V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã
UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009
A fotografia como recurso na educação para a cidadania
SILVA, Priscila Kalinke
Faculdade Cidade Verde
RESUMO
Este trabalho é um resultado de uma pesquisa que tem como objetivo verificar o olhar
de um grupo de adolescentes sobre sua realidade social bem como fomentar a discussão
e reflexão entre os jovens sobre temas que relacionam ao seu meio. Para isto, foram
realizadas oficinas semanais com dez adolescentes em situação de vulnerabilidade
social de uma instituição de Maringá, utilizando a fotografia como instrumento
motivador para discutir a cidadania, embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O trabalho foi pautado em princípios teóricos e práticos da comunicação e educação
como aliada a educação para a cidadania, o que possibilitou avaliar o desconhecimento
dos adolescentes acerca dos seus direitos e, inicialmente, a carência do sentimento de
pertença dos mesmos à sua realidade.
Palavras-chave: Comunicação e Educação, Fotografia, Cidadania e Pertença.
Introdução
Os meios de comunicação de massa estão presentes cada vez mais no cotidiano
das crianças e dos adolescentes. As informações diárias são adquiridas por meio deste
tipo de comunicação, desta forma fica evidente que a educação das crianças e dos
adolescentes, atualmente, não são papéis apenas dos pais e da escola. Os meios de
comunicação de massa se tornaram peças fundamentais na educação informal,
interferindo na formação de valores.
Ao que tange a esta forma de tradicional da educação, Gutierrez1 há três décadas
já havia alertado que “já não se pode continuar pensando em uma escola encerrada entre
quatro paredes e completamente desvinculada do processo de comunicação”.
Neste sentido, ignorar os meios de comunicação é reforçar o tradicionalismo e
distanciar um instrumento que pode favorecer a aprendizagem escolar. Não apenas no
sentido pedagógico, mas também como um instrumento de leitura crítica da mídia,
proporcionando subsídios para tornar os jovens menos passivos diante do fascínio dos
áudios-visuais.
A escola e demais instituições de ensino não podem desconsiderar este
1
GUTIERREZ, 1978, p. 33).
1
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determinante, as orientações quanto a mediação da mídia e apropriação dos meios de
comunicação são fundamentais para a percepção crítica do educando quanto aquilo que
lhes são transmitidos. É o que se pretende com este trabalho sobre fotografia.
Esta pesquisa tem como proposta a construção de um fotodocumentário com 10
adolescentes, entre 14 e 16 anos, em situação de vulnerabilidade social e econômica que
freqüentam diariamente a instituição de apoio socioeducativo Centro Social Marista
Irmão Beno Tomasoni de Maringá (Cesomar). As fotografias foram produzidas pelos
próprios educandos, nos quais descreveram a leitura da imagem escolhida pelos
mesmos. Esta pesquisa tem a intenção de refletir sobre o seguinte problema: qual a
percepção dos jovens pesquisados acerca de sua realidade social?
O objetivo geral deste trabalho é fomentar a discussão e reflexão entre os jovens
sobre temas que relacionam à sua realidade, bem como oferecer subsídios para a
formação de uma consciência mais crítica sobre seu meio, proporcionar espaços de
discussão sobre o papel da mídia, em especial a fotográfica, no contexto midiático e;
propiciar aos jovens um meio de expressão para retratarem e valorizarem suas
realidades por meio da fotografia, atuando como protagonistas do processo da
comunicação.
Este trabalho será norteando pelos referenciais bibliográficos e percorrerá o
seguinte caminho: Num primeiro momento será desenvolvida uma contextualização da
educação e comunicação, para posteriormente seguir a reflexão sobre a educação para a
cidadania, e a fotografia como um retrato da realidade. Durante a trajetória teórica
pretende-se permear o trabalho prático realizado no Cesomar.
Comunicação e Educação
O ponto de partida para a concentração das análises dos pólos comunicação e
educação se deu em um período em que as duas grandes guerras mundiais
universalizaram o “poder libertador que a técnica poderia exercer na melhoria
progressiva da vida humana”2.
Nesta perspectiva, Soares avalia este cenário favorável para a construção de
análises em função dos estudos sobre a influência dos meios de comunicação, em
2
ALVES, 2007, p. 1.
2
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especial os áudios-visuais, nos países subdesenvolvidos latino-americanos3.
A partir da segunda metade do século XX, no que diz respeito à educação, o
audiovisual foi o instrumento de maior destaque. Como conseqüência desta
aproximação, aumentou-se a necessidade de alertar os receptores sobre o poder
manipulatório da mídia. Estudos sobre análises de discurso com a finalidade de
promover uma maior reflexão crítica nos cidadãos se intensificaram na década de 70,
que passava por uma crise nos setores social e político4.
Em uma análise paralela a esta confirma que os esforços para difusão da relação
comunicação/educação não são recentes no país. Segundo Soares, a aproximação destes
dois campos começou no início do século XX, no Brasil, com Roquete Pinto, que
pretendeu transmitir cultura e educação através da Rádio Nacional, mas foi obrigado a
entregar a emissora para o Governo Federal, o que significou a vitória dos interesses
mercantis sobre a educação.
Monteiro Lobato também se esforçou em adaptar a literatura ao público infantil
com temas nacionais, mas não obteve o êxito esperado, pois se manteve a margem da
educação.
Nos anos 80 os estudos da influência dos países mais desenvolvidos sobre os
menos desenvolvidos deram lugar a estudos sobre a relação entre educação formal e os
meios de informação com as publicações da UNESCO que passaram a discutir tal
relação.
A segunda década de 90, com o desenvolvimento dos meios eletrônicos,
principalmente a Internet, a necessidade em construir um novo campo se intensificou
com a finalidade de “aproximar de maneira crítica, porém construtiva, as áreas da
‘educação para os meios’ e do ‘uso das tecnologias no ensino’” 5. Este novo campo
ficou conhecimento como Educomunicação, que é a inter-relação entre comunicação e
educação.
No que diz respeito a esta área, o papel de um educador tem uma função de educar para
os meios de comunicação, não utilizar-se os meios pelo e para os meios, mas uma reflexão e
apropriação dos mesmos.
3
SOARES, apud ALVES, 2007.
SOARES, 1999.
5
SOARES, 1999, p. 22.
4
3
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Educação para os meios: a fotografia como um instrumento
A mídia-educação vem passando por diversas reflexões ao passar dos anos.
Inicialmente, entre os anos 1930 e 1960, nos Estados Unidos, pensava-se que a mídiaeducação era um instrumento para proteger os espectadores do perigo da mídia.
Posteriormente, após os anos 1960, avançou no sentido de conduzir a uma leitura
crítica. No contexto da ditadura militar, a utilização da mídia-educação refletia uma
comunicação alternativa, como uma possibilidade de resistência política6.
Atualmente, em especial na América Latina, a aplicação dos produtos da mídia
na educação é defendida por diversos autores como um importante instrumento de
educação para os meios. Esta educação deve ser obtida através de um processo de
mediação, que segundo Orozco7, deve ser realizado entre os meios de comunicação de
massa, as instituições educativas e os processos de recepção de mensagens que
envolvem os estudantes.
Nesta perspectiva, a educação para as mídias visa à autonomia crítica do
educando, a valorização do diálogo e da reflexão e possui como objetivo geral a
educação para a cidadania8, não apenas no sentido de conhecerem seus direitos, mas
também refletirem sobre os mesmos, e conforme sua realidade atuarem como
protagonistas.
A relevância do uso de tecnologias dentro da sala de aula, ainda segundo
Orozco9, não está apenas na diversão, mas sim no aprendizado, que é o resultado de um
processo de desenvolvimento por meio de uma orientação adequada dos códigos e
formatos lingüísticos nos quais estão inseridas estas novas tecnologias. Para chegar ao
resultado esperado, é necessário, além desta orientação, o reconhecimento dos “hábitos
e rituais” que vão sendo gerados durante a experiência dos educandos frente aos meios.
Através destas práticas é que será possível adequar os usos dos meios para fins
educativos.
A educação para os meios é uma forma de intervenção nos processos de
6
FANTIN, 2007.
OROZCO, 1997
8
FANTIN, 2007
9
OROZCO, 2002.
7
4
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recepção. Segundo Orozco, há três décadas já vêm sendo discutidos os métodos
pedagógicos mais eficazes, seguidos de diferentes denominações, como: Recepção
Crítica, Leitura Crítica dos Meios, Recepção Ativa, Educação para a comunicação,
Alfabetização Televisiva e Educação para a Recepção (OROZCO, 1997).
Este processo de educação para os meios foi a segunda etapa do trabalho com os
adolescentes, seguida da explanação dos objetivos do projeto e uma dinâmica sobre a
história da fotografia, conversamos sobre as diversas finalidades que a fotografia se
propõe. Esta atividade teve como objetivo diferenciar a fotografia publicitária e
jornalística e buscar as mensagens subliminares por encobertas em cada fotografia. Este
processo de mediação também nos levou a outra reflexão: a fotografia é a expressão real
ou parcial a uma dada realidade?
Dinâmica para apresentar a história da fotografia
Parafraseando Schultze10 é pelos processos mediados construídos entre alunos e
professores sobre a imagem fotográfica que um novo entendimento se cristaliza: o
reconhecimento da fotografia como uma realização feita por um aparelho, isto é, uma
interface operada por um sujeito social, o fotógrafo, que deposita naquela construção
sua bagagem e história de vida, e que será recebida e interpretada de maneiras
diferenciadas pelos outros sujeitos sociais envolvidos no processo, os receptores.
Este processo de aprendizagem “tem objetivos amplos relacionados à formação
de usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e
10
SCHULTZE, 2005.
5
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comunicação”11.
No entanto, Alves12 alerta para um problema que pode ser gerido neste processo:
a adaptação inadequada do educador, gerando uma falsa resposta aos desafios impostos
pela educomunicação. De acordo com a autora, o educador deve ir à contra mão de uma
“visão mecanicista, tecnicista, limitando-se a aparelhar-se com as novas tecnologias,
mas mantendo intactos os velhos procedimentos de ensino baseados na idéia de
transmissão do saber”.
A educação para os meios, utilizada adequadamente, torna-se fundamental para
a formação de cidadãos mais críticos e reflexivos e deve ser uma prática constante de
pais e educadores no processo de educação de crianças e adolescentes, para que se
tornem sujeitos do processo de comunicação.
A Educação para a Cidadania: A cidade dos direitos
Covre13 diz que “a cidadania, como tento distingui-la, depende da ação dos
sujeitos e dos grupos básicos em conflito, e também das condições globais da sociedade.
Ela pode permitir uma práxis coletiva que coaduna os pólos da construção social: o do
indivíduo e o da coletividade”.
Esta ‘ação dos sujeitos’ está nestes deveres do cidadão do compromisso com o
coletivo e ser o fomentador de seus direitos. Por isto para Covre, a ‘efetivação da
cidadania depende da ação dos subalternos’, ou seja, depende da luta por seus direitos.
A cidadania hoje está em construção, com espaço aberto para seu exercício, cabe aos
sujeitos construir o possível neste espaço e lutar por melhorias.
O processo educativo para a cidadania, conforme Peruzzo14 é adquirida pela
práxis, isto é, a prática mais a teorização/reflexão sobre a mesma. Sob esta metodologia
que se propôs o trabalho, não simplesmente a utilização dos meios para a busca da
cidadania, mas uma reflexão teórico-reflexiva sobre a cidadania, partindo do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e uma reflexão sobre a realidade social dos educandos.
Para trabalhar o ECA, os educandos tinham a missão de construir uma maquete
11
BELLONI, 2001, p. 46.
ALVES, 2007, p. 14.
13
COVRE 2001, p. 10.
14
PERUZZO, 2001.
12
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de uma cidade ideal para um adolescente viver, isto é, conforme os direitos
contemplados pela legislação. Esta cidade teria que ser construída com materiais
reciclados. Os principais objetivos desta atividade foram observar a maquete a fim de
identificar o conhecimento dos educandos sobre seus direitos fundamentais e buscar
impressões sobre o significado de cidadania para os adolescentes. Na cidade continha:
duas boates, uma escola, uma quadra de esportes, um lago, transporte coletivo, um
shopping e uma igreja.
Após a construção, discutimos acerca da cidade a partir da leitura de uma das
histórias do livro “Causos do ECA”, e sustentados pelo Artigo 4º do ECA, que diz: “É
dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Construção da “Cidade dos Direitos”
“Cidade dos Direitos” finalizada
Diante do texto base e do artigo, discutimos alguns direitos que não estavam
sendo contemplados pela maquete, em especial a saúde, à cultura e a convivência
familiar.
Partindo desta discussão, passamos a discutir o bairro, quais eram as carências e
os direitos que não estavam sendo garantidos. O grupo levantou algumas questões,
como a educação precária, à cultura e a saúde.
Os educandos, inicialmente, pareciam distantes de sua realidade social, como se
não fossem pertencentes a uma realidade social. Quando se fala em realidade social
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pensa-se logo sobre sentimento de pertença. Neste sentido, Cortina15 diz que há a
necessidade,
nas sociedades pós-industriais, de gerar entre seus membros, um tipo
de identidade na qual se reconhece e que esse tipo de sociedade sofre
de uma falta de adesão por parte dos cidadãos ao conjunto da
comunidade, e sem essa adesão é impossível responder conjuntamente
aos desafios que se apresentam a todos.
Este sentimento de pertença é imprescindível para a luta de uma sociedade
interessada na luta dos direitos de sua comunidade ao passo que sem sentir-se um ser
social inserido numa delimitação geográfica, impossibilita a ânsia por melhores
condições de vida. Os educandos do Centro Social Marista Ir. Beno Tomasoni estão sob
a condição de vulnerabilidade social e econômica, muitos moram em bairros pobres da
cidade, o que torna ainda mais urgente a luta pela garantia dos direitos fundamentais do
cidadão, porém sem o sentimento de pertença e sem a união da comunidade torna-se
uma tarefa difícil.
Fotografia: expressão da realidade?
Conforme estabelecida a questão anteriormente, é oportuno problematizar
brevemente a respeito da fotografia como expressão da realidade. Para Humberto16
fotografar é reduzir parte da complexidade das combinadas informações do nosso
cérebro a uma momento de tempo e a uma fração de espaço, confinando um plano de
uma realidade existente, que passa a ser representada pela ordenação deliberada de uma
linguagem.
Neste ponto de vista, percebe-se a diferenciação entre o olhar e o fotografar.
Para o mesmo autor, a “informação visual não se resume na confirmação do óbvio, mas
pode ser uma porta de entrada para reflexões renovadas, a partir de indicativos
oferecidos por um momento real roubado ao tempo”17.
Portanto, a fotografia perpassa na mente do espectador da foto diversas
interpretações que advém de uma história de vida de cada indivíduo, isto é, cada um cria
15
CORTINA, 2005, p. 18.
HUMBERTO, 2000.
17
HUMBERTO, 200, p. 41.
16
8
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um sentido próprio para determinada situação registrada.
No entanto, não descarta-se a importância deste meio como um documento
histórico. Kossoy18 confirma dizendo que “imagens são documentos para a história e
também para a história da fotografia”. Ele afirma isto se referindo as fotografias a partir
de 1840, quando começaram a ser captados diferentes contextos sociogeográficos,
formando uma memória visual de diversos fragmentos do mundo.
Barthes19 diz que toda fotografia é um certificado de presença, ou seja, parte de
uma objetividade. Ele ainda conclui que na fotografia, de um ponto de vista
fenomenológico, o poder de autentificação sobrepõe-se ao poder de representação.
Kossoy20 salienta o papel fundamental do filtro cultural do fotógrafo, diante da
realidade fotografada. “O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do
fotógrafo diante da realidade”.
Foi partindo desta análise que este trabalho se propôs. Os adolescentes
fotografam uma realidade a partir de sua ideologia, de sua visão de mundo. Reconhecerse como inserção de uma realidade de um bairro significativo para os mesmos propõe
mais que uma realidade específica, mas uma imensidão de significados que perpassa a
história de vida de cada educando, a história de lutas por melhores condições de vida de
cada adolescente, a história de lutas por um bairro e uma cidade.
A técnica fotográfica
Após a contextualização sobre a história da fotografia, o processo de mediação e
a educação para a cidadania, partiu-se para a prática. A construção da “máquina de
latinha”, Pinhole, foi uma alternativa para levar o educando ao conhecimento técnico do
processo de captação de imagens em uma máquina fotográfica.
Esta “mediação tecnológica na educação”21 tem como proposta realizar estudos
e compreender a utilização das novas tecnologias de informação para contribuição da
educação e estabelecer a práxis no sentido de aliar o conhecimento teórico e técnico à
prática.
18
KOSSOY, 2001, p. 27.
BARTHES, 1984.
20
KOSSOY, 2001, p. 42-43.
21
SOARES, 1999.
19
9
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Depois de conhecerem o processo físico e químico de uma máquina fotográfica
e sua revelação, os educandos tiveram uma oficina prática da utilização de uma máquina
digital. Esta oficina teve como objetivo incentivar a utilização correta do equipamento e
discutirmos sobre as diferenciações entre uma máquina manual e a digital.
Relembrando as palavras de Alves22, devemos nos distanciar da visão
mecanicista da tecnologia, sendo esta utilizada simplesmente para a transmissão do
saber, caminhando pela contramão da educação horizontal defendida por Freire.
Confecção da Pinhole
Processo de tiragem da fotografia
22
ALVES, 2007.
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Uma das fotos reveladas
Sendo assim, a utilização da máquina para registrar fotos nos bairros próximos
ao Cesomar, onde moram os educandos freqüentes a instituição, possibilitava um
envolvimento e uma troca entre as manifestações culturais dos mesmos em conjunto
com o educador, e tinha como objetivo principal levar ao local da realidade social do
educando para que este pudesse fotografar algo que lhe fizesse sentido.
4.1 - O olhar fotográfico: análise dos resultados
Após uma oficina que permitiu o conhecimento técnico da máquina fotográfica
digital, os educandos23 puderam sair no bairro e fotografar o que era significativo para
os mesmos.
Escolhi para fotografar a igreja.
Mas é um ato simbólico, para
demonstrar que Deus é importante
para mim. A igreja é um lugar onde
me sinto bem, onde eu rio, choro e
louvo a Deus. A igreja é a minha
segunda casa. (Naiara, 15 anos).
Para a Naiara, a Igreja é um símbolo representativo no bairro, é um local onde
23
É importante ressaltar que nem todos os educandos que participaram das oficinas puderam estar
presentes no dia que saímos para fotografar.
11
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ela se sente acolhida. Esta fotografia, em conjunto com a leitura da mesma realizada
pela educanda, possibilita duas vertentes de análise. A primeira parte do texto ela faz
referência a Igreja de forma subjetiva, ou seja, o papel importante de Deus em sua vida,
neste ponto de vista, não importa onde se localiza esta instituição, se é no bairro onde
ela mora, ou em outra parte da cidade. Já a segunda parte da leitura da fotografia feita
pela Naiara mostra que a Igreja é um local onde ela se sente bem, onde se alegra, chora
e até a considera como sua segunda casa. Neste sentido, ela a tem como um local de
afeto e envolve um sentimento de pertença, o que significa que não em toda Igreja que
ela se sentiria incluída.
Além disso, a igreja possui uma grande importância na vida desta comunidade.
É importante ressaltar que a igreja também exerce uma função na sociedade de explicar
fatos que a ciência não tem fundamentos para comprovar. Neste sentido, Paulo Freire24
coloca que a partir daí aparece as “compreensões mágicas”, que partem de uma
consciência ingênua.
A foto que tirei é do Cesomar. Eu a tirei
porque entrei aqui ainda quando era Papa
João XXIII, há 10 anos quando eu era
pequeno e minha mãe não tinha com quem
me deixar, então ela me matriculou para eu
não ficar sozinho. Eu ainda freqüento o
Cesomar, e é muito importante pra mim
porque eu estou desde pequeno e me
ajudou muito a me relacionar melhor.
(Carlos, 15 anos)
Carlos registrou o Cesomar como o principal elemento significativo para ele no
bairro. Ele argumenta bem quando descreve a motivação para a escolha da instituição,
já que há dez anos ele freqüenta o local. Ele sente-se pertencente e tem um olhar de
respeito e carinho a unidade, que assim como ele, outras centenas de crianças no bairro
cresceram participando das atividades do Cesomar. O Centro Social representa parte de
sua vida e percebe-se a inclusão social proporcionada pela instituição quando ele
escreve que sua mãe não tinha um local para deixá-lo quando criança.
24
FREIRE, 1981.
12
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Eu fotografei o ônibus que pego
todos os dias. Ele é fundamental
na minha vida porque é com este
transporte que eu vou para a
escola todos os dias com o passe
livre. (Pinduka, 16 anos).
O “Pinduka”, como é conhecido, registrou o ônibus que passa pelo bairro todos
os dias.
Para ele, o ônibus significa garantia de estudo, “com o passe livre”. É
importante ressaltar que no ônibus assim como é um meio de transportar as pessoas ao
bairro, também é um meio de afastá-las. O sentido de uma fotografia, como vimos
anteriormente, são múltiplos, conforme a carga ideológica do indivíduo e do sentido que
o objeto faz a pessoa.
A bicicleta é um meio de transporte
muito bom porque ela “quebra um
galho” para quem não tem idade
para dirigir ou pilotar. Esta bicicleta
me marcou em diversas situações.
Um fato que aconteceu foi quando
eu fui jogar bola e não tinha
dinheiro para pegar ônibus, então
eu peguei minha bicicleta e fui
jogar. Cheguei um pouco atrasado,
mas deu certo. (Renato, 15 anos).
Seguindo a mesma linha de raciocínio da fotografia anterior, a bicicleta é um
meio de transporte, que pode ter mais de uma interpretação. Renato a tem como um
objeto de afeto, e como ele afirma, já o marcou em diversas situações. Vale ressaltar
que a posse no sistema capitalista é tida como um elemento significativo na construção
da identidade de um indivíduo.
13
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Essa é a casa que eu mais amo, porque é
nela que eu vivo. Eu sou feliz porque
tenho uma casa para eu morar. Até hoje
eu e minha família demos “um duro”
para ter essa casa e este carro, que está
“caindo aos pedaços”, mas não tem
problema, faz dois meses que
compramos e estamos dando um
“trato”nele. Mas é isso que temos que
dar valor: na nossa casa, porque é nela
que vivemos. (Alisson, 15 anos).
Pela primeira vez um educando registrou sua casa como elemento mais
significativo para ele no bairro. O olhar para sua casa e carro é de orgulho pela
conquista de sua família. Esta referência da casa própria está intimamente relacionadas
às exigências do modo de produção capitalista, que passou a ser constituído com um
objeto histórico deste sistema e gerou na sociedade o desejo de possuí-la “pelos motivos
de prestígio, auto-estima e status de toda a sociedade”25.
Estou sempre nesta lan house
porque não tenho internet em
casa e preciso pesquisar coisas
na escola e também para
conversar com os amigos no
Orkut e mns. Lá ninguém nos
interrompe (Tânia Franciele, 14
anos).
Uma lan house foi alvo de registro pela Tânia Franciele. Ela descreve o local
sem muitas argumentações, o que não transmite um sentimento de pertença ao seu
bairro. Talvez, a educanda ainda não tenha se apropriado de sua realidade. Esta falta de
sentido não despertou para o sentimento de pertença. A escolha também mostra o poder
que os meios de comunicação exercem no indivíduo. Para Cogo26, a identidade cultural
25
26
PELUSO, 2003, p. 325.
COGO, 2004.
14
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vem sendo pautada pela mídia.
O cemitério parque é muito importante para
mim porque foi onde minha bisavó foi
enterrada. A morte dela ficou muito marcante
para mim, ela era mais que uma bisavó, ela era
praticamente uma mãe para mim. Eu gostava
muito dela, e morava com ela desde
“nenenzinha”. Ela me criou quando minha mãe
foi embora com meu padastro, eu tinha apenas
dois anos quando ela praticamente me
abandonou, mas isso já passou. Minha avó
morreu quando eu tinha 12 anos , foi o pior dia
da minha vida, parecia que o mundo tinha
acabado. (Franciele, 15 anos).
Franciele olha para o bairro com recordações da sua infância com sua bisavó,
por quem foi criada até os doze anos. O cemitério não significa apenas uma referência
no bairro, mas o é importante em função do local de sepultamento de sua bisavó.
Aos olhos de quem observa estas fotografias, parecem – algumas delas – sem
sentido. É nesta linha de raciocínio que anteriormente descrevemos sobre o filtro
cultural do fotógrafo. As manifestações culturais dos envolvidos no processo (fotógrafo
e espectador) são diferentes, e não menos superior um ao outro.
Entretanto é apenas o início de um trabalho que exige esforços de educadores
nos entraves do sistema capitalista, pois ainda percebe-se um importante papel que a
mídia desempenha no cotidiano dos jovens.
Considerações finais
Este trabalho não tinha como pretensão formar fotógrafos profissionais, mas a
partir do meio fotográfico propor atividades que pudessem dar subsídios para uma
avaliação da apropriação da realidade social de cada educando e incentivar a luta pelos
seus direitos a fim de atuarem como cidadãos. Apesar de ser um trabalho isolado, não o
faz menos importante.
Morin27 alerta para a participação ativa, seja autônoma, individual ou coletiva,
27
MORIN (1986) citado por PERUZZO (1998, p. 277).
15
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como uma esperança para a efetivação de mudanças sociais: “[...] precisa de múltiplas
mudanças/transformações/revoluções simultaneamente, autônomas e independentes, em
todas as áreas [...] Não há nenhum lado bom por onde começar; é preciso começar por
todos os lados ao mesmo tempo”.
O que deve ser analisado não é o resultado final deste projeto, mas o processo
e/ou o caminho que tramitou para chegar ao fim (que na verdade pode ser analisado
como um começo).
Acredito que os objetivos foram atingidos ao ponto que foi possível criar rodas
de discussões que refletiam acerca de suas necessidades, como seus direitos garantidos
pelo ECA. Também, em conjunto com o grupo, debatemos sobre a fotografia desde a
sua origem e como a mesma tem sido utilizada atualmente, em grande parte para o
consumo.
Mas acredito que o principal objetivo atingido foi à reflexão sobre sua realidade
social. Em um primeiro momento, os educandos não se sentiam a vontade a falar sobre
seu bairro, sua realidade, talvez em função de uma visão preconceituosa de muitos
moradores da cidade sobre os bairros próximos ao Cesomar. Esta visão advém de uma
sociedade acostumada com leituras e visualizações de jornais, revistas e telejornais
também preconceituosos. A exclusão territorial, como afirma Feijó e Assis28, é uma das
formas de exclusão que podem levar a um conjunto de vulnerabilidades futuras, que
serão difíceis de superar.
No entanto, percebemos que os educandos têm uma visão positiva do bairro, seja
por lembranças do passado ou pela sua vivência diária em sua comunidade. Este
sentimento de pertença acredito ter sido intensificada, o que para Cortina29 é uma
necessidade nas sociedades pós-industriais para que se possa alcançar a cidadania.
REFERÊNCIAS
ALVES, Patrícia H. Gênese teórica e prática da educomunicação. Santos: Intercom,
2007.
AZEVEDO, M. Verônica. Telejornalismo e Educação para a Cidadania. São Paulo:
Beca Produções Culturais, 2004.
28
29
FEIJÓ e ASSIS, 2004.
CORTINA, 2006.
16
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BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Franteira, 1984.
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COGO, Denise. Mídias, identidades culturais e cidadania: sobre cenários e políticas de
visibilidade midiática dos movimentos sociais. In PERUZZO, C. K. (org). Vozes
Cidadãs: aspectos teóricos, análises de experiência de comunicação popular e sindical
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1 A fotografia como recurso na educação para a cidadania SILVA