II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR
RUTH ROCHA: UM VIÉS CRÍTICO DE ESCRITURA
HECK, Diana Milena1
NATH-BRAGA, Margarete A. (Orientadora) 2
RESUMO: Este trabalho tem a finalidade de observar o perfil crítico que a escritora
Ruth Rocha, autora de inúmeras obras de literatura infantil, traça em suas histórias.
Neste trabalho analisaremos três de suas obras: O reizinho mandão (1978), O rei que
não sabia de nada (1980) e O que os olhos não vêem (1981). São nas histórias infantis
que falam sobre reis, que a autora, de uma maneira metafórica discute os problemas que
envolvem governo e povo. Embora, essas obras destinem-se ao público infantil,
exploram a criticidade, realizando uma espécie de denúncia e protesto em relação à
sociedade de forma geral. Para a realização da análise sob um viés crítico, foram
utilizados artigos produzidos por mestrandas como CIPOLINI e professores que atuam
no Município como RICHE, além de teóricos sobre a literatura infantil como SILVA e
um importante estudioso da área de História, GASPARI, que traz importantes
contribuições sobre a Ditadura Militar.
PALAVRAS-CHAVE: Criticidade, Literatura Infantil, Ruth Rocha.
“Para isso é que o escritor foi feito. Para mostrar a realidade
sob um novo ângulo, para criticar o que se passa por toda parte
e para não dar solução a coisa nenhuma e, sobretudo, para não
dar conselhos. Cada um que encontre a sua verdade sozinho”.
(Ruth Rocha)
1 - Introdução
Com um olhar crítico e atento em relação às obras de Ruth Rocha, propõe-se,
com esse trabalho, uma análise das histórias infantis, O reizinho mandão (1978), O rei
que não sabia de nada (1980) e O que os olhos não vêem (1981). Essas obras discutem
as relações entre a população e seu governante. A autora propõe, por meio de uma
linguagem metafórica e singela, os reais problemas de um reino, no que se refere às
questões políticas e sociais e, de certa forma, chama o público leitor para uma reflexão
1
Graduada em Letras Português/Espanhol pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste 2009) e Pós-Graduanda em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UDC. Aluna especial do
Mestrado na disciplina: Tópicos Especiais I - O Texto Literário e Representações da Morte a partir do
Século XIX, UNIOESTE (2010).
2
Professora da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná e professora do curso de Graduação em
Letras da UDC e UNIPAN. Aluna especial do Doutorado Interinstitucional entre a UNIOESTE e UFBA
(2010).
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do que ocorre em cada sociedade, em cada país. Com base em artigos e autores que
estudam o viés crítico de Ruth Rocha, realizamos uma análise das obras propostas,
mostrando como a autora, em tempos difíceis de Ditadura Militar (1964-1985),
conseguia realizar seu protesto contra o que vinha ocorrendo no Brasil.
A autora, Ruth Rocha, tem perfil de escritora com cunho crítico, o que se
comprova pelo fato de a maioria de suas obras apresentarem uma maneira singela e
humorística para falar de problemas sociais e políticos e, de certa forma, essas obras se
constituem em um protesto contra as injustiças sociais resultantes do sistema político,
além de apresentarem ainda uma posição bastante feminista. Sua principal influência foi
Monteiro Lobato, autor que também produziu suas obras com tom crítico, político e
social.
Acreditamos que boa parte da empatia, quase mágica, que o texto
dessa autora estabelece com o leitor, origina-se em dois elementoschave. Em primeiro lugar, na linguagem utilizada, que é solta,
coloquial, desprovida de artificialismos, muito próxima à do leitor,
estabelecendo, por isso mesmo, um clima de cumplicidade entre
narrador e ouvinte. Em segundo lugar, no olhar crítico com que a
autora analisa e descreve situações e personagens, convidando o leitor
a, ele mesmo também, analisar, criticar, julgar os fatos, numa postura
mudancista, que rejeita o estabelecido e aposta no novo (SILVA,
2008, p.184).
Ruth Rocha, segundo Silva (2008), é uma escritora de obras infantis,
apresentando um viés de escritura simples, singelo e delicado. Suas obras podem ser
lidas e entendidas desde o público infantil, até um público adulto, sua intenção é
estabelecer, como Silva descreveu, “um clima de cumplicidade entre narrador e
ouvinte” (SILVA, 2008, p.184), uma aproximação da autora com seu público leitor.
Ao mesmo tempo em que ela descreve de maneira simples os fatos da história,
não deixa de produzi-las com certa criticidade. Este viés crítico se encontra, justamente,
no estilo simples que está presente em suas obras, o que possibilita a compreensão de
seus leitores.
Ruth começou a escrever em 1967, para a revista Claudia. Posteriormente
participou da criação da revista Recreio, da Editora Abril, onde publicou suas primeiras
histórias em 1969 como Romeu e Julieta, Meu Amigo Ventinho, Catapimba e Sua
Turma, O Dono da Bola, Teresinha e Gabriela estão entre seus primeiros textos de
ficção. Publicou seu primeiro livro, Palavras Muitas Palavras, em 1976, e desde então
já teve mais de 130 títulos publicados3 .
3
Informações retiradas do site http://www2.uol.com.br/ruthrocha/home.htm Acesso em 20/Jul/2010.
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Em 1998 foi condecorada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com a
Comenda da Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura.
Ganhou os mais importantes prêmios brasileiros destinados à literatura infantil
da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da Câmara Brasileira do Livro, cinco
Prêmios “Jabuti”, da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Academia Brasileira
de Letras, Prêmio João de Barro, da Prefeitura de Belo Horizonte, entre outros.
Seu livro mais conhecido é “Marcelo, Marmelo, Martelo” (1999), que já
vendeu mais de um milhão de cópias.
Em 2002 ganhou o prêmio Moinho Santista de Literatura Infantil, da Fundação
Bunge. Também nesse ano foi escolhida como membro do PEN CLUB – Associação
Mundial de Escritores no Rio de Janeiro. Atualmente é membro do Conselho Curador
da Fundação Padre Anchieta.
Como Ruth Rocha teve suas primeiras produções a partir de 1967 e, levando
em consideração o momento histórico brasileiro da época, percebemos que a autora
fazia, por meio de seus livros infantis, que tinham um valor não tanto significativo na
época, uma crítica à forma de governo, a Ditadura Militar. Segundo Riche:
Os fatores sociais, políticos e econômicos tiveram razoável influência
nas prioridades estabelecidas pelos intelectuais e artistas. O
autoritarismo político, a interferência do Estado nos diversos níveis
sociais gerou insatisfação e desconfiança nos meios intelectuais.
Impedidos de debater livremente. Os escritores recorrem à literatura
para, através de metáforas e símbolos, falar do real (RICHE, 1985,
p.113).
Com base no momento histórico e nas características de escritura dessa autora,
é que apresentaremos uma reflexão a respeito das obras O reizinho mandão (1978), O
rei que não sabia de nada (1980) e O que os olhos não vêem (1981), por meio das quais
apresentaremos uma avaliação crítica.
2 - A criticidade nas obras de Ruth Rocha
As primeiras produções literárias de Ruth Rocha datam a partir do ano de 1967,
dentre elas, as três que serão analisadas nesse trabalho. A autora começou a escrever em
um momento histórico e num contexto social muito difícil para os artistas em geral,
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como os escritores, compositores, cantores, etc., pois de 1964 até 1985, o Brasil viveu o
período da ditadura militar.
Com os movimentos militares, o povo em geral perdeu seu direito de liberdade,
pois o governo comandava todo o país por meio da Ditadura Militar, impondo à
população uma série de regras e quem não as cumprisse, seria severamente punido. Élio
Gaspari (2002) salienta que os militares tinham um discurso radical em relação a quem
ousasse desafiar a forma de governo. Para eles “o país está acima de tudo, portanto tudo
vale contra aqueles que o ameaçam” (GASPARI, 2002, p. 05), justificando todas as
formas de tortura e repressão cometidas com milhares de pessoas.
Para os artistas, foi um período delicado da história, pois eles poderiam
escrever, compor, cantar somente o que era permito perante as regras do governo, caso
contrário, sofreriam muitas represálias, eram presos, exilados ou desapareciam. “A
tortura tornou-se matéria de ensino e prática rotineira dentro da máquina militar de
repressão política da ditadura” (GASPARI, 2002, p.05). Era uma maneira drástica e
objetiva, que os que estavam no poder da Ditadura encontraram, de punir quem ousasse
se contrapor às regras estabelecidas pelo governo.
Para driblar o poder da ditadura, os escritores, passaram a produzir suas obras
utilizando-se, principalmente, de metáforas. Assim realizavam um trabalho de protesto,
contra a ditadura e incentivavam o povo a lutar pela democracia, mas de maneira
mascarada, para que não fossem perseguidos. Para muitos, essa tática funcionou bem,
mas muitos também foram perseguidos, presos e exilados.
Ruth Rocha sempre apresentou a criticidade em suas obras e, buscou por meio
da literatura infantil, lutar contra os abusos do poder. Ela costuma retratar aspectos
sociais do governo e do povo, geralmente elabora uma relação com esses fatores. Suas
obras de teor mais crítico são as que envolvem reis, como abordaremos nesse trabalho.
Os reis, em suas obras, são vistos como comandantes comandados, ou seja, o rei, por si
só, não consegue manejar o poder, ele se torna fantoche nas mãos de seus ministros,
seus súditos e pessoas que estão ao seu lado para sugar e se aproveitar de seu poder. É
um personagem que nunca consegue ou não quer enxergar os verdadeiros problemas do
reino. Só tem olhos para a elite, só faz algo em prol da massa dominante, nunca
consegue enxergar as classes menos favorecidas.
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Segundo Cipolini “neste ambiente ditatorial, suas obras representavam seus
questionamentos diante das situações vividas, seu descontentamento com as injustiças
do período militar, com a censura” (CIPOLINI, 2010)4 . Dessa forma, a autora utilizava
seu trabalho de escritora para demonstrar seu descontentamento com tudo o que estava
acontecendo na época em termos históricos e políticos.
Ruth Rocha usou, principalmente, nas três obras que serão analisadas, o
método da metáfora para despistar as formas de repressão contra ela, caso representasse
a realidade de forma direta nas histórias. Outra tática para não ser percebida foi de não
retratar, explicitamente, o Brasil nas histórias, mas representá-lo por reinos, como se
pode constatar na obra O rei que não sabia de nada (1980) “Era uma vez um lugar
muito longe daqui... Neste lugar tinha um rei, muito diferente dos reis que andam por
aqui (...)Tudo muito diferente daqui (ROCHA,1980, s/p). Na obra O reizinho mandão
(1978) “Ele dizia que esta história aconteceu há muitos anos atrás, num lugar muito
longe daqui. Neste lugar tinha um rei, daqueles que tem nas histórias” (ROCHA, 1978,
s/p.). E, na obra O que os olhos não vêem (1981), encontramos novamente essa
referência “Havia uma vez um rei num reino muito distante, que viviam em seu palácio
com toda a corte reinante” (ROCHA, 1981, s/p.).
Como suas obras são direcionadas a um público infantil, Ruth Rocha procura
tratar de temas polêmicos de uma maneira natural. Suas narrativas, especialmente, as
que serão analisadas “põem a descoberto os vários matizes que as relações de poder
assumem em nossa sociedade, sugerindo alternativas para converter o quadro de
autoritarismo num quadro de convivência mais humana, fraterna e democrática”
(SILVA, 2008, p. 185).
Geralmente
os
títulos
das
histórias
já
mencionam características
do
personagem (rei). Em O rei que não sabia de nada (1980), como o próprio título já
menciona, trata-se de um rei que era completamente alienado e não tinha visão para
enxergar os problemas do próprio reino. O reizinho mandão (1978), apresenta um rei
chato, que dava ordens e não queria saber de escutar a opinião alheia e, o diminutivo
“reizinho”, remete ao fato de um príncipe, filho de rei, se tornar um rei repentinamente,
4
CIPOLINI, Thaís Otani. Ruth Rocha: tramas de histórias e história entrecruzadas. Disponível em:
http://www.alb.com.br/anais16/sem08pdf/sm08ss03_02.pdf Acesso em 20/ Jul/ 2010.
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sem maturidade, ou seja, a ironia de uma criança comandar um reino. Em O que os
olhos não vêem (1981), o título sugere alienação e descaso por parte do rei em relação
aos problemas e obrigações que teria que solucionar e resolver em seu reinado. Em
geral, “o rei das nossas histórias é uma variante do rei do conto. Mantém o
autoritarismo, a voz imperativa e mandona, mas é capaz de se arrepender, modificar-se
e mesmo ser vencido pela união do povo” (RICHE, 1985, p.114).
Realizando uma análise mais ampla de cada obra, percebemos que na obra O
rei que não sabia de nada (1980), retrata-se uma história que não nos é nem um pouco
estranha. Um rei que não queria saber de se preocupar e de, muito menos, trabalhar.
Seus ministros, sempre inventando e aprontando e que também não queriam saber de
nada, além de trabalhar, é claro: “Este rei tinha uns ministros, muito fingidos, que
viviam fingindo que trabalhavam, mas que não faziam nada de nada” (ROCHA, 1980,
s/p.).
Outra questão interessante abordada no livro O rei que não sabia de nada
(1980) é o papel que a máquina exerce no reino. O rei gostou da idéia da máquina, pois
assim, não precisaria mais se preocupar em governar, pois haveria uma simples máquina
capaz de desempenhar toda sua função e, muito mais, controlar tudo e todos. “Aí a
máquina começou a tomar conta de tudo. Tomava conta das pessoas, das coisas, dos
bichos...” (ROCHA, 1980, s/p.). Pelo fato de o livro ser escrito em tempos de Ditadura e
pela presença de um rei, já percebemos uma crítica da escritora e quando se pensa na
máquina que servia para comandar tudo, também nos remetemos a esse período
histórico, pois naquela época, o governo militar realmente controlava todas as atitudes
ou ações da população.
Segundo Gaspari (2002), mesmo a Ditadura Militar sendo uma forma de
governo muito forte, o povo não ficou calado. Várias rebeliões, atentados, assaltos a
bancos, sequestros ocorreram como uma forma de protesto e de mudar a situação do
país, resumidamente, instaurou-se uma espécie de guerra entre governo (ditadura) e o
povo que proclamava pela democracia.
Em 1968, o Brasil passou por uma onda de protestos contra a
ditadura que teve influências de toda a conjuntura históricocultural que pairava sobre o mundo como o “maio francês”, a
chamada contracultura, os protestos nos EUA contra a Guerra
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do Vietnã e a favor do movimento negro, os protestos no Mundo
contra o imperialismo dos países desenvolvidos etc.
No segundo semestre, ocorreu A “Passeata dos Cem Mil”
também no Rio em protesto contra ditadura, agregando
estudantes, artistas, intelectuais e a população em geral. A
principal bandeira levantada pelas tendências era a luta por
liberdades democráticas e pela anistia ampla, geral e irrestrita.
(SANTOS, 2009)
Na obra, há, de maneira metafórica, uma analogia a esses protestos. Quando o
rei percebeu que seu reino estava totalmente arruinado, veio uma garotinha, Cecília,
representando a classe do povo ou os trabalhadores em geral e deu uma verdadeira lição
de moral no rei, lhe cobrando alguma iniciativa para mudar a situação: “Muito bonito,
não é, seu rei? Que papelão, ein! E agora? O que é que Vossa Reizência vai fazer?”
(ROCHA, 1980, s.p.). A partir desta passagem, percebe-se que o povo sabe que o que
acontecia no reino não era justo, era errado, pois eles nunca se beneficiavam e quando
se é rei de um reino, é preciso que o bem chegue a todas as classes desse reino, não
somente para os ricos e poderosos. Esta obra mostra que, o povo não tem coragem de se
expor e exigir seus direitos, de também ordenar que o rei cumpra seu papel e busque
soluções. O povo, agindo em comunhão, é mais forte e, de certa forma, obriga o rei a
resolver o problema.
Há ainda outra passagem na qual o povo está se reunindo para falar com o rei
que representa a união dos camponeses, representado pelo avô de Cecília: “a gente já
estava juntando um grupo para ir falar com o rei” (ROCHA, 1980, s/p.) e na hora da
reorganização do reino a irmã de Cecília chama o povo, pois “uma porção de cabeças
trabalham muito melhor que uma só” (ROCHA, 1980, s/p.) De uma maneira bem sutil,
a autora consegue retratar um pouco da história da época e reafirmar a presença da
coletividade, afinal juntos, é possível ser ouvido pelo governo.
Praticamente o mesmo ocorre na história O que os olhos não vêem (1981). Há
um rei que, acometido por uma doença, somente tinha olhos para pessoas grandes,
metáfora utilizada para pessoas ricas. “Pessoas grandes e fortes o rei enxergava bem”,
“que tivessem muita força e fossem bem nascidos. E assim, quem fosse pequeno, de voz
fraca, mal vestido, não conseguia ser visto” (ROCHA, 1981, s/p.). A autora utiliza as
palavras “grandes” para falar de pessoas com muito dinheiro, componentes de massas
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de prestígio e “fortes” para dizer que essas pessoas que pertenciam a alta sociedade
brasileiras tinham força e poder e “pequeno” para designar a classe dos pobres, dos
desprivilegiados na sociedade que não conseguiam ser vistos pelo rei, pois seus
problemas não o interessavam. O que aconteceu foi que, somente pessoas ricas e
importantes eram favorecidas no reino e quem fosse pobre não tinha vez e morreria na
miséria.
Cansados de não ter voz, a população resolveu agir. Juntaram-se e, por meio de
uma solução e ação em conjunto, se fizeram vistos “E se todos, tão pequenos, fizessem
pernas de pau, então ficariam grandes, e no palácio real seriam logo avistados, ouviriam
os seus brados, seria como um sinal” (ROCHA, 1981, s/p). “E todos juntos, unidos,
fazendo muito alarido seguiram para capital. Agora, todos bem altos nas suas pernas de
pau” (ROCHA, 1981, s/p).
Ruth Rocha utilizou as pernas de pau como símbolo de grandeza, mostrando
que elas poderiam ser utilizadas pelos desfavorecidos para serem avistados pelo rei, ou
seja, o povo unido consegue encontrar uma maneira de ser visto, fazendo barulho,
buscando maneiras para chegar até o governo e reivindicar seus direitos como cidadãos.
Para finalizar a história a autora, deixa um recado “Que todos naquele reino guardam
muito bem guardadas as suas pernas de pau. Pois temem que seu governo possa cegar
de repente. E eles sabem muito bem que quando os olhos não vêem nosso coração não
sente” (ROCHA, 1981, s/p).
A autora, como narradora da história, solicita a interferência do ouvinte ou
leitor no decorrer da obra: “Eu vou parar por aqui a história que estou contando. O que
se seguiu depois, cada um vá inventando” (ROCHA, 1981, s/p).
Na última história a ser analisada, O reizinho mandão (1978), há a retratação
do rei como uma pessoa arrogante, mandona, mas, ao mesmo tempo, sem experiência e
responsabilidade para governar. “Precisa ver que reizinho chato que ele ficou! Mandão,
teimoso, implicante, xereta! Ele era tão xereta, tão mandão que queria mandar em tudo
o que acontecia no reino. Quando digo tudo, era tudo mesmo!” (ROCHA, 1978). A
autora trabalha com a questão do silenciamento do povo, quem poderia falar era
somente o rei e o restante só deveria consentir. “Não quero ouvir mais ninguém me
contrariando, ou melhor... Não quero ouvir mais ninguém falando. Tudo que eu falar é
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uma ordem. Entenderam?!”(ROCHA, 1978). O que aconteceu foi que ninguém mais
falava e isso foi entediando o reizinho.
Após receber ajuda do espírito do seu pai e de seu avó, o reizinho admitiu que
estava errado e resolveu pedir desculpas ao povo e que todos voltassem a falar,ou seja, o
rei permitiu que o povo voltasse a ter voz. “De agora em diante saberei ouvir o meu
povo e farei do nosso reino, com a ajuda de vocês é claro, um exemplo para todos os
outros” (ROCHA,1978).
O maior exemplo de metáfora utilizada na obra O reizinho mandão (1978) é o
silêncio exigido pelo rei, ao pedir que ninguém falasse. Essa atitude representa o
silenciamento de toda uma nação na época da Ditadura Militar, na qual o povo não
podia falar ou se expressar. Somente era aceito que a população se submetesse às ordens
do governo. Podemos fazer uma remissão ao governo da Ditadura brasileira. Na época,
de 1975 – 1979 Geisel estava no poder e seu governo foi marcado por iniciar-se a crise
da Ditadura. Podemos fazer uma analogia com o final do livro, ou seja, com o começo
da crise do governo Ditatorial, o povo começa a ter voz novamente.
A questão da coletividade se torna presente nas três obras analisadas. O
término de cada obra acontece sempre com o povo unido, proclamando seus direitos,
fazendo-se visto na sociedade e, principalmente, pelo governo que os ignora. Ruth
Rocha enfatiza em suas histórias que uma sociedade individual não alcança seus
objetivos, que é preciso união para que o protesto seja forte e consistente para que o
povo possa ser visto e ouvido.
3 - Considerações Finais
Ruth Rocha nos mostra, através de suas histórias, a imagem do nosso país em
cada época de sua produção. O descontentamento do povo em relação à forma de
governo. Por meio da arte, Ruth nos mostrou ainda que, se o povo não permanecer
unido e enfrentar o governo, viveremos “amarrados”, sem direito a liberdade e às
mudanças necessárias em prol do povo. Quando o povo perceber-se como
transformador de uma situação encontrará, segundo as histórias analisadas, a solução
dos problemas. Isso sempre no coletivo.
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Para que possamos saber e entender o que cada obra nos passa é importante o
papel da leitura. É através dela e do diálogo que estabelecemos com o autor, que
identificaremos as metáforas e vários outros truques que escritores e músicos utilizavam
para realizar seu protesto, expor sua opinião em relação à situação do país em
determinada época. Esse desvelamento de maneira singela como a autora Ruth Rocha
faz é importante para que saibamos um pouco mais da história e que nos
conscientizemos acerca dos problemas cotidianos de uma sociedade, independente do
momento histórico e, sobretudo, revelados pela arte literária.
Referências Bibliográficas
CIPOLINI, Thaís Otani. Ruth Rocha: tramas de histórias e história entrecruzadas.
Disponível em: http://www.alb.com.br/anais16/sem08pdf/sm08ss03_02.pdf Acesso em
20/ Jul/ 2010.
GASPARI, Élio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002
_______. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
RICHE, Rosa Maria Cuba. As histórias de reis e o questionamento ideológico de Ruth
Rocha.
Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/i ndex.php/perspectiva/article/
viewFile/ 10119/9330. Acesso em 20/ Jul/ 2010.
ROCHA, Ruth. O que os olhos não vêem. Rio de Janeiro: Salamandra, 1981.
_______. O rei que não sabia de nada. São Paulo: Cultura Editora, 1980.
_______. O reizinho mandão. São Paulo: Pioneira, 1978.
_______. Site da Ruth Rocha. Disponível em: http://www2.uol.com.br/ruthrocha
/historiadaruth.htm. Acesso em 20/Jul/2010.
SANTOS, Jordana. A Repressão ao Movimento Estudantil na Ditadura Militar. Marília:
UNESP, 2009. Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/
Aurora/SANTOS.pdf Acesso em 25/Jul/2010.
SILVA, Vera Maria T. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e
promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008, p.183-200.
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