão
desta
responsabilidade civil confrontaria o direito constitucional e pétreo de acesso à
justiça, o que é garantido a qualquer cidadão, conforme artigo 5º, incisos XXXIV e
XXXV da Lei Maior.
Assim, apenas por ordem judicial é que poderia haver um perdão ao
administrador, em casos nos quais se comprove sua boa-fé e que ele tenha agido
em clara defesa aos interesses da sociedade.
Portanto, a renúncia e a remissão parecem inaplicáveis conforme
exposto, em respeito ao conjunto normativo nacional.
81
Já a transação parece ser de possível aplicação, desde que verse sobre
direitos patrimoniais disponíveis e que não interfira em direitos de terceiros. Sua
possibilidade se dá por envolver concessões recíprocas. As concessões recíprocas
poderiam implicar em uma reposição, ainda que parcial, do prejuízo causado pelo
administrador a terceiros.
Bastaria que os termos da transação fossem deliberadamente aprovados
pelos acionistas para que fossem aplicáveis. Tal aprovação poderia ser feita em
assembleia geral, prevenindo ou encerrando o litígio.
Outra modalidade de exclusão da responsabilidade civil do administrador
é a prescrição da pretensão indenizatória.
Neste ponto, o ato praticado e suas conseqüências precisam ser
analisados na prática para identificar as diferentes condições para a ocorrência da
prescrição, pois os atos podem causar danos à companhia, ao acionista ou a outros
terceiros, as condições são distintas.
Além destas, a aprovação sem reservas das demonstrações financeiras e
contas do administrador implica na exoneração de sua responsabilidade civil
pessoal, salvo se houver erro, dolo, fraude ou simulação no ato do administrador.
Este ato de aprovação é feito pela assembleia geral e concede quitação
geral às obrigações do administrador.
Esta aprovação se dá por quórum de maioria simples dos presentes na
assembleia, sem a existência de qualquer direito de oposição de eventual minoria
dissidente, impedindo que haja qualquer ação indenizatória ajuizada em desfavor do
administrador.
As demonstrações financeiras nem sempre trazem informações claras
sobre a situação econômica da empresa e não retratam pormenorizadamente a
conduta do administrador ao longo de sua gestão.
Diante disto, a quitação irrestrita às obrigações do administrador em
decorrência simplesmente da aprovação sem reservas de suas contas, pode
prejudicar acionistas que não tenham conhecimento sobre a realidade do cotidiano
de atuação do administrador, pois lhe retira o direito de pleitear, posteriormente,
eventuais direitos em face do administrador, responsabilizando-o pessoalmente.
82
Por fim, o último meio possível de o administrador eximir-se da
responsabilidade pessoal civil em decorrência de seus atos é por determinação
judicial.
Caso o administrador demonstre ao juiz que agiu de boa-fé e visando
unicamente o interesse da companhia e convença-o, este poderá reconhecer a
exclusão de sua responsabilidade, de acordo com o artigo 159, § 6º, da LSA.
Neste tema, especificamente sobre este trecho da LSA, ensina Alfredo
Sérgio Lazzareschi Neto:
Para aplicação do preceito é indispensável a presença de ambos os
requisitos, isto é, o reconhecimento judicial de que o administrador agiu de
boa-fé e visando ao interesse da companhia. A ausência de qualquer destes
requisitos impede a exclusão do dever de indenizar. Assim, atos dolosos
não autorizam a aplicação do § 6º, uma vez que excluem a boa-fé exigida
83
pela lei.
Aqui existe claramente a presença da business judgment rule, pois caberá
ao juiz natural da causa avaliar todas as condições que envolvem o caso para
decidir sobre a responsabilização pessoal do administrador e se consequente dever
de indenizar o terceiro lesado por seu ato.
A avaliação deverá ser feita de acordo com todos os subsídios que o
administrador possuía a época dos fatos, o momento econômico no qual a
companhia e o setor em que atua estavam inseridos, bem como outras
características concretas e meritórias sobre a tomada de decisão.
Assim é que o juiz poderá analisar a culpabilidade do administrador no
momento da tomada de decisão.
83
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 514.
83
5. INSIDER TRADING
5.1. Regulação do mercado de capitais
Antes de iniciar o estudo do instituto jurídico do insider trading,
interessante alguns comentários acerca da regulação do mercado de capitais.
A regulação do mercado de capitais se faz necessária para a garantia de
seu bom desenvolvimento, que se relaciona, de maneira inexorável, ao
desenvolvimento da nação.
Para tanto, desde 1988, o estado se apóia na previsão constitucional, do
artigo 3º, inciso II, para praticar a regulação e a fiscalização de boas práticas no
mercado de capitais, por meio da CVM, que é preexistente à atual constituição.
Com este pretexto, a CVM editou, no ano de 1979, o texto “Regulação do
Mercado de Valores Mobiliários: Fundamentos e Princípios”, que previu, como
fundamento do órgão regulatório, a busca por um mercado eficiente, conforme
segue:
Mercado Eficiente
Considera-se como objetivo permanente a ser perseguido pelas autoridades
na regulação e desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, a
constante busca de maior eficiência.
É do interesse público a existência de um mercado eficiente, seja tanto no
plano alocacional quanto no plano operacional. Assim, sua organização
deve permitir que as poupanças dirijam-se naturalmente às unidades
produtivas que apresentem maior rentabilidade, consideradas ao mesmo
nível de risco, e que as transferências desses recursos se realizem aos
84
menores custos possíveis.
Depreende-se do excerto acima, que a CVM preocupa-se em conceder
eficiência alocacional e operacional ao mercado, ou seja, que os investidores
tenham clareza para onde devem destinar suas poupanças, tanto com base no custo
do investimento, quanto na expectativa de rentabilidade.
Esta eficiência pode ser atingida por meio da transparência e
acessibilidade de informações ao mercado.
84
Comissão de Valores Mobiliários. Regulação do Mercado de Valores Mobiliários: Fundamentos e
Princípios, Rio de Janeiro: 1979.
84
Como maneira de justificar a preocupação do Estado com a regulação do
mercado de capitais, José Marcelo Martins Proença expõe:
Por outro lado, a publicidade dos projetos diminui os riscos da economia
como um todo pois, quando um projeto é analisado e avalizado por diversos
participantes do mercado, a sim de nele investirem suas poupanças, é muito
mais provável, estatisticamente, que tal projeto esteja bem fundamentado,
do que quando analisado tão somente por um ou dois bancos que o
financiaram. Paralelamente, o perigo de o projeto não se tornar rentável fica
muito mais diluído no primeiro, do que no segundo caso, o que favorece um
85
menor risco sistêmico.
Partindo do pressuposto que há maior garantia da segurança sistêmica do
mercado pela sua regulação, Nelson Eizirik define o objetivo da regulação do
mercado:
1 – Assegurar a eficácia na determinação do valor dos títulos negociados,
garantindo que todas as informações relevantes estarão disponíveis ao
mesmo tempo pára todos os investidores, de tal forma que se reflitam
concretamente nos preços.
2 – Reduzir custos transacionais e aumentar a competição entre os
intermediários, ao ensejo das transferências de títulos entre participantes do
mercado.
3 – Manter a equidade nas relações dos intermediários com seus clientes,
de tal modo que não haja discriminação entre os diversos tipos de clientes e
a grandeza das ordens.
4 – Prevenir conflitos de interesses entre intermediários e clientes, criando
uma rígida separação entre as diversas atividades das instituições
financeiras, como corretagem e pesquisa, administração de recursos de
terceiros, underwriting, tesouraria, recursos proprietários etc.
5 – Atrair a confiança do público investidor no mercado de capitais,
proporcionando uma relação direta entre risco e retorno, e que as
informações relevantes sejam noticiadas a todos os investidores ao mesmo
tempo.
6 – Evitar a concentração de poder econômico, propondo um mercado
pulverizado e com ampla liquidez.
7 – instituir e executar uma política fiscal que incentive o mercado,
notadamente nos países onde ainda se encontre em estágio de
86
desenvolvimento.
Portanto, conforme já estudado, a regulação do mercado de capitais deve
ser direcionada à proteção aos investidores e ao mercado como um todo,
proporcionando a simetria de acesso às informações dos valores mobiliários
negociados e das companhias que os emitem.
85
PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider Trading – Regime jurídico do uso de informações
privilegiadas no mercado de capitais, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. p. 165.
86
EIZIRIK, Nelson. O papel do Estado na regulação do mercado de capitais. Rio de Janeiro: IBMEC,
1977. apud PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider Trading – Regime jurídico do uso de
informações privilegiadas no mercado de capitais, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. pp. 167 e
168.
85
Assim, cabe à CVM objetivar o bom funcionamento do mercado de
capitais, normatizando, fiscalizando e autorizando quaisquer operações com valores
mobiliários por parte das companhias de capital aberto e os investidores.
Sua função normatizadora implica em disciplinar o registro e a admissão
de valores mobiliários à negociação, sobre a emissão de ações, regulamento os
mercados de bolsas, balcão, mercadorias e futuros, entre outros.
A CVM ainda autoriza a constituição de sociedades por ações, quaisquer
agentes de mercado, bolsas, corretores e agentes autônomos, entre outros, e
fiscaliza o funcionamento do mercado como um todo, incluindo o funcionamento das
companhias abertas e os demais agentes.
Portanto, verifica-se que a CVM exerce o papel de regulador do mercado
de capitais, garantindo seu linear funcionamento com a publicação de informações e
fatos relevantes, possibilitando que todos tenham igualdade no acesso, para resultar
na simetria do mercado e na inibição da prática ilegal de insider trading, que será
definida a seguir.
5.2. Considerações e características gerais do insider trading
O princípio do full disclosure, por meio do dever de informação ao
mercado com a divulgação de fatos relevantes, e a responsabilidade dos
administradores, objetivam fornecer aos investidores igualdade no acesso às
informações que podem definir os movimentos do comércio de valores mobiliários.
Possibilitar a igualdade de acesso às informações de uma companhia, por
meio da ampla publicidade ao mercado, é um meio para prevenir e reprimir a prática
do crime denominado insider trading no mercado de capitais.
Por esta razão é que se estipulou a obrigatoriedade da imediata
divulgação ao mercado das informações consideradas relevantes, desde que sejam
favoráveis ao interesse da companhia.
Conforme analisado, somente informações que, se divulgadas, podem
colocar em risco a atividade social da companhia é que podem ser mantidas em
sigilo, com vistas à proteção do interesse social da companhia.
86
Até o ano de 1976, quando houve a edição da atual Lei das Sociedades
Anônimas, a regulação do mercado de capitais era feita pelo Decreto-lei 2.627/40.
Em 1965 foi editada a Lei nº. 4.728/65, denominada de Lei do Mercado de Capitais –
LMC.
Foi apenas com a edição da LSA, no ano de 1976, posteriormente
alterada pela Lei nº. 10.303/2001, que a prática do insider trading passou a ser
regulada da maneira taxativa, de forma preventiva e repressiva. Entretanto, a
regulação pormenorizada ainda deveria ser feita pelo órgão regulador do mercado
de capitais, a saber, a CVM.
Neste sentido, no ano de 2002, houve a edição da já comentada ICVM nº.
358/02, que prevê, em seu artigo 6º, a possibilidade da não divulgação de fatos
relevantes que o administrador entender que, se divulgados, podem colocar em risco
o legítimo interesse da companhia.
Este próprio artigo, em seu parágrafo único, prevê que, caso a informação
fuja do controle do administrador e provoque uma movimentação atípica de seus
valores mobiliários no mercado de capitais, o administrador é obrigado a divulgá-la,
ainda que de forma contrária ao interesse legítimo da companhia.
Observa-se que a intenção do legislador é evitar o desequilíbrio de
informações ao mercado, como forma de proteção aos investidores e ao sistema
mercadológico como um todo, visando a manutenção da confiança dos investidores
no mercado de capitais.
Sobre o bem a ser protegido pelas normas societárias que prevêem esta
prática delituosa e a intenção do legislador, Nelson Eizirik e demais autores da obra
Mercado de Capitais – Regime Jurídico expõem:
O bem juridicamente protegido pelas normas societárias e penais que
sancionam o insider trading é o da estabilidade e eficiência do mercado de
capitais, tutelando o princípio da transparência de informações, essencial ao
desenvolvimento regular do mercado. Também pode ser considerado como
bem jurídico objeto da tutela a proteção da confiança e do patrimônio dos
87
investidores que aplicam seus recursos no mercado de capitais.
É possível perceber que, enquanto não há a divulgação do fato
considerado relevante, pela própria discricionariedade trazida pelo artigo 6º, da
87
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011, p. 557.
87
ICVM nº. 358/02, algumas pessoas terão, em seu poder, informações privilegiadas,
o que é comum no cotidiano das companhias.
Paralelamente, os fatos relevantes que ainda não foram divulgados ao
mercado, caso sejam utilizados por aqueles que têm acesso às informações para
obtenção de vantagem própria ou de terceiros, são classificados como insider
trading.
O Insider trading é a prática de utilização de informação privilegiada,
ainda não divulgada ao mercado, de que se tenha conhecimento e da qual deva
manter sigilo, para favorecer a si próprio ou a terceiros, mediante obtenção de
vantagem indevida com a negociação de valores mobiliários no mercado de capitais.
Ensina José Marcelo Martins Proença:
O vigoroso e rápido crescimento das empresas modernas provocou a
fragmentação de sua propriedade, transferida aos denominados
investidores, cujos direitos, mostrou-se patente, carecem de proteção,
instaurando-se, ato contínuo, a preocupação com o uso desleal de
informações privilegiadas por parte dos administradores, ditos profissionais,
88
reais titulares do controle das organizações empresariais.
Conforme trecho acima, a descentralização do poder de comando e
administração nas empresas possibilita a diferentes pessoas, com diferentes
funções, o acesso às informações consideradas sigilosas para o desenvolvimento
econômico e comercial da companhia.
As informações sigilosas sobre o desenvolvimento do objeto social da
companhia podem ser utilizadas para obtenção de vantagens ilícitas e benefícios
econômicos no mercado de capitais.
O benefício econômico pode ser a obtenção de lucro ou o afastamento de
eventual prejuízo.
O legislador, com a edição da Lei 6.385/76, mais precisamente em seu
artigo 4ª, inciso IV, alínea c, atribuiu à CVM a obrigatoriedade de proteção dos
investidores e dos titulares de valores mobiliários contra a prática do insider trading,
e consagra, em seu inciso VI, o princípio do full disclosure, assegurando o acesso do
mercado às informações das companhias como se observa:
88
PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider Trading – Regime jurídico do uso de informações
privilegiadas no mercado de capitais, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. p. 122.
88
Art . 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores
Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:
(...)
IV - proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado
contra:
(...)
c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores
mobiliários.
(...)
VI - assegurar o acesso do público a informações sobre os valores
mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido
Com esta previsão o legislador reforça a função de supervisão, regulação
e proteção do mercado que compete à CVM, inclusive contra a prática do insider
trading e a atuação dos chamados insiders.
Tal prática é considerada crime pela legislação brasileira, conforme artigo
27-D, incluído na Lei nº. 6.385/76 pela Lei nº. 10.303/01, sob o título de “uso
indevido de informação privilegiada”:
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de
que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar,
para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome
próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o
montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
A inclusão do artigo 27-D, transcrito acima, pela lei nº. 10.303, no ano de
2001, foi o marco temporal na criminalização da prática do insider trading.
A partir da inclusão do referido texto normativo, os administradores
tiveram a adição da responsabilidade no âmbito criminal, além do civil e
administrativo, pelas suas atitudes e condução administrativa frente à companhia.
As medidas jurídicas de combate à prática do insider trading assumem
características preventivas ou repressivas.
As normas de características preventivas são as normas direcionadas à
transparência e divulgação de informações, tanto sobre a companhia, quanto sobre
os valores mobiliários negociados pelos administradores, sempre visando a simetria
de informações ao mercado e seus integrantes.
Já as normas de caráter repressivo são aquelas que proíbem a prática do
insider trading, impondo aos insiders consequências civis, administrativas e
criminais.
89
No âmbito civil, conforme já comentado, os administradores enfrentam
ações de responsabilidade civil, com o consequente dever de indenizar os eventuais
prejudicados pela prática do insider trading.
Já no âmbito administrativo, a CVM possui legitimidade, conforme
previsões do artigo 9º, da lei nº. 6.385/76, para investigar, instaurando inquéritos
administrativos, com o objetivo de apurar atos ilegais e condutas que firam o
princípio da equidade, conforme segue:
o
Art 9º. A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2 do
art. 15, poderá:
I - examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos,
inclusive programas eletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de
qualquer outra natureza, bem como papéis de trabalho de auditores
independentes, devendo tais documentos ser mantidos em perfeita ordem e
estado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos:
a) as pessoas naturais e jurídicas que integram o sistema de distribuição de
valores mobiliários (Art. 15);
b) das companhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e,
quando houver suspeita fundada de atos ilegais, das respectivas
sociedades controladoras, controladas, coligadas e sociedades sob controle
comum;
c) dos fundos e sociedades de investimento;
d) das carteiras e depósitos de valores mobiliários (Arts. 23 e 24);
e) dos auditores independentes;
f) dos consultores e analistas de valores mobiliários;
g) de outras pessoas quaisquer, naturais ou jurídicas, quando da ocorrência
de qualquer irregularidade a ser apurada nos termos do inciso V deste
artigo, para efeito de verificação de ocorrência de atos ilegais ou práticas
não equitativas;
II - intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou
esclarecimentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação das
penalidades previstas no art. 11;
III - requisitar informações de qualquer órgão público, autarquia ou empresa
pública;
IV - determinar às companhias abertas que republiquem, com correções ou
aditamentos, demonstrações financeiras, relatórios ou informações
divulgadas;
V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não
eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de
companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do
mercado;
VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as
penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou
penal.
o
§ 1 Com o fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a
Comissão poderá:
90
I - suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o
recesso de bolsa de valores;
Il - suspender ou cancelar os registros de que trata esta Lei;
III - divulgar informações ou recomendações com o fim de esclarecer ou
orientar os participantes do mercado;
IV - proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática
de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular.
o
§ 2 O processo, nos casos do inciso V deste artigo, poderá ser precedido
de etapa investigativa, em que será assegurado o sigilo necessário à
elucidação dos fatos ou exigido pelo interesse público, e observará o
procedimento fixado pela Comissão.
o
§ 3 Quando o interesse público exigir, a Comissão poderá divulgar a
o
instauração do procedimento investigativo a que se refere o § 2 .
o
§ 4 Na apuração de infrações da legislação do mercado de valores
mobiliários, a Comissão deverá dar prioridade às infrações de natureza
grave, cuja apenação proporcione maior efeito educativo e preventivo para
os participantes do mercado.
o
§ 5 As sessões de julgamento do Colegiado, no processo administrativo
de que trata o inciso V deste artigo, serão públicas, podendo ser restringido
o acesso de terceiros em função do interesse público envolvido.
o
§ 6 A Comissão será competente para apurar e punir condutas
fraudulentas no mercado de valores mobiliários sempre que:
I - seus efeitos ocasionem danos a pessoas residentes no território nacional,
independentemente do local em que tenham ocorrido; e
II - os atos ou omissões relevantes tenham sido praticados em território
nacional.
Pelo artigo acima transcrito, observa-se que à CVM foram concedidos
amplos poderes investigativos para apuração de quaisquer condutas que possam
representar infrações às normas que regulam o mercado de capitais.
Feitas
as
investigações
necessárias,
caso
reste
comprovado
o
envolvimento do administrador com a prática do insider trading, a CVM tem a
legitimidade de imposição de sanções administrativas.
5.2.1. Sanções aplicáveis no direito brasileiro
As sanções que podem ser impostas aos administradores, previstas no
artigo 11 da ICVM nº. 358/02, variam de acordo com a gravidade do ato, com suas
consequências e com os antecedentes do próprio administrador.
As sanções previstas pelo referido artigo são:
(i)
advertência;
91
(ii)
multa;
(iii)
suspensão do exercício do cargo de administrador ou de
conselheiro fiscal;
(iv)
inabilitação temporária, até o máximo de vinte anos, para o
exercício dos cargos de administrador ou conselheiro fiscal;
(v)
suspensão da autorização ou registro para o exercício das
atividades no mercado de capitais;
(vi)
cassação de autorização ou registro, para o exercício das
atividades no mercado de capitais;
(vii)
proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar
determinadas atividades ou operações, para os integrantes do
sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de
autorização ou registro na CVM;
(viii) proibição temporária, até o máximo de dez anos, de atuar, direta
ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no
mercado de valores mobiliários.
Como forma de comparação à legislação nacional e enriquecimento de
definições e previsões legais, de grande valia a análise dos aspectos do instituto
jurídico do insider trading em outros países, com destaque ao direito norteamericano, precursor na previsão desta prática delituosa.
5.3. O Insider trading no direito comparado
As legislações que regulamentam a prática do insider trading no mercado
de capitais, em sua maioria, são relativamente recentes, criadas, na maioria dos
casos, nas décadas de 80 ou 90, conforme estudo realizado por Laura Nyantung
Benny, sendo que a média se queda em 199089.
89
BENNY, Laura Nyantung. University of Michigan Law School. The political economy of insider
trading legislation and enforcement: Law vs. Politics? International evidence. Social Science Research
Network Electronic Library. Disponível em <http://ssrn.com/abstracts=304383>. Acessado em
29/05/2013.
92
Conforme o mesmo estudo, a primeira legislação criada com a previsão
da prática e repressão ao insider trading foi a norte-americana, no ano de 1934,
embora sua primeira aplicação prática tenha sido somente no ano de 1961.
Outra constatação relevante, no referido estudo, é que diversos países
com mercados de capitais chamados de emergentes por Laura Nyantung Benny,
sequer possuem legislação que preveja e combata a prática de insider trading,
enquanto outros, que possuem a legislação, nunca a aplicaram em um caso
concreto.
O primeiro país europeu a editar legislação de combate à prática do
insider trading foi a França, no ano de 1967.
Conclui-se que a legislação norte-americana foi a precursora do combate
à prática do insider trading, sendo utilizada como modelo pelos demais países.
Por esta razão é que a Securities and Exchange Commission (SEC),
órgão responsável pela regulamentação do mercado de capitais norte-americano,
equivalente à CVM brasileira, é uma referência jurisprudencial para os julgamentos
dos casos práticos em nosso país, sendo que seus julgados, por muitas vezes, são
mencionados pelos julgadores da CVM e servem como embasamento.
Considerando as características da legislação norte-americana, que é a
principal e mais antiga do mundo a tratar sobre o assunto, há de ser analisada
pormenorizadamente.
5.3.1. Legislação norte-americana
A lei reguladora do mercado de capitais norte-americano, denominada
Securities Act, de 1934, tinha o objetivo de proporcionar aos investidores norteamericanos igualdade àqueles que detinham as informações sobre as companhias
com seus valores mobiliários negociados no mercado.
Nesse contexto, foram previstas as práticas de insider trading, conforme
exposto por José Marcelo Martins Proença:
De fato, existem dois dispositivos essenciais na legislação de mercado
norte-americana: a Seção 16 (b) da Securities Act de 1934, que fixa,
basicamente, a responsabilidade do insider para com a própria companhia,
93
e a Regra 10 b-5, baixada pela SEC em 1942, que cuida da
responsabilidade do insider, desta feita para com qualquer particular lesado
pela utilização abusiva de informações sigilosas. Tais disposições, é
verdade, consubstanciam-se no instrumento que complementa, por
excelência, o arsenal legislativo norte-americano dirigido contra a conduta
90
de insider trading.
Observa-se que a regra instituída pela legislação norte-americana, de
1934, dependia de regulamentação para ser exequível, o que ocorreu somente 08
anos após, em 1942.
A seção 16 da Securities Act, de 1934, aborda a obrigatoriedade da
divulgação de informações ao mercado e reprime a utilização abusiva e desleal
desta informação.
A legislação foi criticada pelos operadores e estudiosos, pois não previa o
insider trading chamado de secundário, ou seja, aquele que recebe informação dos
que estão de dentro da companhia e opera no mercado obtendo vantagem ilícita,
bem como não previa a possibilidade de a SEC impor as penalidades, somente a
própria companhia ou seus acionistas é que poderiam impor as penalidades ao
infrator.
Essas condições limitavam a eficácia da legislação norte-americana, pois
não tinham o efeito de reprimir de forma veemente a prática, apenas um efeito
preventivo e, ainda assim, limitado.
No
entanto,
como
característica
do
direito
norte-americano,
a
jurisprudência atua de maneira a suprimir as lacunas da lei, o que resultou na
ampliação da eficácia das previsões normativas.
Como um exemplo disso, José Marcelo Martins Proença, ao analisar o
sistema norte-americano de combate à prática do insider trading, expõe:
A generosa construção jurisprudencial, entretanto, vem alargando
sobremaneira o raio de alcance do comando em apreço. Na determinação
do lucro auferido nas short trade transactions, a jurisprudência procura um
método que maximize, tanto quanto possível, o montante a ser revertido em
benefício da sociedade, a ponto de, com frequência, imprimir nas decisões
um caráter quase punitivo.
Para tanto, as Cortes Norte-Americanas têm declarado que o propósito do
legislador era o de vedar todo e qualquer lucro realizado no período
91
suspeito, e não somente compensar eventuais prejuízos.
90
PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider Trading – Regime jurídico do uso de informações
privilegiadas no mercado de capitais, São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. p. 214.
91
Ibid. p.219.
94
Esta busca jurisprudencial pelo preenchimento das limitações legislativas
deu ensejo à regra 10 B-5, editada no ano de 1942, que prevê a proibição de
qualquer negociação na qual uma das partes seja carecedora de informações que
estão em poder da outra parte. Ou seja, não há mais a limitação às negociações
feitas pelos administradores, mas são incluídas, também, operações formuladas por
terceiros ligados aos administradores, podendo estes terem acesso às informações
pela simples proximidade com a companhia.
José Marcelo Martins Proença, em sua obra, disponibiliza uma tradução
da regra 10 B-5, ou Rule 10 B-5:
A toda pessoa que se utiliza dos meios e instrumentos do comércio
estadual, do correio ou dos serviços das bolsas nacionais de valores, é
vedado:
1)
empregar qualquer manobra, esquema ou artifício fraudulentos;
2)
fazer declarações inexatas sobre fatos importantes ou deixar de
revelá-los, quando esses fatos forem reputados necessários para evitar que
as declarações, à luz das circunstâncias em que foram feitas, não sejam
enganadoras; ou
3)
comprometer-se em ato, prática ou negociação que representa ou
92
representaria uma fraude ou burla em relação a qualquer pessoa.
Esta regra, acima transcrita, ocupa a posição principal como principal
norma no combate e repressão à prática do insider trading nos Estados Unidos,
sendo amplamente utilizada pela SEC em seus julgamentos, sem as limitações
contidas no texto anterior.
O primeiro caso de projeção desta regra criada pela SEC foi Cady,
Roberts & Company, no qual foi determinada a inclusão de terceiros vinculados aos
administradores na prática do insider trading. Neste caso o sócio de uma corretora
vendeu ações de sua propriedade e de sua esposa, após saber, do diretor de uma
das empresas da qual ele era gestor, que haveria redução nos dividendos pagos
pela companhia. A notícia seria divulgada somente alguns dias depois93.
Por este caso, qualquer pessoa vinculada à companhia, ainda que não
como empregado, mas que possuísse acesso à informações privilegiadas, poderia
ser incluído como praticante de insider trading.
Nos julgamentos realizados pela SEC, conceitos são criados, limites são
impostos e formas de transações são proibidas no combate ao insider trader.
92
Ibid. p. 221.
Disponível em: <http://insidertrading.procon.org/sourcefiles/CadyRobertsCo.pdf>. Acesso em: 30
mai. 2013.
93
95
Exemplos são os conceitos daqueles que possuem mais de 10% das
ações de uma companhia que, de acordo com o Release da SEC nº. 34-7193, de
1963, prevê que o cômputo da porcentagem das ações deve ser feita em conjunto
com todos os que vivem na mesma residência94.
Classificado como caso emblemático para a definição de insider trading e
insider traders, está o caso SEC vs. Texas Gulf Sulphur Company, no qual a
companhia descobriu, em novembro de 1963, em um território no Canadá, uma
reserva extremamente rica de minérios. Não houve comunicação do fato ao
mercado, ao contrário, a empresa divulgou no local das escavações que o resultado
havia sido negativo. Pessoas vinculadas à empresa iniciaram, então, a aquisição de
áreas nas quais as reservas estavam e adquirir ações da companhia, que eram
cotadas ao valor de US$ 18,0095.
Finalizada a compra das terras, a empresa retomou as perfurações,
permanecendo o movimento de compra de ações da companhia, já por pessoas
ligadas àqueles que possuíam acesso às informações.
Em abril de 1964, a companhia comunicou ao mercado que os resultados
ainda não comprovavam a existência do minério. Pouco depois, ainda no mês de
abril, apenas alguns dias depois, a companhia comunica ao mercado que a
descoberta era extremamente valiosa e que os minérios existiam em abundância,
sendo que as ações atingiram o valor de US$ 68,00 no mês de maio e mais de US$
100,00 no ano de 1966.
Foi ajuizada ação contra a empresa e seus diretores, com base na regra
10 B-5, pleiteando a reposição das ações adquiridas pelos insiders, a reposição das
perdas àqueles que venderam os valores mobiliários aos insiders e a declaração de
nulidade das negociações.
O caso foi julgado com a publicação da decisão somente em 13 de agosto
de 1968, que condenou a empresa e seus diretores pela prática de insider trading e
pela divulgação de informação falsa, ficando definido, ainda, que a material
94
Disponível em: <http://www.sec.gov/>. Acesso em: 30 mai. 2013.
Disponível em: <http://www.casebriefs.com/blog/law/corporations/corporations-keyed-to-klein/theduties-of-officers-directors-and-other-insiders/securities-and-exchange-commission-v-texas-gulfsulphur-co/> e <http://www.sechistorical.org/museum/galleries/it/takeCommand_c.php>. Acessos em:
30 mai. 2013.
95
96
information, que deveria ser obrigatoriamente divulgada ao mercado, seria aquela
que poderia influenciar o investidor em manter suas ações, comprá-las ou vendê-las.
Ou seja, a definição de material information visava proporcionar simetria
de informações a todos os investidores, pois deveriam ser divulgadas ao mercado
pela companhia, o que é conhecido como fato relevante no Brasil.
A SEC criou, ainda, a regra 14 E-3, no ano de 1982, decorrente do caso
Chiarella, que regulou o insider trading por oportunidade da alteração no controle de
uma companhia. Dispõe sobre a ilegalidade de transmitir informações sobre a
alteração do controle de uma companhia e, consequentemente, sobre uma oferta
pública de ações que ainda não tenha sido divulgada, independente daqueles que
receberam as informações negociarem ou não ações96.
Isso concede característica absoluta à regra que independe da
negociação, bastando a ocorrência da comunicação de informação privilegiada
antes de sua divulgação ao mercado.
Já no ano de 1984, foi sancionada a Insider Trading Sanctions Act, ITSA,
que prevê a instituição de multa de até três vezes a soma do benefício econômico
trazido pela negociação de valores mobiliários com base em informações
privilegiadas. Por benefício econômico, entende-se o lucro auferido ou o prejuízo
evitado97.
Posteriormente, já no ano de 1988, houve a edição do Insider Trading and
Securities Fraud Enforcement Act, ITSFEA, também prevendo regulamentações ao
insider trading e outras modalidades de fraudes, prevendo multas ainda mais altas
para pessoas físicas ou jurídicas praticantes de insider trading.
No ano de 2000, a SEC editou as regras 10 B5-1 e 10 B5-2, além de criar
o Regulamento Fair Disclosure (Regulamento FD), que consistia em novas normas
que pautavam a divulgação de informações ao mercado em geral ao mesmo tempo
da divulgação de informações a investidores institucionais e analistas.
Por fim, no ano de 2002, após alguns escândalos de fraudes corporativas
que abalaram o mercado norte-americano, foi criada a Lei Sarbanes-Oxley, que
96
97
Disponível em: < http://www.sec.gov/rules/interp/34-43069.htm>. Acesso em: 30 mai. 2013.
Disponível em: < http://www.law.cornell.edu/wex/insider_trading>. Acesso em: 30 mai. 2013.
97
instituiu as regras atuais que regulamentam os mercados de capitais do mundo,
inclusive o brasileiro, pautada pelas regras da governança corporativa.
Uma das principais características é a exigência da instituição de auditoria
independente que tenha a função de supervisionar a contabilidade e as auditorias
contábeis formuladas nas companhias, dando maior transparência e tornando a
contabilidade
mais
fundamentada,
prevenindo
manobras
contábeis
que
superestimam ativos financeiros, mostrando resultados inverídicos de companhias.
A Sarbanes-Oxley impôs maiores responsabilidades e deveres aos
administradores de companhias pela divulgação de fatos que pudessem alterar o
ânimo dos investidores, bem como enrijeceu as penas por fraudes corporativas.
Merece destaque, como exemplo recente de condenação pela prática de
insider trading no mundo, o caso do ex-sócio sênior da grande e conceituada
consultoria empresarial KPMG.
O ex-sócio foi condenado pela prática de insider trading pelo governo
norte-americano com base em 14 casos diferentes, nos quais ele fornecia
informações não divulgadas ao mercado de seus clientes, incluindo a divulgação do
resultado financeiro da empresa norte-americana Herbalife, anunciado em maio de
2011 e da United Rentals em dezembro de 201198.
O executivo poderá ser condenado ao máximo de 20 anos de prisão e
cinco milhões de dólares de multa.
5.3.2. Legislação Européia
Dentro do continente europeu, as legislações concernentes ao direito
societário-empresarial se modernizaram a partir da instituição da União Européia
(UE), pois foram criadas normas de caráter supranacionais, com aplicabilidade em
todo o território.
Conforme exposto, o primeiro país a criar legislação de proteção
societária, com a abordagem do insider trading, foi a França em 1967.
98
Ex-KPMG Senior Partner To Plead Guilty To Insider Trading. BBC News, 2013. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/news/business-22698387> Acesso em: 29 mai. 2013.
98
No ano de 1977, foi editado o Código Europeu de Boa Conduta, que
regulamentava as transações do mercado de valores mobiliários, porém, sem
qualquer previsão expressa de prevenção ou repressão à prática do insider trading.
Somente no ano de 1989 é que foi criada a Counsil Directive CEE nº.
89/592, que abordava o assunto da prática do insider trading, com definição de
informação privilegiada classificando quem seriam os insiders. A Diretiva atribuiu a
cada um dos estados membros a competência para fiscalizar seu cumprimento,
devendo cada um designar autoridades competentes99.
Juntamente com a Counsil Directive CEE nº. 79/279, na qual foi prevista a
necessidade de divulgação de quaisquer fatos que, dada sua natureza, pudesse
interferir na situação econômica, patrimonial ou financeira da companhia,
possibilitando, assim, ao acionista a decisão em manter, comprar ou vender ativos
daquela determinada companhia. Trata-se do princípio do full disclosure100.
A referida diretiva da União Européia segue a tendência mundial da
penalização da prática de insider trading, visando a prevenção e repressão à prática,
inclusive com a imposição de penalidades.
A França, sendo o primeiro país da Europa a adotar a legislação de
proteção ao mercado de capitais (1967), pautando a comercialização de valores
mobiliários, foi a primeira a qualificar o insider trading como prática ilícita.
No ano de 1967 foi criada a Comissión des Opérations de Bourse (COB),
que possuía a incumbência de fiscalizar a divulgação de informações sobre os
investidores, as companhias emitentes e os valores mobiliários em si.
A Ordenação nº. 833 foi a norma reguladora da divulgação de
informações e da prática de insider trading do mercado de capitais francês.
Posteriormente, em 1970, houve a edição da Lei 70-1280 que abrangeu os
administradores, diretores, outros funcionários e pessoas a estes ligadas que
pudessem ter acesso às informações privilegiadas para qualificá-los como possíveis
praticantes de insider trading.
99
Disponível em: < http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31989L0592:EN:HTML>. Acesso em: 30 mai.
2013.
100
Disponível em: <http://www.esma.europa.eu/system/files/Dir_79_279.PDF>. Acesso em: 30 mai.
2013.
99
Ao longo dos anos as alterações legislativas francesas foram formuladas
no intuito somente de agravar penas e abranger praticantes ao delito. Portanto,
verifica-se que a Counsil Directive CEE nº. 89/592 não influenciou significativamente
a legislação francesa, que já possuía um conjunto normativo satisfatório ao combate
do insider trading.
O mercado português, por outro lado, possui uma regulamentação ao
mercado de capitais, especificamente a repressão à prática de insider trading, mais
recente.
O Decreto Lei nº. 486/99, chamado de Código dos Valores Mobiliários,
que regulamenta todas as operações do mercado português, prevê, em seu artigo
378, a previsão da prática de insider trading, qualificado como crime contra o
mercado de abuso de informações, que dispensa traduções:
1 - Quem disponha de informação privilegiada:
a) Devido à sua qualidade de titular de um órgão de administração ou de
fiscalização de um emitente ou de titular de uma participação no respectivo
capital; ou
b) Em razão do trabalho ou do serviço que preste, com carácter permanente
ou ocasional, a um emitente ou a outra entidade; ou
c) Em virtude de profissão ou função pública que exerça; ou
d) Que, por qualquer forma, tenha sido obtida através de um facto ilícito ou
que suponha a prática de um facto ilícito; e a transmita a alguém fora do
âmbito normal das suas funções ou, com base nessa informação, negoceie
ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou outros
instrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou
troca, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, é punido com pena
101
de prisão até 5 anos ou com pena de multa.
Observa-se que a punição é alternativa de cinco anos de prisão ou multa,
ao contrário do Brasil, onde se cumulam as penas de reclusão e multa.
Além da previsão da prática, o código, no mesmo artigo, define a
informação privilegiada como qualquer fato não divulgado que possa influenciar na
negociação dos valores mobiliários da companhia, que tem potencial para alterar o
comportamento do acionista em manter, comprar ou vender o valor mobiliário.
O código abrange, ainda, outras pessoas que não mencionadas, mas que
tenham acesso à informação, como possíveis insiders.
A Itália não possuía qualquer legislação de prevenção à prática do insider
trading à época da edição da Counsil Directive CEE nº. 89/592. Até que, no ano de
101
Disponível em: < http://www.igf.minfinancas.pt/inflegal/bd_igf/bd_legis_geral/leg_geral_docs/DL_486_99_COD_VALORES_MOBILIARIO
S.htm>. Acesso em: 30 mai. 2013
100
1991, houve a edição da Lei 157, com teor essencialmente penal, que prevê a
prática do insider trading.
No ano de 1998, o insider trading foi qualificado como crime financeiro na
Itália, sendo conceituado como abuso de informações privilegiadas e punido com
prisão de dois anos, além de multa.
Na Itália é considerado insider aquele que possui uma posição
privilegiada dentro da empresa, participando de seu capital ou exercendo funções
específicas que tenham contato direto com a informação.
Na Inglaterra, a lei que combate a prática do insider trading foi editada no
ano de 1980, denominada de Companies Act. A norma prevê a condenação pela
prática da conduta de insider trading pela manipulação de informação privilegiada,
considerada como crime102.
A conduta é punida com a pena de prisão e/ou multa. No entanto, a
conduta considerada criminosa é a utilização de informações privilegiadas somente
com o intuito de auferir benefícios econômicos, ou seja, realizar lucro ou evitar
prejuízos.
A legislação inglesa não prevê diferenciação entre insiders primários ou
insiders secundários. Não importa a maneira como tenham recebido a informação,
basta estar na posse de uma informação privilegiada e realizar comercialização de
valores mobiliários para a obtenção de vantagem financeira.
No ano de 1985, houve a publicação da Companies Securities Act, que
revogou a Companies Act de 1980 e passou a regulamentar o mercado acionário
inglês. Já no ano de 1986, houve a publicação da Financial Services Act,
responsável por regulamentar os investimentos financeiros.
Posteriormente, no ano de 1993 houve a edição da chamada “Changes to
the law on insider trading”, que substituiu o Companies Securities Act no tocante à
regulamentação da prática de insider trading, invertendo o ônus da prova da prática
do insider trading ao insider, ou seja, este deverá provar que não praticou o insider
trading, além de estender a qualificação de insiders à pessoas que não tenham,
102
Disponível em: < http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2006/46/pdfs/ukpga_20060046_en.pdf>.
Acesso em: 30 mai. 2013.
101
necessariamente, vinculação com a empresa, bem como incluiu novos valores
mobiliários suscetíveis à prática do insider trading.
Na Espanha, a lei regulamentadora do mercado de capitais era a lei nº. 24
de 1988, que criou a Comisión Nacional Del Mercado de Valores e estabeleceu as
condutas dos operadores do mercado de capitais espanhol, com a proibição da
utilização de informações privilegiadas, sob pena de imposição de penas
administrativas.
Posteriormente, em 1995, foi aprovado o Código Penal Espanhol, que
prevê, em seu artigo 285, o crime de abuso de informação privilegiada,
responsabilizando criminalmente aqueles que praticam o delito de insider trading,
entretanto com um limite mínimo de valor envolvido.
Portanto, verifica-se que, apesar da tentativa da União Européia instituir
uma regra comum aos países componentes, cada país possui uma conduta
específica na prevenção ou repressão da prática do insider trading. A punição em
alguns países se restringe às punições administrativas, em outros existe a
criminalização da prática, sendo que em alguns ainda existem restrições para a
criminalização.
Observa-se, ainda, que a tendência mundial é a repressão à prática do
insider trading, com o consenso de que é extremamente prejudicial ao mercado, ao
desenvolvimento econômico e das companhias que o compõe.
Cada vez mais os países se preocupam com a normatização da prática
em busca do equilíbrio e simetria de informações propagadas no mercado.
Independentemente da nação estudada, o sentimento majoritário é o da
necessidade de prevenção e repressão à prática do insider trading.
5.4. Definição de Insider Trader
Não há, no direito brasileiro, qualquer definição sobre quem seria o
insider, ou seja, quem pode ser punido pela prática do insider trading, também
conhecido como tippee. Entretanto, ao analisar a LSA e seus artigos que
102
determinam os deveres dos administradores e quem poderá ser equiparado aos
administradores, encontra-se uma definição implícita de insider.
No entanto, há necessidade de definição de quem são ou quem pode
figurar na posição de insider trader, ou seja, aquele que negocia em posse de
informações privilegiadas. Esta diferenciação se faz importante para pautar a
atuação investigativa da CVM e a imposição das penalidades possíveis já
estudadas.
A conduta classificada como insider trading, pelo seu próprio fundamento,
pode ser praticada por aqueles que possuem acesso à informação privilegiada com
a obrigatoriedade de guardar sigilo sobre ela até que seja feita sua divulgação ao
mercado.
Em artigo publicado, a advogada Norma Parente, enquanto compunha a
superintendência jurídica da CVM, no mês de junho do ano de 1978, trouxe a
definição de quem seria o insider, conforme se verifica a seguir:
Com efeito, do texto de tais dispositivos legais pode-se concluir, sem
qualquer dúvida, que o legislador brasileiro admitiu como "insider", nos
termos da definição doutrinária de início enunciada, as seguintes pessoas
que, em razão de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir
de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da
companhia:
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
(v)
(vi)
administradores – conselheiros e diretores da companhia (art. 145
da Lei nº 6.404/76);
membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia,
com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os
administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76);
membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76);
subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º do art. 155 da Lei
nº 6.404/76);
terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº
6.404/76) e
103
acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76).
Posteriormente, já no ano de 2001, o legislador, com a edição da Lei
10.303/01, estendeu o conceito do insider com a introdução do § 4º, no artigo 155 da
LSA, quando definiu que poderia ser qualificado como insider “qualquer pessoa que
a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para
outrem, no mercado de valores mobiliários”.
103
PARENTE, Norma Jonssen. Aspectos Jurídicos do Insider Trading. Disponível em
<http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/publ_600.asp>, acesso em 15/03/2013.
103
No mesmo sentido, a ICVM nº. 358/02, no artigo 13, § 2º, dilatou ainda
mais o conceito de insider, incluindo os administradores já afastados de seus
cargos, no período de seis meses após o afastamento, além de explicitar o
envolvimento dos que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a
companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários,
consultores e instituições integrantes do sistema de distribuição.
Logicamente, a expressão “qualquer pessoa”, utilizada pelo legislador,
precisa ser limitada dentre aquelas que efetivamente tenham acesso às informações
privilegiadas e não alguém que tenha conhecimento eventual de qualquer elemento
que possa ser relevante.
Neste sentido, Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto define:
Mas é indispensável para a configuração do ilícito que o insider tenha tido
acesso à informação privilegiada em razão de sua relação com a
companhia: “Seria interessante discutir se, com a reforma da lei, os terceiros
que têm acesso à informação continuaram, ou não, enquadrados no
conceito de tippee, ou insider de mercado. Nelson eizirik e Modesto
Carvalhosa concluem no sentido de que, com a nova regra, ‘será
considerada insider qualquer pessoa que, em decorrência do exercício de
funções na sociedade ou no mercado ou mesmo por circunstâncias
especiais de acesso à administração da companhia, venha a deter, antes
dos demais acionistas, investidores ou agentes operadores do mercado de
capitais, informações relevantes, relativas aos negócios e ao estado da
companhia.Há, no entanto, um limite para o termo ‘qualquer pessoa’
utilizado na norma em estudo. Com efeito deve haver um nexo profissional
entre o vazamento das informações e os terceiros, para que estes possam
ser considerados tippees. Assim, apenas aqueles que em virtude do
exercício de profissão tenham acesso a essas informações (advogados,
auditores, operadores de mercado, peritos, etc.) é que serão
104
responsabilizados pelo uso dessas informações’.
Verifica-se, portanto, que houve, ao longo do tempo, uma extensão da
definição do insider trader e de quem pode ser penalizado por tal prática delituosa.
Pela redação da ICVM nº. 358/02, verifica-se que não há necessidade
que o possuidor de informação privilegiada, ainda não divulgada, obtenha lucro com
a negociação do valor mobiliário.
Basta a comercialização do valor mobiliário combinada com a existência
de informação privilegiada para que haja o delito, pois a intenção de obter vantagem
com a negociação está implícita à negociação.
104
LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades Por Ações Anotada, 4ª Edição, Revista,
Atualizada e Ampliada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 461.
104
A negociação com utilização de informações privilegiadas, além de ser
qualificada como ilícito civil, administrativo e penal, prejudica o mercado como um
todo.
A assimetria de informações, conforme já visto, inibe a maior participação
de investidores e provoca a migração de empresas para outros mercados com maior
regulamentação e maior fiscalização para inibição da prática do insider trading.
Os órgãos reguladores devem atuar visando a proteção do mercado para
evitar a prática de insider trading e garantir a simetria de informações entre os
investidores.
Neste sentido, o posicionamento da CVM é uníssono, o que pode ser
observado do seguinte trecho extraído do julgamento proferido por Marcelo
Fernandez Trindade, ex-presidente da CVM, no caso investigativo para apuração da
utilização de informação privilegiada relacionada a divulgação de fato relevante da
COPEL – Companhia Paranaense de Energia:
A CVM tem a missão legal de proteger os titulares de valores mobiliários e
os investidores de mercado contra o uso de informação relevante não
divulgada no mercado (art. 4º, inc. IV, "c", Lei 6.385/76). Esta é uma de suas
responsabilidades mais fundamentais, porque é dela que dependerá o êxito
de suas outras atribuições legais, notadamente, a de promover a aplicação
da poupança dos investidores em valores mobiliários.
O mercado de capitais brasileiro só representará uma alternativa viável de
financiamento para as empresas brasileiras, dando, assim, sua parcela
fundamental de contribuição para o desenvolvimento do país, quando os
investidores que aqui aportarem seus recursos confiarem no funcionamento
adequado do mercado. Isso é algo que não depende apenas de política
econômica e incentivos fiscais, assuntos com os quais nos vemos às voltas
rotineiramente, mas, também, dos mercados serem ambientes confiáveis,
honestos, onde não se corram riscos diversos dos inerentes ao mercado e,
por isto, normalmente esperados.
O insider trading, a negociação com informação privilegiada, não disponível
aos demais agentes, inclui-se entre as mais graves infrações em mercado
de capitais exatamente porque o subverte naquilo que tem de mais
fundamental, que é a confiança nos agentes e nas informações disponíveis.
Dessa forma, por uma questão de proporcionalidade, tratando-se de
conduta das mais graves, é correto que sejam aplicadas punições graves,
como as multas pecuniárias máximas e a pena de suspensão da
105
autorização do exercício da função de administrador de carteira (...).
A CVM, em seus julgados administrativos sobre a matéria, notadamente o
processo administrativo sancionador CVM nº. 04/04, diferenciou aqueles que
recebem informações privilegiadas em decorrência de sua posição na companhia e
105
Processo Administrativo Sancionador CVM Nº 0018/2001. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/inqueritos/DetPasAndamento.asp?sg_uf=IA&Ano=2001&NumPr
oc=18> Acesso em: 28 mai. 2013.
105
aqueles que recebem informações privilegiadas destas pessoas que possuem
posições dentro da companhia, sem, necessariamente, ter ligação com a
companhia106.
Foram denominados, respectivamente, insiders primários e insiders
secundários.
Diferença fundamental que recai sobre as duas figuras de insiders acima
definidos, é que sobre os primários, existe a presunção iuris tantum de que eles
possuíam acesso à informação, enquanto sobre os secundários cabe à CVM a
comprovação de que tinham acesso às informações ainda não reveladas ao
mercado, conforme se extrai do seguinte trecho do julgado:
(...) 5. Em sentido semelhante ao da opinião dos eminentes juristas citados,
o Relatório da IOSCO (Organização Mundial das Comissões de Valores)
divulgado em março de 2003 sobre a regulação internacional do Insider
Trading esclarece que a definição de insider tem mesmo sido expandida
para incluir na categoria de insider primário — isto é, aquele que tem
acesso à informação diretamente da companhia — os terceiros que prestam
serviços à empresa, como os advogados.
6. Tradicionalmente se faz a distinção entre o insider primário, administrador
da companhia ou terceiro com acesso direto às informações da companhia,
sobre os quais recai a presunção iuris tantum de que detinham a
informação, e o terceiro que negocia de posse da informação privilegiada
mas não é insider, e em relação ao qual é preciso provar o conhecimento
107
dos fatos não relevados ao mercado.
Deve, ainda, ser esclarecido que, não obstante a pessoa tenha vínculo
com a companhia, ela poderá negociar valores mobiliários no mercado, desde que
de forma legítima, sem que a negociação seja contaminada por informações
privilegiadas.
5.5. Exceção à regra
O conjunto normativo da CVM, que regulamenta a negociação de valores
mobiliários, prevê, ainda, no artigo 13, §§ 6º e 7º, da ICVM nº. 358/02, a exceção à
regra, permitindo a negociação de valores mobiliários em posse de informações
privilegiadas.
106
Processo Administrativo Sancionador nº. 04/04. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/> Acesso
em: 28 mai. 2013.
107
Ibid. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/>. Acesso em: 28 mai. 2013.
106
Art. 13 - Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido
nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores
mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria
companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos,
diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de
quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por
disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo,
função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas
ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato
relevante.
(...)
§ 6º A vedação prevista no "caput" não se aplica à aquisição de ações que
se encontrem em tesouraria, através de negociação privada, decorrente do
exercício de opção de compra de acordo com plano de outorga de opção de
compra de ações aprovado em assembléia geral.
§ 7º As vedações previstas no "caput" e nos §§ 1º a 3º não se aplicam às
negociações realizadas pela própria companhia aberta, pelos acionistas
controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de
administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, de acordo com
política de negociação aprovada nos termos do art. 15.
Em resumo, as exceções legais são:
(i)
o exercício de opção de compra, de acordo com plano de
outorga aprovado em assembléia geral;
(ii)
as negociações realizadas de acordo com política de
negociação previamente aprovada e tornada pública.
Observa-se que, a política de negociação será previamente aprovada
pela companhia que será responsável por torná-la pública, obedecendo ao princípio
do disclosure, informando previamente ao mercado a conduta e, portanto,
possibilitando a terceiros a simetria de informações.
Todas as regulamentações editadas e fiscalizadas pela CVM possuem
como objetivo comum a orientação ao mercado, objetivando torná-lo, cada vez mais,
justo, eficiente e transparente.
Inclusive, a Portaria do Ministério da Fazenda nº. 327, de 11 de julho de
1977, que instituiu o Regimento Interno da CVM, prevê, em seu artigo 3º, inciso VI,
que a CVM tem como finalidade a garantia do acesso do público a informações
sobre os valores mobiliários negociados e às companhias que os tenham emitido.
Com esta base, surge discussão importante, que remete a fundamentos
essenciais da economia, que é a necessidade da intervenção estatal na regulação
do mercado.
107
5.6. Mecanismos de prova do insider trading
Existe larga discussão doutrinária sobre a dificuldade de se provar a
prática do insider trading.
Logicamente, a prova da prática deverá decorrer de um processo
administrativo ou judicial de investigação, pelo qual se faculta ao acusado o
contraditório e a ampla defesa, conforme constitucionalmente assegurado a
qualquer cidadão brasileiro.
Nos procedimentos investigatórios é difícil a comprovação cabal da
prática do insider trading, o que se observa na grande maioria dos casos é a
presença de indícios suficientes para que seja formado o convencimento sobre tal
prática.
Analisando o tema, Norma Jonssen Parente expõe:
No "insider trading", onde se verifica uma omissão dolosa, o convencimento
do juiz, na maior parte das vezes, será feito com base em indícios, que
terão como conseqüência presunções, ou talvez até mesmo através de
normas da experiência comum, subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece (prova baseada na experiência – denominada
108
prova "prima facie").
A prova do insider trading pode, efetivamente, ocorrer por meio de
indícios, desde que sejam suficientemente claros para demonstrar a ocorrência da
infração. Mas, a punição baseada apenas em indícios só pode existir se não houver
qualquer fato que coloque em dúvida a prática da infração.
Em relação aos indícios para comprovarem a prática do insider trading,
Nelson Eizirik expõe:
Os indícios, que constituem modalidade de prova indireta, devem ser
apreciados com muita cautela pela autoridade julgadora, posto que as
decisões que não resultam de provas diretas são normalmente fontes de
inúmeros equívocos. A prova indiciária somente é suficiente para permitir a
condenação do acusado quando existente uma cadeia de indícios que
relacione a atuação do acusado à infração supostamente praticada e
quando não existam contra-indícios que lancem dúvidas sobre a efetiva
109
responsabilidade do indiciado.
108
PARENTE, Norma Jonssen. Aspectos Jurídicos do Insider Trading. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/publ_600.asp>. Acesso em: 15 mar. 2013.
109
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011, p. 320.
108
Ressalta-se que a prova por indícios é valida até mesmo para a
comprovação do ilícito penal, não se limitando à responsabilidade civil e/ou
administrativa. Apesar de ser prova indireta, o indício não possui menor importância
que os demais tipos de prova, ademais, tem-se que muitas vezes a prova do insider
trading é muito difícil, senão impossível, de ser produzida.
Assim, caso existam indícios e presunções que levam à conclusão, ainda
que não definitiva, mas aparente, de que houve o ilícito, possibilita-se ao
administrador a comprovação de sua inocência, por meio da demonstração de
inexistência da prática delituosa.
Ressalta-se que os administradores possuem a presunção iuris tantum de
que conhecem o fato ainda não divulgado ao mercado e, portanto, meros indícios da
prática do delito de insider trading podem levar a uma condenação.
Já com insiders-secundários, deve haver a comprovação da prática, pois
a estes não se aplica a presunção iuris tantum, conforme já visto.
Portanto, verifica-se a possibilidade de condenação de administradores pela prática
de insider trading com a existência somente de indícios, desde que não existam
quaisquer outras condições que coloquem em dúvida tal ocorrência.
5.7. Insider trading e a obrigatoriedade de divulgação de fatos relevantes
A Instrução Normativa da CMV nº. 358/02, prevê, conforme já
demonstrado, em seu artigo 6º, seguindo orientação do artigo 157 das LSA, a
possibilidade de o administrador se recusar a divulgar um fato relevante caso ele
considere que a referida divulgação coloca em risco o legítimo interesse da
companhia.
A despeito desse direcionamento, o parágrafo único do artigo 6º, da ICVM
nº. 358/02, prevê que, caso haja o vazamento da informação ainda não divulgada ao
mercado, o administrador possui a obrigatoriedade de divulgar o fato imediatamente,
objetivando a equalização da disponibilidade de informações aos investidores.
Não só no caso de a informação escapar ao controle da companhia e de
seus administradores, mas, também, oscilações atípicas no preço dos valores
109
mobiliários ou na quantidade negociada dão ensejo à imediata divulgação dos fatos
que estavam sendo mantidos em sigilo pela companhia.
A Associação Brasileira de Companhias Abertas – ABRASCA – divulgou
seu código de conduta, direcionado a todas as empresas, visando o controle das
informações relevantes que devem ser mantidas em sigilo ou divulgadas ao
mercado, instruindo, inclusive, qual deve ser o comportamento dos administradores
em eventual vazamento de informação ao mercado ou oscilação atípica de seus
valores mobiliários110.
Neste caso, a imediatidade da divulgação da informação que vaza ao
mercado é de fundamental importância e relevância, pois se trata de dever legal do
administrador e, como consequência, caso desrespeitado, pode ensejar sua
responsabilização pessoal.
A posição da CVM é uníssona quanto à punição dos administradores que
não cumprem a obrigatoriedade de imediata divulgação das informações quando
ocorre o vazamento ao mercado, conforme pode ser observado no Processo
Sancionador nº. RJ2007/6369111.
Neste processo, o presidente do Conselho de Administração e o diretor
de relações com investidores da companhia Plascar S/A foram punidos por uma
entrevista concedida ao Valor Econômico, em 11 de setembro de 2006, na qual os
administradores relatavam os planos de crescimento da companhia dos anos
subsequentes com a afirmação sobre aquisições estratégicas de novas empresas
que quadruplicariam o faturamento da companhia no prazo de dois anos.
As informações se referiam a aquisições dentro e fora do Brasil,
especificamente na America Latina.
As condenações impostas pela CVM foram:
A SEP apresenta Termo de Acusação às fls. 171 a 190, imputando ao DRI
da companhia, Sr. Gordiano Pessoa Filho, o descumprimento do § 4° do art.
1
157 da LSA combinado com o art. 3°, caput e § 3° da Instrução CVM n°
2
358/02 assim como dos incisos II e III do art. 8° da Instrução CVM
3
n°202/93 ; e ao Presidente e Diretor Presidente da companhia, Sr. André
4
Cambauva do Nascimento, infração ao art. 8° da Instrução CVM n°358/02 .
(...)
110
Disponível em: <http://www.codim.org.br/downloads/Manual_Abrasca.pdf>. Acesso em: 29 mai.
2013.
111
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
110
O art. 157, § 4° da Lei 6.404/76, em conjunto com a Instrução CVM N°
358/02, art. 3°, caput, e § 3° visam a assegurar a disponibilidade, em tempo
hábil, das informações necessárias e essenciais aos investidores pela
divulgação de ato ou fato relevante.
Dessa forma, ao veicular informações sobre expectativas de crescimento da
renda anual da companhia, além de frisar a aquisição de novas empresas,
infringem-se os citados artigos, uma vez que é certo que as informações de
que a Plascar estava "em plena fase de negociação para a aquisição de oito
empresas" e que "o faturamento da Plascar deverá passar de US$ 250
milhões para US$ 1 bilhão num prazo de dois anos" poderiam influenciar na
cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia e na decisão dos
investidores de comprar, vender ou manter os valores mobiliários em
questão. Tanto é que deveras influenciaram, já que foi constatada a
elevação da cotação das ações a partir do dia 11/09 (fls. 19).
É dever do DRI divulgar imediatamente qualquer ato, ou fato, relevante
ocorrido ou relacionado a seus negócios, que possa influir na decisão dos
investidores de mercado. Mesmo assim, o DRI se omitiu à referida
obrigação, ao estar presente durante a entrevista e não impedir a
divulgação do conteúdo da mesma, ou não proceder à divulgação do fato
112
relevante tão logo a entrevista tivesse acabado.
Evidente a necessidade da divulgação do fato relevante anteriormente à
entrevista concedida pelos administradores. Uma vez que ainda não havia sido
divulgado, os administradores deveriam ter se preocupado em divulgar o fato
imediatamente após a entrevista ter sido concedida.
Como não houve divulgação prévia, em desrespeito ao requisito da
imediatidade, os administradores foram devidamente autuados e condenados pela
CVM.
5.8. Outros casos concretos de prática de insider trading no Brasil
Caso emblemático no Brasil que pautou o comportamento jurisprudencial
dos tribunais em casos relacionados à prática de insider trading é o julgamento do
diretor-presidente do conselho de administração da companhia Servix Engenharia
S/A, que teve conhecimento sobre a anulação de processo concorrencial para obras
da hidroelétrica de Itaparica, nas quais a companhia tinha grande interesse.
Sem que divulgasse o fato da anulação, considerado relevante pelo
potencial de impacto no preço e no volume negocial dos valores mobiliários da
companhia, o administrador vendeu os valores mobiliários que possuía sob sua
titularidade.
112
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
111
Com esta atitude restou configurada a utilização desleal de informações
ainda não divulgadas ao mercado para se beneficiar, evitando eventuais prejuízos.
A ação, ajuizada no final da década de 70, teve como autores dois
compradores de lotes de ação da companhia no dia seguinte da concretização da
anulação do processo concorrencial ao qual a Servix seria participante, como a
favorita. No entanto, a notícia do cancelamento, apesar de conhecida pelos
administradores e conselheiros, não foi divulgada ao mercado.
Foram detectadas vendas de ações da companhia pela maioria de seus
administradores,
conselheiros
e
colaboradores
que
possuíam
acesso
às
informações privilegiadas.
Posteriormente, em julgamento de casos em âmbito administrativo,
alguns merecem destaques. Os processos sancionadores tramitados na CVM
possuem ampla variedade de objetos, dentre os quais serão destacados alguns.
A CVM, conforme pode ser observado no julgamento do Processo
Sancionador nº. RJ2009/2172, condenou a empresa BOG’S Participações Ltda., por
não efetuar o imediato comunicado da alienação de mais de 5% (cinco por cento) de
suas ações113.
No mesmo Processo Sancionador, houve condenação de um dos
administradores por ferir o § 4º, do artigo 13, da ICVM 358/02, que proíbe a
negociação de ações pelos administradores no período de 15 dias que antecedem a
divulgação de informações financeiras da companhia.
Já no Processo Sancionador nº. RJ2002/1415 houve a condenação dos
administradores das companhias Paraibuna e Paranapanema. Foi considerado
ferimento da obrigatoriedade de imediata divulgação de fato relevante em
decorrência da cisão parcial da companhia Paraibuna para incorporação pela
Paranapanema114.
No processo sancionador nº. 0013/2000, no qual foi investigada
irregularidade nas negociações de valores mobiliários entre a Companhia Cervejaria
Brahma e Companhia Antarctica Paulista, foi acolhida a presunção iuris tantum de
que o administrador, em face de sua posição na diretoria financeira da companhia e
113
114
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
112
no conselho de administração e, portanto, classificado como insider primário,
conhecia as informações privilegiadas que ainda não haviam sido divulgadas ao
mercado115.
Outro posicionamento relevante a ser destacado é o do processo
sancionador nº. 0013/2000, que também investigou negociações de valores
mobiliários envolvendo a Companhia Cervejaria Brahma e Companhia Antarctica
Paulista, no qual ficou caracterizado que a relação de parentesco tênue e um
pequeno lucro quando comparado com os volumes normalmente negociados, não
eram suficientes para sustentar uma condenação pela prática de insider trading116.
O processo sancionador nº. 0005/1983, que apurou irregularidades na
negociação de valores mobiliários pelo uso de informações privilegiadas por parte
dos administradores e controladores da Companhia Alterosa de Cervejas,
considerou que era legítimo o sigilo de informações sobre negociações que
pudessem tumultuar o mercado, mas, fixou a obrigatoriedade de divulgação no caso
de vazamento das informações117.
Merece destaque o processo sancionador nº. 0022/1999, que investigou
membros da diretoria das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, pelo
eventual descumprimento dos procedimentos e do dever de divulgação de fatos
relevantes sobre os negócios da Light Participações S.A. – LIGHTPAR. Após
oscilações anormais nos valores mobiliários sem a divulgação de fatos relevantes,
que vieram a ser confirmados posteriormente, a CVM decidiu que tais
movimentações são apenas um indício, mas não prova concreta da prática de
insider trading ou do ferimento ao dever de imediata comunicação de fato relevante,
podendo ser simples especulações concretizadas118.
Em um dos mais recentes casos ocorridos no Brasil se encontra a
primeira condenação criminal pela prática do insider trading no Brasil. Decorrente
das operações envolvendo a negociação entre duas das maiores companhias do
ramo de alimentos, a saber, a Sadia S/A e a Perdigão S/A, a CVM, no papel de
assistente de acusação do Ministério Público Federal, conseguiu condenar
115
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
117
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
118
Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2013.
116
113
criminalmente dois administradores pela prática delituosa de utilização de
informação privilegiada, com sentença prolatada no ano de 2011119.
O ex-diretor de finanças e relações com investidores da Sadia S/A, Luiz
Gonzaga Murat Júnior, e o ex-membro do conselho de administração da mesma
companhia, Romano Ancelmo Fontana Filho, foram denunciados pelo crime de
insider trading, previsto no já mencionado artigo 27-D, da Lei 6.385/76, após terem
lucrado com a comercialização de ações da Perdigão S/A durante o processo de
fusão entre as empresas que originou a Brasil Foods S/A120.
O ex-administrador foi condenado, em primeira instância, à pena de
reclusão pelo prazo de um ano e nove meses e multa no valor de R$ 349.711,53. Já
o ex-conselheiro foi condenado, em primeira instância, à pena de um ano cinco
meses e quinze dias, além da multa no valor de R$ 374.940,52.
As penas dos profissionais foram majoradas pelo Tribunal Regional
Federal da 3ª Região – TRF-3, a dois anos, seis meses e dez dias para Luiz
Gonzaga Murat Júnior e dois anos e um mês para Romano Ancelmo Fontana Filho,
sendo que os dois estão impedidos de exercer a função de administradores de
companhias de capital aberto pelo mesmo prazo121.
Além das condenações criminais, os administradores foram condenados,
ainda, à indenização por dano moral coletivo.
Apesar
das
considerações
anteriormente
feitas,
existem
alguns
estudiosos que não consideram a prática do insider trading como predatória ao
mercado em geral, mas sim como uma prática benéfica. Trata-se da denominada
Escola de Manne. Pelas interessantes considerações, merecedoras de críticas pelo
que já fora estudado, tal corrente deve ser estudada, conforme segue.
119
Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/port/infos/MPF%20e%20CVM%20obt%C3%AAm%20a%20primeira%20sente
n%C3%A7a%20penal%20condenat%C3%B3ria%20por%20insider%20trading%20do%20Brasil%20%20esbo%C3%A7o%20ASC.asp>. Acesso em: 08 abr. 2013.
120
Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Criminal nº. 0005123-26.2009.4.03.6181/SP
121
Teor completo da decisão disponível em:
<http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2011/110221insidersadia.pdf>.
Acesso em: 22 mai. 2013.
114
5.9 – Escola de Manne – Corrente Favorável ao Insider Trading
Henry Manne foi autor do livro denominado Insider Trading and the Stock
Market, lançado em 1966, que se tornou referência e originou a escola de análise
econômica do direito – Law and Economics Scolarship.
De acordo com Ronald Cass, “Manne foi um dos primeiros doutrinadores
a se utilizar da ciência econômica para criar uma nova visão sobre um conceito legal
e a fazer isso de forma a impactar drasticamente as discussões sobre o assunto”122.
Apesar de ser uma corrente com argumentos aparentemente fracos e
falaciosos e que não encontrou amplo apoio de juristas, os argumentos dos
chamados Pró-insider merecem destaque e reflexão.
São dois os principais argumentos destes estudiosos na busca de
sustentar que a prática do insider trading não é prejudicial ao mercado, mas sim uma
prática que traz benefícios sociais e econômicos.
Primeiramente a corrente sustenta que a prática do insider trading faz
com que o valor mobiliário tenha seu valor aproximado ao real, que seria atingido
caso todas as informações econômico-financeiras sobre a companhia fossem
reveladas ao mercado e aos investidores. Com isto, o mercado em geral seria
beneficiado pela maior precisão dos preços dos valores mobiliários123.
O segundo argumento possui, como conteúdo, o fato de que os
administradores insiders produziriam informações que agregam valor à companhia
e, assim, estes executivos se engajariam na busca por oportunidades que valorizem
a companhia frente ao mercado124.
Observa-se que o primeiro argumento se assemelha à corrente contrária
à prática de insider trading, ao reconhecer que o benefício seria manter o preço dos
valores mobiliários mais próximo à realidade da companhia.
O referido argumento, formulado pelos pró-insiders, merece críticas, pois
o preço dos valores mobiliários deve se aproximar ao real valor da companhia que
122
CASS, Ronald A. One Among the Manne: Changing our Course, 50 Case W. Res. L. Rev. 203,
204. 1999.
123
Idem.
124
Idem.
115
os emite somente com o estudo de sua realidade econômico-financeira e com as
informações que devem ser divulgadas corretamente, em obediência ao princípio do
full disclosure.
O segundo argumento da corrente de Manne também merece críticas,
pois a companhia não se beneficiaria com a prática dos insiders, por não se
coadunar com o dever de sigilo do administrador.
Além disso, o administrador que pratica o insider trading não visa o
interesse legítimo da companhia e não preza por sua longevidade ao longo do
tempo, ante a ausência de responsabilidade corporativa.
Conclui-se que a maneira mais correta de precificação dos valores
mobiliários parece ser a prática da divulgação de fatos relevantes ao mercado, pois
permite aos investidores a simetria de informações para que decidam sobre os
investimentos a realizar, fazendo com que os preços dos valores mobiliários
representem a realidade econômico-financeira da companhia que os emite.
116
6. CONCLUSÃO
A presente pesquisa tinha por objetivo a análise dos deveres dos
administradores de sociedades anônimas, concentrando-se nas de capital aberto, e
o estudo da responsabilização pessoal destes profissionais, quando não observados
seus deveres e pela prática do insider trading.
Os administradores, no desempenho de suas funções, são gestores do
patrimônio de terceiros, a saber, dos acionistas e, nesta posição devem agir com
extrema cautela, respeitando seus deveres legais.
Para a presente pesquisa, fundamental a compreensão dos deveres de
diligência, de sigilo e de informação, pois estes pautam os temas discutidos.
Conforme estudado, no exercício de sua profissão, o administrador deve
cumprir o dever de informar ao mercado fatos considerados relevantes, ou seja, que
podem influenciar os investidores nas decisões sobre manter, comprar ou vender os
valores mobiliários daquela companhia.
Trata-se do princípio do full disclosure, que determina o máximo nível de
transparência para as companhias, com a divulgação de informações comerciais,
sociais econômicas e financeiras ao mercado.
Para o cumprimento deste dever há de ser analisado, também, o dever de
sigilo, que determina ao administrador o dever de guardar sigilo sobre as
informações da companhia que caso reveladas podem colocar em risco o legítimo
interesse da empresa.
Por esta razão, julga-se fundamental a liberdade do administrador em
julgar como conduzir seu trabalho, ou seja, tendo autonomia para utilizar a
discricionariedade ao optar pela divulgação ou sigilo de uma informação ou fato
relevante ou o momento de sua divulgação.
Nesse sentido, suas decisões, caso resultem em danos a terceiros, sejam
acionistas ou qualquer outro stakeholder, haverá a necessidade da análise do caso
concreto com o intuito de avaliar sua responsabilidade.
Para tanto, a jurisprudência norte-americana criou a chamada business
judgment rule, que é o sistema para análise de como a decisão do administrador foi
117
tomada, para que seja possível a determinação de sua responsabilização pessoal ou
não.
Pela business judgment rule, quando o administrador toma suas decisões
utilizando-se das informações que existiam à época dos fatos, agindo de boa-fé e
com honestidade nas intenções de cumprir e defender os interesses sociais da
companhia, este não pode ser pessoalmente responsabilizado por eventuais
prejuízos daquela decisão.
O administrador de uma companhia não é pessoalmente responsabilizado
pelas obrigações assumidas em nome da empresa quando decorrentes de atos
regulares de sua gestão. Porém, por atos irregulares de gestão que causarem danos
a terceiros ou, ainda, ações regulares de sua gestão, se houver configuração de
culpa ou dolo, o administrador será pessoalmente responsabilizado.
As responsabilidades do administrador são perante a companhia, os
acionistas e terceiros em geral, devendo sempre agir com diligência e lealdade,
visando a longevidade da empresa e a geração de valor.
Tal responsabilidade pode ser classificada como individual ou solidária
entre administradores, caso aquele que tome conhecimento da conduta irregular de
um administrador não tome as devidas precauções para que seja corrigida ou, no
caso da obrigatoriedade de divulgação de fato relevante, para que o fato seja
divulgado.
Quando o administrador decide por manter sigilo sobre algo que esteja
ocorrendo na empresa, em defesa do legítimo interesse social da companhia, há a
necessidade de se atentar para quaisquer movimentações atípicas nas cotações dos
valores mobiliários emitidos pela companhia, pois pode significar que aquele fato
que estava sob sigilo tenha vazado ao mercado.
Se observado o vazamento de informações confidenciais, o administrador
é obrigado a divulgá-las ao mercado imediatamente, buscando o restabelecimento
da simetria de informações aos investidores.
Portanto, caberá sempre ao administrador a análise e decisão sobre o
correto momento da divulgação de um fato considerado relevante ou sobre sua
manutenção
em
sigilo,
observando
atentamente,
no
entanto,
qualquer
movimentação atípica dos valores mobiliários de sua companhia para que divulgue
118
eventual informação sigilosa que tenha vazado ao mercado, sempre prezando pela
longevidade e pela defesa dos interesses da empresa.
Entretanto, quando as informações confidenciais são utilizadas por
alguém que tenha acesso a ela para comercialização de valores mobiliários com o
intuito de se beneficiar economicamente, seja auferindo lucro ou evitando prejuízo,
tem-se a prática do chamado insider trading.
Existem estudiosos que classificam a prática do insider trading como um
benefício ao mercado. No entanto, não é essa a impressão que resulta da presente
pesquisa.
Ao longo da exposição da presente pesquisa restou demonstrado que
existem duas razões para a coibição da prática ao insider trading. A primeira é de
ordem ética, por ser condenável a conduta daquele que possuindo informações
relevantes as utiliza visando auferir vantagem indevida, causando danos a outros
investidores que não tiveram acesso às mesmas informações.
A segunda razão que indica a proibição do uso indevido de informações
privilegiadas como sendo necessária possui razões econômicas. Como o mercado
de capitais é considerado eficiente quando os valores mobiliários refletem a
condição econômica da companhia que os emitiu, ao permitir que um investidor
negocie valores mobiliários com mais informações do que os demais, ou seja,
quando existe assimetria de informações, possibilita àquele que detém informações
privilegiadas antever o comportamento futuro do mercado e obter vantagem indevida
por meio da negociação de títulos. Fato este que cria um risco sistêmico, abalando a
confiabilidade e credibilidade do mercado de valores mobiliários e comprometendo
seu regular desenvolvimento.
A prática do insider trading fere, ainda, o princípio da isonomia, pois
possibilita que um investidor, que possui informações privilegiadas, negocie com
outro em plena disparidade informativa. Com isto, os investimentos deixam de ter
somente seu risco inerente, passando a contar com o descrédito do mercado que
não fornece a segurança jurídica necessária ao seu investidor.
Em relação à responsabilidade do administrador pela prática do insider
trading, viu-se que ela está em três áreas do direito, a civil, a administrativa e a
119
penal, além de sua condenação poder ser resultante da existência somente de
indícios.
A responsabilidade civil se limita à indenização por perdas e danos
prevista no art. 155, §3º, da LSA, não sendo possível a anulação do negócio jurídico.
Assim, como responde o infrator pelas perdas e danos, se não houver perda ou
dano suportado por outrem não há que falar em indenização.
Já as diferentes sanções administrativas expostas na pesquisa podem ser
aplicadas independentemente da obtenção de benefício econômico, como visto.
Trata-se de uma infração de mera conduta, ou seja, uma vez realizada a conduta
vedada pelo ordenamento jurídico, independentemente de se obter o resultado
almejado, estará o insider sujeito a tais punições.
Por fim, no campo criminal, também não há a necessidade da obtenção
do benefício econômico, no entanto, há a exigência de que o insider tenha ferido o
dever de sigilo em relação à informação obtida. Assim, não estão incluídas no
alcance subjetivo do tipo penal aquelas pessoas que obtiveram a informação por
qualquer outro meio que não esteja ligado à sua atividade profissional, também
chamados de insiders-secundários.
Conclui-se
que
a
responsabilidade
do
administrador
pelo
não
cumprimento de seus deveres legais dependerá sempre da análise do caso concreto
com base na business judgment rule, enquanto na ocorrência de insider trading, o
administrador que pratica tal conduta, independentemente da intenção ou do
resultado de obtenção de benefício econômico, deverá sempre ser punido
administrativamente e criminalmente e, caso sejam constatados prejuízos a
terceiros, deverá ser punido também no âmbito civil.
Pela presente pesquisa, foi possível verificar que a atuação do órgão de
regulamentação do mercado mobiliário brasileiro, a CVM, é de fundamental
importância para a moralização de atuação dos administradores e para a
manutenção do equilíbrio do mercado de capitais.
Como o sistema brasileiro, ao contrário do sistema norte-americano não é
baseado em jurisprudência, a atuação da CVM é fundamental para suprir as lacunas
legislativas, que são inevitáveis frente à rápida modernização do mercado de
capitais e dos sistemas de comunicação.
120
Salvo raras exceções, o Poder Judiciário brasileiro não possui a
especialidade necessária no âmbito societário-empresarial para conduzir de maneira
adequada um processo de investigação e responsabilização de administradores por
ferimento aos seus deveres e pela prática do crime de insider trading.
Além das condenações administrativas e imposição de multas aos
administradores, a CVM, na posição de assistente de acusação, foi responsável, em
conjunto com o MPF, pela primeira condenação criminal a administradores pela
prática do crime de insider trading, somente no ano de 2011.
Portanto, conforme análise de julgados e posicionamentos publicados
pela CVM, é possível concluir que a especialização dos profissionais que a compõe
é de fundamental importância para a garantia de equilíbrio do mercado de capitais
brasileiro e pelo fortalecimento de sua credibilidade ao mercado mundial.
Pode-se dizer, por fim, que a CVM é condição sine qua non para que
administradores possam ser responsabilizados nos âmbitos administrativo, civil e
criminal, pois o Poder Judiciário, considerando a ausência de especialização,
dificilmente conseguiria analisar e medir a culpabilidade de um administrador em
decorrência do ferimento de algum de seus deveres, notadamente fazendo
contraponto à business judgment rule, ou pela prática delituosa do insider trading.
Diante do exposto, a manutenção e, até mesmo, o aumento da autonomia
e das condições de investigação da CVM, em conjunto com o Ministério Público,
parece ser a opção mais eficaz no combate às práticas delituosas dentro do
mercado de capitais, o que garantirá ao Brasil, cada vez mais, a condição de um
país confiável e menos suscetível às corrupções do mundo empresarial, resultando
na maior atratividade aos investidores nacionais e estrangeiros e consequente
desenvolvimento mercadológico.
121
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