DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA ANÁLISE DO PARECER CNE/CEB Nº. 11 DE 2000 A PARTIR DA ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS SILVA, Simone Gonçalves da1 - PPGE-UFPel LEITE, Maria Cecília Loréa - PPGE-UFPel Eixo temático: 1. Políticas curriculares Agencia Financiadora: CAPES Introdução As mudanças ocorridas no mundo atual, em decorrência dos processos de globalização e do avanço da tecnologia, reestruturam a organização do trabalho que propõe uma nova relação com o conhecimento. Tais transformações trazem em pauta as discussões sobre as ações educativas na formação do trabalhador, referenciadas na consolidação do sistema capitalista neoliberal a partir dos princípios da estabilidade econômica, da expansão da industrialização e da diminuição das desigualdades sociais. De acordo com as perspectivas atuais de governabilidade, as políticas públicas são criadas com o propósito de possibilitar a garantia do direito a educação com qualidade. No campo educacional brasileiro, no que se refere à democratização do ensino, o campo de estudos de Educação de Jovens e Adultos vem se constituindo ao longo do tempo e possibilitando algumas garantias no espaço das políticas públicas. Nessa direção, nas últimas décadas houve modificações na Educação de Jovens e Adultos e algumas destas alterações promovidas pelas reformas educacionais referem-se aos exames supletivos, como o Exame Nacional para Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos –ENCCEJA, 1 Pedagoga. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL/Pelotas. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível (CAPES). E-mail: [email protected] no nível do Ensino Fundamental, e o Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM, no nível do Ensino Médio. Os exames de certificação citados estão assegurados pela Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a qual os define como uma das possibilidades de oferta da Educação de Jovens e Adultos, sendo que a idade mínima para a realização dos testes é de 16 anos para o Ensino Fundamental e 18 anos para o Ensino Médio. Esses são reconhecidos como um direito dos jovens e adultos, e se configuram como uma política de expansão dos níveis de escolarização, sendo possível certificar e institucionalizar os conhecimentos dos muitos sujeitos que se afastaram ou não tiveram acesso ao contexto escolar. Diante do exposto sobre algumas políticas de Educação de Jovens e Adultos, pretendese nesse ensaio analisar o Parecer CNE/CEB 11 de 2000, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, com o propósito de compreender como o documento oficial discute o universo educacional e apresenta os exames supletivos no âmbito da educação de jovens e adultos. Para essa discussão ultizaremos como feramenta metológica “Abordagem do Ciclo de Políticas”, a partir de uma breve entendimento de como esse recurso contribui para análise das políticas educacionais. O que é “Abordagem do Ciclo de Políticas”? Uma breve síntese... Nesse primeiro momento do trabalho pretende-se apresentar uma breve síntese das contribuições da “Abordagem do Ciclo de Políticas de Ball e Bowe (1992)”, com base nos estudos de Mainardes (2009), Lopes e Macedo (2011) e Ball (2009) pela dinâmica que essa produção teórico-metodológica propicia a análise das políticas educacionais através da estruturação dos contextos. Inicialmente antes de utilizar a abordagem é preciso compreender a perspectiva do que é política. Segundo Ball (1994), políticas são como texto e como discurso, numa relação intrínseca, não sendo fases distintas, nesse entendimento que devemos perceber as que as políticas constituem-se em movimentos interligados de processos e de consequências. As políticas emergem como possibilidade para solução de problemas sociais e garantias de direitos, que não podem ser generalizadas por não causarem os mesmos efeitos e influências em todos os cenários. Para melhor compreender os conteúdos e os discursos presentes em documentos oficiais e poder ampliar a discussão sobre os limites e possibilidades das políticas no campo educacional, Ball e Bowe (1992) elaboraram a “abordagem do ciclo de políticas” como um método para pesquisar e problematizar as políticas. Segundo Ball, na entrevista para Mainardes e Marcondes (2009, p.305), “o ciclo de políticas não tem a intenção de ser uma descrição das políticas, é uma maneira de pensar as políticas e saber como elas são “feitas”, usando alguns conceitos que são diferentes dos tradicionais como, por exemplo, o de atuação ou encenação”. Esse termo usado por Ball, refere-se a parte escrita das políticas comparando a uma peça de teatro, no qual o ator possui em suas mãos o roteiro e as falas, mas é no palco que ele elabora o sentimento e da vida para aquelas falas, assim como as políticas são nos cenários educacionais que os professores, gestores, estudantes e responsáveis interpretam as políticas como texto e as colocam em prática a partir dos significantes e concepções pessoais, tendo esses atores o papel de autor, por exercerem algum tipo de controle na intervenção, de acordo com as realidades enfrentadas pelas escolas. Por esse caminho, Bowe e Ball identificam três contextos ao proporem um modelo de análise da política educacional: 1) contexto de influência: elaboração inicial da política; 2) contexto de produção: documentos oficiais da política; 3) contexto da prática: onde é consolidada a política. Posteriormente, Ball (1994) acrescenta mais dois contextos ao modelo: 4) contexto dos resultados: efeitos da política; 5) contexto das estratégias políticas: dar conta dos problemas da política (MAINARDES, 2006). Cabe ressaltar, como apontam Mainardes (2006), Lopes e Macedo (2011) e Mainardes e Marcondes (2009) que os autores Ball e Bowe propõem o ciclo como continuo, apesar de ser estruturado por contextos, mas é preciso compreender que eles não seguem etapas sequências, estão sempre inter-relacionados com todos os contextos. Sendo possível definir o ciclo como um movimento de articulação dos contextos, pela característica que envolve as políticas que sofrem constantes alterações advindas das questões econômicas, sociais, culturais e das próprias políticas. Operando com o ciclo continuo de políticas, temos conseguido fugir de certos binarismo – como proposta e prática, prescrição e implementação – muito comuns no estudo das políticas curriculares. Mais do que isso, no entanto, essa abordagem tem nos possibilitado ler os textos curriculares como expressão textual de um complexo processo de negociações que se dá num contexto marcado por relações de poder e constrangimentos. (LOPES; MACEDO, 2011, p.262) A proposta do ciclo se distancia do binarismo de proposta e de prática que alguns estudos sobre políticas educacionais e curriculares estão detidos, diante disso são necessários conceitos para melhor análise dos contextos, como de recontextualização do discurso elaborado por Bernstein. Segundo Mainardes (2010), o conceito de recontextualização é importante para a análise de políticas educacionais e curriculares, em virtude do modelo teórico de dispositivo pedagógico tanto no nível dos micro-processos (linguagem, transmissão e pedagogia) quanto nos macro-processos (códigos culturais e o conteúdo, processos educativos e as relações de poder e as classes sociais) presente nos textos políticos oficiais produzidos e reproduzidos. Nesse sentido, considera-se que a “abordagem do ciclo de políticas de Ball e Bowe” possui características dos estudos de Bernstein, como infere Lopes e Macedo (2011, p.253), Ball valoriza as recontextualizações como inerentes aos processos de circulação de textos, buscando associar a ação de múltiplos contextos nesses processos, bem como identificando as relações entre processos de reprodução, reinterpretação, resistência e mudança, nos mais deferentes níveis de produção de políticas. Com base no processo de recontextualização do discurso, pelo constante movimento de articular os níveis macro e micros, que Ball avança na discussão a partir da globalização e aponta o conceito de bricolage, como sendo o processo que as políticas são constituídas das montagens de outras políticas a partir do conjunto de princípios do neoliberalismo, da nova economia institucional e da teoria da escolha pública. (BALL, 1998, p.132). O conceito de bricolage, como sendo a produção do texto político que tenta atender diversas vozes, se encara como contraditório pelo fato de sempre existirem disputas e embates. Também é necessário perceber que o conceito de bricolage está presente no contexto da produção, mas nada impede que apareça em outros contextos, já que todos os contextos se constituem em um conjunto complexo e articulado uns dentro dos outros. (Lopes; Macedo, 2011) Diante dessa breve síntese da “Abordagem do ciclo de políticas”, que se analisa o parecer nacional que orienta as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. Em relação, ao modelo metodológico proposto o documento oficial encontra-se no contexto de produção, mas partindo do princípio de inter-relação dos contextos, pretende-se compreender como um documento oficial sofre inferências dos demais contextos. Análise do Parecer CNE/CEB 11 de 2000 A ordem jurídica brasileira possui dispositivos legais, onde são consideradas as Políticas Públicas de Estado. A Constituição Federal é a legislação fundamental de toda ordem, posteriormente no que se refere à educação encontram-se seus desdobramentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Ordenamento Jurídico, que podemos situar os decretos, as resoluções e os pareceres educacionais, tratando da especificidade da educação como direito civil e social. No cenário educacional brasileiro, muitas são as investidas em políticas de governo, para a garantia do direito público subjetivo à educação. Diante disso, as políticas públicas vêm sido constituídas para possibilitar a democracia, o acesso à educação, a qualidade e a igualdade de oportunidades em busca da consolidação dos direitos humanos em educação. Em relação à Educação de Jovens e Adultos, se podem identificar algumas ações de responsabilidade do governo federal, no qual encontramos os exames supletivos, a partir de 2002, o Exame Nacional para Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos –ENCCEJA, no nível do Ensino Fundamental, e, em 2009, o Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM, no nível do Ensino Médio. Destaca-se que os exames de certificação estão assegurados pela Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), sendo umas das possibilidades de oferta da modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Esses são reconhecidos como um direito dos jovens e adultos, e se configuram como uma política de expansão dos níveis de escolarização, sendo possível certificar e institucionalizar os conhecimentos dos muitos sujeitos que se afastaram do contexto escolar. Em atendimento ao proposto pela LDBEN, que o Exame Nacional do Ensino MédioENEM, além de se configurar como uma política pública de avaliação externa para o ensino médio, também se caracteriza como uma política nacional de oferta de educação de jovens e adultos em nível médio. Nesse sentindo, tem-se o intuito de compreender como os exames supletivos se apresentam no Parecer CNE/CBE 11 de 2000, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, pelo fato que o documento se estende a avaliação das habilidades e das competências básicas da EJA, que deve ser atendido na aplicação do ENEM. O Parecer CNE/CBE 11 de 2000, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, tendo como relator e conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, tendo como objetivo ser destinado para o universo educacional e administrativo, o dos cursos autorizados, reconhecidos e credenciados no âmbito do art. 4º, VII da LDB e dos exames supletivos com iguais prerrogativas – pela necessidade de apresentar as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos dentro de um quadro referencial mais amplo. (MINISTERIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.3) O parecer estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e ensino médio da educação de jovens e adultos e está estruturado com os seguintes tópicos: introdução, fundamentos e funções, bases legais das Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA (bases histórico-legais e atuais), educação de jovens e adultos – hoje (cursos de EJA, exames supletivos, cursos à distância e no exterior, plano nacional de educação), bases históricosociais da EJA, iniciativas públicas e privadas, indicadores estatísticos da EJA, formação docente para a EJA e Diretrizes Curriculares Nacionais e o direito à educação. Conforme já apresentado e reiterado durante a escrita, o parecer será analisado sobre a ótica das contribuições da “Abordagem do Ciclo de Políticas de Ball e Bowe (1992)”, com base nos estudos de Mainardes, Lopes, Macedo e Ball, considerando a síntese apresentada no primeiro movimento dessa escrita. O presente documento para análise refere-se ao contexto de produção, mas essa compreensão não pode ser determinada posto do que já foi discutido anteriormente que os contextos são articulados, pode-se inferir que os demais contextos encontram-se nesse parecer e não seriamente numa sequência. Sendo assim, nessa primeira parte do parecer pode-se identificar o contexto de influência, por começar anunciando o pacto com a Organização das Nações Unidas (ONU) defendendo a educação a todos que não tiveram acesso ou evadiram da escola, onde se percebe o efeito da globalização inferindo sobre as relações educacionais e também a incorporação dos pareceres e resoluções que discutem as Diretrizes Curriculares, e que podem se estender para a EJA, evidenciando o processo de empréstimo de políticas, denominado por Ball (1998) como bricolage, mas serve para reafirmar o que já tem sido estabelecido nas políticas anteriores, uma tendência essa crescente a favor da homogeneização das políticas educacionais mundialmente. Ainda dentro do contexto de influência, o documento foi elaborado a partir de estudiosos do Conselho Nacional de Educação, da comunidade educacional brasileira, as movimentações sociais e as teleconferências de Formação de Educadores para Jovens e Adultos, promovidas pela Universidade de Brasília (UnB) e o Serviço Social da Indústria (SESI), com o apoio da UNESCO, na tentativa de responder as dúvidas sobre os fundamentos e funções da EJA. Identifica-se como contexto de estratégia política, em busca da garantia do direito à educação e do reconhecimento da função equalizadora e da especificidade da EJA e pelo o documento se afirmar obrigatório para as instituições de EJA, assim como uma formação especifica para os docentes, esta tendo como contexto da prática. Diante disso, se pode inferir que no contexto da prática poderá existir certa regulação do Estado sobre o trabalho docente ao orientar um currículo mínimo para a EJA, para configurar sua especificidade diante das políticas de atendimento dessa modalidade. Esse documento apesar de englobar muitas discussões no campo dos estudos em educação de jovens e adultos, sofre algumas críticas, como aponta Soares (2002) sobre os recursos do FUNDEF para atingir as metas do PNE para o avanço da escolarização e erradicação da analfabetização, o parecer faz menção aos exames que podem se tornar um facilitador para aumento da escolarização, dispensando os sujeitos da frequência no contexto escolar pode desqualificar o fazer escolar e o estar em um processo formativo, no qual o relator menciona que tal tendência não pode ficar apenas ao poder público. Ainda em relação ao parecer no que se refere aos exames supletivos, o texto antecipa uma possível política de centralização dos exames que pode ser incorporada no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), diante das denúncias sobre a utilização imprópria de vendas de diplomas de conclusão escolar, que envolvem os exames e os cursos semipresenciais. (SOARES, 2002, p. 15) Segundo Ball (2002, p.5) “as tecnologias políticas da reforma da educação não são simplesmente veículos para a mudança técnica e estrutural das organizações, mas também mecanismos para “reformar” professores e para mudar o que significa ser professor”. No que se refere essa obrigatoriedade do documento, muitos significados podem ser possibilitados pelo contexto de produção de textos, fazendo que esta estratégia política de orientar o trabalho docente em relação aos conceitos e funções da EJA, delineia uma identidade docente e mudanças em suas praticas anteriores. Segundo Ball (1998) uma das agendas de política vincula a educação aos interesses econômicos. É visível essa compreensão quando o parecer apresenta a centralidade do trabalho para a necessidade do aprimoramento dos conhecimentos científicos e tecnológicos e como sendo a questão principal da EJA, ao justificar a oferta da EJA e o compromisso com a gratuidade e principalmente com os exames. As transformações tecnológicas reestruturam a organização produtiva e vem apontando para uma produção mais aligeirada, com menor custo beneficio sem perder de vista a qualidade. Tais mudanças influem na divisão social e técnica de trabalho, e consequentemente, trazem novas implicações nas relações educativas. Sendo assim, a questão de maior escolarização conquista uma dimensão significante, pela necessidade de ocupar os novos postos de trabalho e assim acaba por reconfigurar o papel do processo educativo na formação do trabalhador no atual momento histórico. Na busca por melhores condições de trabalho, por novos e promissores cargos a população procura por escolarização rápida, e assim percebe-se a educação assumindo um papel de mercadoria, privilegiando-se o desenvolvimento de competências e de habilidades e aligeirando-se os processos formativos através das certificações. As certificações se tornam produtos nesse mercado competitivo e individualista, com a promessa da empregabilidade e alcance da ascensão social. As políticas são tanto sistemas de valores quanto sistemas simbólicos: formas de representar, explicitar e legitimar decisões políticas. As políticas são articuladas tanto para obter efeitos materiais quanto para produzir apoio para esses efeitos. Em particular, quero sugerir, aqui, que a defesa em favor do mercado ou da forma comercial para a reforma educacional, como a “solução” para os problemas educacionais, é uma forma de “mágica da política. (BALL, 1998, p. 129) Nesse sentido, que se percebe a dualidade da política que ao mesmo tempo em que pretende a garantia do direito subjetivo, também necessita atender as demandas do mercado de um trabalhador autônomo, criativo e responsável. Sendo assim, podemos definir que as políticas públicas são criadas para garantir a qualidade da educação, dentro das perspectivas atuais de governabilidade que privilegia o empreendimento, a competição e a excelência. Cabe destacar, que o Parecer apresenta toda uma discussão sobre a necessidade de perceber os jovens e adultos como atores sociais, no qual o contexto educativo tenha como proposta curricular a valorização das historias de vida, a sistematização e ampliação dos conhecimentos prévios, bem como o desenvolvimento da autonomia. Em relação à formação do professor certa pertinência no que se refere a formação específica, para além da formação básica, para o educador da EJA, este que compreendenda as especificidades, os conhecimentos, os modos de vida e a trajetória da historia da EJA. Pode se inferir que o grande entrave proposto pelo Parecer é o contexto do resultado/efeitos da política, principalmente no que se refere à oferta da EJA através dos exames supletivos, “para se prestar exames supletivos da educação de jovens e adultos, não pode servir de álibi para um caminho negador da obrigatoriedade escolar de oito anos e justificador de um facilitário pedagógico”. (MINISTERIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.39) Este fragmento oferece uma visão de como a política de certificação do contexto de produção de texto, durante o seu processo pode sofrer uma recontextualização e uma ressignificação do exame supletivo. Sendo utilizado como um subterfúgio do tempo e espaço escolar e pode reduzir os saberes e fazeres escolares a burocracia, redimensionando o entendimento de uma educação menos formalista que considere os diversos e amplos os espaços não formais que possibilitam a aquisição de conhecimentos. Segundo Ball (1994, p.6), A questão é que não podemos predizer ou supor como elas serão trabalhadas e influenciadas em todos os casos, em todos os cenários, ou quais serão os seus efeitos imediatos, ou qual o espaço de manobra que os atores irão encontrar para si mesmos. A ação pode ser coagida ou forçada diferenciadamente, mas não determinada pela política. As soluções para os problemas propostos por textos de políticas serão localizadas e pode-se-ia esperar que manifestem ad hocery e desordem. As respostas devem ser ‘criativas’, mas uso aqui o termo cuidadosamente e num sentido especifico. Dadas restrições, circunstâncias e praticalidades, a tradução do cru, simplicidades teóricas de textos de políticas dentro de praticas interativas e sustentáveis envolvem pensamento produtivo, invenção e adaptação. As políticas não dizem o que fazer, elas criam circunstancias nas quais a extensão de opções disponíveis para decidir-se o que fazer são restritas e modificadas, ou são apontados objetivos e resultados particulares. A questão dos exames supletivos, no caso da certificação do ENEM, pode sofrer diversas compreensões retomando a idéia de suprir as faltas, ou seja, de dar o que lhes falta, ao inverso de assegurar a qualificação de habilidades e competências de maneira sistemática. Entende-se que a educação de jovens e adultos se destina aqueles jovens e adultos que por diversas situações não tiveram acesso ou não puderam dar continuidade aos seus estudos. Um dos fatores que causa a evasão escolar dos jovens e adultos é a necessidade de trabalhar, e é esse mesmo motivador que os faz retornar para a escola ou buscar a certificação através dos exames supletivos. Tal realidade é considerada por Gomes et al.(2005): “a necessidade de certificação é uma plataforma de avanço na carreira profissional e de superação da pobreza (p.23)”. A certificação exerce um grande papel na maneira como a lógica do mercado de trabalho vem se configurando, se reestruturando pela intenção de globalizar as oportunidades de emprego de uma determinada classe social e cultural. Essa nova possibilidade de certificação do ENEM pode estar se configurando como mais uma política pública educacional de caráter compensatório. A matriz de elaboração dos testes segue as indicações dos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCN’s), que por fim, o parecer define que as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos” devem compor a base comum e diversificada definidas pelos parâmetros do ensino fundamental e médio, e incorporar os conteúdos conceituais necessários a cada etapa. Mas no que se refere à especificidade para EJA é necessário conceber a educação como processo permanente de conhecimento, tendo as relações interpessoais o aporte para a construção, ressignificação e consolidação de conhecimentos, considerando os saberes constituintes dos sujeitos participantes do processo ensino-aprendizagem. Desenvolvendo ações educativas que possibilitam aos jovens e adultos organizar os novos conhecimentos com os já constituídos, além de estabelecerem relações de ensino e de aprendizagem que mobilizem sentidos e significados para a vida. Diante disso, fica uma questão, como uma avaliação pode anteriormente destinada ao Ensino Médio, pode ser certificadora do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos, integrando a especificidade da EJA? Considerações finais Nesse ensaio, teve-se como pano de fundo para análise o Parecer CNE/CEB 11 de 2000, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, a partir do método de investigação “Abordagem do Ciclo de Políticas”. Almejou-se compreender como o documento oficial discute o universo educacional e apresenta os exames supletivos no âmbito da educação de jovens e adultos. Na escrita pretendeu-se primeiramente realizar uma breve síntese da compreensao da “Abordagem do Ciclo de Politicas”, como referencial teorico-metodológico e posteriormente utilizar as contribuições de Ball para a reflexão dos contextos presentes na política. Durante o processo de análise destaca-se uma característica marcante presente no documento oficial, caracterizada como bricolage, ou seja, pela utilização de documentos já escritos, dando-lhes novos arranjos e atribuindo-lhes novas funções, mas também reiterando a legislação. Pois, muitas foram as menções de trechos de documentos e relatórios, nacionais e internacionais em seus textos. Com base na “Abordagem do Ciclo de Políticas”, observa-se que o Parecer CNE/CBE 11 de 2000, que se estende para os exames supletivos da EJA, apresenta o contexto de influência, ao descrever e justiçar como essa política tem sido constituída, e referindo ao processo de globalização, da Organização das Nações Unidas, dos movimentos sociais, da expansão da industrialização e da estruturação econômica. No contexto da produção de texto, o próprio documento e como incorpora os significados das políticas públicas citadas e no processo de bricolage ao serem identificados significados produzidos e reproduzidos pelos textos. Em relação ao contexto da prática, o processo organização e ações dos significados que foram produzidas, como práticas docentes que passam a ser reestruturadas a partir da lógica das Diretrizes de referência. A possibilidade de certificação dos mesmos conhecimentos que podem ser validados diante de uma avaliação, dispensando os sujeitos da freqüência no contexto escolar, pode se predizer como um contexto dos resultados/efeitos. Nesse sentido, tende-se a tornar o direito a educação como um mero processo de elevação da escolaridade. A grande questão presente na análise, é que existem descompassos da discussão apresentada no documento oficial em relação a uma legislação que originou uma política de governo dos exames. Cabe ressaltar, que o parecer se estende como orientador da política, sendo assim evidencia-se o processo de recontextualização, causando certo efeito de perfomatividade, no qual a certificação deixa de ser responsabilidade do Estado para ser de cada um e cada uma. Essa responsabilidade autocentrada, em relação à eficiência de atingir as metas determinadas para institucionalizar os conhecimentos oriundos do espaço e tempo escolar, são características necessárias do profissional autônomo, empreendedor e eficiente, reflexo do setor de produção da sociedade atual. Nesse sentido, ao pesquisar as políticas de Educação de Jovens e Adultos, com base nas contribuições da “Abordagem do Ciclo de Políticas”, pode-se apontar alternativas para promover as transformações na Educação, percebendo o quanto é necessário não apenas garantir uma escola a todos ou um processo de exame de certificação, mas pensar em processos pedagógicos que considerem as transformações no mundo do trabalho e contemplem as especificidades dos sujeitos da EJA, os conhecimentos vivenciados e as ressignificações dos saberes em consonância com o avanço do conhecimento científico e tecnológico. As problematizações e análises possibilitadas pela análise dos contextos interrelacionados apontam a importância da constituição do contexto de estratégica política, que avance no que foi exposto pelo parecer que reconhece a educação de jovens e adultos como uma necessidade básica, embora haja ainda muito que percorrer para que a EJA não seja vista apenas como educação compensatória. O parecer adiantava essa política de centralização dos exames supletivos, esse parecer é anterior a prática, tal proposta nos remete a pensar a uma política de avaliação que procura controlar e regular os conhecimentos e acaba por se tornar uma prática de aligeiramento da escolarização que avalia o rendimento escolar e informal dos brasileiros. Tal política de certificação, parece não oportuniza condições de acesso ao conhecimento o que resulta numa reprodução do sistema capitalista onde os considerados em situação de vulnerabilidade social continuam condicionados a uma formação desigual intencionada a acomodar e não a transformar. As políticas públicas educacionais neoliberais privilegiam ampliação dos lucros e investimentos, por isso a educação capitalista foca na produtividade e não na qualidade, pois o importante é aumentar suas aquisições e ampliar a produtividade e a demanda de mão-deobra e as aquisições que permitam ampliar a capacidade produtiva. Não se pode desconsiderar que na sociedade atual, essas modalidades de exames podem ter encaminhado sujeitos ao mercado de trabalho, mas isso não é o que se deseja. Uma sociedade mais igualitária só se formará se o investimento a educação seja intenso desde a educação infantil e perdure até a universidade. Entretanto, há necessidade de políticas educacionais duradouras que objetivem a redução das desigualdades por meio da mudança e da superação das lacunas do ensino público. No caso da educação de jovens e adultos é emergencial ações que viabilizem a formação continuada de seus educadores e o resgate social dessa modalidade de ensino em função de maximizar a sua qualidade. Enquanto as políticas públicas forem controladas pelo mercado neoliberal e não se comprometerem com a modalidade do conhecimento e sim com a utilidade do mesmo para funções trabalhistas o espaço dos alunos, jovens e adultos, da escola pública só tende a ficarem mais distantes àqueles que possuem um ensino elitista. É urgente a mudança na situação de distribuição irregular de oportunidades escolares e para isso ações assistencialistas não servem. Fortalecer a educação de jovens e adultos é primordial para transformação. REFERÊNCIAS BALL, Stephen J. Cidadania global, consumo e política educacional. In: SILVA, Luiz H da (Org). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998, 121-137. ______, Stephen J. Diretrizes Políticas Globais e Relações Políticas Locais em Educação. Currículo sem Fronteira, v.1, n.2, p.99-116, Jul/Dez. 2001. ______, Stephen J. Performatividade, privatização e o pós Estado. Educação e Sociedade. Campinas, v. 25, n89, p.1105-1126, Set/Dez. 2004. ______, Stephen J. Reformar escolas, reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação. 15(2) p. 03-13, 2002 ______, Stephen J. What is policy? Texts, trajectories and tooboxes. (cap.II) In: Education reform: a critical and pos-structural approach. 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