Úlcera de Marjolin com metástase cutânea: relato de caso Melissa C Azevedo e Silva, Raphael C Peryassu, Luciana E S Saraiva, Tullia Cuzzi, Rosangela S Rodrigues Serviço de Dermatologia e Curso de Pós-Graduação HUCFF-UFRJ e Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio de Janeiro Introdução O termo “úlcera de Marjolin” foi inicialmente usado para a transformação maligna de cicatrizes de queimadura, descrita por Jean-Nicholas Marjolin em 1828. Atualmente esse termo é empregado de forma a abranger as neoplasias malignas, especialmente o carcinoma espinocelular (CEC), surgidas sobre úlceras crônicas e cicatrizes. O CEC primário da pele pode raramente enviar metástases, o que ocorre mais comumente para os linfonodos regionais, que estão envolvidos em 85% dos casos, sendo os 15% restantes para sítios distantes como os pulmões, fígado, pele e osso. Relato do Caso Paciente do sexo feminino, 62 anos, relatando úlcera de membro inferior esquerdo de aproximadamente 20 anos de evolução. Encontrava-se emagrecida, com mau estado geral e febril. Apresentava úlcera em terço inferior do membro inferior esquerdo, 20 cm de diâmetro, bordas irregulares, fundo vegetante com secreção purulenta e saída de fragmentos ósseos. Havia fratura patológica da tíbia e anquilose da articulação do tornozelo. Constatada a inviabilidade do membro, optou-se por amputação supra-patelar do mesmo, realizada em dezembro de 2004. O histopatológico da peça cirúrgica foi de CEC bem diferenciado com invasão óssea, margens cirúrgicas livres de neoplasia (Figura 1). Em janeiro de 2005, retornou apresentando tumoração no subcutâneo da região posterior do tórax, arredondada, endurecida, A Figura 1: Histopatológico da Úlcera de Marjolin: coloração hematoxilina e eosina de fragmento da peça cirúrgica (amputação supra patelar de membro inferior esquerdo) demonstrando cordões de células escamosas atípicas infiltrando até a matriz óssea com a pele sobrejacente levemente eritematosa, de 8 cm de diâmetro. Apresentava também linfonodomegalia inguinal à esquerda. Foram realizadas biópsias excisional do linfonodo e insicional da tumoração. Após a biópsia, a tumoração se tornou mais eritematosa e foram, então, realizadas duas incisões para tentativa de drenagem, sem saída de secreção purulenta (Figuras 2a e 2b, após esses procedimentos). Os diagnósticos histopatológicos foram de CEC metastático para o linfonodo e de CEC bem diferenciado para a tumoração (Figura 3). O estadiamento foi negativo para doença metastática em outras localizações. A paciente foi submetida à radioterapia paliativa, com diminuição significativa do tamanho da lesão (Figuras 2c e 2d). B C Figura 2: Metástase Cutânea de Úlcera de Marjolin Figuras 2a e 2b antes da Radioterapia e 2c e 2d após término da Radioterapia (20 sessões). As fotos 2a e 2b foram tiradas após a biópsia incisional e incisão para tentativa de drenagem da lesão, por isso a presença de ulcerações em sua superfície que não fazem parte da lesão inicial descrita no relato de caso. Discussão Há uma estimativa de que 2% das cicatrizes de queimadura irão sofrer transformação maligna, percentual que não está determinado para as úlceras crônicas, mas admite-se que essa transformação seja rara. O período de latência médio entre a injúria e o desenvolvimento de malignidade é de 36 anos. Geralmente a transformação maligna ocorre em uma parte da borda da lesão podendo se manifestar como enduramento, vegetação ou mudança do aspecto da úlcera. O diagnóstico depende do exame cuidadoso da lesão, alto grau de suspeição e, por vezes, múltiplas biópsias já que é alto o percentual de falsos negativos. A taxa de metástase do CEC varia entre 0,5% a 6%, no entanto, esta taxa aumenta consideravelmente quando ocorre invasão de estruturas profundas como o osso, o que ocorreu no caso em questão. O sítio de metástase mais comum é o linfonodo regional, e a metástase para a pele é extremamente rara. O caso exemplifica a importância do diagnóstico precoce da úlcera de Marjolin. Figura 3: Histopatológico da Metástase Cutânea. Coloração hematoxilina e eosina de biópsia incisional do interior da tumoração no dorso demonstrando cordões de células escamosas atípicas com áreas de ceratinização 20 anos Úlcera crônica de membro inferior 1 mês Úlcera de Marjolin (CEC) amputação do membro CEC metástatico para linfonodo e pele (dorso) Bibliografia 1. Mortimer PS, Burnand KJ. Diseases of the veins and arteries: leg ulcers. In Burns T, Brathnach S, Cox N, Griffiths C. Rook's Textbook of Dermatology, 7th ed. Blackwell Science 2004:50.1-51.1. 2. MacKie RM, Quinn AG. 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