PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO BENEDITO DA SILVA ACÓRDÃO APELAÇÃO CRIMINAL N°. 200.2009.035824-9/001 — 4" Vara Criminal da Capital Relator : Des. João Benedito da Silva Apelante: Justiça Pública Apelados: Everton da Silva Leão (Adv. Harley Hardenberg Medeiros Cordeiro) Rubem Severino José Filho (Adv. Halley HardenberglYledeiros Cordeiro) Jair Gaudêncio Cavalcanti (Adv. Nade). Hardenberg Medeiros Cordeiro) APELAÇÃO CRIMINAL. Tortura e furto. Absolvição. Provas insuficientes para a condenação. Manutenção do decisum. Depoimentos das vitimas e das testemunhas. Dissonância. Dúvidas quanto à prática delitiva. In dublo pro reo. Desprovimento do recurso. Quando julgada procedente a ação penal, retira-se do cidadão um dos bens mais preciosos: a liberdade. Por isso, o decreto condenatório deverá estar amparado em provas concretas (e não em meros indícios) da contribuição do acusado para a prática delitiva. Não existindo provas convincentes para a condenação, deverá ser aplicado o princípio do in dubio pro reo. VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS os presentes autos acima identificados; ACORDAa Colenda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba em negar provimento ao recurso, em harmonia com o parecer da douta Procuradoria de Justiça. Unânime. RELATÓRIO Trata-se de apelação criminal (fl. 201) manejada pelo Ministério Público, por meio de seu representante, contra a sentença proferida pelo juízo da 4" Vara Criminal de João Pessoa (fls. 191/200), que absolveu os acusados da imputação atribuída na denúncia, precisamente a prática de tortura (art.'', inciso I, alínea "a - , §4°, inciso I da Lei n.° 9.455/97) e de furto (art. 155 do Código Penal), praticados contra Simone da Silva, delitos estes que teriam acontecido em 27 de março de 2009, por volta das 01:30 hs, na residência da vítima, situada na Rua das Rosas, n° 14, Conjunto Padre Ibiapina. Por ocasião do decisum absolutório, reconheceu-se que as provas colhidas durante a instrução criminal nãj) seriam suficientes para amparar decreto condenatório, em especial, diante das divergências contidas nos depoimentos das declarantes e das testemunhas ouvidas em juízo. Nas razões recursais (fls. 204/210), o Parquet pretendeu a reforma da sentença, sustentando, em suma, que o depoimento da vítima seria coerente o suficiente para ser reconhecido como prova apta à amparar a condenação. Os apelados, nas contrarrazões (fls. 234/239), rebateram os argumentos delineados e, ao final, pugnaram pelo desprovimento do recurso. A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do apelo (fls. 243/244). É o relatório. V O T O: Exmo. Des. João Benedito da Silva Narra a inicial acusatória que os apelantes, todos policiais militares, no dia 27 de março de 2009, por volta das 01:30 fis, teriam invadido a residência de Simone da Silva, situada na Rua das Rosas, n.° 14, Conjunto Padre Ibiapina, onde teriam torturado a referida vitima, assim como subtraído a importância de R$ 70.00 (setenta reais). Infere-se, ainda, que, não satisfeitos com os atos praticados, teriam se dirigido para a casa do sogro da vítima, passando a agir com atos de vandalismo, destruindo os objetos pessoais, além de implantar maconha dentro do guarda roupa e de tentar beijar Simone da Silva. Com a instrução criminal, o juizo singular entendeu por absolver os acusados, asseverando que a divergência dos depoimentos colhidos, assim como as circunstâncias do caso, não demonstravam haver provas suficientes para condenação. Pois bem. De fato, o Ministério Público, durante a. instrução processual, ou, ainda, por meio das razões recursais, não trouxe elementos suficientes para amparar eventual condenação dos acusados, motivo pelo qual deverá ser mantida a sentença absolutória. Veja-se. Entre os depoimentos das declarantes, Josélia da Silva e Simone da Silva, e de uma das testemunhas (a qual teria mantido contado com a vítima Simone na manhã dó dia seguinte), há divergência de informações, em especial, quanto ao valor supostamente subtraído pelos policiais militares: "(..) que os denunciados levaram a importância de RS 70.00 (setenta reais); que esse dinheiro era referente ao bolsa família, que Simone havia recebido; (..)". (Josélia da Silva — depoimento em juizo — fls. 85/86) "(..) que adentraram na residência da declarante revirando tudo no interior da c á da declarante; que comeram o lanche da filha da declarante e tomaram-lhe a importância de RS 30,00; (..)". (Simone da Silva — depoimento em juizo — fls. 87/89) "(..) que no outro dia de manhã adentrou na casa de Simone e chegou a ver tudo quebrado; que os acusados teriam levado RS 70,00 da casa de Simone e presenciou 21171 deles comendo danoninho do lado de fora quando saíam; que não se recorda a roupa que Simone estava vestida do dia; (..)". (Maria José dos Santos Silva — testemunha ouvida em juizo — fls. 90/91) Um outro aspecto que termina por ensejar dúvidas quanto à existência dos fatos (o que, registre-se, pode ter acontecido, corno bem afirmado pelo juiz singular), é quanto a divergência de informações entre a segunda declarante c uma das testemunhas ouvidas em juizo, precisamente como teria sido encaminhada a vitima a uma boca de fumo: "(..) que esses elementos findaram por por algemar ela declarante e levaram-na no interior de um veículo para a boca de .fumo: (...)". (Simone da Silva — depoimento em juizo — fls. 87/89) "(..) que presenciou os acusados levando Simone a pé algemada; que os policiais estavam a paisana; que .foram três policiais que levaram Simone a pé; que não sabe informar quem é proprietário da boca de fuma; (...)". (José Robson dos Santos — testemunha ouvida em juízo — fls. 90/91) Não se pode deixar de mencionar, também, as seguintes dissonâncias nos depoimentos: a) o fato de que o número de pessoas envolvidas na suposta infração penal, b) a utilização, ou não, de tocas durante o delito perpetrado e c) o motivo da tortura, o que, mais uma vez, termina por causa dúvidas, até porque uma das testemunhas afirmou ter presenciado todos os fatos, e permanecido inerte, sem acionar a autoridade policial para inviabilizar a permanência da prática delitiva: "(..) que esses elementos estavam com tocas na cabeça e era em número de três; que não estavam fardados; (...) que é uma dedução da declarante haverem os acusados a torturado porque pensava que esta era a dona da boca; (...)". (Simone da Silva — depoimento em juizo — fls. 87/89) " (...) que Simone informou a depoente haver os acusados colocado um saco na cabeça da mesma a .fim de identificarem o paradeiro do marido dela; (..) que presenciou apenas dois policiais naquela operação que estavam com Simone; que agora esses policiais havia outro; que não sabe dizer que tinha algum fardado, pois não chegou a ver; que esses dois policiais seguiram com Simone não sabendo precisar em que direção; que posteriormente chegou a ver esses dois policiais retornando com Simone ainda a pé; (...) que um dos policiais estava de calça jeans (Maria e tinha uma toca preta na cabeça de um deles; José dos Santos Siva — testemunha ouvida em juizo — fls. 90/91) Tais circunstâncias, unidas à demora das vitimas em levar ao conhecimento das autoridades policiais os fatos relatados na denúncia. termina por materializar, ainda mais, a dúvida quanto à autoria e à materialidade. Isso porque os fatos, segundo os depoimentos, teriam ocorrido em 27 de março de 2009, e somente havendo comunicação à Delegacia de Polícia em 27 de julho de 2009, isto é, 04 (quatro) meses após. Por outro lado, nos interrogatórios dos apelados, tem-se por convergentes as informações trazidas por cada um dos três, o que somente reforça a necessidade de manutenção da sentença absolutória. Já as testemunhas de defesa nada acrescentaram para fins de elucidação da dúvida. Por fim, é de bom alvitre transcrever trecho da sentença cio juízo monocrático, por ser esclarecedor: "Causa espanto a informação de que Simone teria .ficado na calçada enquanto os policiais entravam. na casa da sogra dela. Não dá para se acreditar que alguém que estivesse sendo torturada iria .ficar na calçada esperando a volta de seus agressores, sem procurar ajuda na casa dos vizinhos, ou mesmo tentar fugir do local. Todas essas incoerências apontadas minam a credibilidade dos depoimentos das testemunhas do rol Mini.slerial, retirando a certeza que se necessita para a condenação dos réus. Noutra vertente, não há prova da materialidade das agressões que a vítima diz ter sofrido, não existe nos autos exame de corpo de delito, exame de ofensa física. Até o tempo em que a vítima levou para dirigir-se à delegacia de polícia para registrar a ocorrência causa unia interrogação. Não se concebe que um fato ocorrido em 27.03.2009, só .foi levado ao conhecimento da polícia judiciária em 27.07.2009, quatro meses após o fatídico dia. O natural seria o registro da ocorrência de imediato, no calor dos acontecimentos. Em suma, a prova produzida não é suficiente para autorizar a condenação, não obstante seja forte a possibilidade de ler havido tortura. Todavia, essa probabilidade não se traduz na certeza que uma condenação criminal reclama. Nessa linha de raciocínio, é forçoso o não acolhimento da tese ministerial para absolver-se os denunciados quanto aos crimes lhe são imputados.". Ora, bem se s be que a ação penal, quando julgada procedente, . retira do cidadão um dos bens m s preciosos: a liberdade de locomoção. Por isso, o decreto condenatório deverá estar amparado em provas concretas (e não de meros indícios) da contribuição do acusado para a prática delitiva. Sem provas suficientes, aplica-se o princípio in dublo pra reo. Nas palavras de Paulo Rangel (RANGEL, Paulo. processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2010. p. 36/37): Direito "O princípio do favor rei é a expressão máxima dentro de um Estado constitucionalmente democrático, pois o operador do direito, deparando-se com uma norma que traga interpretações antagônicas, deve optar pela que atenda ao jus libertatis do acusado. Trata-se de regra do processo penal que impõe ao juir, seguir tese mais .favorável ao acusado sempre que a acusação não lenha carreado prova suficiente para obter condenação. Nesse aspecto, o princípio do favor rei se enlaça com a presunção de inocência que, como vimos, inverte o ônus da prova. (...) Portanto, estando o juiz diante de provas para condenar, mas não sendo esta suficiente, fazendo restar dúvida, surgem dois caminhos: condenar o acusado, correndo o risco de se cometer uma injustiça, ou absolvê-lo, correndo o risco de se colocar nas ruas, em pleno convício com a sociedade, um culpado. A melhor solução será, indiscutivelmente, absolver o acusado, mesmo que ocorrendo o risco de se colocar um culpado nas ruas, pois um culpado nas ruas do que um inocente na cadeia." Para a questão em análise, e como já afirmado anteriormente, não há provas concretas de que os apelantes cometeram os delito atribuídos na denúncia, motivo pelo qual deverá ser mantida a absolvição, nos termos do art. 386, inciso VII, do CPP: Art.386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: VII — não existir prova suficiente para a condenação. Ante o exposto, em harmonia com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, nego provimento ao recurso, para manter a sentença proferida conforme proferida. É como voto. Presidiu o julgamento o Exmo Des. Luiz Silvio Ramalho Junior, Presidente da Câmara Criminal. Participaram ainda do julgamento o Exmo. Des. João Benedito da Silva (com jurisdição limitada), relator, o Exmo. Des. Luiz Silvio Ramalho Junior e o Des. Carlos Martins Beltrão filho. Presente à Sessão do Julgamento o(a) Exmo.(a) Dr.(a) Manoel Henrique Cerejo Silva, Promotor(a) de Justiça. Sala de Sessões da Colenda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em João„Pe -s3a, Capital, aos 29(vinte e nove) dias cio /7mês de novembro do ano de 2(J12 -. • • Des.,J / eneclito Rélato Silva TRIBUNAL Diretoria Judiciária Registrado em /1— L, / •