UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS –— CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –— CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA –— PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU: UMA ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA SONIA MARIA DEMEDA GROISMAN PIARDI Itajaí (SC), fevereiro de 2010. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –— CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA –— PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU: UMA ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA SONIA MARIA DEMEDA GROISMAN PIARDI Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurídica. Orientador: Professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo Coorientadora: Professora Doutora Márcia Aguiar Arend Itajaí (SC), fevereiro de 2010. DEDICATÓRIA Dedico esta dissertação ao Ministério Público Brasileiro, no intuito de fomentar uma profunda análise crítico-reflexiva sobre os rumos institucionais e o papel do Ministério Público perante a sociedade face às missões que lhe impôs a Constituição Cidadã de 1988. i AGRADECIMENTO Muito devo agradecer a confiança, o apoio, o estímulo e a paciente orientação do Professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo, que me permitiu desenvolver academicamente dissertação, constante caminhada profissional. o tema desta inquietude de minha Sou-lhe grata pela sabedoria que me transmitiu, pela disponibilidade e gentileza que despertando sempre admiração, me demonstrou, respeito e especial carinho. À coorientadora Professora Doutora Márcia Aguiar Arend, amiga e colega de Ministério Público, que me acolheu em momentos difíceis, quando pensava capitular: com carinho e vasta bagagem cultural me incentivou a prosseguir. Ao Coordenador-Geral do Curso de Pós- Graduação em Ciência Jurídica, Professor Doutor Paulo Márcio Cruz, pelo incentivo, confiança, alegria e competência na condução do Curso. À Professora Doutora Maria da Graça dos Santos Dias, mestra por excelência, com quem muito aprendi, pela receptividade, dedicação e confiança, mais o carinho e persistente estímulo que sempre me transmitiu. A todos os professores do Programa de Mestrado (Produção e Aplicação do Direito) aprendizado que me proporcionaram. ii pelo Aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Eliana Calmon Alves e Mauro Campbell Marques; aos Desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Luiz Cézar Medeiros, Salete Silva Sommariva e Sérgio Paladino; aos Procuradores de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina José Galvani Alberton, Odil José Cota e Vera Lúcia Ferreira Coppeti que, pronta e gentilmente, dispuseram-se a colaborar para o enriquecimento deste trabalho, submetendo-se de bom grado às entrevistas. Ao meu marido, José Carlos Girardi Piardi, e ao meu filho, Josef Giovani Demeda Groisman, incansáveis incentivadores e confortadores nos momentos de desalento, que acreditaram em mim e nunca deixaram de externar compreensão e amor, mesmo quando me enclausurei para poder concentrar-me e levar adiante este projeto. Às amigas Rosani Archer Battisti, Terezinha Webber e à estagiária Marli Maria Chielle Silva pelo auxílio na coleta do material de pesquisa. Aos funcionários e bolsistas do Programa de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica pela atenção e atenderam. iii gentileza com que sempre me Temos de nos tornar a mudança que queremos ver no mundo. Mahatma Ghandi Minha esperança é imortal. Sei que não dá para mudar o começo. Mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final. Elisa Lucinda iv TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), fevereiro de 2010. Sonia Maria Demeda Groisman Piardi Mestranda v ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACP Ação Civil Pública ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade AGU Advocacia Geral da União ANPR Associação Nacional dos Procuradores da República ART Artigo CAEMP CCPPI Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais CE Constituição Estadual CF Constituição Federal CLT Consolidação das Leis do Trabalho CONAMP Confederação Nacional do Ministério Público CPC Código de Processo Civil CPP Código de Processo Penal DES Desembargador DJ Diário da Justiça HC Habeas Corpus ICP Inquérito Civil Público INC Inciso LACP Lei da Ação Civil Pública LC Lei Complementar LONMP Lei Orgânica Nacional do Ministério Público MIN Ministro MP Ministério Público MPF Ministério Público Federal vi P. EX. Por exemplo PE Estado de Pernambuco PGJ Procurador-Geral de Justiça REL Relator RMS Recurso de Mandado de Segurança SC Santa Catarina STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça T Turma TC Tribunal de Contas TJ Tribunal de Justiça TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina vii ROL DE CATEGORIAS Constitucionalidade: É a qualidade do que é constitucional. Nas constituições rígidas e escritas como a brasileira, “uma norma jurídica para ser constitucional deve estar em concordância com a constituição, não podendo contrariar as exigências formais impostas pela própria constituição para a edição de uma norma infra-constitucional (constitucionalidade formal), nem o conteúdo da constituição (constitucionalidade material)1. Ministério Público: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis2. Ministério Público Estadual de segundo grau: A expressão tem o mesmo significado que Procuradores de Justiça cujas atribuições estão fixadas na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que dispõe sobre normas gerais para a organização dos Ministérios Públicos dos Estados e dá outras providências, disciplinando que: Cabe aos Procuradores de Justiça exercer atribuições Junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por delegação deste3. Atuação: Palavra que exprime a atividade ou participação da pessoa na feitura do ato. É, 1 Disponível em: http://ptwikipedia.org/wiki/constitui%c3%A7%c%A3o. Acesso em: 30 de maio de 2008. 2 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 329 (artigo 127, caput). 3 Artigo 30 da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. viii assim, ação e efeito de atuar, indicando também o modo por que alguém se conduz no desempenho de função ou atividade profissional.4 Função Social do Ministério Público: Consiste no dever de o membro do Ministério Público estar atento aos interesses mais lídimos da sociedade, suas reais prioridades e carências mais profundas a fim de direcionar harmoniosamente o agir do órgão ministerial com o interesse daquela que está a defender – a sociedade. É nesse sentido que o interesse público se revela e deve ser a essência de toda atuação dos Representantes do Parquet, quer no corrigir desrespeitos ao ordenamento jurídico quer no que se refere à prática de ilícitos criminais, propondo ações penais públicas, quer nos casos de desvios da própria administração pública, como de qualquer particular que, ao agir, possa ameaçar a coletividade e causar danos irreversíveis ou de difícil reparação a ela, invocando a propositura de ações civis públicas. O processo está a exigir daquele que tem a função de desempenhar o papel de autor em nome da sociedade que ele leve em conta as diretivas aceitas por ela para reivindicar a solução e a aplicabilidade do direito, e, em razão desse compromisso do autor – Ministério Público com a coletividade que representa, é que não deve ser indiferente aos seus membros a convicção daqueles em cujo nome atua, isso porque, ao provocar a tutela estatal, ele o faz em nome do povo.5 Política Jurídica: À Política Jurídica cabe buscar o direito adequado a cada época, tendo como balizamento de suas proposições os padrões éticos vigentes, e a história cultural do respectivo povo.6 4 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 22. ed. atualizada por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Companhia e Editora Forense, 2003, p. 169. 5 SALDANHA, Gisela Potério Santos. Da Função Social do Membro do Ministério Público. Disponível em http://promotorjustiça.bolgspot.com/2007/03/da-funo-social-do-membro-doministerio.h... Acesso em: 30 de julho de 2009. 6 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política e Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, 1998, p. 80. ix SUMÁRIO RESUMO .........................................................................................XIV ABSTRACT ......................................................................................XV INTRODUÇÃO ....................................................................................1 CAPÍTULO 1 ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ...............................................6 1.1 ORIGENS HISTÓRICAS ..................................................................................6 1.2 A ORIGEM MAIS PROVÁVEL .........................................................................8 1.3 ORIGEM DA EXPRESSÃO ............................................................................11 1.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL..........................................................12 1.5 O MOVIMENTO POLÍTICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFINIÇÃO DE SEU PAPEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.......................................26 CAPÍTULO 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...........................................................................36 2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO CONSTITUCIONAL......................... 36 2.1.1 CONCEITO ..................................................................................................44 2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI ORGÂNICA NACIONAL - LONMP......... 45 2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE E SUA LEI ORGÂNICA.............60 2.4 OS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA INDEPENDÊNCIA, UNIDADE E INDIVISIBILIDADE............................................................................................... 65 2.5 O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL.................................................. 67 x CAPÍTULO 3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU................................................................................................. 87 3.1 FUNÇÕES TÍPICAS....................................................................................... 87 3.2 FUNÇÕES ATÍPICAS..................................................................................... 93 3.3 IDENTIDADE ONTOLÓGICA DO PROCURADOR DE JUSTIÇA................. 95 3.4 ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA............ 114 3.5 A FUNÇÃO SOCIAL E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU............................. 120 3.5.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU.............................................................................................. 120 3.5.2 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU................................................... 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 131 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS......................................................... 139 ANEXO 1 – ENTREVISTA COM O MINISTRO ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN....................................................................... 148 ANEXO 2 – ENTREVISTA COM A MINISTRA ELIANA CALMON ALVES...... 155 ANEXO 3 - ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA JOSÉ GALVANI ALBERTON....................................................................................... 160 ANEXO 4 - ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR LUIZ CÉZAR MEDEIROS......................................................................................................... 169 ANEXO 5 – ENTREVISTA COM O MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES.......................................................................................................... 176 ANEXO 6 – ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA ODIL JOSÉ COTA.................................................................................................................. 183 xi ANEXO 7 – ENTREVISTA COM A DESEMBARGADORA SALETE SILVA SOMMARIVA...................................................................................................... 189 ANEXO 8 – ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR SÉRGIO PALADINO......................................................................................................... 195 ANEXO 9 - ENTREVISTA COM A PROCURADORA DE JUSTIÇA VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI......................................................................................... 200 ANEXO 10 – ATO N. 226/2007/CPJ, DE 27 DE JUNHO DE 2007.................... 207 xii RESUMO A presente pesquisa se relaciona com o Programa de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica da UNIVALI, na área de concentração Fundamentos do Direito Positivo, linha de pesquisa de Produção e Aplicação do Direito, e se concentra na análise do padrão de ação dos membros do Ministério Público Estadual, integrantes tanto do primeiro como do segundo grau. Uma análise do conceito de Ministério Público presente no art. 127 da Constituição Federal de 1988, das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 129 da mesma Carta Magna e disciplinadas pela lei orgânica nacional do Ministério Público (lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993) e pela lei orgânica do Ministério Público Catarinense (LC n. 197, de 13 de julho de 2000), deixa claro o divórcio existente entre o proceder dos órgãos de execução de uma e outra instância. O segundo grau do Ministério Público passa por uma crise de identidade admitida por alguns de seus integrantes e ex-integrantes, diante da enraizada postura processual de fiscal da lei assumida antes da atual Constituição Federal mas que se mantém, limitando seu desempenho revelando descompromisso com a função social que lhe cabe. Fica a sensação de que, à exceção do Procurador-Geral de Justiça, os avanços obtidos pela instituição através da lei da Ação Civil Pública e da Constituição Cidadã de 1988 não foram assimilados pelo Órgão de Execução de segundo grau Procurador de Justiça -, diante do abandono do polo ativo (autor) nas ações civis públicas, de improbidade administrativa e penais públicas em que o Ministério Público é originariamente autor, deixando-as privadas de uma das partes, em prejuízo do papel social que lhe cumpre desenvolver. Busca-se, então, apoio na política jurídica para motivar uma reflexão crítica da atual postura ministerial em segundo grau, com a intenção de construir o como deve ser dessa instância jurisdicional, de modo a abandonar a inconstitucional postura assumida pelo órgão de execução de segundo grau nas ações em que o Ministério Público é originariamente parte. PALAVRAS CHAVE: constitucionalidade, Ministério Público, Ministério Público Estadual de Segundo Grau, atuação, função social, política jurídica. xiii ABSTRACT This research belongs to Master's Degree Program in Law Sciences – UNIVALI, in the area of Positive Law Principles, Law Production and Application, and it concentrates on the analysis of action pattern of Members from the State Public Department, in first and second levels. Analyzing the concept of State Department present in the art. 127 from the Federal Constitution of 1988, and the powers entitled by the art. 129 from the same source and ruled by the National Organic Law of the Public Department (Law n. 8.625, February 12th, 1993) and Organic Law of the Public Department of Santa Catarina (CL n. 197, July 13th, 2000) it is clear the discrepancy between the Organs of Execution from the present institution. It is possible to verify that the Public Department has been through an identity crisis admitted by some of its members and ex-members, face to the rooted processional posture as a “law inspector”, assumed before the current constitution and kept until these days. This situation restrains the institutional performance, and also reveals apathy in relation to the social function it is supposed to put in practice. It seems that, exceptionally from the Justice General-Prosecutor, the improvements achieved by the Institution through the Public Civil Action Law and the Citizen Constitution of 1988 were not absorbed by the Excecution Organ of second level – Justice Prosecutor, in face of abandonment of the active pole (author) in public civil actions, administrative misconduct actions and public penal actions in which Public Department is originally the author, so that they are deprived of one party, damaging the social role that it is supposed to perform. What is searched on this work is support on law politics to motivate a critical reflexion about the current ministerial posture in second level, in an attempt to build a how it should be in the Public Department institution, so that the unconstitutional performance assumed by second level excecution organ be neglected in actions in which the Public Department is originally party. KEY WORDS: constitutionality, Public Department, action, social function, law politics. xiv 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação terá como foco principal avaliar se, em face da atual forma de agir, há ou não necessidade de rever as normas que regem a atuação do Procurador de Justiça do Ministério Público Estadual a fim de promover uma adequada defesa dos interesses sociais, caso não atenda às diretrizes constitucionais e às expectativas da sociedade. O objetivo institucional é a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí - Univali. O seu objetivo científico é demonstrar se a atuação do Ministério Público Estadual de segundo grau é compatível ou não com o desenho constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O Capítulo 1 trará as diversas correntes que explicam as origens do Ministério Público e que buscam situá-lo historicamente, com destaque nas raízes francesas. Procurar-se-á a origem da expressão Ministério Público: a magistratura de pé, ereta, como consagrou a tradição francesa ao erigir, para designá-lo, a palavra Parquet. Será, na sequência, documentado o surgimento da instituição no Brasil - no período colonial, sua trajetória pelo período imperial e republicano anterior à Constituição de 1988. A ênfase estará na repercussão dos pontos defendidos e no trabalho político desenvolvido pelo movimento nacional, encabeçado pela Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp) durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, a grande maioria dos quais foram acatados. No Capítulo 2, tratar-se-á do lugar do Ministério Público no texto da Constituição Federal, nas leis orgânicas nacional e estadual de Santa Catarina, conceituando-o num item à parte. No que respeita ao Ministério Público Catarinense, ficará evidente a atribuição conferida pela Constituição Estadual aos Promotores de Justiça, de proporem ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) contra atos normativos e leis municipais que afrontam a Constituição 2 Estadual, propiciando célere e efetivo controle sobre a constitucionalidade daquelas normas. Analisar-se-á, em seguida, os princípios institucionais da independência, da unidade, e do promotor natural, (aqui incluída a questão dos promotores ad hoc e as limitações impostas ao Procurador-Geral de Justiça na designação de Promotores de Justiça para exercerem atribuições afetas a outros órgãos de execução), contemplando, ao mesmo tempo, a interpretação da doutrina e dos tribunais. O comando dúbio do art. 600, § 4º do Código de Processo Penal, que permite sejam apresentadas razões de apelação pela defesa do réu condenado perante o juízo ad quem, obriga à pesquisa e crítica sobre a prática assumida por diversos Ministérios Públicos Estaduais de designarem Procuradores e Promotores de Justiça para formularem contrarrazões de recurso, ofendendo o princípio do promotor natural. A parte final do art. 610 do CPP será examinada na perspectiva de suporte para mudança de posição processual do membro do Ministério Público de segundo grau em relação àquela exercida, até então, pelo Promotor de Justiça, autor originário da demanda. No Capítulo 3, serão enfrentados os temas referentes às funções típicas e atípicas do Ministério Público e interpretado o alcance da expressão interesse público, contida no inciso III do artigo 82 do Código de Processo Civil. Será feita referência à orientação editada pelo Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, traduzida na Carta de Ipojuca, de 13 de maio de 2003, visando racionalizar a intervenção ministerial nos processos judiciais cíveis. A identidade ontológica do Procurador de Justiça será discutida à luz dos arts. 31 e 41, inc. III da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, do art. 610 do CPP, da doutrina e, também, da interpretação dos entrevistados e dos Ministros do STF Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. A partir de então, o trabalho considerará, sobretudo, as contribuições das entrevistas realizadas com os Ministros do Superior Tribunal de Justiça Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Eliana Calmon Alves e Mauro Campbell Marques; com os Desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Luiz Cézar Medeiros, Salete Silva Sommariva e Sérgio Paladino; e 3 com os Procuradores de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina José Galvani Alberton, Odil José Cota e Vera Lúcia Ferreira Copetti. Em decorrência da postura processual assumida perante os tribunais pelo Ministério Público, nas ações penais, civis públicas e de improbidade administrativa, em que o Promotor de Justiça é originariamente sujeito ativo, procurar-se-á saídas para a ausência da parte autora no processo. Há quem defenda que dois agentes ministeriais, – um na condição de autor e outro na de custus legis – devam atuar na lide, ambos pertencentes ao segundo grau de jurisdição. Mas há também quem entenda que o Promotor de Justiça que interpôs a ação deve atuar como autor. Um grupo de juristas aceita, tranquilamente, a posição de fiscal da lei do Ministério Púbico perante os Tribunais. Outros entendem que somente quando atuou como custus legis em primeiro grau justifica-se tal posição processual em segundo grau. Quando o Promotor de Justiça atuou, originariamente, como autor da ação, seu sucessor deve intervir na mesma posição processual. Finalmente, um grupo mais radical não aceita a transformação que vem se operando em segundo grau e sugere, até, a supressão dessa intervenção processual, caso permaneça nos atuais moldes. Será realizada uma análise crítico-reflexiva da autuação do Ministério Público Estadual em segundo grau à luz da política jurídica, para então conceituar a política jurídica, com base no que é defendido pelas doutrinas do direito natural, das teorias normativista e empirista. Quanto à doutrina culturalista, ela é uma estratégia que objetiva a adequação das normas positivadas e válidas aos valores culturais de justiça e utilidade social, o que torna possível aplicá-la na atuação do Ministério Público Estadual de segundo grau. Com apoio nas experiências dos Ministérios Públicos dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, que criaram procuradorias cíveis especializadas em direitos coletivos e difusos e que atuam no polo ativo das ações civis públicas intentadas pelos órgãos de execução do primeiro grau, será colocada a questão: a condição de parecerista ou opinador assumida pelos integrantes do Ministério Público de segundo grau contribui para a realização das missões constitucionalmente atribuídas à instituição? Por último, será tratada a questão da (in)constitucionalidade da atuação do Ministério Público de segundo grau, com suporte nas funções 4 nucleares enumeradas no art. 129 da CF a fim de traçar um parâmetro entre a prática e o dever ser dos órgãos de execução de segundo grau. Nas considerações finais serão apresentados os pontos conclusivos destacados e estimulada a continuidade de estudos e reflexão sobre o tema deste trabalho. No projeto da presente dissertação foram levantadas as seguintes hipóteses: a) as atribuições atualmente exercidas pelos procuradores de justiça do Ministério Público Estadual de segundo grau atendem ao novo perfil da instituição desenhado pela Constituição Federal vigente? b) o princípio do promotor natural deve prevalecer em relação à forma de atuação do Ministério Público Estadual de segundo grau? c) o atual modo de intervenção no processo dos Membros dos Ministérios Públicos Estaduais de segundo grau corresponde à expectativa da sociedade brasileira? Na fase de investigação7 será utilizado o método indutivo8, na de tratamento de dados, o cartesiano9. O relatório dos resultados se apoiará na lógica de base indutiva. Nas diversas fases da pesquisa, serão utilizadas as técnicas do 10 referente , da categoria11, do conceito operacional12, da pesquisa bibliográfica13 e exploratória no banco de dados da Corregedoria-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e nas normas internas de alguns dos Ministérios Públicos Estaduais. Além disso, um questionário estruturado será 7 [...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC, 2007. p. 101. 8 [...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...].Idem, ibidem, p. 104. 9 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidenciar, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A Monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pp. 22-26. 10 [...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. PASOLD, Cesar Luiz. Opus cit., p. 62. 11 [...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia. Idem, ibidem, p. 31. 12 [...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]. Idem, Ibidem, p. 45. 13 Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. Idem, Ibidem, p. 239. 5 submetido a integrantes do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do segundo grau do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. 6 CAPÍTULO 1 ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO 1.1 ORIGENS HISTÓRICAS É uma tarefa das mais difíceis situar a origem histórica do Ministério Público em razão das múltiplas hipóteses levantadas. Para alguns autores, os vestígios mais antigos são encontrados no Egito, há quatro mil anos, no magiaí, funcionário real a quem competia ser a língua e os olhos do rei; ouvir as palavras da acusação; proteger o órfão, a viúva e o homem justo; tomar parte nas instruções para descobrir a verdade e castigar os rebeldes, violentos e mentirosos. Outros buscam sua origem na antiguidade clássica, na Grécia e em Roma. Os primeiros traços, que podem constituir a semente do ofício, são reconhecidos nos procuradores do rei, encarregados de defender o patrimônio do príncipe e seus fiscais: nos éforos de Esparta, tesmótetas ou thesmotetis gregos, ou nas figuras romanas dos advocati fisci, proetores fiscalis, censores, do defensor civitatis, irenarcha, curiosi, statiornarii e frumentarii, nos procuratores caesaris.14 Na Grécia e em Roma, a acusação criminal era feita pelos familiares da vítima. Roberto Lyra, o Príncipe dos Promotores de Justiça Brasileiros, esclarece: Ao povo, quando não ao ofendido – cuibet ex populo – competia a iniciativa do procedimento penal e os acusadores eram um Cesar, um Cícero, um Hortêncio, um Catão, que, movidos pelas paixões ou pelos interesses, abriam caminho à sagração popular em torneios de eloquência facciosa. A técnica da função confundia-se com a arte de conquistar prosélitos pela palavra. Por sua vez, os oradores atenienses, constituídos em ‘magistratura voluntária’, conferiam ao debate judiciário 14 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico ao Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 7 o mesmo caráter de pugilato intelectual, com o trágico poder de arrastar 15 os acusados à proscrição e ao extermínio. Na Idade Média, também são encontrados funcionários fiscais com atribuições que sugerem ancestralidade em relação ao Ministério Público, os saions, visigodos pertencentes a uma tribo bárbara de origem germânica, sucessores dos procuratores Caesaris. João Francisco Sauwen Filho, referindo-se ao texto de João Monteiro, que, por sua vez, arrimou-se nas ideias de Scialoja, transcreve: Ao lado das funções fiscais propriamente ditas, sentinelas do tesouro, verdadeiros carrascos dos devedores da fazenda pública, tinham os Saions franca e permanente ingerência em longa série de atos da mais rigorosa fisionomia civil. Na lição de Scialoja “eram inspetores, diretores e executores de todas as sentenças dos tribunais; presidiam juntos à abertura dos juízos; constrangiam os contumazes; punham-se francamente ao lado dos que tinham injustiças a reparar ou injúria a vingar; tutelavam o interesse da lei e o de eqüidade; faziam restituir bens aos espoliados, indenizar os fiadores dos devedores ingratos, ressarcir 16 viúvas pobres e pupilos enganados por tutores desleais. Ainda nesse período, menciona-se a existência de possíveis ancestrais do Ministério Público entre os povos da antiga Gália e em civilizações que se fixaram na Península Escandinava, os bailios (originários da Suécia) e os senescais (da época dos reis merovíngios). Eram servidores dos senhores feudais (um ministério privado), encarregados de defendê-los em juízo, razão pela qual Sauwen Filho não os considera predecessores da Instituição do Ministério Público. No Império Carolíngio, os missi dominici (emissários do senhor) criados por Carlos Magno, tinham a incumbência de reprimir os abusos de seus representantes e ouvir-lhes as queixas. Exerciam a vigilância da monarquia e atuavam como enviados do imperador no controle da administração e da justiça locais. Eram inspetores ambulantes que acompanhavam a atuação dos funcionários de Carlos Magno, recebendo queixas e reclamações dos 15 LYRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2. ed. Editores Sergio Antonio Fabris e Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1989. p. 17-18. 16 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o estado democrático do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 28. 8 súditos do soberano, numa função parecida com a moderna ouvidoria, com a finalidade última de se coibir práticas abusivas, além disso tinham outras funções, como o controle da paz no interior do país a regulamentação do direito canônico. Expressamente eram incumbidos de coibir o falso testemunho, o perjúrio, os crimes de moeda falsa, e os ladrões, em geral. Julgavam pedidos de auxílio por parte de pessoas desamparadas (viúvas, deficientes, etc.), e serviam de curadores de 17 órfãos e incapazes. Jádel da Silva observa que até no vindex religionis, do direito canônico, busca-se um elo com as raízes da instituição, pois ele era encarregado de fiscalizar o andamento dos processos e, portanto, exercia uma das funções do Ministério Público atual.18 Finalmente, Octacílio Paula Silva, alicerçado em Cabral Netto, sustenta que o Ministério Público teria surgido em 1289: Cabral Netto informa ainda que, num diploma do Rei D. Afonso III, de 14 de janeiro de 1289, aparece o Procurador do Rei, com o cargo permanente junto ao Monarca, tendo o privilégio de chamar à Casa do Rei (Tribunal de Relação) as pessoas que com ele tinham pleitos. Isto em Portugal, onde, já com D. João I (1.385/1422), no Regulamento da Casa de Suplicação, definem-se as qualidades, as aptidões e os deveres dos procuradores do Rei; no seu Livro das Leis e Posturas há disposições reguladoras da intervenção dos procuradores do Rei nas causas penais, e aparecem as figuras dos procuradores de justiça da 19 Casa de Suplicação. Na Idade Média, durante o século XIII surgem, na França, os avocatus du roi e os procureurs du roi que desempenhavam, inicialmente, a missão de defender os interesses do monarca perante os tribunais. 1.2 ORIGEM MAIS PROVÁVEL Todas estas têm algum ponto de contato com o Ministério Público. O mais comum é admitir-se que a Instituição do Ministério Público surgiu na França. A Ordenança de 25 de março de 1302, do rei Felipe IV, o Belo, é 17 SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Ministério Público: aspectos jurídicos. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4867>. Acesso em: 10 de novembro de 2008. 18 SILVA, Jádel da. Revista do Ministério Público Catarinense. Ano I, vol. 1. Jan./jun.1978, p. 52. 19 SILVA, Octacílio Paula. Ministério Público: estudo pragmático da instituição: legislação, doutrina, jurisprudência. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 5. 9 considerada como o primeiro texto legal a tratar, objetivamente, dos procuradores do rei. Sauwen Filho registra: Com efeito, qualquer que seja a opinião que se possa ter quanto à anterioridade de funcionários governamentais em outros estados exercendo funções que hoje são confiadas aos Parquets, é certo que, como instituição, o Ministério Público surgiu na França, tendo inclusive até data precisa, 25 de março de 1302, quando Felipe, o Belo, através de sua conhecida ordennance, reuniu tanto seus procuradores, encarregados da administração de seus bens pessoais, como seus advogados, que lhe defendiam os interesses privados em Juízo e que, em conjunto, eram conhecidos pelo nome genérico de lês gens du roi, numa única instituição. Com o decorrer do tempo, a instituição deixou de zelar apenas pelos interesses privados do soberano, passando a exercer funções de interesse do próprio estado. Vale dizer, passou a exercer um “mister público”, ao invés de apenas exercer um “mister privado”, a zeladoria dos interesses do monarca; e foi então que a designação Ministério Público se consagrou, segundo informam Henri Roland e 20 Laurent Bover em Les Institutions Judiciaires. Mazzilli concorda com Sauwen Filho, acrescentando que Felipe IV apenas regulamentou o juramento e as obrigações dos seus procuradores (procuratores nostri) em termos que levam a crer que as funções já preexistiam.21 O doutrinador José Frederico Marques compartilha do mesmo pensamento: Os antecessores dos atuais promotores de justiça são os advogados e procuradores do rei (les gens de roi) que, antes do século XVI eram apenas os representantes dos interesses privados do monarca perante os tribunais. O papel desses advogados e procuradores do rei foi gradativamente ampliando-se parri passo com o fortalecimento dos poderes dinásticos; e se tornaram eles, assim, “agentes do poder público 22 junto aos tribunais. Outras ordonnances reais seguiram-se na França, adptando o Parquet francês através dos séculos: a de 28 de dezembro de 1335, de Felipe IV de Valois; a de Carlos VIII, em 1493, a de Luís XII, em 1498 e, a mais famosa delas, a ordonnance criminelle de Luís XV, de 19 de agosto de 1670, que lançou as bases do processo público. Segundo Lyra, iniciou-se, aí, a evolução do 20 In, Ministério Público brasileiro e o estado democrático do direito. p. 38. In, Introdução ao Ministério Público. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 39. 22 In A Reforma do poder judiciário. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 171. 21 10 Ministério Público para a sua autonomia institucional, para a dignidade que lhe reservam, hoje, as organizações judiciárias.23 As leis de 1791, a lei de 7 Pluvioso ano IX e, finalmente, o Código de Instrução Criminal, consagraram as novas tendências. Essas repercutiram, sobretudo, na Áustria, na Alemanha, em Portugal, mantendo-se, por exceção, o procedimento ex-officio e a ação privada, na Bélgica, na Holanda e, originariamente, na França, melhor se definiu 24 a sistematização. A evolução do Ministério Público na França foi lenta. A Revolução de 1789, encontrou um Ministério Público desgastado junto à opinião pública, que chegou a considerar extinta a instituição. Seus integrantes, em certas situações, mostravam acentuada tendência para confundir os interesses públicos que representava com as regalias da realeza. A Assembleia Nacional Constituinte, entretanto, optou por mantê-la, totalmente reformada, retirando-lhe a natureza política e transformando-a em órgão do judiciário. Um decreto de 08 de maio de 1790, que entrou em vigor em 27 de setembro daquele ano, estabeleceu a vitaliciedade dos membros do Ministério Público que seriam nomeados pelo rei e que só poderiam ser demitidos por comprovada corrupção. Ainda nesse mesmo ano, em agosto, outro decreto da Assembléia Nacional dividiu as funções do Ministério Público em dois órgãos distintos: um Comissário do Rei, nomeado pelo soberano e a quem cabia a missão exclusiva de zelar pela aplicação da lei e pela correta execução das decisões judiciais, e o Acusador Público, eleito pelo povo e que tinha a função de sustentar, diante dos tribunais, a acusação dos réus. É, portanto, dessa data que restaram evidenciadas de forma nítida as duas funções do Ministério Público, conservada até nossos dias, a de dominus litis e a de custos 25 legis. É deveras curiosa a evolução do Ministério Público. Concebido para defender os arbítrios autocráticos dos monarcas medievais, foi lentamente transformando-se para firmar-se como baluarte da democracia, acompanhando a transformação política dos povos. Em 1302, diz Sauwen Filho, era impossível admitir que a instituição pudesse agir em defesa da sociedade. A mentalidade da época, o regime marcadamente autocrático e o estágio da civilização europeia no despontar do século XIV impediram qualquer intento 23 Opus cit., p. 20. Idem, ibidem, p. 20. 25 Opus cit., p. 42. 24 11 nesse sentido. Cidadania e direitos do cidadão eram coisas impensáveis no mundo de então. 1.3 ORIGEM DA EXPRESSÃO A palavra ministério deriva do latim ministerium, minister, que significa ofício do servo, função servil ou somente ofício, mister, cuidado, ocupação ou trabalho. O adjetivo que a acompanha pode ser analisado subjetivamente, denotando a ideia de instituição estatal, ou objetivo, no sentido de interesse geral ou social. Emerson Garcia26, reportando-se à obra Curso de Direito Processual Civil, de Gabriel de Resende Filho, diz que a origem da expressão estaria associada à terminação ter, de minister, que indica comparação ou graduação. Magister, deriva do comparativo de superioridade latino magis quam (maior que), enquanto minister, por derivar de minus quam (menor que) e significaria o menor, o que serve alguém ou servidor de alguma causa: ministros do rei, ministros da fé, etc. José Eduardo Sabo Paes27, citando a mesma obra, entende que Ministério Público seria designação do servidor da lei, que a servia por meio de representação. Na expressão de Chiovenda, o representante da lei. Mazzilli diz que, designando os agentes que de qualquer forma exercitam uma função pública, a expressão ministério público já se encontrava em textos romanos clássicos. A expressão francesa ministère public foi usada antes para referir-se a uma instituição nas correspondências trocadas entre os procuradores do rei, quando mencionavam seu próprio ofício. Os provimentos legislativos do século XVIII, mais tarde, usaram a expressão, ora para referir-se a um magistrado específico incumbido do poder-dever de exercitálo, ora para significar o conjunto de agentes que exercia esse ofício. 26 In Ministério Público organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 7. 27 In O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. p. 49. 12 A menção ao parquet28 (assoalho), expressão muito usada para designar o Ministério Público, provém da tradição francesa, assim como as expressões magistrature débout (magistratura de pé, ereta) e les gens du roi (as pessoas do rei). Isso porque os procuradores do rei, antes de adquirirem a condição de magistrados e de terem assento ao lado dos juízes, ficavam durante as audiências em pé, sobre o assoalho (parquet). Os juízes, ao contrário, atuavam sentados. Daí a expressão magistrature assise (magistratura sentada). Paes critica o uso da palavra parquet como substitutiva de Ministério Público, terminologia sedimentada nas legislações que adotaram a Instituição, justamente por dar a impressão de posição subalterna ao membro do Ministério Público em relação à magistratura. O que frontalmente atinge um dos corolários da igualdade processual, que é a inexistência de hierarquia entre as partes.29 É totalmente apropriada a crítica formulada, porquanto a utilização da palavra parquet para designar um Promotor ou Procurador de Justiça fomenta a idéia de que o Membro do Ministério Público estaria em posição de inferioridade em face ao Magistrado, almejando, no futuro, tornar-se um. Essa idéia vem traduzida na pergunta - que não é rara -, dirigida aos Promotores de Justiça: “Quando te tornarás juiz?” 1.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL É consenso entre os autores que tratam do tema, fixar as raízes do Ministério Público Brasileiro no direito português vigente no período 28 A Profª Dra. Rosa Alice Mosimann esclarece que a expressão parquet tem sido usada em sentido impróprio, pois deriva de parc que é compartimento, espaço delimitado. A palavra teve numerosas designações: cercado de jardim, parte de um parque, de uma pastagem. Em 1366, num sentido, portanto antigo, era parte de uma sala de justiça onde ficavam os juízes ou até os advogados (cf. Barreau). A partir do século XVI a palavra adquiriu o sentido que ainda vigora: local reservado aos membros do Ministério Público fora das audiências, sob a autoridade do procurador geral. Por extensão, coletivamente: grupo de magistrados que exercem a função do Ministério Público, sob a autoridade do procurador geral ou de um procurador da república. Magistrados do Parquet: magistrature debout (em pé) e juízes (magistrature assisse – sentada). In Le Robert dictionnaire alphabétique et analogique de la langue françoise. Société Du Nouveau Littré, Paris, 1983, vol. 5. 29 In O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. p. 50. 13 colonial, imperial e início da república, regido pelas Ordenações Afonsinas (14461447), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603). As Ordenações Afonsinas já traziam traços da instituição do Ministério Público ao disporem no livro I, título VIII, Do Procurador dos Nossos Feitos; no título XIII, Dos Procuradores, e do que não podem fazer Procuradores. Já as Ordenações Manuelinas faziam menção às obrigações do Promotor de Justiça (livro I) perante as Casas da Suplicação e nos juízos de terras. Tratavam do Procurador dos Nossos Feitos (título XI) e do Promotor da Justiça da Casa da Sopricaçam (título XII). O Promotor de Justiça deveria ser alguém letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas e as razões, para lume e clareza da justiça e para inteira “conservaçon del convém”.30 As Ordenações Manuelinas estabeleciam, também, a existência de um Procurador dos Feitos da Coroa na Casa da Suplicação de Lisboa (título XII), Procurador dos Feitos da Fazenda (título XIII), Promotor da Justiça da Casa de Suplicação (título XV) e o Promotor de Justiça da Casa do Porto (título XLIII). As Ordenações Filipinas, em seu livro I, dispunham sobre o Procurador dos Feitos da Coroa (título XII), o Procurador dos Feitos da Fazenda (título XIII), o Promotor de Justiça da Casa de Suplicação (título XV) e o Promotor de Justiça da Casa do Porto (título XLIII). Em 1820, o Ministério Público português foi reorganizado em decorrência da revolução liberal que eclodiu no Porto e que precipitou o regresso de D. João VI a Lisboa. muito embora mencionasse o Ministério Público só de passagem em seu Artigo 192 para reconhecer aos Promotores da Justiça, legitimidade para exercitar o recurso de revista perante o Supremo Tribunal de Justiça, trouxe um clima mais liberal e portanto mais propício a que fosse o Ministério Público organizado em moldes mais modernos. A organização da Instituição veio por Decreto de 12 de novembro de 1822, o qual, contudo, devido a uma reação absolutista provocada pela volta do soberano a Portugal jamais seria aplicado. ............................................................................................ O Ministério Público Português veio, finalmente, a ser organizado de forma definitiva, adquirindo a feição que hoje ostenta, pelo Decreto nº 24, de 16 de maio de 1832, conhecido como “decreto sobre a reforma das justiças”, assinado em Ponta Delgada pelo então Príncipe Regente, Dom 30 Idem, ibidem, p. 167. 14 Pedro, Duque de Bragança, em nome da Rainha Infanta, Dª Maria II de 31 Portugal. Sauwen transcreve o entendimento de Isabel LopesCardoso em sua obra Breve Memória sobre a Procuradoria da República, na qual afirma que o Decreto n. 24/1832 é um marco fundamental na vida do Ministério Público e ficou a dever-se ao impulso criador de Mouzinho da Silveira, então Ministro e Secretário de Estado da Repartição dos Negócios da Justiça.32 Esse Decreto, assinado pelo Duque de Bragança – que não era outro senão D. Pedro I, Imperador do Brasil –, estruturou o Ministério Público português, como um corpo hierarquizado: 1ª – Foi criado o Supremo Tribunal de Justiça e instituído, junto a ele, o cargo de Procurador-Geral da Coroa que, mais tarde, pelo Decreto nº 27 de 19 de maio do mesmo ano tornou-se o Chefe do Ministério Público em Portugal, por disposição que determinava: “O Procurador-Geral da Coroa é superior aos Procuradores Régios e entretém correspondência com estes e com o Governo.” 2ª – Criou, para funcionar junto a cada um dos Tribunais de 2ª Instância, um Procurador Régio, que viria a ser subordinado hierárquico do Procurador-Geral da Coroa. 3ª – Colocou, junto aos Juízos de 1ª Instância, um Delegado de Procurador-Régio, da escolha e confiança deste. 4ª – Deu ao Procurador-Geral da Coroa a função consultiva que lhe permitia ser consultado tanto pelo Governo, nas matérias de seu interesse, quanto pelas Câmaras, em matéria legislativa. 5ª – Todos esses cargos eram de nomeação e demissão discricionária 33 do Governo. As Ordenações Manuelinas e Filipinas, que compunham o direito positivo português, vigeram ao mesmo tempo no Brasil, durante o período colonial. O Alvará do Rei Felipe III, de 7 de março de 1609 criou, na Bahia, o Tribunal de Relação do Brasil, com um Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e um Promotor de Justiça que, segundo Lyra, sendo que este último velava pela integridade da jurisdição civil contra os invasores da jurisdição eclesiástica, sendo obrigado a ouvir missa rezada por capelão especial, antes de despachar e a usar Opa.34 31 SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus, cit., pp. 106-107. Idem, ibidem, p.108. 33 Idem, ibidem, pp.108-109. 34 Opus cit., p. 21. 32 15 O doutrinador Mazzilli diverge da posição de Lyra o doutrinador segundo ele, em 1609, funcionava junto ao Tribunal de Relação da Bahia somente o procurador da Coroa e da Fazenda que tinha função de “Promotor de Justiça”, o qual “centralizava o ofício, não se podendo falar de uma Instituição, muito menos em qualquer garantia ou independência dos 35 promotores públicos, meros agentes do Poder Executivo. Embora um tanto confusa, a redação do artigo 55 do Alvará do Rei Felipe III, de 7 de março de 1609, trazida por Paes, parece dar razão a Mazzilli: Art. 55. Servirá outrossim o dito Procurador da Coroa e dos feitos da Fazenda de Procurador do Fisco e de Promotor de Justiça; usará em todo o regimento, que por minhas ordenações é dado ao Promotor de 36 Justiça da Casa da Suplicação e ao Procurador do Fisco. Em 1751, foi instalada a Segunda Relação na Cidade do Rio de Janeiro, em 1808 (ano da chegada da família real portuguesa ao Brasil), transformada na Casa de Suplicação do Brasil, que passou a ter competência para julgar recursos contra decisões da Relação da Bahia. O Decreto Imperial de n. 5.456, de 5 de novembro de 1873, criou o Tribunal da Relação do Distrito das Províncias de São Pedro do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com sede em Porto Alegre. Garcia esclarece que foi a partir da transformação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação que se operou, nessa corte, a separação dos cargos de Promotor de Justiça e de Procurador dos Feitos da Coroa e da Fazenda, sendo cada qual ocupado por um agente distinto.37 Durante a monarquia, a Constituição Imperial promulgada em 25 de março de 1824 dispunha, em seu artigo 48, que no juízo dos crimes cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o Procurador da Coroa e Soberania Nacional. O artigo 163, por sua vez, determinava a criação do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, sendo que, para 35 In Regime jurídico do Ministério Público. p. 45. PAES, José Eduardo Sabo. Opus cit., p.168. 37 Opus cit., p. 32. 36 16 funcionar junto a eles, nomeava-se um de seus desembargadores que recebia o título de Procurador da Coroa e exercia a chefia do Ministério Público. Em 1829 foi instalado no Rio de Janeiro o Supremo Tribunal de Justiça (criado no ano anterior), instância recursal para as Relações do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão. O Código Criminal de 29 de novembro de 1832 tinha secção reservada aos Promotores Públicos que dispunha sobre os requisitos para nomeação e o rol de suas principais atribuições. Segundo o artigo 36 podiam ser Promotores os que pudessem ser jurados, dando-se preferência àqueles instruídos em leis, nomeados pelo Governo, na Corte, e pelo Presidente, nas Províncias, pelo período de três anos, a partir de proposta tríplice das câmaras municipais. O artigo 37 detalhava as atribuições do Promotor: Art. 37. Ao promotor pertence as attribuições seguintes: § 1. Denunciar os crimes públicos e policiaes, e accusar os delinquentes perante os jurados, assim como os crimes de reduzir à escravidão pessoas livres, e cárcere privado, homicídio, ou a tentativa delle, ou ferimentos com as qualificações dos arts. 202, 203, 204 do código criminal, e roubos, calúmnias e injúrias contra o imperador, e membros da família imperial, contra a regência, e cada hum dos seus membros, contra a assembléia geral e contra cada huma das câmaras. § 2. Sollicitar a prisão, e punição dos criminosos, e promover a execução das sentenças e mandados judiciaes. § 3. Dar parte às authoridades competentes das negligências, omissões 38 e prevaricações dos empregados na administração da justiça. O Aviso Imperial, de 20 de outubro de 1836, incumbia os Promotores de visitar prisões uma vez por mês, dar andamento nos processos e diligenciar a soltura dos réus. O Aviso Imperial de 16 de janeiro de 1838 estabelecia que fossem os fiscais da lei. O Aviso Imperial de 31 de outubro de 1859 proibia o exercício da advocacia pelos Promotores de Justiça nas causas cíveis que pudessem vir a ser objeto de processo-crime. A reforma produzida pela Lei 261 de 3 de dezembro de 1841, e os regulamentos que se seguiram, estabeleceu a necessidade de os Promotores Públicos serem bacharéis idôneos, sendo nomeados e demitidos pelo Imperador ou pelos Presidentes das Províncias, além de incumbidos de produzir a acusação dos delinquentes e fazê-los condenar. 38 BRÜNING, Raulino Jacó. História do Ministério Público catarinense. Florianópolis: Habitus, 2001. pp. 77-78. 17 A expressão Ministério Público foi utilizada pela primeira vez no artigo 18 do Regimento das Relações do Império de 02 de maio de 1847. O Decreto n. 3.310/1864, em seu artigo 9º, conferiu ao Promotor a obrigação de proteger os africanos livres, como seus curadores, contra todas as violações de direito, requerendo a favor deles quando conveniente, inaugurando a função histórica do Ministério Público de atuar na defesa dos interesses sociais. A Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre), atribuiu-lhe a função de defensor dos fracos e indefesos, ao estabelecer que lhe competia zelar para que os filhos libertos dos escravos fossem devidamente registrados. Assim, nas fases colonial e monárquica, o Ministério Público não era uma Instituição, mas um aglomerado de atribuições que recaía sobre agentes dissociados entre si e que não gozavam de quaisquer garantias, sendo nítida a subordinação à Chefia do Executivo.39 Na fase republicana, inaugurada com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, as Províncias do Império foram transformadas em Estados; houve a separação da Igreja e do Estado; foi estabelecida a liberdade de cultos religiosos; criou-se o Registro Civil e a obrigatoriedade do casamento civil. Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República – que se manteria até o golpe militar de outubro de 1930 –, dispondo no artigo 58, § 2º, da seção Do Poder Judiciário, sobre a escolha do Procurador-Geral da República dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal e deixando a definição de suas atribuições para serem definidas em lei. Comentando essa fase da história da Instituição, Sauwen Filho faz um reparo ao Prof. Prudente de Moraes, para quem o Ministério Público teria sido criado pelo Decreto n. 1.030, de 14 de novembro de 1890. Afirma que a independência e a organização do Ministério Público são devidas ao Ministro da Justiça do Governo Provisório, Manoel Ferraz de Campos Sales que viria a ser eleito Presidente da República para o quadriênio de 1898-1902 -, em cuja gestão ministerial veio a ser 39 GARCIA, Emerson. Opus cit., p. 34. 18 editado, um mês antes daquele diploma legal, o Decreto n. 848, em 11 de outubro de 1890, em cuja exposição de motivos se assevera: O Ministério Público é uma instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da Justiça, a qual compete velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devem ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela 40 convier. Como se percebe, já naquela época o legislador via o Ministério Público como instituição imprescindível num regime democrático, voltada ao zelo pela execução de normas a serem aplicadas pela Justiça Federal e responsável por promover ação pública. O Decreto n. 1.030/1890 determinou que o Ministério Público funcionasse perante as justiças, investido nas condições de o advogado da lei, o fiscal de sua execução, o procurador dos interesses gerais, o promotor da ação pública contra todas as violações do direito, o assistente dos sentenciados, dos alienados, dos asilados e dos mendigos, requerendo o que for a bem da justiça e dos deveres de 41 humanidade. A Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, em seu artigo 28, atribuiu ao Procurador-Geral da República competência para representar os interesses da União nas causas que lhe eram afetas, mesmo diante das Justiças Estaduais, atribuição que permaneceu até o advento da Constituição Federal de 1988. O artigo 38 outorgava ao Ministério Público competência para arguir perante o Supremo Tribunal Federal conflitos de jurisdição entre Estado e União, no âmbito de competência daquela Corte de Justiça. A estrutura organizacional do Ministério Público Federal foi alterada pelo Decreto n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911, tendo sido mantidas as características de suas atribuições, dispondo o artigo 158 que o Ministério Público, perante as autoridades constituídas, é o advogado da lei e o fiscal da sua execução, o promotor da ação pública contra todas as violações do direito42 40 SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.127. LYRA, Roberto. Opus cit., p. 23. 42 SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.137. 41 19 O Decreto n. 13.273, de 20 de novembro de 1923, alterou a Justiça do Distrito Federal e colocou em vigor o novo Código de Organização Judiciária, no qual a instituição conservou o papel de defensora da lei e fiscal de sua execução, conferindo-lhe independência em relação aos poderes públicos e competência para intervir na disciplina Judiciária, estabelecendo garantias e responsabilidades de seus membros e estendendo sua ação tutelar a todos os componentes do judiciário. Tão amplas resultaram as atribuições do Ministério Público que o Ministro Alfredo Valadão, ao comentar suas características, previu que: O Ministério Público se apresenta com a figura de um verdadeiro poder do Estado. Se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro órgão acrescentaria ele – o que defende a sociedade e a lei, perante a justiça, parta a ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do 43 Estado. (O grifo é nosso.) Em que pese tão elogiosa referência à instituição, a condição de nomeação discricionária e demissibilidade ad nutum44 do ProcuradorGeral pelo Presidente da República restringia a independência e a vitalidade do agir institucional. É dessa época o Código Civil que veio a lume por intermédio da Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916, que daria ao Ministério Público a incumbência de velar pelas fundações de direito privado (art. 26), atribuição ainda 43 LYRA, Roberto. Opus cit., p. 23. Ad nutum (a pronúncia é/ad nútum) significa literalmente “a um aceno de cabeça”. Está ligada ao tempo em que os imperadores romanos exerciam um tal controle do poder que um simples aceno de sua cabeça podia significar uma decisão de vida ou de morte. Hoje a expressão é utilizada para caracterizar uma decisão que depende exclusivamente do arbítrio de uma das partes envolvidas, onde é muito freqüente, caracteriza “o direito que possui uma das partes que integram a relação jurídica de fazê-la, independentemente da vontade da outra”. O síndico do prédio pode ser destituído ad nutum pela Assembléia dos condôminos, os testamentos são revogáveis ad nutum; a não ser que haja disposição expressa em sentido contrário, a procuração que passei para meu corretor de imóveis pode ser revogada ad nutum; e assim por diante. Na esfera pública, sabe-se que o detentor de um cargo de confiança pode ser afastado pela simples vontade de quem o convidou, sem a necessidade de processo administrativo ou legal. Exemplo claro ocorreu no mandato de FHC: no primeiro mandato de FHC, um certo ministro, que estava sendo fritado (gíria para quem tem problemas), declarou aos jornais que “punha seu cargo à disposição do Presidente”. Nos jornais do dia seguinte, Fernando Henrique simplesmente retorquiu que os cargos de ministro estão SEMPRE à sua disposição – no que estava absolutamente certo, já que, pelo art. 84 da Constituição Brasileira, os ministros são demissíveis ad nutum. Disponível em http://wiktionary.org/wiki/ad_nutum. Acesso em: 10 de abril de 2010. 44 20 vigente. Também outorgou aos membros da instituição legitimidade para propor ação de nulidade de casamento (art. 208, inciso II); defesa dos interesses dos menores (art. 394, caput); ação de interdição (art. 447, inc. III); e legitimidade para promover ação visando à nomeação de curador ao ausente (art. 463), além de outras; as três últimas atribuições ainda permanecem no rol de suas competências. A Constituição Federal de 16 de julho de 1934 colocou o Ministério Público na seção I do capítulo VI de seu título I que trata da disciplina dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais. Estabeleceu, no art. 95, que a organização do Ministério Público da União, do Distrito Federal e Territórios deveria ser realizada por Lei Federal e, nos Estados, por leis locais. No § 1º designa o Procurador-Geral da República como Chefe do Ministério Público Federal nomeado pelo Presidente da República, mediante aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os mesmos requisitos estabelecidos para os Ministros da Suprema Corte, com idêntica remuneração exonerável ad nutum. No § 3º ficou determinado que o preenchimento dos cargos de membros da instituição dar-se-ia por concurso, no âmbito federal, e garantiu que a perda dos cargos só aconteceria por sentença judicial, ou processo administrativo, observada a ampla defesa. O art. 97 dispôs que os Procuradores-Gerais da União e dos Estados não poderiam cumular o exercício deste múnus com outra função pública, salvo de magistério. Quanto aos Ministérios Públicos Militar e Eleitoral, eles se organizariam mediante leis especiais (art. 98). Finalmente, o § 6º do art. 104 reservou um quinto do número total de lugares nos tribunais superiores para membros do Ministério Público ou advogados45. Com efeito, essa Carta consagrou o princípio da estabilidade funcional e a obrigatoriedade de concurso público, garantias destinadas ao Ministério Público Federal, que acabaram por se estender aos Ministérios Públicos Estaduais (art. 7º, inc. I, da CF de 1934). 45 O chamado quinto constitucional significa a reserva de uma vaga ao Ministério Público e outra para Advogados, na proporção de 1/5 do número total de integrantes do tribunal. 21 A Carta Constitucional de 10 de novembro 1937 introduziu no Brasil o Estado Novo46 decretado pelo Presidente Getúlio Vargas que, através de um golpe de estado apoiado pelos militares, dissolveu o Senado da República, a Câmara Federal, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, extinguiu os partidos políticos e passou a legislar por decretos-lei. Essa Constituição revogou integralmente a anterior, conferiu ao Presidente da República amplos poderes ditatoriais, que impôs severo retrocesso ao Ministério Público. A nomeação do Procurador-Geral da República passou a não mais depender da aprovação do Senado (art. 99), cabia ao Presidente da República nomeá-lo e exonerá-lo; deveria ser ouvido no caso de pagamento de dívidas pela Fazenda Pública, quando houvesse decisão judicial, e só poderia ser processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade (art. 101, alínea b). O art. 105 manteve a participação do Ministério Público no quinto constitucional e o § 1º do artigo 109 autorizava o Ministério Público a promover a cobrança da dívida ativa da União. A par desse retrocesso, a produção legislativa foi abundante no período do Estado Novo e alargou o campo de atuação do Ministério Público. Nele foram promulgados os Códigos de Processo Civil (1939), o Código Penal (1940) e o Código de Processo Penal (1941). O Código de Processo Civil, promulgado pelo Decreto-lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939, veio substituir os códigos dos estados, disciplinando a atuação do Ministério Público na esfera cível. O Ministério Público passou a ser obrigado a intervir em diversas situações na condição de custus legis. O Promotor de Justiça passou a atuar como fiscal da lei, devendo apresentar parecer após a manifestação das partes. O art. 80, § 2º, determinava sua participação nos feitos que envolvessem interesses de incapazes; o art. 445, § 3º, nas ações de usucapião; o art. 621, nos processos de emancipação; o art. 404, nas remissões de hipoteca; o art. 631, nas sub-rogações de bens inalienáveis e o art. 742, na organização e fiscalização de fundações. 46 O Estado Novo vigorou entre 1937 e 1945, verdadeira ditadura que suprimiu o Poder Legislativo e exacerbou o Poder Executivo. 22 A partir desse período, o promotor de Justiça passou a vincular-se à defesa dos valores centrais de uma ordem social e econômica burguesa de forte predominância rural e agrária. Desse modo, começa o fenômeno do chamado “parecerismo”, que marcará toda a tradição de práxis 47 jurídica do Ministério Público. (O grifo é nosso.) O Código de Processo Penal de 1941 fixou o Ministério Público como titular da ação penal pública, atribuindo-lhe o poder de requisitar a abertura de inquérito policial, realizar outras investigações e o dever de fiscalizar a aplicação da lei penal, inclusive das penas cominadas. A Constituição de 1946 voltou a colocar o Ministério Público em título próprio (título III, arts. 125 a 128), desvinculado dos demais poderes, conferindo-lhe as garantidas de estabilidade (após dois anos de exercício) e inamovibilidade, suprimidas na Carta Outorgada de 1937. Os Membros do Ministério Público da União - ante a justiça comum, militar, eleitoral e trabalhista -, e dos Estados passaram a ser organizados em carreira e não poderiam ser removidos a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência de serviço (art. 127). A obrigatoriedade do concurso de ingresso e o acesso escalonado de entrância a entrância (art. 128) foram fixados pela mesma constituição que conferiu aos Procuradores da República a representação em juízo da União, podendo o encargo ser exercido, nas comarcas do interior, pelo Ministério Público local (art. 126, § único). O Procurador-Geral da República seguiu sendo nomeado pelo Presidente da República e demissível ad nutum (art. 126), cabendo ao Senado Federal aprovar a escolha. O quinto constitucional foi previsto somente em relação ao Ministério Público Estadual (art. 124, inc. V), mas também foi assegurada sua participação na composição do Tribunal Federal de Recursos (art. 103). A Constituição de 24 de janeiro de 1967, pós golpe militar de 1964, surgiu em período farto em cassações de mandatos parlamentares e suspensão de direitos políticos daqueles que ousavam discordar do regime instalado. Ela resultou de um ato de força, sem consulta à população. O Ministério Público foi incluído no capítulo do Poder Judiciário (capítulo VIII, seção IX), sendo-lhe reservado os arts. 137 a 139. 47 PAES, José Eduardo Sabo. Opus cit., p. 174. 23 Basicamente, não foram introduzidas alterações ao texto de 1946: manteve-se a autonomia da organização dos Ministérios Públicos dos Estados (art. 139) e da União (art. 137), como carreira; ingresso mediante concurso de provas e títulos; garantia de vitaliciedade após dois anos de exercício e de inamovibilidade (art. 138, § 1º). A nomeação do Procurador-Geral da República continuava dependendo da aprovação do Senado (art. 138), permanecendo sua atribuição de representar a União em juízo. A novidade foi a equiparação dos salários e aposentadorias dos membros do Ministério Público e da magistratura. A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, ficou conhecida como Constituição de 1969 em virtude de sua abrangência e inovação em relação ao texto emendado. Na verdade, foi fruto de um novo golpe militar: o Alto Comando da Revolução não permitiu que o Vice-Presidente assumisse em substituição ao Presidente Costa Silva, acometido de grave doença. O país passou a ser governado por uma junta de três ministros militares, até a aprovação do General Garrastazu Médici que desempenhara, no Governo anterior, as funções de Ministro Chefe do Serviço Nacional de Informações – SNI. Nessa época duas ordens jurídicas conviviam no Brasil. A ordem constitucional emergente da Carta de 1967, das leis por ela recepcionadas e da legislação emanada do Congresso Nacional, e a chamada Ordem Institucional Revolucionária, decorrente dos atos baixados pelo Alto Comando da Revolução, através do Presidente da República que igualmente o presidia, conhecidos como atos institucionais, os quais não só escapavam ao controle jurisdicional do Poder Judiciário bem como prevaleciam em eventual confronto com as 48 normas legais constitucionais. Assim, o Ministério Público foi inserido no capítulo do Poder Executivo (arts. 94 a 96) que demonstrou, nitidamente, a intenção dos governantes de transformá-lo num órgão a seu serviço, a serviço do autoritarismo, muito embora a redação da Emenda tenha praticamente repetido a Carta de 1946. Tão clara era essa intenção, que o art. 154 reconheceu ao ProcuradorGeral da República competência para requerer a suspensão de direitos políticos. Os requisitos exigidos para escolha do Procurador-Geral da República foram ampliados na Emenda n. 1, devendo recair sobre brasileiro nato, 48 SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.158. 24 com mais de 35 anos, notável saber jurídico e boa reputação. A nomeação ficou ao inteiro arbítrio do Presidente, sem necessidade de referendo do Senado Federal (art. 95 e § 1º). Manteve-se o concurso público para ingresso na carreira e a possibilidade de o Procurador-Geral de Justiça ingressar com declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual junto ao Supremo Tribunal Federal. Em 14 de abril de 1977, foi decretada a Emenda Constitucional n. 7, que acrescentou um parágrafo único ao art. 96, prevendo que lei complementar seria apresentada pelo Presidente da República a fim de estabelecer normas gerais para a organização do Ministério Público nos estados: seria a Lei Complementar n. 40/1981. Outros poderes foram conferidos ao Procurador-Geral da República pela Emenda Constitucional n. 7: representar ao STF para interpretação definitiva de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 119, inc. I, letra i); requerer ao STF que chamasse para si o julgamento de causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais do país quando houvesse imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas; avocar causas pelo Conselho Nacional da Magistratura, junto ao qual oficiava o Procurador-Geral da República e a possibilidade de requerer medidas cautelares nas representações formuladas pelo Procurador-Geral da República tratadas na letra p do inciso II do referido art. 119. A Emenda Constitucional n. 11/1978 introduziu o § 5º, no art. 32 da Constituição Federal de 1969 atribuindo ao Procurador-Geral da República competência para requerer, junto ao Supremo Tribunal Federal, a suspensão do exercício do mandato parlamentar até decisão final do Supremo Tribunal Federal nos processos relativos à prática de crime contra a segurança nacional. A Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981, que regulamentou o parágrafo único, do art. 96, da EC n. 7/1977, foi a primeira a instituir normas gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais, até então constituídos de diferentes formas. Primeira, também, a conceituar a instituição: Art. 1º. O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o judiciário, pela 25 defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis, e será organizado, nos Estados, de acordo com as normas da presente Lei Complementar. A LC n. 40/1981 consolidou os históricos princípios institucionais da unidade, de indivisibilidade e autonomia funcional, que foram repetidos pela Constituição Federal de 1988, a exemplo da conceituação de Ministério Público. Foi acrescentada a referência ao regime democrático, fato incabível em 1981. O art. 3º estabelecia as funções institucionais de velar pela observância da Constituição e das leis e prover-lhes a execução, além de promover a ação penal pública. O art. 4º assegurou-lhe autonomia administrativa e financeira, dando-lhe de dotação orçamentária. O art. 5º alterou a denominação da instituição de Procuradoria-Geral do Estado para Procuradoria-Geral de Justiça e os Promotores Públicos passaram a se denominar Promotores de Justiça. O art. 6º determinou que o Ministério Público tivesse quadro próprio de servidores. No que respeita aos Procuradores de Justiça, o art. 14 conferia-lhes a representação do Ministério Público em segunda instância. O art. 15 relacionava as atribuições do Ministério Público e o art. 16 assegurava-lhe a independência no exercício das funções. Por último, o art. 55 vedava o exercício de suas funções do Ministério Público a pessoas a ele estranhas. O perfil institucional do Ministério Público, portanto, foi-lhe atribuído antes da Constituição de 1988, quando a Confederação Nacional do Ministério Público – Conamp, à época denominada Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público – Caemp, já trabalhava no sentido de desenvolver uma consciência social na instituição, aliás, motivo da própria criação da Confederação, como assinala Sauwen Filho. O empenho institucional para a formatação do Ministério Público, conforme registra Mazzilli, já se mostrara por ocasião da frustrante reforma constitucional de 1977, bem como durante a votação das emendas constitucionais por eleições diretas, emendas essas que foram abandonadas pelo governo, ao sinal de contrariedade, nos estertores do governo Figueiredo.49 49 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 23. 26 Walter Paulo Sabella, em entrevista ao Jornal Carta Forense, no dia 17 de julho de 2008, reportando-se aos fatos que antecederam à edição da LC n. 40/1981, relata que: os primeiros anos da década de oitenta, quando teve início uma cruzada por todo o país, liderada pelo Ministério Público de São Paulo, com vistas a sedimentar o que um líder do passado, Carlos Siqueira Neto, chamou de ‘uma consciência nacional de Ministério Público’. Nesse período, as lideranças paulistas viajaram o Brasil, proferiram palestras, fomentaram debates, visando ampliar e fortalecer a crença em torno da idéia de um Ministério Público nacionalmente forte, profissional, a serviço 50 da cidadania e da sociedade. Em Santa Catarina, a Lei Complementar n. 17/1982 foi promulgada, em cumprimento à determinação da LC n. 40/1981 e vigorou até a edição da LC n. 197, de 13 de julho de 2000. Ela estabeleceu, em seu art. 7º, que o chefe da instituição seria nomeado pelo Governador, em comissão, dentre os membros com mais de 10 anos de carreira. 1.5 O MOVIMENTO POLÍTICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFINIÇÃO DE SEU PAPEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Assembleia Nacional Constituinte foi convocada após mais de 20 anos (1964-1985) de regime militar, pelo Presidente José Sarney, com o objetivo de proporcionar uma nova ordem jurídica ao país. O processo teve início com a convocação da chamada Comissão de Notáveis, de 50 integrantes, os quais elaboraram o anteprojeto do novo texto constitucional, conhecido por Anteprojeto Afonso Arinos, em homenagem a seu presidente. Com 350 votos a favor, 12 contra e 21 abstenções, no dia 12 de abril de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou os artigos que deram o atual perfil ao Ministério 50 Disponível em: <http://www.conamp.org.br/índex.php?ID_Materia=2545xbusca>. Acesso em: 13 de agosto de 2008. 27 Público brasileiro51. O poderoso lobby do Ministério Público brasileiro conseguiu, finalmente, excluí-lo do âmbito de qualquer poder no novo texto constitucional: O Ministério Público terá estatura de quase um poder. Terá autonomia funcional e administrativa, terá acesso direto ao Poder Legislativo para projetos de lei de seu interesse, terá autonomia para elaboração de sua proposta orçamentária.52 Anunciada a eleição dos Constituintes para 1986, o Ministério Público Brasileiro tratou de se reunir em São Paulo, no VI Congresso Nacional do Ministério Público, entre 22 e 29 de junho de 1985, com o objetivo de preparar teses de nível constitucional, visando formular propostas preparatórias para os trabalhos da Constituinte no que respeita ao Ministério Público: Acorreram a tal Congresso promotores de justiça de todo o País, com rica e madura produção jurídica institucional, especialmente nas áreas de direito constitucional (4 teses); posição e organização constitucional do Ministério Público (18 teses); quinto constitucional (1 tese); representação da União (3 teses); interesses difusos (4 teses); direitos humanos (2 teses); direito penal (4 teses); direito processual penal (7 teses); direito do menor (1 tese); direito civil e direito processual civil (5 53 teses). Meses depois, em outubro de 1985, ainda com o objetivo de colher subsídios para a Constituinte, por intermédio da aferição das opiniões predominantes sobre os mais variados temas pertinentes à instituição, a Conamp enviou 5.793 questionários aos membros do Ministério Público de todo o país; 977 foram respondidos. A consulta institucional procurou contemplar todos os aspectos, desde o posicionamento do Ministério Público no texto constitucional, até a vedação ao exercício da advocacia. Das respostas às questões formuladas, destacam-se as que obtiveram maior número de votos: 1) o Ministério Público deverá figurar em título à parte na constituição (743); 2) o Procurador-Geral poderá ser escolhido entre os procuradores de justiça (593); 3) a escolha do Procurador-Geral 51 deverá ocorrer por eleição direta de toda a classe Ministério Público agora será fiscal dos interesses coletivos. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, p. 2, 13.abr.1988. 52 CENEVIVA, Walter. Novas funções dão autonomia maior ao Ministério Público. Folha de São Paulo. São Paulo, 20.abr.1988. 53 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 24. 28 indistintamente (275), quer dizer, com a participação, inclusive, dos Membros não estáveis; 4) o nome escolhido não necessitará ser submetido à aprovação do Legislativo (801); 5) a instituição deverá ter garantia de autonomia administrativa e financeira (823) bem assim dotação orçamentária própria e global (770); 6) o mandato do Procurador-Geral deverá ser de dois anos (690), com possibilidade de uma recondução (472); 7) o Procurador-Geral poderá apresentar projeto de lei para criação e extinção de cargos e fixação dos respectivos vencimentos (738); 8) o ingresso nos cargos iniciais da carreira deverá ocorrer mediante concurso público de títulos e provas (852); 9) deverá ser proibida a designação de promotor ad hoc; 10) deve ser assegurada constitucionalmente a vitaliciedade (824), a irredutibilidade de vencimentos (873) e a inamovibilidade (823). Foram respondidas, ainda, questões sobre o quinto constitucional, promoções, aposentadoria, pensão, vedações, funções institucionais, remuneração, dentre outros.54 Paralelamente, desenvolvia-se o trabalho da Comissão de Estudos Constitucionais cujo anteprojeto serviria de base para a proposta da Carta de Curitiba. O Procurador-Geral da República à época (1986), José Paulo Sepúlveda Pertence, também integrava a Comissão de Estudos Constitucionais e tinha a seu encargo a redação da proposta de organização do Ministério Público na Constituição. Ao concluí-la, Pertence convidou Luiz Antônio Fleury Filho e Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo (presidente e secretário da Conamp, respectivamente.) para apreciarem o texto antes de encaminhá-lo à Comissão de Estudos Constitucionais. Várias sugestões da Classe foram, assim, incorporadas ao texto. Frente aos resultados dos questionários e às conclusões do VI Congresso Nacional, a Conamp designou uma Comissão para consolidar os dados, visando à elaboração de uma proposta a ser levada para discussão no 1º Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e de Presidentes de Associações do Ministério Público, que ocorreria em Curitiba, no período de 20 a 22 de junho de 1986. 54 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. pp. 25-28. 29 Nas vésperas desse Encontro, e visando a consubstanciar os pontos básicos para um texto constitucional referente à instituição, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo e a Associação Paulista do Ministério Público constituíram uma comissão composta por Antônio Ferraz dal Posso, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Cláudio Ferraz de Alvarenga, José Emmanuel Burle Filho, Luiz Antônio Fleury Filho, Moacyr Antônio Ferreira Rodrigues, Paulo Salvador Frontini, Pedro Franco de Campos, Renato Martins Costa, Wálter Paulo Sabella e o autor desta obra. Esta comissão, trabalhando sobre aquela consolidação provisória da Conamp, bem como cotejando-a com os trabalhos da Comissão de Estudos Constitucionais, procurou dar sistematização, organicidade e profundidade ao texto que seria votado e discutido no 55 Encontro de Curitiba. Essa comissão paulista produziu um documento síntese que foi levado para discussão e aprovação no Encontro de Curitiba, oportunizando o surgimento da chamada Carta de Curitiba56. A Carta de Curitiba, datada de 21 de junho de 1986, estampada na página da Conamp57, divide-se em três seções: disposições gerais; do Ministério Público da União; do Ministério Público dos Estados e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; garantias e dispositivos colocados fora do capítulo previsto para o Ministério Público. Dela evidenciam-se os seguintes pontos: 1) posição tipológica do Ministério Público em título à parte na Constituição; 2) defesa do regime democrático; 3) escolha do Promotor-Geral dentre os integrantes da carreira pelos Promotores e Procuradores de Justiça; 4) autonomia funcional, financeira e orçamentária, com dotação orçamentária própria; 5) iniciativa para criação e extinção de cargos e fixação de vencimentos; 55 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 30. Na verdade, foram três as Cartas que serviram de base para a defesa das posições do Ministério Público Brasileiro, consoante informação recebida diretamente de Joaquim Cabral Netto, ex-Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, ex-presidente da Conamp e autor de Os Congressos Nacionais do Ministério Público; temas de teses apresentadas, 2005, Belo Horizonte, editora Speed Editora Gráfica. A primeira foi elaborada na gestão do próprio Cabral à frente da Conamp (então denominada Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público – Caemp), em 1980, e entregue ao Ministro da Justiça da época, Ibrahim Abi-Ackel. A segunda data de 1986, e resultou do I Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de Associações do Ministério Público, quando era presidente da Conamp Luiz Antônio Fleury Filho, para ser utilizada na Assembleia Nacional Constituinte. A terceira reuniu as conclusões do XIII Encontro Nacional do Ministério Público, realizado em 1999, que teve como tema O Ministério Público Social. 57 Disponível em <http://www.conamp.org.br/index.php?ID_MATERIA=177>. Acesso em: 13 de agosto de 2009. 56 30 6) garantia de independência funcional, vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade; 7) instituição de um sistema de vedações; 8) regime jurídico-remuneratório igual ao da Magistratura; 9) representação por incompatibilidade de lei ou ato normativo; 10) promoção da ação penal pública e supervisão dos procedimentos investigatórios, com poder para requisitá-los e avocá-los; 11) intervenção nos processos judiciais nos casos previstos em lei ou quando existir interesse que lhe caiba defender; 12) promoção do inquérito para instruir ação civil pública; 13) conhecimento de representações por violação de direitos humanos e sociais, por abuso do poder econômico e administrativo, com apuração e encaminhamento como defensor do povo; 14) promoção da ação civil pública e adoção de medidas administrativas executórias em defesa dos interesses difusos e coletivos, dos interesses indisponíveis e outros interesses públicos; 15) proibição do exercício das funções ministeriais a pessoas estranhas à carreira; e 16) representação judicial da União. Para Mazzilli, a Carta de Curitiba é resultado do trabalho de harmonização de cinco fontes: a) os principais diplomas legislativos já vigentes (CF e LC federal n. 40/81; b) as teses aprovadas no VI Congresso Nacional do Ministério Público (Ministério Público e Constituinte, Justitia, São Paulo, 131 e 131A, jun. 1985); c) as respostas dos membros do Ministério Público do País a uma pesquisa, sob forma de questionário-padrão, elaborada em outubro de 1985, pela Conamp; d) o anteprojeto apresentado por Sepúlveda Pertence à Comissão Afonso Arinos; e) o texto provisório, elaborado por comissão provisória designada pela Conamp, preparatório 58 para a reunião final de Curitiba, realizada em junho de 1986. A inserção da proposta de continuidade da representação judicial da União aconteceu por conta da pouca sintonia existente entre o modelo de Ministério Público almejado pelos seus membros em âmbito estadual e federal. Os Procuradores da República ainda não integravam a Conamp e tinham 58 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 24. 31 outra visão de Ministério Público. Não atuavam, em conseqüência, em harmonia e união com os Ministérios Públicos Estaduais, eram representados pela ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República, e postulavam prosseguir na defesa da União como exercer também, exercendo a advocacia. Bruno Amaral Machado, em entrevista uma SubprocuradoraGeral da República e um Procurador da República registra: Um dos integrantes do MPF, participante de algumas discussões com lideranças políticas e de classe, confirma ter havido certa “resistência” de alguns integrantes do MPF à proposta temendo que houvesse ruptura muito acentuada com o antigo modelo, no qual o MPF acumulava a função de defensor da União. Segundo o relato de uma subprocuradorageral da República: “Conamp e ANPR não atuavam num ‘lobby’ unificado. O Álvaro (presidente da ANPR) queria que continuássemos com a advocacia da União, mas ele ficou vencido, mas não convencido. E hoje ele é o Advogado-Geral da União” (subprocuradora-geral da República entrevistada em 09.02.2004. Essa visão é compartilhada por outro membro do MPF que critica a criação da Advocacia Geral da União (AGU): Na época eu andava com o Álvaro, mas a Conamp era muito forte. Em certos assuntos como as garantias constitucionais, a gente tinha interesses comuns, como as garantias funcionais, a autonomia financeira e administrativa. Mas a divisão começava na questão da defesa da 59 União [...] Em entrevista à Folha de São Paulo, intitulada Força e Independência são Fundamentais, Luiz Antônio Fleury, na condição de presidente da Conamp, deu seu ponto de vista sobre o Ministério Público e a instituição que a representação dos Ministérios Públicos Estaduais buscava conseguir na Constituinte: O Ministério Público é uma instituição ainda em desenvolvimento. Caminha em busca da mais completa defesa da sociedade e do cidadão, hoje agredidos por um recrudescimento da criminalidade violenta, prejudicados pelos grandes escândalos financeiros vitimados pelos loteamentos clandestinos e irregulares, iludidos pela propaganda falsa e enganosa, lesados no seu habitat pela destruição ambiental, fraudados pela destruição ambiental, fraudados no consumo de bens e serviços e atingidos por tantas outras lesões aos demais interesses públicos 60 indisponíveis. 59 MACHADO, Bruno Amaral. Ministério Público: organização, representações e trajetórias. Curitiba: Juruá, 2007. pp. 129-130. 60 FLEURY, Luiz Antonio. Força e independência são fundamentais. Folha de São Paulo, São Paulo. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf>. Acesso em: 8 de novembro de 2008. 32 Também foi importante a proposta apresentada por Mazzilli durante o VII Congresso Nacional do Ministério Público (Belo Horizonte em abril de 1987), sobre a Carta de Curitiba e a Constituinte que, dentre as oito conclusões aprovadas trazia a seguinte: 3ª) Não [...] reconhecia necessidade de criação de novos organismos burocratizados do Estado para o mister de defensor do povo, cabendo naturalmente a função de ouvidor ou de defensor do povo ao próprio 61 Ministério Público. Essa tomada de posição foi importante quando se discutiu na Constituinte, a possibilidade de criação do ombudsman, agente apolítico, nomeado pelo Poder Legislativo para investidura temporária, destinado ao controle da administração, à proteção dos direitos do cidadão e das liberdades públicas, feridos ou ameaçados pelo Poder Público62, que possui força de natureza pedagógica e persuasiva, não dispondo de ação sancionatória, nem podendo impor juridicamente suas recomendações. Ele depende do prestígio do Legislativo, que o nomeia, da cobertura da imprensa e da pressão da opinião pública.63 Frente a tais limitações, que sugeriam diminuta eficácia de suas ações de defensor do povo, dadas as dimensões continentais do país e nossa tradição pouco afeita à aceitação de recomendações sem potencial penalizador, prevaleceu a reivindicação da Conamp de incorporar ao Ministério Público as referidas atribuições, por ser instituição impessoal, já organizada em carreira e com atuação na esfera civil e na criminal. O instituto jurídico do ombudsman foi constitucionalmente incorporado ao Ministério Público por intermédio do inciso II do art. 129 da CF, que determina zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. 61 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição. p. 38. FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. O “Ombudsman” parlamentar e o Ministério Público. Disponível em htpp//www.justitia.com.br/revistas/4bdw45.pdf. Acesso em: 10 de março de 2010. 63 FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. O “ombudsman” parlamentar e o Ministério Público. Disponível em htpp//www.justitia.com.br/revistas/4bdw45.pdf. Acesso em: 10 de março de 2010. 62 33 Fábio Kerche registra que muitos integrantes do Ministério Público atribuíram a conquista da independência dos demais Poderes de Estado na Carta Constitucional da instituição ao fato de os constituintes não possuíam a dimensão exata do que estavam aprovando. É como se o lobby organizado pela Confederação Nacional do Ministério Público tivesse ‘enganado’ os parlamentares ou que os constituintes “cochilaram” no momento da aprovação do projeto. O mesmo autor, no entanto, fornece contraponto a essa suspeita: Minha posição alternativa parte da constatação de que a Constituição e a Assembléia Nacional Constituinte caracterizaram-se por vários aspectos que permitem afirmar que o MP como um defensor independente dos direitos da sociedade não é um fato destoante de todo o resto do texto constitucional. Pelo contrário, é fruto de elementos de cultura política e de um determinado contexto histórico-político, refletidos em vários pontos da Constituição, que permitiu que o lobby da Confederação do MP obtivesse sucesso (leia-se sucesso parcial) na aprovação de sua proposta. Dessa forma, A Assembléia Nacional Constituinte serviu como uma espécie de “filtro” às propostas apresentadas, criando inclusive mecanismos de limitação e controle por parte de outros Poderes de Estado não previstos na proposta da Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp). Em outras palavras, a Conamp pode se sentir vitoriosa, não porque “enganou” os sonolentos parlamentares, mas sim, porque apresentou uma proposta que não era contrária aos elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de aspectos conjunturais e de cultura política presentes na Assembléia 64 Nacional Constituinte.” Procurando responder à pergunta: Por que os constituintes de 1987/1988 optaram por esse modelo?, Kerche considera ponto distintivo a grande abertura que os Constituintes deram a vários grupos de pressão (defensores públicos, delegados, Ministério Público), ouvindo-os desde o início dos trabalhos e permitindo que todos fizessem lobby; a organização e o constante acompanhamento realizado pela Conamp que lhes forneceu como proposta de texto constitucional a Carta de Curitiba; a relativa facilidade que esse lobby encontrou em defender junto aos constituintes a ideia de um agente não-político – ou pelo menos, não-político partidário – responsável pela defesa dos interesses 64 KERCHE, Fábio. O Ministério Público e a constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. pp. 232-233. 34 da sociedade. Essa relativa facilidade se deve a um aspecto conjuntural e às características de cultura política da época. Seguindo ainda esse raciocínio, Kerche acrescenta: o aspecto conjuntural refere-se à própria época em que os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte se desenvolveram – no fim de um período autoritário-militar que durou mais de 20 anos (1964-1985). A questão central para os constituintes, observando a Constituição de 1988, não era minimizar o Estado segundo os parâmetros liberais clássicos mas, sim, democratizá-lo. Essa afirmação pode ser corroborada observando-se vários aspectos como a ampliação dos direitos coletivos (referendo, plebiscito, iniciativa popular), entre outros. Para explicitar as características da cultura política da época, Kerche apóia-se em Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, que identifica três extratos da experiência histórica brasileira: 1) a negação indiscriminada do passado – identificação de que os direitos individuais da tradição liberal não foram suficientes para acabar com as desigualdades de nossa sociedade. Esse fato, somado à figura fraca ou inexistente do indivíduo, seria necessário à revisão das premissas individualistas do direito brasileiro e introduziria a noção de direitos coletivos; 2) o legado getulista presente no reforço do papel do Estado como agente privilegiado nas relações sociais, inclusive sob o aspecto paternalista e, 3) a alternativa encontrada à participação política dos partidos, que consiste no princípio participativo, traduzido em instrumento de reforço à cidadania e rompendo o modelo liberal-clássico de representação política via partidos políticos. Concluindo, Kerche afirma que o projeto da Conamp foi bastante perspicaz justamente porque se adaptava a diferentes concepções presentes na “democrática” Assembléia Nacional Constituinte. Ele se diferencia enquanto projeto porque não se apresentava enquanto concepção de um único grupo, pelo contrário, por representar um modelo novo diferenciado, era perfeitamente justificado como necessário tanto para aquele que queria romper com o passado autoritário do país, quanto para aquele que percebe o Estado como agente ainda fundamental para a realização, inclusive, da cidadania e, finalmente, para aquele que buscava formas alternativas de participação e interferência no debate político e na defesa de interesses. O MP, deste ponto de vista, é uma espécie de síntese dos vários 65 aspectos que marcaram a feitura da Constituição de 1988. 65 KERCHE, Fábio. O Ministério Público e a Constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. p. 241-244. 35 O modelo independente de Ministério Público definido na Constituição Cidadã de 1988, portanto, é fruto da luta de seus integrantes, na busca de uma identidade própria para a instituição e da construção de um órgão despartidarizado para defender a sociedade. A formatação que o Ministério Público conquistou no texto constitucional, seu conceito, a Lei n. 8625, de fevereiro de 1993, que regulamentou a atividade dos Ministérios Públicos Estaduais e a Lei Complementar n. 197 de 19 de julho de 2000, que rege o Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Serão tratados a seguir, bem como os princípios institucionais e constitucionais da independência, unidade, indivisibilidade e do promotor natural. 36 CAPÍTULO 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO CONSTITUCIONAL O Ministério Público é considerado uma das grandes e positivas novidades da Constituinte, um reforço da cidadania, fruto da consolidação do estado democrático que sucedeu ao período de dominação militar. O novo Ministério Público é comparável ao que sucedeu na área da saúde, em que o lobby do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira logrou conquistar um sistema totalmente diferente do então reinante, um Sistema Único de Saúde, instituído pelos artigos 196 e seguintes da CF, que a considera um direito de todos e dever do Estado, com ações e serviços disponibilizados à população de modo universal, integral e gratuito. No cumprimento de suas atribuições institucionais, o Ministério Público tem laborado para defender os interesses da coletividade e reprimir ilícitos praticados por personagens de grande influência no cenário político e econômico da nação, que ferem diretamente a cidadania e o estado democrático de direito e que, por vezes, atingem todos os brasileiros, razão pela qual tem sido alvo de seguidas retaliações e intimidações que partem daqueles que deveriam ser os primeiros a enaltecer tais iniciativas. Demonstram, portanto, que não assimilaram a transformação política do Ministério Público e ostentam padrões éticos censuráveis. Exemplo de pública e indevida admoestação partiu do mandatário maior da nação, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na 37 cerimônia de posse do atual Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel disse que o Ministério Público tem a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado. [...] porque um dia vai aparecer alguém que acha que vocês são demais e vai mandar mudanças para o Congresso Nacional. [...] E nós sabemos que a 66 mudança nunca será para mais liberdade, será para mais castramento. Deve-se à independência do Ministério Público, especialmente em relação ao Poder Executivo, a impossibilidade de cerceamento da liberdade de ação de todos os seus membros, porquanto só devem obediência à lei e às suas consciências. Caso contrário, o Presidente da República não teria proferido a ameaça; teria interferido diretamente na continuidade das investigações e ações deflagradas contra aqueles que não pretende ver alcançados pelos longos braços da justiça. O artigo 127 da Constituição Federal (CF) inaugura o capítulo IV do livro que trata das funções essenciais à justiça, estabelecendo que: Art. 127. O Ministério é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuas indisponíveis. Estão aí delimitados os valores cuja defesa compete ao Ministério Público: Ou seja, a função que tenha sido ou venha a ser atribuída ao Ministério Público necessariamente há de evidenciar-se eficaz à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis[...].67 Mais adiante, o autor afirma que afora esses valores sua atividade corre o risco de colidir com outras normas e princípios constitucionais, entre eles o da eficiência e o da responsabilidade dos agentes públicos, que estão na essência do modelo republicano no qual 68 se assenta a estrutura do Estado Brasileiro . 66 ABERTON, José Galvani. Castração da República. Disponível em <http://wwww.aderbalmachado.com.br>. Acesso em: 28 de agosto de 2009. 67 Idem. Parâmetros da Atuação do Ministério Público no Processo Civil em Face da Nova Ordem Constitucional. Atuação. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Procuradoria-Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis. n. 11, jan./abr.2007. pp. 6061. 68 Idem, ibidem. 38 A assertiva justifica-se plenamente, porquanto na colisão de uma norma com outra deve prevalecer a hierarquicamente superior, contrario sensu restará desfigurada a Carta Política. Todo o ordenamento jurídico – ensina Roberto Bobbio – deve constituir uma unidade (pressupõe como base do ordenamento a norma fundamental) e, também, um sistema hierarquizado de normas (totalidade organizada), devendo submeter-se ao poder constituinte que é o poder último, ou, se quisermos, supremo, originário, num ordenamento jurídico. [...] a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento jurídico; em outras palavras, é o 69 fundamento de validade de todas as normas do sistema. As normas fundamentais (constitucionais), por sua vez, necessitam submeter-se ao comando dos princípios gerais expressos ou não, que norteiam determinado ordenamento jurídico, pois eles estão em posição hierarquicamente superior. O constitucionalista Geraldo Ataliba esclarece que Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, das diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser 70 prestigiados até as últimas conseqüências. Bobbio vai mais longe afirmando que não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras [...] se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por 71 que não devam ser normas também eles. O Ministério Público é instituição permanente porque se constitui órgão de manifestação viva da soberania estatal, sendo dinâmico e combativo na defesa da ordem jurídica, da democracia e dos interesses maiores 69 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UNB, 1999. pp. 34, 58 e 62. 70 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. pp. 6-7. 71 In Teoria do ordenamento jurídico. p.158. 39 da sociedade. Exemplo: quando promove ações cíveis e penais.72 E, como instituição permanente, não pode ser retirada do texto constitucional pelo poder constituinte derivado. O Constituinte de 1988 reconheceu ao Ministério Público caráter de órgão permanente, incumbindo-o de zelar pela soberania do Estado Brasileiro ao partir do pressuposto de que o Estado atual é permanentemente compelido a realizar o cidadão na sociedade por ele organizada, reconhecendo-lhe direitos, defendendo seus legítimos interesses, preservando a ordem jurídica e o próprio regime democrático, zelando pela integridade dos interesses sociais e individuais indisponíveis, inclusive promovendo junto ao Judiciário as medidas 73 necessárias e compatíveis a esses deveres. Portanto, o Ministério Público passou a desempenhar o papel de defensor da sociedade, tendo sido sepultada, definitivamente, a época em que realizada a defesa dos interesses dos governantes. O Ministério Público é essencial à função jurisdicional, pois lhe compete agir em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Segundo Mazzilli, ao afirmar-se que o Ministério Público é essencial à jurisdição, se diz menos do que deveria (o Ministério Público tem inúmeras funções exercidas independentemente da prestação jurisdicional, como na fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, no inquérito civil etc.), e, paradoxalmente, se diz mais do que se deveria (pois o Ministério Público 74 não oficia em todos os feitos judiciais). O Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado sempre que estejam em jogo interesses sociais e individuais indisponíveis, ou quando a lei considera sua atuação necessária à defesa do bem-estar social. O texto constitucional sucedeu à mudança que o Ministério Público vinha experimentando com a promulgação do Código de Processo Civil de 197375, que já previa a necessidade de sua atuação na defesa do interesse 72 BULOS, Uadi Lâmego. Constituição Federal anotada. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1119. 73 SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p. 199. 74 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 69. 75 Art. 82, inc. III do CPC. 40 público76. Posteriormente, com a edição da Lei da Ação Civil Pública (LACP) de 1985, que determina a obrigatoriedade de sua participação no processo, como parte da demanda ou guardião da lei, o Ministério Público conseguiu canalizar para si uma das mais radicais transformações do Direito Brasileiro – a introdução dos direitos difusos e coletivos no ordenamento jurídico e dos instrumentos destinados à sua tutela jurisdicional – enquanto o debate jurídico e político que alimentava essa mudança preconizava o fortalecimento da sociedade civil e nutria profunda desconfiança em relação a instituições estatais como o Ministério 77 Público. Com o advento da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de1990 (Código de Defesa do Consumidor), que introduziu o parágrafo terceiro na LACP, estreitou-se ainda mais a relação do Ministério Público com a defesa dos direitos coletivos ou difusos, já que recebeu nova incumbência, a de assumir a autoria da lide em caso de desistência infundada ou abandono da ação pela associação ativamente legitimada. A defesa da ordem jurídica é o objetivo maior da atuação ministerial.Tradicionalmente, o Ministério Público desempenhou a função de fiscal da lei, tendo por objetivo a manutenção da ordem jurídica. A Constituição só fez reforçá-la. Consagrado como fiscal da lei, o Ministério Público deve ter sua destinação compreendida à luz dos demais dispositivos constitucionais que disciplinam sua atividade, sempre voltada para o zelo de interesses sociais e individuais indisponíveis e do bem geral. Por isso, o art. 129, IX, da Constituição veda-lhe exercer outras funções que não sejam compatíveis com sua finalidade, como a representação judicial e a 78 consultoria jurídica de entidades públicas. O fato não impede a ação do Ministério Público enquanto órgão agente. Ao contrário, é especialmente nessa condição que deve realizar a defesa dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, da CF), mesmo que essas finalidades sejam feridas pelos 76 Vide item 3.1. ARANTES, Rogério Bastos. O Ministério Público e a política brasileira. São Paulo: EDUC – Editora da PUC-SP, 2002. p. 24. 78 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 69. 77 41 poderes constituídos. Obedecendo a esses princípios, o STF decidiu no mandado de segurança impetrado pelo Procurador-Geral da República contra ato praticado pelo Presidente da República, que nomeou, para exercício em comissão, Procurador-Geral da Justiça do Trabalho: EMENTA – I - Legitimação ativa do Procurador-Geral da República de impugnar ato do Presidente da República que entende praticado com usurpação de sua própria competência constitucional e ofensivos a autonomia do Ministério Público: análise doutrinária e reafirmação da 79 jurisprudência. Ao atribuir ao Ministério Público a defesa do regime democrático, o Constituinte reconheceu que a instituição somente poderá atingir sua vocação de contribuir com a paz social se estiver inserida num regime de liberdade. Nas palavras de Norberto Bobbio a democracia pode ser definida como o sistema de regras que permitem a instauração e o desenvolvimento de uma convivência pacífica.80 Num estado autoritário, o Ministério Público não disporá de instrumentos legais para buscar o equilíbrio das relações entre o poder público e a sociedade, porquanto o povo não elege seus representantes e não influi na formulação das leis. Embora, num governo autoritário, o Ministério Público possa representar a sociedade na área penal ao promover ações contra homicidas, ladrões, estelionatários, etc., não estará autorizado a agir em favor de interesses individuais indisponíveis, coletivos ou difusos. Estes últimos, no mais das vezes, são violados pelo próprio administrador público, em razão da falta de independência do órgão ministerial. Tampouco o judiciário terá a imparcialidade necessária para decidir. É verdade que em muitos modernos Estados democráticos não existe um Ministério Público forte nem independente; também é verdade que em Estados totalitários é comum que haja um Ministério Público forte para ser usado como instrumento de opressão – mesmo entre nós este recente exemplo não pode ser esquecido. A nosso ver, porém, no primeiro caso, um Ministério Público forte e verdadeiramente independente em nada empeceria as liberdades e as garantias democráticas; ao contrário, contribuiria seriamente para assegurá-las e até ampliá-las. No segundo caso, um Ministério Público forte mas não 79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. MS n. 21.239-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/interiroteor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado>. Acesso em: 28 de agosto de 2009. 80 In O Tempo da memória: de sinete e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p. 156. 42 independente, nada mais seria do que uma volta ao passado, aos agentes do rei, aos agentes do governo ou governantes, passado de que precisa se distanciar, com certeza, o Ministério Público definido pela 81 Constituição de 1988. O Ministério Público é o defensor dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Na área cível, é tradicional a atuação do Ministério Público em favor dos direitos individuais indisponíveis, conceito que inclui direitos dos incapazes e aqueles que dizem respeito ao estado da pessoa. A questão está prevista nos incisos I e II do art. 82 do Código de Processo Civil que fixa a competência do Ministério Público de intervir, como custus legis, nesses casos: quando houver interesse de incapazes e nas ações que versarem sobre o estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade. Tão tradicional e histórica é a intervenção do Ministério Público nos casos que tratem de interesses individuais indisponíveis que no Código Civil de 1916, inciso I do artigo 448, incumbia-lhe promover a interdição nos casos de loucura furiosa. Arantes explicita que as duas funções na esfera cível acima referidas do Ministério Público estão fortemente marcadas pela idéia de uma dupla fragilidade a requerer proteção estatal, respectivamente: a fragilidade do indivíduo incapaz e a fragilidade da sociedade em preservar certos valores e direitos que ela mesma definiu um dia como permanentes e que, exatamente por isso, são fixados como indisponíveis no ordenamento 82 jurídico. Os direitos sociais indisponíveis, cuja defesa incumbe ao Ministério Público, estão enumerados exemplificativamente no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal – meio ambiente e o patrimônio público e social – e na Lei n. 7.347/1985, mais especificamente em seu artigo 1º: do consumidor, bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e qualquer outro direito difuso ou coletivo. O parágrafo 1º do artigo 127 da CF traz os princípios institucionais que regem o Ministério Público, ou seja, da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, que serão tratados oportunamente. 81 82 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 114. Opus cit., p. 26. 43 Já o parágrafo 2º e os seguintes desse mesmo artigo asseguram as tão almejadas autonomias funcional, administrativa e financeira, pleiteadas pela Conamp. Dentre os pontos consignados na Constituição Federal em detrimento das reivindicações contidas na Carta de Curitiba, destacam-se: a posição tipológica do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – arrolado entre os seguimentos do Ministério Público da União –; a denominação do Chefe do Ministério Público – então intitulados Promotores-Gerais de Justiça -, e a forma de escolha dos Procuradores-Gerais de Justiça que, ao invés de serem eleitos diretamente por seus pares, devem integrar lista tríplice encaminhada ao Chefe do Executivo Estadual que, livremente, escolherá quem chefiará a instituição pelo lapso de dois anos, sendo permitida uma só recondução (art. 128, § 3º). O texto constitucional define, ainda, as garantias e as vedações a que estão submetidos os integrantes do Ministério Público. Dentre as vedações inscritas no inciso II, do § 5º, do artigo 128 estão a proibição do exercício da advocacia e de atividade partidária. A proibição de que pessoas estranhas ao quadro funcional do Ministério Público exercessem funções afetas aos integrantes da carreira ministerial, reivindicação da categoria, foi acolhida pelos constituintes (§ 2º do art. 129). O resultado foi a salutar eliminação dos chamados promotores ad hoc83 do processo. A proposta de legitimação exclusiva do Ministério Público para promover inquéritos civis públicos e, não exclusiva, de ações civis públicas (artigo 129, inciso III) também foi vitoriosa. Finalmente, o art. 129 da CF estipula as funções institucionais do Ministério Público: a exclusividade da promoção da ação penal pública; a obrigação de zelar pelo respeito aos poderes públicos e serviços de relevância pública; a possibilidade de instaurar e presidir o inquérito civil público para proteção dos patrimônios público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; a promoção da ação civil pública, sem exclusividade; a promoção da ação de inconstitucionalidade; a defesa das populações indígenas; e o exercício do controle externo da atividade policial. Esse 83 Possibilidade de pessoa estranha aos quadros do Ministério Público ser nomeada para exercer as funções que lhe são privativas. 44 mesmo dispositivo fornece instrumentos para o exercício das funções descritas mediante a expedição de notificações, requisições de documentos, diligências investigatórias e instauração de inquéritos policiais. 2.1.1 CONCEITO O conceito de Ministério Público é quase unânime entre os doutrinadores, ou seja, o mesmo enunciado no art. 127, da CF, O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A definição sustentada por José Frederico Marques (citado por Humberto Theodoro Júnior), pelo seu detalhamento e completude merece transcrição: O órgão através do qual o Estado procura tutelar com atuação militante o interesse público e a ordem jurídica na relação processual e nos procedimentos de jurisdição voluntária. Enquanto o juiz aplica imparcialmente o direito objetivo, para compor litígios e dar a cada um o que é seu, o Ministério Público procura defender o interesse público na composição da lide, a fim de que o judiciário decida secundum jus, ou administre interesses privados, nos procedimentos de jurisdição 84 voluntária. Com observância efetiva e real da ordem jurídica. Por oportuna, registra-se a definição de Júlio Aurélio Vianna Lopes: O Ministério Público é a instituição cuja finalidade é a fiscalização da efetividade das leis. Cabe ao mesmo verificar se a legislação está sendo obedecida e, em caso contrário, provocar (geralmente através do Poder Judiciário) os órgãos do Estado dotados da incumbência de obrigar seu cumprimento. É neste sentido que o Ministério Público promove a aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam presentes nas relações sociais e não apenas nos textos legais. Suas atribuições consistem em investigar e/ou propor às autoridades competentes as medidas adequadas para a correção das situações que infringem as 85 disposições legislativas. 84 MARQUES, José Frederico, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Insolvência civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 131. 85 In O Novo Ministério Público brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 32. 45 Romualdo Flávio Dropa, por outro lado, conceitua o Ministério Público como o conjunto de profissionais do direito devidamente nomeados e que dentro de uma jurisdição estão encarregados de defender os interesses da coletividade nacional que constituem a ordem pública.86 Todos os textos permitem afirmar que o Ministério Público é o defensor do interesse público, o advogado da sociedade. 2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI ORGÂNICA NACIONAL – LONMP Diversamente do que aconteceu em 1981, quando o Ministério Público era regido por Lei Complementar (LC n. 40, de 14 de dezembro de 1981), na atualidade os Ministérios Públicos Estaduais são regidos nacionalmente por Lei Ordinária (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), como decorrência da interpretação do artigo 61, § 1º, inciso II, d, da Constituição Federal87. Quanto ao Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios, é regido pela Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre sua organização, atribuições, e respectivo estatuto. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 1º) expressa o conceito atual do órgão, repetindo o enunciado do caput do art. 127 da CF. Em seu parágrafo único são igualmente repetidos seus princípios institucionais. Os artigos 3º e 4º estabelecem os parâmetros sob os quais se pautam as respectivas autonomia funcional, administrativa e financeira. Os capítulos II e III definem quais são os órgãos de administração, de execução e auxiliares do Ministério Público e detalham a composição e funções de cada um. 86 In O Ministério Público: parceiro do controle social. Disponível em: htpp: //www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/4780/4350. Acesso em: 27 de agosto de 2009. 87 Sem pretensão de entrar no mérito sobre o acerto ou não do entendimento adotado, por fugir ao propósito do presente estudo, remete-se o leitor que deseje obter comentários mais aprofundados em torno do assunto, às obras de Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, p. 52 e de Pedro Roberto Decomain, Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, p. 11. O primeiro é contrário à natureza da LONMP, enquanto o segundo defende o entendimento adotado. 46 O órgão de execução Procuradores de Justiça (art. 7º, inc. III), tem sua competência definida no artigo 31: Cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. Os tribunais à que se refere o artigo são os de Justiça, de Justiça Militar e de Alçada. Merece detida reflexão o fato da mudança de posição processual assumida pelos Procuradores de Justiça, nas ações penais públicas, civis públicas e de improbidade administrativa em que os membros do Ministério Público de primeiro grau atuaram como autores, pois passam a desempenhar a função de custus legis. A indagação que se impõe diante da presente constatação é se o artigo 31 da LONMP autoriza a transmutação ministerial de órgão agente para órgão interveniente? E se a prática não interfere na função social que deve nortear a atuação do Ministério Público, em razão da forma como é tratado constitucionalmente? É evidente que os Procuradores de Justiça têm total autonomia no exercício de suas funções, podendo assumir posições contrárias às defendidas pelos Promotores de Justiça e às sumuladas pelas Procuradorias Cíveis ou Criminais, já que devem obediência unicamente aos fatos contidos nos autos e aos textos legais. Decomain esclarece que as súmulas de orientação jurídica prevalentes nas Procuradorias Cíveis e Criminais, elaboradas segundo o artigo 20, não se revestem de caráter vinculante, segundo, aliás, preceituado pelo próprio artigo. São úteis para orientação dos Procuradores e Promotores de Justiça e dos demais jurisdicionados de modo geral, mas não obrigam eventuais Procuradores 88 ou Promotores de Justiça que delas discordem, a lhes dar acatamento. Contudo, existe respaldo legal para a supressão de uma parte na ação penal pública, bem como naquelas em que o autor seja o Ministério Público de primeiro grau? A presente dissertação pretende responder a esse questionamento, investigando se a missão institucional do Ministério Público de promover o bem-estar social vem sendo atendida pelo seu segundo grau. Necessário conferir se o Ministério Público, como formatado na Constituição Cidadã de 1988, enfrenta a constatação de Bobbio, segundo a qual o grave 88 Opus cit., p. 253. 47 problema de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, mas sim de protegê-los. Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das 89 solenes declarações, eles sejam continuamente violados. As funções dos Procurador-Geral, Procurador e do Promotor de Justiça, do Conselho Superior (órgãos de execução do Ministério Público), são detalhadas no capítulo IV da LONMP. Os nove incisos do art. 25 enumeram diferentes funções do Ministério Público, algumas já previstas na Constituição Federal. Outras são definidas nas Constituições Estaduais, leis orgânicas e leis esparsas, desde que compatíveis com a finalidade da instituição, sendo vedada a representação judicial e a consultoria a quaisquer entidades públicas. A iniciativa da ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais que afrontem às Constituições Estaduais pertence ao ProcuradorGeral de Justiça, segundo dispõe o inciso I, do artigo 29. A Constituição do Estado de Santa Catarina (CE), de 5 de outubro de 1989, no seu artigo 85, inciso VII, seguindo o preconizado na Constituição Federal e na LONMP, atribui ao Procurador-Geral de Justiça, sem prejuízo de outros colegitimados, competência para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) visando anular leis e atos normativos estaduais ou municipais, que contradigam a Constituição Estadual. Mas, inova ao prever que representante do Ministério Público (Promotor de Justiça) também pode aforar ADIN contra leis e atos normativos municipais que entrem em contradição com a Constituição Estadual. A intervenção do Ministério Público nas ADINs que não sejam de sua iniciativa é obrigatória, na condição de custus legis, conforme previsto na determinação do § 1º do artigo 103 da CF e no § 1º do artigo 85 da CE. A mesma obrigatoriedade de intervenção acontece nas arguições incidentais de inconstitucionalidade. 89 In A Era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25. 48 Nesses casos, considerando-se que o Ministério Público foi erigido à categoria de guardião judicial dos dispositivos da Constituição, cumpre lhe seja dada vista dos autos, inclusive durante a tramitação do processo em primeira instância, para manifestação acerca da questão constitucional, ainda quando não se trate de processo incluído dentre aqueles em que, por força de dispositivo legal, seja exigida sempre a sua 90 participação como custos legis (sic). O Ministério Público está, pois, legitimado a arguir incidentalmente a inconstitucionalidade de dispositivo de lei ou norma estadual ou municipal, que firam a CE, tanto nas ações em que for parte, quanto nas que intervier como fiscal da lei. Compete ao Procurador-Geral de Justiça a iniciativa de representação para fins de intervenção do Estado em seus Municípios a fim de assegurar a observância dos princípios indicados na CE ou prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial (art. 25, inc. II, e 29, inc. II, da LONMP e art. 129, inc. IV). Cabe assinalar que a intervenção dos estados nos municípios ou da união nos estados, nos municípios localizados no Distrito Federal ou nos Territórios, são exceções permitidas pelos artigos 34 e 35 da CF. O exercício privativo da ação penal pública incondicionada 91 ou condicionada pelo Ministério Público, previsto no art. 25, inc. III da LONMP e art. 129, inc. I, da Constituição faz parte de sua própria história seja porque nela se encontra uma das raízes históricas da instituição, seja porque por meio dela exerce uma parcela direta da soberania do Estado. É no seu não-exercício que se identifica a única hipótese em que o Ministério Público condiciona o ius (sic) puniendi do Estado 92 Soberano.Todas as demais funções não lhe são privativas. Deve ficar claro que o não exercício do munus de deflagrar a ação penal pública é exclusivo do Ministério Público, quando ele promove o arquivamento fundamentado de inquérito policial ou de peças de investigação que versam sobre crimes, desde que a postulação tenha sido acatada pelo juiz competente ou endossada pelo Procurador-Geral de Justiça. Por outro lado, a simples inércia na propositura da ação penal pública, durante o prazo legal, dá 90 DECOMAIN, Pedro Roberto. Opus cit., p. 253. Para a deflagração de processo penal nas ações penais públicas incondicionadas, o Ministério Público não se submete a qualquer pré-requisito, salvo embasamento dos fatos apurados em peças de investigação. Outros crimes, porém, demandam prévia autorização do ofendido ou de seu representante legal, ou, ainda, do Ministro da Justiça (art. 24, do CPP) são as denominadas ações penais públicas condicionadas. 92 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 130. 91 49 ensejo ao ajuizamento de ação penal privada, conforme preveem os artigos 5º, LIX, da CF e 29, do Código de Processo Penal (CPP). Com todo o respeito que merece Mazzilli, - sem dúvida o maior estudioso da atualidade em assuntos relacionados ao Ministério Público Brasileiro da atualidade - ousa-se acrescentar que, além do não exercício da ação penal pública, também é ação privativa do Ministério Público a instauração e a presidência do inquérito civil público, autorização já prevista no § 1º do art. 8º da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, antes de ser inserida no inciso III do artigo 129 da CF e, posteriormente, no inciso IV do artigo 25 da LONMP. Quando as infrações penais forem consideradas de menor potencial ofensivo, a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, em obediência ao disposto no artigo 98, inciso I, da CF, prevê a possibilidade de o Ministério Público propor transação ou suspensão condicional do processo. A transação penal só é permitida em se tratando de contravenções penais e crimes cujas penas máximas previstas não ultrapassam o tempo de dois anos (art. 61, com a alteração introduzida pela Lei dos Juizados Criminais Federais). Quando os crimes tiverem pena mínima cominada igual ou não superior a um ano, o Ministério Público poderá propor a suspensão condicional do processo desde que, - em ambas as situações – estejam preenchidos os requisitos legais pelo autor do fato em apuração. Cumpre referir, também, que o atual texto constitucional determinou a exclusão de nosso ordenamento jurídico da criticada ação penal ex officio, na qual se confundiam acusador e investigador ou acusador e julgador, já que a ação penal, nas contravenções e crimes de lesões corporais e homicídio culposo, iniciava com uma portaria expedida pela autoridade policial ou pelo juiz (Lei n. 4.611, de 2 de abril de 1965). É função do Ministério Público a promoção da ação civil pública e do inquérito civil público (artigos 58, § 3º e 129, inciso III, da CF e artigo 25, inciso IV, da LONMP) para proteção do meio ambiente, do patrimônio público e social, e de outros interesses difusos e coletivos, bem como interpor ação de responsabilidade civil decorrente parlamentares de inquérito. de infrações apuradas por comissões 50 O inquérito civil público (ICP), instaurado e presidido pelo Ministério Público, permite a coleta de elementos de convicção destinados a lastrear a propositura de ação civil pública, a celebração de termo de ajustamento de conduta, a expedição de recomendação, a requisição de inquérito policial, a requisição de investigações disciplinares e éticas, dentre outras providências. O resultado das investigações também poderá redundar no requerimento de arquivamento do inquérito perante o Conselho Superior do Ministério Público, caso falte comprovação dos fatos que determinaram a deflagração do ICP (art. 30 da LONMP). O ICP objetiva a proteção de interesses coletivos, difusos e individuais indisponíveis e homogêneos, tais como: meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, saúde pública, idosos e direitos humanos. A alínea b do inciso IV do artigo 25 da LONMP, por sua vez, atribui ao Ministério Público legitimidade para aforar ACP com a finalidade de anular ou declarar a nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indireta, fundacional ou de entidades privadas de que participem. O inciso V do artigo 25 da LONMP confere ao Ministério Público a participação, na condição de fiscal do devido cumprimento da lei, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou o grau de jurisdição em que se encontrem os processos. Trata-se de intervenção determinada por lei, como ocorre nas situações previstas no artigo 82 do CPC, nos processos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso, na Lei de Falências, na Lei do Mandado de Segurança, nas ações civis públicas, nas ações de improbidade e inconstitucionalidade, dentre tantas outras, cuja análise será realizada quando se falar sobre a Carta de Ipojuca93. Também compete ao Ministério Público a tarefa de fiscalizar estabelecimentos que abriguem pessoas presas, idosas, crianças e adolescentes, incapazes e pessoas com deficiência (art. 25, inc. VI) a fim de aferir-lhes, não só as condições físicas das instalações, o funcionamento e o cumprimento da legislação pertinente, mas, especialmente, para garantir aos institucionalizados 93 A Carta de Ipojuca/PE, expedida pelo Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, em 13 de maio de 2003, contém orientações referentes à racionalização da atuação dos Membros do Ministério Público na área cível. 51 condições dignas de tratamento e de vida, haja vista a necessidade de dar-lhes maior atenção, em razão da situação vulnerável em que se encontram. O inciso VII do art. 25 deixa ao arbítrio do Ministério Público a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente (natural e do trabalho), do consumidor, da política penal e penitenciária e de outros afetos a sua área de atuação. É totalmente livre a decisão da administração superior do Ministério Público – Procurador-Geral de Justiça, Colégio de Procuradores de Justiça, Conselho Superior ou Corregedoria-Geral – sobre a conveniência e a oportunidade de serem ou não designados Membros do Ministério Público para integrarem esses organismos. Em Santa Catarina, tem sido comum a indicação de Promotores e Procuradores de Justiça para participarem de Conselhos Municipais e Estadual Antidrogas, Direitos das Pessoas com Deficiência e Conselho Penitenciário Estadual, embora os dispositivos legais não possam impor ao Ministério Público a obrigação de integrar esse ou aquele Conselho, porém, nada impede que seja reservada vaga a representante da Instituição, a qual deliberará positiva ou negativamente a respeito. O Ministério Público está autorizado a defender judicialmente o patrimônio público, de ofício, para responsabilizar gestores do dinheiro público condenados por Tribunais e Conselhos de Contas (inciso VII do artigo 25). Os Tribunais de Contas (TCs) são órgãos auxiliares de controle externo do Poder Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cujas atribuições estão alinhadas no art. 71 da Constituição Federal. As áreas objeto de fiscalização dos Tribunais de Contas estão descritas no art. 70 da CF: contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das três esferas de governo e de entidades da administração direta e indireta. Nos Municípios onde não existam Tribunais de Contas, suas contas são fiscalizadas pelos Tribunais de Contas Estaduais.94 Ao julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, valores e bens públicos, da administração direta e indireta, inclusive das fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa à perda, ao extravio ou a 94 A Constituição Federal vigente, no art. 31, § 1º, proibiu a criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais. 52 outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, cabe aos TCs aplicar as sanções previstas em lei, além de multa proporcional ao dano causado ao erário àqueles responsáveis por gastos ilegais. Mas como suas decisões possuem caráter administrativo e não jurisdicional, compete-lhes representar ao Poder competente ou ao Ministério Público sobre as irregularidades ou abusos apurados (inciso XI do art. 71 da CF). Uma vez encaminhada ao Ministério Público a representação, quando necessário, o órgão competente adotará as medidas pertinentes objetivando a responsabilização judicial daqueles que hajam sido condenados pelos Tribunais de Contas a restituírem dinheiro ao erário público.95 Finalmente, o inciso IX do artigo 25 permite que o Ministério Público interponha recursos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), intervenha ele no processo como parte ou custus legis. A natureza das matérias, cuja apreciação compete ao Supremo Tribunal Federal, estão descritas no art. 102 da CF, mediante interposição de recurso ordinário (inciso II) ou extraordinário (inciso III); a competência do Superior Tribunal de Justiça é traçada pelo art. 105 da CF. Quanto aos incisos X e XI do art. 25, que conferiam ao Ministério Público os encargos de receber diretamente da autoridade policial o inquérito por ela realizado, em se tratando de ação penal pública, e o de autorizar a dilação de prazo para conclusão da investigação policial, foram vetados pelo Presidente da República. Todavia, o pleito em favor da desburocratização da tramitação do inquérito policial, com seu recebimento direto, continua fazendo parte da pauta de reivindicações da Conamp, seguidamente reiterado em seus congressos nacionais. Ao Procurador-Geral de Justiça, no art. 29 e incisos, da LONMP, são cometidas especificamente as funções de representar aos Tribunais locais por inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais; representar para fins de intervenção do Estado nos Municípios; representar o Ministério Público nas sessões plenárias dos Tribunais; ajuizar ação penal de competência originária dos Tribunais; determinar o arquivamento de representação, notícia de crime, peças de informação, conclusão de comissões parlamentares de inquérito; delegar a membro do Ministério Público suas funções 95 DECOMAIN, Pedro Roberto. Opus cit., p. 170. 53 de órgão de execução e exercer as atribuições previstas nos incisos II e III do art. 129 da CF, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembleia Legislativa ou os Presidentes dos Tribunais, bem como quando, contra eles, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação. Outras funções institucionais são atribuídas aos órgãos de execução de primeiro grau (Promotores de Justiça), pelo artigo 32, ressalvadas aquelas previstas na CF, na CE, na Lei Orgânica Nacional e demais leis: impetrar habeas corpus; impetrar mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os tribunais locais; atender a qualquer pessoa do povo, tomando as providências cabíveis; oficiar perante a Justiça Eleitoral de primeira instância, com as atribuições do Ministério Público Eleitoral, previstas na Lei Orgânica do Ministério Público da União que lhe forem pertinentes, além daquelas estabelecidas na legislação eleitoral e partidária. Os Promotores de Justiça são órgãos de execução do primeiro grau do Ministério Público que atuam nas diversas comarcas de cada Estado da Federação (primeira instância judiciária). No entanto, o inciso I, do art. 32, abre exceção à regra, legitimando os Promotores de Justiça a atuarem na segunda instância judiciária (Tribunais de Justiça e Tribunais de Alçada), na impetração de habeas corpus e mandado de segurança, bem como de apresentarem requerimento de correição parcial. Podem, inclusive, em causas de alçada nas quais atuem como custos legis, interpor recurso extraordinário. [...] Nesses casos cabe-lhe velar pela perfeita aplicação do Direito ao caso concreto no qual oficie por força de disposição legal. Embora também aí o direito de utilizar-se de todos os recursos disponíveis, segundo a lei processual aplicável à espécie, estivesse implícito nessa razão de ser de sua participação no processo, não é demasia deixar-se claro o seu direito de recorrer também perante 96 o STF e o STJ. Não é raro que um Promotor de Justiça ingresse com habeas corpus (HC) para devolver o direito de ir e vir à(s) pessoa(s) presa(s) fora da situação de flagrância ou sem a devida ordem judicial (art. 5º, inc. LXI, da CF) ou contra Tribunal de Justiça, conforme ilustra o acórdão unânime da 5ª Turma do 96 Idem, ibidem, pp. 255 e 172. 54 STJ, em HC impetrado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, a favor de 53 detentos: HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO LEGITIMIDADE. REMOÇÃO DE PRESOS CONDENADOS DEFINITIVAMENTE. CADEIAS PÚBLICAS. SUPERLOTAÇÃO. ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO ADEQUADO. Detém o Ministério Público, ante o texto constitucional (art. 127) e desde que ocorrente a hipótese prevista no inciso LXVIII, art. 5º da Carta da República, legitimidade ativa ad causam para ajuizar em favor de indiciado, réu ou condenado, a ação penal de habeas corpus. A lei outorga aos pacientes o direito de cumprir pena na penitenciária, mas é certo que nesta inexistem vagas para eles. Inexistindo vagas na penitenciária, caso não permanecessem os pacientes nas delegacias, deveriam ser postos em liberdade, o que afronta a exigência de que cumpram as penas que lhes foram impostas no devido processo legal. Legítima, pois, a constrição. (STF. HC n. 7233-DF, reg. n. 98.0007033-8, 97 5. Turma, rel. Min. Felix Fischer. DJ 11.05.1998). É, igualmente, admissível a impetração de habeas corpus, por membro do Ministério Público de primeiro grau diretamente ao STF, graças à resolução baixada pelo Tribunal de Justiça que alterou competência de órgãos do Poder Judiciário. Como reconhece o acórdão da 2ª Turma do STF, em que foi relatora a Min. Ellen Gracie, proferido no habeas corpus n. 91024-6, do Rio Grande do Norte, em 05.08.2008: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSTULADO DO JUIZ NATURAL. ESPECIALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA (RATIONE MATERIAE). RESOLUÇÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Alegação de possível violação do princípio do juiz natural em razão da resolução baixada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. 2. Reconhece-se ao Ministério Público a faculdade de impetrar habeas corpus e mandado de segurança, além de requerer correição parcial (Lei nº 8.625/93, art. 32, I). A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis (HC 84.056, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 04.02.2005, e o Ministério Público tem legitimidade para impetrar habeas corpus quando envolvido o princípio do juiz natural (HC 98 84.103, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 06.08.2004). 97 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus. Brasília, DF. 11 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/toc.jsp?tipo_visualizaçao=RESUMO&livre=7233&b=AC OR>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus. Disponível em: <http:www.stf.jus.br/portal/jurisprudência./listarJurisprudencia.asp?s1=HC%2091024%20RN&base =baseAcordaos>. Acesso em: 21 de setembro de 2009. 55 Exemplifica a legitimação do Promotor de Justiça para impetrar mandado de segurança diretamente perante o Tribunal de Justiça, a impugnação de ato de Juiz de Direito que violar ou ameaçar violar direito processual do Ministério Público, caso não exista recurso apropriado, ou que não assegurar efeito suspensivo a recurso contra previsão legal. MANDADO DE SEGURANÇA. Promotor de Justiça. Legitimidade para propor mandado de segurança contra ato de Juiz de Direito. (STJ. RMS 8026/SP, 4. Turma, rel. Min. Bueno de Souza, DJ 12.02.2001. p.115)99. O inciso I do art. 32 autoriza, ainda, o Promotor de Justiça a interpor recurso de correição parcial, inclusive perante os tribunais locais competentes. Esse tipo de recurso também é denominado de reclamação e costuma estar previsto nos Códigos de Organização Judiciária dos Estados, como esclarece Decomain. Contrariando essa tendência, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina inovou, inserindo em seu Regimento Interno a previsão do recurso de reclamação, assim consignando: Art. 243. Caberá reclamação de decisão que contenha erro ou abuso, que importe na inversão da ordem legal do processo, quando para o caso não haja recurso previsto. A correição parcial ou reclamação destina-se à insurgência contra decisões de primeira instância para as quais não haja recurso específico previsto em lei. Exemplifica o cabimento da correição parcial a decisão da 3ª Turma da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, prolatada a unanimidade no acórdão 47-4/322 (2008-2639997), da comarca de Goiânia: EMENTA: CORREIÇÃO PARCIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. OPINIO DELICTI. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUERIMENTO DE REMESSA DO INQUÉRIO POLICIAL A OUTRO JUÍZO. Na fase da propositura da ação penal, cabe ao Ministério Público examinar os pressupostos processuais para formação do opinio delicti, não podendo o Juiz decidir sobre a convicção do órgão acusador, tampouco deixar de encaminhar o inquérito ao juízo apontado como competente. CORREIÇÃO PARCIAL 100 CONHECIDA E PROVIDA. (O grifo é nosso.) 99 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=1996007904188&dt_publicaçao+12/02/20 01>. Acesso em: 28 de agosto de 2009. 100 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/exclusividade>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 56 A reclamação n. 2008.007731-1, da Comarca de Lages/SC, relator o Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, de 25 de abril de 2008, é outro exemplo, cujo acórdão é o seguinte: RECLAMAÇÃO INTENTADA CONTRA DESPACHO QUE, APESAR DA MANIFESTAÇÃO DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SENTIDO DIVERSO, DESIGNOU AUDIÊNCIA PARA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – FATOR QUE IMPORTOU EM INVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL – LEI N. 11.340/06 QUE VEDA A APLICABILIDADE DAS BENESSES DA LEI N. 9.099/95 – APLICABILIDADE DO ART. 41 DA LEI “MARIA DA PENHA” 101 – RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. No caso específico do Estado de Santa Catarina, existe outra exceção à regra, que torna legítima a atuação de Promotores de Justiça na segunda instância judiciária. Ela está prevista do art. 85, inc. VII, da Constituição Estadual que, ao lado de outros colegitimados, autoriza o Promotor de Justiça a ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo municipal, que se contraponha às determinações da Constituição Estadual. A legitimidade do representante do Ministério Público prevista no inciso VII do artigo 85 da Constituição Estadual de Santa Catarina foi disciplinada no artigo 99, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 197/2000, que assim dispõe: Art. 99. Cabe aos Promotores de Justiça exercer as atribuições de Ministério Público junto aos órgãos jurisdicionais de primeira instância, competindo-lhes, ainda: III - propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, em face da Constituição Estadual, e a ação de inconstitucionalidade por omissão, em face de preceito da Constituição Estadual, no âmbito dos municípios de sua atuação. Márcia Aguiar Arend e Max Zuffo, no artigo O Promotor de Justiça está legitimado a propor Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal frente à Constituição do Estado de Santa Catarina, assinalam que há certa homogeneidade no tratamento da matéria nas Constituições Estaduais, as quais erigem o Procurador-Geral de Justiça como único órgão de 101 BRASIL. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=&qFrase=&qUma=&qNa o=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=20080077311&qEmenta=&qClasse=&qRelator=Moacyr+de+Moraes+Lima+Filho&qForo=&qOrgaoJulgador=&q Cor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10>. Acesso em: 21 de setembro de 2009. 57 execução do Ministério Público legitimado para ingressar com ADINs contra leis e atos normativos municipais. O Estado de Santa Catarina constitui exceção à concepção homogênea retro indicada, já que a carta constitucional dos catarinenses previu no inciso VII do art. 85, a legitimidade do representante do Ministério Público para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição, além da legitimidade do Procurador-Geral de Justiça já prevista no inciso III do mesmo artigo, reconhecendo-se nesta feliz e sábia posição do constituinte catarinense uma hipótese de legitimidade concorrente 102 disjuntiva. A inédita iniciativa do legislador catarinense permite uma mais célere e eficaz atuação ministerial no controle de constitucionalidade da legislação em vigor nos 293 municípios catarinenses. O quadro estatístico a seguir demonstra a efetividade desse controle diante das ações interpostas pelos Promotores de Justiça (primeiro grau) e pelo Procurador-Geral de Justiça (segundo grau): Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Primeiro grau 13 22 17 45 22 19 13 18 42 20 Segundo grau 93 100 14 22 30 36 33 70 43 21 Total 106 122 31 67 52 55 46 88 85 41* *Dados coletados até o dia 31.07.2009. Fonte: Corregedoria-Geral do Ministério Público de Santa Catarina. Sobre essa questão, o Procurador de Justiça do Estado de Santa Catarina e Professor Universitário Dr. Paulo de Tarso Brandão faz importante observação ao mencionar que, em sendo atribuição prevista constitucionalmente (CE), não só a iniciativa da ação direta de inconstitucionalidade contra lei ao ato normativo municipal cabe ao Promotor de 102 AREND, Márcia Aguiar e ZUFFO, Max. O Promotor de Justiça está legitimado a propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal frente à Constituição do Estado de Santa Catarina. Revista Atuação Jurídica. Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis, ano 4, número 7, p. 71, dezembro de 2001. 58 Justiça, mas, também, o acompanhamento da lide até decisão final. A confirmarse tal posição, seria a única exceção ao art. 31 da LONMP que estabelece ser atribuição dos Procuradores de Justiça atuar junto aos tribunais. Mais, seria a única exceção à afirmação de que os Promotores de Justiça podem postular ao segundo grau e não no segundo grau, especificamente em relação ao órgão de execução de primeiro grau do Estado de Santa Catarina. Uma das atribuições mais relevantes e tradicionais do Membro do Ministério Público é o atendimento a qualquer do povo (art. 32, inc. II). Diariamente acorre aos gabinetes expressivo número de pessoas buscando orientação, efetuando representações e reclamações. A todas o Membro do Ministério Público atende e - nas situações que estejam inseridas em sua área de atuação -, adota as providências cabíveis, quer se insiram na esfera dos direitos individuais disponíveis ou indisponíveis, coletivos ou difusos. Quando a matéria objeto do pedido de orientação, representação ou reclamação que não estiver nos limites das atribuições do consultado, a pessoa deve ser encaminhada para o órgão competente. Afirma-se que o atendimento deve efetuar-se mesmo em se tratando de direito individual disponível, porque o inciso é genérico, não faz qualquer restrição. É por intermédio do contato diário com a população e suas instituições (associações, conselhos, sindicatos, etc.) que o membro do Ministério Público toma conhecimento de seus problemas e anseios para melhor representálas e melhor agir no cumprimento de sua missão constitucional, de modo a assegurar a concretização dos legítimos interesses e combater irregularidades e abusos de que padecem para assegurar as garantias e interesses coletivos e sociais, além dos individuais indisponíveis que, pela sua natureza, têm caráter de ordem pública. Sendo o Ministério Público uma instituição democrática, incumbida da defesa dos direitos individuais e sociais indisponíveis, é primordial que mantenha um canal aberto de comunicação com a sociedade que representa, sendo o mais apropriado a escuta ativa das pessoas que o procuram com fatos concretos para enfrentar. Não há como se admitir que o membro do Ministério Público, dentro da moldura que a CF/88 deu à instituição, proceda como mero burocrata, manifestando-se como parecerista nos processos e exercendo o papel de 59 acusador sistemático. É necessário que estabeleça inteiração com a comunidade que representa e com ela se sintonize, participando de atividades comunitárias e sensibilizando-se com as mazelas que a assolam. Só assim obterá respeito e confiança, pois a força da lei, por si só, não se mostra suficiente para tais conquistas. O Constituinte deixou clara a preocupação de que o Membro do Ministério Público não pode se descurar de estabelecer uma concreta integração com a comunidade, participando de seu dia-a-dia - para que tal vivência sirva para nortear suas ações - ao obrigá-lo a residir na comarca da respectiva lotação (§ 2º do art. 129 da CF). Apenas em situações excepcionais e mediante autorização é que ele poderá residir fora da área de abrangência da comarca, em qualquer um dos municípios que a compõe. A previsão constitucional insculpida no art. 129, § 2º nada mais é do que simples positivação de uma necessidade lógica-fundamental natural concernente ao representante do Parquet – afinal, não se pode admitir, jamais, um promotor (bem como um juiz) cumprindo sua função profissional senão engajado na sua sociedade, e, para tanto, é 103 imprescindível residir nela. O capítulo V da LONMP enumera as atribuições dos Centros de Apoio Operacionais, Comissão de Concurso, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, órgãos de apoio administrativo e estagiários, todos órgãos auxiliares das atividades funcionais do Ministério Público. As principais garantias reservadas aos integrantes do Ministério Público são: a) a vitaliciedade após dois anos de exercício da função, quando não mais poderá perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; b) a inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, e, c) a irredutibilidade de vencimentos (artigo. 38, incisos I, II e III, capítulo VI, da LONMP). Essas garantias também estão previstas nos itens a, b e c, do inc. I, § 5º, do art. 128 da CF). 103 FARIAS, Cristiano Chaves de. A Função social do Promotor de Justiça e a necessidade de residir na comarca. Disponível em: <http://.raul.pro.br/artigos/pjresid.htm>. Acesso em: 28 de agosto de 2009. 60 Ainda do capítulo VI da LONMP constam, exemplificativamente, as prerrogativas dos membros do Ministério Público, enumeradas nos artigos 40, 41 e 42 que, na visão de Mazzilli, são os privilégios, as vantagens e as imunidades funcionais. Nem toda a prerrogativa é garantia. As prerrogativas são distinções ou vantagens que se ligam ao cargo; já as garantias são da pessoa, do órgão, do ofício ou da Instituição, para assegurar o exercício funcional. Assim, por exemplo, o uso de vestes talares e insígnias é prerrogativa, mas não é 104 garantia; a independência funcional, sim, é uma garantia. Os deveres e vedações, os vencimentos, vantagens e direitos e a carreira dos membros do Ministério Público são tratados nos capítulos VII, VIII e IX da LONMP. 2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE E SUA LEI ORGÂNICA Existem peculiaridades da estruturação e das atribuições conferidas aos diversos órgãos do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A Lei Complementar n. 197, de 13 de julho de 2000, veio a lume 12 (doze) anos depois de promulgada a Carta Magna vigente e 7 (sete) anos após a edição LONMP, por iniciativa do então Procurador-Geral de Justiça, José Galvani Alberton, conforme facultava o art. 2º da LONMP. Uma vez promulgada a LC n. 40/1981, o Ministério Público Catarinense viu-se obrigado a adaptar-se à uniformização por ela determinada, já que antes de sua vigência os Ministérios Públicos Estaduais estavam organizados de diferentes formas. A primeira mudança na legislação catarinense operou-se por meio da Emenda Constitucional n. 15 que, entre outras providências, as garantias de estabilidade e inamovibilidade aos integrantes do Ministério Público. Seguiu-se a promulgação da lei complementar estadual n. 17/1982 (Lei Orgânica do Ministério Público), que o organizou, desvinculando-o da representação da Fazenda Pública Estadual em juízo. Foi a partir de 1982 que o Ministério Público iniciou a caminhada que o separou do Poder Executivo e 104 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 93. 61 permitiu que estruturasse seu próprio quadro de servidores, até então inexistente, de acordo com Brüning.105 O Ministério Público Catarinense precedeu os demais congêneres Estaduais na discussão de seu papel perante a sociedade. Em 1982, realizou a II Conferência Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e o XXIII Encontro Estadual do Ministério Público que teve por tema central A dimensão social do Ministério Público. As teses aprovadas no evento foram publicadas em revista de igual nome. Segundo o Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, Dr. João Carlos Kurtz, que redigiu a apresentação da revista, a proposta do Encontro era analisar e definir fórmulas e procedimentos capazes de orientar o seu potencial de serviços em favor da coletividade.106 Dois anos depois (1984), criou-se o Departamento Estadual do Consumidor (Decom), primeira instituição nacional a atuar na defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos do consumidor, alcançando considerável sucesso na composição extrajudicial de conflitos. Segundo Brüning, das 597 reclamações registradas naquele ano, 468 foram solucionadas sem necessidade de recorrer ao Judiciário.107 Encorajados por essa experiência, que perdurou até 1987, outros Ministérios Públicos criaram, em sua estrutura, órgãos semelhantes. Muitos foram os contratempos surgidos no seio do Ministério Público de Santa Catarina ante a demora em instituir sua lei orgânica. Organizado nos moldes da LC n. 40/1981, sua estrutura ficou defasada em 12 (doze) anos com relação à CF e à LONMP, demandando improvisação para poder atender às novas determinações constitucionais e sua regulamentação. A recusa de recebimento de recurso interposto por Promotor de Justiça, candidato mais antigo inscrito à remoção por antiguidade, em razão de o órgão competente para recebêlo e examiná-lo ainda não estar criado, é um exemplo disso. A LC n. 197/2000 possui 279 artigos e 3 livros: o primeiro livro trata da autonomia, da organização e das atribuições do Ministério Público, sendo subdividido em 3 títulos: autonomia do Ministério Público; sua organização 105 Opus cit., p. 219. KURTZ, João Carlos. A Dimensão social do Ministério Público. Anais da II Conferência Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e XXIII Encontro Estadual do Ministério Público. Procuradoria-Geral de Justiça de Santa Catarina e Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis, p. 13, set. 1982. 107 Opus cit., p. 223. 106 62 e o terceiro suas atribuições. O segundo livro diz respeito ao estatuto do Ministério Público e tem 4 títulos: a organização da carreira; as substituições; os deveres, impedimentos, direitos, garantias e prerrogativas específicas e, finalmente, o quarto título dispõe sobre o regime disciplinar. O terceiro livro registra as disposições transitórias. A primeira grande novidade instituída pela LC n. 197/2000 foi prever (no art. 7º, inc. V) seu órgão de execução, a Coordenadoria de Recursos, encarregada de deduzir razões de inconformismo das decisões do Tribunal de Justiça perante os tribunais superiores. Sendo dos Procuradores de Justiça as atribuições residuais para atuarem junto aos tribunais, quando não cometidas ao Procurador-Geral (art. 31, LONMP), a legitimidade da Coordenadoria de Recursos foi contestada, com freqüência, sob o argumento de violação do princípio do promotor natural. A competência da Coordenadoria de Recursos, chefiada por um Procurador de Justiça, está prevista no art. 98 da LC n. 197/2000: Art. 98. Compete à Coordenadoria de Recursos: I – interpor recursos judiciais, inclusive aos Tribunais Superiores, sem prejuízo concorrente de outros órgãos do Ministério Público; .............................................................................................................. III – pugnar pela defesa das teses jurídicas de interesse da Instituição sempre que debatidas em recursos interpostos por seus órgãos ou pelas partes; Após idas e vindas de decisões judiciais pró e contra a legitimidade de atuação, firmou-se o entendimento de que, havendo previsão, na lei orgânica, de criação do órgão, não há ofensa ao princípio do promotor natural. Ilustra a afirmação a decisão proferida em sede de recurso especial: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL, LEGITIMIDADE POSTULATÓRIA DA COORDENADORIA DE RECURSOS PARA SUBSCREVER PETIÇÃO RECURSAL NO LUGAR DO PROCURADOR DE JUSTIÇA QUE ATUOU NO FEITO. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. A ofensa ao princípio do Promotor Natural verifica-se em hipóteses que presumem a figura do acusador de exceção, lesionando o exercício pleno e independente das atribuições do Ministério Público, o que não ocorre nos autos. A atuação ministerial pautada pela própria organização interna, com atribuições previamente definidas em Lei Orgânica do Ministério Público estadual, não configura violação ao Princípio do 63 Promotor Natural (Precedentes). Recurso provido. (STJ RE nº 904.422 108 – SC (2006/0258071-3), 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer. Outro acréscimo foi realizado no art. 8º que incluiu a Secretaria-Geral do Ministério Público como órgão auxiliar. Nesse mesmo artigo figuram os Centros de Apoio Operacional, destinados a estimular a integração e o intercâmbio entre os órgãos de execução que atuem na mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns: remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos órgãos ligados à sua atividade e estabelecer intercâmbio permanente com entidades e órgãos públicos e privados que atuem em áreas afins. O Conselho Superior do Ministério Público de Santa Catarina tem caráter híbrido, pois a LC n. 197/2000, nos arts. 5º, inciso III, 7º, inciso III e 23, consideram-no tanto órgão da administração superior como de execução. É composto por 9 membros, sendo dois permanentes (ProcuradorGeral de Justiça e Corregedor-Geral) e outros 7 eleitos pelo primeiro grau e pelo Colégio de Procuradores. Tem várias atribuições, dentre as quais se destacam as de decidir sobre: a) a movimentação na carreira dos membros do Ministério Público (processos de promoção e remoção); b) o vitaliciamento de Promotores Substitutos; c) os recursos interpostos sobre o resultado final de concurso de ingresso na carreira do Ministério Público, em última instância; d) deliberar sobre instauração de sindicância; e) eleger os membros da Comissão de Concurso; f) opinar sobre o afastamento da carreira; g) autorizar afastamento para frequentar cursos ou seminários de estudo no exterior; h) rever os pedidos de arquivamento de inquéritos civis ou peças de informação; e i) sugerir ao Procurador-Geral a expedição de recomendação (sem caráter vinculativo) de medidas a serem adotadas pelos órgãos do Ministério Público. O mesmo caráter híbrido referido é atribuído ao Colégio de Procuradores de Justiça, integrado por todos os membros do segundo grau de Jurisdição. São suas principais atribuições: a) convocar eleição para ProcuradorGeral de Justiça; b) eleger e destituir o Corregedor-Geral; c) aprovar a proposta orçamentária anual; d) eleger seus representantes no conselho superior – em 108 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http:/www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/toc.jsp?tipo_visualizaçao=RESUMO&livre=904422&b=A COR>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 64 número de 4 (2 titulares e 2 suplentes); e) dar posse ao Procurador-Geral de Justiça e ao Corregedor-Geral do Ministério Público; e f) propor ao ProcuradorGeral a criação de cargos e serviços auxiliares, modificações na lei orgânica e providências relacionadas ao desempenho das funções institucionais (arts. 5º, inciso II e 7º inciso II). Atualmente o Ministério Público Catarinense conta com os seguintes Centros de Apoio Operacionais: Infância e Juventude; Cidadania e Fundações; Moralidade Administrativa; Ordem Tributária; Controle de Constitucionalidade; Criminal; Meio Ambiente, Consumidor e Informações e Pesquisas. Para cada um dos Centros de apoio existe um Conselho Consultivo, composto de 7 Promotores de Justiça, que têm a função de discutir matérias e programas afetos ao respectivo Centro (esse Conselho também não encontra similar nos Ministérios Públicos de outros estados). O órgão de execução Procurador-Geral de Justiça em Santa Catarina divide suas atribuições com o Subprocurador para Assuntos Jurídicos e o Subprocurador Administrativo, reunidos na Subprocuradoria-Geral, estes últimos livremente escolhidos pelo primeiro. Já o Corregedor-Geral do Ministério Público conta com a colaboração de um Subcorregedor. Tanto o ProcuradorGeral como o Corregedor-Geral podem indicar assessores dentre os Promotores de Justiça da mais elevada entrância ou Procuradores de Justiça, os quais serão designados pelo primeiro (art. 18, inc. XX, letra g e art. 39). Outra inovação do Ministério Público Catarinense é o Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais (CCPPI) que possui 16 membros, entre titulares e suplentes. Um representa o segundo grau e os demais 7 regiões do Estado. Sua missão é assessorar o Procurador-Geral de Justiça, apresentando sugestões para elaboração do Plano Geral de Atuação, bem como manifestar-se, quando convocado, sobre matéria de interesse institucional. Por fim, foi criada em 2004 a Ouvidoria do Ministério Público, órgão auxiliar destinado a contribuir para a melhoria dos padrões de transparência e presteza das atividades desenvolvidas pelos órgãos, membros e servidores.109 109 Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 65 2.4 OS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA INDEPENDÊNCIA, UNIDADE E INDIVISIBILIDADE As garantias asseguram o princípio da independência funcional aos membros do Ministério Público (art. 129, § 1º, CF) para que possam exercer tranquila e livremente seus misteres, sempre que condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro desequilíbrio nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, incapazes em geral – todos estes, entre outros, sofrem algum tipo de limitação fática ou jurídica. É evidente que nem por serem pobres, incapazes ou deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição do discrímen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão. Contudo, o que ocorre efetivamente é que, mesmo quando tenham razão, muralhas verdadeiramente intransponíveis muitas vezes se 110 erguem entre eles e seus interesses mais legítimos. A garantia da independência alcançada pelos membros do Ministério Público não se justifica, unicamente, pelos interesses dos vulneráveis socioeconomicamente que defende. Ela é mais necessária quando deve agir em detrimento de interesses de pessoas poderosas e influentes. Nada deve obstar o desempenho das tarefas que lhe são afetas, nem mesmo o discurso intimidador do Presidente da República já transcrito, ou as recentes declarações do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Gilmar Mendes – na cerimônia de posse do novo Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Gurgel –, procurando imputar ao Ministério Público a morosidade do judiciário brasileiro. Cabe insistir no fato de a CF assegurar, a Promotores e Procuradores de Justiça, no desempenho de suas funções, total independência e autonomia. Por isso ficam adstritos ao cumprimento das Constituições (Federal e Estaduais), às leis e às próprias consciências. Nem os atos normativos de órgãos superiores da instituição podem obrigá-los, quando disserem respeito ao que devam ou não fazer. Estamos a referir-nos aqui à plena liberdade no exercício da atividade-fim (se, p. ex., é caso de dar ou não denúncia, 110 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. pp. 376-377. 66 se é caso de pedir condenação ou absolvição ou de recorrer ou não), 111 neste ponto é irrestrita a liberdade funcional. Nem o Judiciário pode exigir qualquer atitude do Ministério Público, pois ele é totalmente independente da Magistratura: Entre o juiz e o promotor de justiça, existem relações de ordem processual tão-somente. Não cabe ao magistrado judicial dar ordens ao Ministério Público no plano disciplinar e da jurisdição censória. Os vínculos que se formam entre o Judiciário e o Ministério Público, numa relação processual, derivam apenas das normas que regulamentam os atos processuais e disciplinam, juridicamente, a ordem do juízo ou 112 instância.” A única subordinação que existe entre os Membros do Ministério Público é de ordem administrativa e diz respeito às atividades-meio, normalmente disciplinadas por atos, portarias, instruções emanadas do Procurador-Geral, Corregedor-Geral e outras autoridades administrativas da instituição. São exemplos das denominadas atividades-meio: determinações para a) enviar relatórios mensais da Promotoria ou Procuradoria de Justiça, b) comunicar ajuizamento de certos tipos de ações, c) efetuar avaliação de servidores, estagiários e bolsistas lotados no órgão de atuação, d) comunicar afastamento da comarca, etc. O princípio da independência funcional opõe-se, pois e precisamente, ao princípio da hierarquia.113 As características próprias do Ministério Público e os princípios institucionais da independência administrativa e autonomia funcional consagrados na CF impedem que a um Promotor ou Procurador de Justiça sejam impostas quaisquer restrições ou procedimentos no exercício de suas funções. O Procurador-Geral de Justiça, o Conselho Superior, o Corregedor-Geral, os Procuradores de Justiça e os Centros de Apoio Operacionais podem expedir recomendações, orientação, informações técnico-jurídicas e atos normativos, relacionados aos Promotores de Justiça, mas sem caráter vinculativo (fica a critério de cada um segui-los), conforme consta dos artigos 10, inciso XII; 15, inciso X; 17, inciso IV; 33, incisos II e V da LONMP. Sauwen Filho faz oportuna observação sobre o assunto: 111 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 202. MARQUES, José Frederico. Opus cit., p.175. 113 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 203. 112 67 O que não se pode, contudo, admitir é a imposição a um membro do Ministério Público, no exercício de suas funções, por órgão da Administração Superior ou qualquer outra autoridade estatal, de um comportamento em relação à determinada matéria cuja solução dependa 114 de sua convicção. No art. 127, § 1º, da CF estão previstos os princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade que também são reproduzidos pela LONMP. Unidade significa que o Ministério Público, na Constituição Federal, é considerado um só órgão, sob a direção de uma única chefia. O princípio da indivisibilidade quer dizer que os membros do Ministério Público de cada um dos ramos (Federal, Trabalho, Militar, Distrito Federal e Territórios e Estados) podem ser substituídos uns pelos outros, segundo a forma prevista em lei. Completando essas determinações, Mazzilli ressalta que não há unidade ou indivisibilidade entre membros de Ministérios diversos; só há, dentro de cada Ministério Público, e, assim mesmo, apenas dentro do limite da lei.115 2.5 O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL Numa visão retrospectiva do Ministério Público, Geraldo Batista de Siqueira, no artigo Promotor ad hoc e o princípio do promotor natural116, referindo-se à tese de Paulo Cézar Pinheiro intitulada O Ministério Público no processo civil e penal, afirma que a Constituição Federal de 1967 (art. 153, § 4º), a exemplo da ora vigente que proíbe a existência de tribunais de exceção, nega também a base de sustentação jurídica ao chamado promotor ad hoc, que seria o promotor de exceção. Mais adiante, lembra que os tribunais, embasados no art. 2º da LC n. 40/1981, passaram a admitir a presença do promotor natural, em qualquer etapa da relação processual, exemplificando com o 114 Opus cit., p. 213. In Introdução ao Ministério Público. p. 71. 116 SIQUEIRA, Geraldo Batista de. Promotor ad hoc e o princípio do promotor natural. Ciência jurídica – 67, p. 34, jan/.fev. 1996. 115 68 acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatado pelo Des. Marcos Elias de Freitas Barbosa: através dos princípios institucionais do Ministério Público, previstos pelo art. 2º da Lei Complementar nº 40/81, consistente na sua “unidade, indivisibilidade e autonomia funcional”, limites foram impostos aos Poderes do Procurador-Geral de Justiça que não poderá, destarte, através de mera portaria, fazer pura e simples designação de um Promotor para o lugar ou para as funções de outro, salvo se para o 117 desempenho de funções administrativas ou afetas à instituição. O art. 93 da LC n. 02/1990, de 12 de novembro de 1990, do Estado de Sergipe adota o mesmo entendimento ao dispor que: Nenhum membro do Ministério Público poderá ser afastado do desempenho de suas atribuições, nos procedimentos em que oficie ou deva oficiar, exceto por motivo de interesse público ou, por 118 impedimentos decorrentes de férias, licença ou afastamento. Embora os tribunais caminhassem para um entendimento único quanto à impossibilidade de nomear-se promotor ad hoc, sob a égide da LC n. 40/1981, ainda vigorava, nessa época, a ação penal ex officio, iniciada mediante portaria ou auto de prisão em flagrante expedidos por magistrado ou delegado de polícia, numa afronta à imparcialidade que deve nortear a atuação judicial. O magistrado, ao dar início à ação penal mediante portaria, assumia duplo papel, de acusador e julgador, situação esdrúxula que representava exceção ao exercício da acusação pelo Ministério Público. Tanto foi contestada essa autorização anômala da Lei n. 4.611/1965, que o STF se viu obrigado a editar a Súmula n. 601, de 17 de outubro de 1984, com o seguinte teor: Os artigos 3º, II e 55 da Lei Complementar 40/1981 (Lei Orgânica do Ministério Público) não revogaram a legislação anterior que atribui a iniciativa para a ação penal pública, no processo sumário, ao juiz ou à 119 autoridade policial, mediante portaria ou auto de prisão em flagrante. 117 Idem, ibidem. BRASIL. Lei Complementar. Disponível em: <http://www.mp.se.gov.br/3%20legislação/Institucional/Lei%20Complementar%20nº%200021990%20-%20Lei%20Orgânica%20do%20MP%20Sergipe%20%20Alterada%20e%20Consolidada.pdf>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 119 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 601 de 17 de outubro de 1984. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(601.NUME.)%20NAO%20 S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 1º de setembro de 2009. 118 69 Superada, definitivamente, a fase da ação penal pública ex officio com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – que, como se viu, reserva ao Ministério Público a exclusividade da penal pública (art. 129, inc. I) –, surge, no HC n. 67.759-2/RJ, de 1990 (DJ de 1º de julho de 1993), a discussão sobre a existência do princípio do promotor natural. Antes de ater-se às posições defendidas pelo Ministro Celso de Mello (relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio de Mello, Carlos Velloso e Sydney Sanches, de um lado, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves, de outro, comenta-se o surgimento e conceituação do princípio do promotor natural. Ao lado de Sérgio Demoro Hamilton, Jaques de Camargo Penteado e Paulo Cézar Pinheiro, Mazzilli defendia, de forma precursora, ainda em 1976, o princípio do promotor natural, com base nas garantias da independência e inamovibilidade do Membro do Ministério Público, explicitando que a inamovibilidade liga-se ao exercício das funções do promotor, e não à sua presença física na Promotoria. Sustentava ainda, em decorrência, que o poder de designação do procurador-geral não pode sobrepor-se às garantias do órgão do Ministério Público nem sobrepor-se à discriminação de atribuições previstas em lei. Com a edição da Carta Constitucional de 1988 passou, também, a correlacionar o princípio do promotor de justiça natural com o princípio constitucional de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, consagrado direito fundamental inscrito no art. 5º, inc. LIII, da CF. A autoridade competente para promover a ação penal pública é o Ministério Público: vemos que o princípio do promotor natural hoje faz parte do devido processo legal. Sob este prisma, a norma do art. 5º, LIII, da Constituição Federal, a nosso ver, deve também ser considerada, a um só tempo, o princípio do juiz e do promotor com competência e atribuição legal para 120 oficiarem no caso. Bruno Amaral Machado concorda com a primeira parte da posição de Mazzilli e, depois de conceituar inamovibilidade, afirma que Tal garantia ao membro do MP corresponde ao princípio do ‘promotor natural’, que integra o devido processo legal, vedando o ‘acusador de 120 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 204. 70 exceção’. Não se impede a designação de membro do MP para atuação em processos determinados, desde que seja respeitada exigência legal previamente estabelecida. Em outras palavras, caso existam critérios de 121 substituição. Celso Quintella Aleixo, por sua vez, defende a segunda parte da posição de Mazzilli – fundada no art. 5º, inc. LIII, da CF. Asseverando que o princípio do promotor natural significa que as funções relativas à determinada promotoria necessitam ser estabelecidas prévia e impessoalmente e que, uma vez definidas, não podem ser retiradas, salvo se houver mudança de atribuições devidamente aprovadas pelo Colégio de Procuradores de Justiça, em processo administrativo específico. Ou seja, ninguém pode escolher quem será o Promotor que irá processá-lo, ou o que irá participar do julgamento de seus processos. Na sequência, explícita: A necessidade da existência do princípio é a mesma do princípio do juiz natural: evitar que haja o Promotor de exceção, ou de encomenda, constituído para um caso específico. O Ministério Público, quando atua como parte, embora formalmente parcial, é materialmente imparcial. Embora processualmente ele possa ocupar o pólo ativo da relação processual, do ponto de vista do direito material o Ministério Público é imparcial, pois somente tem comprometimento com o interesse da sociedade, que pode ou não ser contrário ao interesse daquele que ocupa o pólo passivo no processo. É por isto que o Promotor pode lutar, inclusive através de recursos, pela improcedência de um pedido contido 122 em uma ação que ele mesmo deflagrou. (O grifo é nosso.) Para Vladimir Stasiak, a previsão constitucional da inamovibilidade e da independência funcional, como princípios institucionais do Ministério Público, assegura a existência do promotor natural, conceituando-o como aquele com atribuições legais para atuar em determinada causa, que tenha ingressado na carreira por meio de concurso público, e que não tenha sido designado para um caso específico.123 (O grifou é nosso.) Já Lopes atribui a teoria do promotor natural à inexistência de hierarquia funcional entre os membros do Parquet.124 121 Opus cit., p.134. In Uma Nova Perspectiva sobre a nomeação do Procurador-Geral de Justiça e o princípio do Promotor Natural. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, n. 20, p. 52, jul/dez. 2005. 123 In O Princípio do promotor natural e sua relevância na administração da justiça. Revista dos Tribunais. vol. 771, p. 495, jan. 2000. 124 Opus cit., p. 163. 122 71 No artigo Reflexões em torno do princípio do promotor natural, publicado na Revista de Assuntos Criminais, da Procuradoria-Geral da República, o Procurador da República Claudio Lemos Fonteles (ex-ProcuradorGeral) entende que o princípio do promotor natural não está radicado na inamovibilidade, mas na independência funcional. Ele não vê incompatibilidade entre o princípio do juiz e o do promotor natural, frente ao disposto no inciso LIII do artigo 5º da CF. Fonteles repete a posição assumida nos autos do habeas corpus do Rio de Janeiro acima mencionado, no qual se discutia a viabilidade ou não de o Procurador-Geral de Justiça daquele Estado designar Promotor de Justiça para acompanhar todos os inquéritos policiais que dissessem respeito à operação bandeja, destinada a reprimir o tráfico de drogas. Ele endossa, ainda, o significado que dá à expressão Paulo Cézar Pinheiro Cardoso, Membro do Ministério Público Carioca: A teoria do promotor natural ou legal, como anteriormente afirmado, decorre do princípio da independência, que é imanente à própria instituição. Ela resulta, de um lado, da garantia, de toda e qualquer pessoa física, jurídica ou formal que figure em determinado processo que reclame intervenção do Ministério Público, em ter um órgão específico do parquet atuando livremente com atribuição predeterminada em lei, e, portanto, o direito subjetivo do cidadão ao Promotor (aqui no sentido lato), legalmente legitimado para o processo. Por outro lado, ela se constitui também como garantia constitucional do princípio da independência funcional, compreendendo o direito do Promotor de oficiar nos processos afetos ao âmbito de suas atribuições. Este princípio, na realidade, é verdadeira garantia constitucional, menos dos membros do parquet e mais da própria sociedade, do próprio cidadão, que tem assegurado, nos diversos processos em que o MP atua, que nenhuma autoridade ou poder poderá escolher Promotor ou Procurador específico para determinada causa, bem como que o pronunciamento deste membro do MP dar-se-á livremente, sem qualquer 125 tipo de interferência de terceiros. Independentemente de onde se vincule o surgimento do princípio do promotor natural (que também alguns chamam de promotor legal), se na garantia da inamovibilidade ou na da independência, ou do juiz natural, ou das três hipóteses em conjunto, é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que consagra sua existência para evitar designações arbitrárias que visem atender interesses outros que não o cumprimento da lei e o do 125 CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro. Ministério Público no processo civil e penal: o promotor natural – atribuição e conflito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 50. 72 convencimento pessoal de cada membro da instituição, regular e previamente investido em atribuições expressamente definidas. Conclui-se, então, que promotor natural é aquele membro do Ministério Público com atribuições legais para atuar em determinadas matérias, que não pode ser afastado do exercício de suas funções, por órgão da Administração Superior ou qualquer outra autoridade estatal, salvo com seu consentimento. Com certeza, muito mais precisa e abrangente é a conceituação de Carneiro, in verbis: O Princípio do promotor natural pressupõe que cada órgão da instituição tenha, de um lado, as suas atribuições fixadas em lei e, de outro, que o agente, que ocupa legalmente o cargo correspondente ao seu órgão de atuação, seja aquele que irá oficiar no processo correspondente, salvo as exceções previstas em lei, vedado, em qualquer hipótese, o exercício das funções por pessoas estranhas aos quadros do parquet. Todo e qualquer ato do Procurador-Geral que contrarie tal princípio, ainda que editado com aparência de legalidade como designações, avocação, delegação e formação de grupos especiais, é absolutamente nulo, incapaz de produzir qualquer tipo de efeito e sujeito a medidas legais que visem ao restabelecimento da observância do princípio do 126 promotor natural, Voltando à decisão do STF no HC 67.759-2/RJ, de 1990, publicada no Diário da Justiça de 1º de julho de 1993, os Ministros Celso de Mello (relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio de Mello e Carlos Velloso posicionaram-se a favor da existência do promotor de justiça natural. A divergência entre eles consistiu no entendimento do Min. Celso de Mello que, embora admitindo sua existência constitucional, sustentava que ele só se tornaria efetivo após a edição de lei infraconstitucional, enquanto os outros três sustentavam sua imediata aplicabilidade. Por seu turno, o Ministro Sidney Sanches não aceitava que a Constituição contivesse, explicita ou implicitamente, o princípio do promotor natural, só reconhecendo a possibilidade de sua instituição mediante lei. Já os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira rejeitaram, simplesmente, a existência do princípio. Das acalentadas discussões desenvolvidas na Suprema Corte de Justiça do país, resultou acórdão assim ementado: 126 Idem, ibidem, p. 51. 73 ‘HABEAS CORPUS’ – MINISTÉRIO PÚBLICO – SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS – A QUESTÃO DO PROMOTOR NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR INOCORRÊNCIA – CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO CARACTERIZADO – PEDIDO INDEFERIDO. O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente de seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas de independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso. Divergência apenas quanto à aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade de interpositio legislatoris para o efeito de atuação do princípio (Ministro Celso de Mello); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso). Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro Sidney Sanches). Posição de expressa rejeição desse princípio consignada nos votos dos Ministros Paulo Brossard, Octavio Galotti, Néri da Silveira e Moreira 127 Alves. O disciplinamento legal a que se referiam os Ministros Celso Mello e Sidney Sanches veio antes mesmo da publicação do acórdão em destaque, embutido na Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (LONMP), que em seu art. 10, inciso IX, letras f e g, limita a possibilidade do Procurador-Geral de Justiça designar membros do Ministério Público às hipóteses de: f) assegurar a continuidade dos serviços, em caso de vacância, afastamento temporário, ausência, impedimento da suspensão do titular de cargo, ou com consentimento deste; g) por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público. 127 FONTELES, Claudio Lemos. Reflexões em Torno do Princípio do Promotor Natural. Revista de Assuntos Criminais. Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão. pp. 80-81. 74 Portanto, afora os casos de indeferimento de arquivamento de inquérito policial, peças de informação ou inquérito civil, só é permitido ao Procurador-Geral de Justiça substituir Promotor ou Procurador de Justiça no exercício de suas funções processuais: a) se ele concordar em ser substituído; b) quando a decisão for previamente confirmada pelo Conselho Superior do Ministério Público. Glauber S. Tatagiba do Carmo, Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, fornece pertinente conclusão ao tema: Ora, os arts. 5º, LIII; 127, § 2º e 128, § 5º, I, b da Constituição Federal e os arts.10, IX, g; 15, VIII; 24; 33, V, entre tantos outros da LONMP, são regras embebidas pelo Princípio do Promotor Natural. Todas elas possuem um sentido nuclear: o de que não é possível extirpar as atribuições de um órgão de execução ou substituir um membro da instituição titular de um órgão de execução por outro, salvo exceções 128 expressas. Prevê o artigo 10, inciso IX, d, da Lei n. 8.625/1993, que o Procurador-Geral de Justiça poderá, ele próprio, ou designar outro membro da instituição para oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informação. Ao examinar um inquérito policial ou peças de informação como estabelece o art. 28 do Código de Processo Penal -, o Promotor de Justiça pode concluir não ser possível apresentar denúncia e, em consequência, postular o arquivamento ao juiz competente. Se o juiz discordar dos fundamentos que embasaram o pedido de arquivamento, deverá remeter o inquérito policial ou as peças de informação ao Procurador-Geral de Justiça, e este oferecerá denúncia ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender (art. 28 do CPP). Quanto ao arquivamento de inquérito civil, o assunto está disciplinado no art. 9º da Lei n. 7.347/1985, que trata da ação civil pública para defesa de interesses difusos e coletivos. Uma vez concluído o inquérito civil 128 CARMO, Glauber S. Tatagiba do. Supremo Tribunal Federal e a revisão do princípio do Promotor Natural. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, n. 21, p. 147, jan/jun. 2005. 75 instaurado para coleta de subsídios que possam embasar a ação civil pública, o Promotor de Justiça pode concluir pela inexistência de fundamentos para propor a ação, competindo-lhe, então, promover o arquivamento fundamentado do inquérito, o qual deverá ser encaminhado ao Conselho Superior do Ministério Público para reexame e homologação. Se o Conselho Superior discordar do arquivamento postulado, cabe-lhe designar outro Membro do Ministério Público para a propositura da ação civil pública (art. 9º, § 4º, da Lei n. 7.347/1985). Travase nesse caso, um conflito entre o art. 10, inc. IX, d, da LONMP e o art. 9º, § 4º, da LACP, pois o primeiro reza que a designação de membro do Ministério Público compete ao Procurador-Geral de Justiça e, ao segundo, que o encargo é conferido ao Conselho Superior do Ministério Público. Sendo as duas leis de mesma hierarquia, qual deverá ser aplicada? Decomain concilia a disposição da LACP com o art. 30, da LONMP, sugerindo uma alternativa sensata e isenta: Ora, se é incumbência do Conselho Superior decidir sobre a confirmação ou não do arquivamento de inquéritos civis, nada sendo reservado nessa matéria, à discrição do Procurador-Geral de Justiça, quer nesta lei, quer em outras, claro está que ao Conselho Superior deve ainda ser reservada a possibilidade de designação de outro membro do MP, que não o autor da manifestação de arquivamento, para a propositura da ação civil pública, entendimento inverso poderia colocar o Conselho Superior do Ministério Público em situação de subordinação ao Procurador-Geral de Justiça. Teria o Conselho que solicitar ao Procurador-Geral a designação de membro da Instituição para a propositura da ação. E se o Procurador-Geral, membro nato do Conselho (inciso I deste artigo, bem como artigo 14, I, desta lei Infra), houvesse votado pela confirmação do arquivamento do inquérito, sendo voto 129 vencido? Nas duas situações analisadas há substituição do órgão do Ministério Público, em virtude de discordância do pedido de arquivamento de inquérito policial formulado, peças de informação ou inquérito civil, mas não se constata ferimento ao princípio do promotor natural em si, senão consequência do não acolhimento do pedido de arquivamento das referidas peças de investigação pelos órgãos incumbidos de reexaminar, administrativamente, a decisão do órgão de primeiro grau. Entretanto, a designação de outro membro do Ministério Público implica total respeito ao princípio da independência funcional que detém todo membro do Ministério Público. 129 Opus cit., p. 57. 76 A única exceção ao princípio do promotor natural encontrase na letra g, do inciso IX do artigo 10 da LONMP, que prevê a possibilidade do Procurador-Geral de Justiça designar outro membro do Ministério Público por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público. Logo, somente em situações extraordinárias, devida e previamente autorizadas pelo Conselho Superior, pode ser afastado o Promotor de Justiça de suas atribuições processuais. A possibilidade do afastamento discricionário é inaceitável, já que tem a finalidade de contemplar interesses menores dos detentores do poder político ou econômico. Mazzilli, assim se manifesta sobre o assunto: O princípio do promotor natural não impede, pois, que, em situações estritas e definidas na lei, seja afastado o promotor de justiça do processo em que deveria atuar, ou removido da Promotoria de que é titular. Cabe, assim: a) remoção compulsória, sob representação do procurador-geral ou do corregedor-geral ao Conselho Superior do Ministério Público ou até mesmo por determinação de ofício deste último colegiado; b) afastamento cautelar, antes ou no curso de ação civil para perda do cargo; c) suspensão cautelar durante processo disciplinar. Nesses casos, caberá designação excepcional e fundamentada de outro 130 membro da instituição para oficiar no lugar do substituído. Em nota de rodapé, na mesma obra e página, Mazzilli traz dois exemplos que podem determinar o afastamento do Promotor de Justiça da comarca ou do processo: quando Promotor de Justiça, em comarca do interior, que se casar com a única juíza. Se nenhum deles tomar a iniciativa de buscar promoção ou remoção voluntárias, em favor do interesse público, poderá haver remoção compulsória sem caráter punitivo, pois ambos estariam impedidos de oficiar simultaneamente nos processos. Ou, na situação em que, havendo impedimento legal para oficiar num determinado processo, porém não querendo o titular impedido afastar-se voluntariamente, arguido o incidente, poderá ser designado outro Promotor de Justiça. Com base no conceito de promotor natural, que, como se viu, possui sede constitucional, cumpre analisar a regularidade ou não da práxis estabelecida de nomear-se membro do Ministério Público para ofertar 130 In Regime Jurídico do Ministério Público. p. 206. 77 contrarrazões a recurso de apelação em processo crime, diverso daquele que atuou na instrução do processo, quando a defesa invocar a aplicação do § 4º do art. 600 do Código de Processo Penal, de 3 de outubro de 1941 – parágrafo acrescido pela Lei n. 4.336, de 1º de junho de 1964 –, que autoriza ao apelante apresentar razões de inconformidade no tribunal ad quem, quando assim o declarar na petição ou termo de apelação. Um levantamento efetuado pelo Centro de Apoio Operacional Criminal, do Ministério Público de Santa Catarina, no mês de setembro de 2009, num universo de 7 Estados, deixou patente que: a) no Estado do Piauí as contrarrazões de recurso decorrentes da aplicação do § 4º do art. 600 do CPP são formuladas por Procuradores de Justiça; b) nos Estados de Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul, são formuladas por Promotores de Justiça designados, salvo nos dois últimos Estados quando os processos são originários das Capitais, os quais são remetidos às Promotorias de origem para serem respondidos; c) nos Estados de Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Rondônia, após a apresentação das razões de apelação, os processos são remetidos às Comarcas de origem para que sejam contra-arrazoados pelos Promotores de Justiça que atuaram na instrução. Diante de tal diversidade de procedimentos, cabe indagar: nas situações dos itens a e b não restaria sendo violado o princípio do promotor natural? Diversos são os autores que se debruçam sobre essa questão. Para Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes é indiferente que as contrarrazões sejam apresentadas pelo Promotor de Justiça da comarca onde tramitou o processo ou outro órgão do Ministério Público designado: Formuladas pelo réu as razões diretamente no tribunal, as contra-razões podem ser elaboradas por promotor designado, ou pelo promotor da causa. Se houver pedido de arrazoamento na superior instância, deve a parte ser intimada para apresentar suas contra-razões, no momento 131 adequado, sob pena de nulidade. Apesar do respeito que os ilustres autores merecem, discorda-se da posição de indiferença assumida. A designação de Promotor de 131 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 156. 78 Justiça que não oficiou no processo constitui violação ao princípio do promotor natural, sem qualquer amparo nas hipóteses de substituição previstas na LONMP. Rômulo de Andrade Moreira, no artigo intitulado O art. 600, § 4º, CPP e as contra-razões do Ministério Público – os princípios do promotor natural e da independência funcional, ao enfocar o disposto no art. 5º, inc. XXXVII e LIII, da CF – em que, segundo seu entendimento, reside o princípio do promotor natural –, afirma: Com, efeito, obedecendo-se a este princípio, o único Promotor de Justiça com atribuições para oferecer contra-razões de uma apelação interposta nos autos de uma ação penal é, induvidosamente, o Promotor de Justiça que atua perante a respectiva vara criminal, cujas atribuições estão inclusive, pré-estabelecidas em lei (em sentido material), salvo justo e comprovado impedimento (férias, promoção, remoção, etc). Fora daí é usurpação de atribuições e, mais, macula ao referido princípio constitucional, ao qual não se pode opor, por exemplo, o argumento da celeridade, agilização, rapidez, etc. Aliás, a propósito, como dizia Carnelutti, “se La giustizia è sicura non è rápida, se è rápida non è 132 sicura”. (O grifo é nosso.) No mesmo artigo, após advertir que os princípios basilares do Ministério Público são a independência e a autonomia funcionais, conclui Moreira: entendemos que no caso do art. 600, § 4º do Código de Processo Penal, devem os autos ser remetidos ao Promotor de Justiça de primeira 133 instância para providenciar a feitura e a juntada das contra-razões. O permissivo legal, introduzido pela Lei n. 4.336, de 1º Junho de 1964 no artigo 600 do CPP, autorizando o apelante a requerer na petição de recurso a apresentação de suas razões na superior instância, onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial não pode significar a substituição do órgão originário do Ministério Público, autor da ação penal pública, que ainda não esgotou o exercício de sua atribuição funcional no processo. Ademais, o puro e simples afastamento do Promotor de Justiça atuante no processo fere o princípio do promotor natural. 132 MOREIRA, Rômulo de Andrade. O art. 600, § 4º, do CPP e as contra-razões do Ministério Público – os princípios do promotor natural da independência funcional. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/2206>. Acesso em: 5 de setembro de 2009. 133 Idem, ibidem. 79 A causa para adoção da referida medida processual – já que foi introduzida em nosso ordenamento jurídico em 1964 – pode ter facilitado o exercício da defesa dos acusados, após sentença condenatória, desobrigando seus advogados (então, geralmente, radicados nas capitais) de realizarem longas e penosas viagens ao interior para apresentarem suas razões de inconformismo, às quais se refere Eduardo Silveira Melo Rodrigues. Todavia, hoje tal facilidade não mais se justifica. Não só pela melhoria das estradas, incremento e ampliação do transporte terrestre e aéreo, mas devido ao sensível aumento dos cursos de direito no país - e consequente aumento do número de advogados com atuação no interior dos Estados -, mas, também, pelas inovações tecnológicas trazidas pela informática, que permitem a remessa on line das petições de recursos e das próprias razões recursais, às Comarcas do interior. De qualquer modo, essa prática enraizou-se em nosso sistema recursal, como demonstrou o levantamento realizado ainda em 1990, pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, no qual se concluiu que cerca da metade dos recursos de apelação cujos motivos de inconformismo são apresentados diretamente ao Tribunal, no Estado de São Paulo, é proveniente de feitos processados na própria Capital.134 O Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Ato n. 67/91-PGJ, de 10 de setembro 1991, alterado pelos Atos n. 76/91, n. 061/92PGJ e n. 108/92, deu uma solução intermediária à hipótese do art. 600, § 4º, do CPP. Ele atribuiu aos Promotores de Justiça Criminais oficiantes nos respectivos processos oriundos da capital, dos foros regionais e dos tribunais do júri, bem como aos Promotores de Justiça de falências, no que se refere aos crimes falimentares, a função de rebater as razões de apelação. Quanto aos recursos de apelação interpostos no interior, eles eram contra-arrazoados por Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral de Justiça. Posteriormente, o Ato n. 091/96-PGJ, de 10 de junho de 1996, em observância ao art. 5º, inc. LIII, primeira parte da Constituição Federal, e ao art. 10, inc. IX, g, da Lei n. 8.625/1993, que consagraram o princípio do promotor natural, considerou que: a elaboração de contrarrazões, quando a decisão impugnada for de primeira instância, é uma atribuição do Promotor de 134 RODRIGUES, Eduardo Silveira Melo. O Excepcional arrazoamento de recurso em segunda instância (o artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal). Disponível em: <http://www.justitia.com.br/Revistas/5d266d.pdf>. Acesso em: 8 de setembro de 2009. 80 Justiça que atua no respectivo processo; em virtude da garantia da inamovibilidade, não se admite que o Promotor de Justiça, fora dos casos legais, seja compulsoriamente afastado de suas funções; do mesmo modo, considerando que a apresentação das razões do recurso diretamente no tribunal, para satisfazer a comodidade do recorrente ou de seu advogado, não desloca o feito do juízo a que foi distribuído, não pode servir para subtraí-lo do promotor natural, resolveu o Senhor Procurador-Geral de Justiça: Art. 1º. Na hipótese do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal, as contra-razões devem ser elaboradas pelo Promotor de Justiça que atua 135 no respectivo processo. Ora, o § 4º do art. 600 do CPP determina, em sua segunda parte que, apresentada a petição ou termo de apelação por meio do qual se requer a apresentação de razões na superior instância, serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial. Como aos membros do Ministério Público deve ser aberta vista pessoal dos autos, tão logo sejam recebidos na Procuradoria-Geral de Justiça, nada obsta que se providencie o devido encaminhamento à Promotoria de Justiça de origem. O art. 610 do CPP, por sua vez, determina que os autos irão imediatamente com vista ao Procurador-Geral pelo prazo de 5 (cinco) dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo ao relator, que pedirá designação de dia para o julgamento. Por evidente, a par de a previsão legal constituir-se em exagerada concentração de atribuições para o Procurador-Geral de Justiça, é impossível que ele oficie pessoalmente em todos os processos, restando-lhe recorrer à designação. A designação de Procurador de Justiça para oferecer contrarrazões opõe-se à tradição de oficiar como custus legis nesse grau de jurisdição; mais: não incumbe ao Procurador de Justiça arrazoar recurso algum, na medida em que exerce suas atribuições junto aos tribunais (art. 31 da LONMP), cumprindo ao Promotor de Justiça exercer atividades ministeriais junto aos órgãos de primeira instância. Além disso, a designação de Promotor de Justiça para substituir quem tenha oficiado na origem do processo, afronta o princípio do promotor natural 135 Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos 1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009. 81 consagrado constitucionalmente. Afastá-lo do processo não se circunscreve entre as hipóteses previstas na LONMP, sobre as quais já se discorreu. Milita, ainda, a favor da remessa dos autos ao promotor natural o fato de ele não haver esgotado suas atribuições, posto que a apresentação de razões recursais no tribunal ad quem não é capaz de sobrepor-se ao princípio em questão. Ademais, o texto do § 4º do art. 600 é anterior à Constituição Federal e sua interpretação necessita ser adequada à nova diretriz estabelecida pela Constituição de 1988, como acontece com os artigos 419 e 448 do CPP, que aventam a possibilidade de ser nomeado promotor ad hoc, figura definitivamente eliminada do ordenamento jurídico-penal em vigor. Por fim, defende-se que, se houve motivo, em 1964, para inserção da faculdade prevista no § 4º do art. 600 do CPP, na atualidade ela não mais se justifica, impondo-se sua revogação. Enquanto isto não acontece, pelas razões expostas, principalmente frente a sua incompatibilidade com o princípio do promotor natural, resta ao Procurador-Geral determinar o encaminhamento dos autos ao órgão ministerial que nele tenha atuado originariamente, tão logo aportem à Procuradoria-Geral, a exemplo do que ocorria no Ministério Público Paulista, conforme disciplinava o art. 2º do Ato n. 091-PGJ, de 10 de junho de 1996: Art. 2º. Aberta a vista para as contra-razões, a Procuradoria-Geral Justiça providenciará a pronta remessa dos autos à Promotoria Justiça pertinente, cuja Secretaria, observando o prazo legal, cuidará restituí-los, oportunamente, à origem, para envio à Procuradoria 136 Justiça a que o feito deva ser distribuído. de de de de Infelizmente, em nome da comodidade, houve um retrocesso na postura do Ministério Público Paulista, no que diz respeito à oferta de contrarrazões de apelação, em processo-crime cuja defesa tenha optado por oferecer suas razões de inconformidade perante o Tribunal de Justiça. O Ato n. 091/96 foi revogado pelo Ato Normativo n. 350-PGJ, de 29 de março de 2004. Ele deixa a cargo da assessoria do Procurador-Geral o oferecimento de contrarrazões. Esse ato normativo, em seu art. 1º, abre por exceção – ao que 136 Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos 1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009. 82 deveria ser regra – a possibilidade do Promotor de Justiça de origem oferecer as contrarrazões recursais, desde que tenha requerido antes da subida do feito ao Tribunal de Justiça competente, a oportuna remessa dos autos com vista.137 Observa-se, uma discrepância ainda maior no atuar ministerial, na esfera do Ministério Público Federal. O Procurador da República da 1ª Região, Paulo Queiroz, afirma que a prática, naquela instituição, é nomear um segundo Procurador da República, para exercer o papel de autor da ação penal pública, ou seja, num mesmo processo penal, em que a defesa do réu haja optado por apresentar razões em grau recursal, funcionam dois membros do Ministério Público: um como autor da ação e outro como custus legis: O mais importante reside, no seguinte: a distinção entre autor e fiscal da lei, apesar de tradicional e recorrente, é infundada, porque pressupõe dualidade onde existe ou deve existir unidade. Com efeito, por ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado (CF, art. 127), sua missão constitucional em todos os processos em que intervém, é sempre a mesma, independentemente de quem a represente (Promotor, Procurador etc.) e da capacidade ou grau de jurisdição (juízo, tribunal, conselhos etc.) em que atue. Além disso, por ser a instituição una/indivisível, não parece razoável que possa se fazer representar, autonomamente, por mais de um membro num só processo, não raro para repisar os mesmos argumentos. Aliás, exatamente por isso, ninguém propõe que, na primeira instância ou nas ações penais originárias, atuem dois Promotores/Procuradores, um como autor da ação penal, outro como fiscal da lei. Essa situação (duas ou mais intervenções) é ainda mais incompatível quando, nas apelações criminais, o apelante, valendo-se do disposto no art. 600, § 4º, do Código de Processo, apresenta razões em segundo grau, quando é então designado um Procurador Regional para apresentar contra-razões e outro para atuar como fiscal da lei, como se representassem instituições distintas ou cumprissem funções 138 institucionais diversas. (O grifo é nosso.) Impressiona a constatação de que em toda essa alentada discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a existência e respeito ao princípio do promotor natural circunscreva-se a atuação dos membros do Ministério Público de primeiro grau! Como se os membros do Ministério Público de segundo grau pertencessem a outra instituição e, por isso, estariam dispensados de respeitar esse princípio. 137 Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos 1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009. 138 QUEIROZ, Paulo. Sobre a intervenção do Ministério Público em Segundo Grau. Boletim dos Procuradores da República n. 75, jul/2007. p. 16 83 A Constituição Federal não estabelece nenhuma diferença entre os membros do Ministério Público, oficiem eles no primeiro ou no segundo grau de jurisdição. Ambos possuem as mesmas garantias, prerrogativas e vedações, incumbindo-lhes desempenhar as mesmas funções institucionais, com observância da respectiva esfera de atuação. Devem respeitar os mesmos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional, como o do promotor natural (art. 5º, inc. LIII, CF). De modo que não é razoável, muito menos constitucional não se submeterem às mesmas regras de repartição de atribuições aqueles que representam o Ministério Público perante os tribunais. Se à lei e ao Conselho Superior dos Ministérios Públicos compete fixar atribuições para a uma ou outra Promotoria de Justiça, de maneira que quando provida mediante opção, remoção ou promoção por determinado Promotor de Justiça ele só possa ser afastado nas hipóteses previstas no inciso IX, letras f e g, do art. 10, da LONMP, são incompreensíveis as razões pelas quais essa normativa não se estende ao segundo grau Ministerial. O costume que permeia a falta de especificação das atribuições afetas às Procuradorias de Justiça deve ceder espaço ao moderno Ministério Público defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sob pena de seus membros serem tomados pela apatia, desinteresse e conformismo com a exclusiva produção de peças que pouco influenciam o destino das causas sobre as quais se pronunciam como meros opinadores, desvinculados dos compromissos assumidos perante à sociedade e indiferentes à realidade na qual foram construídos. Apesar de o Procurador de Justiça desenvolver atribuições residuais em relação ao Procurador-Geral de Justiça (art. 31, LONMP), o primeiro é o Promotor Natural das causas que tramitam em segundo grau de jurisdição. As exceções que permitem ao membro do Ministério Público de primeiro grau provocar a segunda instância de jurisdição - habeas corpus, mandado de segurança, reclamações e ações diretas de inconstitucionalidade de leis e normas municipais em Santa Catarina - limitam-se a autorizá-lo a postular junto ao tribunal, mas quem postula no tribunal e, consequentemente, torna-se o promotor natural destas ações é o Procurador de Justiça. E, municiado como está com as garantias da inamovibilidade e da independência funcional, não pode ser 84 afastado, nem se afastar, da obrigação legal de atuar nas matérias de sua atribuição, submetendo-se unicamente ao comando da lei e a sua convicção pessoal. Ademais, como se afirmou, as atribuições dos Procuradores de Justiça podem e devem ser definidas administrativamente pelo Colégio de Procuradores de Justiça, conforme acontece com aquelas afetas aos Promotores de Justiça, sem que haja necessidade de lei específica para defini-las. Nesse ponto os entrevistados Ministro Herman Benjamin (anexo 1), Procuradores de Justiça Alberton (anexo 3), Cota (anexo 6) e Coppeti (anexo 9), os Desembargadores Medeiros (anexo 4), Sommariva (anexo 7) e Paladino (anexo 8) concordam com a desnecessidade de lei para definir as atribuições dos Procuradores de Justiça, enquanto a Minª Eliana Calmon (anexo 2) concorda parcialmente com a posição, pois entende que haja necessidade de mudança legislativa na área cível. Como a Resolução n. 04/2001 do Ministério Público de Minas Gerais, republicada com alterações em 24 de maio de 2005, que criou a Procuradoria de Justiça de Direitos Coletivos e Difusos com atribuição exclusiva para atuar como parte nos recursos interpostos em ações civis públicas e populares139, o Ato n. 226/2007,CPJ, de 27 de junho de 2007, de Santa Catarina, exemplifica a possibilidade e legalidade da definição de atribuições aos membros do Ministério Público de segundo grau, pois cria na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define sua estrutura e âmbito de atuação (anexo 10), o qual, infelizmente, não chegou a ser operacionalizado. Aliás, além de comprovar a possibilidade da fixação administrativa de atribuições aos Membros do Ministério de segundo grau, a Resolução n. 04/2001 e o Ato n. 226/2007 prestam-se para demonstrar a preocupação com a orfandade em que são lançadas as ACPs intentadas pelos Promotores de Justiça, quando em grau de recurso. Ações que, não raras vezes, visam assegurar a sobrevivência de um ecossistema ou a implementação de serviços de saúde para atender toda uma comunidade desassistida pelo poder 139 Disponível em: http://www.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/3827 Acesso em: 9 de janeiro de 2010. 85 público, por exemplo. Portanto, é o próprio Ministério Público que vem expondo sua preocupação com o conflito de identidade dos membros de seu segundo grau, situação tratada no item 3.3 deste trabalho e nas entrevistas efetuadas. Isso porque, além de comprometer a continuidade do trabalho desenvolvido em primeiro grau, prejudica, principalmente, o compromisso assumido perante a coletividade ao serem ajuizadas as ações civis públicas. Extensivamente, prejudica o compromisso e o destino das ações penais públicas e de improbidade administrativa, como também, das populares, cuja titularidade o Ministério Público teve que assumir frente ao abandono do autor. É importante repetir a opinião dos entrevistados sobre a posição de custus legis assumida em segundo grau pelo Ministério Público: a) ela é um equívoco (Herman Benjamin, anexo 1); b) a questão é que dar parecer por dar parecer é uma situação retrógrada (Medeiros, anexo 4); c) rigorosamente a atuação do Ministério Público ou ela persiste como autor da ação ou ela não se justifica (Alberton, anexo 3); d) e arremata Cota: sou favorável a extinguir a postura de custus legis. O Ministério Público será sempre autor, com as implicações naturais, podendo inclusive pedir absolvição, por exemplo, nos processos crimes. (Anexo 6.) Embora haja exceções, em 90% das ACPs propostas pelo Ministério 140 Público Federal ou pelos Ministérios Públicos Estaduais, no STJ ele não se manifesta. A regra é o silêncio, até porque para intervir com a mesma qualidade do autor, tem que conhecer profundamente os fatos, as teses jurídicas e a matéria. A meu juízo é um milagre que o Ministério Público Estadual ou Ministério Público Federal obtenham ganho de causa nas ACPs de grande repercussão no STJ porque, na maior parte das vezes, há um silêncio ministerial absoluto do autor da ação. (Herman Benjamin, anexo 1.) Logo, o Ministério Público brasileiro não pode mais se omitir de repensar a posição de custus legis assumida pelo segundo grau nas causas de autoria do próprio Ministério Público que, além de não atender as atribuições inseridas na CF, está longe de atender ao interesse da sociedade, principal destinatária das suas ações. 140 Refere-se ao Membro do Ministério Público presente a sessão de julgamento que se limita a atuar como custus legis. 86 No próximo capítulo, depois de tratar das funções típicas e atípicas do Ministério Público, será enfrentado o conflito de identidade que as diferentes funções institucionais, exercidas nas duas etapas processuais, suscita internamente na instituição, pois rompe com o princípio do promotor natural. A diferença já vem sendo percebida no mundo jurídico e breve será percebida pela sociedade que poderá colocar em dúvida a necessidade de existir um custus legis em segundo grau, e discutir o custo financeiro que a prática representa. Descortina-se, ainda, no próximo capítulo, o caminho aberto pela política jurídica a fim de viabilizar um redirecionamento das ações do Ministério Público de segundo grau para que cumpra com os seus deveres sociais e afaste a névoa de inconstitucionalidade que envolve sua atuação processual. 87 CAPÍTULO 3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU 3.1 FUNÇÕES TÍPICAS A vocação do Ministério Público é atuar com maior intensidade nas funções que lhe são típicas, isto é, que lhe são próprias, como promover as ações penal e civil públicas, a ação de improbidade administrativa, a ação direta de inconstitucionalidade, defender a ordem pública, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, zelar pelo respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição, entre outras. No âmbito penal, o Ministério Público atua (ou deveria atuar sempre) como parte, pois age em nome do Estado no desempenho de seu poder/dever de punir quem comete crime ou contravenção. Não há dúvida quanto a essa posição processual junto à primeira instância judicial. Já na segunda instância a questão é discutível, pois o Ministério Público assume a posição de fiscal da lei (custus legis), assunto do próximo item. O Ministério Público pode atuar no processo civil tanto na condição de órgão agente (parte) como na de órgão interveniente (fiscal da lei, custus legis). Todavia, no entendimento de Mazzilli, que se apóia na lição de Cândido Rangel Dinamarco, 88 essa distinção não satisfaz, primeiro porque não enfrenta em profundidade todos os aspectos da atuação ministerial; em segundo lugar, porque, nem por ser fiscal da lei, deixa o membro do Ministério Público de ser titular de ônus e faculdades processuais, e, portanto, deve 141 sempre ser considerado parte, para todos os fins processuais. O autor também defende que a análise da atuação do Ministério Público, na área civil, deve ser vista sob o prisma da forma como desempenha seu papel, para que se compreenda a causa e a finalidade dessa mesma atuação: a) autor, por legitimidade ordinária (como nas ações de nulidade de casamento, nas ações diretas de inconstitucionalidade e outras, nas quais age por legitimação ordinária, como órgão do Estado); b) autor, por substituição processual (como nas ações civis públicas ambientais, ou ainda, em caráter subsidiário, na defesa da vítima pobre na ação reparatória ex delicto, ou também na defesa do incapaz na ação de investigação de paternidade); c) interveniente em razão da natureza da lide (como nas ações diretas de inconstitucionalidade, mandado de segurança, ação popular, questão de estado da pessoa etc., quando age em defesa da ordem jurídica, desvinculado a priori dos interesses das partes); d) interveniente em razão da qualidade da parte (como nas ações em que haja interesse de incapazes, acidentado do trabalho, indígena, pessoa portadora de deficiência etc., quando, mais que ser um mero custos legis (sic) exerce antes uma verdadeira atuação protetiva ou assistencial, em favor da parte hipossuficiente); e) réu (como nos embargos do executado ou nos de terceiro, quando o próprio Ministério Público seja o exequente, ou ainda nas ações rescisórias de sentença proferida em ação civil pública movida pela 142 instituição). Questão tormentosa é a de interpretar o alcance da parte final do inciso III do art. 82 do CPC, que estabelece a intervenção do Ministério Público nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. Sobretudo quando a falta de participação do Ministério Público acarreta a nulidade do processo (art. 84 do CPC). De acordo com o mencionado no item 2.1, é indiscutível e tradicional a intervenção ministerial nas demandas que envolvem interesses de incapazes e naquelas que dizem respeito ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade (incisos I e II do art. 82 do CPC). Situação inteiramente diversa 141 In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. pp.79-80 142 Idem, ibidem, p.80 89 ocorre com a expressão interesse público, em face de sua generalidade. Doutrina e jurisprudência procuram esclarecê-la. Alguns defendem a intervenção do Ministério Público em todos os feitos para fiscalizar a correta e imparcial aplicação da lei. Essa interpretação, naturalmente, não condiz com a limitação imposta no inciso III do art. 82 do CPC, além de ser infactível ante a realidade institucional, intervir em todos os feitos, antes de encerrar um benefício, poderia representar um entrave, repudiado por todo o corpo social – notadamente porque uma intervenção concebida e operada em tais dimensões acabaria por consagrar mais um culto cartorial e formalístico, despiciendo e oneroso, do que uma política voltada à geração de 143 resultados úteis e efetivos. Na definição formulada por De Plácido e Silva, interesse público, ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, adstrito a todos os fatos ou a todas as coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral, 144 ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva. Mazzili vai além ao afirmar que: Embora não haja consenso sobre a noção de interesse público, essa expressão tem sido predominantemente utilizada para alcançar o interesse e o proveito social ou geral, ou seja, interesse da coletividade, considerada em seu todo.145 Portanto, não se justifica a intervenção do Ministério Público em ações de cunho meramente patrimonial em que participem a União, Estados ou Municípios, sem evidência de interesse geral vinculado a fins sociais, ao bem-comum, consoante se posicionou o STF: Ação ordinária de indenização movida por Prefeitura Municipal contra empresa privada. Intervenção do Ministério Público. Interpretação do inciso III, do artigo 82, do Código de Processo Civil. No exame de cada caso deve o julgador identificar a existência ou não do interesse público. O fato de figurar na relação processual pessoa jurídica de direito público ou entidade da Administração indireta não significa, por si só, a presença de interesse público, de modo a ensejar a obrigatória atuação do 143 ALBERTON, José Galvani. A Intervenção do Ministério Público frente à hipótese contemplada no art. 82, III, fine, do Código de Processo Civil. Atuação: Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Procuradoria-Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis, n. 2, p. 65, jan./abr. 2004. 144 SILVA, De Plácido e. Opus cit., p. 760. 145 In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. p. 45. 90 Ministério Público. O interesse público, aí, quer significar um interesse geral ligado a valores de maior relevância, vinculados aos fins sociais e às exigências do bem comum que a vontade própria e atual da lei tem em vista. Na espécie, há simples ação de indenização a envolver o interesse patrimonial do município, sem repercussão relevante no interesse público, de modo a justificar a intervenção prevista no n. III, do art. 82 da Lei Adjetiva Civil. Recurso extraordinário conhecido em face do dissídio jurisprudencial, e provido. (RE 90.286-4 – PR – 2ª T. – j. 146 28.09.1979 – rel. Min. Djaci Falcão – v. u. STF) O entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é o mesmo: Processual. Competência – Ação Declaratória de Inexistência de Obrigação Tributária – Juízo da Fazenda – Comarca do Interior – Admissibilidade – precedentes da Corte nesse sentido. Ministério Público – Interesse da Fazenda Pública – Intervenção desnecessária. Segundo a remansosa jurisprudência, guardando a anulatória e a declaração de inexistência de débito tributário similitude com as cautelares e, portanto, acessoriedade com a execução fiscal, a competência para o processo é do Juízo do devedor. ‘O interesse público de que trata o art. 82, III, do CPC não acarreta a intervenção obrigatória do parquet nas lides em que haja interesse da Fazenda Pública, portanto tem ela representante próprio e privilégio ao duplo grau de jurisdição.’ Decisão: por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. (AI nº 9369, Joinville, rel. AMARAL E SILVA, in DJ, nº 9232, de 12.05.1995, p. 147 10). É inegável a resistência interna para com a interpretação restritiva da autuação do Ministério Público na área cível que se defende, sob o fundamento de perda de espaço processual. Há críticas, também, quanto à elasticidade interpretativa da expressão interesse público, pois poderia induzir membros do Ministério Público a tomarem gosto pela omissão, procurando, simplesmente, livrar-se dos processos. Em nenhum dos sentidos defende-se o atuar ministerial. Há questões de relevância e urgência que necessitam a atenção do Ministério Público para o efetivo cumprimento das atribuições relevantes que lhe foi guindada pela sociedade e inseridas na Constituição Federal em busca da verdadeira e almejada JUSTIÇA SOCIAL.148 É procedente a preocupação de otimizar e racionalizar a intervenção do Ministério Público no processo civil em face da evolução 146 LEX. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ano 2. Janeiro de 1980. n. 13, p. 207. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=800 Acesso em: 16 de outubro de 2009. 148 ROCHA, Rosan da. Atribuições e atuações dos membros do Ministério Público nas causas cíveis frente ao ordenamento jurídico e à necessidade social. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=800>. Acesso em: 1º de outubro de 2009. 147 91 institucional, a fim de adaptá-la ao novo perfil traçado pela Constituição Federal que prioriza a defesa dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis, na qualidade de órgão agente e a justa expectativa da sociedade de uma eficiente, espontânea e integral defesa dos mesmos interesses notadamente os relacionados com a probidade administrativa, a proteção do patrimônio público e social, a qualidade dos serviços públicos e de relevância pública, a infância e juventude, as pessoas portadoras de necessidades especiais, os idosos, 149 os consumidores e ao meio ambiente, (O grifo é nosso.) O Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União enfrentou a questão em destaque ao editar a Carta de Ipojuca (PE), em 13 de maio de 2003, na qual considera exclusividade do Ministério Público na identificação do interesse que justifique a intervenção da Instituição na causa.”150 (O grifo é nosso.) E, sem caráter normativo e vinculativo, propõe: Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro da Instituição, ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar concisamente a sua conclusão 151 apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos. A orientação também dispensa a atuação de mais de um órgão do Ministério Público em ações individuais ou coletivas (parte e fiscal da lei). Quando há sua intervenção, em caso de recurso interposto pelas partes, faculta ao agente ministerial de primeiro grau resguardar-se para manifestação, tão somente, sobre a admissibilidade recursal; a Carta, ainda, relaciona demandas e hipóteses em que considera desnecessária a intervenção ministerial. A partir da Carta de Ipojuca, os Ministérios Públicos Estaduais passaram a editar atos dando efetividade às orientações nela inseridas com interpretação teleológica dos preceitos. Foi o caso de Santa Catarina que, por intermédio do Ato n. 103/2004 PGJ, de 5 de outubro de 2004, instituiu a possibilidade de intervenção ministerial que chamou de meramente formal, explicitando no parágrafo 1º do artigo 1º, que: 149 Disponível em: <http://200.189.113.44/cgmp/Carta_Ipojuca.html>. Acesso em: 6 de maio de 2008. 150 Idem, ibidem. 151 Idem, ibidem. 92 § 1º Considera-se meramente formal a intervenção que, muito embora decorra de interpretação de dispositivo legal, não importe, necessariamente, no exercício de defesa de interesse tutelável pelo 152 Ministério Público. O parágrafo 3º do mesmo artigo desaconselha que, na intervenção meramente formal, seja invocada somente a inexistência de interesse público. A manifestação deve, pois, ser fundamentada com suporte no que os autos contêm e decorrer de consciente convencimento do examinador, não importando em renúncia do direito de receber o processo (§ 1º do art. 3º), já que a tramitação processual poderá revelar situação que altere o entendimento do órgão ministerial. No artigo 3º são relacionadas, em 25 itens, hipóteses de intervenção formal tais como: habilitação ao casamento, separação judicial consensual, ação declaratória de união estável; ação de alimentos e revisional entre pessoas capazes, procedimentos de jurisdição involuntária que não envolvam pessoas incapazes, requerimento de falência, ação de desapropriação indireta sem presença de incapazes; ações anulatórias de ato administrativo, embargos de terceiro, conflito de incompetência, impugnação ao valor da causa, mandado de segurança que trate de licenciamento de veículos e ação de cobrança, indenizatória, possessória ou de despejo em que forem partes Estado e Município, as respectivas fazendas públicas, ou empresas a eles vinculadas, dentre outras. A posição do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público, portanto, revela a tendência do Ministério Público Brasileiro de fixar sua atuação nas causas constitucionalmente previstas, deixando os interesses individuais a cargo dos advogados e das defensorias públicas. 152 Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/portal_detalhe.asp?Campo=1931&secao_id>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 93 3.2 FUNÇÕES ATÍPICAS Funções atípicas são atribuições conferidas ao Ministério Público que confrontam sua destinação global. Há quem defenda que as funções atípicas do Ministério Público estão inseridas nas atividades extrajudiciais, quando atua como conciliador, investigador e quando intermedia a solução de conflitos extrajudiciais. Todavia, esta posição não se mostra totalmente correta já que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público a exclusiva iniciativa de promover o inquérito civil (inciso III do artigo 129 da CF), função eminentemente extrajudicial que se destina a compor questões de grande alcance social, como na defesa dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos. Chegando ao conhecimento do membro do Ministério Público que a água distribuída à população de determinada cidade estaria fora dos padrões de potabilidade estabelecidos para consumo humano, incumbe-lhe instaurar inquérito civil para investigar, coletar documentos, requisitar a realização de perícias, recolher depoimentos, etc. a fim de esclarecer devidamente o assunto. Convencido do ferimento de direito coletivo, pode propor a efetivação de termo de ajustamento de conduta com a entidade responsável pela coleta e distribuição de água, para que sane as irregularidades constatadas dentro de cronograma definido. Uma vez aceita a pactuação, será descartada a judicialização da questão, pelo menos enquanto os itens acordados forem cumpridos. Outra hipótese de desnecessidade de aforamento de ACP ocorre quando, concluída a investigação, o representante do Ministério Público constata a inocorrência de ofensa ao direito que se disse transgredido, ou, no decorrer do próprio inquérito civil, o indiciado adota as providências necessárias e regulariza a questão impugnada. Ao longo da história da instituição, ela exerceu algumas funções incompatíveis com a sua destinação, a exemplo da defesa judicial dos interesses patrimoniais da União, que hoje lhe é vedada pelo art. 129, inc. IX, da CF, e da comprovação de tempo de atividade rural para fins de aposentadoria, conforme dispunham os incisos III e IV, parágrafo único do art. 106, da Lei n. 8.213/1991, hoje revogados. 94 É pertinente o entendimento de Mazzilli no sentido de que ainda exercita atualmente o Ministério Público algumas funções atípicas, de forma supletiva, como: a) o patrocínio do reclamante trabalhista onde não haja Justiça do Trabalho (CLT, art. 477, § 3º; Lei 5.584, art. 17); b) assistência judiciária aos necessitados onde não haja órgãos próprios da Defensoria Pública; c) a substituição processual das vítimas pobres de crime, nas ações ex-delicto (CPP, art. 68); d) a substituição processual do réu revel ficto onde ainda persista essa atribuição (CPC, art. 9º, II, e parágrafo único). Doravante, nessas hipóteses, à medida que se implantem os órgãos competentes das Defensorias Públicas, a eles deve 153 vir a caber a assistência judiciária aos necessitados. Cabe acrescentar a assistência nas rescisões de contrato de trabalho, onde não houver Sindicato ou representante do Ministério do Trabalho (art. 477, § 3º, da CLT), bem como a homologação de acordo de alimentos celebrado por escrito entre as partes, o qual valerá como título extrajudicial (art. 57, § único, da Lei n. 9.099/1995). Mazzilli conclui que o mais correto seria dizer que o Ministério Público atua sempre que estiver em jogo interesse indisponível, seja ele individual ou coletivo, fazendo o alerta de que, embora disponível o interesse individual homogêneo, dependendo de sua natureza, abrangência e expressão social, também, deverá atuar.154 Neste contexto insere-se a decisão que se transcreve: LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. Ativa. Ministério Público. Ação Civil Pública. Demanda sobre contratos de financiamento firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Tutela de direitos e interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência ao perfil institucional do MP. Inteligência da CF 127 e 129, III e IX. Precedentes. O MP tem legitimação para ACP em tutela de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo sistema Financeiro da Habitação [...]. (STF, 2ª T., RE 470135 AgR-ED/MT, rel Min. Cezar 155 Peluzo, j. 22.05.2007, DJU 29.06.2007, p. 138) 153 In Introdução ao Ministério Público, p. 127. Idem, ibidem, p.128. 155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RE%20470135("CEZAR%2 0PELUSO".NORL.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO".NORV.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO". NORA.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO".ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 29 de agosto de 2009. 154 95 Importa evidenciar que o Ministério Público, atuando em função típica ou atípica, sempre age em busca do interesse público, do bem geral da coletividade, como ensina Mazzilli na obra Introdução do Ministério Público. Esse autor exemplifica quais são as ações típicas que podem provocar a atuação do Procurador de Justiça: a) como autor, propondo, entre outras, a ação rescisória, o habeascorpus, o mandado de segurança, a ação civil ou a ação penal públicas originárias dos tribunais etc.; b) como interveniente em razão da natureza da lide, desvinculado à qualidade das partes, em ações de nulidade de casamento ou mandados de segurança; c) como assistente ad coadjuvandum, em ação de competência originária ou recursal dos tribunais, na qual se justifique sua intervenção protetiva pela qualidade da parte, o que ocorre sempre que haja interesses de índios, incapazes, ou pessoas portadoras de deficiência; d) como substituto processual e autorizado pela legislação local, propor, v.g. ação civil pública em defesa de interesses coletivos de consumidores ou de investidores no mercado 156 de valores mobiliários. Convém destacar, igualmente, que a divisão das funções típicas e atípicas em matéria cível não atinge os Procuradores de Justiça, uma vez que atuam junto aos tribunais, razão pela qual não realizam nenhuma das funções atípicas enumeradas. A única exceção – para quem considera todas as atividades extrajudiciais funções atípicas – é a instauração de inquérito civil que pode ser de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça. 3.3 IDENTIDADE ONTOLÓGICA DO PROCURADOR DE JUSTIÇA Consoante já destacado no subtítulo 2.2, a LONMP não realiza maiores incursões nas atribuições dos Procuradores de Justiça. O parâmetro para sua atuação está delineado no art. 31, no qual o legislador determina quais atribuições devem exercer junto aos tribunais, a não ser que sejam cometidas ao Procurador-Geral de Justiça. Logo, o art. 31 da LONMP não autoriza a transmudação processual do órgão do Ministério Publico de agente para órgão interveniente. A redação do art. 31 da LONMP não faz menção ao 156 In Regime jurídico do Ministério Público, pp. 413-414. 96 polo processual em que deve se situar a atuação dos Procuradores de Justiça. Tem por escopo delimitar a esfera em que devem exercer suas atribuições (junto aos tribunais) e os limites dessa atuação. Contrário sensu, estão impedidos de oficiar no primeiro grau de jurisdição e nos casos de competência do ProcuradorGeral de Justiça, salvo se houver delegação. Assim, embora caiba a esse último representar o Ministério Púbico nas sessões plenárias dos tribunais e ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais que ofendam a Constituição Estadual, está autorizado a delegar tais misteres ao órgão de execução Procurador de Justiça. O mesmo ocorre com relação aos processos criminais em grau recursal, apesar do comando dos arts. 610 e 613 do CPP, que determinam que os autos devem ir com vista ao Procurador-Geral de Justiça. Já o art. 41, inc. III, da LONMP estabelece a prerrogativa dos membros do Ministério Público, quando no exercício de sua função: ter vista dos autos após distribuição às Turmas ou Câmaras e intervir nas sessões de julgamento, para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato. Portanto, da interpretação sistemática dos dispositivos 31 e 41, inc. III, da LONMP decorrem quatro conclusões: a) os Procuradores de Justiça não podem atuar em primeira instância; b) exercem uma função residual, pois só podem exercer atribuições não conferidas ao Procurador-Geral de Justiça, além daquelas que lhe forem delegadas pelo chefe da instituição; c) há concentração de atribuições nas mãos do Procurador-Geral de Justiça; d) a abertura de vista não significa apresentar peça escrita. Parte dessa função residual dos membros do Ministério Público de segundo grau concentra-se, tradicionalmente, na esfera penal. Quando em grau de recurso os autos irão imediatamente com vistas ao procurador-geral pelo prazo de 5 (cinco) dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá designação de dia para julgamento (art. 610, parte final, do CPP). Por evidente, tal atividade é delegada pelo Procurador-Geral dos Estados aos Procuradores de Justiça e pelo Procurador-Geral da República aos Subprocuradores da República – os primeiros para atuarem junto aos Tribunais de Justiça (TJs) e os segundos junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). 97 Assumindo a posição de parte ou interveniente, a independência funcional do Procurador de Justiça está totalmente preservada porquanto ela lhe é assegurada como princípio institucional e garantia funcional (art. 127, §§ 1º e 2º, da CF). Contudo, não há como refutar as implicações que decorrem de uma ou outra opção quando o Ministério Público é originariamente parte da demanda (autor ou réu). Acredita-se que, por força da previsão inserida no caput, parte final do art. 610 do CPP, se tenha criado o senso comum de que a natureza das funções do Promotor de Justiça e do Procurador de Justiça são distintas, razão pela qual este último tem a posição de custus legis junto aos tribunais. O entendimento de que a intervenção processual do Ministério Público em segundo grau deve ser de parecerista é reforçado pelo previsto no parágrafo único do art. 610, do CPP, segundo o qual o ProcuradorGeral se manifesta por último, na sessão de julgamento de recurso criminal. Não há dúvida de que é uma interpretação que encontra simetria na história da instituição, conforme assinala a digressão histórica efetuada por Fernando da Costa Tourinho. Em 1942, o Procurador-Geral de Justiça era pessoa da confiança do Executivo, normalmente estranha aos quadros do Ministério Público, por isso mesmo, guardando ele equidistância das partes, atuava como verdadeiro custos legis (sic).157 Com o passar do tempo, do crescimento populacional, do aumento da criminalidade e, consequentemente, do número de processos, houve necessidade de criação de cargos de Procurador de Justiça para auxiliar o Procurador-Geral, que já não tinha condições de fazer frente ao volume de trabalho. No decorrer dos anos, o Procurador-Geral deixou de ser pessoa estranha à instituição, passando a ser escolhido dentre um de seus integrantes. No entanto, apesar de superadas as circunstâncias que justificaram a mudança da posição processual do Ministério Público – de parte para fiscal da lei –, a legislação infraconstitucional e a prática ministerial não foram adequadas aos novos tempos, permanecendo a esdrúxula situação. O Procurador de Justiça ascendeu ao último degrau da carreira através de promoção, por merecimento ou antiguidade, provindo da 157 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. vol. 2. 9. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 393. 98 última entrância da carreira no primeiro grau (final, especial, 4ª entrância), na qual sempre exerceu a função de autor da ação penal pública. De sorte que continua umbilicalmente ligado à acusação, à condição de parte na relação processual, não se justificando que opere uma verdadeira metamorfose em seu proceder para assumir a postura de fiscal da lei e, pior, deixando a ação penal sem autor. Reconhecendo ser difícil o corte desse cordão umbilical, Tourinho Filho propõe que: para evitar essas traições, a nosso ver, deveria o Ministério Público, na segunda instância, limitar-se à análise dos processos sob o aspecto formal (observância dos pressupostos recursais), deixando a apreciação do mérito aos Tribunais, mesmo porque é raro um Procurador de Justiça que atue dentro daquela linha traçada por Sérgio Demoro Hamilton (A 158 técnica do parecer, Revista do Tribunal do Rio de Janeiro, 19/19). Essa posição doutrinária merece respeito, porém, não considera o fato de o Ministério Público ser o representante do Estado, autor da ação penal pública e defensor da sociedade, não podendo abrir mão do múnus, poder-dever, que lhe é privativo; tampouco considera a necessidade de preservação do equilíbrio do contraditório. Sobre o assunto, o Desembargador Luiz Cézar Medeiros, assim se posiciona: Se o Ministério Público começou a atuar como autor em determinada lide, ele tem de continuar como autor até o fim, para que a sociedade seja melhor defendida. Ele tem que ter as mesmas prerrogativas e obrigações de qualquer autor, até porque os interesses que defende são muito mais abrangentes do que os de uma lide individual. Se ele é uno e indivisível como diz a CF, deve se levantar e ir à tribuna defender essa postura, como autor comprometido com a causa em julgamento. Atuando como custus legis acaba ocorrendo um fator complicador, pois já vimos aqui pareceres contrários às ações civis públicas propostas pelo Promotor de Justiça. (Anexo 4. O grifo é nosso.) Também, é inaceitável para o Ministério Público moderno da CF de 1988, o entendimento de que: finda a instrução criminal em primeiro grau, o Ministério Público deveria assumir a posição de custus legis, sustentado no Anexo n. 8, pelo Des. Sérgio Paladino, presidente da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina159. Essa mudança de posição no decurso do processo 158 159 Idem, ibidem, p. 394. Ex-Procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina. 99 e na Comarca de origem, significaria exigir do Promotor de Justiça o desempenho do papel de um verdadeiro camaleão, pois teria que acusar até o encerramento da instrução e desvestir-se desta condição para, em seguida, exercer somente parte de seu múnus, deixando de lado a sua função de dominus litis. É uma mudança impossível de ser operada de uma hora para a outra no cérebro de qualquer indivíduo, quanto mais daquele que, conhecedor dos fatos e de todas as peculiaridades do processo, efetivamente, já tem uma opinião formada sobre a culpabilidade do agente, seja para buscar sua condenação (que poderá perseguir se a sentença for absolutória), ou para absolvê-lo, solução que também poderá buscar reverter junto ao tribunal, caso a decisão seja condenatória. Assim, em que pese a originalidade da posição, com o devido acatamento, ela é impraticável. Sobre a dificuldade de assumir postura processual diversa daquela costumeiramente exercida, a Procuradora de Justiça de Santa Catarina, Vera Lúcia Ferreira Coppeti reforça que: às vezes há confusão. Os Membros do Ministério Público que atuam no segundo grau são todos originários do primeiro e trazem consigo, inevitavelmente, o vezo da parcialidade com a qual tinham de lidar na defesa dos direitos e interesses que lhe eram confiados. Assim, acontece de o parecerista, ainda que não o faça propositalmente, tratar alguns temas de forma parcial. (Anexo 9) Voltando ao parágrafo único do art. 610 do CPP, não há dúvida de quem são os advogados ali referidos, estejam eles atuando na defesa do réu ou na assistência do Ministério Público. Mas, quem são as partes? Uma delas, naturalmente, é o acusado e a outra só pode ser o Estado, detentor do jus puniendi, que deveria estar representado pelo Ministério Público oficiante junto ao tribunal, como defende Mazzilli: Quer a atuação do Ministério Público num feito se dê por promotores ou procuradores de Justiça, o que importa é a causa da atuação institucional. Assim, se o Ministério Público propõe uma ação penal pública, é ele o órgão autor, e essa é a posição que assume tanto o promotor de Justiça que faz a audiência, como do procurador de Justiça que oficia junto ao tribunal. 160 160 (O grifo é nosso.) In Regime jurídico do Ministério Público. pp. 422-423. 100 Fica evidente que o Promotor de Justiça não pode atuar na fase recursal do processo penal – salvo se for autorizado pelo Procurador de Justiça oficiante na sessão -, já que é desnecessária a pluralidade de órgãos ministeriais (autor e fiscal da lei) em um mesmo processo, tanto na primeira como na segunda instâncias, por fugir à razoabilidade justamente porque desde a propositura da ação, penal ou cível, ou mesmo na atuação interveniente, nos propomos a alcançar um resultado social e juridicamente legítimo.161 Além disso, não se pode esquecer que o Ministério Público é regido pelos princípios da unidade e da indivisibilidade. Ademais, não é razoável que o comprometimento com a causa, assumido perante a coletividade, seja relativizado nessa fase processual, o que não é lançar menos valia sobre a atuação do Procurador de Justiça. Muito pelo contrário, o que se pretende é clarificar que a supressão do autor da ação não é correta, pois deve continuar a ser desempenhada pelo Ministério Público, agora atuante perante o tribunal, onde o Procurador de Justiça deve assumir a condição de promotor natural, constitucionalmente prevista. Impõe-se, portanto, uma releitura do parágrafo único do art. 610, bem como do art. 613, do CPP. A interpretação predominante nos tribunais, infelizmente, não é compatível com a função ministerial de detentor da pretensão punitiva do Estado, tampouco com o novo perfil imposto pela CF. Celso Jerônimo de Souza, Promotor de Justiça do Acre, traz à tona a situação que, segundo ele, justificaria a atuação de dois órgãos ministeriais numa mesma ação pena: quando o Promotor de Justiça recorre para reformar uma sentença absolutória – ou mesmo quando rebate um recurso pugnando pela confirmação de sentença condenatória – e o Procurador de Justiça, a quem cabe pronunciar-se junto ao tribunal, discorda das teses defendidas pelo primeiro. Souza, então, indaga a quem competirá defender o recurso ou a resposta, já que na visão tradicional o membro do Ministério Público de segundo grau atua na condição de fiscal da lei? Na tentativa de encontrar uma saída para o imbróglio criado, Souza propõe a atuação simultânea de dois órgãos 161 BASTOS FILHO, Orlando; MARTINES JÚNIOR, Eduardo. Aproximação das instâncias do Ministério Público e reformulação das Procuradorias de Justiça. Disponível em: <http://www.apmp.com.br/jurídico/artigos/docs/2002/09-27>. Acesso em: 1º de setembro de 2009. 101 ministeriais, como exceção, para que não seja ferido o interesse da sociedade, principal destinatária das atividades ministeriais: O Promotor de Justiça que inaugurar a instância recursal ou responder recurso poderá fazer a sustentação oral no segundo grau, quando couber, por ocasião do seu julgamento, na qualidade de órgão-agente, enquanto o Procurador de justiça funcionará como órgão-interveniente, 162 vale dizer, fiscal da lei. No item 2.2, ao examinar-se a LONMP, foram abordadas as exceções abertas pelo inciso I do art. 32, que autorizam o Promotor de Justiça a provocar a segunda instância judiciária, ou seja: na impetração de habeas corpus e mandado de segurança, apresentação de correição parcial (ou reclamação), inclusive, de acordo com o inciso IX do art. 25, em causas de alçada nas quais atue como custus legis para interpor recurso extraordinário. No caso específico de Santa Catarina, conforme autoriza a CE, pode, também, representar por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal (art. 95, inc. III). Como se vê, não está aí incluída a possibilidade de o Promotor de Justiça realizar sustentação oral em processo no qual tenha recorrido ou apresentado contrarrazões. Disto resulta a diferença entre postular ao tribunal e postular no tribunal. Esta última tarefa é dos Procuradores de Justiça que, via de consequência, têm atribuição de apresentar recursos contra atos do tribunal ou de seus órgãos. Destarte, seria um grande transtorno e desperdício de tempo, energia e dinheiro público promover o deslocamento de um Promotor de Justiça que atue em comarca distante da capital e com dificuldades de transporte, como acontece no Estado do Acre, por exemplo. Isso sem falar na necessidade de designar outro membro da instituição para responder pela Promotoria do viajante. A considerar, ainda, o clima negativo, de confronto mesmo, que se estabeleceria na sessão de julgamento entre os dois representantes ministeriais, situação que, certamente, levaria a um distanciamento – maior do que o já existente -, entre as duas instâncias, o que inviabiliza a tese sustentada. A posição assumida pela Ministra Eliana Calmon Alves, integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma Criminal do STJ, segundo a qual, quando o 162 SOUZA, Celso Jerônimo de. Sustentação oral do Ministério Público nos tribunais. Atuação: Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, n. 6, p. 205 e 227, maio/ago. 2005. 102 Ministério Público na origem for parte nos autos, devam participar dois Membros do Ministério Público em segundo grau: um na condição de custus legis e outro como autor. O custus legis seria aquele a quem toca representar o procuradorgeral na divisão do trabalho e o outro seria designado especialmente pelo procurador-geral (anexo 2), mostra pouca eficácia. Senão por outro motivo, pelo fato de que o designado para atuar como parte também não possui afinidade com os fatos por não ter participado da instrução do feito. Em consequência, pouco, ou quase nada poderá esclarecer e acrescentar ao processado. Ontologicamente e idealmente, não há razão para que haja tanto discrímen na percepção. A rigor, seja em primeiro ou em segundo grau, a missão constitucionalmente confiada ao Ministério Público pelos arts. 127 e 129 da Constituição não deveria mudar. Fale-se de Promotorias ou Procuradorias de Justiça, a verdade incontestável é que ambas as unidades deveriam constituir órgãos de execução do Ministério Público que, no espaço dos seus misteres, na combinada (mas nunca concomitante) atuação como órgão interveniente e agente, deveriam concentrar esforços conscientes no privilégio do exercício da segunda 163 possibilidade, como hoje infeliz e distorcidamente ainda não ocorre. (O grifo é nosso.) A posição clara e firme do Ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin – também integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma Criminal do STJ -, egresso do Ministério Público Estadual de São Paulo, bem define como deveria ser a participação do Ministério Público junto aos tribunais: Deve ser conforme a posição processual assumida originariamente na primeira instância. Na minha opinião, quando o Ministério Público é parte, não há necessidade de intervenção de nenhum outro representante do parquet, como custus legis. A posição de custus legis em segundo grau só se justifica quando o Ministério Público originariamente, assim houver integrado a lide. (Anexo 1. O grifo é nosso.) O Ministério Público deve buscar maior integração entre os membros das duas instâncias para que se obtenha uma visão sistêmica de sua atuação, desenvolvendo o Procurador de Justiça um trabalho combinado com o realizado pelo Promotor de Justiça, ocupando a mesma posição processual, 163 BERCLAZ, Márcio Soares. O Ministério Público em segundo grau diante do enigma da esfinge (e a Constituição da República): decifra-me ou devoro-te! Ministério Público: reflexões sobre princípios e funções institucionais. Organizador RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. São Paulo: Atlas S.A., 2010. p. 247. 103 porquanto a ambos incumbe defender a mesma sociedade e desenvolver a mesma função social. Se o órgão ministerial de segundo grau discordar das teses defendidas pelo seu antecessor no processo, isso faz parte da independência funcional que cada um detém. Ademais, quem pode afirmar qual delas melhor atende ao interesse público se ambos têm seus argumentos alicerçados na lei e na jurisprudência? O que não pode acontecer é transformar-se o tribunal numa arena, olvidando-se o interesse público que deve nortear o agir ministerial em qualquer circunstância, acirrando os conflitos nas relações internas dos integrantes das duas instâncias. Em se admitindo a hipótese defendida pela Ministra, iniciar-se-ia a derrocada da instituição. Aliás, difícil entender bem porque as razões da Intervenção da Segunda Instância seriam diversas das que ditaram a participação da Primeira.164 Medeiros faz uma observação interessante sobre o trato processual da manifestação contrária, em segundo grau, no que respeita à procedência de ação cível interposta por Promotor de Justiça. Suponha-se que numa Comarca, seja ajuizada pelo Ministério Público uma ACP que, após regular tramitação, não obtenha sucesso, resultando em sentença que a declare improcedente. Inconformado, o Promotor de Justiça, autor da ação, interpõe, tempestivamente, recurso de apelação buscando reverter a decisão. Depois de respondido o recurso pelo réu, os autos ascendem à Procuradoria de Justiça, sendo que o Procurador de Justiça, a quem coube pronunciar-se naqueles autos, posiciona-se contrariamente à pretensão do autor e concorda com a improcedência declarada. Naturalmente, o Tribunal de Justiça poderia entender que houve desistência da ação ou julgar deserto o recurso. Mas, o Ministério Público não pode desistir da ação ou do recurso interposto, logo a saída não é boa. (Anexo 4). Não cabe, aqui, aprofundar o assunto, que pode ser explicado pelo princípio institucional da independência funcional. No entanto, fica a dúvida de como deve ser interpretada a manifestação ministerial de segundo grau diante da impossibilidade de o Ministério Público abandonar a lide que tenha ajuizado ou desistir do recurso que formulou. Afinal, em última análise, opinando 164 DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Posição do Ministério Público de segunda instância no cível. Justitia. São Paulo, a. 43, vol. 112, p. 120, jan./mar. 1981. 104 pela improcedência da ACP, o membro do Ministério de segundo grau estará desistindo do recurso, recuando do que defendeu desde a propositura da ação. De qualquer modo, posturas tão antagônicas são pouco comuns e tenderão a ser raríssimas – senão inocorrentes - na medida em que os órgãos de execução das duas instâncias assumirem idênticas posições processuais. No que respeita à insuficiência da solução clássica relativa à intervenção plural de membros do Ministério Público num mesmo feito cível, Mazzilli faz pertinente afirmação: A verdade é que a multifária intervenção do Ministério Público deve levar os procuradores e Justiça praticamente às mesmas posições processuais que se identificam na atuação dos promotores de Justiça. O paralelo só não é perfeito porque os procuradores não prestam assistência judiciária, tarefa que, posto muito rara e só encontrada em casos restritos, ainda subsiste residualmente entre os promotores, onde não houver órgãos próprios. Na Capital, porém, não existe nem mesmo 165 esse pressuposto fático. A questão ontológica que se põe repousa no exame das razões que levaram a maioria dos doutrinadores, os tribunais, o Ministério Público e, especialmente, os representantes do Ministério Público no segundo grau de jurisdição a aceitarem tão passivamente o desvirtuamento da condição de dominus litis que a Constituição Federal lhes outorgou, sujeitando-se a regramentos contidos em Regimentos Internos de Tribunais, quando qualquer nova atribuição conferida ao Ministério Público só pode derivar de lei.166. Cabe insistir: a história institucional pode explicar essa tradição até certo ponto, não mais a partir do momento em que o Ministério Público foi organizado em carreira, conquistou independência e seu chefe passou a ser integrante da própria instituição. Referindo-se à identidade ontológica do Ministério Público de segundo grau, o Procurador de Justiça da área criminal do Ministério Público Catarinense, Odil José Cota, tece contundente e ácida crítica acerca da 165 In Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 413. 166 Art. 5º, § 2º, da Lei Complementar Federal n. 75, de 20.05.1993: Somente a lei poderá especificar as funções atribuídas pela Constituição Federal e por esta Lei Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e normas nelas estabelecidas. Art. 25, caput da Lei 8.625 de 12.04.1993: Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: [...]. 105 impropriedade da condição de parecerista desempenhada pelos Procuradores de Justiça do Ministério Público Estadual frente ao vigente texto constitucional: Deve-se à falta de visão de seus membros, ao comodismo, conformismo, e a mania de seus membros se acharem superiores, pensando que a sociedade não vai cobrar resultados, eficiência e eficácia. Não é porque o Ministério Público é uma instituição permanente que ele vai permanecer, se exercer a parcela da soberania do Estado, com comodismo. Mudar é preciso. A Constituição de 1988 mudou nosso perfil, porque, na prática, insistimos ou demoramos em adotá-lo? (Anexo 6. O grifo é nosso.) O Desembargador Medeiros167, membro do Grupo de Câmaras de Direito Público e da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao ser perguntado sobre a adequação do atuar ministerial nos tribunais aos preceitos constitucionais, afirma: Não está perfeitamente adequada em função do que falamos até agora. A questão é que dar parecer por dar parecer é uma situação retrógrada. (Anexo 4. O grifo é nosso.) É igual o posicionamento do Procurador de Justiça da área cível do Ministério Público de Santa Catarina – por duas vezes Procurador-Geral de Justiça -, José Galvani Alberton: Na segunda instância a minha posição sobre o assunto é muito clara: a atuação do Ministério Público persiste rigorosamente como autor da ação ou não se justifica. (Anexo 3. O grifo é nosso.) Portanto, é preciso desvelar-se a verdadeira identidade social e política da instituição do Ministério Público no segundo grau de jurisdição que, para Guilherme Costa Câmara, não pode ser alheada de perspectiva ontológica, dentro das balizas constitucionais e com olhos para o futuro.168 Segundo De Plácido e Silva, identidade em sentido jurídico, seja em relação às pessoas, às coisas ou aos fatos, a identidade quer significar o que é o mesmo, no fundo, embora visível em forma diversa ou demonstrado diferentemente. E, por esse modo não se entende nem se indica coisa nova, fato novo ou matéria nova, mas os mesmos, já demonstrados ou expostos anteriormente. Neste sentido, pois, identidade claramente significa mesmidade, não semelhança ou 169 paridade”. 167 Ex-Procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina. CÂMARA, Guilherme Costa. O Poder Ministerial. Artigo disponível em: Acesso em: 24 de <http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Constitucional/guilherme.html>. setembro de 2009. 169 Opus cit., p. 692. 168 106 Ora, se o Ministério Público, uno e indivisível que é, possui identidade de autor da ação penal pública quando oferece a denúncia, acompanha a instrução processual, é cientificado da sentença e com ela se conforma, dela recorre, ou responde a recurso do condenado, não é admissível que, na sequência, só porque o processo tramitará em outra instância, o autor assuma uma nova identidade, contestável sob vários pontos de vista, inclusive porque é estranho ao processo penal - em se tratando de ação penal pública - a existência, pura e simples, de um fiscal da lei, saído do nada, e deixando o processo perneta, só com a perna da defesa do acusado. É consabido que, na primeira instância é o Promotor quem acumula, em sua atuação, as condições de autor e custus legis, não havendo razão plausível para desmembramento desta dupla função, ou seríamos forçados a aceitar a esdrúxula hipótese de que dois Promotores deveriam atuar num mesmo processo: um deflagrando a ação penal e outro fiscalizando a atividade daquele, da defesa e do juiz. A Procuradora de Justiça Copetti, ao falar sobre a posição processual que deve ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau em face da atuação como autor na propositura da lide, afirma: O Ministério Público, em segundo grau, deve manter sua posição de parte quando foi o autor da ação, seja ela penal pública, civil pública ou por ato de improbidade administrativa. Os motivos desse convencimento são vários: só assim continua havendo contraditório no segundo grau; mantém-se uma coerência institucional e estimula-se a discussão interna e o desenvolvimento de posturas uniformes perante os interesses cuja defesa estão a cargo do Ministério Público. (Anexo 9. O primeiro grifo é nosso.) Apesar de a parte final do art. 610, do CPP, indicar que os autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral, não obriga o Procurador de Justiça a emitir parecer quando os recebe. Sem o mínimo propósito de desrespeitar aqueles que entendem o contrário, de acordo com a posição de alguns entrevistados e do Procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Sergio Demoro Hamilton, é de bom alvitre que se reitere o sentido processual da palavra 107 vista que traduz o sentido de exame, ou a ação de ver para examinar ou ter ciência, como ensina De Plácido e Silva.170 Ao examinar os autos, o Procurador de Justiça se inteira dos fatos, das provas produzidas, das teses sustentadas pelo Promotor de Justiça e pelo Advogado do réu, forma seu convencimento e decide se fará ou não sustentação oral na sessão de julgamento. Poderá, igualmente, verificar se préquestionará questão constitucional, indispensável para ensejar eventual interposição de recurso extraordinário, consoante dispõe a Súmula 282, do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal.171 O procedimento não desmerece a atuação do Procurador de Justiça, pelo contrário, dá mais dinamismo às sessões de julgamento, promove maior integração com os Promotores de Justiça, permitindo troca de informações com o recorrente – por exemplo -, para esclarecer qualquer ponto que lhe pareça obscuro, contribuindo para o compartilhamento de valores e consolidação da imagem interna e externa de coesão da instituição. Também contribui para evitar tratamento desigual entre as partes do processo e a construção de teses institucionais. Os autos, depois da vista do Procurador de Justiça, não retornam para a defesa que não conhecerá o teor da manifestação acostada. Essa situação, certamente, gera desequilíbrio processual e ofensa ao princípio do contraditório. A situação de desvantagem da defesa do réu em relação ao tribunal, depois de juntado o parecer ministerial, é cristalina, seja ele pela reforma da sentença absolutória ou confirmação da condenatória. A desvantagem é traduzida pela corriqueira adoção dos fundamentos do parecer exarado pelos Desembargadores ou, o que é mais grave, a reprodução integral do parecer como razão de decidir no acórdão. Da série de nove entrevistas realizadas, afere-se que os Desembargadores do TJSC Salete Silva Sommariva e Sérgio Paladino consideram que na situação em comento não há prejuízo à defesa do réu, porquanto a transcrição parcial ou total do parecer do Procurador de Justiça representaria, ao invés de uma adesão ao seu posicionamento, as conclusões da 170 Opus cit., p. 1492. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201 _300>. Acesso em: 15 de outubro de 2009. 171 108 própria câmara ou turma, sem necessidade de repetição ou acréscimos. A Procuradora de Justiça Coppeti tem entendimento semelhante, porém sob premissa diversa. Para ela: o julgador pode encampar argumentos de doutrinadores, que outra coisa não são senão meros pareceristas, das partes, de outros juízes e do Ministério Público, esteja este na posição de parte ou de custus legis porque, em qualquer caso, este se equipara àqueles. Afinal, o parecer tem mesmo o objetivo de influenciar o julgador. (Anexo 9) Embora defensáveis e aceitáveis as argumentações desenvolvidas pelos Desembargadores e Procuradora de Justiça, causa perplexidade a decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, adotada no acórdão do recurso em sentido estrito n. 283.532-3/4, em que é embargante o Ministério Público, ao determinar que fosse desentranhado o parecer produzido pela Procuradoria de Justiça, sob o entendimento de que, na forma como foi redigido, poderia influenciar a decisão dos jurados (juízes de fato nos crimes sujeitos a julgamento pelo Tribunal do Júri): Observe-se que o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, que não é Órgão da acusação, traz peculiar descrição dos fatos, além de aprofundar exame das provas, o que é inconcebível na presente fase, e poderá influenciar os Srs. Jurados, comprometendo o veredicto. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso. Determina-se o desentranhamento do parecer de fls. 174/176, mantendo em envelope 172 lacrado na contracapa dos autos. (O grifo é nosso.) Impedir que o Ministério Público cumpra suas atividades com autonomia e independência funcional é desconsiderar o comando constitucional do art. 127 da CF que dispõe ser ele órgão essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica. No entanto, admite claramente que o pronunciamento do membro de segundo grau do Ministério Público influi na decisão do processo, seja seu destino decidido pelo Tribunal do Júri ou pelo Tribunal de Justiça. Enfrentando o assunto em exame, Rogério Schietti Machado Cruz, em recente artigo, sustenta: 172 Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1888635>. Acesso em: 1º de dezembro de 2009. 109 O fato de emitir parecer e de, em sua conclusão “opinar” pelo provimento ou não do recurso, não significa que deixou o Ministério Público de agir como parte. Conclusão diversa levaria a conceber-se um processo com apenas uma parte – o acusado – o que nos parece um verdadeiro absurdo, notadamente diante do princípio acusatório que norteia a persecução penal pátria. ................................................................................................................. O que o Código de Processo Penal prevê, no art. 610, é a abertura de “...vista ao procurador-geral pelo prazo de 5 (cinco) dias...”, nada dizendo quanto à necessidade de o Procurador de Justiça apresentar peça 173 escrita na qual opine pelo provimento ou improvimento do recurso. Esse mesmo doutrinador, em outro artigo que analisa o parecer do Ministério Público ante a isonomia e o contraditório, citando Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, defende que: Do princípio do contraditório decorre o princípio da bilateralidade da ação. À ação corresponde a exceção. Aos atos do autor opõem-se os atos do réu e vice-versa. Assim desenvolve-se o processo numa marcha dialética. Mais ao fundo desse princípio encontra-se o próprio princípio da isonomia, também restaurador de todo processo de interpretação legal. Desses dois princípios decorre a consequência lógica de o réu falar nos autos depois do autor. A essa altura, pergunta-se: no processo penal, quando o processo crime atinge o grau recursal qual das partes fala por último? O réu ou o Ministério Público? Os artigos 610 e 613 do Código de Processo Penal nos dá (sic) a resposta: o Ministério Público manifesta-se depois da defesa e, ordinariamente, a defesa sequer tem vista do que foi oficiado pelo Ministério Público – a não ser que requeira 174 vista dos autos.” O STF já se manifestou sobre o assunto através de sua segunda turma, negando habeas corpus impetrado por defensor público do Paraná, que pleiteava – legitimamente – em benefício do réu, igual tratamento ao dispensado à parte contrária. O Ministro Relator, Carlos Velloso, para denegar a ordem, louvou-se unicamente nos dispositivos do CPP (arts. 610 e 613 do CPP), deixando de lado a CF - cuja defesa cabe especificamente ao STF -, que 173 In A Atuação do Ministério Público no Julgamento de Recursos, em face da Lei 9.099/95. Brasília, Clubjus, 29 abr. 2009. Disponível em: <http://clujus.com.br/?content=2.23541>. Acesso em: 5 de setembro de 2009. 174 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Parecer do Ministério Público ante a isonomia e o contraditório. Disponível em: <http://metajus.com.br/meus_artigos_artigos24.html>. Acesso em: 13 de setembro de 2009. 110 consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa no artigo 5º, inciso LV, alçados à categoria de direitos fundamentais175. A recém criada Defensoria Pública do Estado de São Paulo trouxe novamente a questão à tona e alguns de seus integrantes vêm sustentando, em preliminar de qualquer recurso ou habeas corpus, a necessidade de abertura de vista dos autos após a juntada do parecer ministerial. Em matéria publicada na página virtual da referida Defensoria, é proposta a seguinte súmula: ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS, EM SEGUNDA INSTÂNCIA, PARA A DEFENSORIA PÚBLICA APÓS A APRESENTAÇÃO DO PARECER PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – PARIDADE DE ARMAS – HOMENAGEM AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – 176 INOBSERVÂNCIA – NULIDADE DO JULGAMENTO. Já a posição dos entrevistados ficou dividida: a) para Alberton emitido o parecer, a outra parte deve poder manifestar-se para que também reveja o que está no processo. Deve haver paridade no tratamento das partes. (Anexo 3.) b) Cota entende que não há necessidade de pronunciamento da defesa porque o parecer não vale nada. Seu único valor é o da urgência, não deve e não pode demorar. (Anexo 6. O grifo é nosso.) c) Copetti, por sua vez, diz que a transcrição de parte do parecer ministerial no acórdão parece-me não afetar a posição do Ministério Público no feito e nem a validade da decisão. (Anexo 9.) Almir Alves Moreira, Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, no artigo intitulado Atuação do Procurador de Justiça nos processos em que o Ministério Público atuar como parte, pontua que: Promotor e Procurador de Justiça exercem as mesmas funções, porém em etapas processuais distintas, e essa relação de organicidade impede a intervenção simultânea de ambos os representantes do Ministério Público numa mesma fase do processo salvo se for outra a causa interventiva. Se os autos são remetidos ao Tribunal com manifestação do Ministério Público na qualidade de parte, não é lógico que a Instituição, através de um outro órgão de execução, pronuncie-se sobre a tese ministerial antes de apreciada e julgada pelo Judiciário, haja vista que o Procurador de Justiça não é órgão revisor ou censor dos trabalhos do 175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 70.283-0/PR, de 9.11.1993. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72329. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 176 Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Rpositorio/20/Documentos/Teses/Penal/11.doc>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 111 Promotor de Justiça que oficiar em primeira instância. nosso.) 177 (O grifo é O texto endossa, com peculiar clareza, a manifestação do Ministro Cezar Peluso, do STF, de 20 de fevereiro de 2008, na condição de relator do HC 87.926-8/SP, quando defende ser inviável a cisão da atuação do Ministério Público em fase de recurso do processo: entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no campo recursal, em processo-crime: não há excogitar que, em primeira instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau de recurso – que, frise-se, constitui mera fase do mesmo processo -, se 178 dispa dessa função para entrar a agir como simples fiscal da lei. (O grifo é nosso.) Intensa discussão tem sido travada entre os integrantes do STF acerca do momento processual adequado em que o Ministério Público deve realizar sua sustentação oral na sessão de julgamento. Em especial no processo penal, ante o que determina a parte final do parágrafo único do art. 610 do CPP: o Ministério Público deve realizar sustentação, quando assim o pleitear, após a defesa. Reiteradamente tem-se contrariado essa disposição, o que demonstra nitidamente que o CPP necessita ser reinterpretado segundo a CF a fim de preservar o contraditório e a ampla defesa. É o que conclui o STF, por unanimidade, no HC 87.926-8/SP: AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público. Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustentação oral da defesa após a do representante do Ministério Público. Provimento ao recurso. Condenação do réu. Ofensa às regras do contraditório e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Nulidade reconhecida. HC concedido. Precedente. Inteligência dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, 610, § único, do CPP, e 143, § 2º, do RI do TRF da 3ª Região. No processo criminal, a sustentação oral do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre 179 preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento. (O grifo é nosso.) 177 Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/3860>. Acesso em: 24 de outubro de 2009. 178 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/pesquisainteiroteor/.asp#>. Acesso em: 27 de maio de 2008. 179 Idem. Ibidem. 112 Nesse mesmo julgamento, o Ministro Carlos Britto enfatiza que em matéria penal, o Ministério Público não pode atuar binariamente como acusador e como custas iuris; os papéis não podem ser confundidos, porque as zonas de uma e de outra atuação são por demais tênues, imprecisas, vagas, e, portanto, perigosas180. Por último, brada que: A defesa tem que falar por último, senão não é defesa.181 Para finalizar, cabe reproduzir parte do voto do Ministro Ricardo Lewandowski no acórdão em discussão: não é possível cindir o Ministério Público, que é uno, como nós sabemos. [...] De um lado considerá-lo como dominus litis, e, de outro, como custos legis (sic). Em segundo lugar, verifico que o princípio do contraditório é absolutamente fundamental. E sem o contraditório não há que falar-se em devido processo legal, principalmente no que toca ao aspecto substantivo, que é matizado exatamente pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em terceiro lugar, [...] o prejuízo é efetivo, porque a intervenção da defesa a posteriori, ou seja, a intervenção da defesa em primeiro lugar e depois rebatendo o Ministério 182 Público, claro fica configurado aí o prejuízo. Portanto, embora o STF não diga que o Ministério Público deve atuar como parte junto aos tribunais no processo-crime, implicitamente coloca-o na condição de autor quando define que ele não pode se manifestar após a defesa para não ferir o princípio do contraditório, da ampla defesa, da razoabilidade ou da proporcionalidade. Impõe-se, ainda, reiterar a advertência feita pelo jurista italiano Piero Calamandrei, lembrada pelo Subprocurador de Justiça Antonio Araldo Ferraz dal Pozzo: não se compreendia bem qual a contribuição prática para a exata decisão da causa que pudesse derivar dessa espécie de consulência oficial sobre a quaestio júris, confiada a um magistrado jurista a um colégio de magistrados juristas que de direito sabiam tanto quanto ele e que para interpretar bem a lei não tinham nenhuma necessidade de seu 183 parecer. Pelo exposto, fica demonstrada a crise de identidade que permeia a atuação do Ministério Público junto aos Tribunais – antevista por 180 Idem. Ibidem Idem. Ibidem. 182 Idem. Ibidem. 183 In Posição do Ministério Público de segunda instância no cível. Justitia. São Paulo a. 43, vol. 112, 1981, jan./mar. p. 120. 181 113 Calamandrei (1889/1956). É necessário enfrentá-la e dar-lhe um basta, pois somente assim poderá ser revitalizada sua atividade a fim de que possa contribuir, efetivamente, para a realização da justiça. Já é tempo de assumir uma posição firme a respeito, evitando que julgamentos sejam protelados com questionamentos do tipo: o parecer do Procurador de Justiça quando o Ministério Público é parte originariamente, sem oportunidade formal de manifestação da defesa, fere princípios constitucionais e processuais? É caso de nulidade processual? Deve o Ministério Público falar antes ou depois da defesa? São procedimentos que causam insegurança jurídica e, por vezes, prejuízos irreparáveis à sociedade que lhe incumbe defender e proteger. A propósito, Berclaz, com peculiar propriedade, enfatiza que é preciso enfrentar essa situação, já que não se coaduna com as diretrizes constitucionais e prejudica a construção da unidade institucional: Já passou a hora de se pensar a (re) construção do Ministério Público em segundo grau a partir da leitura clara e pedagógica das múltiplas funções conferidas pela Constituição Cidadã, uma das quais o desempenho de atribuições extrajudiciais, .............................................................................................................. enquanto os membros de primeiro grau sempre devem concentrar atribuições extrajudiciais e judiciais, estas últimas tanto como órgão agente como interveniente, o mesmo não acontece com os Procuradores de Justiça que, via de regra, limitam suas atividades gerais, ao desempenho de atividades judiciais, a sua maior parte na condição de “fiscal da lei” como espectadores passivos de uma segmentada realidade processual. Dessa forma, também é pela impossibilidade de se exigir que Procuradores de Justiça, na sua atuação como custos legis (sic), tenham que concordar sempre com as posições defendidas por Promotores de Justiça, o que se faz em nome da independência funcional tão cara a estes e que obviamente também se estende àqueles, que o melhor caminho e solução para este impasse que prejudica a construção da unidade é simplesmente eliminar a atuação como órgão interveniente nas situações em que o Ministério Público já ocupa papel de parte, tarefa que não só elimina este problema como, de outro lado, abre perspectiva e reserva de energia para que os órgãos de execução de segundo grau assumam funções mais condizentes e 184 próximas com a identidade constitucional do Parquet. (O grifo é nosso.) A permanência desse sistema dual importará num distanciamento cada vez maior entre Promotor e Procurador de Justiça, bem como descaracterizará a instituição, gerando a idéia de que ascender ao segundo grau implica atingir, como diz Berclaz, uma zona de amortecimento e conforto, 184 Opus cit., pp. 256 e 261. 114 cuja função é a preparação para a aposentadoria e/ou vivência exclusiva de experiências de política institucional. Essa verdadeira patologia dificulta o exercício efetivo das missões constitucionais atribuídas ao Ministério Público, prejudicando sobremaneira a defesa e a promoção dos direitos da sociedade, além de contrapor-se ao princípio constitucional da unidade. 3.4 ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA A política jurídica apresenta um pluralismo conceitual proveniente de várias correntes doutrinárias. É necessário, então, num primeiro momento, decompor a expressão para melhor analisá-la. Plácido e Silva diz que o termo política é derivado do latim politice e procedente do grego politiké, que tem, na acepção jurídica, o mesmo sentido filosófico, designa a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado. Assim, é seu objetivo estabelecer os princípios, que se mostrem indispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, ao cumprimento de suas precípuas finalidades, em melhor proveito dos governantes e governados. Nesta razão, a política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis ao bom governo de um povo, dentro das quais devem ser estabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bom funcionamento das instituições administrativas do Estado, para que assegure a realização de seus fundamentais objetivos, e para que traga 185 a tranqüilidade e o bem-estar a todos quantos nele se integrem. Para Bobbio, Matteucci e Pasquino, o conceito de política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente ligado ao poder. Este tem sido tradicionalmente definido como “consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem (Hobbes)”.186 185 Opus cit., p. 1055. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 4. ed., v. 2, Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cascais e Renzo Dini. Brasília: Universidade de Brasília, 1992. p. 954 186 115 Hilton Japiassú e Danilo Marcondes definem política como tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos.187 Nesse contexto, Aristóteles afirma que: Cidade é um tipo de associação, e toda associação é estabelecida tendo em vista algum bem (pois os homens sempre agem visando a algo que consideram ser um bem); por conseguinte, a sociedade política [polis], a mais alta dentre todas as associações, a que abarca todas as outras, tem em vista a maior vantagem possível, o bem mais alto dentre 188 todos. Afirma também que o homem é um animal político e que a justiça é o liame entre os homens nas Cidades, pois a administração da justiça, a qual é a determinação do que é justo, é o princípio da ordem na sociedade política.189 (O grifo é o nosso.) Portanto, a política tem por objetivo a obtenção da paz e do bem-estar da comunidade administrada por determinado governo, que deve se organizar estabelecendo princípios e normas jurídicas aos quais deve se submeter, como devem submeter-se os governados. Por jurídico, termo derivado do latim juridicus, de jus (direito) e dicere (dizer), entende-se, [...] tudo o que é regular, que é legal, que é conforme o Direito. Desse modo, a qualidade de jurídico evidencia a de justo legal, porque mostra estar dentro da justiça e da ordem judiciária.190 Melo aprofunda o conceito de jurídico definindo-o como termo relativo aos princípios de Direito ou à ordem jurídica de um Estado. Não se confunde, necessariamente, com legal, cuja referência é à conformidade com determinado preceito de lei, restritamente.191 Reportando-se à justiça política, Moacyr Motta da Silva assenta que: Em sentido amplo, define-se por justiça política o conjunto de leis, criado pela sociedade política, destinado a regular a vida entre os homens.192 Traz, em seguida, o conceito de justiça política em Aristóteles: 187 In Dicionário básico de filosofia. 3. Ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 215. 188 ARISTÓTELES. Política. Trad. Pedro Constantin Tolens. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 53. 189 Idem, ibidem, p. 57. 190 SILVA, De Plácido e. Opus cit., p. 801. 191 In Dicionário de direito político. Florianópolis: OAB-SC Ed., 2000. p. 68. 192 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. 2. ed. rev. e atualiz. Curitiba: Juruá, 2008. p. 93. 116 Compreende a justiça natural e a justiça que se funda na lei. O filósofo reconhece a existência de justiça natural, decorrente da própria natureza das coisas e, de outra, produto da vontade do homem. Assinala, ainda, que são naturais certos elementos que, em todos os lugares, possuem a mesma força, uma só natureza. O ser humano não tem poder para modificar as coisas da natureza. São exemplos: o fogo, as marés, o 193 vento, o nascer e o pôr-do-sol ou o decurso do tempo. Melo, por sua vez, conceitua política sob três enfoques: 1. Estudo sistemático das coisas do Estado. 2. Estudo das formas de Poder nas relações humanas. 3. Usada a palavra como um atributivo, teremos uma expressão que denota um conjunto de meios ou de estratégias visando a um fim (Política da Educação, Política do Poder, 194 Política do Direito, etc.). Na definição do mesmo autor, política jurídica é: 1. Disciplina que tem como objetivo o Direito que deve ser, em oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do conjunto de estratégias que visam à produção de conteúdo da norma, e sua adequação aos valores Justiça (V.) e Utilidade Social (V.). 3. Complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou proposição de normas jurídicas ou de mudanças de rumo na Jurisprudência dos Tribunais, tendo como referente a realização dos 195 valores jurídicos. 4. O mesmo que Política do Direito. A política jurídica é um dos fundamentos desta pesquisa, porque seu objetivo é obter um direito mais justo e socialmente útil. O Promotor ou Procurador de Justiça, como os demais operadores do direito, devem participar dessa estratégia, pois o político do direito será: todo aquele que, impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica social, apresente-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviço da construção de um direito 196 que pareça mais justo, legítimo e útil. Os partidários da corrente do direito natural (jusnaturalistas), segundo Mello, destacam que o preceito do justo é só aquele compadecente com 193 Idem, ibidem, p. 93. In Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB-SC Ed., 2000. p. 76-77. 195 Idem, ibidem, p. 77. 196 Idem. Fundamentos da política jurídica. p.131. 194 117 o Direito Natural, [...] ao qual todo o direito positivo deveria adequar-se.197 O mesmo autor cita, como representante do jusnaturalismo, Pascual Marin Perez, para quem todo direito positivo deve ser interpretado segundo o enfoque do direito natural. Em consequência, para aquele autor, A Política do Direito seria o conjunto de regras que determinam a vinculação do homem de governo ao Direito Natural, através da técnica jurídica e com rigorosa lealdade aos princípios ideológicos do Estado, na mais ampla acepção do vocábulo.198 O maior representante da teoria normativista do direito, Hans Kelsen, defende que só a norma formalmente válida faz com que algo seja jurídico. O que importa é que a norma seja válida, conforme o direito. Evidenciando que com o termo norma quer-se significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira.”199 Em sua obra Teoria pura do direito, Kelsen delimita o objeto da Ciência do Direito e o objeto da Política do Direito, ou seja, separa epistemologicamente o estudo do “direito que é” (objeto da Ciência do Direito) do “direito que deve ser e como deve ser” (objeto da Política Jurídica).200 (O grifo é nosso.) Melo complementa afirmando que, na definição de Kelsen, tínhamos um aspecto de Política propriamente dita (buscar o direito que deve ser) e outro de tecnologia jurídica (como deve ser feito o Direito).201 Na doutrina empirista, da qual Alf Ross é legítimo representante, a Política do Direito seria mera sociologia jurídica aplicada ou técnica legislativa. Melo, embora renda homenagem ao pioneirismo na utilização da expressão política jurídica, critica essa posição dogmática reducionista de Ross argumentando que: Esse discurso reducionista, que nada mais aceita senão a relação norma-conduta pressuposta, só admite para a Política Jurídica o seguinte âmbito limitado de participação: os problemas especificamente técnico-jurídicos de natureza sociológica e outros conectados com estes; 197 Idem, ibidem, p. 25. Idem, ibidem, p. 29. 199 In Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. Ed. Armênio Amado. Coimbra, 1976. p. 21. 200 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index>. Acesso em: 8 de dezembro de 2009. 201 Idem, Fundamentos da política jurídica. p. 38. 198 118 a atividade de sopesar considerações e decidir como árbitro dos especialistas e participar na formação lingüística da decisão. .............................................................................................................. Insiste o Autor que a Política Jurídica cumpre apenas papel de “guia”, de “estrela polar”, como se a política não fosse ação e sim mero “lócus” indicativo. [...] O Político do Direito exerceria, assim, apenas, o papel de aconselhamento, quer fazendo doutrina, quer assessorando as 202 autoridades legislativas e judiciárias. A doutrina culturalista também se propõe a explicar a política jurídica, refletindo sobre as múltiplas instituições políticas que compõem as sociedades numa visão culturalista: ou seja encarando o Direito como fenômeno cultural, [...]. Entendemos que a consciência jurídica da comunidade inclui, além das motivações de interesse e dos resultados psicológicos das persuasões, o fruto das experiências e das práticas sociais acumuladas no imaginário social, resultantes das lutas sociais, dos conflitos entre interesses de classes, dos acertos e desacertos nas relações políticas, enfim não só do lento e inexorável aprendizado pelos sofrimentos e pelas decepções, mas se repetem na vida social. Tudo isso vai formar, na consciência Jurídica de sociedade, uma concepção de “direitos alternativos”, como interpenetrações de direito vivido (práticas sociais) e do direito imaginado 203 (representações jurídicas dos desejos). Melo deixa claro que Miguel Reale (defensor da doutrina culturalista) contribuiu expressivamente, por intermédio de sua obra, para o entendimento mais adequado do significado da política jurídica na atualidade, tendo dedicado especial atenção para o fato de a Política Jurídica figurar como parte culminante da Teoria do Estado, tanto no campo do saber político, quanto no saber jurídico; é que ela representa o ponto de intercessão ou interferência das duas pesquisas no plano empírico-positivo, como prudência legislativa e 204 jurídica. Reale sustenta em sua Teoria tridimensional do direito que a estrutura do direito é essencialmente tridimensional, integrada pelos elementos fato, valor e norma. Melo, por sua vez, destaca que, para a teoria e práxis da política jurídica, é fundamental pensar em valor, como faz Reale, que o define como 202 Idem, ibidem, pp. 41-42. Idem, ibidem, p. 44. 204 Idem, ibidem, p. 47. 203 119 uma intencionalidade historicamente objetiva no processo da cultura, implicando sempre o sentido vetorial de uma ação possível.” Possibilidade e realizabilidade são, em suma, qualidades inseparáveis do valor, e, por via de conseqüência, da experiência jurídica, enquanto é, 205 necessariamente, experiência de valores. Pela pertinência com a matéria tratada nesta dissertação, destaca-se a seguinte abordagem feita por Melo: A Política Jurídica é aberta, polissêmica, participativa, e comprometida com as utopias sociais. Torna-se, assim, o mais adequado espaço de criação democrática no universo jurídico, pois nem se compadece com o autoritarismo do pensamento jurídico tradicional, que fala em nome da lei, nem com o pensamento de contemporâneas correntes pseudoemancipatórias que falam em nome de uma verdade social imobilizada por signos configurados em velhos preconceitos vestidos de novas roupagens. Resgata semiologicamente o sentido do justo e do útil não através de discursos enganosos dirigidos pelo poder à sociedade, nem com os suspiros nostálgicos do jusnaturalismo, mas vendo-os como valores culturais resultantes das experiências das lágrimas e dos 206 sorrisos que afloram no painel da vida. Sendo, então, uma estratégia que objetiva a adequação das normas positivadas e válidas aos valores culturais de justiça e de utilidade social, a política Jurídica ocupa uma esfera intermediária entre a norma e os anseios sociais. Sua atuação está conectada com uma maneira de realizar a justiça, em sua acepção ampla, sem abandonar a segurança jurídica, recomendando sempre a aplicação da norma mais justa para o caso concreto, sem contudo, desconsiderar a necessidade de 207 manutenção do sistema jurídico-social. Aplicando os ensinamentos da política jurídica, em especial os da corrente culturalista, ao Ministério Público, pode-se dizer que a caminhada evolutiva da instituição até seu atual estágio constitucional necessita ser revigorada e legitimada. Faz-se necessário adotar uma ação político-institucional destinada a mantê-lo em consonância com as legítimas aspirações sociais. Como ficou demonstrado, a atuação desenvolvida hoje pelo Ministério Público Estadual de segundo grau nem sempre se insere nas exigências do direito que é. Surge, então, em caráter de urgência, a necessidade 205 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed., 7. Tiragem. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 94. 206 In Fundamentos da política jurídica. pp. 48-49. 207 PIFFER, Carla. A Importância da política jurídica para a atuação do Ministério Público. In Atuação: revista jurídica do Ministério Público Catarinense. n. 5, jan./abr.2007. p. 38. 120 de aplicar-se a política-jurídica para uma reflexão crítica que consiga construir o como deve ser dessa instância ministerial. 3. 5 A FUNÇÃO SOCIAL E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU 3.5.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU Nos subtítulos 3.1 e 3.2 foram tratadas as funções típicas e atípicas do Ministério Público, tendo sido estabelecido que o campo de atuação dos Procuradores de Justiça são as atividades típicas, portanto, de cunho processual, nas quais desenvolvem (ou deveriam desenvolver) funções bivalentes de parte ou interveniente (custus legis). Atuando numa ou noutra posição processual, é certo que devem ter como parâmetro a preservação e a garantida dos valores inscritos no art. 127 da CF, como bem enfatiza Paulo Bonavides. Também ficou demonstrada a posição ambígua que, nessa instância, o Ministério Público mantém em relação às atribuições que lhe são conferidas pelo art. 129 da CF, na medida em que se restringe a opinar, emitir pareceres, ao invés de exercitar ações proativas de promover e defender. A situação revela distanciamento e descompromisso para com a sociedade que ele tem o dever de proteger, ao ponto de ser questionada a própria necessidade de existência dos Procuradores de Justiça estaduais de segundo grau. Essa dúvida foi levantada por ninguém menos que integrantes e ex-integrantes da instituição que se sentem ou se sentiram desconfortáveis no papel, como desabafa o Procurador de Justiça José Galvani Alberton: Na segunda instância minha posição sobre o assunto é muito clara: a atuação do Ministério Público persiste rigorosamente como autor da ação ou não se justifica, o que constitui um inconveniente no contexto atual da justiça brasileira, já que me parece algo supérfluo. Se eu defender a posição de que o Ministério Público deva atuar como autor, a 121 parte ré, o demandado, deveria também ter uma segunda oportunidade de se posicionar, como o autor, ou seja, o processo não precisa fazer o caminho da Procuradoria-Geral de Justiça. Isso se deve a uma prática retrógrada do processo brasileiro; não há nada que justifique essa participação no segundo grau, nem mesmo na esfera criminal. Estou fazendo uma censura à própria lei, ao próprio modelo. A ação inicia na primeira instância, há uma decisão e, eventualmente, um recurso. Em havendo recurso, as partes deduzem as suas razões no primeiro grau e, subindo o recurso, compete ao segundo grau decidir. Qual a finalidade de passar pelo Ministério Público, ele vai julgar? Não, pois a ele não compete julgar. Vai complementar a acusação feita na primeira instância, tanto na esfera cível como na criminal? Neste caso é necessário abrir vista para outra parte, em razão do princípio da ampla defesa. Nisso reside uma anomalia, sem considerar que, por uma questão de política administrativa ou de gerência do sistema da prestação jurisdicional, não podemos, no contexto atual da justiça brasileira, nos permitir determinados preciosismos. É um comportamento que, a rigor, deveria ser dispensado, por onerar tanto em termos financeiros quanto em termos de celeridade da jurisdição. O jurisdicionado, em conseqüência, padece desnecessariamente. Eu defendo a segunda instância desde que lhe sejam cometidas atribuições como órgão agente, de acordo com o modelo de Ministério Público expresso na Constituição. O Ministério Público só pode ser agente, conforme o verbo utilizado na CF defender. Ele tem que defender algum daqueles valores que estão elencados no 208 art. 127, da CF. Não há outro espaço para ele. (O grifo é nosso.) Ao responder se a intervenção enquanto custus legis nos tribunais é justificável, quando o Ministério Público de primeiro grau for autor da ação, o Procurador de Justiça Odil José Cota, afirma: Sou favorável à extinção da postura de custus legis. O Ministério Público será sempre autor [...]. (Anexo 6.) Noutra passagem, manifestando-se sobre como deveria ser a participação do Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, coloca em dúvida a continuidade dessa atuação: O Ministério Público de segundo grau, caso mantido, atuaria como um grande escritório para os processos em grau de recurso. Os Procuradores de Justiça exerceriam, no segundo grau, a pretensão punitiva do Estado. (Anexo 6.) O entrevistado Ministro Herman Benjamin compartilha da mesma convicção: Eu acho que devemos rediscutir a própria figura do custus legis, limitando-a aos casos em que não há Ministro Público autor. Devemos abrir mão do custus legis sempre que o Ministério Público for autor, já que, nesse caso, é desnecessário e descaracteriza a isonomia. Se houver Ministério Público autor e a existência do custus legis impedir a 208 Procurador de Justiça, em exercício na área cível, do Ministério Público de Santa Catarina. (Anexo 3) 122 sustentação oral ou a defesa das teses da sociedade, há que se abrir mão do custus legis. (Anexo 1. O grifo é nosso.) Deduz-se, então, que além de uma crise de identidade, o Ministério Público de segundo grau discute a sua própria existência nos moldes atuais, ou seja, põe em dúvida sua função social. Nos primórdios da existência humana, o homem procurou viver em sociedade no intuito de se proteger contra os ataques de animais e das intempéries. Com o passar do tempo, verificou que o compartilhamento de habilidades entre os integrantes do grupo proporcionava bem-estar a todos. Se o homem pertence a uma comunidade, portanto, tem o dever de contribuir, segundo suas possibilidades, adicionando esforços para atingir o desenvolvimento e a estabilidade dessa mesma comunidade. O homem tem o dever de ser solidário com seus semelhantes, pois não se basta a si mesmo. Desse modo o homem se obriga a participar, permitindo que todos possam usufruir de sua capacidade a fim de favorecer uma comunidade cada vez mais próxima do ideal. No entanto, de outro lado, traduz-se em um ônus insuportável o homem que integra uma coletividade e dela só usufrui benefícios sem contribuir em nada para o desenvolvimento dela e a geração de bem-estar social. Nesse sentido é que se impõe a busca da função social de cada Membro integrante do Ministério Público, a qual por certo há de implicar em obrigações a realizar para o cumprimento do destino institucional delineado por Campos Salles, no princípio da República, de ser “instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, a qual compete velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça e promover a ação pública onde ela convier.” Daí a origem vocacional de defesa da legalidade democrática mais tarde alcançada com a Carta da 209 República de 1988. (O grifo é nosso.) A Procuradora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Gisela Protério Santos Saldanha, baseada na experiência exitosa da Procuradoria dos Direitos Difusos e Coletivos, que levou à assunção da postura de parte autora perante o Tribunal de Justiça daquele Estado nas ACPs ajuizadas por Promotores de Justiça, reclama que idêntica atitude deve ser adotada pelos Procuradores de Justiça que atuam na área criminal para que a defesa da 209 SALDANHA, Gisela Potério Santos. Da Função social do membro do Ministério Público. Disponível em: http://promotorjustiça.bolgspot.com/2007/03/da-funo-social-do-membro-doministerio.h... Acesso em: 30 de julho de 2009. 123 sociedade se apresente factível em grau recursal.210 A Procuradora também considera que a implantação da referida Procuradoria torna-se necessária para corrigir a atuação do Ministério Público junto aos tribunais, de modo a aperfeiçoar o trabalho e agilizar os processos, complementando: É desse modo que entendemos que a função social de cada membro se desvela, e tais transformações antes de representarem críticas, são colaborações dirigidas à melhoria da qualidade de atuação de cada Procurador de Justiça, para que lhe seja oportunizado desempenhar com melhor estrutura a função típica de agente, e isto implica ter-se conhecimento efetivo de cada caso, aproximar-se dos debates orais nos tribunais, por onde nossos processos percorrem, envidando esforços para atingir o sucesso do caso, sucesso esse que não é do Procurador de Justiça e tampouco do Promotor de Justiça, mas da sociedade, que o 211 Ministério uno e indivisível representa. Esses esforços são encetados, parcialmente, na condição de controlador, segundo Copetti, e de modo algum no segundo grau como registram em suas entrevistas: Medeiros, Herman Benjamin, Alberton, Cota e Campbell. (Anexos 9, 1, 3, 6 e 5, respectivamente.) A desvinculação do compromisso com a inerente função social no Ministério Público de segundo grau é de tal ordem, que chega a não reconhecer interesse público, em execução de termo de ajustamento de conduta firmado nos autos de inquérito civil numa das Promotorias de Justiça de Improbidade Administrativa de Florianópolis, como se verifica no agravo de instrumento n. 2008.043965-2, interposto ao processo 023.08.030760-7, que tramitou na primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,212 o que mereceu comentário do Min. Herman Benjamin: O prejuízo é enorme. Essa é uma visão completamente ultrapassada e em confronto direto com o direito moderno que está preocupado, não apenas com a concessão de direitos e o estabelecimento de obrigações, mas, com o respeito à implementação desses direitos e obrigações. É injustificável que o Ministério Público brigue para fazer valer a lei até a celebração de um TAC e depois não possa ele próprio executar esse título. A hipótese vale tanto para ocaso em que o título foi celebrado pelo Ministério Público, como quando é celebrado por outros co-legitimados (associações e o próprio poder público). Se o Ministério está legitimado 210 Idem, ibidem. Idem, ibidem. 212 Disponível em: <http://app.tjsc/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?>. Acesso em: 8 de dezembro de 2009. 211 124 para defender direito em juízo sem título algum, com maior razão quando ele existe. (Anexo 1. O grifo é nosso.) Alberton alerta para a insegurança jurídica e a desconfiança na instituição geradas pelo proceder, enquanto Copetti destaca que, além de prejudicar a sociedade, viola um dever funcional. Impõe-se uma reflexão crítica a propósito da atuação do Ministério Público Estadual em segundo grau, não só para impedir que seja amordaçado (como pretendem seus inimigos), mas para que atenda às expectativas da sociedade ou do povo, como diagnostica o advogado paranaense Dálio Zippin Filho: E o povo o que espera do Ministério Público no início deste Terceiro Milênio? Espera que o Promotor de Justiça pós-moderno seja capaz de estender uma ponte por cima do abismo que separa o discurso científico do discurso da ética e da política. Que acredite no que faz pensando que a verdade e a eloqüência são inseparáveis e que ambas brotam do coração. Que seja movido pela paixão, sentimento que o fará perseguir e realizar a justiça. Que seja um eterno estudante integrando-se em um processo de educação continuada. Que tenha um projeto continuado de educação de vida, conhecendo a realidade, interpretando adequadamente os fenômenos da micro ou da macro-comunidade onde atua, penetrando na psicologia do semelhante, para quem atua. Esperase que a verdadeira revolução deva começar na consciência de seus integrantes, pois o Promotor de Justiça exerce um poder político e dele 213 não deve abdicar. (O grifo é nosso.) Como se vê, as esperanças depositadas no Ministério Público são deveras relevantes e não podem ser frustradas pelo comodismo ou insensibilidade aos reclamos e aspirações da sociedade. O desempenho de sua função social inclui a aproximação do discurso ético e político, processando os ímprobos, os que praticam crimes, especialmente aqueles que prejudicam toda a sociedade, instigando os administradores públicos a implementarem as políticas necessárias à consecução dos fundamentos e objetivos da república, consagrados nos arts. 1º e 3º da CF. 213 In O Ministério Público. Disponível em: <htpp://www.parana.online.com.br/canal/direito-ejustiça/news/260167/?noticia>. Acesso em: 10 de setembro de 2009. 125 3.5.2 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU Na pesquisa realizada não se localizou doutrinador, julgado ou escrito, que aprofundasse reflexões sobre a temática da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da atuação parecerista ou opinativa do Ministério Público Estadual, junto aos Tribunais de Justiça, quando é transposta a posição de parte assumida em primeira instância, para fiscal da lei. A manifestação mais próxima dessa questão é do Procurador Regional da República e professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Paulo Queiroz: Parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau como “custos legis” (sic), posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa: No futuro a autuação do MP como parecerista deve ser abolida, se é que de fato foi recepcionada na 214 Constituição. Faz-se, pois, necessário, recorrer às funções nucleares enumeradas no artigo 129 da CF para traçar um parâmetro entre a prática e o dever ser dos órgãos de execução em exame. Ficou suficientemente explicitado que a função exercida por eles é sempre fiscalizatória, de custus legis, salvo as exceções das competências originárias dos Procuradores-Gerais de Justiça e as experiências das Procuradorias Especializadas em Direitos Difusos e Coletivos, dos Ministérios Públicos de Minas Gerais e São Paulo. Efetivamente, as atribuições do Ministério Público são aquelas enumeradas no art. 129 da CF, do qual se depreende serem todas de caráter ativo: a) o inciso I estabelece a atribuição de promover a ação penal pública, e promover significa ajuizar, intentar e dar andamento, não opinar ou emitir parecer; b) o inciso II impõe zelar pelo respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (e não opinando); c) o inciso III determina promover (e não opinar) o inquérito civil e a ação civil pública; d) o 214 In Sobre a Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/print.php?content=2.16762> Acesso em: 4 de dezembro de 2009. 126 inciso IV ordena promover a ação de inconstitucionalidade (e não opinar); e) o inciso V prevê a defesa dos direitos e interesses indígenas (e não opinar); f) o inciso VI autoriza expedir notificações e requisitar documentos e informações, e não opinar sobre tais atos; g) o inciso VII determina o exercício do controle externo da atividade policial, não opinar sobre ele; h) o inciso VIII autoriza requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, e não opinar a respeito; e i) o inciso IX autoriza o exercício de outras funções, desde que compatíveis com as que lhe incumbem e proíbe a representação judicial e a consultoria jurídica a entidades públicas. Ou seja, em nenhum momento a Constituição Federal determina que o Ministério Público seja um parecerista, um opinador. O Procurador de Justiça Catarinense Odil José Cota acresce: A essência da Constituição de 1988, ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, fala em promover, defender, exercer em todos os incisos do artigo 129, e omite opinar e sugerir. Por outro lado, fosse a justiça, como um todo, uma empresa privada à beira de uma crise, necessitando um enxugamento, quem os diretores dispensariam em primeiro plano? Os que promovem? Os que decidem? Ou os que opinam, sugerem e aconselham? (Anexo 6. O grifo é nosso.) O entrevistado Ministro do STJ, Mauro Campbell Marques,215 considera que o atuar do Ministério Público junto aos tribunais não está adequado ao comando constitucional. Aliás, a maioria dos entrevistados é da mesma opinião. O doutrinador Paulo Vasconcelos Jacobina manifesta toda a sua revolta sobre a passividade dos membros do Ministério Público: Que os juízes contratem assessores para lhes ajudar, e que o Ministério Público seja parte ativa em todas as lides, deixando o trabalho de dar opinião, de dar palpites à assessoria dos juízes e tribunais. [...] o Ministério Público não é órgão jurisdicional, nem muito menos – mesmo para a tristeza de muitos – órgão administrativo do judiciário. É falta de dignidade institucional deixarmos o judiciário regulamentar nossa atuação profissional por regimento interno. [...] O regimento pode convidar-nos a atuar, mas nós somos os únicos juízes da oportunidade, conveniência e do conteúdo da nossa manifestação. [...] Não podemos funcionar como consultores do juiz, em processo nenhum, por vedação 216 constitucional. 215 Integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma do STJ, oriundo do Ministério Público do Amazonas, onde foi por duas vezes Procurador-Geral de Justiça. 216 In O Ministério Público como fiscal da lei na ação penal pública. Boletim dos Procuradores da República. Ano 1, n. 6 out.1998. p. 24. 127 Jacobina, no artigo em destaque, desenvolve um raciocínio interessante que visa situar a função processual do Ministério Público em segundo grau. Para ele, o Ministério Público atua sob dois prismas: pode ser autor, quando promove uma ação ou dá início a uma demanda na busca de uma prestação jurisdicional e pode ser chamado a intervir, manifestar-se em ação proposta por terceiros com a finalidade de identificar a existência ou não de interesse social ou individual indisponível, como parte autônoma. Não deixa, porém, de ser parte, vinculada a sua atuação à existência do interesse que motivou a sua intervenção ele não é autor nem réu, mas interveniente. Não está psicologicamente atrelado à pessoa de nenhuma das partes, mas está juridicamente atrelado ao interesse indisponível posto em juízo. [...] Identificado esse interesse, por ele próprio, ele não é mais imparcial. Pode apenas atuar na defesa desse interesse, e não como espectador distante, proferidor de oráculos ou auxiliar pouco digno do juiz. Na defesa do interesse identificado, ele aduzirá razões jurídicas argumentativas, requererá a produção e produzirá provas e, eventualmente, recorrerá. Não é, repita-se, auxiliar do juiz, mas parte – embora em posição diversa da parte autora e da parte ré – e parte vinculada à defesa acirrada de um interesse. Neste sentido o Ministério 217 Público é sempre parcial, portanto. (O grifo é nosso.) A posição do autor é reforçada quando se constata que, se o Ministério Público em primeiro ou segundo graus atua, por força do disposto nos incisos I e II do artigo 82 do CPC, em ações que versam sobre interesse de incapazes, estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de última vontade e ausência, não é imparcial, age – como afirmado no item 1.3 – para preservar valores e direitos considerados permanentes e, por isso, requerem a proteção estatal, ante a fragilidade do incapaz e a incapacidade da sociedade em preservá-los. A posição de Copetti, na entrevista fornecida, é semelhante quando assevera que a manifestação em segundo grau tem a finalidade de influenciar a decisão do Tribunal (Anexo 9), portanto não é imparcial. Compete ao Ministério Público, junto aos tribunais, a mesma e única missão que rege a atuação em primeira instância, a de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, limites estabelecidos pelo art. 127 da CF, conforme adverte Paulo Bonavides: 217 Idem, ibidem. 128 O Ministério Público, por conseguinte, nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; é a Constituição em ação, em nome da Sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições. Se há regra ou princípio de política jurídica que o rege, esta regra ou princípio é a norma que deve fazê-lo obediente aos fins institucionais insculpidos no art. 127, da Carta Magna. Descumpridos esses fins, o órgão se descaracteriza e se desfigura pelo falecimento de seus valores 218 objetivos. (O grifo é nosso.) Se o Ministério Público não pode desbordar das missões que a CF lhe reservou e tornar-se mero espectador da cena processual, não há legitimação para que oficie junto aos tribunais diversamente da posição originária que assumiu, deixando a sociedade indefesa, insegura e o processo capenga, sem autor, como acontece na ação penal pública, nas ações civis públicas, nas ações de improbidade e em todas aquelas deflagradas por Promotores de Justiça. O Ministro Herman Benjamin é taxativo: Nós não podemos calar o Ministério Público autor a pretexto de ter um Ministério Público custus legis presente. Se optar for necessário, é preferível ter um Ministério Público autor que um Ministério Público custus legis. Se for diferente teremos em todas as ACPs sustentações orais feitas pelos maiores escritório de advocacia em nome do(s) réu(s), um silêncio absoluto do autor e, por via de consequência, estará ausente a voz da sociedade. (Anexo 1. O grifo é nosso.) Uma mostra viva e irrefutável do abismo que se abriu entre o Ministério Público de segundo grau e suas obrigações constitucionalmente estabelecidas traduz-se no seu comportamento frente a questões que envolvem direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis, pois é tênue – senão quase nula – a defesa que se realiza nas sessões de julgamento das ações civis públicas propostas por Procuradores e Promotores de Justiça no STJ, como enfatizou o Ministro Herman Benjamin ao revelar que, em 10% das ACPs propostas pelo Ministério Público, apenas, ocorre manifestação do representante ministerial, situação que coloca em risco o destino de questões, muitas vezes, de relevância nacional. 218 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa – por um direito constitucional de luta e resistência e uma nova hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 384. 129 A meu juízo é um milagre que o Ministério Público Estadual ou o Ministério Público Federal obtenham ganho de causa nas ACPs de grande repercussão no STJ porque, na maior parte das vezes, há um silêncio absoluto do autor da ação. (Anexo 1). Essa omissão é ratificada pelo Desembargador Medeiros. Referindo-se ao desempenho dos Procuradores de Justiça no julgamento dos recursos das ACPs no TJ/SC de iniciativa do Ministério Público, assim se pronunciou: Durante o tempo que estou aqui – e lá se vão dez anos – só houve duas intervenções em ACPs, nem foram sustentações orais, foram apenas intervenções. Para nós Desembargadores, seria muito importante que houvesse manifestação do Ministério Público, especialmente quando há sustentação oral contundente da outra parte, quando o MP é o apelado, Depois, outra dificuldade reside em que, nem sempre, o Procurador que participa da sessão é da área, não precisa ser aquele Procurador que deu o parecer, mas que seja algum que atue na área. Deve haver uma especialização dos Procuradores. (Anexo 4). Portanto, não se coaduna com a matriz constitucional a transposição processual de titular privativo da ação penal pública, autor da ação civil pública e autor da ação de improbidade, para a posição de parecerista ou de opinador atualmente desempenhada pelo Ministério Público nos tribunais. Essa mudança de posição processual fere o princípio do promotor natural, que faz parte do devido processo legal, previsto no art. 5º, inc. LIII, da CF, conforme assinalou Mazzilli.219 Urge que os Procuradores de Justiça abandonem o comportamento confortável de assessores de luxo de juízes, desembargadores e ministros, pois não é essa a função que a carreira lhes obriga, não é para tal atuação que são remunerados, muito menos é o que a sociedade deles espera. o exercício das atribuições do Ministério Público em segundo grau encontra-se substancialmente alienado da missão constitucional que lhe exige a complexa sociedade brasileira pós-moderna nas suas carências, demandas e conflitos por efetivação de direitos humanos e fundamentais, especialmente quanto a sociedade livre e solidária estabelecida como objetivo da República (art. 3º, inc. I, da Constituição) 220 ainda é projeto aberto em busca de concretização. 219 In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. p. 77 e seguintes. 220 BERCLAZ, Márcio Soares, opus cit. pp. 241-285. 130 Em conclusão, respondendo ao subtítulo desse terceiro capítulo, por não encontrar respaldo constitucional, a atual forma de agir dos Membros do Ministério Público Estadual de segundo grau nas causas antes enumeradas, quando propostas por seus pares em primeiro grau – e, por extensão pelos Procuradores da República junto aos Tribunais Regionais Federais, STJ e STF – ofende a Constituição Federal e, consequentemente, é inconstitucional. 131 CONSIDERAÇÕES FINAIS A transformação dos antigos procuradores do rei, encarregados de defender seu patrimônio e interesses privados, em defensores da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis levou mais de quatro mil anos para acontecer. As atribuições por eles exercidas nas diferentes origens localizadas pelos pesquisadores: Egito, antiguidade clássica (Grécia e Roma), Idade Média (Germânia, Gália, civilizações da Península Escandinava), no direito canônico ou pelos procuradores do rei da Casa da Suplicação de Portugal, em 1289, pouco se assemelham às atuais funções dos Membros do Ministério Público, muito especialmente dos Promotores e Procuradores de Justiça brasileiros. Nos períodos do Estado Novo (1937-1945) e da dominação militar (1964-1984) houve grande efervescência política e legislativa no Brasil e, apesar do autoritarismo reinante, o delineamento da instituição iniciado através do Código Civil (1916) ganhou novos contornos nos textos dos Códigos Penal (1941), de Processo Penal (1941) e de Processo Civil (1939), reformado em 1973. Mas foi a Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981, que introduziu profundas e sensíveis transformações na forma de atuação do Ministério Público brasileiro, aproximando-a de sua atual formatação. Foram instituídas normas gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais, consolidados os princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da autonomia funcional; estabelecidas as funções institucionais de velar pela observância da Constituição e das leis, e promover-lhes a execução; além de promover a ação penal pública. A mesma lei complementar assegurou-lhe autonomia administrativa e financeira; determinou que tivesse quadro próprio de servidores; conferiu aos Procuradores de Justiça a atribuição de representar o Ministério Público em segunda instância e vedou o exercício das funções institucionais a pessoas estranhas à carreira. Também foi estabelecido o conceito de Ministério Público que serviu de base para aquela expressa na Constituição de 1988. O advento da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que autorizou o Ministério Público a promover ações civis públicas em defesa de 132 direitos metaindividuais, ao lado de outros colegitimados, e outorgou-lhe a exclusividade para instauração de Inquérito Civil Público, foi outro marco a contribuir para consolidar o desenho constitucional do Ministério Público. Já nessa época, os membros da Conamp, sucessora da Caemp, contribuíram para definir o perfil do Ministério Público, organizados que estavam desde a edição da Emenda Constitucional de 1977, em que foi prevista a edição de lei complementar para dispor sobre a instituição. Foi durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, convocada para delinear uma nova ordem jurídica no país, que o movimento político do Ministério Público influiu decisivamente na definição de seu papel na Constituição de 1988. A Conamp - com apoio nas opiniões predominantes sobre temas relativos à instituição, recolhidas em quase mil questionários respondidos por Membros do Ministério Público de todo o Brasil, e nas teses apresentadas em congressos, sintetizadas nas propostas da Carta de Curitiba -, exerceu vigilância permanente a fim de evitar que o texto constitucional ferisse as aspirações institucionais, as quais se harmonizavam com o contexto histórico e político vigentes. Como assevera Fábio Kerche, a Conamp obteve sucesso na luta para firmar o Ministério Público como defensor independente dos direitos da sociedade, porque apresentou uma proposta que não era contrária aos elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de aspectos conjunturais e de cultura política presentes na Assembleia Nacional Constituinte.221 O Ministério Público conquistou posição de independência em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na CF de 1988 que o definiu, em seu art. 127, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Por ser instituição permanente, não pode ser retirada da Constituição. É essencial à função jurisdicional sempre que estiverem em jogo interesses sociais e individuais indisponíveis, já que lhe compete defender a manutenção da ordem jurídica e a defesa do regime democrático, porquanto ela só pode contribuir para 221 KERCHE , Fábio. O Ministério Público e a constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. p. 232-233. 133 a realização da paz social se estiver inserida num regime de liberdade. O Ministério Público é defensor dos direitos individuais indisponíveis nos processos que versam sobre interesse de incapaz, estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência, disposições de última vontade e saúde. Ele defende os interesses sociais indisponíveis em questões relativas ao meio ambiente, patrimônio público e social, criança e adolescente, pessoas com deficiência, idosos, saúde pública, consumidor, bens de valor artístico, estético, turístico e paisagístico e qualquer outro direito difuso ou coletivo. Dentre outras conquistas, o texto constitucional estabelece, ainda, as garantias e vedações de seus membros; proíbe a nomeação de pessoas estranhas à carreira para exercício das funções que lhe são pertinentes; dá-lhe exclusividade na instauração de inquérito civil público; autoriza-o, concorrentemente com outros órgãos públicos e da sociedade civil, a promover a ação civil pública e garante aos Ministérios Públicos Estaduais a formação de lista tríplice dentre os integrantes da carreira para posterior escolha de seu Procurador-Geral pelo chefe do Poder Executivo. A Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, rege a atuação dos Ministérios Públicos Estaduais, estabelecendo em seu art. 31 que compete aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste, regramento que permite inferir que o órgão de execução Procurador de Justiça (art. 7º, inc. III, da LONMP) desempenha funções residuais em relação àquelas cometidas ao órgão de execução Procurador-Geral de Justiça (art. 7º, inc. I, da LONMP), o qual concentra a maioria das atribuições em segundo grau de jurisdição, de acordo com o art. 29, da LONMP. Outras duas disposições legais, que reforçam a conclusão sobre a concentração de atribuições junto aos tribunais de justiça pelo Procurador-Geral de Justiça, são encontradas nos artigos 610 e 613, caput, do CPP, as quais determinam que sejam os autos dos processos-crime em grau de recurso remetidos imediatamente com vista ao Procurador-Geral de Justiça, pelo prazo de cinco dias, donde resulta a estratégia, comumente adotada, de delegar aos Procuradores de Justiça essa função, por ser humanamente impossível a um 134 Procurador-Geral examinar todos os processos-crime que tramitam num Tribunal de Justiça. As disposições legais mencionadas – resquício do autoritarismo que imperou no país - podem ter influenciado os ocupantes do segundo grau do Ministério Público a se manterem aquietados no que respeita à atuação processual, sem se preocuparem em amoldá-la às novas exigências constitucionais. Continuaram a emitir pareceres, opiniões, nas ações penais públicas, bem assim nas ações civis públicas e de improbidade administrativa, iniciadas por seus pares em primeiro grau, agindo somente como fiscais da lei e mantendo-se equidistantes das partes, imparciais, tal como acontecia na fase préconstituição de 1988. Esse comportamento expressa completa desconsideração ao princípio do Promotor Natural com sede no art. 5º, inc. LIII, da CF, prejudica o exercício da função social do Ministério Público junto aos tribunais, pois se afasta dos compromissos assumidos quando da deflagração da ação, seja penal ou civil, a pretexto de uma neutralidade (imparcialidade) sem sustentação na legislação infraconstitucional, muito menos na CF. O perfil das ações desenvolvidas pelo Ministério Público deve ajustar-se, forçosamente, ao estabelecido no art. 127 da Constituição e deve permanecer o mesmo em todos os processos nos quais intervém, independentemente de quem esteja atuando (Promotor ou Procurador de Justiça), pois representam a mesma instituição e cumprem a mesma missão de defesa dos valores inscritos no citado artigo. O descompromissado lançamento de um parecer em processo deflagrado pelo Ministério Público de primeiro grau não mais se conforma com o modelo independente e proativo - tão avidamente reivindicado pelo próprio Ministério Público - assentado em nossa Lei Maior. Da mesma forma, o artigo 610 do CPP não obriga a emissão de parecer pelo Ministério Público de segundo grau, impondo, apenas, que lhe seja aberta vista pessoal, para que tome ciência do processado, verifique se foi observado o devido processo legal, postule eventual diligência sanatória e, principalmente, prepare sustentação oral do recurso quando da sessão de julgamento, caso entenda necessário. 135 No mesmo diapasão se insere o comando do art. 41, inc. III, da LONMP. Aliás, este artigo é mais explícito ao dispor que, após distribuição dos autos às turmas ou câmaras, eles devem ir com vista ao Ministério Público, competindo-lhe intervir nas sessões de julgamento, para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato. Portanto, a atuação, por excelência, do Procurador de Justiça deve concentrar-se na sessão de julgamento do processo que lhe foi distribuído, quando pode desenvolver sustentação oral ou aclarar os pontos que entender necessários e, também, decidir se vai recorrer da decisão que vier a ser proferida, caso não se coadune com as teses defendidas pelo Ministério Público. A supressão do parecer - tradicionalmente emitido nessa fase processual – que é‚ na esmagadora das vezes‚ o único contato com a causa -, possibilitará o estabelecimento do necessário vínculo entre o Membro do Ministério Público de segundo grau e o interesse indisponível em jogo. A exemplo da eliminação do indigesto promotor ad hoc e da ação penal ex officio, situações que enfraqueciam e distorciam o papel do Ministério Público na lide processual e perante os interesses sociais que lhe compete defender, urge abandonar a praxe processual parecista ou opinativa entre os Membros de segundo grau da instituição, nos casos mencionados, para que suas manifestações não firam os princípios constitucionais e processuais da ampla defesa, do devido processo legal e da isonomia processual, não se divorciem da realidade, tampouco dos legítimos interesses da sociedade e não percam o caráter de essenciais à função jurisdicional previsto no caput do art. 127 da CF. Assim como se defende a prevalência do princípio do Promotor Natural quando as razões de inconformismo com a sentença condenatória são apresentadas perante o tribunal de justiça, frente à falta de suporte legal para afastar o Membro do Ministério Público que originariamente propôs a ação penal pública, e pela ausência de contemporaneidade em tal proceder, é imanente ao vigente ordenamento jurídico que a sociedade não se quede indefesa pela supressão da parte que deu causa à persecução penal, defesa de interesses coletivos ou individuais indisponíveis e daqueles que praticaram ações de improbidade administrativa. 136 O Procurador-Geral de Justiça (que eventualmente pode ser 222 Promotor de Justiça) e o Procurador de Justiça são os Promotores Naturais das causas que tramitam em segundo grau de jurisdição. As exceções que permitem ao Membro do Ministério Público de primeiro grau provocar a segunda instância de jurisdição - habeas corpus, mandado de segurança, reclamações e ações diretas de inconstitucionalidade de leis e normas municipais em Santa Catarina, não interferem neste princípio e, tampouco o maculam, pois limitam-se a autorizar o Promotor de Justiça a postular ao tribunal, mas não no tribunal. O Membro do Ministério Público de segundo grau não pode ser afastado – a não ser nas situações especificadas na LONMP -, nem se afastar da obrigação legal de atuar nas matérias de sua atribuição, submetendo-se unicamente ao comando da lei e ao seu convencimento pessoal. Tampouco tem autorização constitucional ou legal para posicionar-se processualmente em polo diverso ao originariamente assumido pelo Membro do Ministério Público de primeiro grau. O casuísmo deve ser banido na fixação das atribuições dos Procuradores de Justiça que podem, perfeitamente, ser definidas administrativamente pelo Colégio de Procuradores de Justiça, como acontece com aquelas afetas aos Promotores de Justiça, sem que haja necessidade de lei específica para defini-las. São exemplos desse procedimento a Resolução nº 04/2001, do Ministério Público de Minas Gerais, que criou a Procuradoria de Justiça de Direitos Coletivos e Difusos com atribuição exclusiva para atuar como parte nos recursos interpostos em ações civis públicas e ações populares, bem como no Ato n. 226/2007, CPJ, de 27 de junho de 2007, de Santa Catarina, que cria, na Procuradoria de Justiça Cível, o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define sua estrutura e âmbito de atuação (anexo 10). Defende-se que o Ministério Público Estadual brasileiro não pode mais se omitir de repensar a posição de custus legis assumida pelos Membros de seu segundo grau nas causas originalmente deflagradas pelo próprio Ministério Público, permitindo-se o indevido exercício de parcela de seu múnus funcional e motivando o conflito de identidade que se instalou em seu meio. O 222 Algumas Leis Orgânicas Estaduais – como a catarinense - permitem que Promotores de Justiça se candidatem e, consequentemente, integrando a lista tríplice formada, possam ser nomeados Procuradores-Gerais de Justiça. 137 comportamento provoca dúvidas sobre a necessidade de sua existência nos moldes atuais, tanto interna corporis como no mundo jurídico. Conclui-se, no presente trabalho, que não há necessidade de alterar o arcabouço legal que organiza e disciplina o Ministério Público. Já que se constatou ser inconstitucional a intervenção do Ministério Público Estadual de segundo grau na condição de parecista ou opinador em processos iniciados pelo Promotor de Justiça. Essa transmutação processual não corresponde a essência das funções nucleares enumeradas nos incisos do art. 129 da CF que encerram atribuições de caráter ativo: promover a ação penal pública; zelar pelo respeito aos Poderes Públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na constituição promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública; defender os direitos e interesses das populações indígenas; expedir notificações; requisitar documentos, diligências investigatórias e instauração de inquérito policial; exercer o controle externo da atividade policial a fim de verificar se ela se coadunar com a matriz constitucional de titular privativo da ação penal pública; e, exercer outras funções que lhe forem conferidas, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. Portanto, em nenhum momento a Constituição Federal determina que o Ministério Público seja um parecerista, um opinador. Abandonando a opinião daqueles que entendem ser inaceitável, de consultoria dos juízes, subalterna ao judiciário ou cômoda a atitude em comento, é certo que, assumindo só parte da função ministerial (fiscal da lei), o Ministério Público de segundo grau descumpre também as missões que regem toda a instituição, explicitadas no art. 127 da CF. E, se descumpre suas missões constitucionais frustra as expectativas da sociedade, pois deixa de atender à função social que lhe compete desenvolver, rompendo com o dever de direcionar sua atuação na defesa dos legítimos interesses sociais. Ao abdicar de agir perante os tribunais como parte nas esferas criminal e cível, o Ministério Público descarta, indevidamente, o compromisso que motivou a provocação da tutela estatal que, em última análise, só pode ter sido de defender os direitos e interesses do povo. Deixa de dirigir seus esforços para atingir o sucesso do caso, sucesso esse que não é do 138 Procurador de Justiça e tampouco do Promotor de Justiça, mas da sociedade, que o Ministério uno e indivisível representa.223 A política jurídica que resgata semiologicamente o sentido do justo e do útil224 por intermédio de seu olhar direcionado aos valores resultantes das experiências das lágrimas e dos sorrisos que afloram no painel da vida225, fornece ferramenta competente para embasar a adequação das normas positivadas e válidas aos valores culturais de justiça e utilidade social vigentes e, assim, provocar o surgimento de uma política institucional capaz de realinhar o proceder do Ministério Público Estadual de segundo grau, realinhamento que pressupõe obediência aos ditames constitucionais que transformaram o Ministério Público em defensor da sociedade, de cuja função não pode e não deve desviarse, sob pena de mutilação. 223 SALDANHA, Gisela Potério Santos. A Função Social do Membro do Ministério Público. Artigo disponível em: http://promotordejustiça.blogst.com/2007/03. Acesso em: 30 de julho de 2009. 224 MELO, Osvaldo Ferreira de. Opus cit., p. 49. 225 MELO, Osvaldo Ferreira de. Opus cit., p. 49. 139 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no processo civil em face da nova ordem constitucional. Atuação. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Procuradoria-Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis. n. 11, jan./abr. 2007. ______________________ Castração da República. Disponível em <http://wwww.aderbalmachado.com.br>. Acesso em: 28 de agosto de 2009. ______________________ A Intervenção do Ministério Público frente à hipótese contemplada no art. 82, III. fine, do Código de Processo Civil. Atuação: Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Procuradoria-Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público. 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Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin - Nós não podemos calar o Ministério Público autor a pretexto de ter presente um Ministério Público custus legis, se optar for necessário, é preferível ter o primeiro em detrimento do segundo ou teremos, em todas as ACPs, sustentações orais dos maiores escritórios de advocacia em nome do(s) réu(s), um silêncio absoluto do autor e, em consequência, a voz da sociedade estará ausente. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? A. H. V. B. - A ampla defesa e a isonomia devem ser vistas em sua forma contextual e substantiva, não apenas em um plano estritamente formal, já que, nesta perspectiva, estritamente formal, não há falta de isonomia, nem prejuízo à 149 ampla defesa, pois as mesmas peças processuais estão à disposição de ambas as partes. Só que isonomia e ampla defesa, no campo processual, é um fato mais amplo que inclui sustentação oral e distribuição de memoriais, incluindo entrevista pessoal com desembargadores e com ministros. Muitas vezes o entendimento do relator sobre uma determinada matéria é influenciado pelo contato direto com uma das partes e mesmo com a sustentação oral, embora seu voto esteja definido por escrito. Não é incomum, após uma boa sustentação oral, o relator optar pela vista regimental com suspensão do julgamento, para reapreciar os argumentos do réu ou da defesa. Então, ampla defesa e isonomia, em casos complexos, significam muito mais do que a juntada das peças estabelecidas no CPP e CPC, incluem sustentação oral e distribuição de memoriais. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? A. H. V. B. - Eu acho que devemos rediscutir a própria figura do custus legis, limitando-a aos casos em que não há Ministro Público autor. Devemos abrir mão do custus legis sempre que o Ministério Público for autor, já que, nesse caso, é desnecessário e descaracteriza a isonomia. Se houver Ministério Público autor e a existência do custus legis impedir a sustentação oral ou a defesa das teses da sociedade, há que se abrir mão do custus legis. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. A. H. V. B. - Independentemente da análise desse dispositivo, duas questões precisam ser colocadas: uma de caráter pragmático e outra de aperfeiçoamento legislativo, que pode demorar. Eu estou mais preocupado com uma melhoria do sistema; mesmo com a norma expressa na Lei Orgânica, nada impede que se crie internamente no Ministério Público, um sistema de atuação conjunta entre o Procurador de Justiça, que formalmente representa o Ministério Público em 150 segunda instância e o Promotor de Justiça do caso concreto. Isso viria a fortalecer e dar maior embasamento às opiniões do Ministério Público em segunda instância. E contribuiria para um efetivo contraditório entre as várias posições levadas à apreciação dos desembargadores e dos ministros. Como está hoje, o custus legis quebra o contraditório e enfraquece a legitimidade e a qualidade da decisão judicial. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é interpretação compatível com os arts. 127 a 129 da CF? A que se deve tal normatização? Qual a saída? A. H. V. B. - Essa pergunta não foi respondida. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? A. H. V. B. - Na verdade, é inconstitucional, a meu juízo, suprimir a defesa judicial da sociedade. Ela deve alcançar a última instância. 7) No processo crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido desta expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo sido emitindo parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista à outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal acolhe e transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como fundamento da decisão? A. H. V. B. – Veja é uma vista para se levantar todas as questões colocadas, não apenas as processuais, vista para se levantar todas as questões colocadas, não apenas as processuais como também as institucionais interna corporis. Por exemplo, se a matéria é muito complicada, é o caso de chamar um determinado Procurador ou a equipe integrada por um grupo de Procuradores para tratar do 151 tema. O que caracteriza uma anomalia, é o Ministério Público estar especializado na primeira instância e não na segunda, caso em que se exige um trabalho mais minucioso do que perante o juiz de primeiro grau. A manifestação do Ministério Público em segundo grau, hoje, é vista como custus legis, e isso é um equívoco, não custa repetir. Hoje o custus legis existente em segunda instância acaba, em vez de auxiliar o Ministério Público e o interesse público, por prejudicar a atuação do autor. 8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em que percentual? A. H. V. B. - Embora haja exceções, em 90% das ACPs propostas pelo Ministério Público Federal ou pelos Ministérios Públicos Estaduais, não há manifestação oral do Ministério Público no STJ. A regra é do silêncio, até porque para intervir com a mesma qualidade do autor, é preciso conhecer profundamente os fatos, as teses jurídicas e a matéria. A meu juízo é um milagre que o Ministério Público Estadual ou Ministério Público Federal obtenham ganho de causa nas ACPs de grande repercussão no STJ porque, na maior parte das vezes, há um silêncio absoluto do autor da ação. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? A. H. V. B. Não vejo razão legal ou prática para se negar essa possibilidade. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? A. H. V. B. - A atuação do próprio Ministério Público, o que é desnecessário, já que estamos gastando recursos escassos - humanos e financeiros - para sustentar uma figura que é apenas um conselheiro de luxo do tribunal ou do juiz. Isso não mais se justifica. Até porque o ministro ou o desembargador não se 152 impressionam com pareceres genéricos de quem, mesmo sendo esforçado, não é especialista na matéria e nem familiarizado com os fatos. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? A. H. V. B. - Não há necessidade de mudar a legislação. Nada impede que, numa sustentação oral, o procurador de justiça ou subprocurador-geral da república, como fazem os grandes escritórios de advocacia, façam a introdução geral do tema e das questões controvertidas e, em seguida, passem a palavra para o procurador da república ou promotor de justiça que aforou a ação para que traga elementos precisos de convencimento. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no STJ? A. H. V. B. - Deve ser conforme a posição processual assumida originariamente na primeira instância. Na minha opinião, quando o Ministério Público é parte, não há necessidade de intervenção de nenhum outro representante do parquet, como custus legis. A posição de custus legis em segundo grau só se justifica quando o Ministério Público originariamente assim houver integrado a lide. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? A. H. V. B. - O prejuízo é enorme. Essa é uma visão completamente ultrapassada e em confronto direto com o direito moderno que está preocupado, não apenas com a concessão de direitos e o estabelecimento de obrigações, mas com o respeito à implementação desses diretos e obrigações. É injustificável que o Ministério Público brigue para fazer valer a lei até a celebração de um TAC e depois não possa ele próprio executar esse título. A hipótese vale tanto para o caso em que o título foi celebrado pelo Ministério Público, como quando é celebrado por outros co-legitimados (associações e o próprio poder público). Se o 153 Ministério Público está legitimado para defender direito em juízo sem título algum, com maior razão deve fazê-lo quando ele existe. 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? A. H. V. B. - Desde que fique claro que ele está presente não como custus legis, mas como autor. A questão preambular é outra. É deixar estabelecido que se há Ministério Público autor na primeira instância, na segunda instância não haverá Ministério Público custus legis. Não se trata de acabar com a figura de custus legis, mas de estabelecer regras claras para essas duas atuações. O Ministério Público custus legis continua importante e a figura deve ser prestigiada e preservada, mas não como fiscal do promotor ou procurador autores. Essa visão é incompatível com a reforma constitucional de 1988, pois o segundo grau, nessas condições, é herdeiro de um modelo antigo, ultrapassado e que solapa o atendimento das necessidades sociais e políticas. O papel do Ministério Público não é mais e não pode ser de conselheiro do juiz quando existir Ministério Público autor, sobretudo se essa manutenção significar a denegação de presença e de participação do Ministério Público autor. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? A. H. V. B. - Conheço, sendo que a Procuradoria dos Direitos Difusos e Coletivos de São Paulo é anterior à de Minas Gerais. Lutei muito pela sua aprovação enquanto Conselheiro no Conselho Superior. Na época, minha proposta formalizada e publicada no Diário Oficial foi derrotada. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? A. H. V. B. - Essa pergunta não foi respondida. 154 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? A. H. V. B. - O modelo atual deixa muito a desejar por ainda ser reflexo de uma posição monocrática, do Ministério Público de gabinete, em que o trabalho era exercido, especialmente em segunda instância, na elaboração de peças de forma solitária. Eu acredito que, pela dimensão nacional dos interesses difusos e coletivos que hoje são atribuídos ao Ministério Público, procuradores de justiça e subprocuradores-gerais da república têm o dever - da mesma forma que o parquet saiu do casulo para buscar legitimação para agir nestes casos - de também defender esses interesses e bens com as mesmas armas técnicas e instrumentos que estão sendo utilizados pela parte contrária. A figura do Ministério Público custus legis em ACPs – um protagonista passivo, neutro e que lava as mãos - presta um desserviço à tutela dos interesses difusos e coletivos e, ao final das contas, à própria sobrevivência da instituição nesse campo de litigiosidade massificada. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? A. H. V. B. - Não, pelo menos na forma atual. 19) Em caso negativo, qual seria a solução? A. H. V. B. - Uma possibilidade é a idéia de criar procuradorias ou câmaras de segundo grau, compostas de promotores de justiça de última instância, por prazo determinado – 5 anos, por exemplo, - para atuarem junto aos tribunais. Reconheço que essa é uma proposta radical e, por esta razão inviável hoje. Mas é válida para provocar o debate. Atualmente, com o afunilamento da carreira, em verdade, não há mais uma carreira, pois o último posto fica inalcançável para muitos. Ademais, se queremos uma segunda instância ativa e não passiva, nada melhor do que criar mecanismos de oxigenação permanente, razão da proposta de limitação temporal, como no Judiciário Estadual, seria uma saída. Não há necessidade de toda a estrutura do segundo grau. 155 ANEXO 2 ENTREVISTA COM A MINISTRA ELIANA CALMON ALVES MEMBRO DA 1ª SEÇÃO E DA 2ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA/STJ LOCAL DA ENTREVISTA: BRASÍLIA/STJ Data: 26 de outubro de 2009 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Eliana Calmon Alves - Já pensei muito a respeito e entendo que devam participar dois Membros do Ministério Público em segundo grau: um na condição de custus legis e outro como autor. O custus legis seria aquele a quem toca representar o procurador-geral na divisão do trabalho e o outro seria designado especialmente pelo procurador-geral. Assumo essa posição por terem as ações civis públicas um conteúdo político maior e haver necessidade de o Ministério Público nelas advogar como autor. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? E. C. A. - Há ofensa aos dois princípios. Na perspectiva do que defendo o funcionamento do Ministério Público, o autor deve advogar a tese que está sendo posta, fazer sustentação a oral e não se, no tribunal, comportar como custus legis, 156 que deve ser imparcial. O representante ministerial que possui assento no tribunal não tem o mesmo envolvimento de quem participa do processo como autor. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? E. C. A. - Sim, a intervenção dos procuradores nos tribunais como custos legis se justifica, já que o responsável pelo parecer não tem envolvimento com a questão, não se imiscui na prova e fiscaliza a regularidade do processo, razão pela qual, o custus legis não se confunde com o autor, que é parcial e se envolve com a tese. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. E. C. A. - Autoriza a atuar como custus legis e não afronta a CF, pois o procurador-geral delega atribuição para funcionar junto à determinada câmara ou turma e não nos processos A ou B. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é interpretação compatível com os arts. 127 a 129 da CF? A que se deve tal normatização? Qual a saída? E. C. A. - Essa concentração não afronta a CF, pois toda instituição tem que ter uma chefia, uma organização e um direcionamento. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? E. C. A. - Isso é uma tragédia que precisa ser corrigida com urgência, de acordo com o que defendo. O Ministério Público precisa advogar a tese que está posta na ação, fazendo sustentação oral e tudo o mais que pode ser feito, pois ele é parcial, é parte. 157 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? E. C. A - A abertura de vistas é para tudo: arguir nulidade, requerer complementação de prova, decidir se há necessidade de fazer sustentação oral para agir como autor, porque no crime ele é autor da ação penal pública. Não cabe oferecer um parecer, porque no crime não existe custus legis. 8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em que percentual? E. C. A. - Não tem feito sustentações orais. Pode até defender, eventualmente, um ponto de vista, mas não faz sustentação oral. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? E.C.A. – Nesse caso pode, desde que divida o tempo com o procurador que atua junto à câmara ou turma, pois é uma só pessoa, ainda que quatro ou cinco se pronunciem. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? E. C. A - Atua visando à regularidade do processo e do ato que assiste. Ele é o fiscal da magistratura, ou seja, avaliza o bom funcionamento da sessão. 158 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? E. C. A. - Acho que na esfera cível, sim. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no STJ? E. C. A. – Essa pergunta já foi respondida. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? E. C. A. - Pode acontecer, não é por estar ali que deve concordar com tudo, ele pode chegar à conclusão de que o assunto discutido não era cabível. 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? E. C. A. – Sim, e traria mais harmonia institucional. Esse link entre quem ajuizou o processo e o segundo grau tem que ser feito. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? E. C. A. - Não conheço, mas considero oportuna a iniciativa, que ficou melhor ainda, porque o processo lhes é dirigido como se advogados fossem. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? E. C. A. - Com certeza. 159 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? E.C.A. - Não. E o que é pior, tem que ser o Procurador-Geral da República. Infelizmente, os procuradores não costumam se pronunciar; não há necessidade, porém, de nenhuma mudança legislativa para que isso aconteça. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? E. C. A. - O Estado passou de credor a devedor. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? E. C. A. – Essa pergunta ficou sem resposta. 160 ANEXO 3 ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA JOSÉ GALVANI ALBERTON PROCURADOR DE JUSTIÇA DA ÁREA CÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA/FLORIANÓPOLIS Data: 13 de novembro de 2009 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? José Galvani Alberton – Na segunda instância minha posição sobre o assunto é muito clara: a atuação do Ministério Público persiste rigorosamente como autor da ação ou não se justifica, o que constitui um inconveniente no contexto atual da justiça brasileira, já que me parece algo supérfluo. Se eu defender a posição de que o Ministério Público deva atuar como autor, a parte ré, o demandado, deveria também ter uma segunda oportunidade de se posicionar, ou seja, o processo não precisa fazer o caminho da Procuradoria-Geral de Justiça. Isso se deve a uma prática retrógrada do processo brasileiro; não há nada que justifique essa participação no segundo grau, nem mesmo na esfera criminal. Estou fazendo uma censura à própria lei, ao próprio modelo. A ação inicia na primeira instância, há uma decisão e, eventualmente, um recurso. Em havendo recurso, as partes deduzem as suas razões no primeiro grau e, subindo o recurso, compete ao segundo grau decidir. Qual a finalidade de passar pelo Ministério Público ele vai julgar? Não, pois não lhe compete julgar. Vai complementar a acusação feita na primeira instância, tanto na esfera cível como na criminal? Neste caso é 161 necessário abrir vista para outra a parte, em razão do princípio da ampla defesa. Nisso reside uma anomalia, sem considerar que, por uma questão de política administrativa ou de gerência do sistema da prestação jurisdicional, não podemos, no contexto atual da justiça brasileira, nos permitir determinados preciosismos. É um comportamento que, a rigor, deveria ser dispensado, por onerar tanto em termos financeiros quanto em termos de celeridade da jurisdição. O jurisdicionado, em conseqüência, padece desnecessariamente. Eu defendo a segunda instância desde que lhe sejam cometidas atribuições como órgão agente, de acordo com o modelo de Ministério Público expresso na Constituição. O Ministério Público só pode ser agente, conforme o verbo utilizado na CF, defender. Ele tem que defender algum daqueles valores que estão elencados no art. 127 da CF. Não há outro espaço para ele. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? J. G. A. - Esta pergunta já foi respondida acima. Eu, efetivamente, acho que há ferimento aos dois princípios. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? J. G. A. - Não faz nenhum sentido. É redundante. A hipótese que admito (inclusive, defendi esse posicionamento num artigo que publiquei) é a utilização do parecer para suprir eventuais vácuos deixados pelo autor, nas hipóteses, por exemplo, em que se discute interesses de incapazes – mesmo que o Ministério Público não tenha sido autor. O parecer seria uma espécie de longa-manus das peças processuais produzidas pela defesa daqueles interesses no primeiro grau. Mas sem esquecer que, em tais hipóteses, para não desequilibrar o processo, impõe-se que a parte adversa seja autorizada a nova manifestação, em segundo grau. 162 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. J. G. A.- Exercer atribuições junto aos tribunais não significa necessariamente atuar como custus legis. Não me parece que o art. 31 imponha essa transmutação. É o Ministério Público que, por não ter tido competência ou coragem de desvencilhar-se de praxes ultrapassadas, está aceitando essa posição subalterna – tal como um adjetivo supérfluo ou desnecessário que pretende apenas enfeitar o substantivo. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça é interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? J. G. A. - Eu vejo aqui uma oportunidade de salvar a situação: não só ampliando a legitimação do primeiro grau, mas partilhando com o segundo grau essas atribuições que hoje estão concentradas exclusivamente nas mãos do procuradorgeral de justiça. Isso é resquício, talvez, do regime ditatorial, da fragilidade do espírito democrático, ou uma tentativa escamoteada de manipulação do Ministério Público, já que, na medida em que se concentra poder nas mãos do procuradorgeral, que além disso é nomeado pelo Poder Executivo, o Ministério Público se põe na alça de mira, torna-se um alvo fácil. Em frente a uma determinada hipótese, ele pode, circunstancialmente, em razão da forma como foi investido no cargo, sofrer assédio para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ao passo que se essas atribuições fossem pulverizadas entre os procuradores de justiça, impessoal e ordenadamente, o alvo se diluiria, oferecendo mais segurança para o efetivo implemento das medidas a cargo do Ministério Público e, por consequência, para a própria sociedade. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? 163 J. C. A. - Acredito que não. Isso importaria uma fragmentação da lógica do processo e, como consequência, a violação do devido processo legal, partindo da premissa de que o Ministério Público está agenciando interesse da sociedade. Na fase recursal, não parece lógico o Ministério Público (autor) inverter o sentido original da demanda. Isto é tarefa do Judiciário. 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? J. C. A - Essas questões pontuais aqui colocadas traduzem exatamente a anomalia da qual acabamos de tratar. Realmente, emitido um parecer, a outra parte deve poder manifestar-se para que também reveja o que está no processo. Deve haver paridade no tratamento das partes. Se o tribunal transcreve o parecer, é mais uma evidência de que a fratura aconteceu. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? J. G. A. - Eu não sei se essas sustentações têm ocorrido, mas pelo menos houve uma iniciativa, no âmbito de segundo grau, de ser constituída até uma procuradoria especializada. Quando era Procurador-Geral de Justiça fiz uma proposta no âmbito do Conselho de Procuradores, antes de instituir o Centro de Controle de Constitucionalidade, no sentido de repassar para o Colégio, de uma forma impessoal, a tarefa de questionamento da constitucionalidade das leis 164 municipais e estaduais, mediante distribuição através de um sistema de rastreamento sistemático e permanente das normas editadas. A recusa foi geral. Quebrar praxes e padrões é muito difícil. Quando se cristaliza determinado padrão de conforto pessoal é difícil mudar, ainda que haja prejuízo institucional e de caráter social. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? J. G. A. - Eu não vejo dificuldade maior em permitir a um promotor de justiça de fazer sustentação oral perante os tribunais, se ele é o autor da ação. O que poderia salvar a segunda instância, nesse caso, segundo meu ponto de vista, é aquele partilhamento de funções de acordo com a gravidade e as circunstâncias. Se for para se manter uma segunda instância, que seja qualificada e dignificada, acabando com a prática de uma segunda instância meramente palpiteira. Isso já não se coaduna com os dias atuais, nem com os princípios da eficiência e da razoabilidade que estão presentes na CF/88. É um modelo imperial. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? J. G. A. - É uma boa pergunta. De quem deve fiscalizar os interesses? Se a parte for incapaz, o Ministério Público até pode coadjuvar o advogado dessa parte. No mais, nada há para fiscalizar. Se pensarmos em fiscalizar a regularidade do processo, então teríamos que atuar em todos eles. Ademais, o tribunal já tem atribuição legal (dever) de fiscalizar a ordem do processo, nas primeira e segunda instâncias. O Ministério Público, por sua vez, deveria ser uma instituição retilínea. Se o promotor de justiça tem legitimidade para começar a ação na comarca, tem legitimidade para terminá-la no segundo grau. Se a iniciativa for deferida a um procurador de justiça, ele deve acompanhar seu desenvolvimento em qualquer tribunal. 165 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? J. G. A. - Não é questão de mudança legislativa, já que as normas ordinárias precisam se harmonizar com o espírito da CF. Se temos o dever de defender determinado valor, precisamos defendê-lo sistematicamente. Na ação penal, por exemplo, não compete ao procurador de justiça colocar-se contra a tese sustentada pelo promotor de justiça que recorreu. Compete ao réu contestá-la e ao tribunal apreciar essa tese. O Ministério Público de segundo grau não é órgão julgador da atuação do Ministério Público de primeiro grau, sob pena de violação do princípio da independência funcional. O Ministério Público não pode se anular através do posicionamento de seus diversos órgãos. Qual é a segurança jurídica que a sociedade possui? Essas posições são altamente deletérias do ponto de vista da segurança jurídica da sociedade. As mudanças legislativas necessárias estão no âmbito do processo civil e penal. E se devemos agenciar os interesses da sociedade, sempre que a norma se contrapuser ou dificultar a realização desse interesse, cabe-nos optar pela mudança, seja da lei ordinária, seja da própria Constituição. Conrad Hess trabalha bem essa questão do tencionamento das normas. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? J. G. A. - Essa questão já foi respondida. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? J. G. A. - Pois é, veja a insegurança jurídica que isso gera. Nós temos uma instituição constituída constitucionalmente e programada para defender determinados interesses. Esses interesses começam a ser defendidos na base pelo promotor, culminando na realização de um TAC. Depois o procedimento sobe para a segunda instância e outro Ministério Público diz que aquele interesse não é defensável. Que juízo a sociedade irá fazer dessa instituição que ela criou? 166 No mínimo vai gerar dúvidas quanto à confiabilidade da instituição. Estimo que todas as instituições têm o dever de lealdade no trato de todas as questões sociais. 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? J. G. A. - Não só aproximaria como daria maior credibilidade e segurança à sociedade. Devemos batalhar intensamente no sentido de alcançar esse objetivo. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? J. G. A. - Confesso que não conheço essas experiências. Mas são iniciativas que parecem extremamente válidas. Nós temos que, realmente, valorizar o Ministério Público e construir um modelo que lhe permita atuar como tal. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? J. G. A. - A legislação que temos abre um espaço enorme no qual podemos transitar. A questão é interpretar nossas atribuições segundo os objetivos da República Federativa do Brasil. Normalmente, é o que acontece quando a norma é interpretada no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Isso não é uma alegoria moral, é um comando jurídico que nos obriga, aliás, obriga a todos os agentes públicos, do maior ao menor escalão. Todos deveriam saber que esse artigo da CF existe e que devem caminhar na direção dele. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? J. G. A. - Seguramente não está. O responsável é o apego à praxe. Vamos ser honestos: repito que há um certo padrão de conforto na manutenção dessa 167 situação. Você tem a obrigação de dar um palpite e, a rigor, não tem compromisso com o interesse de ninguém. Isso não é saudável sob o ponto de vista do aperfeiçoamento institucional e do resgate dos compromissos assumidos pelo Ministério Público – e incluo o Judiciário -, notadamente no cumprimento de sua função social. A crítica que eu faço, é que costumamos nos entusiasmar com as conquistas já consolidadas e ficamos sem resolver as demandas reprimidas. Preferimos, muitas vezes, nos entusiasmar com os dados estatísticos. Lembro que participei de uma sessão no Tribunal/SC, na qual estavam em julgamento 156 processos pautados, sendo que 95 eram representados por recursos de empresas seguradoras que se negavam a honrar os compromissos assumidos com o pagamento do seguro obrigatório alegando que, mesmo se tratando de seguro obrigatório, havia moléstia preexistente. Aí perguntei se aquela pauta havia sido montada especificamente para discutir esse assunto, porém me disseram que ela foi montada de modo aleatório. Eis aí um exemplo dos espaços que estamos deixando de ocupar: o comportamento das companhias seguradoras deveria estar sendo acompanhado, primeiro pelos serviços de polícia administrativa (SUSEPE) e, complementarmente, pelo Ministério Público, atacando coletivamente a questão para censurar a omissão do órgão fiscalizador (polícia administrativa), que está permitindo a propagação desse tipo de demanda. Ao invés disso, preocupamo-nos em dar um parecer em casos isolados, só porque tem interesse de menor. A consequência é o Judiciário entupido de processos: uma estatística falsa, que não retrata, a rigor, um trabalho racional em prol da justiça. São coisas que precisam ser pensadas. É confortável ficar dando palpite. Mas, temos que raciocinar que o Ministério Público existe para a sociedade e devemos aceitar de bom grado nossa missão de defendê-la. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? J. G. A. - De tudo que foi dito, conclui-se que não. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? J. G. A. - A saída estaria no enriquecimento da pauta de trabalho, o que implicaria o incremento de legitimações ativas para ações originárias perante o segundo grau. Apenas como exemplo, destaco as ADINs de leis estaduais, as ações de 168 improbidade contra agentes públicos estaduais, as ACPs constitutivas de obrigação de fazer ou não fazer contra entes estaduais, e determinadas ações coletivas cujos efeitos transcendessem os limites das jurisdições locais de primeiro grau. Obviamente, para algumas dessas legitimações reclama-se alteração legislativa. Não me parece, contudo, que haja outra saída. Seria a maneira de o segundo grau dignificar-se como órgão agente, afastando-se de sua condição adjetiva, que pouco serve à sociedade e pouco contribui para o fortalecimento político da instituição. 169 ANEXO 4 ENTREVISTA COM DESEMBARGADOR LUIZ CÉZAR MEDEIROS MEMBRO DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO E DA 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA Data: 17 de novembro de 2009. 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Luiz Cézar Medeiros - Se o Ministério Público começou a atuar como autor em determinada lide, ele tem de continuar como autor até o fim para que a sociedade seja melhor defendida. Ele tem que ter as mesmas prerrogativas e obrigações de qualquer autor, até porque os interesses que defende são muito mais abrangentes do que os de uma lide individual. Se ele é uno e indivisível, como diz a CF, deve se levantar e ir à tribuna defender essa postura, como autor comprometido com a causa em julgamento. Atuando como custus legis acaba ocorrendo um fator complicador, pois já vimos aqui pareceres contrários às ações civis públicas propostas pelo promotor de justiça. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? 170 L. C. M. - A rigor, atuando como custus legis não feriria. Mas o assunto arranha o princípio da isonomia. Já tivemos reclamações sobre o assunto. Há toda aquela manifestação no contraditório e, depois, o processo vem para manifestação do procurador de justiça como custus legis e a outra parte não tem a mesma oportunidade. O processo entra em pauta para julgamento sem que a outra parte conheça o conteúdo da manifestação proferida na PGJ. Na verdade, o que o procurador de justiça faz ao receber o processo oriundo da primeira instância é um arremate que lhe permite preencher lacunas que, eventualmente, o promotor não tenha percebido. É, realmente, uma situação que precisa ser repensada, porque se for aberta vista à parte contrária, mesmo atuando o procurador de justiça como custus legis, vai ser prejudicial à celeridade processual. E se for um caso de réu preso? Não seria o caso de se abdicar daquela manifestação? É preciso refletir. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? L. C. M. - Raramente, a não ser quando o procurador coloca a sua posição pessoal que, às vezes, é diferente da posição institucional. Acho interessante isso no Ministério Público, porque independentemente de ter suas convicções pessoais, como também acontece com os juízes, ele pode traçar políticas institucionais, como aconteceu no caso do lixo doméstico, nas ações que envolveram o número de vereadores. O procurador, opinando, não é forçosamente, o autor, porque ele pode manifestar-se contrariamente ao autor. O tribunal teria que aceitar a postulação como desistência da ação ou julgar deserto o recurso? Mas o Ministério Público não pode desistir da ação ou do recurso interposto, logo essa saída não é boa. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. 171 L. C. M. - Este é um artigo que merece reflexão. O exercício de atribuições pelo procurador de justiça junto ao segundo grau, numa interpretação harmônica, não alija o promotor de justiça de, também, atuar nessa esfera de jurisdição, até porque existem ações que podem ser interpostas diretamente no Tribunal de Justiça por este último; é exemplo um mandado de segurança contra um Secretário Estadual. 5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? L. C. M. - Aqui eu vou especular, pois entendo que tal disposição (do art. 31) deva-se ao temor de deixar nas mãos do promotor de justiça determinadas decisões que seriam melhor avaliadas por um procurador de justiça, pessoa mais experiente e com uma visão mais ampla, sobre a qual o procurador-geral exerce um certo controle. É o receio de perder o controle sobre certas matérias frente à autonomia dos Membros do Ministério Público, um resquício de autoritarismo que vigia antes da CF. Em incidentes de inconstitucionalidade, por exemplo, há desembargadores que não aceitam sejam suscitados por promotor de justiça, pois entendem que só ao procurador-geral compete ingressar com ação direta de inconstitucionalidade a despeito da disposição de nossa CE. O procurador-geral de justiça precisa desconcentrar e distribuir o poder que detém, até porque dará um grau maior de importância à atuação do procurador de justiça tornando-lhe mais fácil o exercício de seu múnus, afastando-o de pressões, como o arquivamento de peças de informação. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? L. C. M. - Não vejo essa autorização. Penso que o artigo 31 da LONMP não interfere nesse ponto. 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: 172 a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? L. C. M - A Procuradoria deveria viabilizar um mecanismo de, na hora em que o processo lá aporta, remetê-lo ao promotor de justiça que originariamente nele atuou, já que não existe a figura do custus legis. E a defesa faz isso de propósito, para pegar alguém que não tenha aqueles argumentos de quem atuou na instrução do processo para contrapor, que viu o réu debochar na hora de prestar depoimento, etc. O correto seria o tribunal, ao receber as razões recursais, encaminhar diretamente à comarca de origem o processo para contrarrazões. Ao final, o art. 610 do CPP, acaba sendo incompatível com o texto legal e constitucional. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? L. C. M. – Durante o tempo que estou aqui – e lá se vão dez anos - só houve duas intervenções em ACPs, nem foram sustentações orais, foram apenas intervenções. Para nós desembargadores, seria muito importante que houvesse manifestação do Ministério Público, especialmente quando há sustentação oral contundente da outra parte, quando o Ministério Público é o apelado. Outra dificuldade reside em que, nem sempre, o procurador que participa da sessão é da área. Não precisa ser aquele procurador que deu o parecer, mas que seja algum que atue na área. Deve haver uma especialização dos procuradores. Na área criminal, embora não seja regra, já é mais comum o PGJ ou procuradores de justiça fazerem sustentação oral. 173 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? L. C. M. - Embora o Tribunal de Justiça não tenha admitido, na minha opinião pessoal, poderia. Não há por que não permitir. Se eu estivesse presidindo a sessão, não vejo porque não poderia dar a palavra ao promotor de justiça autor da ação que aqui viesse. Mas, não sei se deixaria o procurador falar também. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? L. C. M. - Não sei te dizer. Porque a atividade de custus legis do procurador de justiça é muito mais para trás, do que aconteceu, do que daquilo que vai acontecer. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? L. C. M. - Eu penso que seria interessante essa mudança legislativa, mas enquanto ela não ocorrer, há mecanismos para fazer isso funcionar. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? L. C. M. - Acho que ela deveria ser mais ativa, no sentido de maior comprometimento com a causa, mesmo que no primeiro grau o promotor tenha atuado como custus legis. Portanto, dentro daquela linha, se a participação originária for como autor, assim deve ser no tribunal; se for como fiscal da lei, assim deverá prosseguir na câmara. Daí a necessidade de especializar a participação dos procuradores nas sessões, para que não haja necessidade de adiar julgamentos em razão de o procurador não ter familiaridade com determinadas matérias. O procurador que deu o parecer não será, necessariamente, o mesmo que vai participar da sessão, mas que seja algum que atue na área da família, por exemplo, se essa for a matéria em exame. 174 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? L. C. M. - Nós aqui temos assentado que TAC é TAC. Portanto, um título executivo extrajudicial, desde que líquido e certo. Ou então ele necessitará ser liquidado antes. Até para que a parte que se obriga num ajustamento de conduta não assine por assinar, esperando que não dê em nada. Cito aqui o exemplo da execução de um TAC celebrado contra um frigorífico por haver poluído o meio ambiente, lá do oeste do Estado. O promotor, juntamente com um procurador, veio conversar comigo e a parte contrária, na sessão de julgamento, foi defendida por um grande escritório de advocacia de São Paulo. No entanto, em nome do Ministério Público ninguém se pronunciou. Mesmo assim, o executado foi condenado a pagar 150 mil reais, numa demonstração de que não é brincadeira firmar um TAC; a decisão teve o caráter pedagógico de evidenciar isso. Eu costumo dizer que existem certas ações que o promotor de justiça executa após as quais poderia se aposentar tranquilamente, já que mudam a história. É o caso de um trabalho realizado em Canoinhas por dois promotores de justiça na área de loteamentos, que acabou com os loteamentos clandestinos no município. 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? L. C. M. - Evidentemente que sim. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? L. C. M. - Não conheço as situações, mas o caminho é esse. Aqui no Tribunal eu consegui convencer os desembargadores a darem prioridade às ACPs. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? 175 L. C. M. – É a mesma resposta à pergunta nº 14. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? L. C. M. - Não está perfeitamente adequado em função do que falamos até agora. A questão é que dar parecer por dar parecer é uma situação retrógrada. Eu defendo o seguinte: não se deve tolher a manifestação do Ministério Público se ele quiser se pronunciar, mas também não se pode fazer isso em prejuízo da outra parte. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? L. C. M. – De certa forma sim, porém não no processo, mas através das políticas institucionais que vem desenvolvendo e implantando. Uma ação civil pública equaciona problemas que afetam um sem-número de pessoas, como a intentada contra os bancos pela cobrança de boletos bancários. Recentemente um banco foi multado porque deixou de cumprir a sentença dada. Por isso, o Ministério Público não pode se descuidar de executar as sentenças que lhe são favoráveis nas ACPs. Em função dessa atuação ministerial na área do consumidor, hoje nós temos os advogados da porta do Procon, como antigamente se dizia que tínhamos advogados de porta de cadeia. Eles ficam lá esperando o consumidor para ajuizarem ações individuais que uma ação civil pública resolveria não só que caso pontual. Não entendo porque os procuradores de justiça não podem estar atuando nesta área, que além de ajudar a sociedade, ajudaria o Judiciário com a redução de demandas individuais. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? L. C. M. – Essa pergunta não foi respondida. 176 ANEXO 5 ENTREVISTA COM O MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES MEMBRO DA 1ª SEÇÃO E DA 2ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA/STJ LOCAL DA ENTREVISTA: BRASÍLIA/STJ Data: 26 de outubro de 2009. 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Mauro Campbell Marques - Acho correta a postura como custus legis, desde que o procurador de justiça em segundo grau tenha alguma cautela em sua conduta. Eu costumava fazer uma discussão das teses com o Membro do Ministério Público de primeiro grau autor da ação. Isso fazia com que, quando eu divergisse do ponto de vista por ele sustentado, de duas uma: ou eu mantinha meu ponto de vista, ou haveria, excepcionalmente, um convencimento contrariando a tese que eu sustentava, para que houvesse uma política pública da instituição. Defendo que não deve haver dicotomia de atuação, para não impor constrangimentos e não vulnerar o Ministério Público em suas teses, pois isso é tudo que os inimigos do Ministério Público querem: desautorizar a instituição em segundo grau. A unicidade de conduta da instituição não pode ser uma falácia. Reconheço ser essa uma posição pessoal minha, Mauro Campbell Marques, e não institucional. Isso é uma exceção à regra. Por conseguinte, eu não tive nenhuma dificuldade de atuação nos meus dez anos de Procurador de Justiça com os colegas atuantes no primeiro grau. Porém, há casos emblemáticos no Amazonas, de Promotores de Justiça tentarem defender 177 seu ponto de vista, inclusive em sessão do Tribunal Pleno, e o Procurador-Geral lançar parecer e fazer sustentação oral contrária a tese do Ministério Público de primeiro grau. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? M. C. M. - Sim, eu entendo que há ofensa, nesse caso. Se não houver uma simbiose de atuação entre os primeiro e segundo graus, nós podemos destruir toda a prova, o que é motivo de muita preocupação de minha parte. Temo uma certa banalização do segundo grau. Eu cito como exemplo o direito penal. Dificilmente, hoje, uma ação penal tem fim. O STF intervém mesmo ciente de não ter criminalistas em sua composição, membros que tenham atuado prioritariamente no campo penal. Ele age como guardião constitucional impondo barreiras ao questionável comportamento do Ministério Público. Senão vejamos: do volume de inquéritos que a Senhora recebe em seu gabinete, eu posso garantir que não teria condições de cumprir seus prazos, se não arriscar a elaboração de uma peça exordial e postergar a prova para a instrução criminal. A regra geral era capear o inquérito com uma denúncia generalizando a culpa lato sensu, ou seja, admitindo como verdadeiro o fato que é imputado ao indiciado para ver se no decurso do processo eu me convenço do contrário. Esta era a regra e meu temor com relação à ACP: não quero ver o STF podando a atuação do Ministério Público, mercê da banalização da ACP, o que é ainda mais grave na área civil, porque nós é quem fazemos o inquérito civil. Exemplifico com o caso de ACPs em que o Ministério Público se arvora na condição de Procurador do Estado para executar títulos dos Tribunais de Contas. Cabe-lhe verificar, apenas, se houve improbidade; verificar se quem tinha a obrigação legal de cobrar não o fez, não substituir a Procuradoria do Estado. 178 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? M. C. M. - No processo contemporâneo passou a ser dispensável essa dupla atuação que só tem servido para criar problemas orgânicos nos Ministérios Públicos. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. M. C. M. - Concordo com esse comando legal, por dar consistência à atuação ministerial. 5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é interpretação compatível com a CF, artigos 127 a 129 CF? A que se deve tal normatização? Qual a saída? M. C. M. - Com certeza é um excesso de concentração, tanto que eu tinha atos instrutórios em meu gabinete delegando todas as atribuições aos procuradores e promotores de justiça. Por exemplo, na questão discutível do foro privilegiado em improbidade administrativa, tão logo assumi, baixei uma instrução normativa delegando todas as atribuições ao primeiro grau resolução que está vigente até hoje no Estado do Amazonas. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? M. C. M. - No caso das ações de competência originária do procurador-geral de justiça, evidentemente que não. 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: 179 a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? M. C. M. - Se ele está agindo como custus legis, há necessidade de pronunciamento, de emitir parecer, pois o dispositivo induz a isso. Em caso de vista do processo ele tem que se pronunciar. No Amazonas somos 21 Procuradores de Justiça e 150 Membros e raras foram às vezes em que houve um divórcio entre o parecerista e aquele que realizou sustentação oral do parecer. Mas não há vinculação, o segundo pode divergir do primeiro. Eu mesmo, como Procurador-Geral, em três ocasiões, desconsiderei o parecer de meu antecessor. No Amazonas e, como em todo o país, não há vinculação entre quem dá o parecer e aquele que participa da sessão de julgamento no tribunal. 8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em que percentual? M. C. M. – A quém do que se imagina. Muitas vezes vemos ações que requerem a atuação do Ministério Público oficiante no STJ para aclarar e/ou reforçar as posições assumidas, mas isto não ocorre. Todavia, na 2ª Turma e na 1ª Sessão, eu vejo que o Ministério Público é vigilante, a atuação existe, numa média de 50%. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? 180 M. C. M. - Perdemos isso na 1ª Sessão no julgamento de um caso do Acre em que foi anulado um julgamento da 2ª Turma porque se permitiu que o Procurador de Justiça do Acre sustentasse oralmente o seu recurso na tribuna, mesmo estando presente o Subprocurador da República. O caso foi levado à Corte Especial que, por maioria, anulou o julgamento. Cabe evidenciar que, naquele caso do Acre, o Ministério Público agia como substituto processual, já que o Estado se omitira. Tratava-se do processo sobre o escândalo do Canal da Maternidade; um mandado de segurança em que havia um Ministério Público autor e outro parecerista. Entendo que o Tribunal precisa evoluir neste aspecto, deve haver custus legis e parte. Todo o problema advém da hierarquização da carreira, promotor de justiça não toma assento em tribunal. Eu não vejo como factível - dentro da estrutura do Ministério Público atual - que um procurador da república substitua o subprocurador atuante no STJ, para sustentar sua ação, sobretudo se considerar que não se trata de uma instância recursal, 3ª instância, é um Tribunal de precedentes. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? M. C. M. - Ele fiscaliza o aspecto formal, observa a atuação do Membro do Ministério Público de primeiro grau, verifica se a tese é boa, se houve investigação adequada, o mais não é tarefa do procurador de justiça. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? M. C. M. - Deve haver uma lei disciplinando o assunto. Lembro aqui a manifestação do Min. Carvalhido: aberto esse precedente, de conceder vista, isso levaria a situação no STJ, de abrir vista a todos os promotores de justiça para que contra-arrazoassem os recursos e os processos ficariam paralisados. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no STJ? 181 M. C. M. - Cada vez mais presente, sob o ponto de vista fiscalizador da atuação do tribunal. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? M. C. M. – É reprovável! 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? M. C. M. - Esta é a minha opinião, eu só não vejo como essa possibilidade poderia ser operacionalizada, nos moldes atuais do Ministério Público. Não conheço Estado em a prática exista. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? M. C. M. - Não conheço. No Amazonas nós não temos procuradorias especializadas, nós não temos demanda suficiente para especializar procuradorias e também não temos câmaras especializadas, a não ser cível e criminal, as câmaras reunidas e isoladas que atuam em mandado de segurança e matéria de direito público. Quando eu assumi como Procurador Geral havia duas procuradorias especializadas em recursos. Fiz um levantamento e apurei que elas estavam praticando dois atos por ano. Na época, provei que cada parecer custava R$ 74.000,00 – um crime contra o contribuinte do Amazonas -, extingui as duas transformando-as em Procuradoria Cível e em Procuradoria de Direito Público. Porém, não vejo nem impedimento legal para que se especializem procuradorias, exceto no Amazonas, não obstante os Centros de Apoio Operacionais Especializados traçarem a política institucional do Ministério Público. 182 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? M. C. M. - Certamente, com a condição de haver uma lei para tanto. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? M. C. M. - Não. E, pior, aqui no STJ, onde os senhores subprocuradores-gerais têm atuação de Procurador-Geral da República. Temos de lutar por uma mudança de postura. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? M. C. M. - De jeito nenhum. Eu me arrependi profundamente de ter aceito a promoção para o segundo grau, sentia-me uma pessoa inoperante. Compensava a frustração fazendo todos os meus processos mais os dos meus colegas que estavam atrasados. Há necessidade de repensar o papel do Ministro Público de segunda instância. 19) Que lhe parece a idéia de criação de procuradorias ou câmaras de segundo grau, compostas de Promotores de Justiça de última instância, por prazo determinado, para atuarem junto aos tribunais, assim como ocorre no judiciário estadual? M. C. M. - Não concordo com isso, seria nefando. Se houver abolição da segunda instância, teremos uma jurisdição capenga. 20) O Ministério Público de segundo grau, na forma atual, deve continuar existindo? Uma única instância não daria conta das funções ministeriais como acontece em outros países e diante da possibilidade dos promotores de justiça ser procuradores-gerais de justiça? M. C. M. - À primeira parte da pergunta respondo que não. À segunda, digo que é interessante a hierarquia no Ministério Público para acompanhar a justiça. Os tribunais não costumam aceitar a inscrição de promotor de justiça para concorrer ao cargo de ministro ou desembargador pelo quinto constitucional. 183 ANEXO 6 ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA ODIL JOSÉ COTA PROCURADOR DE JUSTIÇA DA ÁREA CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA Datas: 13 de novembro de 2009. 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Odil José Cota - De autor, essencialmente de autor. A essência da Constituição de 1988, ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, fala em promover, defender, exercer, em todos os incisos do artigo 129, e omite opinar e sugerir. Por outro lado, fosse a Justiça, como um todo, uma empresa privada à beira de uma crise, necessitando um enxugamento, quem os diretores dispensariam em primeiro plano? Os que promovem? Os que decidem? Ou os que opinam, sugerem e aconselham? 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? O. J. C. - Não há o ferimento, face à postura dos seus integrantes que mantêm o dever legal do pronunciamento imparcial, isento, como se fossem julgadores. No 184 momento que tomarem postura de autor, de parte, haverá o ferimento dos aludidos princípios. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? O. J. C. - Sou favorável à extinção da postura de custus legis. O Ministério Público será sempre autor, com as implicações naturais, podendo inclusive pedir absolvição, por exemplo, nos processos criminais. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. O. J. C. - De lege ferenda, precisa mudar. Num primeiro momento, resolver-se-ia com a mudança de postura do Procurador-Geral de Justiça e uma delegação geral e mais ampla. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? O. J. C. - Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter redesenhado o perfil do Ministério Público, a instituição ainda trouxe vícios da estrutura antiga que precisam ser enfrentados com coragem na busca do cumprimento de sua missão. Devo reconhecer que, na prática, os procuradores de justiça atuam com bastante independência, pelo menos em Santa Catarina. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? O. J. C. - Penso que o próprio art. 129 da Constituição Federal não autoriza a transmutação. É necessária a mudança de postura, deixando claro que o Ministério Público de segundo grau passa a atuar como parte nos processos que 185 correm nos tribunais e decisão dos órgãos superiores de cada Ministério Público (PGJ, Colégio de Procuradores, CSMP, Procuradorias, Corregedorias, etc.) 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? O. J. C. - Juízes, advogados e operadores de direito insistem em falar em vistas, palavra inexistente no vernáculo. a) Atualmente, emitir parecer. c) Não, o parecer não vale nada. Seu único valor é o da urgência, não deve e não pode demorar. d) Atualmente, não, porque o parecer é imparcial, isento, como uma sentença. O problema que precisa ser enfrentado está surgindo com a postura de procuradores de justiça essencialmente de parte, quando poderia surgir, em razão dela, prejuízo à parte contrária. e) Depende, se a postura, a posição, foi forte, como autor ou réu, há nulidade. Se foi, como é a regra, isenta, não há por que falar em nulidade. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? O. J. C. - Posso falar na esfera criminal. O percentual é muito pequeno. No que me concerne advogados criminais estão protestando quando faço sustentação 186 oral com postura de parte das manifestações produzidas em gabinete. Presidentes de Câmaras Criminais têm autorizado a tréplica para os defensores. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? O. J. C. - Não vejo problema, no que respeita à especialização ou ao maior conhecimento da causa contanto que seja mantida a divisão atual de Ministério Público em primeiro e segundo grau, não vejo como possa o promotor de justiça participar da sessão do tribunal. A solução seria o promotor de justiça munir o procurador de elementos fáticos e jurídicos para a sustentação oral. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? O. J. C. - Tradicionalmente (a mudança extinguiria o procedimento) fiscaliza o processo em si quanto às condições da ação e o cumprimento da lei e da Constituição. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? O. J. C. - Penso ser possível mudar a postura antes da mudança da lei. Uma vez feita a opção pelo novo perfil, buscar-se-ia a mudança ou a adaptação legislativa. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? O. J. C. - O Ministério Público de segundo grau, caso mantido, atuaria como um grande escritório para os processos em grau de recurso. Os procuradores de justiça exerceriam, no segundo grau, a pretensão punitiva do Estado. Na área criminal, onde atuo, sugiro que os procuradores de justiça elaborem as contrarrazões dos recursos da defesa e, também no caso de recurso do promotor, que os autos subam para a Procuradoria-Geral, onde os procuradores fariam as razões, os memoriais e as sustentações orais, tudo como autores da ação. 187 13) Há prejuízo para a sociedade, quando, por exemplo, na execução de um TAC, o Procurador de Justiça se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? O. J. C. - Partindo do fato de que o TAC já foi ajustado, não há como um procurador de justiça alegar ausência de interesse ou falta de legitimidade para se manifestar. Logo, há prejuízo para a sociedade, podendo haver nulidade. Fica a dúvida: quem deu causa pode alegá-la? 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? O. J. C. - Sem dúvida, e estaríamos cumprindo a vontade do constituinte. Não consigo entender como alguém, hoje em dia ainda, defende o custus legis. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? O. J. C. - Conheço parcialmente. A ideia surgiu com a Carta de Ipojuca – PE (13.05.2003), da qual participei como Corregedor-Geral do Ministério Público de Santa Catarina e, sem falsa modéstia, fui um dos mais entusiasmados por acreditar, como acredito, no novo paradigma. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? O. J. C. - A integração virá ou aumentará quando o Ministério Público de segundo grau passar a representar, a defender os interesses dos Promotores de Justiça das Comarcas, que são os mesmos do Ministério Público, uno e indivisível, salvaguardada a independência funcional. 188 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? O. J. C. - Não está. Deve-se à falta de visão de seus membros, ao comodismo, conformismo e à mania de se acharem superiores, pensando que a sociedade não vai cobrar resultados, eficiência e eficácia. Não é porque o Ministério Público é uma instituição permanente que ele vai continuar sendo, se exercer a parcela da soberania do Estado com comodismo. Mudar é preciso. A Constituição de 1988 mudou nosso perfil, porque, na prática, insistimos ou demoramos em adotálo? 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? O. J. C. - Não, enquanto não assumir o novo perfil. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? O. J. C. - Penso ter, dentro das minhas limitações, indicado, não o caminho, mas uma trilha que começa a ser aberta, em busca da saída. 189 ANEXO 7 ENTREVISTA COM A DESEMBARGADORA SALETE SILVA SOMMARIVA MEMBRO DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARIA LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA Data: 25 de novembro de 2009. 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Salete Silva Sommariva - Considero que o papel predominante do Ministério Público no tribunal seja o de custus legis. Ele atua como fiscal do bom andamento processual, na defesa dos interesses das partes, o que corresponde a um papel mais social. Quando o promotor de justiça é autor da ação, o procurador de justiça que atua junto ao tribunal, acumula as funções de fiscal da lei e autor. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? S. S. S. - Eu entendo que não, porque o advogado pode ter acesso aos autos após a manifestação do procurador de justiça e pode, inclusive, distribuir memorais antes da sessão de julgamento, além de realizar sustentação oral na própria sessão de julgamento. Não há necessidade de abertura formal de vista para que o advogado assim aja. 190 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? S. S. S. - À primeira parte da pergunta já respondi que sim. Com referência à outra, entendo que o procurador de justiça, quando se manifesta, também desempenha o papel de autor, pois essa atuação junto com a de custus legis, diria que se confundem, se completam. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. S. S. S. - Eu acredito que a lei autoriza já que a redação do artigo é ampla. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é interpretação compatível com a CF em seus artigo. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? S. S. S. - Pessoalmente sou contra toda forma de concentração de poder. No estado democrático de direito o poder sempre deve ser distribuído, pois todo poder concentrado se torna nocivo à instituição a que se dirige. Por isso, o chefe do Ministério Público deve dividir e partilhar seu poder entre os integrantes da instituição. A lei deveria melhor dispor a esse respeito distribuindo parcelas de poder dentre os diversos órgãos institucionais. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? S. S. S. - Entendo que esta autorização não existe. 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: 191 a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? S. S. S. - A vista é para emitir parecer e não há previsão legal para abertura à parte contrária para que se manifeste. Mas, não existe óbice a que o réu, espontaneamente, fale nos autos ou distribua memorais, como já me referi. Quanto ao item e, entendo que não há prejuízo quando se transcreve o parecer do Ministério Público de segundo grau. A transcrição não representa uma adesão ao posicionamento do procurador de justiça, mas as conclusões da própria câmara ou turma, sem necessidade de repetição e acréscimos. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? S. S. S. - Não temos conhecimento de tais dados. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? S.S.S. - A prática demonstra que, geralmente, a sustentação oral permanece a cargo do procurador de justiça que participa da sessão, mas existem casos isolados em que o promotor de justiça, tendo atuado no caso em primeiro grau, faz sustentação oral. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? 192 S. S. S. - A função dos representantes do Ministério Público é zelar pela segurança jurídica, garantir a regularidade do processo e a igualdade entre os litigantes. Ele, em suma, deve ser fiscal de todo o processo, de forma abrangente. Deve estar sempre atento para apontar falhas e indicar soluções. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? S. S. S. - Desconheço a fundo a legislação referente à organização do Ministério Público, mas acredito que não haja necessidade de uma ampla modificação legislativa, até porque a CF, em seu art. 129, descreve as funções do Ministério Público. Talvez uma alteração em matérias procedimentais fosse interessante para que se delimitasse esta ou aquela função, para que fossem bem definidas as atribuições. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? S. S. S. - A participação do Ministério Público no TJ já é muito relevante, e a atuação dos integrantes da Procuradoria demonstra o zelo que se tem com o processo e as partes. Não acredito que se necessite de mudanças no modo de proceder desses profissionais. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? S. S. S. - Pode-se até imaginar que haveria prejuízo (abstratamente falando). Mas, mesmo sem atuar há algum tempo nestas questões, me pergunto: se a Procuradoria se manifesta por ausência de interesse público em determinado processo, não o faz de forma infundada, mas porque entende que, realmente, não há interesse público. Trata-se de uma forma de evitar que alguém continue a executar uma ação que, segundo ela, não haveria razão de persistir. 193 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? S. S. S. - Certamente aproximaria. Mas não sei se a sociedade seria melhor defendida. O fato de a PGJ estar um pouco afastada do Ministério Público de primeiro grau a deixa mais livre para, eventualmente, discordar da posição de um colega. Como está mais afastada do cotidiano da ação, pode olhar os autos sob outra ótica, e é sempre bom a gente encontrar opiniões de terceiros que buscam o mesmo objetivo que os nossos, qual seja, a melhor aplicação do direito e da justiça. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? S. S. S. - Não conheço a experiência desses Estados, mas certamente a especialização permite otimizar a atividade, deixando-a mais célere e uniforme. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? S. S. S. - Haverá integração, mas, como foi dito, é sempre interessante conhecer opiniões diversas, ainda que na mesma instituição. Não se trata de dividir o Ministério Público mas, ao contrário, de buscar, com o debate, a união e a melhor solução para o caso concreto. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? S. S. S. - O Ministério Público tem diversas funções definidas pela CF, entre elas, a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do Estado Democrático de Direito. Por conta disso, o fato de a PGJ atuar, em sua ampla maioria das vezes, como fiscal (parecerista), nada mais é do que uma forma de dar concretude a 194 estas funções, de trabalhar lado a lado com o tribunal para garantir a melhor prestação aos jurisdicionados 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? S. S. S. - Na medida em que seu objetivo é resguardar a boa aplicação da lei e a efetividade da justiça, não há como imaginar que não exerça uma de suas funções sociais. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? S. S. S. – A questão fica prejudicada. 195 ANEXO 8 ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR SÉRGIO PALADINO PRESIDENTE DA 1ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA Data: 25 de novembro de 2009 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Sérgio Paladino - Pessoalmente sempre entendi que o Ministério Público em segundo grau deve atuar como fiscal da lei, assumindo uma postura equidistante das partes, comprometido com a realização da lei. Aliás, entendo que, finda a instrução criminal em primeiro grau, o promotor de justiça deve assumir a postura de custus legis. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? S. P. - Entendo que não, já que nessa etapa ele não se pronuncia como parte, mas como fiscal da lei. 196 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? S. P. - Sim, conforme já foi respondido acima, a posição processual do Ministério Público é de custus legis em segundo grau e não se confunde com qualquer das partes. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. S. P. - Sim, pois este artigo não faz nenhuma restrição à alteração. 5) Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça é interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? S. P. - Não vejo excesso de concentração de poder nas mãos do ProcuradorGeral de Justiça, porque cada instituição deve possuir um chefe, um dirigente maior que distribua atribuições entre seus integrantes. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? S. P. - Não tenho atuado na área cível desde que assumi o cargo de Procurador de Justiça, por isso não me sinto em condições de responder a esta pergunta. 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? 197 d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? S. P. – O artigo autoriza a emitir parecer sem necessidade de abrir vista à parte contrária e quando o tribunal transcreve parcial ou integralmente a manifestação do procurador de justiça é porque não há o que acrescentar: os integrantes da câmara e o Ministério Público estão de acordo. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? S. P. - Como disse, não tenho atuado na área cível. 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? S. P. - Não vejo nenhum problema no procedimento. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? S. P. - A regularidade do processo e o cumprimento da lei. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? S. P. - Não há necessidade de qualquer alteração, pelo menos, na área penal considero tudo certo. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? S. P. - Como acontece na atualidade, como custus legis. 198 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? S. P. - Sim. 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? S. P. - As funções são diferentes, razão pela qual não há necessidade de alteração da posição processual do Ministério Público de segundo grau. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? S. P. - Não conheço e prefiro não opinar a respeito. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? S. P. - Esse assunto já foi tratado na questão de número 14. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? S. P. - Entendo que sim e que a posição processual do Ministério Público junto aos tribunais está correta, até porque os procuradores de justiça nos ajudam muito. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? S. P. - Perfeitamente. 19) Em caso negativo, qual seria a saída? 199 S. P. – A questão fica prejudicada. 200 ANEXO 9 ENTREVISTA COM A PROCURADORA DE JUSTIÇA VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI PROCURADORIA DE JUSTIÇA DA ÁREA CÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA Data: 03 de dezembro de 2009. 1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e civil públicas ou da ação de improbidade? a) de autor? b) de custus legis? c) por quê? Vera Lúcia Ferreira Copetti - O Ministério Público, em segundo grau, deve manter sua posição de parte quando foi o autor da ação, seja ela penal pública, civil pública ou ato de improbidade administrativa. Os motivos dessa convicção são vários: só assim continua havendo contraditório no segundo grau; mantém-se uma coerência institucional, estimula-se a discussão interna e o desenvolvimento de posturas uniformes perante os interesses cuja defesa estão a cargo do Ministério Público. Há, ainda, o aspecto relacionado com a possibilidade de que, a partir da mudança do caráter da autuação ministerial, seja alterada a legislação processual, dispensando-se a produção de contrarrazões no primeiro grau que teriam lugar, então, no segundo, dando celeridade aos recursos. 2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas criminal e cível, quando o Ministério Público é autor da lide na origem, os princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o 201 réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de julgamento? V. L. F. C. - Na verdade, em tais casos, o réu, ainda que sem caráter de obrigatoriedade, pode manifestar-se e o faz, frequentemente, apresentando memoriais dos quais o Ministério Público, via de regra, sequer toma conhecimento. É a defesa da sociedade que fica sem patrono quando o Ministério Público, da posição de parte, passa à de custus legis, lugar que não lhe permite postular, apenas opinar, sem o empenho que, no primeiro caso, pode levá-lo a desenvolver um trabalho comprometido com o sucesso da demanda, a ponto de sustentar suas posições nas sessões de julgamento e esforçar-se pela agilidade nos julgamentos. 3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar de opinar? V. L. F. C. - A resposta à primeira pergunta, penso, está implícita na do item anterior. Quanto à segunda questão, às vezes há confusão. Os Membros do Ministério Público que autuam no segundo grau são todos originários do primeiro e trazem consigo, inevitavelmente, o vezo da parcialidade com o qual tinham que lidar na defesa dos direitos e interesses que lhe eram confiados. Assim, acontece de o parecerista, ainda que não o faça propositadamente, tratar alguns temas de forma parcial. 4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente (autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste. V. L. F. C. – Essa pergunta não foi respondida. 202 5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal normatização? Qual a saída? V. L. F. C. – A concentração de atribuições determinada pela Lei Orgânica na pessoa do Procurador-Geral de Justiça é resquício, acredito, dos tempos em que o Procurador-Geral era também o defensor do Estado. Sequer havia a exigência de que fosse integrante da carreira. Era do interesse do governante que o nomeava que ele concentrasse o mais possível os poderes da instituição. Atualmente, na vigência de uma Constituição que adotou o regime democrático e deu ao Ministério Público a incumbência de defendê-lo; diante de uma demanda sempre crescente por celeridade processual; pelo combate à improbidade administrativa e à criminalidade, sobretudo a de colarinho branco, e pela solução de outros problemas atinentes à cidadania, a concentração, além de antidemocrática, dificulta o trabalho do Ministério Público por torná-lo mais lento e, ao mesmo tempo, menos combativo. A saída envolve mais do que a simples mudança legislativa. Para transmudar essa postura há que se desenvolver uma discussão institucional, como alguns MPs estaduais já fizeram, envolvendo o Procurador-Geral, os procuradores e os promotores de justiça, no sentido de que trabalhem juntos, debatam e assentem teses institucionais, de modo a alcançar uma unidade não apenas formal, mas substancial da instituição. 6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau de recurso? Qual? V. L. F. C. - Não. Pelo contrário, penso que a supressão do autor da ação no segundo grau pode ser visto como causador da ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo porquanto, sendo o Ministério Público, por substituição processual, o representante da sociedade, quando ele assume posição diversa da original, queda-se a sociedade sem representação e, consequentemente, faltará ao processo pressuposto para seu desenvolvimento válido e regular. 203 7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art. 610, CPP, qual o sentido dessa expressão: a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e prequestionamentos na sessão de julgamento; b) emitir parecer; c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte? d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a outra parte, como ocorre atualmente? e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial como razão da decisão? V. L. F. C. - Considerando que o CPP ainda mantém, na disciplina individual dos recursos, a previsão de que o Ministério Público no primeiro grau oferece as contrarrazões, a vista prevista no art. 610 se destina à emissão de parecer. Item c – Não, vide resposta à pergunta de n. 2. Item d – Sim, pode haver prejuízo para a sociedade, pelos motivos indicados na resposta à pergunta de n. 2. A transcrição de parte do parecer ministerial no acórdão parece-me não afetar a posição do Ministério Público no feito nem a validade da decisão. A transcrição será incluída na fundamentação e, para externar as razões de seu convencimento, o julgador pode encampar argumentos de doutrinadores, que outra coisa não são senão meros pareceristas, das partes, de outros juízes e do Ministério Público, esteja este na posição de parte ou de custus legis porque, em qualquer caso, este se equipara àqueles. Afinal, o parecer tem mesmo o objetivo de influenciar o julgador. 8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de justiça sejam autores? Em que percentual? V. L. F. C. - Sim. O percentual não pode ser apurado aqui, na PGJ, mas as atas do TJ contêm os registros. 204 9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ, desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão, como acontece com os grandes escritórios de advocacia? V. L. F. C. - Diante do disposto no art. 31 da Lei n. 8625/93, penso que não: Cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por delegação deste. 10) O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais fiscaliza quem? V. L. F. C. - Fiscaliza a atuação dos julgadores de segundo grau, podendo manifestar-se e interpor recursos sempre que entender necessário. 11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma, junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério Público (nas esferas cível e criminal)? V. L. F. C. - Não vejo necessidade de mudança no tocante às atribuições que são exercidas junto ao TJ. 12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no TJ/SC? V. L. F. C. - Tendo participado do grupo de trabalho que elaborou a proposta que foi levada ao Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina e se tornou o Ato n. 226/2007/CPJ, penso que o referido ato226 define a forma pela qual podemos e devemos atuar perante o TJSC. 13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC, o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na lide? V. L. F. C. - Sem dúvida, não somente prejuízo para a sociedade, mas violação do dever funcional. 226 O Ato n. 226/2007/CPJ, de 27 de junho de 2007, criou na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define a sua estrutura e o âmbito de atuação (anexo 10). 205 14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência, uma sociedade melhor defendida? V. L. F. C. - Sim. Vide resposta ao item 5. 15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece? V. L. F. C. - Conheço, ainda que não tenha tido contado direto com os colegas que lá atuam. Parece-me uma iniciativa relevante, necessária e que deve ser disseminar por outros Ministérios Públicos. 16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá maior integração entre os dois? V. L. F. C. - Sim. Vide resposta ao item 5. 17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do Ministério Público? V. L. F. C. - Os novos parâmetros da CF/88 conferem ao Ministério Público, sem dúvida, a possibilidade de uma atuação mais ativa, vale dizer, como parte. A continuidade do atuar parecerista se deve, segundo penso, à resistência à mudança que caracteriza todas as instituições (porque a mudança importa aceitar desafios, alterar as práticas, correr riscos, etc.) e ao comodismo que proporciona uma convivência mais tranquila com as elites e com os demais agentes do mundo jurídico. 18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social? V. L. F. C. - A atuação custus legis nos tribunais reproduz, em linhas gerais, a mesma do primeiro grau. Desse modo, o Ministério Público atua em defesa da 206 ordem jurídica, da Constituição, sobretudo naquilo que diz respeito aos direitos fundamentais, inclusive os sociais e individuais indisponíveis. Assim, em sua missão de controlador, penso que desempenha função social 19) Em caso negativo, qual seria a saída? V. L. F. C. – A questão fica prejudicada. 207 ANEXO 10 ATO N. 226/2007/CPJ Cria na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define a sua estrutura e o âmbito de atuação. O PRESIDENTE DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, com fundamento no art. 43 da Lei Complementar n. 197, de 13 de julho de 2000, após aprovação do Colégio de Procuradores de Justiça, nos termos do art. 20, inciso XIV, da mesma Lei, e Considerando a decisão tomada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, em sessão realizada, em 1º de novembro de 2006, que autorizou a criação na Procuradoria de Justiça Cível de órgão especializado na defesa das teses objeto de ações civis públicas interpostas pelo Ministério Público; Considerando a necessidade de acompanhamento do trâmite e o resultado dessas ações perante o Tribunal de Justiça; e, ainda, Considerando que, nas referidas ações, não há intervenção de outro órgão ministerial como fiscal da lei (art. 5º, §1º, da Lei n. 7.347/85); art. 92 do Código de Defesa do Consumidor e art. 17, §4º, da Lei n. 8.429/92, o que autoriza a intervenção do Procurador de Justiça, órgão de execução do Ministério Público perante os tribunais (art. 31 da Lei n. 8.625/1993 e art. 96 da Lei Complementar n. 197/2000), também na condição de parte, 208 Resolve: Art. 1º Criar na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público de Santa Catarina. Art. 2º Compete ao Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas: I - oficiar, nas ações civis públicas em que o Ministério Público de Santa Catarina seja autor e nos respectivos recursos, realizando o acompanhamento processual e oferecendo memoriais, quando necessário, sem prejuízo de outras iniciativas, tendentes a agilizar e otimizar os resultados em favor da sociedade; II - participar das sessões do Tribunal de Justiça nas quais estejam em pauta os processos referidos no inciso anterior, ou de outros em que tenham oficiado integrantes do Núcleo Especial de Defesa, sustentando oralmente, sempre que cabível e necessário, as teses e os argumentos em que se tenha fundamentado o Ministério Público; III - colocar-se, por intermédio de todos os seus integrantes, à disposição dos Membros do Ministério Público, especialmente os de Primeiro Grau, objetivando a definição de estratégias para o êxito das ações e dos recursos referidos no inciso I; e IV - integrar-se com os Centros de Apoio Operacional, visando ao fortalecimento dos mecanismos de cooperação com órgãos de execução, em primeiro e segundo graus, e à concretização das políticas institucionais. § 1º Competirá ao Procurador de Justiça a quem coube a análise do processo decidir sobre a conveniência e oportunidade das medidas a que alude este artigo, sem prejuízo de outras que reputar pertinentes. 209 § 2º No propósito de otimizar os resultados do trabalho do Núcleo, poderão os Procuradores de Justiça que o integram definir rotinas e procedimentos, repartir tarefas por áreas de especialização, estabelecer premissas de atuação e adotar outras medidas correlatas, dando-lhes a devida divulgação, para conhecimento de todos os órgãos do Ministério Público. Art. 3º O Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas será composto por 5 (cinco) Procuradores de Justiça integrantes da Procuradoria de Justiça Cível. Art. 4º A Coordenadoria de Processos e Informações Jurídicas (COPIJ) fará distribuir aos Procuradores de Justiça lotados no Núcleo todas as ações civis públicas de autoria do Ministério Público, independentemente de seu conteúdo temático. Art. 5º O Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas conceberá e implementará instrumentos de acompanhamento estatístico, aptos a aferir o desempenho e a eficácia de suas próprias atividades. Art. 6º Este Ato entrará em vigor na data de sua publicação. PUBLIQUE-SE, REGISTRE-SE, COMUNIQUE-SE. Florianópolis, 27 de junho de 2007. GERCINO GERSON GOMES NETO PRESIDENTE DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA