Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 O ANTICATOLICISMO PROTESTANTE ATRAVÉS DA INSERÇÃO EDUCACIONAL NOS LARES (1930 – 1945) Paulo Julião da Silva1 ___________________________________________________________________________ RESUMO Desde a chegada do protestantismo ao Brasil no século XIX, discursos contra a Igreja Católica foram uma constante para essa nova corrente cristã que tentava se inserir no país. Querelas sobre questões doutrinárias, políticas e educacionais faziam parte da agenda dos evangélicos, os quais diziam que o catolicismo teria implantado um falso e decadente cristianismo na sociedade brasileira. Durante a Era Vargas o discurso anticatólico aumentou. A tentativa de reaproximação da Igreja com o Estado, mesmo esse sendo constitucionalmente laico desde 1891, apresentou-se como o principal motivo de debates entre essas duas correntes do cristianismo. Na tentativa de afastar seus fiéis do “julgo romano destruidor”, líderes protestantes, através de periódicos, “alertavam” os pais como educar seus filhos para que esses não fossem influenciados por ensinamentos advindos do catolicismo. Para entender a construção desses discursos, serão analisados periódicos protestantes, bem como parte da historiografia sobre a temática, dentro da perspectiva da História Cultural. Dessa forma, pretende-se contribuir com as discussões temáticas em torno das religiões e religiosidades brasileiras. PALAVRAS-CHAVE: Protestantismo; Anticatolicismo; Educação. Não é difícil perceber que as questões educacionais estão sempre na pauta das discussões que abordam o protestantismo no Brasil. Diversos são os autores que tratam do tema. Eliane Moura da Silva2 procurou mostrar o trabalho das missionárias-professoras que vinham para o país e ensinavam as crianças a ler e escrever, em conjunto com a leitura da bíblia. Na sua Tese de Livre–Docência, descreveu que muitas dessas mulheres norteamericanas ascendiam socialmente, pois ganhavam status e prestígio, não sendo apenas donas-de-casa, como muitas de suas colegas nos Estados Unidos. Jane Soares de Almeida3 analisou a passagem de missionárias nas escolas de São Paulo e os papéis exercidos na formação da mentalidade educacional paulista em fins do século XIX e início do século XX. Edivilson Cardoso Rafeta4 discutiu a formação do Colégio Piracicabano, organizado pelos 1 Doutorando em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutorado financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). E-mail: [email protected] 2 SILVA, Eliane Moura da. Viajantes e Missionárias: gênero e religião entre as protestantes norte-americanas no Brasil (1870-1920). Tese de Livre-Docência, DH/IFCH/UNICAMP, 2010. 3 ALMEIDA, Jane Soares de. Missionárias norte-americanas na educação brasileira: vestígios de sua passagem nas escolas de São Paulo no século XIX. Revista Brasileira de Educação (São Bernardo do Campo) São Paulo. n. 35, v, 12 pp. 327 – 342, 2007. 4 RAFAETA, Edvilson Cardoso. Luminoso farol: o Colégio Piracicabano e a educação feminina em fins do século XIX. 2008. 212 p. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós- graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, Campinas, SP, 2008. 1 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 metodistas no interior de São Paulo, destacando a intenção dos missionários que vinham para o Brasil tentando implantar igrejas e escolas concomitantemente. Porém, não era apenas com a educação formal que os protestantes estavam preocupados. Além da instrução escolar e do ensinamento do conteúdo bíblico, principalmente em escolas dominicais, outro ponto chamava atenção pela preocupação demonstrada pelos evangélicos em fins do século XIX e na primeira metade do século XX: a educação doméstica. Colégios inclusive foram criados para ensinar as “futuras mães e donas de casa” a se portar com os filhos e com os maridos5. Diversos periódicos protestantes traziam artigos “alertando” aos pais como estes deveriam educar seus filhos. Crianças, adolescentes e jovens deveriam apresentar-se de forma exemplar dentro e fora do convívio familiar. Várias eram as preocupações. Uma delas era quanto ao testemunho, para que os filhos dos “crentes” fossem diferentes dos filhos do “mundo” que, em muitos periódicos protestantes, eram confundidos com os católicos. A importância da família na educação era tida como fundamental. A hora de comer, de se colocar à mesa, a forma de se vestir e como se portar mostrava que os “pequenos” estavam sendo “dirigidos” pelos seus genitores. As vestimentas, inclusive, eram a forma mais clara de se distinguir dos “imorais”, nesse caso os católicos. Os pais protestantes deveriam ensinar principalmente as moças como se portar para não pecar, nem levar outros ao pecado. O consumo de bens culturais como literatura religiosa e a leitura de textos bíblicos também faziam parte da obrigação dos pais para que os filhos fossem iniciados nos princípios do cristianismo ainda quando criança. Essas leituras poderiam ser iniciadas em casa, como também nas Escolas Dominicais. Os pais católicos levavam seus filhos para o catecismo desde cedo logo, os protestantes não poderiam deixar essa prática de lado. Caminhar com os filhos para a igreja deveria estar na agenda principalmente das mães, já que essas eram as principais responsáveis pelo amadurecimento espiritual de seus filhos6. 5 CARVALHO, Denis Barros de; SANTANA, Janaina Macêdo. A educação da mulher: criação da escola doméstica e a modernização da cidade de natal no início do século XX. 2006. Disponível em: http://www.ufpi.edu.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/eventos/2006.gt10/GT10_2006_01.PDF . Acesso em: 14/09/2012. 6 MONTEZANO, Maria de Lourdes da Cunha. Cultura religiosa protestante e rendimento escolar nas camadas populares: um estudo sobre práticas socializadoras. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2006. 2 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 As representações7 ficavam claras nos discursos a serem analisados. Havia um ideal a ser seguido. Nesse sentido, atentamos para o que descreve Eliane Moura da Silva a respeito das religiões e das diversas formas de religiosidades. Segundo a referida historiadora, as religiões são representações culturais que aspiram à universalidade determinadas por aqueles que as elaboram. Não são neutras, pois produzem normas de condutas na vida prática. Reinventam-se de acordo com o local que é implantada e com o contexto histórico. Não é algo estático, é modelada e remodelada de acordo com as ortopráticas. Influenciam as práticas cotidianas, estabelecem relações hierárquicas, as normas de condutas, de atitudes e constroem representações8. No período em estudo, construía-se um imaginário em torno do que se esperava para um “filho de crente”. Esses quando jovens poderiam ser excluídos das igrejas ou disciplinados caso o ideal esperado não fosse representado pelos mesmos. Os conflitos de representações 9 também podiam ser vistos. Ao comparar o exemplo que deveria ser dado por uma criança protestante com o exemplo que supostamente era dado por uma criança católica, colocava-se o outro como símbolo do erro, do pecado, do mal-educado. Na Era Vargas, com a Igreja Católica reaproximando-se do Estado, os protestantes intensificaram a batalha contra a instituição que congregava a maioria dos brasileiros. Os discursos anticatólicos eram constantes. Ser diferente “deles”, era uma forma de combater o catolicismo que teria “arruinado” a ética e a moral do povo brasileiro10. “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor” 7 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141991000100010&script=sci_arttext. 1991. Acesso em: 17/05/2011. 8 SILVA, Eliane Moura da. “Os Anjos do Progresso no Brasil”: as missionárias protestantes americanas (18701920). Rever. São Paulo (São Paulo), n. 1. p. 103-126, 2012. 9 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 10 SILVA, Paulo Julião da. Embates entre protestantes e católicos quanto às questões políticas na Era Vargas. In: II Encontro do GT Regional Religião e Religiosidades ANPUH PR/SC, 2011. Anais... Ponta Grossa (PR): UEPG, 2011. 1296 – 1314. 3 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 O versículo citado no subtítulo acima se encontra na Carta que São Paulo escreveu aos Efésios no sexto capítulo e no quarto versículo11. No capítulo citado, o referido apóstolo fez várias recomendações para que as famílias andassem de acordo com o que ele acreditava fazer parte dos princípios divinos. As exortações começavam com os filhos, passavam pelos pais e chegavam também aos escravos. O objetivo era que o lar estivesse na “paz recompensadora de Deus” que para São Paulo, seria dada a quem seguisse Seus preceitos. As recomendações feitas pelas lideranças religiosas aos protestantes brasileiros não eram diferentes. Os pais não deveriam permitir que filhos e filhas andassem fora dos padrões estabelecidos pelas igrejas, e estes deveriam obedecê-los sob pena de receberem castigos de Deus, da igreja e dos próprios genitores. Alertava aos “meninos” o Expositor Christão: 1º) Andae em boa companhia ou em nenhuma. 2º) Nunca sejaes preguiçosos; se vossas mãos não podem estar bem ocupadas, attendei á cultura da vossa intelligencia. 3º) Falae sempre a verdade. 4º) Fazei poucas promessas e cumpri-as fielmente. 5º) Quando falardes com uma pessoa, encare-a de frente. 6º) A companhia boa e a conversa boa inspiram a verdade. 7º) Um caracter bom é superior a tudo mais. 8º) Vosso caracter não póde ser prejudicado senão pelos vossos proprios actos. 9º) Se alguém fala mal de vós, seja a vossa vida tal que ninguem acredite no que falarem. 10º) Nunca bebaes bebidas embriagantes. 11º) Quando vos deitardes, pensae no que tendes feito durante o dia. 12º) Nunca jogueis jogos de azar. 13º) Evitae a tentação, porque alguma haverá que não possaes resistir. 14º) Ganhae o dinheiro antes de gastá-lo. 15º) Nunca peçaes emprestado, quando for possivel evitá-lo. 16º) Nunca faleis mal de ninguém. 17º) Sêde justos antes que generosos. 18º) Conservae-vos innocentes se quereis ser felizes12. Os pais precisavam ser exemplos para os filhos. Não adiantava ensinar as crianças se elas vissem que seus genitores não lhes davam “testemunho”. Ir apenas ao culto, ouvir as pregações, mas não praticá-las, era imitar os católicos. Na visão de muitos líderes protestantes esses apenas iam à missa, não entendiam o que o sacerdote falava, viviam uma vida desregrada, não possuindo o caráter que o verdadeiro chefe de família cristão deveria transmitir ao seu filho. Viver uma vida regrada, mostrando ao “mundo” o “exemplo de Cristo” era uma forma de distinguir-se do catolicismo brasileiro. Era necessário um 11 BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: Nova Versão Internacional. Traduzido pela Comissão de Tradução da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000. 12 Regras de conductas para os meninos (podem ser aproveitadas pelos adultos). Expositor Christão. São Paulo, 01 out. 1930. p. 2. 4 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 comportamento de “santidade”, estabelecido pelos líderes e seguido de perto por todos aqueles que se declaravam fiéis13. A citação do Expositor Christão possui vários conselhos para os filhos, os quais o título sugere que os pais também poderiam, ou deveriam, aplicá-los para ter uma vida de “santidade”. Andar em boa companhia poderia significar não manter amizades com filhos de católicos. Esses pertenciam ao “mundo”, não compactuavam da mesma fé, não tinham a mesma crença, eram errantes de acordo com a visão evangélica. O trabalho manual ou intelectual seria recompensador. Viver no ócio era estar em desacordo com a vontade divina. Moldar o caráter de acordo com os princípios bíblicos faria do “menino” um “grande homem” no futuro. Esses não poderiam viver com mentiras, promessas não cumpridas, conversando aquilo que não edificava. Um filho de “crente” deveria ter um bom testemunho e viver com ética e com moral exemplar. Vícios, tentações, malícias, luxúrias, embriaguês, nada que pudesse demonstrar o descompromisso com a causa protestante poderia ser feito. Era uma “ordenança divina”. No caso das mulheres, segundo os evangélicos, as que recebiam educação religiosa possivelmente seriam boas filhas e irmãs, se tornariam boas mães e boas donas de casa. Quando profissionais, seriam responsáveis e compromissadas. Quando partissem para o trabalho na igreja, tornar-se-iam boas professoras de escolas dominicais e, principalmente, boas missionárias. Essa preocupação com o “investimento religioso” na educação e na família era visto como uma forma de divulgação do “verdadeiro evangelho” no “Brasil Católico”. A nação, no discurso protestante, estava deturpada dos seus valores morais por não possuir o Brasil, os princípios do protestantismo arraigado em sua cultura14. Instigava os genitores O Mensageiro Evangélico: Deixemos as theorias mundanas e os ensinamentos dos homens que se dizem scientistas, busquemos tão somente tirar do Evangelho o verdadeiro saber que devemos transmitir aos nossos filhos com carinho e assim estaremos cooperando para o engrandecimento do reino de Deus e para o proveito da patria, dotando o nosso paiz de uma mocidade forte que segundo o exemplo do divino Jesus, irá 13 SANTANA, Jair Gomes de. Embates da fé: católicos e protestantes no Recife, 1860 - 1880. Dissertação (Mestrado). Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Recife, 2007. 14 SILVA, 2012. op. cit. 5 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 crescendo em sabedoria e graça e será a continuação de uma geração formada nos moldes do Evangelho15. O objetivo era mostrar para os filhos a moral de uma “religião viva” centrada nos princípios protestantes e de uma ética centrada na temperança, que era vista como um remédio para os males da civilização moderna. Em casa, na igreja ou nas escolas, os pais deveriam estar atentos à forma que seus filhos eram educados. O “verdadeiro saber” não poderia deixar de ser transmitido. As futuras gerações seguindo o exemplo do “divino Jesus” estariam mais preparadas para encarar os desafios da vida. A finalidade, segundo Lyndon de Araújo Santos16, era assegurar uma moral pessoal e coletiva na vida privada e pública que não fugisse da visão bíblica. Esses ensinamentos deveriam ser feitos principalmente no convívio do lar. “O lar e a religião são de importancia vital na formação do caráter e no desenvolvimento do indivíduo” defendia O Jornal Batista17. Uma das formas de ensinar as famílias a andarem nos “caminhos do Senhor” era o Culto Doméstico. Tratava-se de uma pequena celebração entre os familiares. Cantavam-se hinos, liam-se textos bíblicos e os interpretavam, realizavam-se orações, confessavam-se “pecados” e pedia-se perdão. Feito isso, pensava-se sair mais “vigorado” para enfrentar os desafios do “mundo”. Deveria ser celebrado diariamente. Na maioria dos casos era “dirigido” pelas mães, já que essas eram tidas como as principais responsáveis pela educação dos filhos. A dinâmica do culto era algo a ser observado. O cuidado para não se tornar algo monótono deveria ser tomado. Precisariam os pais mostrar “amor” no ensinamento da “religião real”. Dessa forma, “As bençams e os beneficios serão inumeraveis e perdurarão depois que tenhamos passado da terra para o céu”18. Sobre a relação que os filhos deveriam ter com as mães e o papel que essas deveriam exercer no seio familiar, o Expositor Christão mais uma vez se manifestou em um de seus artigos: E’ a família considerada celluar-mater das sociedades, das nações bem organizadas, capazes de desenvolvimento symetrico, prevalecendo, e se impondo de modo 15 Aos paes. O Mensageiro Evangélico. Recife, 15 set. 1935. p. 3, 4. 16 SANTOS, Lyndon de Araújo. O Cristo Vivo: um recorte da Educação Protestante em 1932. Disponível em: http://www.maosdadas.org/arquivos/file/Recursos%20oferecidos/MD25/o_cristo_vivo-lyndon_araujoresg_memoria.pdf . Acesso em: 13/09/2012. 17 O lar, a religião e a educação. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 28 dez. 1939. p. 6. 18 Maneira de celebrar o culto domestico. Expositor Christão. São Paulo, 20 jul. 1930. p. 5. 6 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 natural. E ao falar na família, surge automaticamente o seu vulto central – a Mãe. Quando conscia de sua elevada missão, o lar, sob sua influencia, é um santuario onde as paixões, como os falcões selvagens, cobrem a face com as asas. Para o filho que soube apropriar as lições maternas, inspirando-se no modelo, sempre perante os olhos, o nome de - Mãe, excita como o som do clarim, tornando-o corajoso, forte para enfrentar difficuldades e vencer as batalhas da vida 19. Observando a citação anterior, podemos inferir algumas considerações a respeito da concepção de família na visão protestante metodista. As “nações bem organizadas” 20 possuíam famílias hierarquicamente instituídas, nas quais as mães educavam os filhos nos “caminhos do Senhor”. Era o modo natural a ser seguido. O contrário fugia à regra. Os filhos de uma nação próspera deveriam seguir sempre o exemplo deixado pelo vulto central da família. Dessa forma, enfrentariam bem os problemas da vida, pois teriam se apropriado das lições maternas. Outra forma de construir um “caráter cristão autêntico” era não deixar de colocar seus filhos em uma escola protestante. Ao completar a idade escolar, os genitores deveriam levar as crianças para uma instituição que pudesse complementar o que se esperava ter iniciado em casa. Instruía aos pais quanto à educação escolar dos filhos as lideranças protestantes: “’E’ um crime deixá-los sem estudos. Elles terão grande tristeza mais tarde! Pensae em um dos nossos colegios – no Sul, em S. Paulo, em Minas ou no Rio. Escrevei ao director ou directora hoje mesmo”21. Dois pontos principais destacam-se na citação anterior. O Primeiro é que os estudos não seriam algo negociável. Deixar de por os filhos nas escolas seria um crime. Os pais precisavam fazer algum sacrifício para que os filhos não vivessem uma vida de tristeza e pesar no futuro. Outro ponto diz respeito à escola que deveriam procurar. O país possuía 19 Nossas mães. Expositor Christão. São Paulo, 20 mai. 1931. p. 2. A educação, principalmente das mulheres, foi uma das prioridades das missões metodistas no Brasil. A educação protestante baseada em modelos norte-americanos era vista como um avanço em relação ao “atraso” na mentalidade educacional católica. Os Estados Unidos era visto por muitos como exemplo de nação livre a ser seguida. Como os norte-americanos eram em sua maioria protestante, muitos brasileiros acreditavam que educando seus filhos à moda americana, teriam no futuro um país próspero. Os protestantes pensavam “pra frente”, obtendo inclusive, apoio político de republicanos. As mulheres eram responsáveis pela educação nos lares. Caberia a elas educar os filhos nos “princípios do Senhor”. Caso desde criança as meninas aprendessem a fé protestante, acreditava-se estar formando grandes mães, grandes esposas e grandes profissionais. ALMEIDA, Vasni de. Evangelizar e participar: a visão de mundo de Anna Kopal. Disponível em: http://www.uel.br/grupoestudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais7/Trabalhos/xEvangelizar%20e%20participara%20visao%20de%20mundo%20de%20Anna%20Kopal.pdf . Acesso em: 13/09/2012. 20 21 Tendes filhos em idade de serem educados? Expositor Christão. São Pulo, 7 jan. 1931. p. 10. 7 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 escolas públicas. Em diversos locais elas estavam implantadas. Porém, mesmo antes do decreto de Getúlio Vargas que em 1931 implantou o ensino religioso facultativo em escolas públicas, nesses locais, muitas das professoras eram católicas, bem como a maioria dos alunos. Daí o “alerta” para que os filhos fossem matriculados em escolas confessionais22, principalmente da denominação a qual pertencia à família. A educação no discurso evangélico iria moldar em longo prazo a sociedade brasileira. Os líderes religiosos batiam nessa tecla, mostrando a eficácia do ensino doméstico e secular, atrelado à instrução religiosa. A nação seria transformada a partir dos lares. Os pais seriam os primeiros responsáveis por essa labuta. As escolas também eram necessárias e fundamentais. O investimento em colégios confessionais por parte dos protestantes desde o século XIX corrobora com esse pensamento. O resultado do trabalho (transformação da sociedade) não seria sentido em curto prazo. Porém, os pais fazendo o papel nas casas, as escolas e a igreja complementando a instrução às crianças, no futuro o Brasil se tornaria um país com verdadeira liberdade de consciência e de religião23. É interessante, pois as propostas de ensino das escolas protestantes iam ao encontro das expectativas das elites brasileiras nos locais que elas foram implantadas. Muitos pais, mesmo não “crentes”, faziam questão de inserir seus filhos em escolas evangélicas por considerarem mais progressistas e modernas que as escolas católicas. Os filhos educados em colégios protestantes seriam “mais bem preparados” para o “mercado de trabalho” e para a inserção em institutos de ensino superior no país e na Europa. Um pai que se preocupasse com a educação dos “meninos” dessa forma, prefeririam escolas protestantes. Além do aspecto profissional, os alunos teriam ajuda na formação do caráter, que deveria se iniciar em casa, 22 A educação protestante confessional muitas vezes diferenciava o conceito de ser mulher que estava implícito na sociedade brasileira. As meninas que entravam para os colégios protestantes, principalmente os que enfatizavam a educação doméstica, demoravam mais para casar, e quando faziam isso, escolhiam com quem o fariam diferentemente das católicas que em muitos casos os noivos eram escolhidos pelos pais. Era um “problema” para muitas famílias que possuíam uma mentalidade conservadora. Como se viu, muitas meninas, mesmo protestantes, eram educadas para serem exclusivamente donas de casa. Não possuíam direitos fundamentais, como votar, por exemplo. Isso era contestado na escola, principalmente quando as professoras eram norte-americanas. As mestras que vinham dos Estados Unidos achavam inadmissíveis, por exemplo, os casamentos “arranjados” no Brasil. Nas escolas isso era discutido, o que podia gerar certo “desconforto” nos seios familiares. É certo que em muitos casos as igrejas também mostravam para as famílias como tornarem seus filhos profissionais exemplares. Porém, havia o cuidado para que seguindo determinadas linhas de pensamentos educacionais não houvesse “desvios de condutas”, principalmente no que se refere a apostasia. CARVALHO; SANTANA, 2006. op. cit. 23 CALVANI, Carlos Eduardo B. A educação no projeto missionário do protestantismo no Brasil. Rev. Pistis Prax. Curitiba (Paraná), v.1, n.1. p. 53-69, 2009. 8 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História – ISSN 2178-1281 mas complementado pelos mestres nas escolas, para que o “testemunho” de um filho, principalmente evangélico, tivesse um testemunho diferenciado de um filho católico24. As igrejas protestantes das mais diversas denominações preocuparam-se com a instrução dos “filhos dos crentes” brasileiros principalmente na Era Vargas. É certo que isso se deu bem antes dos anos 1930. Porém, temendo a possibilidade de uma nova união entre a Igreja Católica e o Estado, esses discursos defendendo um modo de se instruir nas escolas e nos lares foi intensificado. O cuidado era para que o que se aprendia fora de casa (como nas escolas públicas) não tivesse influência negativa na vida presente e futura das crianças. Daí os diversos artigos nos periódicos mostrando como deveriam portar-se mães, pais e filhos uma sociedade que era representada pelos discursos protestantes como degradada moralmente pelo catolicismo. Fontes: Aos paes. O Mensageiro Evangélico. Recife, 15 set. 1935. p. 3, 4. Maneira de celebrar o culto domestico. Expositor Christão. São Paulo, 20 jul. 1930. p. 5. Nossas mães. Expositor Christão. São Paulo, 20 mai. 1931. p. 2. O lar, a religião e a educação. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 28 dez. 1939. p. 6. Regras de conductas para os meninos (podem ser aproveitadas pelos adultos). Expositor Christão. São Paulo, 01 out. 1930. p. 2. Tendes filhos em idade de serem educados? Expositor Christão. São Pulo, 7 jan. 1931. p. 10. Referências: ALMEIDA, Jane Soares de. Missionárias norte-americanas na educação brasileira: vestígios de sua passagem nas escolas de São Paulo no século XIX. Revista Brasileira de Educação (São Bernardo do Campo) São Paulo. n. 35, v, 12 pp. 327 – 342, 2007. 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