ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA Contra-Almirante MÁRCIO MAGNO DE FARIAS FRANCO E SILVA SUBMARINO NUCLEAR DE ATAQUE: Nova Dimensão Estratégica para a Defesa Nacional Rio de Janeiro 2012 Contra-Almirante MÁRCIO MAGNO DE FARIAS FRANCO E SILVA SUBMARINO NUCLEAR DE ATAQUE: Nova Dimensão Estratégica para a Defesa Nacional Rio de Janeiro 2012 SUBMARINO NUCLEAR DE ATAQUE: Nova Dimensão Estratégica para a Defesa Nacional Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. ORIENTADOR: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes Rio de Janeiro 2012 C2012 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG. _____________________________ (Assinatura) Biblioteca General Cordeiro de Farias Silva, Márcio Magno de Farias Franco e Submarino Nuclear de Ataque: Nova Dimensão Estratégica para a Defesa Nacional / Contra-Almirante Márcio Magno de Farias Franco e Silva. Rio de Janeiro: ESG, 2012. 65 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012. 1. Submarino Nuclear de Ataque: Nova Dimensão Estratégica para a Defesa Nacional. I.Título. Trabalho de Conclusão de Curso, nos termos da legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). Fica autorizada a transcrição total ou parcial deste texto, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade deste autor e não expressam o pensamento da Organização. Aos queridos Filhos e Esposa, que têm compreendido as ausências e muito contribuído com incentivos durante as minhas atividades profissionais, desta feita desenvolvidas em Curso na ESG. AGRADECIMENTOS Ao Corpo Permanente da ESG e aos demais professores e palestrantes do CAEPE 2012, pela contribuição valiosa no meu aprendizado, permitindo-me compreender a realidade e fazer uma avaliação mais profunda da conjuntura de nosso país. Aos colegas da Turma Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR (CAEPE 2012), pela camaradagem e momentos de alegria. Ao Professor orientador, Doutor Sandoval, pela atenção e tempo despendido nas orientações, sempre objetivas, por ocasião da elaboração desta monografia. E especialmente aos diversos amigos que pacientemente se dispuseram a contribuir com informações pertinentes e valorosas para a concepção deste trabalho. RESUMO Espera-se que uma nova dimensão estratégica seja apresentada à Nação por ocasião da incorporação de um submarino nuclear de ataque S(N) ao acervo do Poder Naval brasileiro, elevando significativamente a capacidade de defesa dos objetivos e dos interesses nacionais; assim como a credibilidade da dissuasão a um potencial agressor ao longo da região marítima definida como Atlântico Sul. As vantagens atribuídas à posse de um S(N) são significativas e alguns importantes Estados almejam-lhe obter, mas muito poucos têm capacidade econômica e, principalmente tecnológica para construir e manter tal armamento naval, pois é vedado qualquer acesso a essa tecnologia sensível. Neste trabalho observaremos a superioridade de um S(N), quando comparado aos demais tipos de navios, resultando de características singulares como: a possibilidade de desenvolver altas velocidades quando submerso; a capacidade de ocultação; e a mobilidade tridimensional, como forma de explorar o meio ambiente marítimo. Tais características lhe conferem eficácia de movimento nas áreas oceânicas e, quando bem armado, a supremacia no mar. É o meio naval adequado para negar o uso de determinada região marítima de interesse por outro ator; e um instrumento de dissuasão por excelência. Ressalta-se o esforço despendido pelo Brasil para a construção de um S(N), um empreendimento ousado e pioneiro, e que envolve capacidades tecnológica e logística significativas. Assim, a Marinha do Brasil encontra-se passível de sofrer bloqueios externos indesejáveis, decorrendo daí o grande valor estratégico do desenvolvimento autóctone do seu Programa Nuclear. Destaca-se que o S(N) brasileiro é um meio naval estratégico a ser empregado por um País soberano, emergente como potência mundial e com interesses globais. Palavras-Chave: Submarino, Propulsão Nuclear, Dissuasão, Estratégia, Atlântico Sul, Marinha do Brasil, Amazônia Azul. ABSTRACT The new strategic status brought up by the future acquisition of a nuclear powered attack submarine S(N) will greatly enhance brazilian’s navy capability to defend national interests and objectives at sea and enhance the deterrence in the South Atlantic. The advantages of the S(N) are so evident and significant that some important States would like to have them, but just very few of them have the technical and economic means to build and operate it. The S(N) superiority results from its peculiar characteristics such as high speed in immersion; difficulty to be detected; and tridimensional mobility, as a way of exploring the maritime environment. These characteristics are translated as efficiency in mobility when operating in high seas – blue waters, and when convenient armed, the S(N) has supremacy over the specific region of the sea. This important effort undertaken by Brazil in building Its own S(N), even when facing other national priorities, demonstrates its importance to the national security. As a bold enterprise it may face other States opposition. Thus, the establishment of the Nuclear Power Plant Project is an important strategic and indigenous technical development sought by the Brazilian Navy. So, we can praise the future Brazilian S(N) as an important vessel to be employed by a sovereign State as an emerging nation with global interest. Keywords: Submarine, Nuclear Power, Deterrence, Strategy, South Atlantic, Brazilian Navy, Blue Amazon. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10 2 2.1 2. 2 2.2.1 ÁREAS DE INTERESSE GEOESTRATÉGICO ..................................... A Região Amazônica ............................................................................... O Oceano Atlântico ................................................................................ O Atlântico Sul ........................................................................................ 13 15 17 19 3 3.1 3.2 3.3 O VALOR ESTRATÉGICO DA ENERGIA NUCLEAR .......................... Teoria Estratégica da Dissuasão Nuclear ............................................... Armamento Nuclear ................................................................................ A Visão do Estado Brasileiro sobre o Programa Nuclear ....................... 21 25 28 30 4 4.1 4.2 4.3 4.4 INTERESSES DO PODER MARÍTIMO BRASILEIRO ........................... Incumbências Assumidas pelo Poder Naval Brasileiro ........................... Interesses Econômicos e Políticos .......................................................... Interesses Legais e Militares ................................................................... Significado Estratégico do Poder Naval Brasileiro ................................... 32 40 41 44 45 5 5.1 5.2 5.3 A DIMENSÃO DA ARMA SUBMARINA ................................................ Submarino Convencional – S(C) ............................................................. Submarino Nuclear – S(N) ..................................................................... Vantagens Estratégicas de um Submarino Nuclear ............................... 48 52 54 56 6 CONCLUSÃO ......................................................................................... 59 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 62 10 1 INTRODUÇÃO O mar é o grande avisador. Pô-lo Deus a bramir junto ao nosso sono, para nos pregar que não durmamos. (Rui Barbosa, In: ”A Lição das Esquadras”, 1898). As crises nos Estados nacionais são cada vez mais localizadas, incertas, acirrando antagonismos belicosos e criando desafios cada vez mais complexos para a fluidez de suas soluções. É desnecessário ser analista de relações internacionais para se observar que há mudanças claras no contexto da política de defesa, embutindo novas perspectivas de ameaças difusas para a segurança dos Estados e das sociedades, onde a cooperação e as operações combinadas são necessárias para enfrentá-las. Ainda nesse contexto, a ocorrência de um conflito generalizado entre Estados e na arquitetura das grandes guerras mundiais, mostra-se pouco provável. Assim, o Estado brasileiro considera “reduzida a possibilidade de conflito no entorno estratégico do Brasil”, no que concordo. (BRASIL, 2005). Segundo Costa (2003), uma característica da maioria dos países periféricos1 é o de enfrentar certos dilemas para delinear suas prioridades estratégicas e por em prática os objetivos decorrentes, enquanto que os países ditos centrais têm como objetivo estratégico a difusão de seus valores morais e a melhoria do bem-estar de seus habitantes, para tal tendem a avançar sobre espaços de seu interesse não controlados ou ainda de débil defesa. Desta forma, esses países periféricos, dentre eles o Brasil, identificam como uma necessidade estratégica de defesa contra os países centrais a redução de suas vulnerabilidades e, por conseguinte asseguram os seus desenvolvimentos. Nesse incerto futuro de crises que agora se mostram globais, outras possibilidades de conflitos se delineiam nos vastos oceanos, mais especificamente nas disputas pelo controle de determinadas áreas marítimas, áreas da extração e _______________ 1 Países periféricos - São Estados que exibem diferenças internas extraordinárias e são vulneráveis ao bombardeio constante de ideias, costumes e políticas geradas nos países ditos centrais do ordenamento internacional. Ao contrário, os países ditos centrais são os Estados considerados mais desenvolvidos economicamente, em ciência e tecnologia, e militarmente. (GUIMARÃES, 2000). 11 caminhos para o trânsito dos recursos minerais, energéticos e de alimentos, todos esses assuntos considerados estratégicos. Podemos ainda ombrear a esses recursos, outros de aspectos relativos ao meio-ambiente, já motivo para querelas. Ao se observar o perfil geográfico do Estado brasileiro, caracterizada pela imensa massa terrestre e marítima, é conferido a este País um perfil com significativa profundidade estratégica no hemisfério ocidental meridional e, consequentemente torna complexo os planejamentos de segurança e de defesa do patrimônio nacional. Além dos mais de oito milhões de quilômetros quadrados de terras emersas, o Brasil possui uma vulnerabilidade física difícil de ser mensurada e vigiada, localizando-se nas distantes e imprecisas fronteiras marítimas, nos limites externos de sua Zona Econômica Exclusiva e inserida na parte do Oceano Atlântico que o Brasil convencionou chamar de “Amazônia Azul”, por suas riquezas e dimensões semelhantes a da região amazônica brasileira. Com forte sentimento nacionalista pode se dizer que é consenso na esfera política nacional que para se reduzir a vulnerabilidade das imprecisas fronteiras marítimas, o Brasil deve ter postura dissuasória com credibilidade, capacitar e desenvolver tecnologias especiais, a exemplo de armas inteligentes, sistemas nucleares, complexos sistemas por satélites e cibernéticos de acompanhamento e de detecção, dentre outros. “Não é prudente conceber um país como o Brasil, sem capacidade de defesa compatível com sua estatura e aspirações políticas”. (BRASIL, 2005, p.10). Nesse ambiente marítimo, ainda não muito bem delineado, é importante que a segurança e a defesa do Estado brasileiro sejam promovidas por meio da presença das Forças Armadas com uma “postura estratégica baseada na existência de capacidade militar com credibilidade, apta a gerar efeito dissuasório” (BRASIL, 2005, p. 11). Desta forma, essas forças devem ser suficientemente capacitadas e preparadas para dissuadir ameaças alienígenas aos interesses do Brasil e concomitantemente, aptas para cooperar com outras forças, vizinhas ou não, visando a manutenção da tranquilidade regional, ou mesmo internacional, dependendo de decisão política do País. Nesse mister, e para atender a decisão estratégica brasileira, o Ministério da Defesa e a Marinha do Brasil (MB) identificaram a aplicação da energia nuclear em um equipamento naval com capacidade quase que plena de dissuasão, espelhado no que ainda hoje é exercido pela Marinha britânica no Atlântico Sul, com 12 relação a defesa das Ilhas Malvinas. E este é o tema do trabalho, que tem ampla relação com a aplicação da energia nuclear na propulsão de um submarino de ataque, futura parcela estratégica da Força Militar brasileira, e suas consequências dissuasórias no Atlântico Sul. Assim, no capítulo dois deste trabalho são apontados os principais ambientes de interesse geoestratégico para o Brasil e, particularmente, para a MB no que diz respeito ao emprego do Poder Naval e da arma submarina. No capítulo três são expostas informações sobre a aplicação dessa fonte energética no armamento nuclear como importante elemento de dissuasão; discorrese sobre o Programa Nuclear da Marinha (PNM) e os seus desafios para dotar o Brasil com um submarino de ataque com propulsão nuclear S(N); além de considerações diversas de estratégia e de dissuasão. São ainda elencados subsídios sobre elementos básicos e necessários ao entendimento do tema. No capítulo quatro são feitas reflexões sobre a missão da Marinha dentro dos interesses marítimos brasileiros, sobre o caráter político-estratégico no emprego da energia nuclear e a sua importância para a MB, considerando aspectos legais e técnico-científicos. São vistos também alguns pontos importantes dentro da ótica marítima do Brasil no Atlântico Sul e do seu entorno geográfico. É realizada uma breve análise sobre a importância dessa parte meridional do Oceano Atlântico para o País, e como a MB prepara o seu Poder Naval para atender as decisões políticas nacionais. No capítulo cinco é feita uma exposição sobre a energia necessária para a propulsão dos submarinos; uma descrição comparativa das vantagens e das desvantagens entre um submarino com propulsão nuclear S(N) e um submarino com propulsão dita convencional S(C), além da necessidade desse meio naval para o País. E, ao final, são apresentadas conclusões sobre uma nova dimensão estratégica para o Brasil ao incorporar um S(N) ao seu Poder Naval. 13 2 ÁREAS DE INTERESSE GEOESTRATÉGICO O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela importância estratégica que representa o Atlântico Sul. (BRASIL, 2005, p.11). O Brasil é possuidor de um vasto território, são dimensões e contrastes continentais, habitado por uma grande população, com longas costas banhadas pelo importante Oceano Atlântico e inserido no Continente Americano, uma região do planeta considerada como uma zona de “não-guerra”, ratificado pela ausência histórica de conflitos bélicos, desde a Segunda Guerra Mundial. É natural que essa disposição nacional provoque em outros Estados os mais diversos sentimentos como a cobiça por suas variadas fontes de matérias-primas e possibilidades de desenvolvimento sustentável, cabendo somente ao Brasil o ônus da segurança e da proteção desse patrimônio incomensurável. Geograficamente, o País possui duas vertentes bem características: a continentalidade e a maritimidade. Largando a abordagem da continentalidade, por não ser o objetivo deste trabalho, foca-se na “vertente da maritimidade nacional como um instrumento de ocupação e, principalmente de dominação do espaço marítimo do Atlântico Sul, visando a dissuadir a hegemonia completa de outras potências marítimas”. (COSTA, 2003, p.79). O gigantismo do território brasileiro e suas singulares características acentuam as vulnerabilidades físicas naturais. Essas vulnerabilidades se estendem pelos quase 17 mil km das fronteiras secas com os países lindeiros da América do Sul, passando pelo pequeno adensamento populacional do interior do País e pela dispersão de suas riquezas naturais distribuídas pelo território. Acredito que a vulnerabilidade nacional que tomará maior importância já em meados deste Século XXI, serão as distantes fronteiras marítimas no Atlântico Sul, linhas imaginárias sobre o mar, e que ainda não estão plenamente configuradas, por motivos de conformação da Plataforma Continental e de reinvidicações do Brasil perante órgãos internacionais. Segundo a MB, “o que as define é a existência de navios patrulhando 14 ou realizando ações de presença”. (MOURA NETO, 2012). O território brasileiro, um valioso ativo nas relações internacionais e, plenamente configurado por nossos ousados antepassados, que apresenta uma excessiva concentração populacional no litoral2, evidencia-se como a base material da soberania nacional e um imenso patrimônio físico a ser preservado. Por outro lado, o aglomerado populacional litorâneo brasileiro conduz a uma outra vulnerabilidade considerável, pois nesse mesmo litoral também se processa cerca de 90% da produção industrial e da infraestrutura do País, e de cerca de 80% do produto nacional, o que enfatiza a necessidade da proteção dessa área vital brasileira3 em oposição a uma projeção de poder militar estrangeiro vindo do Oceano Atlântico. (MOURA NETO, 2012). De uma forma geral, “os países marítimos possuidores de litoral extenso, [...], dependem da navegação de cabotagem, essencial para o equilíbrio econômico interno, e não podem prescindir do transporte marítimo [...]”. (BRASIL, 2004, p. 1-1). A navegação costeira brasileira, realizada por navios mercantes, remete para uma outra vulnerabilidade - a plena dependência das linhas de comunicações marítimas (LCM) - que se estendem por todo o Oceano Atlântico, e que, a perda do controle do tráfego marítimo nessas LCM poderá vir a ser desastroso para a economia nacional. Decorre desta vulnerabilidade nacional a vigilância constante e primordial que deve ser dada ao pleno controle de áreas marítimas costeiras de interesse. A Política de Defesa Nacional (PDN) estabelece como orientação estratégica que a área marítima compreendida pelo Atlântico Sul e a Amazônia brasileira sejam áreas prioritárias para a defesa nacional, complementarmente às áreas dos núcleos de capacitação e de poder político e econômico, localizados nas regiões sudeste e central do Brasil. Assim, serão realizadas breves avaliações complementares das duas primeiras áreas prioritárias para o Brasil, no aspecto marítimo, e no que elas influenciam na estratégia nacional e no objetivo deste trabalho. (BRASIL, 2005, p.10). _______________ 2 3 O Brasil possui cerca de 80% de sua população habitando as áreas terrestres situadas até uma distância média de 200 km do litoral. (MOURA NETO, 2012). Área vital brasileira – é a área marítima que abrange o Mar Territorial, a Zona Contígua, a Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma Continental. 15 2.1 A Região Amazônica Mesmo sendo o enfoque deste trabalho eminentemente marítimo, não é prudente deixar essa imensa e rica região brasileira sem uma análise, no que se refere ao Poder Naval, pois é uma das regiões prioritárias para a defesa nacional, conjuntamente com o espaço aéreo brasileiro, e a área marítima do Atlântico Sul. (BRASIL, 2005). A potencialidade e a preservação ambiental da região amazônica nacional como uma grande reserva de biodiversidade e de riquezas minerais aguçam a cobiça internacional, normalmente dissimulada por meio de observações vagas e genéricas como “região de interesse mundial”, “soberania regional relativa” ou de “internacionalização da Amazônia”, comentários esses divulgados na imprensa internacional. Desta forma, creio que a região amazônica é, ainda hoje, a nossa maior vulnerabilidade estratégica. A região amazônica continental possui cerca de 7,5 milhões de km 2, abrangendo oito países sul-americanos e parte do Departamento Ultramarino da Guiana Francesa. Tal região é uma fonte importante de recursos naturais ainda não plenamente mapeados, e nem explorados. Abriga a mais extensa floresta tropical e a maior bacia hidrográfica do planeta, com um potencial hídrico significativo e um manancial de água doce expressivo, que poderá se tornar uma região de reclames e disputa em futuro não tão distante. Suas riquezas naturais são, cada vez mais, objeto de ambição internacional, de comentários e de manifestações de chefes de estado e de setores importantes de governos estrangeiros, organismos multilaterais, fóruns ambientais globais, pesquisadores e organizações não-governamentais. (NEWTON, 2012, p. 7-9). Neste sentido, são, pelo menos, intrigantes alguns dos aspectos relativos à crescente ingerência de governos e de organizações estrangeiras, que, em mais de uma ocasião, apresentaram suas opiniões de público sobre as políticas nacionais de ocupação e uso dos territórios amazônicos sulamericanos. (COSTA, 2007, p. 117-122). A sua importância para a MB é realçada na medida em que a região tem influencia na área marítima oceânica contígua ao território amazônico, e provoca reflexos na elaboração e na condução da política estratégica da MB, e no respectivo 16 preparo do seu Poder Naval. Ainda do ponto de vista marítimo, o elevado valor estratégico da região amazônica se efetiva na possibilidade de um controle indesejável aos interesses do Brasil, na área marítima de acesso à foz do rio Amazonas por parte de potências centrais, os únicos Estados com poder militar suficiente para tentar controlar tal área. Ressalta-se que segundo FAYET (2010), o Arco Norte - Corredor de Exportação nacional - traspassa esta extensa área marítima adjacente à foz do rio Amazonas, LCM por onde escoa parcela significativa do comércio exterior brasileiro, constituindo-se em um ponto de concentração do Tráfego Marítimo (TM) entre o Atlântico Sul e o Caribe, Ainda no que concerne à Amazônia, a Marinha entende que ao ser estabelecido um teatro de operações na região, a aplicação do Poder Naval será decisiva para negar o domínio da área marítima contígua ao rio Amazonas e, ao mesmo tempo, controlar as calhas dos rios da região. A MB possui meios navais atuando naquela área e que, apesar de não serem em um número desejável, e de possuírem capacidades ribeirinhas limitadas, vêm contribuindo para preservar a soberania e o senso de identidade nacional. Quanto ao emprego de submarinos, estes são utilizados ofensivamente em áreas sobre o controle do inimigo, embora sejamos de opinião que o emprego, especificamente nessa área marítima do Atlântico Sul e adjacente à região amazônica, não é recomendável em situações fora de crise ou conflito, por motivos táticos e técnicos. Assim, a manobra pela lassidão4, que se vislumbra como a recomendável para um submarino utilizar quando a área estiver sobre o controle do inimigo, fica fragilizada, pois reduz a eficácia do armamento, minimiza a mobilidade tridimensional, e a exploração das vantagens físicas possibilitadas pelo meio aquático marinho, fatores importantes nas ações submarinas. Por outro lado, o emprego de submarinos de forma ofensiva em áreas afastadas da foz do rio é adequado. São áreas com maior profundidade para as operações de vigilância com a utilização plena dos sensores, e de ataque com o lançamento do armamento orgânico de forma confiável. _______________ Manobra pela lassidão – é a manobra aplicada por um poder em inferioridade de meios, empregando uma tática de fustigamento para manter vivo o conflito. (BEAUFRE, 1998). Entende-se também como uma tática de desgaste por meio de ataques constantes a uma maior força. 4 17 Releva explicitar que a Estratégia Nacional de Defesa (END) considera o submarino como uma arma suficiente para a tarefa clássica naval de negação do uso do mar pelo inimigo, entretanto um S(N) também poderá exercer o controle de determinada área marítima, limitada no tempo e espaço. 2.2 O Oceano Atlântico Ocupando uma destacada posição geoestratégica deste vasto Oceano, ressalta-se que o Brasil é o único Estado que possui fronteira marítima defronte para duas partes significativas e distintas do Atlântico, ambas perfeitamente delimitadas pelo estratégico saliente nordestino brasileiro, tendo ao norte o Mar do Caribe; e ao sul o Atlântico Sul e parte do Oceano Antártico. É fato que este importante Oceano possui grande valor na história brasileira e ainda tem forte influência na vida de seus habitantes. Foi utilizando esta extensa via marítima que a expansão portuguesa prosperou mundialmente e no Brasil se fez para o norte, nordeste e sul/sudeste do País. Assim, via mar, o Brasil recebeu todos seus primeiros habitantes estrangeiros e consolidou a sua independência no período colonial. Mais recentemente, já no Século XX, foi o oceano onde sofreu ataques aos seus navios mercantes e que levou o País a participar ativamente das duas grandes guerras mundiais. Mesmo com diversos fatos históricos significativos ligados ao Atlântico e também aos grandes centros populacionais localizados à margem do extenso litoral, não se pode afirmar que os habitantes do Brasil possuem vocação de uma nação marítima, quando comparados com alguns outros países, até mesmo de menor extensão litorânea. O Oceano Atlântico possui incrustado a vertente marítima do território brasileiro e é por onde transita quase a totalidade do nosso comércio. O Brasil tem legítimas pretensões5 de estender essas fronteiras marítimas para o limite da plataforma continental, totalizando uma área marítima de cerca de 4,5 milhões de _______________ 5 São áreas marítimas ao longo da costa brasileira pleiteadas junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental da Organização das Nações Unidas (ONU). 18 km2, área de tamanho equivalente à da região amazônica brasileira ou de metade do território nacional. É esse imenso espaço marítimo inserido no Atlântico Sul, “região de vital importância para o País”, e que se convencionou chamar de Amazônia Azul6. (BRASIL, 2005, p.11). No que concerne ao Continente Antártico, Estados assinaram em 1991 um tratado que, dentre outros, aponta para o congelamento das reivindicações territoriais daquela região por 50 anos, que suspende a exploração econômica de qualquer tipo de recurso e permite a exploração científica cooperativa. Tal tratado tem mantido os recursos naturais da rica região fora do alcance da comunidade internacional. Entretanto, na medida em que se faça necessária a exploração desses recursos, é previsível o surgimento de focos de tensão no Atlântico Sul. Aqui se torna importante expor duas posições políticas defendidas pelos Estados e que coexistem com os interesses diretos na região antártica: a territorialista e a não-territorialista. Os países que advogam a primeira posição declaram que o Continente Antártico é possível de ser anexado e ser submetido à soberania e jurisdição nacionais, ou seja, reivindicam a apropriação de partes significativas do território antártico às respectivas soberanias nacionais. Já os nãoterritorialistas defendem a livre atuação dos interessados em qualquer setor da Antártica, e não admitem reivindicações ou submissões territoriais. Vale ressaltar ainda uma terceira tese que pouco a pouco tem se fortalecido, e auto declarada opositora do Tratado da Antártica. Consiste na afirmação de que o Continente Antártico é um patrimônio comum da humanidade. São todos esses eventos que tornam plausíveis a ocorrência de conflitos de interesses, ou mesmo a presença de forças navais em apoio a corrente de ideias no Atlântico Sul. Outro ambiente de interesse do Brasil são os países africanos costeiros ocidentais e austral, e que se debruçam sobre o Oceano Atlântico. Nesse contexto, a África do Sul se destaca dos demais países como o de maior dimensão políticoestratégica e de desenvolvimento econômico. Localizado no extremo sul do Continente Africano, seu território marítimo se constitui em uma área de alto valor estratégico para as rotas comerciais entre os Oceanos Atlântico e Índico, além de _______________ 6 Amazônia Azul – disponível em: <http.www.mar.mil.br/menu_v/amazonia_azul/amazonia_azul>. Acesso em: 11 jun. 2012. 19 possuir e explorar importantes reservas minerais na costa ocidental. Constituem-se ainda como países prioritários para a política externa brasileira: Nigéria, Namíbia, e mais recentemente os países africanos de língua portuguesa: Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné Bissau.(BRASIL, 2008). 2.2.1 O Atlântico Sul A MB assume como área primária7 parte considerável do Oceano Atlântico, sendo comumente chamada de Atlântico Sul. Está definida como a região marítima compreendida entre o paralelo 16 N, a costa oeste da África, o Continente Antártico e a costa leste da América do Sul. Incluem-se aí três importantes áreas de interesse geoestratégico nacional, a saber: o espaço entre os salientes nordestino brasileiro e o ocidental africano; o Mar do Caribe; e o litoral brasileiro do hemisfério Norte. (BRASIL, 2004). Para estabelecer esta região primária do Oceano Atlântico foram considerados aspectos geoestratégicos, políticos e econômicos de interesse do Brasil, coerentes com as orientações contidas na PDN e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF88). A importância econômica desta região marítima se evidencia por ser área de transito das rotas comerciais transoceânicas entre os três grandes oceanos, o Índico, o Pacífico e o Atlântico, com o tráfego de cerca de 500 navios/dia, segundo o SISTRAM8, e principalmente como rota de navios carregados de energia (gás, petróleo cru e minérios). A reativação da IV Esquadra da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA), com encargo também no Atlântico Sul, é uma sinalização de que fatos novos de interesse estratégico surgiram e justificaram tal decisão. A MB acredita que, nos curto e médio prazos, “o Atlântico Sul continuará sendo de baixa prioridade para as nações de maior importância política, econômica e militar”, mas certamente seguirá prioritária para os países da América do Sul que dele dependem e, especialmente, para o Brasil. Assim, há esforço da MB para _______________ Área Primária – para a MB corresponde à área marítima estabelecida como Atlântico Sul. (BRASIL, 2008). 8 SISTRAM – Sistema de Controle do Tráfego Marítimo da MB, órgão de acompanhamento e vigilância de navios mercantes. 7 20 envolver questões regionais, atuando no controle e na proteção das LCM de interesse, e na vigilância dos recursos nas águas jurisdicionais brasileiras (AJB). (MOURA NETO, 2012). Quando Mattos (2007) analisou a história do pensamento geopolítico brasileiro, dentre outros citou a Professora Therezinha de Castro e destacou o seu incansável trabalho sobre a necessidade de uma estratégia brasileira de presença ativa no Atlântico Sul e a consequente importância de participar da ocupação do Continente Antártico. Embora a MB adote o espaço marítimo do Atlântico Sul como área de prevalência para a atuação do Poder Naval brasileiro, não se deve excluir a possibilidade da existência de meios navais suplementares que permitam a sua aplicação fora dos limites desse espaço marítimo, em situações especiais, e quando for interesse do Poder Político. Isso diz respeito à atuação no Oceano Antártico e em outros oceanos, particularmente na diplomacia e nas pesquisas oceânicas. (BRASIL, 2008). Assim, sintetiza-se a importância e a necessidade estratégica do Brasil ocupar o Atlântico Sul e o Oceano Antártico. Dentre as tarefas estratégicas especificadas na END, a MB executará um desenvolvimento desigual e conjunto dos meios para atender tais tarefas, priorizando a negação do uso do mar contra a concentração de forças inimigas que tenham intenção de invasão territorial por via marítima. Essa priorização implicará numa reconfiguração das forças navais. Desta forma, preferencialmente, a obtenção e o emprego do S(N) na área primária, destaca-se nessa priorização da reconfiguração da Força, por meio da aplicação da estratégia da dissuasão naval clássica. Tal dissuasão pretendida é executada por uma ativa presença do S(N) na área de interesse onde são realçados os aspectos relativos a confiabilidade da permanência, do poder de fogo e ao adestramento na condução deste significativo meio naval. 21 3 O VALOR ESTRATÉGICO DA ENERGIA NUCLEAR É minha convicção que nos encontramos em face de um dilema decisivo e incorrigível: ou nos preparamos para tomar posse de nossas riquezas naturais – no caso específico, atômicas – ou nos veremos constrangidos ao espetáculo degradante de assistirmos, impotentes, à evasão delas, por bem ou por mal... É essa a impressão objetiva que guardamos dos debates em que, com a maior sem-cerimônia se tratou das matérias primas como res communs, de “reajustamento das injustiças da natureza”. (Almirante Álvaro Alberto, 9 em discurso na ONU contra o Plano Baruch ). Politicamente o domínio da energia nuclear é uma variável estratégica dissuasória das mais importantes, e de consequências significativas nas relações internacionais. O domínio completo do ciclo de enriquecimento do urânio, elemento basilar dessa poderosa energia, é um tema sensível e que continua a preocupar as conversações políticas mundiais. O assunto deve ser abordado com enfoque realista e prudente pelos Estados que pretendem agregar à sua matriz energética essa polêmica, mas quase inesgotável fonte de energia. A capacidade técnico-científica do controle nuclear, obtida pela posse de um conhecimento de alto teor estratégico, continuará sendo muito restrita e dominada somente por alguns poucos países centrais do cenário internacional e, certamente, não dispostos a compartilhar seus segredos e informações. Por certo não é uma arquitetura aberta e esses países ditos centrais, no sentido de manter o _______________ Plano Baruch – Em 1946, e sob o argumento de evitar uma corrida nuclear, os EUA propuseram um plano que visava impedir todos os países de desenvolver novas capacidades para a produção de armas nucleares, por meio de uma regulamentação rigorosa e intrusiva em todas as pesquisas e na produção da energia nuclear. Basicamente criava uma Autoridade de Desenvolvimento Atômico, sob os auspícios das Nações Unidas, com plenos poderes para confiscar instalações e recursos nacionais, além de supervisionar a distribuição de materiais de fissão nuclear e a operação de instalações capazes de produzir armas nucleares. Foi também uma tentativa de controle e de internacionalização de todas as jazidas de urânio e de tório do mundo nas mãos da Comissão de Energia Atômica. O plano argumentava ainda que era preciso reparar uma "injustiça da natureza" que fazia com que os países que detinham a tecnologia nuclear - na época, apenas os EUA – não possuíssem jazidas significantes, enquanto que os que não detinham tal tecnologia eram depositários de imensas riquezas dos minerais, e isso precisava ser invertido. Tal argumento foi rebatido pelo Almirante Álvaro Alberto que contrapropôs com a internacionalização das reservas mundiais de petróleo e ouro. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br>. Acesso em: 16 jul. 2012. 9 22 status quo do exclusivo clube nuclear, impedem, quando menos, dificultam a obtenção do conhecimento dessas tecnologias sensíveis, pressionando os Estados e, restringindo-lhes a possibilidade de se tornar membro do referido clube. É grave ainda a situação em que esses países centrais, “detentores de armamentos nucleares se colocam contra um programa nuclear de outros países, inclusive aventando a possibilidade de serem usadas essas armas para interromper o programa [...].” (SILVA, 2007a, p. 21). Tal afirmação tem precedentes no Iraque, e mais recente uma ameaça latente e permanente sobre os programas nucleares norte-coreano e iraniano, embora nos casos citados não ter havido o uso de armamento nuclear. Segundo Soares (2002, p. 33), para um desenvolvimento mais rápido do uso da energia nuclear e a consequente capacitação tecnológica de um país, três pilares são essenciais, e se interrelacionam: “vontade política, disponibilidade de recursos e competência técnica. A ausência de qualquer um desses pilares inviabiliza todo o programa”. Silva (2007a, p. 22) corrobora essa afirmativa quando em seu artigo descreve que “[...], pelo menos três principais condições são necessárias para o desenvolvimento de armas nucleares por um Estado: capacidade financeira, capacidade tecnológica e vontade política”. Assim, entende-se que a velocidade do processo de proliferação nuclear entre os Estados fica condicionada ao atendimento simultâneo desses três elementos, sob pena de aumento da vulnerabilidade e do aparecimento de reflexos corrosivos ao programa nuclear, como o “esmorecimento da vontade política, diluição da responsabilidade técnica, diminuição da capacitação tecnológica adquirida e aumento da susceptibilidade a pressões externas”. (SOARES, 2002, p. 33). As potências nucleares, e que controlam a tecnologia da energia proveniente da fissão nuclear, compreendem o que é possuir uma fabulosa e verdadeira fonte de poder. A aplicação adequada dessa inesgotável energia no armamento e na propulsão naval continua a alterar sensivelmente as relações internacionais de forma global. Por outro lado, a evolução da capacidade tecnológica e o contato com essas “tecnologias permitiu que nações de poder mais fraco tivessem acesso a armas e meios sofisticados”. (PINTO, 1989, p. 16). Após a tentativa de implantação de um plano de controle de material nuclear em 1949, conhecido como Plano Baruch, os Estados ficaram divididos entre 23 os que possuem (“Haves”) o armamento nuclear, e poderão utilizar desse poder de persuasão em defesa de seus direitos e interesses, embora a intenção no emprego desses artefatos seja questionável e condenável pela opinião pública mundial; e os Estados que não possuem (“Have nots”). O período histórico conhecido como Guerra Fria (1945-1990) foi um confronto entre Estados possuidores de armamento nuclear. Hodiernamente, continuam as pressões dos cinco membros10 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), sobre Estados que buscam desenvolver programas nucleares independentes, casos contemporâneos do Irã e da Coréia do Norte, que se recusam a aceitar inspeções intrusivas aos seus interesses nucleares e, principalmente, o de interromper o enriquecimento do urânio11. O governo do Brasil, para minimizar desconfianças internacionais, à semelhança dos casos citados e fatores políticos contrários à continuidade do Programa Nuclear Brasileiro (PNB), tem autorizado e colaborado nas inspeções aos seus sítios nucleares e sinalizado com boa vontade para os Organismos internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), visando à construção de mecanismos de fiscalização e de cooperação, como forma de enfrentar as resistências e promover a confiança, mediante transparência nos processos nucleares nacionais. Dessa forma, o país se tornou signatário de tratados e acordos internacionais relacionados ao tema nuclear, a saber: Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP); Tratado de Interdição Completa dos Testes Nucleares (CTBT); Tratado de Tlatelolco; Conferência de março de 1975, que prorrogou indefinidamente a vigência do TNP; Acordo Tripartite e logo depois transformado em Acordo Quadripartite, assinado entre a Argentina, o Brasil, a Agência BrasilArgentina de Contabilidade e Controle (ABACC) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); e o Acordo para Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear com a Argentina. (BRASIL, 2008, p. 2-1 a 2-20). Segundo Guimarães (1999), entende-se como uso pacífico da energia nuclear a ação “onde a reação nuclear em cadeia, de fissão ou fusão, é estabelecida de forma controlada e, portanto não explosiva”. Essa reação controlada é realizada em reatores nucleares e podem ter aplicações energéticas (produção de energia elétrica) e não energéticas (produção de partículas subatômicas para fins _______________ 10 11 Membros do CSNU - Estados Unidos da América, Rússia, China, França e Grã-Bretanha. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias>. Acesso: em 04 de ago. 2012. 24 medicinais). Assim, a energia nuclear no Brasil tem essas duas aplicações importantes e pacíficas. (GUIMARÃES, 1999, p. 218). Para ratificar a postura pacifista do Brasil quanto à utilização da energia nuclear, principalmente junto à sociedade, os congressistas constitucionalistas agregaram à CF88 no seu artigo 21, item XXIII, alínea a), o seguinte texto: “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”. (BRASIL, 1988). Para a MB, o aspecto mais relevante está descrito no Artigo III do Acordo Bilateral entre Brasil e Argentina, aquiescido pela ABACC e a AIEA, a saber: Nada do que dispõe o presente Acordo limitará o direito das partes a usar a energia nuclear para a propulsão ou a operação de qualquer tipo de veículo, incluindo submarinos, uma vez que ambas são aplicações pacíficas da energia nuclear. (ABACC, 1991). Com esta declaração, os Estados-partes e as duas agências constatam o caráter pacífico do Programa Nuclear da Marinha (PNM) e a legítima aspiração nacional de possuir um submarino nuclear de ataque – S(N), assim como também possibilita o mesmo caminho para a Argentina. A MB afirma ainda a sua convicção da aplicação pacífica do uso da energia nuclear para movimentar os seus meios navais, inclusive submarinos. Assim, com o apoio político nacional, a MB segue conduzindo o seu programa da propulsão nuclear, cujo objetivo é a construção do S(N). 25 3.1 Teoria Estratégica da Dissuasão Nuclear Após a explosão das duas bombas nucleares no Japão em 1945, Bernard Brodie12 formulou a teoria da dissuasão nuclear, que foi difundida de uma forma mais ampla por André Beaufre13, como “dissuasão atômica” (SILVA, 2007a). Brodie, citado por Silva, considera que: [...] a guerra entre dois Estados possuidores de armas nucleares seria impossível, na medida em que um deles, mesmo após sofrer um primeiro ataque, fosse capaz de revidar de forma a provocar mais custos para o 14 adversário que as vantagens auferidas pela iniciativa do ataque. (BRODIE apud SILVA, 2007a, p. 21). A existência de uma significativa força militar convencional, mesmo que represente uma sólida capacidade de revide, não é suficiente para evitar a guerra entre os Estados, e a história das civilizações confirma tal assertiva. Só com o “advento do armamento nuclear” foi que a dissuasão se tornou realmente eficaz. Brodie afirmou com relação à bomba atômica: “até o presente, o objetivo capital do nosso poder militar foi vencer guerras. Daqui em diante será evitá-las. Ela não pode ter outro propósito útil” (BRODIE apud SILVA, 2007a, p.21). André Beaufre definiu a dissuasão como “a contrapartida com que se ameaça o inimigo que, embora não nos dê a vitória, é capaz de conscientizá-lo de que a sua possível vitória não será compensadora.” E explicou o seu conceito da estratégia da dissuasão no qual “é preciso possuir uma força de ataque, [...], de potência suficiente para desviar o adversário do propósito de empregar a sua força”. _______________ BRODIE, B. – Historiador que se tornou estrategista nuclear durante o período da Guerra Fria. Inicialmente, escreveu sobre o Poder Naval, e após a explosão das bombas atômicas norteamericanas, alterou o seu foco para a estratégia nuclear. A tese defendida na Universidade de Yale versou sobre as transformações da guerra naval, pela troca da vela e do casco de madeira pelo vapor e aço. Da mesma forma, as armas nucleares provocavam uma alteração similar. Seu mais importante trabalho é considerado “The Absolute Weapon: Atomic Power and World Order”, no qual lançou os fundamentos da estratégia nuclear da deterrência. Foi um dos responsáveis por correções nas interpretações de Clausewitz com o livro “A Guide to the Reading of On War”. (Fonte: www.google.com, palavra-chave - brodie). 13 General André Beaufre – Oficial francês que se notabilizou por estudos sobre a estratégia nuclear e na defesa da independente força estratégica nuclear francesa. Três de seus livros, traduzidos para o português e o inglês, estão referenciados neste trabalho. 14 BRODIE, B.– “War and Politics”, New York: Macmillan, 1973, p.377. 12 26 Dentro dessa teoria, incluiu a estratégia indireta que “é a que atinge o essencial da decisão por meios outros que não a vitória militar”. (BEAUFRE, 1998, p. 89). Pinto (1998), assim conceituou a dissuasão: “mudar a ideia ou a intenção de alguém, fazê-lo desistir de um intento, impedir uma ação ou desestimulá-lo”. É exercida pela força ou obtida por meio de pressão. Desta forma, a dissuasão é uma ameaça branda, sem ser plenamente hostil e ofensiva (PINTO, 1989, p.72-73). Hoje são adotados conceitos de dissuasão nas mais diferentes formas e que atendem a interesses próprios e específicos de autores ou países. Considera-se para este trabalho a dissuasão como uma ameaça em potencial a um possível opositor, que ela indique a nossa capacidade e firme decisão de aplicar a força de forma a desencorajar, ou a induzir à reflexão de que o prosseguimento do intento hostil não será compensador. Ou, ainda, é a sugestão ao potencial adversário de que a retaliação será executada de forma desproporcional a uma opção de força ou ato hostil a ser empregado pelo opositor. Portanto, a dissuasão deve ser evidente e crível para os demais Estados. A dissuasão pode ser dividida em convencional ou nuclear. A primeira possui capacidade limitada e, em princípio, não é suficiente para dissuadir um adversário de grande força potencial, principalmente se o objetivo do conflito é de significativa importância para esse opositor. Concordando com a afirmativa de Brodie, a dissuasão nuclear é a que tem o real valor de pressão. Ainda segundo Silva (2007a), citando Schelling15: o potencial destrutivo das armas convencionais ou nucleares, com a sua capacidade de causar destruição e dor, usado como poder de barganha pelos Estados que a possuem, é parte da diplomacia e pode ser útil para influenciar o comportamento e as decisões de outro Estado. (SCHELLING apud SILVA, 2007a, p. 26). Neste ponto, Silva (2007a) traduz a aceitabilidade do poder nuclear como fator de pressão a um outro Estado com menor capacidade de retaliação. Não se pode afirmar que a simples posse de armamento nuclear se _______________ 15 SCHELLING, C. Thomas, Arms and influence, New Haven: Yale University Press, p.1-34, 1966. 27 traduza em vantagem, mas é o fator primordial dissuasório e que distingue o grupo de países nucleares dos demais, permanecendo na mente dos não nucleares essa forma ostensiva e vigorosa de poder e de fator de persuasão. Na tese de Payne16, também citado por Silva (2007a), aquele considera que a simples posse de armamento nuclear certamente limita o conflito. (PAYNE apud SILVA, 2007a). Desta forma acreditamos que a condução de ataques preventivos17 e deliberadamente intimidadores teriam a tendência a ser limitados devido a proliferação desse tipo de armamento por parte dos “Haves”. A PDN admite a diplomacia e a dissuasão como os pilares sobre os quais se apoia a defesa nacional do Brasil. Por não ser escopo deste trabalho, a diplomacia não será analisada, já a dissuasão convencional tem destaque na elaboração das estratégias militares das Forças Armadas brasileiras (FA), por sua conotação predominantemente militar. No sentido político, diz-se que essas são ações organizadas por um estado para desencorajar certas opções ou desejos de outros, desde o tempo de paz, e sendo desenvolvida pela manutenção de forças militares com credibilidade, suficientemente poderosas e prontas para o emprego imediato, capazes de intimidar agressões militares contra países de força semelhante. Assim, a orientação estratégica brasileira é direcionada pelo caráter do fortalecimento do seu Poder Militar, baseado na capacidade de suas FA. E para gerar o efeito dissuasório desejado, com credibilidade mínima necessária, essas FA devem estar capacitadas a exercer ou contribuir para o efetivo controle do território nacional. Desta forma, como parte integrante do Poder Militar, a Força Naval exerce a dissuasão naval brasileira quando a hipótese de uma eventual agressão ao território nacional tem como via de chegada o Atlântico Sul. Para que a dissuasão naval seja crível, dependerá da frequência e da efetividade dos efeitos com que se utiliza o Poder Naval executando o que a MB define como tarefas do Poder Naval, a saber: controle do tráfego marítimo, negação do uso do mar ao inimigo e a projeção de poder sobre terra. “A dissuasão é, assim, função direta da presença naval, na medida em que essa presença realça e ratifica uma vontade política que, por sua _______________ 16 17 PAYNE, K. B. Deterring the use of weapons of mass destruction. Comparative Estrategy, v.14, p. 347-359, oct. 1995. Ataque preventivo – É um ação ofensiva de guerra presente na atual política externa norteamericana. Consiste na realização do ataque inicial, onde quer que seja. (BEAUFRE, 1998). 28 vez, concede credibilidade à dissuasão” (PINTO, 1989, p. 75). Depreende-se disto que, estrategicamente, a dissuasão naval não é somente empregada em caso de crise, mas, também e principalmente, durante os períodos de paz, por meio de demonstração de força nos exercícios navais nas diversas áreas do País e do exterior, na promoção de visitas a portos estrangeiros e por uma ampla divulgação dessas ações na mídia. Pode-se concluir ao afirmar que o desenvolvimento da capacidade tecnológica própria para projetar, construir e manter um S(N) tem grande poder de persuasão e poderá ser utilizado em apoio a diplomacia, sendo útil para influenciar decisões. Desta forma, o Brasil concretizará a dissuasão militar-naval. 3.2 Armamento Nuclear Alguns poucos Estados centrais e também periféricos possuem a arma nuclear. Nos anos vindouros outros mais deverão adquirir a capacidade de fabricálas. E esse é o grande temor das potências detentoras do segredo nuclear, qual seja, a opção bélica do armamento nuclear pelos estados. Vários são os fatores que concorrem para que alguns países procurem a posse do armamento nuclear. Citamos como principais: a busca e a afirmação de prestígio político-estratégico de um estado; e a necessidade de prover a sua própria segurança externa contra outros atores, nesse ambiente nem sempre claro das relações internacionais. (SILVA, 2007a, p. 22-23). Diante desse difícil cenário, a adesão do Brasil ao clube de países com domínio a tecnologia nuclear − sem armamento nuclear − tem se dado de forma lenta e discreta. Para tanto, o País tem incrementado a sua vontade política, atualmente, mais por necessidade de uma fonte energética segura e diversificada; desenvolvido suas capacidades tecnológicas próprias; e assumido posicionamentos para não incorrer na possibilidade de sofrer sanções políticas ou econômicas. Países possuidores de armamento nuclear não têm feito emprego tático de suas armas nucleares, provavelmente tentando sustar o grau de violência que provocam e evitar a reprovação pública. Sabe-se que na Guerra das Malvinas os 29 ingleses empregaram seus submarinos nucleares com torpedos convencionais, em uma possível demonstração de não querer causar comoção pública. Segundo Flores (2007), o declínio e a dispersão do dissuasivo arsenal nuclear russo; a atual capacidade nuclear, ainda que limitada, da China; e o contínuo aprimoramento tecnológico do poderio nuclear norte-americano e de seus vetores, muito provavelmente possibilitou aos EUA obterem a supremacia nuclear mundial, e em teoria, em caso de conflito armado, serão capazes de destruir os outros dois citados Estados, com um primeiro ataque, e ainda minimizar o ataque retaliatório destruidor. Assim, é de se supor que da mesma forma que os ataques preemptivos infligidos ao Iraque e ao Afeganistão, as consequências poderiam ser as de que os EUA se tornem mais violentos na “defesa dos seus interesses nacionais, gerando mais insegurança” no conturbado cenário internacional. (SILVA, 2007a, p. 30). Não é regra, mas supõe-se que, no caso de conflito ou crise entre Estados, a simples posse da arma nuclear por parte de um dos contendores, ou mesmo por ambos os Estados, possa afetar de forma positiva para a distensão da situação, na medida em que esses Estados tendem a limitar a escalada da crise, a duração ou a abrangência do conflito. Por outro lado, a posse do armamento nuclear por uma potência regional poderá levá-la à tentação de promover os seus interesses nacionais, ou ainda de conduzir uma determinada crise, sob forma de pressão, em detrimento da diplomacia ou da persuasão. Do exposto, depreende-se o alto valor estratégico de uma arma nuclear como uma forma efetiva de dissuasão. E, embora um S(N) não seja um artefato nuclear, é certo que o controle da energia nuclear e de toda a tecnologia envolvida e dominada no processo, passa a ser uma variável estratégica importante nas relações internacionais, tornando-o um vetor naval de significativo valor e que causa dissuasão nuclear. 30 3.3 A Visão do Estado Brasileiro sobre o Programa Nuclear O Programa Nuclear da Marinha (PNM) teve suas atividades iniciadas no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com a participação no desenvolvimento do processo de enriquecimento do urânio da Aeronáutica. Em seguida, a MB associouse ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), junto à Universidade de São Paulo, e que se mostrou um projeto bem mais promissor para os propósitos estratégicos do PNM, pois, à época, o IPEN não estava sob a égide das salvaguardas internacionais a que estava submetido o PNB. Na evolução desse processo, foi criado o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), e que tem como objetivo um amplo programa de pesquisas e de desenvolvimento nuclear, por meio da capacitação de pessoas no “domínio dos processos tecnológicos, industriais e operacionais de instalações nucleares aplicáveis à propulsão naval” (CTMSP, 2012)18. Ressalta-se o acerto da abordagem gerencial de todo esse programa consistindo da cooperação entre o CTMSP, universidades, institutos de pesquisas, cientistas e empresas nacionais, pelos resultados significativos obtidos e demonstrados, e que transcendem a aplicação militar, provocados por uma das grandes conquistas tecnológicas do país − a obtenção do elemento combustível para reatores nucleares de água pressurizada (pressurized water reactor − PWR) −, por meio do enriquecimento19 do urânio. É uma etapa estratégica e considerada de fundamental importância para a continuidade autóctone do PNM, além do seu efeito multiplicador de arrasto tecnológico20 que pode ser medido pela extensa gama de itens que hoje têm aplicação generalizada em setores diversos do País. Como diretriz do programa, os diversos empreendimentos a cargo do CTMSP são concebidos pela equipe técnica que, em alguns casos, conta com a colaboração de pesquisadores de outras instituições e de universidades do país. Para a consolidação dessa imprescindível parceria, o CTMSP conta com o Centro _______________ 18 Disponível em: <https://www.mar.mil.br/ctmsp>. Acesso em: 11 jun. 2012. Enriquecimento do urânio – é a obtenção do urânio com maior concentração, de modo a permitir sua utilização nos elementos combustíveis de um reator nuclear. (CTMSP, 2012). 20 Efeito de arrasto tecnológico – é o processo de obtenção de tecnologia e de itens de utilização dual com objetivos diferentes do originalmente planejado. Disponível em: <https://www.mar.mil.br/ctmsp>. Acesso em: 11 jun. 2012. 19 31 Experimental Aramar (CEA), onde oficinas técnicas e laboratórios especializados estão instalados, criando o que se considera infraestruturas críticas definidas como “estruturas físicas, sistemas, bens e serviços que se interrompidos ou destruídos total ou parcialmente, poderão provocar impactos”, no caso específico do CEA, “ambiental, econômico, político e importante para a segurança do Estado brasileiro” (BRASIL, 2011, p.11). Desta forma, um significativo acervo tecnológico se acumula pelo esforço do conhecimento, gerando alta capacitação tecnológica em diversas áreas de interesse do desenvolvimento nacional. Tais ações possibilitam que equipamentos, matérias-primas sensíveis e itens de difícil aquisição no mercado possam ser projetados, desenvolvidos e fabricados no Brasil, gerando tecnologia própria e independência externa. Atualmente, o PNM desenvolve três grandes projetos: a continuidade no domínio do ciclo do combustível nuclear, envolvendo as fases de conversão, enriquecimento, reconversão e fabricação do elemento combustível nuclear para atender ao abastecimento dos reatores de interesse da MB; o da propulsão nuclear, com a construção e operação do Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE); e o de infraestruturas. Por ser um empreendimento estratégico sensível e por exigir alta confiabilidade nos requisitos de segurança nuclear operacionais, à semelhança dos países que desenvolveram a tecnologia de construção de reatores para a propulsão dos seus S(N), o LABGENE será uma instalação de ensaios, de homologação técnica nuclear, e um protótipo em terra, similar ao reator que será operado internamente no S(N) brasileiro. O laboratório também funcionará como um centro instrução e de treinamento dos mantenedores e das futuras tripulações do S(N). No projeto de infraestruturas, além das já existentes, outras instalações de grande porte estão sendo preparadas para apoiar e manter o projeto tecnologicamente independente. Todas as conquistas tecnológicas do PNM, e consequentemente do PNB, têm se mostrado de uma dimensão estratégica ampla e dual, na medida em que o domínio dessa capacitação possibilita o emprego direto no desenvolvimento e no progresso nacionais. O sucesso do PNM, e a sempre firme disposição demonstrada pela MB possibilitam dizer que a construção do S(N) se dará em um futuro próximo 32 e, a capacidade de dissuasão pretendida pelo País será atingida pelo seu efetivo emprego no Atlântico Sul. 4 INTERESSES DO PODER MARÍTIMO BRASILEIRO O mérito supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar. (Sun Tzu, In: A Arte da Guerra). A partir de 1989, com o fim da paridade nos campos geopolítico, militar e econômico entre EUA e União Soviética (URSS), cujos Poderes Nacionais se equilibravam e mantinham um ambiente de previsibilidade estratégica, foi iniciada a transição do mundo bipolar político-estratégico para o mundo multifacetado econômico-comercial. Essa transição tem se dado pelo desenvolvimento e a massificação das comunicações; pela redução das barreiras econômicas transnacionais; e o conseqüente crescimento das transações comerciais. O fim da Guerra Fria também trouxe um outro tipo de conflito para esse cenário confuso do Século XXI − o Norte-Sul −, conflito este político-econômico entre os que possuem armamento nuclear e os que não possuem. Com os EUA consumindo cerca de 40% da energia mundial, a China demandando outro percentual significativo, a Europa e o Japão como outras duas forças econômicas poderosas, não sobra muito para os demais países desenvolvidos e, menos ainda, para os países periféricos, apontando para mais um motivo de desagravo, e provavelmente de crises neste século. (ZIMMERMAN, 1990, p.159). Tais fatos também poderiam sugerir que os conflitos entre os Estados haviam alterado o seu status, e a população mundial poderia se dedicar a viver uma época de harmonia e de desenvolvimento social. Não tão simples assim. As assimetrias dessa chamada nova ordem mundial têm diversificado e intensificado as formas de conflitos e que autores genericamente sistematizam e identificam como origem das ameaças transnacionais em segmentos diferentes da atividade humana; da proliferação das armas de destruição em massa; além das ameaças regionais, centradas em Estados-nação, e considerados por Guimarães (2000) como Estados 33 falidos, mas com alguma relevância local. Flores (2007) comenta os possíveis motivos para os próximos conflitos da seguinte forma: Na atual conjuntura do mundo, justifica particular atenção o potencial de perturbação decorrente do descalabro social em que os países atrasados e mal sucedidos (os “failed states”, no jargão político-estratégico). Também se justifica o desencanto que a democracia representativa clássica, naqueles países [...] agressões ambientais, escassez e/ou exaustão de recursos naturais vitais [...], agrava a intranqüilidade internacional [...]. (FLORES, 2007, p.20). Complementa Silva (2005), sobre as ameaças: O inimigo hoje – ao contrário da URSS, detentora de uma população, território e economia que deveria proteger e evitar a destruição – é invisível, age sob a forma de uma rede contínua de fluxos diversos, lícitos e ilícitos, cambiando de materiais, formas e ferramentas conforme as pressões e as necessidades. (SILVA, 2005, p. 37). Do ponto de vista do autor, a América do Sul se situa em uma região afastada dos principais eixos de crises militares mundiais e se apresenta como um continente de identidade estrategicamente diferenciada, pois ainda é livre de armas nucleares, apresentando um baixo percentual dos Produtos Internos Brutos de seus países com gastos militares, e, ainda, uma proximidade linguística e cultural. Nessa vertente, acreditamos que a ameaça contemporânea que mais diretamente afeta o Brasil diz respeito à integridade do território nacional, proveniente de países fora da América do Sul e de maior expressão militar, que podem atuar de forma solitária, ou em conjunto, em uma coalizão nucleada em um ou mais Estados de influência mundial. Os motivos para tal intervenção podem ser as denominadas “questões globais”, tais como: os conflitos étnicos indígenas; os danos ambientais aos biomas da região amazônica ou do cerrado; a defesa da democracia e do bem-estar social nacional, ou até mesmo de pretextos econômicos-estratégicos e que exerçam forte influência nas ações políticas, como a pesca predatória, ou ainda a preservação das fontes de hidrocarbonetos da plataforma continental brasileira. 34 Uma das importantes ações atribuídas à estratégia marítima é a de educar e informar à sociedade, principalmente à elite política do país, sobre as especificidades do ambiente marítimo, pois alguns assuntos e termos relativos ao mar, tais como: linhas de comunicações marítimas; transporte e fronteiras marítimas; e controle de área marítima não são evidentes para todos. (FRIEDMAN, 2007). Embora, atualmente, o Brasil e o Atlântico Sul possam estar distantes dos principais focos de interesse mundiais, estes são rapidamente mutáveis. A respeito do assunto, a PDN enuncia: Após um longo período sem que o Brasil participe de conflitos que afetem diretamente o território nacional, a percepção das ameaças está desvanecida para muitos brasileiros. Porém, é imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos interesses. Um dos propósitos da Política de Defesa Nacional é conscientizar todos os segmentos da sociedade brasileira de que a defesa da Nação é um dever de todos os brasileiros. (BRASIL, 2005). A situação geoestratégica do Brasil, como um país cada vez mais importante nas relações internacionais, é realçada em face de possibilidades de conflitos entre os legítimos interesses nacionais e os das potências extracontinentais. A expectativa do crescimento populacional e as disputas pelas fontes de recursos mundiais, cada vez mais raras, podem encorajar estados a reclamar extensões sobre áreas marítimas, potencialmente resultando em crises ou mesmo conflitos, e quando poderão ficar evidenciadas certas dificuldades do Poder Militar brasileiro para fazer frente a potencial ameaça. Desta forma, a MB considera importante, para os interesses do Brasil, o fortalecimento do Poder Naval em tempos de paz, constituinte do Poder Militar brasileiro, para que, em apoio à vertente diplomática, exerça uma dissuasão crível e possibilite a manutenção da integridade territorial, da defesa dos interesses nacionais e, por conseguinte, a segurança e a soberania nacionais. Segundo Friedman (2007), em 1889, “quando o ministro da Marinha dos EUA pediu que oficiais da Marinha planejassem a estratégia nacional”, foi então verificada a necessidade de se estabelecer um conceito de defesa territorial 35 avançada daquele país, ideia revolucionária para a época e que consistia em ameaçar o potencial inimigo ainda em sua região de influência, dissuadindo-o de se aventurar no litoral norte-americano. Essa estratégia, modernizada e ampliada, é hoje conduzida por aquele Estado como uma doutrina de defesa contra ameaças externas. Continua Friedman (2007): [ ... ] concluíram que os EUA não seriam capazes de defender o seu litoral devido às inúmeras vias marítimas daquele país e que a única opção viável era a construção de uma esquadra capaz de ameaçar potenciais atacantes próximos à própria costa de modo a dissuadi-los de atacar ou forçá-los à defensiva. (FRIEDMAN, 2007, p. 42). Mesmo sendo uma estratégia proposta no final do Século XIX, conforme visto, ela é muito atual e poderá ser adaptada para a realidade brasileira, pois o País possui um cenário físico semelhante ao enfrentado desde aqueles tempos pelos EUA. Assim, invertendo o fluxo natural e adentrando ao Brasil a partir do litoral, um largo e profundo rio, com afluentes caudalosos e navegáveis, penetra até o coração da Região Amazônica, tornando possível a um inimigo o controle de área limitado, mas que poderá se tornar permanente dependendo da versatilidade e da capacidade logística e operacional desse inimigo. A Doutrina Básica da Marinha formulou a seguinte assertiva: A configuração da ordem internacional baseada na unipolaridade no campo militar associada às assimetrias de poder produz tensões e instabilidades indesejáveis para a paz. (BRASIL, 2004). Com capacidade restrita, pela qualidade e quantidade de seus meios navais regionais, a MB poderá não ter força de resistência suficiente para se opor de forma efetiva a um inimigo de maior expressão militar e cuja relação custo/benefício para iniciar um conflito ou mesmo uma conquista temporária seja suficientemente atraente para atingir seus interesses e encorajá-lo a reclamar, no mínimo, participações em áreas que são legitimamente brasileiras. Vivemos um instante da história mundial onde normas que regerão o 36 sistema das relações internacionais, embora discutidas nos fóruns, são elaboradas por uns poucos Estados realmente independentes, ou organizados em blocos de diversos interesses, mas detentores de grande poder de influência e capazes de exercerem pressões política e econômica, respaldados por poder militar de alcance mundial, onde buscam, em seu exclusivo proveito, vantagens significativas em detrimento de outros Estados de menor expressão. Naturalmente, essa conjuntura estimula o indesejável surgimento de antagonismos entre os Estados desenvolvidos e aqueles em via de desenvolvimento. É fato que as riquezas do Brasil têm aumentado com o desenvolvimento do agro-negócio; com as descobertas de depósitos profundos de hidrocarbonetos, cujo potencial de exploração ainda não foi integralmente avaliado, e presentes no limite da Plataforma Continental brasileira, uma fronteira imprecisa e notadamente desguarnecida; além da abundância dos recursos hídricos, presentes em quase todo o território nacional. Neste conjunto, segundo declarado na mídia, tanto por analistas internacionais quanto por ambientalistas, a água será um dos ativos de maior carência e demanda mundial ainda neste século. Some-se aos citados ativos a grande extensão territorial nacional, abundante em outros recursos naturais estratégicos, tendo parte considerável desses ativos cobertos pela densa floresta amazônica, o que poderá induzir os Estados centrais, sob a égide da ONU, considerá-la de interesse humanitário para a sobrevivência das populações do planeta, e consequentemente impossibilitar a exploração desses recursos nacionais, sob o pretexto de defesa do meio ambiente, evidenciando assim, a relevância estratégica de todo o território do Brasil. Desta forma, é prudente que se deva antever que os interesses mundiais, cedo ou tarde, se transfiram não só para o Brasil como para outros Estados que compõem a América do Sul. Como decorrência, é plausível a presença de potências extra-regionais na busca dos interesses geoestratégicos de seus habitantes, utilizando como desculpa para algum tipo de ação as intervenções humanitárias (como exemplo para o caso brasileiro, a defesa das nações indígenas ameaçadas de extinção), ou mesmo a proteção e o uso racional do bioma amazônico, e das extensas regiões produtoras de alimentos e de energia. Esses assuntos destacam bem o confronto, já presente, entre os interesses nacionais e o dos Estados centrais, que possuem a envergadura de um 37 Poder Militar forte e de um consequente Poder Naval com potencial de presença, apoio e intervenção, capacitado a exercer influência, persuadir e dissuadir, além da característica de permanência para atuar nesta distante área marítima do Atlântico Sul, área primária para os interesses geoestratégicos brasileiros. (PINTO, 1989, p. 101; BRASIL, 2004). Complementamos que além da potência militar considerada hegemônica, os EUA, alguns outros países, a exemplo da França, Grã Bretanha, Espanha e Itália, para citar somente os ocidentais, com forças navais consideráveis, nucleadas em porta-aviões, e com plena capacidade de apoio logístico móvel, em uma possível coalizão de Estados, ou mesmo atuando isolados, têm força para exercer pressão nesta região do Atlântico Sul, por longos períodos. Merece ainda destaque a posse de algumas ilhas oceânicas por parte da Grã Bretanha, formando um arco no Atlântico Sul, a meio caminho da África, e que envolve a América do Sul, representando um significativo fator de força em qualquer conflito nessa área marítima e mesmo nos territórios dos Continentes Americano ou Africano. Pela extensão do Oceano Atlântico, países que desejam projetar poder, necessariamente devem possuir a capacidade de operar uma força naval em águas azuis21, ou seja, ter uma capacidade logística significativa de apoio para essa força naval. Assim, estando o arco das principais ilhas oceânicas do Atlântico Sul em poder da Grã Bretanha e de seus aliados, as intervenções de forças navais de países alienígenas a este Oceano pressupõem um esforço logístico vigoroso. Deve-se estar atento para a escalada de crises ou a ocorrência de possíveis conflitos de interesses com o aumento da presença chinesa na África meridional, acompanhado de investimentos consideráveis, em uma área de interesse geoestratégico do Brasil. A expansão chinesa naquele continente ainda não tem interferido significativamente com os interesses brasileiros, mas não há garantias de que num tempo muito próximo, na ávida busca por matérias-primas e energia não estejam os chineses dispostos a ocupar espaços também na África ocidental e contrariar os interesses estratégicos brasileiros, apoiando-se inicialmente na força da diplomacia, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU que é, mas quando necessário, poderá lançar mão de uma força militar e força _______________ Águas Azuis – é uma tradução do conceito norte-americano de “Blue-waters” que significa alto-mar, ou águas oceânicas. Considera-se que uma marinha de águas azuis pode atuar longe de suas bases, pois possui plena capacidade logística para se sustentar por longos períodos afastados. 21 38 naval considerável, já nucleada em porta-aviões, acompanhada de S(N) e de submarinos balísticos estrategicamente posicionados, como apoio às suas ideias expansionistas. Aduze-se que os líderes chineses, impulsionados pelo sucesso do seu desenvolvimento e da ascendência econômica asiática, vêm atribuindo importância diferenciada ao emprego do Poder Naval em apoio aos objetivos nacionais. Seu envolvimento no projeto de S(N) com armamento estratégico de longo alcance é um forte indício de que os chineses seguem alguns dos passos estratégicos dos norteamericanos, alterando a antiga e exclusiva mentalidade continental, e entendendo a importância de ter uma força naval que lhes dê projeção mundial e suporte os seus interesses estratégicos em regiões distantes daquele país. Outro fator relevante a ser considerado na área marítima do Atlântico Sul é o elevado valor estratégico dos Estreitos de Drake e de Magalhães na América do Sul e da rota que passa pelo cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África, por se constituírem nos únicos caminhos naturais entre os Oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, em caso de interdição dos canais artificiais do Panamá e de Suez, locais sujeitos à instabilidades geopolíticas, como tem acontecido desde 1948. Em relação ao Continente Antártico, o Brasil se faz presente na ocupação territorial daquela região e tem manifestado o seu interesse científico com participações construtivas e cooperativas nas pesquisas. O Tratado Antártico tem limitado ações exploratórias de Estados e preservado os recursos naturais fora da cobiça internacional. Entretanto, na medida em que se faça necessária à exploração desses recursos, é previsível o surgimento de focos de tensão no Atlântico Sul. Citado por Vidigal (2002), o ex-Ministro da Marinha Maximiano Fonseca 22, esclarece a visão estratégica que o Brasil deve possuir em relação à Antártica: A presença brasileira na região Antártida justifica-se por motivos de ordem econômica, científica e de segurança nacional, sendo de ressalvar os seguintes aspectos: [...]; o Brasil é detentor da mais extensa costa marítima do Atlântico Sul, devassada pelo Continente Austral; [...]; há indícios muito significativos da existência de vastos campos de petróleo no continente e na _______________ 22 FONSECA, Maximiano E. Silva – em Conferência pronunciada na EGN, em 1982. (VIDIGAL, 2002). 39 sua plataforma continental; a Antártida possui, certamente, imensas reservas de recursos minerais ainda por explorar e para as quais não existe, no Tratado, a mínima referência; [...]. (FONSECA apud VIDIGAL, 2002, p. 34-35). Os conflitos clássicos entre o Brasil e os seus vizinhos continentais, apesar de pouco prováveis, não são de todo impossíveis. As ameaças regionais não são imediatas, mas é possível que o agravamento de crises socioeconômicas nos países da região acarrete uma instabilidade política em governos que no passado não muito distante já se utilizaram de contenciosos para desviar a atenção de seus graves problemas internos. Citam-se os casos das Ilhas Malvinas, cuja disputa territorial é latente por parte de um Estado alienígena ao Continente Sul-Americano; os problemas fronteiriços entre Peru, Chile e Bolívia, e ainda a crise entre Colômbia, Equador e Venezuela, todos bem ilustrando a instabilidade política regional. Apesar desses focos de instabilidade entre alguns países do Continente Sul-americano, seus governantes vêm demonstrando maturidade política na solução dos contenciosos pendentes, que são antagonismos históricos regionais de séculos passados, e que se encontram adormecidos, conduzindo ao raciocínio de que é remota a probabilidade da ocorrência de conflitos clássicos na região e, principalmente, que possam afetar os interesses brasileiros no entorno estratégico nacional. Assim, os governantes regionais devem canalizar energias para a solução dos graves e permanentes problemas socioeconômicos de seus países e manter um quadro de relativa estabilidade política na América do Sul. (FLORES, 2007). No Continente Africano a instabilidade política é bem mais acentuada. Dos países africanos ocidentais de interesse para este estudo, a África do Sul possui maior dimensão política, econômica e militar. País localizado no extremo sul do continente tem o Cabo da Boa Esperança como parte do seu território, que se constitui em um ponto focal de alto valor estratégico para as rotas comerciais entre os Oceanos Atlântico e Índico. Conta também com importantes reservas minerais, principalmente de ouro, diamantes, platina e urânio. Possui ainda um moderno parque fabril, com destaque para as indústrias de armamentos, de produtos químicos e de energia. Cabe mencionar que a aproximação política e econômica com a África do Sul também tem se constituído numa das prioridades da política externa brasileira dos últimos anos. (BRASIL, 2005). 40 4.1 Incumbências Assumidas pelo Poder Naval Brasileiro Algumas marinhas de países periféricos ao adquirirem novas capacidades por oportunidade têm reavaliado e reformulado suas tarefas, ou pelo menos alterado prioridades e políticas de emprego do seu Poder Naval, em uma forma inversa de projetar sua força militar, mas a possível para aqueles países. Pinto (1989) formulou a assertiva de que a contribuição da força naval para a defesa de um território nacional é a principal razão de ser das Marinhas, tal premissa permanece válida. Desta forma, a MB reformulou a sua missão para: Preparar e empregar o Poder Naval, a fim de contribuir para a defesa da Pátria. Estar pronta para atuar na garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem; atuar em ações sob a égide de organismos internacionais e em apoio à política externa do País; e cumprir as atribuições subsidiárias previstas em Lei, com ênfase naquelas relacionadas à Autoridade Marítima, a fim de contribuir para a salvaguarda dos interesses nacionais. (BRASIL, 2004). Desta ampla missão da MB, destacam-se dois propósitos significativos, e de interesse para este trabalho: − contribuir para a defesa da Pátria – entendendo-se que é a aplicação direta da força naval considerando o atendimento à sua destinação constitucional, com o respaldo do Poder Político, e − contribuir para a salvaguarda dos interesses nacionais – é a parte da missão, na qual a MB considera a necessidade contemporânea, que harmoniza as expectativas da sociedade em relação às suas FA. Esses propósitos são atingidos com a execução de tarefas. A que interessa diretamente para este trabalho é a de “preparar e empregar o Poder Naval”, que em termos amplos, é o aprestamento da força naval, e a concepção do emprego dos meios navais, em favor dos citados propósitos. Embora o Brasil não sofra ameaça militar concreta e definida premente, nada garante que esta não surja repentinamente, conforme a história recomenda. Dentre os motivos para a consecução desta ampla tarefa estão: a vulnerabilidade brasileira da necessária proteção das LCM, pois mais de 90% do comércio exterior é realizado pelo mar; a 41 crescente necessidade de resguardar seus recursos naturais na área vital, e em área de interesse do Atlântico Sul; e a preocupação de dissuadir forças navais de outros Estados, mantendo o status regional e a projeção internacional. Outra tarefa de interesse para este trabalho, e que contribui para a missão da MB, é a de “atuar [...] em apoio à política externa do País”, por ser esta uma tarefa significativa, simbólica e de grande representatividade no efetivo emprego do Poder Naval em águas internacionais, demonstrando a disposição da nação em manter laços de amizade. Portanto, da destinação dada pela CF88 às suas FA, e a consequente atribuição dada pela PDN para a estratégia brasileira, destaca-se o emprego das forças navais para a defesa do território nacional como apoio ao Poder Político, proporcionando-lhe respaldo militar e exercendo a persuasão adequada àquela utilização, contribuindo assim para a dissuasão, salvaguardando a soberania e os interesses nacionais em águas jurisdicionais e áreas de interesse no Atlântico Sul. 4.2 Interesses Econômicos e Políticos Há tempos que os analistas internacionais vêem anunciando que os recursos naturais necessários à sobrevivência da humanidade estão concentrados nos mares e lá devem ser explorados. As previsões prosseguem com uma forte competição por esses recursos dos mares, que vão do Ártico, passando pela Área 23, não se esquecendo das extensões de plataformas continentais que podem ser exploradas por outros Estados que não o costeiro que as defronta, até a Região Antártica, região de interesse brasileiro e regida por tratados internacionais. É possível que essa acirrada competição dê origem a conflitos, motivados pelos avanços sobre áreas de outros Estados e consideradas de legítimo interesse. É o que Ken Booth24 explicou como sendo um motivo de geração espontânea de conflitos, ou seja, o sentimento de posse sobre os espaços marítimos, num processo _______________ Área – por definição, é a região dos oceanos não submetida à soberania de nenhum país, sendo de exploração aberta a todos que respeitam a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. 24 BOOTH, Ken – Aplicação da Lei da Força da Diplomacia no Mar. Escola de Guerra Naval e Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1989. 23 42 de ampliação territorial, que poderá resultar na possibilidade de crise e em restrições à mobilidade dos poderes navais. Ressalta-se a não-assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar pela maior potência militar do planeta − os EUA − que, aparentemente, não desejam obstáculos à mobilidade de sua forças e nem restrições às fontes de matérias-primas. Tais fatos podem indicar possíveis reinvidicações e embates político-estratégicos pelos recursos naturais essenciais a sobrevivência da sua população (SILVA, 2007b, p. 472-474). Quanto ao Brasil a importância estratégica da indústria petrolífera em mar aberto e a logística que a suporta são ressaltadas como uma parcela muito importante do Poder Marítimo nacional. Assim, a MB assume um papel relevante na defesa desse interesse estratégico. Neste campo, cabe-lhe garantir a manutenção das LCM, a integridade física das plataformas, oleodutos submarinos, navios de apoio logístico e de transporte, portos de recebimento, e instalações subaquáticas. Com relação à Antártica, região de cobiça e de importância política mundial, o Brasil tem interesses nos campos científicos e estratégicos em decorrência das potencialidades daquela remota região, além dos interesses econômicos e políticos. É um continente contíguo ao Atlântico Sul, com influências no clima nacional, portanto de importância e a MB deve se fazer presente. No que concerne ao Atlântico Sul as vulnerabilidades estratégicas mais expressivas para o Brasil são: o relevante comércio exterior, dependente de extensas LCM e da quantidade de navios mercantes estrangeiros para manter o fluxo de mercadorias; a concentração populacional e de instalações economicamente sensíveis ao longo do litoral; a concentração da produção de gás e petróleo na plataforma continental; e a extensão da costa brasileira e da sua correspondente Zona Econômica Exclusiva (ZEE), a cujos recursos vivos e nãovivos o País tem direito exclusivo de exploração, conforme a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. A produção nacional de hidrocarbonetos está concentrada na plataforma continental, com cerca de dois milhões de barris/dia, o que é equivalente a mais de 90% de toda a produção brasileira de petróleo. A principal companhia nacional de prospecção tem explorado poços cada vez mais profundos e distantes da costa. Alguns desses novos campos petrolíferos encontram-se no limiar das 200 milhas náuticas da costa, tornando cada vez mais ampla e complexa a tarefa da MB para 43 proteger instalações de tamanha importância para a economia do país. (MOURA NETO, 2012). No que concerne ao setor pesqueiro, e de acordo com a estimativa da então Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República, o Brasil deverá elevar a sua produção em quatro anos em 40%, saindo de um total aproximado de 1 milhão de ton/mês para cerca de 1,4 milhões ton/mês. (MOURA NETO, 2012). Com relação à exploração dos recursos vivos nos próximos anos em águas internacionais, além do limite sustentável de cada espécie, o que poderá acarretar reduções significativas em alguns desses recursos, a níveis considerados perigosos de extinção, e assim, podendo tornar, cada vez mais, atrativa a pesca nas águas jurisdicionais brasileiras para países de tradição pesqueira ou onde essa atividade representa parcela ponderável da economia. Contenciosos internacionais dessa natureza não raro têm ocorrido, relembrando a crise que envolveu o Brasil e a França, em 1963, quando navios de guerra brasileiros e franceses posicionaram-se, num afrontamento claro, em decorrência da disputa pela captura de lagostas no litoral nordestino. Naquela ocasião, o firme emprego do Poder Naval brasileiro foi adequado para minimizar a crise, dando sustentação à idéia de que cenários semelhantes são passíveis de repetição e podem surgir inesperadamente, mesmo sem ameaças claras, bastando, para tal, que interesses sejam contrariados. Complementarmente, os principais interesses econômicos brasileiros, relacionados ao Atlântico Sul estão ligados às atividades do “transporte marítimo, à exploração dos recursos do mar, do fundo mar e abaixo dele, aos levantamentos e as pesquisas científicas, aos interesses de segurança, à Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS) e à exploração científica da Antártica”. (MOURA NETO, 2012). 44 4.3 Interesses Legais e Militares O Estado brasileiro, expresso na Constituição Federal de 1988, admite a atividade nuclear somente para fins pacíficos. E consoante com esta diretiva, o País tem firmado e cumprido tratados e acordos internacionais que limitam e dão garantia jurídicas de que o Brasil não fabricará armamento nuclear. O primeiro objetivo militar de uma força naval deve ser a obtenção e a manutenção do controle do mar, seja em tempo de paz, crise e especialmente nos conflitos. Não se discute sobre o controle absoluto dos mares − o Domínio do Mar −, mas sim, aquele que é exercido em área limitada de interesse, por determinado tempo e em diferentes graus de intensidade. Esse controle se estende ao solo marinho, às águas sobrejacentes, ao espaço aéreo, e ao controle do espectro eletromagnético da área. Em conflitos, normalmente, é obtido por meio de batalhas navais ou por operações de bloqueio naval, dando liberdade de atuação à força controladora. Obter uma vitória decisiva, de forma a assegurar o controle pleno de uma área, depende de algum tipo significativo de superioridade, que acreditamos ser a melhor forma de encaixar um S(N), como uma surpresa naval. Quanto ao bloqueio naval, um S(N) contribui para manter a força naval inimiga confinada em suas bases ou fora da área que se quer controlar, negando o acesso a essa área de interesse. Duas grandes estratégias são aplicadas: as dos Estados tradicionalmente continentais e a dos Estados marítimos, que são aqueles que têm a dependência completa do TM para atender as sua demandas de exportação e importação, é o caso do Brasil. Segundo um trabalho de cunho estratégico publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Armada Argentina25, os países continentais devem priorizar os seus exércitos e os marítimos suas esquadras, acreditam ainda que somente em casos excepcionais, um país tem capacidade plena de manter forças terrestres e navais equilibradas o suficiente para atuar em ambas as situações. Enquanto os Estados marítimos consideram que o controle do mar para os seus interesses é suficiente, pois assim também, e ao mesmo tempo, estariam negando o uso do mar, os continentais atuando no mar se limitam simplesmente a atacar diretamente o TM, _______________ 25 Centro de Estudos Estratégicos da Armada da Argentina – disponível em: <www.centronaval.org.ar/centronaval>. 45 seja ele militar ou mercante. A história demonstra que em longo prazo a estratégia dos Estados marítimos tem sido a prevalente, em detrimento do simples ataque as LCM, sem o estabelecimento efetivo de um controle da área. O ataque ao TM de forma indiscriminada, à luz do Direito Internacional Público, não é aceitável, estando o Estado que o pratica, sujeito às reprovações internacionais, pois nem sempre se pode identificar o navio inimigo se está ou não engajado no esforço de guerra. Embora paradoxal, a utilização da energia nuclear para mover um submarino, ou qualquer outro meio naval, é considerada como uso pacífico. Tal entendimento se tornou jurisprudência no período da Guerra das Malvinas quando a Argentina reclamou junto a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) contra a violação do Tratado sobre a Não-Proliferação Nuclear (TNP) por parte de submarinos nucleares britânicos no Atlântico Sul. A Agência julgou que, à luz do TNP, era improcedente tal denuncia, pois a propulsão nuclear não se configurava como uso bélico da energia nuclear. (GUIMARÃES, 1999, p. 218-221). Desta forma, considerando as prioridades estratégicas brasileiras atribuídas na PDN, à concepção da negação ao acesso ao litoral nacional pelo mar, o controle de áreas internas às AJB, e os cenários atual e prospectivo indicam que o delineamento do Poder Naval brasileiro deverá contemplar uma força compatível com a dimensão do País no cenário internacional de forma a exercer influência, persuadir e criar a sensação dissuasória crível, por meio de S(C) e de S(N), já que a posse de submarinos de propulsão nuclear não ferem a nossa Lei maior. 4.4 Significado Estratégico do Poder Naval Brasileiro De acordo com o conceito adotado na Escola Superior de Guerra (ESG), “estratégia é a arte de preparar e aplicar o poder para conquistar e preservar objetivos, superando óbices de toda ordem” (BRASIL, 2009, p. 46), e no que concerne a este trabalho, visando alcançar e manter os objetivos estabelecidos pela Política Nacional. No caso brasileiro, pode-se dizer que é a diretriz para uma ação que tem por objetivo obter satisfações da nação. A estratégia implica na existência de uma vontade individual ou coletiva consciente para orientar e coordenar esforços 46 na obtenção de metas. Nesse sentido, a estratégia para o cumprimento da missão da MB está orientada no sentido de atender as vontades nacionais de preservação da soberania, da integridade territorial, e dos interesses do Brasil no mar. Então, particularmente, interessa estabelecer as diretrizes para a estratégia naval e identificar formas de contribuição do Poder Naval brasileiro para o atendimento dessas vontades nacionais. A contribuição do Poder Naval para a manutenção da paz é resultante de seu valor e de seu aprestamento. (PINTO, 1989) e (VIDIGAL, 2002). Para a manutenção da integridade territorial, da soberania e dos interesses nacionais, o Poder Naval além da contribuição para a dissuasão, possui outras três tarefas básicas: controlar áreas marítimas; negar o uso do mar ao inimigo; e projetar poder sobre terra. Tais tarefas são executadas ao longo da campanha naval, sendo que o grau de importância entre elas alterará de acordo com o cenário do planejamento estratégico. (BRASIL, 2004). No Brasil, dependente do mar para o seu comércio exterior e vulnerável a agressões provenientes dessa via de acesso, é merecedor de atenção do Poder Naval brasileiro a vigilância e a presença em áreas marítimas de interesse para as comunicações marítimas e para a defesa do território, bem como para a preservação do patrimônio existente na área vital. No Atlântico Sul, a negação do uso do mar poderá ter prioridade por ser a tarefa básica empregada, normalmente, por Poder Naval que não tem condições efetivas de manter o controle de extensas áreas marítimas. Em outras palavras, o Poder Naval brasileiro, na atual conjuntura e, cada vez mais, nos cenários futuros, deverá dispor de meios navais capazes de, principalmente, negar o uso do mar ao inimigo, não permitindo que uma força de potência alienígena obtenha o controle de uma área marítima e, a partir dela passe a ameaçar os legítimos interesses brasileiros, o direito de utilizar as LCM do Oceano Atlântico, ou a soberania nacional. Nesse contexto, a concepção estratégica brasileira prevalente é a de possuir meios de forma a “impor custo elevado a uma eventual opção militar, dissuadindo agressões e incentivando a soluça pacífica das controvérsias” (BRASIL, 2006, p. 6-1). Assim, os submarinos de ataque se apresentam como eficazes meios navais de forma a impor esse elevado custo e, dentre eles, o S(N) por suas 47 características superiores, tornando-se, portanto, como os mais indicados para dissuadir e a se contrapor as eventuais ameaças aos interesses vitais do Brasil. Em síntese, a aplicação do Poder Naval destina-se na paz − a contribuição para a dissuasão de vontades estrangeiras antagônicas, assegurando a credibilidade do País −; e em situações de conflito – a contribuição para a manutenção ou o restabelecimento da soberania nacional −. Estas reflexões conduzem a duas constatações políticas: a credibilidade internacional do País é conseqüência da capacidade de dissuasão representada pelo seu Poder Militar; e um Estado-nação somente é suficientemente soberano quando o seu Poder Naval não for visto, internamente, como desejo ou capricho de um grupo, mas percebido como um forte elemento dissuasor de ameaças e garantidor da soberania, da independência, da identidade nacional e do desenvolvimento sustentado. (PINTO, 1989, p. 65-86). Assim, é importante que a nação brasileira entenda o significado estratégico do mar e disponha de um Poder Naval capaz de se fazer presente nos limites extremos de suas áreas de interesse, e consequentemente, que possa exercer uma vigilância efetiva e a defesa adequada dessas áreas, bem como mantenha a segurança de suas LCM. A concepção estratégica do Brasil contida na Política de Defesa Nacional é a de possuir meios capazes, não só de derrotar o adversário, mas, principalmente, de “impor um custo elevado a sua eventual opção militar, dissuadindo agressões e incentivando a solução pacífica das controvérsias”. (BRASIL, 2005). Outra premissa da MB é a convicção de que alterações geopolíticas não serão capazes de modificar a relevância estratégica do Atlântico Sul para a nação brasileira. Assim, entendemos que a atuação da MB prosseguirá exercendo prioridade sobre a Amazônia Azul em relação às demais áreas de interesse geoestratégicas brasileiras. 48 5 A DIMENSÃO DA ARMA SUBMARINA O relevante não é nem o que o submarino vai fazer, mas o que ele pode fazer. E pode tanto que sua simples existência é suficiente para produzir boa parte dos efeitos desejados. (MOURA NETO, 2009, p. 13). Submarino é um navio de guerra especial projetado para ser usado totalmente submerso no meio líquido dos mares e oceanos. Decorre daí duas importantes características de um submarino: a capacidade de ocultação e a mobilidade tridimensional em imersão, o que contribui para torná-lo praticamente invisível e lhe confere a iniciativa do ataque, uma vantagem importante das operações navais, submetendo o adversário a um esforço significativo para se opor a tal ameaça, representado pela incerteza, da presença, ou não do submarino. A outra característica significativa de um submarino se relaciona com a capacidade de poder operar em áreas marítimas controladas pelo inimigo. A Política de Defesa Nacional aponta para o fortalecimento de mecanismos dissuasórios, normalmente em conjunto com a cooperação. No caso brasileiro, pela tendência natural do País de ser cada vez mais atuante e forte no cenário internacional, “compatível com a sua estatura e aspirações políticas”, não é prudente a dependência única da proteção originada pela cooperação entre os Estados e permanentemente incentivada pela vertente diplomática internacional. Conforme o documento político da defesa brasileira, a diplomacia é a ação prioritária a ser tomada, mas ela só é efetiva na medida em que está apoiada em um Poder Militar forte e crível. (BRASIL, 2005, p.12). O Poder Naval, força integrante e atuante do Poder Militar, possui, dentre seus elementos componentes de dissuasão, o submarino, que, no estado da arte e adequadamente armado, é um meio dissuasório por excelência. Conforme Zimmerman (1990), “assim como as armas nucleares, submarinos são ferramentas da guerra total”. E ainda segundo Vidigal (2002, p.17) o submarino de propulsão nuclear “possuí capacidades superiores que o torna um dissuasor por excelência”. Para a MB, a estratégia dissuasória naval se concretiza e se amplia com a “disponibilidade de submarinos dotados de propulsão nuclear”. Essa dissuasão deve 49 apresentar credibilidade, ser executada a partir do tempo de paz e evoluir durante o período de crise, para diminuir a vontade do adversário. (ZIMMERMAN, 1990, p.157) e (BRASIL, 2004, p. 3-4 e 3-5). Pinto (1989), quando se refere à capacitação de uma força naval, balanceada nos seus meios aponta para a seguinte ressalva sobre os submarinos: [...] o ideal seria que os submarinos se constituíssem nas primeiras unidades de uma Marinha. A capacidade oceânica dessas unidades, a característica de poder atuar escoteiro, a expressiva autonomia, a enorme dificuldade de ser detectado, o incrível poder de atacar, [...] sendo um meio ofensivo, aliados ao grande poder de dissuasão, conferem aos submarinos uma extraordinária importância no contexto da guerra naval [...]. (PINTO, 1989, p.99). Todas são opiniões emitidas com conhecimento sobre as características, possibilidades e as capacidades da plataforma submarina, atuando como uma opção de elemento naval ofensivo e agressivo. Na contínua avaliação de um conflito, principalmente na comparação dos poderes combatentes das forças envolvidas, a simples existência de uma força de submarinos requer de qualquer oponente, no mínimo, um rebalanceamento de seus próprios meios para se contrapor a suposta presença de submarinos hostis. (ZIMMERMAN, 1990). Comparativamente com outras plataformas navais de combate de custo semelhante, pode-se dizer que submarinos não são investimentos caros, e se apresentam com a menor relação custo-benefício. Suas características intrínsecas, principalmente as de ocultação, de discrição, e a postura agressiva e destruidora − por não poder graduar o seu poder de avaria contra o inimigo − tornam os oceanos uma perigosa opção de via de comunicação àqueles Estados que não podem se contrapor a esse tipo de ameaça. Os submarinos exigem uma pequena quantidade de especialistas para manobrá-lo, carregam um menor número de armamentos, embora de alto poder destruidor, e são econômicos no consumo do combustível e na manutenção do meio. Quando armados com mísseis podem atacar tanto alvos em terra quanto navios de superfície, a longa distância, com surpresa e precisão, e muito menor exposição. (ZIMMERMAN, 1990). O fim da Guerra Fria, e a significativa evolução tecnológica têm 50 provocado uma diminuição na posse de submarinos sofisticados e de grande porte, embora as vendas de submarinos convencionais para Marinhas de menor porte não tenham encolhido, vide na América do Sul, onde somente alguns poucos países não os possui. O que se observa é uma constante preocupação com a modernização dos equipamentos desses meios, e tudo isso ocorre, sem abalar o poder de fogo destruidor ou a capacidade dissuasória que provocam. Quanto à redução do número de submarinos, esta pode ser bem notada pelos balanços nos inventários das armadas francesas, britânicas ou norte-americanas, embora “quem possui a arma silenciosa não abre mão de sua capacidade”. (ZIMMERMAN, 1990, p.157-158). É notório que as atuais classes de submarinos de ataque, tanto convencionais quanto nucleares, têm agregado capacidades importantes e significativas para atender demandas contemporâneas do Poder Político tanto em tempo de paz, quanto em crise. Assim, a tecnologia submarina tem evoluído principalmente no poder de discrição e, por conseguinte, aumentado à capacidade de ocultação e minimizado a probabilidade de detecção. Esses fatos acarretam no aumento das opções para a decisão do comandante do submarino, na escolha do momento do ataque, e antes de ter a presença confirmada pelo inimigo. Para tal, técnicos desenvolvem sistemas que apostam, cada vez mais, na automação dos equipamentos, substituindo a experiência humana, e aumentando o tempo de operacionalidade e disponibilidade dos submarinos como um todo. Neste ponto, cabe a colocação de que na Guerra das Malvinas (1982), a presença de submarinos hostis, de ambos os contendores, provocou grande influência na forma de operar das unidades navais beligerantes. O afundamento do navio argentino ARA General Belgrano pelo S(N) britânico HMS Conqueror, por meio de torpedo convencional, implicou no retorno da Marinha argentina aos seus atracadouros; enquanto que a presença de um simples S(C) argentino, depois avaliado como de baixo poder de fogo por problemas apresentados nos torpedos, mas não desprezível, recomendou uma postura defensiva e cautelosa para a esquadra britânica, que estava capacitada para a guerra anti-submarino, obrigandoa a operar a uma distância segura do coração do conflito. Zimmerman (1990) avalia ainda que os britânicos, com a sua considerável força naval, agiram de acordo com as recomendações da doutrina anti-submarino defensiva e prossegue, “uma avaria séria ou a perda de um porta-aviões britânico por torpedo argentino, poderia ter 51 provocado profundo impacto no cenário daquele conflito26” (o autor assim traduziu). (ZIMMERMAN, 1990, p.158). Um submarino moderno, convencional ou nuclear, é reconhecidamente uma arma com alto potencial para negar o uso do mar ao inimigo. Quando conduzido com destreza, é um adversário considerável, mesmo para uma força naval bem equipada. Conforme Zimmerman (1990), “assim como as armas nucleares dão o real significado ao termo deterrência, assim também são os submarinos. A posse destes provoca cuidados para não tornar o Estado hostil e, assim como as armas nucleares, estão restritos a umas poucas nações 27” (o autor assim traduziu). (ZIMMERMAN, 1990, p.158). A área vital brasileira, uma das vertentes prioritárias para o País, pode ter a sua defesa realizada por alguns S(C), mesmo com limitações. Assim, é conveniente que o Estado brasileiro continue a possuir esse tipo de submarino, mas em maior número por conta de sua extensa costa com profundidades médias menores que 100 metros. Entretanto, o crescimento nacional materializado no incremento do comércio exterior nas LCM, e pelas cada vez mais distantes fontes de hidrocarbonetos, tão essenciais à vida nacional, aliados à crescente projeção internacional do País e as futuras e previsíveis crises decorrentes das disputas político-econômicas, recomendam a aplicação de uma estratégia de defesa afastada do litoral, com a presença em áreas oceânicas, e a vigilância constante nas fronteiras do Atlântico Sul. Desta forma, o S(N), por suas características singulares, é o meio naval com capacidade de dissuasão e adequado para exercer esse fator de presença e permanência em áreas marítimas distantes das costas brasileiras. _______________ Tradução livre. No original: “Because the damage or loss of an aircraft carrier from an Argentine torpedo would have had a profound impact on the conflict”. 27 Tradução livre. No original: “But just as nuclear weapons gave meaning to the term deterrence, so do submarines. Their possession enforces caution on the part of a would-be hostile nation; countering them requires a sophistication few (if any) nations possess”. 26 52 5.1 Submarino Convencional – S(C) É a designação do submarino que possui a propulsão diesel-elétrica, ou seja, é a energia transformada do motor diesel, acionando um gerador elétrico, e que carrega os seus acumuladores de energia (baterias), ou pode ainda ser transferida diretamente para o motor elétrico propulsor e daí para o conjunto eixo/hélice. Atualmente, alguns poucos S(C), opcionalmente, possuem uma fonte extra de energia, e que se convenciona chamar genericamente de AIP (air independent propulsion). Como o nome sugere, são diferentes fontes de energia auxiliar e independentes do ar atmosférico, de forma que, ao serem acionados, seus sistemas proporcionam maiores velocidade e/ou permanência submerso, com a desvantagem de durar um tempo limitado, quando então necessitam regressar às suas bases para recarga. Os S(C) são construídos com uma característica importante visando à guerra anti-submarino: são silenciosos, quando em baixas velocidades; e difíceis de detectar, quando em imersão. Portanto, são eminentes armas que provocam surpresa tática ao inimigo. Outra característica significativa é o tempo de carga e descarga das baterias, uma de suas limitações, e que está, cada vez mais, favorável ao S(C) devido aos avanços tecnológicos na fabricação. Por outro lado, em caso de patrulha longa, ou em áreas distantes, como as do Atlântico Sul, e para que não tenha a necessidade de regresso para sua base, um S(C) é obrigado a possuir apoio logístico no mar, mas isso é considerado como uma fraqueza no requisito fundamental de ocultação do meio. O Brasil possui incorporado ao seu Poder Naval submarinos considerados de baixo nível de ruído irradiado28, ou seja, são submarinos de difícil detecção passiva dos receptores sonar dos navios. Quanto mais silencioso, ou ainda, quanto mais o submarino se utilizar de técnicas de aproximação, aproveitando-se do meio _______________ 28 Nível de ruído irradiado – É o ruído inerente a uma plataforma flutuante e que se propaga na água por distâncias que dependendo de fatores ambientais, tais como temperatura, salinidade, volume e pressão) pode denunciar a presença da referida plataforma a longa distância. 53 ambiente marinho, mais desvantajoso será para um navio na superfície, pois a detecção sonar, quando se dá, provavelmente estará dentro da distância de alcance do armamento do submarino, oferecendo-lhe ampla vantagem na escolha do momento para o ataque. A utilização de torpedos, mesmo lançados de distâncias no limite do seu alcance eficaz, obriga ao S(C) a se posicionar em zonas focais29. Desta forma, os S(C) são considerados armas de nações mais fracas, pois não se mostram para o combate, mas, ao meu ver, é com essa situação vantajosa de posicionamento que se apresentam como eficiente meio de dissuasão naval clássica. A MB desde há muito, associou o submarino a uma arma de grande versatilidade, de real valor na guerra naval e de elevado poder de dissuasão pela sua capacidade de negação do mar a um adversário, mesmo que esse possua meios navais superiores. Embora provoque dissuasão, um S(C) não é suficiente para intimidar os países centrais. Assim, e dentro do enfoque de possuir meios navais capazes de dissuadir Estados com força naval considerável, o Brasil ativou uma Força de Submarinos que, ao longo dos seus quase 100 anos, planejou e executou ousados Programas de Obtenção de Submarinos (POS). O último realizado foi “um marco na história da construção naval no Brasil, representando uma qualificação que nenhum outro país do hemisfério sul tem”. (VIDIGAL, 2002, p. 44). Referiu-se à aquisição de submarinos de arquitetura alemã e a sua respectiva transferência de tecnologia de construção. Adito ainda que o próximo POS – a aquisição de submarinos franceses da classe scorpene − será ainda mais importante para o desenvolvimento do projeto e a construção do S(N) nacional. O programa de construção do S(N), não deve inibir a continuação do POS de S(C) scorpene, pois o programa é a ferramenta importante de avanço tecnológico e estratégico que não deve ser perdido, pois além de manter a capacidade de parcela significativa da indústria nacional de defesa, e de seus recursos que estão sendo plenamente mobilizados, será a base tecnológica da construção do S(N). Quanto às operações secundárias30 executadas por S(C), estes têm a vantagem de realizá-las em litorais até um limite de profundidade mínima que o seu _______________ 29 Zonas focais – ou pontos focais são áreas marítimas de maior probabilidade de concentração de passagem de navios. 30 Operações Secundárias - são ações de submarinos que não têm o propósito ofensivo, não implicando, obrigatoriamente, em um engajamento direto ou de destruição do inimigo. 54 comandante avaliar como seguro, ou ainda de acordo com o limite estabelecido em documento doutrinário31. 5.2 Submarino Nuclear – S(N) A MB, em contínuas avaliações político-estratégicas, e de cenários prospectivos do entorno marítimo nacional, assumiu a desafiante tarefa de construir no país um S(N), apoiada em decisão política de alto nível 32. Submarino nuclear é a denominação clássica atribuída ao submarino dotado de um sistema de propulsão que utiliza a energia nuclear como fonte de energia, não tendo, necessariamente, ligação com o armamento nuclear. Sua característica principal é a de possuir uma fonte quase que inesgotável de energia, e independente do meio ambiente, o que lhe dá extraordinário poder de permanência em áreas afastadas de bases de apoio, elemento importante na dissuasão naval. Um S(N) tem a sua plataforma adequada para desenvolver altas velocidades quando em imersão, daí a grande vantagem da propulsão nuclear, pois além da completa independência do oxigênio, significa uma fonte constante de energia, o que garante rápidas respostas de mobilidade e de velocidade, características singulares. A grande penalidade dessa forma de energia é a complexidade dos diversos sistemas que compõem a propulsão nuclear, assim como os altos investimentos para a sua efetivação e posse. O S(N) possui capacidades para operar independentemente em águas controladas pelo inimigo, distante da base de apoio, e com a velocidade que lhe possibilita mobilidade tática, e alta capacidade de ocultação. Quase nunca necessitam vir à superfície, possuem armamento de grande alcance e seus alvos são buscados e informados por satélites. São meios ideais para, na impossibilidade de exercer o controle de uma área marítima de interesse, impedir que o adversário o faça, adequando-se ao pensamento estratégico defensivo. Tão formidável é a sua preponderância sobre outros meios navais que alguns deles podem ser chamados _______________ 31 32 Este assunto não será aprofundado por ter classificação sigilosa. www.google.com.br – palavra-chave “submarino nuclear”. 55 de “navios capitais de marinhas modernas”. (ZIMMERMAN, 1990, p.164). Entretanto, sua aquisição e operação ficam restritas a Estados de forte economia, principalmente, pelo seu alto poder de posse, mas entendem o alto valor estratégico desse meio na defesa dos seus interesses. Para algumas marinhas de países de menor expressão política, um submarino de propulsão nuclear significa baixa ou nenhuma prioridade por dois problemas significativos: os valores empregados na obtenção e na posse; e os custos políticos envolvidos na aquisição, significando que “qualquer país que deseje possuir um S(N) deve estar consciente da opinião mundial sobre o assunto”. (ZIMMERMAN, 1990, p.7). O preço de obtenção de um S(N) poderá ser de 3 a 4 vezes maior se comparado ao de um S(C). E quando acrescidos os valores envolvendo treinamento, manutenção de apoio ao ciclo de vida e o descomissionamento desse S(N), os custos podem saltar até um valor de 10 vezes, o que é incompatível com economias frágeis. A MB tem consciência desse ônus decorrente de possuir em seu inventário uma arma estratégica e já sofre dessas dificuldades no momento em que pleiteia materiais especiais para a montagem de equipamentos do PNM. Embora o País não tenha projetado ou construído um submarino integralmente nacional, a MB entendeu de iniciar um inédito projeto de construção de S(N), e admitindo a necessária assistência técnica estrangeira de países detentores do conhecimento de um S(N). É uma meta estratégica tão espetacular, que ainda deverá sofrer embargos, e muito provavelmente, só pode vir a ser atingida com tecnologia autóctone. Essa idéia é corroborada por Flores (2002), quando afirma que “não se deve esperar cooperação, colaboração ou contribuição, voluntária ou não, em um projeto que poderá minimizar, ou mesmo derrotar a superioridade naval de um Estado militarmente mais poderoso”. (FLORES, 2002, p. 38). A MB, assim como quase todas as Marinhas do mundo, acredita que a construção de um S(N) é o caminho a ser perseguido para a minimização de seus problemas estratégicos, e que a colocará no nível das melhores Marinhas e numa posição de superioridade diante das que não podem dispor dessa arma. O esforço tecnológico brasileiro para a obtenção de um S(N) nacional é uma evolução científica significativa para o País, e que se processa em três etapas 56 distintas e complexas, mas interligadas, a saber: a propulsão naval nuclear; a plataforma submarina; e o armamento. Conforme a MB vem adotando, a primeira etapa é importante que continue a evoluir de forma independente. Quanto a segunda e a terceira etapas citadas, a meu juízo, admitem parcerias técnicas limitadas, o que não tira o caráter de desenvolvimento próprio da tecnologia necessária à obtenção do efeito desejado, o S(N). Acredito que, nas próximas décadas, a proliferação nuclear disponibilizará a tecnologia e os atributos de um submarino nuclear, tanto para Estados desenvolvidos, quanto para os em desenvolvimento, que poderão, utilizando-se de submarinos mais baratos, equipá-los com sistemas dissuasórios sofisticados. A utilidade dos S(N) para uso dissuasivo contra as grandes potências pode ser comprovada. A Índia se utilizou dessa arma, mesmo que para treinamento de suas próximas tripulações, e teve respeitada a sua vontade de dar continuidade no processo de obtenção do seu S(N). Este país se encontra em adiantado estágio de conclusão do seu submarino nuclear estratégico com capacidade de lançamento de mísseis de longo alcance, e com o apoio técnico da Rússia. (ZIMMERMAN, 1990, p.164). Para Estados que almejam que seus interesses nacionais não sejam contrariados, a dissuasão é uma importante situação a ser estabelecida. Portanto, países como a Índia e o Brasil, com pretensões de reconhecimento como potências mundiais, a posse de um S(N) se torna quase que obrigatória. Entendo assim que a construção de S(N) no Brasil deve continuar a ser meta prioritária na MB, mesmo com as dificuldades e pressões indesejadas. 5.3 Vantagens Estratégicas de um Submarino Nuclear - S(N) Na concepção estratégica da MB, a disponibilidade de submarinos convencionais acrescenta importante dimensão ao Poder Naval brasileiro, pois são silenciosos, operam nas águas litorâneas e de custo de aquisição e de posse bem menor. Entretanto, a disponibilidade de submarinos com propulsão nuclear garantiria invejável capacidade de dissuasão. Os dois são importantes e necessários, [...]. (MOURA NETO, 2007). 57 O Brasil está se apresentando como uma potência emergente na arena internacional e seus interesses serão cada vez mais contestados por incomodar outros Estados que buscam o mesmo espaço. Moura Neto (2007), tem expressado a sua convicção, e a de seus antecessores no Comando da MB, sobre a posse de um S(N), e que, a despeito de dificuldades de toda ordem, continuaram com o importante programa de desenvolvimento da propulsão nuclear naval para submarinos. Assim, a MB segue desenvolvendo o S(N), como uma plataforma tecnológica que traz avanços significativos para o País, aderente ao seu programa de construção de submarinos convencionais. Um dos atributos centrais que possibilitou o domínio marítimo pelas grandes potências navais durante séculos foi a ocultação de seus navios, além do horizonte. Essa capacidade de negar a localização é um benefício difícil de ser mensurado, mas quando devidamente explorado, apresenta àquele que busca uma vantagem significativa, e assim é um submarino. As características de ocultação, da relativa independência dos problemas ambientais da superfície, e da mobilidade tridimensional, tornam o submarino uma arma naval eficaz. Quando essas características são aliadas à possibilidade de uma velocidade maior que a dos navios de superfície, e com capacidade de mergulhar mais profundo que os S(C), conferem ao S(N) a vantagem de ser mais discreto, e posicionar-se adequadamente para explorar as características do meio líquido em um ataque ou na evasão, tornando-se uma arma temível e verdadeiramente dissuasória. A todas essas vantagens apontadas, acresce-se de que é o melhor meio de oposição contra um outro S(N), por atuarem no mesmo meio e de forma semelhante. De acordo com a CF88, o Brasil é avesso à guerra de conquistas e ao temperamento belicista, assim a tarefa de oposição da força naval brasileira a uma outra força alienígena, se torna uma ação defensiva. Entretanto, um submarino deve ser ofensivo e agressivo, e caso não seja essa a postura adotada no seu emprego, provavelmente, estará atuando de forma pouco eficiente, pois não estará utilizando as suas melhores características. Assim, a estratégia clássica de desgaste contra o TM ou contra uma força naval é a utilização adequada desse elemento submarino. Conforme citado, o ataque ao TM é passível de sofrer reprovação internacional, 58 mesmo porque nem sempre esses navios estarão sendo empregados no esforço de guerra inimigo. Ainda em uma outra avaliação, o poder de reposição dos navios destruídos poderá ser de tal monta, que não será compensador o risco de ataques ao TM inimigo. Assim, caso seja considerado estrategicamente importante para o esforço de guerra, a ação direta do S(N) se dará, preferencialmente, contra os meios da força naval inimiga, desgastando-os mesmo antes de qualquer interação de superfície. A posse de um S(N) é entendida na MB como um dispositivo dissuasório de alto valor estratégico por suas características significativamente superiores as de um S(C), principalmente, quanto à velocidade e a profundidade em que pode operar, além de acarretar um grau de ameaça tal que exige do oponente um esforço extra para se opor a essa ameaça submarina, influindo na relação custo/benefício da opção militar-naval. Em caso de conflito, quando forças navais estiverem envolvidas, provavelmente, a nação mais fraca optará pela tentativa de negar o uso do mar ao oponente. Nessa situação, e caso seja de interesse estratégico, o S(N) será uma forte oposição à força naval, atuando como uma primeira linha de defesa avançada, além da dissuasão provocada pela sua simples presença no mar. Nesse contexto, conclui-se que a percepção do significado estratégico de uma arma submarina, principalmente de um S(N), sobressai quando é empregado adequadamente dentro de uma sólida doutrina, com armamento moderno e em áreas oceânicas, como são as distantes e indefinidas fronteiras marítimas brasileiras no Atlântico Sul, contribuindo com a dissuasão naval brasileira, e na opção de impor elevado custo ao oponente, e que convém ao Brasil, incorporar ao seu Poder Naval tanto o S(C), em uma quantidade maior, quanto o S(N). 59 6 CONCLUSÃO O Brasil não deve apenas almejar pertencer ao grupo de Estados decisores da política mundial. Em verdade, pela sua pujança já emergiu no cenário mundial e tem a obrigação de se fazer presente. O Brasil é pacífico por convicção, expresso na sua Carta Magna, avesso a guerra de conquistas e não possui ameaça de conflito em um horizonte previsível que possa atingir diretamente o território brasileiro. Desta forma, a atenção da sociedade brasileira não é despertada para a segurança e a defesa do valioso patrimônio e que se evidencia como a base material da soberania. Toda essa área nacional possui características singulares e que se apresentam nas suas riquezas naturais, mas também realçam as suas vulnerabilidades físicas. Desta forma, o mar como parte integrante do território brasileiro é fundamental para o desenvolvimento e a sobrevivência do País. O Brasil possui extensas fronteiras, secas e molhadas, a serem vigiadas, e dentro dessas fronteiras encontram-se todas as riquezas nacionais a serem defendidas. As fronteiras marítimas são as mais distantes, inóspitas, imprecisas e desguarnecidas. São as últimas fronteiras não integralmente conformadas do País. Acredito que a presença de um Poder Naval que inspire credibilidade, e apoiado por uma vigilância eletrônica eficiente, justifique a posse pelo Estado brasileiro de suas riquezas nessas distantes áreas. O documento político da defesa − PDN − enuncia na sua orientação estratégica como áreas prioritárias para a Defesa Nacional, as regiões onde se concentram o poder político e econômico do País e complementarmente prioriza a Amazônia e o Atlântico Sul. Identifica os principais motivos plausíveis de gerar conflitos no futuro próximo, e que se convertem nas disputas por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de energia e de água doce. Nessa situação, o Atlântico Sul evidencia-se para a MB como uma área primária, e inserida nela, a área vital a ser defendida. Assim, a importância do mar para o País, se materializa na sua sociedade por meio do intenso tráfego marítimo comercial, pelas riquezas extraídas do mar e abaixo do leito marinho, em toda a área vital nacional. 60 As ameaças se configuram a partir do momento em que há conflitos de interesses entre Estados, e parece claro que se darão pelas disputas dos recursos naturais vivos e não-vivos essenciais ao desenvolvimento e a sobrevivência da população mundial. Entende o Brasil que a segurança de todo o seu patrimônio natural e da sua soberania se faz por meio da valorização da incisiva ação diplomática e pela postura dissuasória estratégica crível do seu Poder Militar. A mudança de visão político-estratégico do governo brasileiro tem produzido um maior aporte de recursos e tem acelerado o processo de obtenção de submarinos, incluindo aí o S(N). Neste mister, o Brasil incentiva e desenvolve a indústria de defesa nacional para atender as suas necessidades, e por conseguinte a Marinha do Brasil busca a modernização dos seus equipamentos e meios navais capazes de exercer a vigilância, o controle e a defesa das AJB, bem como manter íntegras suas LCM. O pensamento estratégico naval brasileiro prevalente é o de possuir unidades navais capazes de derrotar o inimigo ou de impor elevado custo a uma eventual opção militar estrangeira, dissuadindo agressões e incentivando a solução pacífica das controvérsias. Nesse cenário de vulnerabilidades plenamente identificadas e preocupantes, e de ameaças difusas, mas presentes, o S(N) desponta como a unidade naval dissuasória por excelência, eficiente e capaz de contribuir para a defesa das AJB, principalmente nas áreas oceânicas e, senão totalmente apto para garantir as LCM brasileiras, pelo menos é a arma adequada para negá-las ao inimigo, sustentado por uma série de características significativas tais como: a possibilidade de se manter submerso em altas velocidades por períodos contínuos, capacitando-se a atacar seguidas vezes, no limite do seu armamento e consequentemente apresentar maior poder de fogo; operar com segurança em maiores distâncias e profundidades, o que lhe proporciona mobilidade tática, maior discrição e capacidade de ocultação; e a permanência no mar, tendo como limites o seu armamento, a logística, e a preparação dos seus operadores que o torna um equipamento com amplas vantagens tática e estratégica, e se constitui na opção naval para a defesa em profundidade nas águas oceânicas de interesse do Brasil. 61 Para a concretização do projeto de obtenção do S(N), a MB tem executado com sucessos significativos o seu programa nuclear que sofre oposições, mas que não devem ser motivos para o arrefecimento da vontade de construir e de possuir o S(N) nacional. É esperado que o cerceamento seja intensificado na medida em que o País se capacite na construção, principalmente, por parte das potências centrais detentoras da tecnologia nuclear naval, pois a posse de um S(N) trará modificações significativas no peso político-estratégico do País. Neste ponto, fica evidente o acerto do gerenciamento do PNM que optou há muito por um desenvolvimento tecnológico próprio, ou de associação limitada, e que produz ganhos científicos-tecnológicos significativos para o Brasil. O S(N) representa um elevado grau de ameaça que induz os oponentes a constituírem forças consideráveis para desafiá-lo, impondo um elevado custo/benefício que poderá acarretar na desistência da opção armada e, assim, dissuadir intenções bélicas hostis ao País. Desta forma, tenho a convicção de que o sucesso da construção do submarino nuclear de ataque brasileiro se dará em um futuro próximo e dotará o Poder Naval brasileiro de um meio estratégico com a capacidade de aumentar a credibilidade do Poder Militar nacional, e o consequente poder dissuasório; incrementará o poder de defesa e de segurança do País, e elevará o prestígio internacional do Brasil no concerto das nações. 62 REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRO-ARGENTINA DE CONTABILIDADE E CONTROLE DE MATERIAIS NUCLEARES – ABACC. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear. 1991. Disponível em: <http://www.abacc.org/port/acordos_declaracoes/doc/acordo_bilateral.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2012. BEAUFRE, André. Introdução à Estratégia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,1998. ______. Deterrence and Strategy. Tradução Major-General R. H. Barry, New York: Fredererick A. Praeger, 1964. ______. Strategy for Tomorrow. Tradução Stanford Research Institute, New York: Crane, Russak & Co., 1974. BRASIL. Constituição (1988). Consituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004. ______. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF: 2008. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br>. Acesso em: 21 abr. 2012. ______. ______. Política de Defesa Nacional. Brasília: Ministério da Defesa, 2005. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br>. Acesso em: 21 abr. 2012. ______. ______. Comando do Exército. Escola de Comando do Estado-Maior do Exército. In: X Ciclo de Estudos Estratégicos, 10., 2011, Rio de Janeiro. [Palestras apresentadas...] Rio de janeiro: ECEME, 2011. ______. ______. Escola Superior de Guerra. Elementos Fundamentais: Manual Básico, v.1. Rio de Janeiro: ESG, 2009. ______. ______. Marinha do Brasil. Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo – CTMSP. Disponível em: <https://www.mar.mil.br/ctmsp>. Acesso em 20 abr. 2012. ______. ______. ______. Escola de Guerra Naval. EGN-304B: Guia para Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro, 2007. ______. ______. ______. Estado-Maior da Armada. EMA-305: Doutrina Básica da Marinha. rev. Brasília, DF, 2004. ______. ______. ______. ______. EMA-322: A Posição da Marinha nas Principais Questões Políticas e Doutrinárias de Interesse Naval. Brasília, DF, 2006. 63 CLAVEL, J. A Arte da Guerra: Sun Tzu, 18 Ed. Rio de Janeiro: Ed Record, 1996. COSTA, Darc Antônio da Luz. Estratégia Nacional: A cooperação sul-americana como caminho para a inserção internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Aristeu Souza, 2003. ______. O Brasil diante dos desafios internacionais em segurança e defesa. In: PINTO, J. R. Almeida; ROCHA, A. J. Ramalho da; SILVA, R. Doring Pinho da (Orgs). Pensamento Brasileiro Sobre Segurança e Defesa. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2004. v.2. COSTA, Wanderley Messias. O Brasil e a América do Sul: Cenários Geopolíticos e os Desafios da Integração. Coletânea de Segurança e Defesa Nacional. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2007. FAYET, Luiz Antonio. Arco Norte – Corredores de Exportação, Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.130, n. 4/6, p. 9-22, abr./jun. 2010. FLORES, Mário César. Lógica Militar na Segurança Internacional, Revista do Clube Naval, Rio de Janeiro, ano 115, n. 342, abr./jun. 2007. ______. Reflexões Estratégicas: repensando a defesa nacional. São Paulo: Ed. É Realizações. 2002. ______. O Verdadeiro Propósito da Estratégia. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.128, n. 1/3, p. 31-69, jan./mar. 2008. FRIEDMAN, Norman. The Limitations and Necessity of Naval Power. New York: Strategic Forecasting, 2007. GUIMARÃES, Leonam dos Santos. Prospectivas e Estratégias para o Desenvolvimento da Energia Nuclear no Brasil: Contribuição a um necessário debate nacional. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.119, n.10/12, p. 209-232, out./dez.1999. ______. A (Contra) Ameaça Nuclear. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.130, n. 4/6, p. 177-188, abr./jun. 2010. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos anos de periferia: uma contribuição ao estudo da política internacional, 2. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000. MACHADO, Roberto Loiola. O Submarino nuclear brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros, 2010. MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica e Modernidade 1. ed. Rio de Janeiro: ESG, 2007. MONTALVÃO, Wilson Jorge. O Programa Nuclear da Marinha do Brasil. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.119, n. 10/12, p. 11-19, out./dez.1999. 64 ______. O Programa da Propulsão Naval Nuclear. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.121, n. 1/3, p. 170-177, jan./abr. 2002. MONTALVÃO, Wilson Jorge. Submarinos Nucleares: Sonho ou Solução. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.123, n. 4/6, p. 115-120, abr./jun. 2003. MOURA NETO, Julio S. de. A Importância da Construção do Submarino de Propulsão Nuclear Brasileiro. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.129, n. 4/6, p. 9-16, abr./jun. 2009. ______. O Balcão Naval. nov./dez. 2007. Entrevista. <https://www.mar.mil.br/gcm>. Acesso em: 20 jun. 2012. Disponível em: ______. O Comando da Marinha do Brasil. In: PALESTRA AOS CURSOS DE ALTOS ESTUDOS MILITARES NA ECEME, 2012, Rio de Janeiro. [apresentação...] Rio de Janeiro: ECEME 25 mar. 2012. ______. Os Projetos Prioritários da Marinha. Revista ADESGUIANO, Rio de Janeiro, n. 266, p. 4-6, mai. 2012. NEWTON, Carlos. Maçonaria Denuncia Ameaça à ADESGUIANO, Rio de Janeiro, n. 266, p. 7-9, mai. 2012. Soberania. Revista PARET, Peter. Construtores da Estratégia Moderna: de Maquiavel à era nuclear. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora. 2001. PINTO, Paulo Lafayette. O Emprego do Poder Naval em Tempo de Paz. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1989. SCHELLING, C. Thomas. Arms and influence. New Haven: Yale University Press, 1966. SILVA, Antonio Ruy de Almeida. A Proliferação das Armas Nucleares. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, n.10, p. 20-35, dez. 2007a. ______. As Novas Ameaças e Marinha do Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS, 6., 2007, Rio de Janeiro. [Anais...] Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2007b. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. O Destino da Guerra no Século XXI: Ocaso da guerra americana no Iraque (2003-2005). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, [apresentação...] Londrina, jun.2005. SOARES, Ilson. O Processo de Obtenção do Submarino Nuclear. Trabalho de Conclusão do Curso (Política e Estratégia Marítimas) − Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, 2002. VENTER, Al J. How South Africa Built Six Atom Bombs: And then abandoned its nuclear weapons program. Cape Town. África do Sul: Ashanti Publishing,2008. 65 VIANNA FILHO, Arlindo. Submarinos: A Clava Forte. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.128, n. 1/3, p. 77-98, jan./mar. 2008. VIDIGAL, Armando A. Ferreira. A Evolução do Pensamento Estratégico Naval Brasileiro: Meados da Década de 70 até os Dias Atuais. 1. ed. Rio de Janeiro: Clube Naval, 2002. ______. Uma Estratégia naval para o Século XXI. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.121, n. 4/6, p. 53-85, abr./jun. 2001. ______. Uma Nova Concepção Estratégica para o Brasil: Um Debate Necessário. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.109, n.5/7, p. 20-44, jul./set. 1989. ZIMMERMAN, Stan. Submarine Technology for the 21st. Century. Arlington: Pasha Publications Inc.1990.