Universidades-fundação:
natureza e regime jurídico
Vital Moreira
Universidade de Coimbra
Relação Universidade-Estado
– Na Idade Média: universidade fora do “Estado”
– Absolutismo & liberalismo: estatização da universidade;
universidade como estabelecimento público; perda da
independência financeira
– República & Estado Novo: “autonomização” administrativa
da Universidade; universidade como instituto público, com
personalidade jurídica e governo próprio, mas sob tutela e
controlo estadual (“administração indirecta”)
– Constituição 1976: autonomização “política” da
Universidade; autogoverno da Universidade
(“Administração autónoma”); relativa autonomia de gestão
financeira
– 2007 (RJIES) : criação da figura das universidadesfundação.
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Origens da figura da Universidadefundação
• As ideias da “nova gestão pública” para a reforma do Estado e da
Administração pública:
– Paradigma da gestão privada: autonomia gestionária, responsabilidade,
eficiência
– Recurso às figuras institucionais do sector privado: sociedades, fundações
– Troca do regime de direito público (direito administrativo, contabilidade
pública, função pública, tribunais administrativos , etc.) pelo direito privado
(“fuga para o direito privado”
– Substituição das relações de hierarquia, comando e controlo, por relações
contratualizadas entre o Estado e as organizações públicas infra-estaduais
• Os precedentes estrangeiros de universidades-fundação e de
universidades-empresa
• O modelo norte-americano do “conselho de curadores” exterior à gestão
académica
• O modelo das universidades privadas: distinção entre a entidade
instituidora/proprietária e o estabelecimento universitário
• A moderna “moda” fundacional, mesmo que descarnada de genuíno
conteúdo fundacional
• A fundação como alternativa “não mercantil” à empresarialização
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As universidades-fundação no RJIES
• Dualismo institucional das universidades públicas:
– universidades directamente pertencentes ao Estado
– e universidades pertencentes a fundações instituídas pelo Estado
• A inovação da Universidade-fundação
– A fundação como detentora institucional da universidade e titular das
suas relações jurídicas patrimoniais e financeiras
– A universidade como estabelecimento da fundação
• A diferença entre a universidade tradicional (em que a própria
estabelecimento é entidade jurídica, pessoa colectiva, pertencente
ao Estado) – e a universidade fundação (em que o estabelecimento
“pertence” a outra entidade jurídica, a fundação, esta por sua vez
pertencente ao Estado)
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A transformação em universidadefundação
•
•
•
•
•
RJIES, art. 129º
Universidades-fundação originárias (novas universidades) ou por conversão das
instituições existentes
Natureza opcional da conversão, iniciativa da instituição, assentimento
governamental
Ausência de requisitos ou condições legais específicas
Procedimento:
–
–
–
–
–
•
Proposta da instituição, por iniciativa do reitor/presidente, aprovada pelo conselho geral
Estudo sobre as implicações da conversão em fundação
Assentimento do Governo
Negociação e convénio entre a instituição e o Governo
Diploma de instituição da universidade-fundação (decreto-lei), aprovando os estatutos da
fundação
Possibilidade de criação a título experimental, sob condição de avaliação, e
possibilidade de abandono do estatuto de universidade-fundação
(procedimento?).
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Património das universidadesfundação
• As fundações como instituições baseadas num património ou fundo
(imobiliário, mobiliário), cujos rendimentos (dividendos, rendas,
royalties, etc.) financiam as suas actividades
• As fundações de criação pública como “falsas fundações” em geral,
por não terem muitas vezes nenhum património gerador de
rendimentos
• O património das universidades-fundação (RJIES, art. 130):
– Património da IES originária;
– Contribuição suplementar do Estado;
– Contribuição de outras entidades, públicas ou privadas.
• Outros recursos financeiros das universidades-fundação = os
mesmos das universidades não fundacionais (transferências
estaduais, propinas e taxas, projectos e serviços externos, DPI, etc.)
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Governo das universidades-fundação
• Distinção entre governo da fundação ppd e governo da
universidade ppd
• Governo da fundação(RJIES, art. 131º):
– Conselho de curadores, nomeados pelo Governo sob proposta da
instituição (via reitor, prévia aprovação do conselho geral) de entre
pessoas estranhas à universidade (incluindo privados que tenham
contribuído para o património da fundação)
– Fiscal único
• Governo do estabelecimento (RJIES, art. 133º)
– Os mesmos órgãos das universidades não fundacionais (salvo o fiscal
único, que transita para a fundação)
– Porém, várias adaptações, incluindo a intervenção do conselho de
curadores na nomeação e exoneração do conselho de gestão, na
homologação da eleição do reitor (e sua destituição), na homologação
de várias decisões do conselho geral
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Natureza e regime jurídico das
universidades-fundação
• Os arts. 9º e 129º do RJIES (“fundações públicas com regime de direito
privado”, e não “fundações públicas de direito privado”)
• As universidades-fundação como entidades de natureza jurídico-pública,
embora com regime de direito privado (não exclusivo)
• Necessidade de interpretar o art. 134º (regime jurídico) à luz da natureza
jurídico-pública das universidades-fundação
• Aspectos explicitamente submetidos ao direito privado (civil, comercial,
etc.) e aos tribunais comuns:
– gestão patrimonial e financeira, aquisição de bens e serviços (isenção de
concurso público, segundo o CCP)
– relações de trabalho (professores, investigadores, etc.)
– porém, os limites públicos do regime de direito privado (art. 134º-2)
• Aspectos submetidos ao direito público (direito administrativo) e, em
princípio, aos tribunais administrativos:
– actos académicos (=actos administrativos), relações universidade -estudantes
(relação de serviço público), disciplina académica, tutela do Estado, etc.
• Fronteiras problemáticas (advérbio “nomeadamente” do art. 134º)
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Outras especificidades das
universidades-fundação
• Financiamento público plurianual
contratualizado (art. 136º)
• Possibilidade de carreiras de pessoal próprias
no ensino e na investigação (art. 134º-3)
• Abertura a regimes específicos de selecção
dos seus estudantes (art. 135º), embora por
via de lei (que pode ser o próprio diploma
instituidor).
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As universidades-fundação na
tipologia das organizações públicas
• Tipologia das entidades materialmente públicas:
I – entidades públicas “primárias”: entidades territoriais (Estado, regiões
autónomas, autarquias locais)
II – entidades públicas “derivadas” (criadas por aquelas, ou “pertencentes” a elas):
a) entidades públicas de natureza pública e regime de direito público
(institutos públicos tradicionais)
b) entidades públicas de natureza pública mas de regime jurídico misto,
público e privado, em doses variáveis (ordens profissionais, hospitais-EPE)
c) entidades públicas de natureza privada e regime de direito privado
(sociedades de capitais públicos, fundações criadas por entidaes públicas ao
abrigo do direito privado)
• As universidades-fundação como nova expressão da figura II/b – entidade
de natureza pública com regime jurídico (parcialmente) privado, sobretudo
quanto à gestão patrimonial e financeira
• Distinção entre fundações públicas de natureza pública e regime
parcialmente público (como as universidades-fundação) e fundações
públicas de natureza privada, instituídas por entidades públicas ao abrigo
do Código Civil (cfr. art. 15º do RJIES)
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Vantagens e desvantagens do regime
fundacional
•
Vantagens:
– Financiamento adicional, incluindo contribuições privadas
– Financiamento estadual plurianual contratualizado, permitindo maior previsibilidade e
estabilidade financeira
– Possibilidade de endividamento, nos termos acordados no acto de instituição
– Flexibilidade no recrutamento e gestão de pessoal
– Fuga ao regime da contabilidade pública, de fiscalização prévia do Trib de Contas e do
procedimento concursal nos contratos públicos (art. 2º CCP)
– Fuga ao CPA nas áreas submetidas ao direito privado (salvo os princípios gerais) (art. 2º CPA)
– Separação entre a gestão patrimonial e financeira e a gestão académica
– Ganhos de eficiência e de competitividade na gestão
– Receitas e despesas não contam para as contas públicas, salvo as dotações orçamentais;
endividamento não conta para endividamento público
•
Desvantagens:
– “Submissão” da universidade a uma entidade exterior - a fundação e ao seu conselho de
curadores
– Maior complexidade institucional e jurídica
– Perda das prerrogativas de direito administrativo nas áreas submetidas ao direito privado
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Objecções e receios
– Resistência cultural à inovação institucional (apesar dos
exemplos alheios)
– Oposição ideológica aos procedimentos de direito privado nas
instituições públicas e à flexibilização do regime de vinculação
do pessoal docente e de investigação (embora despeitando as
situações estabelecidas)
– Objecção política ao eventual financiamento privado das
universidades públicas, bem como à eventual participação dos
financiadores privados na gestão das universidades-fundação
(embora sempre dependentes de assentimento das instituições)
– Receio de futuros desenvolvimentos no sentido da privatização
da gestão das universidades públicas (embora nada se perfile
nesse sentido, nem na letra nem no espírito da lei)
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Não há alternativa ao regime
fundacional?
• Não seria possível, como defendem alguns,
conseguir os mesmos objectivos de maior
autonomia financeira e de gestão no quadro
institucional tradicional?
• A resposta só pode ser negativa:
– Impossibilidade de libertar integralmente as
universidades do regime financeiro comum das
pessoas colectivas públicas de regime administrativo
– Fracasso das experiências anteriores de “institutos
públicos de regime empresarial” (entidades
reguladoras), por falta de controlo e “accountability”
externa
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