A FONOLOGIA KAMAYURA E 0 SISTEMA DE TRAI;OS DE CHOMSKY E HALLE Marcio Silva IEL-UNICAMP O.Introducao: Urna teoria fonetica universal deve definir 0 conjunto de todos os sons que podem ocorrer nas l!nguas naturais (1), e, paralelamente, desenvolver algum tipo de notaQao capaz de captar os aspectos lingdisticamente significativos relacionados a esse conjunto. Isso por que um sistema de notaQao dessa natureza representa um instrumento atraves do qual uma teoria fonetica como e~ sa pode atingir 0 seu n!vel de adequaQao observacional. o sistema de traQos formulado por Chomsky e Halle (Cf. The Sound Pattern of EngZish. 1968, Cap. VII) constitui, sem duvida, um esforQo efetuado nesse sentido (2). Em linhas gerais, esse sistema procura definir o conjunto de sons referido acima, atraves de um reduz! do nUmero de traQOs categoriais de conteudo fonetico i~ tr!nseco, morfofonemicamente relevantes, e universais (Cf. SPE, p.293-8). o objetivo de nosso trabalho e mostrar dois problemas de aplicaQao das hlpoteses de SPE, no estudo de alguns fatos fonologicos da lIngua falada pelos Indios Kamayura (3). Mais precisamente, pretendo, ao longo do artigo, apontar as dificuldades de se estabelecer um co~ junto &nico de"traQos de classe maior" (Major CZass Features). e ainda chamar a atenQao para 0 use fonologico de traQos de altura da lIngua, em sons cuja produQao nao tem nada a ver com os articuladores propriamente ditos, como e 0 caso dos "glides faringais", ou, "glides II", assim denominados em SPE. 1. 0 primeiro problema: Os trayos de classe maior tem 0 objetivo de d~ finir classes naturais de sons. Sobre eles, os autores de SPE afirmam que: • •••os trayos •••subdividem os sons da fala em vogais, consoantes, obstruintes, sonorantes, glides e lIquidas, (SPE, p. 302)· Existem duas versOes desses trayos. A primeira e composta dos trayos ·sonoranre·, ·consonantico· e ·vocalico· (Cf. SPE, p.303); a segunda substitui 0 trayo ·v~ calico· pelo trayo ·silabico· (Cf. SPE, p. 354), e esta e, segundo os autores, uma proposta mais adequada, ja que daria conta de todos os fatos explicados com a primeira ve~ SaD, e ainda indicaria soluyOes para problemas levantados, na epoca, por Milner e Bailey (Cf. SPE, Cap. VIII). Assim: •••• 0 trayo YOe&1ico poderia ser substituido pelo trayo sllabico ••• Em suma, nos propomos a seguinte (•••serie de trayos de •••) classe maior, no lugar daquela do CapItulo VII: ·so norante, consonantico e silabico· (SPE, p.3~4)· Mostraremos, abaixo, .a subcategorizayao dos sons da fala, segundo cada uma das versOes: 1.1. A versao inicial (SPE, p.3Q3): vogais vozeadas sono~ante conson!ntico voca!ico vogais desvozeadas + glides (I) w,y + glides (II) h,? + llquidas + consoantes nasais + consoantes nao nasais 1.2. A versao modificada (SPE, p.354): sono~ante conSon!ntico sil~ico vogais + + + IIquidas silabicas llquidas nao silabicas + + nasais sil8bicas + + + + nasais nao sil8bicas glides: w,y,h,? + obstruintes Antes de passarmos para 0 proximo ponto, creio ser oportuno indicar que a grande diferenya entre as duas versoes acima esta precisamente na subcategorizayao das l1quidas nao silabicas. Esses sons, como se pode notar, sao ·+vocalico· na versao inicial, e ·-silabico" na versao 1IIOd1f1cada do. tr.qo. de cl ••••• a1or. COnaidare_, agor., 0 .1a1:eaa10nol0q1cokamayuri, •• gundo••••• du•• ver.Se•• (A) p t c k .n 9 r ? h Y w 1 ••• u0 .onorante + + .•.+ + + + .•.+ + + + + +, conaonintico ++++++++ - - - - voeilico + - - ++++++ (8) p t c k • nor ? h Y w 1 • u 0 aonorante -++++++++++++++ con.onintico ++++ ++++ .Uib1co - - ++++++ Oba.~~ rie•••••• trb •• , o••• raentoe (r) • [n] • A dif.r-ncr.· entre ua • outro •• (A)'•• 1IAIl1f •• ta no. v.lona do t£r.qo wvoeilicow,••• f.lar, obv1•• nte, no par! .tro d. n••• lidade, nio levado •• cont. n••••••• tri •••• Per outro l.do, (8) igual•••••• du•• unid.cIe•• •• k••• yuri, .xi.tea tri •• ona +.onorante •••••• +enterior +coron.l sons sio Cn) , [a) , [r) • AB.ia, te_. (01) yer.'ta y.-r-.t. U fogow (02) yi'ifNi y.-r-iY W.U denteW (03) pin.'t. pi-r-.ta wfogode waI.w (04) pi'n~ pi-r-iY wdentede waI.w 01 dadoa .c1•• ao.tr •• Dio .o.nt •• ocorrinci. dOl .ona [n) , [r atnd••• xi.tlnci. de 4011 prOOl •• o. di.tinto. d. n••• li'.crao. POciaao.oba.rvar que 0 IIOrf •• rel.cion.l::!:. •• n.1i •• or. coao[ r) , or. coao La), or. coao in) • Nuaoutro trllbalbo, tentaao. de.craver foraa1.nte ••••• prOOl •• oa (Cf. Si1v., MafCio •. 19811. Par•• f.it08 dp que pret.ndelloa _trar aqui, b•• t •• ncion.r que, •• linh.. gerat., • lingua k••• yurl apre•• nta aorf•••• or.b a aorfa•• n•• at •• :!!:!, wfogow, ua ."11II10 de aort•• oral I :!i ' wdente ua _1IP1o de aorf_ Il! s.l. D•••• fOrM, X!: ' wprefixode pri.ir. peaao. ~ sinCJU1.r-i _ aorf••• or.1, anquanto I!!:. wpraf1xode .a": gund. pe•• o. do plur.l-, i ua aorfa•• n••• 1. Ali. di•• o, a. k••• yuri. exi.ta. oa '.CJU1nte.proce•• oa. *• W. ta 1, 1' ••• W , , a. a pre•• nqa de 1m _rf_ n_al prowca a na.au..aqio dolideIIa1._ ••••• l'OCali.a&. i~de, n_ ••• 10C\1C;io. b. a pn-D9a de __ rf_ n••• l prowca a n_al1.aqio do pri-.lro .~t:o locali.ado i direib, nlma••• a locuqio, •• e.t •• eC)llento for ~+.ono.J"ante]. +anterior +coronal o proca.o (al expl1ca, por eZIIPlo,a ocorrlncia de [yi nio d. [ye] , ••• i. co..o a ocorrencia de[ iiJ, 1m -tIP- D_al, e Dio de [rJ ,_~ -tap- oral, no dado (021. o procea.o (b), por .ua ve., expl1ca a ocorrinc1a de [n] e nio de [r DOS dadOII(03) e (04). PiDu-nte, ~. verificarqlle •• 1m _C)IIeDto (+.onorante, +anterior, +coronalJ ocorrer n_ lUIbientetal que po•• a .er af.tado por lU!Iboa os proce•• os, .Dtio real1.~i Dio ~ [a .i. COlIC) en] • Dado •• ap~tan. exi.tent •• no fiDal de.te trabalho pode_pe~ tir ob.ervaqio .a1. cuidadoaad..... e de outros proce•• oe. M regr_ for-ulad•• infor_IRnte aci•• pode., ~ vi_, de.cr.ver, por eX8llplo_ tria real1.aqSe. foDitica. do ~_ relacional .:!:. , a .aber, [DJ[iiJ e 'LrJ. ••••• proce•• os, DOentant:o, sO pode•• er ade qUad_n~ obHrvadoa•• adot~. a venio iDicial do ail! t_ de tr~ de cl•••• _ior. 1•• 0 pozq_ a Deutral1.aqio da di.t1Dqio .ntre _oante. nua1. e llquida. nio .! libicu, a Dlvel de.... traqoa, redudu a dif.renqa Iintre [r ). LDJ a •• au _ para-tro: a nualid~. Mai., a venio ~f1cada doe traqoa de cl•••• .nor propOeu.a .atri. onde Dio te_ ~ diferenciar [a] de [iiJ., ji que .-bo•• io .ona D•• ai•• Por outro lado, a venio inicial (8) indicaria a _guinte notaqio: [r) • +wci.l1co, -n•• al [il1 • +wci.l1co. +n•• al [n] • ,wcil1co. +na.al Obvi_nte, •• idiia. e OSfatoa apreaentadoa aqui nio invalid •• , de for_ alCJ'mA ••• propo.t•• de Mil- J• 1, .1. .. a.. 1' ••• ner e Bailey, adotadas por Chomskye Halle. res parecem ter "vocilico" razio pelo traQo "silBbico", mais precisa ~ssesauto- em propor a substitui9io. de fatos fonoloqicos mostrar &qui a necessidade do francis. TentlU!lOs de uma substituiQio para uma formulaQio mais adequada e precisa fatas fonologicos Emprimeiro bico", inversa, de alguns do kamayura. Esse impasse faz surgir cas. do tra90 para uma formulaQio lugar, algumas duvidas teori- se um traQo, "vocalico· nio puder dar conta sozinho dos fatos ou ·sil! apontados por Milner e Bailey, e ainda esses que acabo de mostrar, podemos imaginar que uma das saldas para a questio seja propor um terceiro traQo, ou redefinir que, no fundo, i a mesmacoisa). o novo parimetro um deles a ser considerado a redefiniyio de um terceiro de um dos trayos, layio de um sistema de trayos de classe palavras, um sistema trayos , Umadas objeyoes que se poderia traQos de classe e silBbico". nio de tris, entre maior estava fazer tra90s lioo", outros processos pusarem do kaaayuri, calico". e faze., cc.o "sillbico·, dos 0 traQO ·vociu regru que por eX8IIIPlo, Iii Marcio. 1981), sio aais com 0 usa do trayo e. kaJlllyU- adequadsaante se nio adotaraos a Iyl e /wI respectiv.-nte, 1978, e Silva, critos nio essa objeyio acontecer ri onde, COIlOvillOS, nio podeaos tratar desloclllll nucleos de silaba tra.dos ua exalllPlo de lingua O!! B i 0 que parees processos de nasalizayio deste as duas venOes na marcayio das liquidas Mas se encontrassemos 0 sentido. a uaa ideia sio redundantes de fossemos obr1gados a usar os dois traQos, perderia Em lIIas de quatro mencionlllllClS no in!cio balho que a grande diferenya silBbicas. vocalico dois ultimos nem a formu- maior, onde terl~ outras Alias, proble •• seria, mas sinples_nte consonintico, em muitos casos. 0 traQo "conciliador", mos: "sonorante, comoessa i que esses (0 ? oma outra maneira de solucionar nao a incorporayio dois Sendo assim, qual seria (Cf. Silva, e lul Marcio. adequad_nte e nio do traQO de.! .W- 2. 0 segundo problema: o rela~io tanto, IDIUI que iremos expor a seguir dinta com a se~io anterior. podellOa relacioni-loa, nio apresenta nenhuma Indiretamente, no en- na medida em que sao proble- de (in) adequa~io de uma teoria a fatos de WIIamesma lingua. "baixo" i definido o tra~o sequinte por Chomskye Halle da .aneira: "Baixo-nio Baixo. Os sons baixos sio produzidos com 0 llbaixlllll8nto do corpo da lingua abai xo do nIvel que ela QCupa na posi~io neutra:sona nao baixos sao produzidos sem esse abaixamento do corpo da lIngua. (SPE, p.30S)" Poucaa linhas adiante~ Cho_ky e Halle afirmam que: "Nos preciaamea observar apenas que a caracteriza~io fonitica de "baixo" e "alto" rejeita sons que sejam +alto, +baixo , porque impoaaIvel levantar 0 corpo da lingua acima da posi~io neutra e, simultaneamente, abaixi-lo a um nIvel abaixo dessa posi~ao. (SPE, p.30S)" e Algumas piqinas depois, o so.~1collO "-alto,+baixo" "baixo" esti mal empreqado nesse (h") f tal ·baixo· cluaiv ••• pte a partir e ·alto" David, p.20-3l que 0 tra~o Comosabemos, som 0 envolvidos em sua pr2 sio definidos Unica e e~ do movimento vertical como aabemos, i um articulador ativo de lingua que, (Cf. Abercrombie, e 42-9). Se quisermos, portanto, fazer ·ao pi ·da letra· da defini~io do tra~, seremos obriqados a •• rcar nio hi ·abaixamento· 0 soa[h] como"-alto,-baixo' nem ·levantamento· gua, palo menoa neceasariamente, Emoutraa palavras, ~o de um tra~ como ·baixo· COliUII ._. e nao COllIum .+". resolver de assimila~io um proceaao baatante (Cf. Silva, defini~ao todos os problemas. natural Marcio. que do corpo da lIndo tra- 1 nos obriqa a marcar 0 som [h Mas essa mUdan~ade valor do tra~o nao parece uma reqra , ji uma em sua proda~ao. a prOpria existe terior caso. que nao hi articuladons du~io. Oa tra~os leitura Cho_ky e Halle definem • Parece evidente em kamayuri, nas lInguas. 1978), me referi Isso porque que constitui NUlltrabalho an- ao problema de ·.gulnte ..anelra: ·A cont:J:nuaglotal /hi ••••• nallaa 00_ UIIavogal .urda hOllOrginlca 1 vogal .ubaeqGente. M.l., .•• naUaa eo.o~AJan tea de la/, [~) ante. de IiI, ••.• (Sllva, Marcl0. 1978, p.3) B••• proce.,.o de a•• la1lac;io l'Od- nr for-ll- aado, •• gundo a. propo.t •• de SPE, da •• gu1nte _lra. J/ - r::;~ h---'>J;:~:ado . l~arredondado _ ·+balxo·. kaaayura, •• ~nto 11m •• Ob•• rve- •• a _trla i·-alto·, t.lIIO. 11m lohuerapl 0 A ngra formulada acl'" apllcadli a UIIcaao onde [h] •• guido de vogal alta, 00_ _ foraa. do tlpo ·.1 •• ara·, UII lopihikl ·.1 •• uat:enta·, ab.urda, •• •• 0 [h] gaento ·+balxo·, vogal ·+alto·, que i, Lh1for S. 0 nio •• rl. UII[h _. terla for definldo .tc., oontudo, delxar de •• r ·+baixo·, t.aoa i + - + - + l-)(+)Hl+>l-)l~ --++++ - - - - + + guinte 1.ltura da r.gra .ntio abaixo: 1• i a u alto baixo r.cuado arndondado 1 l~arndoncladcJ 00_ pa•• a a ·+alto·, quando ooorn por deflnlc;io, a •• ·+baixo·. diante ._, de _ ·-baixo·. definldo 00_ ·-baixo·, a 1.ltura ab.urda. Apllcada a _toe ODde 1••guido de uaa vog.l balxa, labal ·.u vou·, lpah.tl ••• c••• ·, .tc. CaMl naB foraaa tenlIO. 0 •• guinte re.ult.do: OIl •• gaento ·-balxo· ,.tc., contudo, delxar de •• r ·-baixo·, vog.l ·+baixo·. P.r.os Obvl0 que probl __ doa palo uso de tr.c;oe de .rtlcul.C;io, zldo••• 11I • lnterf.rincl. doe ·gllde.· p.... con.l.te, pas.a .1I11Pl ••• •••• _ de artlcul.don., fUlngai •• A noe.a p~ta doa tr.c;oe de artlcul.Qio nte, a ·+baixo·, quando ooorn ••• , de aio causa- •• gaentoe produ_ i 0 caao de .oluC;io do la- n. lndeterainac;io para. diaate caraet.rlaac;:io doe valoree de••••• on•• ~.i., [h] .eda +/- alto, a•• i. co.o a oelUllivaqlotal ne••• cuo, 0'1 ~terll1ll~ particulars.), baixo,reeuado, [?J. por .reqru e Ilio n••• BS~ por exeilplo; valoree fonolOqicu .eiia., (qeru. triz. 3. A1ClW!! Woe k ••• xuri: (05) (061 (071 (081 .'t. iyu'ktt y.' •• t -.al- -f090- (091 •• ?ano'.t (10) (11) (121 ot.'tap n.'kl. -onlil·-brinc.deira-coi.a-cu.-du-flautu-pintano- pi'ciin - •• ClIn)- (13) 1aQ'''1J (141 (151 nan_.'Din (16) (17) (18) u'kiil) tiJd '?ii .0,"" (191 (20) (211 110)'. 'n .'.iin tiinr:h" X't;" -'PISnt -pQli!io,re_d1o-chuYa-alto-xinquano-peixe-CAchorro-comd.-cobra .ueuri-aranha-duro-Ubilul.- 4. Motas: (1) 011 objetivo. qerai. de waa teoria fonetica univer.al sio examnadoa par Yido.autores de fonoloqia qeratiya •••• te .entido, _j.- •• , par e_lIIPlo, Schane (19731, ByIUIl (19751 e Ander.on (19741. (21 Ali. do trabalho de Chomskye Ralle, pode.o. _ncionar unda 0 ~ Peter La~foqed (19721. (31 o. Indios k••• yuri fal_ waa llnqua tupi-qu.rani, e .oraJII nUll. Nqiio locaUzada eo .'11 do Parque .acional do lt1nqu,Hl'. 5. Biblioqrafia: Abercroabie, David. 1967. Element. of General Phonetic. Bdinburqh, Bd1nburqh University Pre ••• Andenon, Stephen. 1974. The Orqanization of Phonology. HewYon. Academc Pre.s. Cha.aky, 110•• I Mord. Halle. 1968 Th. Sound Pattern of English. HewYon. R.rper I Row. ~, Larry. 1975. Phonology' Theory and Analvai •• New York. Bolt-Rinehart I win.ton. Schan., Sanford. 1973. Generative Phonology. Bnql~d Cliff.. Prentice-B.II Silva, Marcio. 1978. -~pectos da Eonoloqia e Morfoloqia K••• yuri-. Mi-.oqrafado. Museu.acional~UPBJ • 1981. A Ponolo~Se9!!ftt.l KaJllaXUri.Di..erta~io de Me.trado. ONI -fEL, Dept9 de LinqGlstica.