V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 A fotografia como recurso na educação para a cidadania SILVA, Priscila Kalinke Faculdade Cidade Verde RESUMO Este trabalho é um resultado de uma pesquisa que tem como objetivo verificar o olhar de um grupo de adolescentes sobre sua realidade social bem como fomentar a discussão e reflexão entre os jovens sobre temas que relacionam ao seu meio. Para isto, foram realizadas oficinas semanais com dez adolescentes em situação de vulnerabilidade social de uma instituição de Maringá, utilizando a fotografia como instrumento motivador para discutir a cidadania, embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente. O trabalho foi pautado em princípios teóricos e práticos da comunicação e educação como aliada a educação para a cidadania, o que possibilitou avaliar o desconhecimento dos adolescentes acerca dos seus direitos e, inicialmente, a carência do sentimento de pertença dos mesmos à sua realidade. Palavras-chave: Comunicação e Educação, Fotografia, Cidadania e Pertença. Introdução Os meios de comunicação de massa estão presentes cada vez mais no cotidiano das crianças e dos adolescentes. As informações diárias são adquiridas por meio deste tipo de comunicação, desta forma fica evidente que a educação das crianças e dos adolescentes, atualmente, não são papéis apenas dos pais e da escola. Os meios de comunicação de massa se tornaram peças fundamentais na educação informal, interferindo na formação de valores. Ao que tange a esta forma de tradicional da educação, Gutierrez1 há três décadas já havia alertado que “já não se pode continuar pensando em uma escola encerrada entre quatro paredes e completamente desvinculada do processo de comunicação”. Neste sentido, ignorar os meios de comunicação é reforçar o tradicionalismo e distanciar um instrumento que pode favorecer a aprendizagem escolar. Não apenas no sentido pedagógico, mas também como um instrumento de leitura crítica da mídia, proporcionando subsídios para tornar os jovens menos passivos diante do fascínio dos áudios-visuais. A escola e demais instituições de ensino não podem desconsiderar este 1 GUTIERREZ, 1978, p. 33). 1 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 determinante, as orientações quanto a mediação da mídia e apropriação dos meios de comunicação são fundamentais para a percepção crítica do educando quanto aquilo que lhes são transmitidos. É o que se pretende com este trabalho sobre fotografia. Esta pesquisa tem como proposta a construção de um fotodocumentário com 10 adolescentes, entre 14 e 16 anos, em situação de vulnerabilidade social e econômica que freqüentam diariamente a instituição de apoio socioeducativo Centro Social Marista Irmão Beno Tomasoni de Maringá (Cesomar). As fotografias foram produzidas pelos próprios educandos, nos quais descreveram a leitura da imagem escolhida pelos mesmos. Esta pesquisa tem a intenção de refletir sobre o seguinte problema: qual a percepção dos jovens pesquisados acerca de sua realidade social? O objetivo geral deste trabalho é fomentar a discussão e reflexão entre os jovens sobre temas que relacionam à sua realidade, bem como oferecer subsídios para a formação de uma consciência mais crítica sobre seu meio, proporcionar espaços de discussão sobre o papel da mídia, em especial a fotográfica, no contexto midiático e; propiciar aos jovens um meio de expressão para retratarem e valorizarem suas realidades por meio da fotografia, atuando como protagonistas do processo da comunicação. Este trabalho será norteando pelos referenciais bibliográficos e percorrerá o seguinte caminho: Num primeiro momento será desenvolvida uma contextualização da educação e comunicação, para posteriormente seguir a reflexão sobre a educação para a cidadania, e a fotografia como um retrato da realidade. Durante a trajetória teórica pretende-se permear o trabalho prático realizado no Cesomar. Comunicação e Educação O ponto de partida para a concentração das análises dos pólos comunicação e educação se deu em um período em que as duas grandes guerras mundiais universalizaram o “poder libertador que a técnica poderia exercer na melhoria progressiva da vida humana”2. Nesta perspectiva, Soares avalia este cenário favorável para a construção de análises em função dos estudos sobre a influência dos meios de comunicação, em 2 ALVES, 2007, p. 1. 2 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 especial os áudios-visuais, nos países subdesenvolvidos latino-americanos3. A partir da segunda metade do século XX, no que diz respeito à educação, o audiovisual foi o instrumento de maior destaque. Como conseqüência desta aproximação, aumentou-se a necessidade de alertar os receptores sobre o poder manipulatório da mídia. Estudos sobre análises de discurso com a finalidade de promover uma maior reflexão crítica nos cidadãos se intensificaram na década de 70, que passava por uma crise nos setores social e político4. Em uma análise paralela a esta confirma que os esforços para difusão da relação comunicação/educação não são recentes no país. Segundo Soares, a aproximação destes dois campos começou no início do século XX, no Brasil, com Roquete Pinto, que pretendeu transmitir cultura e educação através da Rádio Nacional, mas foi obrigado a entregar a emissora para o Governo Federal, o que significou a vitória dos interesses mercantis sobre a educação. Monteiro Lobato também se esforçou em adaptar a literatura ao público infantil com temas nacionais, mas não obteve o êxito esperado, pois se manteve a margem da educação. Nos anos 80 os estudos da influência dos países mais desenvolvidos sobre os menos desenvolvidos deram lugar a estudos sobre a relação entre educação formal e os meios de informação com as publicações da UNESCO que passaram a discutir tal relação. A segunda década de 90, com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, principalmente a Internet, a necessidade em construir um novo campo se intensificou com a finalidade de “aproximar de maneira crítica, porém construtiva, as áreas da ‘educação para os meios’ e do ‘uso das tecnologias no ensino’” 5. Este novo campo ficou conhecimento como Educomunicação, que é a inter-relação entre comunicação e educação. No que diz respeito a esta área, o papel de um educador tem uma função de educar para os meios de comunicação, não utilizar-se os meios pelo e para os meios, mas uma reflexão e apropriação dos mesmos. 3 SOARES, apud ALVES, 2007. SOARES, 1999. 5 SOARES, 1999, p. 22. 4 3 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 Educação para os meios: a fotografia como um instrumento A mídia-educação vem passando por diversas reflexões ao passar dos anos. Inicialmente, entre os anos 1930 e 1960, nos Estados Unidos, pensava-se que a mídiaeducação era um instrumento para proteger os espectadores do perigo da mídia. Posteriormente, após os anos 1960, avançou no sentido de conduzir a uma leitura crítica. No contexto da ditadura militar, a utilização da mídia-educação refletia uma comunicação alternativa, como uma possibilidade de resistência política6. Atualmente, em especial na América Latina, a aplicação dos produtos da mídia na educação é defendida por diversos autores como um importante instrumento de educação para os meios. Esta educação deve ser obtida através de um processo de mediação, que segundo Orozco7, deve ser realizado entre os meios de comunicação de massa, as instituições educativas e os processos de recepção de mensagens que envolvem os estudantes. Nesta perspectiva, a educação para as mídias visa à autonomia crítica do educando, a valorização do diálogo e da reflexão e possui como objetivo geral a educação para a cidadania8, não apenas no sentido de conhecerem seus direitos, mas também refletirem sobre os mesmos, e conforme sua realidade atuarem como protagonistas. A relevância do uso de tecnologias dentro da sala de aula, ainda segundo Orozco9, não está apenas na diversão, mas sim no aprendizado, que é o resultado de um processo de desenvolvimento por meio de uma orientação adequada dos códigos e formatos lingüísticos nos quais estão inseridas estas novas tecnologias. Para chegar ao resultado esperado, é necessário, além desta orientação, o reconhecimento dos “hábitos e rituais” que vão sendo gerados durante a experiência dos educandos frente aos meios. Através destas práticas é que será possível adequar os usos dos meios para fins educativos. A educação para os meios é uma forma de intervenção nos processos de 6 FANTIN, 2007. OROZCO, 1997 8 FANTIN, 2007 9 OROZCO, 2002. 7 4 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 recepção. Segundo Orozco, há três décadas já vêm sendo discutidos os métodos pedagógicos mais eficazes, seguidos de diferentes denominações, como: Recepção Crítica, Leitura Crítica dos Meios, Recepção Ativa, Educação para a comunicação, Alfabetização Televisiva e Educação para a Recepção (OROZCO, 1997). Este processo de educação para os meios foi a segunda etapa do trabalho com os adolescentes, seguida da explanação dos objetivos do projeto e uma dinâmica sobre a história da fotografia, conversamos sobre as diversas finalidades que a fotografia se propõe. Esta atividade teve como objetivo diferenciar a fotografia publicitária e jornalística e buscar as mensagens subliminares por encobertas em cada fotografia. Este processo de mediação também nos levou a outra reflexão: a fotografia é a expressão real ou parcial a uma dada realidade? Dinâmica para apresentar a história da fotografia Parafraseando Schultze10 é pelos processos mediados construídos entre alunos e professores sobre a imagem fotográfica que um novo entendimento se cristaliza: o reconhecimento da fotografia como uma realização feita por um aparelho, isto é, uma interface operada por um sujeito social, o fotógrafo, que deposita naquela construção sua bagagem e história de vida, e que será recebida e interpretada de maneiras diferenciadas pelos outros sujeitos sociais envolvidos no processo, os receptores. Este processo de aprendizagem “tem objetivos amplos relacionados à formação de usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e 10 SCHULTZE, 2005. 5 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 comunicação”11. No entanto, Alves12 alerta para um problema que pode ser gerido neste processo: a adaptação inadequada do educador, gerando uma falsa resposta aos desafios impostos pela educomunicação. De acordo com a autora, o educador deve ir à contra mão de uma “visão mecanicista, tecnicista, limitando-se a aparelhar-se com as novas tecnologias, mas mantendo intactos os velhos procedimentos de ensino baseados na idéia de transmissão do saber”. A educação para os meios, utilizada adequadamente, torna-se fundamental para a formação de cidadãos mais críticos e reflexivos e deve ser uma prática constante de pais e educadores no processo de educação de crianças e adolescentes, para que se tornem sujeitos do processo de comunicação. A Educação para a Cidadania: A cidade dos direitos Covre13 diz que “a cidadania, como tento distingui-la, depende da ação dos sujeitos e dos grupos básicos em conflito, e também das condições globais da sociedade. Ela pode permitir uma práxis coletiva que coaduna os pólos da construção social: o do indivíduo e o da coletividade”. Esta ‘ação dos sujeitos’ está nestes deveres do cidadão do compromisso com o coletivo e ser o fomentador de seus direitos. Por isto para Covre, a ‘efetivação da cidadania depende da ação dos subalternos’, ou seja, depende da luta por seus direitos. A cidadania hoje está em construção, com espaço aberto para seu exercício, cabe aos sujeitos construir o possível neste espaço e lutar por melhorias. O processo educativo para a cidadania, conforme Peruzzo14 é adquirida pela práxis, isto é, a prática mais a teorização/reflexão sobre a mesma. Sob esta metodologia que se propôs o trabalho, não simplesmente a utilização dos meios para a busca da cidadania, mas uma reflexão teórico-reflexiva sobre a cidadania, partindo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e uma reflexão sobre a realidade social dos educandos. Para trabalhar o ECA, os educandos tinham a missão de construir uma maquete 11 BELLONI, 2001, p. 46. ALVES, 2007, p. 14. 13 COVRE 2001, p. 10. 14 PERUZZO, 2001. 12 6 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 de uma cidade ideal para um adolescente viver, isto é, conforme os direitos contemplados pela legislação. Esta cidade teria que ser construída com materiais reciclados. Os principais objetivos desta atividade foram observar a maquete a fim de identificar o conhecimento dos educandos sobre seus direitos fundamentais e buscar impressões sobre o significado de cidadania para os adolescentes. Na cidade continha: duas boates, uma escola, uma quadra de esportes, um lago, transporte coletivo, um shopping e uma igreja. Após a construção, discutimos acerca da cidade a partir da leitura de uma das histórias do livro “Causos do ECA”, e sustentados pelo Artigo 4º do ECA, que diz: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Construção da “Cidade dos Direitos” “Cidade dos Direitos” finalizada Diante do texto base e do artigo, discutimos alguns direitos que não estavam sendo contemplados pela maquete, em especial a saúde, à cultura e a convivência familiar. Partindo desta discussão, passamos a discutir o bairro, quais eram as carências e os direitos que não estavam sendo garantidos. O grupo levantou algumas questões, como a educação precária, à cultura e a saúde. Os educandos, inicialmente, pareciam distantes de sua realidade social, como se não fossem pertencentes a uma realidade social. Quando se fala em realidade social 7 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 pensa-se logo sobre sentimento de pertença. Neste sentido, Cortina15 diz que há a necessidade, nas sociedades pós-industriais, de gerar entre seus membros, um tipo de identidade na qual se reconhece e que esse tipo de sociedade sofre de uma falta de adesão por parte dos cidadãos ao conjunto da comunidade, e sem essa adesão é impossível responder conjuntamente aos desafios que se apresentam a todos. Este sentimento de pertença é imprescindível para a luta de uma sociedade interessada na luta dos direitos de sua comunidade ao passo que sem sentir-se um ser social inserido numa delimitação geográfica, impossibilita a ânsia por melhores condições de vida. Os educandos do Centro Social Marista Ir. Beno Tomasoni estão sob a condição de vulnerabilidade social e econômica, muitos moram em bairros pobres da cidade, o que torna ainda mais urgente a luta pela garantia dos direitos fundamentais do cidadão, porém sem o sentimento de pertença e sem a união da comunidade torna-se uma tarefa difícil. Fotografia: expressão da realidade? Conforme estabelecida a questão anteriormente, é oportuno problematizar brevemente a respeito da fotografia como expressão da realidade. Para Humberto16 fotografar é reduzir parte da complexidade das combinadas informações do nosso cérebro a uma momento de tempo e a uma fração de espaço, confinando um plano de uma realidade existente, que passa a ser representada pela ordenação deliberada de uma linguagem. Neste ponto de vista, percebe-se a diferenciação entre o olhar e o fotografar. Para o mesmo autor, a “informação visual não se resume na confirmação do óbvio, mas pode ser uma porta de entrada para reflexões renovadas, a partir de indicativos oferecidos por um momento real roubado ao tempo”17. Portanto, a fotografia perpassa na mente do espectador da foto diversas interpretações que advém de uma história de vida de cada indivíduo, isto é, cada um cria 15 CORTINA, 2005, p. 18. HUMBERTO, 2000. 17 HUMBERTO, 200, p. 41. 16 8 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 um sentido próprio para determinada situação registrada. No entanto, não descarta-se a importância deste meio como um documento histórico. Kossoy18 confirma dizendo que “imagens são documentos para a história e também para a história da fotografia”. Ele afirma isto se referindo as fotografias a partir de 1840, quando começaram a ser captados diferentes contextos sociogeográficos, formando uma memória visual de diversos fragmentos do mundo. Barthes19 diz que toda fotografia é um certificado de presença, ou seja, parte de uma objetividade. Ele ainda conclui que na fotografia, de um ponto de vista fenomenológico, o poder de autentificação sobrepõe-se ao poder de representação. Kossoy20 salienta o papel fundamental do filtro cultural do fotógrafo, diante da realidade fotografada. “O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo diante da realidade”. Foi partindo desta análise que este trabalho se propôs. Os adolescentes fotografam uma realidade a partir de sua ideologia, de sua visão de mundo. Reconhecerse como inserção de uma realidade de um bairro significativo para os mesmos propõe mais que uma realidade específica, mas uma imensidão de significados que perpassa a história de vida de cada educando, a história de lutas por melhores condições de vida de cada adolescente, a história de lutas por um bairro e uma cidade. A técnica fotográfica Após a contextualização sobre a história da fotografia, o processo de mediação e a educação para a cidadania, partiu-se para a prática. A construção da “máquina de latinha”, Pinhole, foi uma alternativa para levar o educando ao conhecimento técnico do processo de captação de imagens em uma máquina fotográfica. Esta “mediação tecnológica na educação”21 tem como proposta realizar estudos e compreender a utilização das novas tecnologias de informação para contribuição da educação e estabelecer a práxis no sentido de aliar o conhecimento teórico e técnico à prática. 18 KOSSOY, 2001, p. 27. BARTHES, 1984. 20 KOSSOY, 2001, p. 42-43. 21 SOARES, 1999. 19 9 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 Depois de conhecerem o processo físico e químico de uma máquina fotográfica e sua revelação, os educandos tiveram uma oficina prática da utilização de uma máquina digital. Esta oficina teve como objetivo incentivar a utilização correta do equipamento e discutirmos sobre as diferenciações entre uma máquina manual e a digital. Relembrando as palavras de Alves22, devemos nos distanciar da visão mecanicista da tecnologia, sendo esta utilizada simplesmente para a transmissão do saber, caminhando pela contramão da educação horizontal defendida por Freire. Confecção da Pinhole Processo de tiragem da fotografia 22 ALVES, 2007. 10 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 Uma das fotos reveladas Sendo assim, a utilização da máquina para registrar fotos nos bairros próximos ao Cesomar, onde moram os educandos freqüentes a instituição, possibilitava um envolvimento e uma troca entre as manifestações culturais dos mesmos em conjunto com o educador, e tinha como objetivo principal levar ao local da realidade social do educando para que este pudesse fotografar algo que lhe fizesse sentido. 4.1 - O olhar fotográfico: análise dos resultados Após uma oficina que permitiu o conhecimento técnico da máquina fotográfica digital, os educandos23 puderam sair no bairro e fotografar o que era significativo para os mesmos. Escolhi para fotografar a igreja. Mas é um ato simbólico, para demonstrar que Deus é importante para mim. A igreja é um lugar onde me sinto bem, onde eu rio, choro e louvo a Deus. A igreja é a minha segunda casa. (Naiara, 15 anos). Para a Naiara, a Igreja é um símbolo representativo no bairro, é um local onde 23 É importante ressaltar que nem todos os educandos que participaram das oficinas puderam estar presentes no dia que saímos para fotografar. 11 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 ela se sente acolhida. Esta fotografia, em conjunto com a leitura da mesma realizada pela educanda, possibilita duas vertentes de análise. A primeira parte do texto ela faz referência a Igreja de forma subjetiva, ou seja, o papel importante de Deus em sua vida, neste ponto de vista, não importa onde se localiza esta instituição, se é no bairro onde ela mora, ou em outra parte da cidade. Já a segunda parte da leitura da fotografia feita pela Naiara mostra que a Igreja é um local onde ela se sente bem, onde se alegra, chora e até a considera como sua segunda casa. Neste sentido, ela a tem como um local de afeto e envolve um sentimento de pertença, o que significa que não em toda Igreja que ela se sentiria incluída. Além disso, a igreja possui uma grande importância na vida desta comunidade. É importante ressaltar que a igreja também exerce uma função na sociedade de explicar fatos que a ciência não tem fundamentos para comprovar. Neste sentido, Paulo Freire24 coloca que a partir daí aparece as “compreensões mágicas”, que partem de uma consciência ingênua. A foto que tirei é do Cesomar. Eu a tirei porque entrei aqui ainda quando era Papa João XXIII, há 10 anos quando eu era pequeno e minha mãe não tinha com quem me deixar, então ela me matriculou para eu não ficar sozinho. Eu ainda freqüento o Cesomar, e é muito importante pra mim porque eu estou desde pequeno e me ajudou muito a me relacionar melhor. (Carlos, 15 anos) Carlos registrou o Cesomar como o principal elemento significativo para ele no bairro. Ele argumenta bem quando descreve a motivação para a escolha da instituição, já que há dez anos ele freqüenta o local. Ele sente-se pertencente e tem um olhar de respeito e carinho a unidade, que assim como ele, outras centenas de crianças no bairro cresceram participando das atividades do Cesomar. O Centro Social representa parte de sua vida e percebe-se a inclusão social proporcionada pela instituição quando ele escreve que sua mãe não tinha um local para deixá-lo quando criança. 24 FREIRE, 1981. 12 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 Eu fotografei o ônibus que pego todos os dias. Ele é fundamental na minha vida porque é com este transporte que eu vou para a escola todos os dias com o passe livre. (Pinduka, 16 anos). O “Pinduka”, como é conhecido, registrou o ônibus que passa pelo bairro todos os dias. Para ele, o ônibus significa garantia de estudo, “com o passe livre”. É importante ressaltar que no ônibus assim como é um meio de transportar as pessoas ao bairro, também é um meio de afastá-las. O sentido de uma fotografia, como vimos anteriormente, são múltiplos, conforme a carga ideológica do indivíduo e do sentido que o objeto faz a pessoa. A bicicleta é um meio de transporte muito bom porque ela “quebra um galho” para quem não tem idade para dirigir ou pilotar. Esta bicicleta me marcou em diversas situações. Um fato que aconteceu foi quando eu fui jogar bola e não tinha dinheiro para pegar ônibus, então eu peguei minha bicicleta e fui jogar. Cheguei um pouco atrasado, mas deu certo. (Renato, 15 anos). Seguindo a mesma linha de raciocínio da fotografia anterior, a bicicleta é um meio de transporte, que pode ter mais de uma interpretação. Renato a tem como um objeto de afeto, e como ele afirma, já o marcou em diversas situações. Vale ressaltar que a posse no sistema capitalista é tida como um elemento significativo na construção da identidade de um indivíduo. 13 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 Essa é a casa que eu mais amo, porque é nela que eu vivo. Eu sou feliz porque tenho uma casa para eu morar. Até hoje eu e minha família demos “um duro” para ter essa casa e este carro, que está “caindo aos pedaços”, mas não tem problema, faz dois meses que compramos e estamos dando um “trato”nele. Mas é isso que temos que dar valor: na nossa casa, porque é nela que vivemos. (Alisson, 15 anos). Pela primeira vez um educando registrou sua casa como elemento mais significativo para ele no bairro. O olhar para sua casa e carro é de orgulho pela conquista de sua família. Esta referência da casa própria está intimamente relacionadas às exigências do modo de produção capitalista, que passou a ser constituído com um objeto histórico deste sistema e gerou na sociedade o desejo de possuí-la “pelos motivos de prestígio, auto-estima e status de toda a sociedade”25. Estou sempre nesta lan house porque não tenho internet em casa e preciso pesquisar coisas na escola e também para conversar com os amigos no Orkut e mns. Lá ninguém nos interrompe (Tânia Franciele, 14 anos). Uma lan house foi alvo de registro pela Tânia Franciele. Ela descreve o local sem muitas argumentações, o que não transmite um sentimento de pertença ao seu bairro. Talvez, a educanda ainda não tenha se apropriado de sua realidade. Esta falta de sentido não despertou para o sentimento de pertença. A escolha também mostra o poder que os meios de comunicação exercem no indivíduo. Para Cogo26, a identidade cultural 25 26 PELUSO, 2003, p. 325. COGO, 2004. 14 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 vem sendo pautada pela mídia. O cemitério parque é muito importante para mim porque foi onde minha bisavó foi enterrada. A morte dela ficou muito marcante para mim, ela era mais que uma bisavó, ela era praticamente uma mãe para mim. Eu gostava muito dela, e morava com ela desde “nenenzinha”. Ela me criou quando minha mãe foi embora com meu padastro, eu tinha apenas dois anos quando ela praticamente me abandonou, mas isso já passou. Minha avó morreu quando eu tinha 12 anos , foi o pior dia da minha vida, parecia que o mundo tinha acabado. (Franciele, 15 anos). Franciele olha para o bairro com recordações da sua infância com sua bisavó, por quem foi criada até os doze anos. O cemitério não significa apenas uma referência no bairro, mas o é importante em função do local de sepultamento de sua bisavó. Aos olhos de quem observa estas fotografias, parecem – algumas delas – sem sentido. É nesta linha de raciocínio que anteriormente descrevemos sobre o filtro cultural do fotógrafo. As manifestações culturais dos envolvidos no processo (fotógrafo e espectador) são diferentes, e não menos superior um ao outro. Entretanto é apenas o início de um trabalho que exige esforços de educadores nos entraves do sistema capitalista, pois ainda percebe-se um importante papel que a mídia desempenha no cotidiano dos jovens. Considerações finais Este trabalho não tinha como pretensão formar fotógrafos profissionais, mas a partir do meio fotográfico propor atividades que pudessem dar subsídios para uma avaliação da apropriação da realidade social de cada educando e incentivar a luta pelos seus direitos a fim de atuarem como cidadãos. Apesar de ser um trabalho isolado, não o faz menos importante. Morin27 alerta para a participação ativa, seja autônoma, individual ou coletiva, 27 MORIN (1986) citado por PERUZZO (1998, p. 277). 15 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 como uma esperança para a efetivação de mudanças sociais: “[...] precisa de múltiplas mudanças/transformações/revoluções simultaneamente, autônomas e independentes, em todas as áreas [...] Não há nenhum lado bom por onde começar; é preciso começar por todos os lados ao mesmo tempo”. O que deve ser analisado não é o resultado final deste projeto, mas o processo e/ou o caminho que tramitou para chegar ao fim (que na verdade pode ser analisado como um começo). Acredito que os objetivos foram atingidos ao ponto que foi possível criar rodas de discussões que refletiam acerca de suas necessidades, como seus direitos garantidos pelo ECA. Também, em conjunto com o grupo, debatemos sobre a fotografia desde a sua origem e como a mesma tem sido utilizada atualmente, em grande parte para o consumo. Mas acredito que o principal objetivo atingido foi à reflexão sobre sua realidade social. Em um primeiro momento, os educandos não se sentiam a vontade a falar sobre seu bairro, sua realidade, talvez em função de uma visão preconceituosa de muitos moradores da cidade sobre os bairros próximos ao Cesomar. Esta visão advém de uma sociedade acostumada com leituras e visualizações de jornais, revistas e telejornais também preconceituosos. A exclusão territorial, como afirma Feijó e Assis28, é uma das formas de exclusão que podem levar a um conjunto de vulnerabilidades futuras, que serão difíceis de superar. No entanto, percebemos que os educandos têm uma visão positiva do bairro, seja por lembranças do passado ou pela sua vivência diária em sua comunidade. Este sentimento de pertença acredito ter sido intensificada, o que para Cortina29 é uma necessidade nas sociedades pós-industriais para que se possa alcançar a cidadania. REFERÊNCIAS ALVES, Patrícia H. Gênese teórica e prática da educomunicação. Santos: Intercom, 2007. AZEVEDO, M. Verônica. Telejornalismo e Educação para a Cidadania. São Paulo: Beca Produções Culturais, 2004. 28 29 FEIJÓ e ASSIS, 2004. CORTINA, 2006. 16 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Franteira, 1984. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília, 1991. COGO, Denise. Mídias, identidades culturais e cidadania: sobre cenários e políticas de visibilidade midiática dos movimentos sociais. In PERUZZO, C. K. (org). Vozes Cidadãs: aspectos teóricos, análises de experiência de comunicação popular e sindical na América Latina. São Paulo, Angellara Editora, 2004. CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005. DUBÓIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 1993. FANTIN, Mônica. Perspectivas teórico-metodológicas da mídia educação. Santos: Intercom, 2007. FEIJÓ, M. C.; ASSIS, S. G. O contexto de exclusão social e de vulnerabilidades de jovens infratores e de suas famílias. Estudos de Psicologia 2004, 9(1), 1571-1567. FEILITZEN, V.Cecilia & CARLSSON, Ulla (Orgs). A criança e a mídia: Imagem, Educação, participação. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2002. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. ______________. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. GUTIERREZ, F. P. Linguagem total: uma pedagogia dos meios de comunicação. São Paulo: Summus, 1978. HUMBERTO, Luis. Fotografia, a poética do banal. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 2. Ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. MEC. Manual de Educomunicação. Goiás, abril de 2006. Disponível em http://cgsi.mec.gov.br:8080/conferenciainfanto/MANUAL_DE_EDUCOMUNICACAO _final_rev.pdf. Acesso: 20/01/2008. 17 V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã UNICENTRO, Guarapuava/PR – 8 a 10 de outubro de 2009 MORIN, Edgar. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. OROZCO, Guilhermo. Professores e meios de comunicação: desafios, esteriótipos. Revista Comunicação e Educação, São Paulo, nº.10, p. 57-68, 1997. OROZCO, Guilhermo. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias: Tríade do Século XXI. Revista Comunicação e Educação, São Paulo, nº 23,, p. 57-70, 2002. PERUZZO, K. Cicília. Comunicação Comunitária e Educação para a Cidadania. Revista Fronteiras estudos midiáticos. São Paulo, V. 1, p. 111-128, 2001. SOARES, Ismar. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Brasília: Contato, ano 1, n. 2, 1999. PELUSO, Marília. O Potencial das representações sociais para a compreensão interdisciplinar da realidade: Geografia e Psicologia ambiental. Estudos da Psicologia, maio/agosto, volume 8, número 002. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003. PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. SCHULTZE, Ana Maria. Educação, comunicação e fotografia: estabelecendo alicerces na escola pública fundamental. Trabalho apresentado no Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005. STEPHANOU, Maria. BASTOS, M. H. C. (orgs). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. VIVARTA, Veet (coord). Remoto Controle: linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão para adolescentes. São Paulo: Cortez, 2004. (Série Mídia e Mobilização Social, 7). 18