UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS –— CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –— CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA –— PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE
SEGUNDO GRAU: UMA ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA
POLÍTICA JURÍDICA
SONIA MARIA DEMEDA GROISMAN PIARDI
Itajaí (SC), fevereiro de 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –— CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA –— PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE
SEGUNDO GRAU: UMA ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA
POLÍTICA JURÍDICA
SONIA MARIA DEMEDA GROISMAN PIARDI
Dissertação submetida ao Programa de
Mestrado em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em
Ciência Jurídica.
Orientador: Professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo
Coorientadora: Professora Doutora Márcia Aguiar Arend
Itajaí (SC), fevereiro de 2010.
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação ao Ministério Público
Brasileiro, no intuito de fomentar uma profunda
análise
crítico-reflexiva
sobre
os
rumos
institucionais e o papel do Ministério Público
perante a sociedade face às missões que lhe
impôs a Constituição Cidadã de 1988.
i
AGRADECIMENTO
Muito devo agradecer a confiança, o apoio, o
estímulo e a paciente orientação do Professor
Doutor Osvaldo Ferreira de Melo, que me permitiu
desenvolver
academicamente
dissertação,
constante
caminhada
profissional.
o
tema
desta
inquietude
de
minha
Sou-lhe
grata
pela
sabedoria que me transmitiu, pela disponibilidade
e
gentileza
que
despertando
sempre
admiração,
me
demonstrou,
respeito
e
especial
carinho.
À
coorientadora
Professora
Doutora
Márcia
Aguiar Arend, amiga e colega de Ministério
Público, que me acolheu em momentos difíceis,
quando pensava capitular: com carinho e vasta
bagagem cultural me incentivou a prosseguir.
Ao
Coordenador-Geral
do
Curso
de
Pós-
Graduação em Ciência Jurídica, Professor Doutor
Paulo Márcio Cruz, pelo incentivo, confiança,
alegria e competência na condução do Curso.
À Professora Doutora Maria da Graça dos Santos
Dias, mestra por excelência, com quem muito
aprendi,
pela
receptividade,
dedicação
e
confiança, mais o carinho e persistente estímulo
que sempre me transmitiu.
A todos os professores do Programa de Mestrado
(Produção
e
Aplicação
do
Direito)
aprendizado que me proporcionaram.
ii
pelo
Aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin,
Eliana Calmon Alves e Mauro Campbell Marques;
aos Desembargadores do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina Luiz Cézar Medeiros, Salete Silva
Sommariva e Sérgio Paladino; aos Procuradores
de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina
José Galvani Alberton, Odil José Cota e Vera
Lúcia Ferreira Coppeti que, pronta e gentilmente,
dispuseram-se a colaborar para o enriquecimento
deste trabalho, submetendo-se de bom grado às
entrevistas.
Ao meu marido, José Carlos Girardi Piardi, e ao
meu filho, Josef Giovani Demeda Groisman,
incansáveis incentivadores e confortadores nos
momentos de desalento, que acreditaram em mim
e nunca deixaram de externar compreensão e
amor, mesmo quando me enclausurei para poder
concentrar-me e levar adiante este projeto.
Às amigas Rosani Archer Battisti, Terezinha
Webber e à estagiária Marli Maria Chielle Silva
pelo auxílio na coleta do material de pesquisa.
Aos funcionários e bolsistas do Programa de
Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica pela
atenção
e
atenderam.
iii
gentileza
com
que
sempre
me
Temos de nos
tornar a mudança que queremos ver no mundo.
Mahatma Ghandi
Minha esperança é imortal. Sei que não dá para
mudar o começo. Mas, se a gente quiser, vai dar
para mudar o final.
Elisa Lucinda
iv
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí (SC), fevereiro de 2010.
Sonia Maria Demeda Groisman Piardi
Mestranda
v
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP
Ação Civil Pública
ADIN
Ação Direta de Inconstitucionalidade
AGU
Advocacia Geral da União
ANPR
Associação Nacional dos Procuradores da República
ART
Artigo
CAEMP
CCPPI
Confederação das Associações Estaduais do Ministério
Público
Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades
Institucionais
CE
Constituição Estadual
CF
Constituição Federal
CLT
Consolidação das Leis do Trabalho
CONAMP
Confederação Nacional do Ministério Público
CPC
Código de Processo Civil
CPP
Código de Processo Penal
DES
Desembargador
DJ
Diário da Justiça
HC
Habeas Corpus
ICP
Inquérito Civil Público
INC
Inciso
LACP
Lei da Ação Civil Pública
LC
Lei Complementar
LONMP
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público
MIN
Ministro
MP
Ministério Público
MPF
Ministério Público Federal
vi
P. EX.
Por exemplo
PE
Estado de Pernambuco
PGJ
Procurador-Geral de Justiça
REL
Relator
RMS
Recurso de Mandado de Segurança
SC
Santa Catarina
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
T
Turma
TC
Tribunal de Contas
TJ
Tribunal de Justiça
TJSC
Tribunal de Justiça de Santa Catarina
vii
ROL DE CATEGORIAS
Constitucionalidade:
É a qualidade do que é constitucional. Nas constituições rígidas e escritas
como a brasileira, “uma norma jurídica para ser constitucional deve estar
em concordância com a constituição, não podendo contrariar as exigências
formais impostas pela própria constituição para a edição de uma norma
infra-constitucional (constitucionalidade formal), nem o conteúdo da
constituição (constitucionalidade material)1.
Ministério Público:
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de
direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis2.
Ministério Público Estadual de segundo grau:
A expressão tem o mesmo significado que Procuradores de Justiça cujas
atribuições estão fixadas na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que
dispõe sobre normas gerais para a organização dos Ministérios Públicos dos
Estados e dá outras providências, disciplinando que: Cabe aos Procuradores de
Justiça exercer atribuições Junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao
Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por delegação deste3.
Atuação:
Palavra que exprime a atividade ou participação da pessoa na feitura do ato. É,
1
Disponível em: http://ptwikipedia.org/wiki/constitui%c3%A7%c%A3o. Acesso em: 30 de maio de
2008.
2
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e
legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 329 (artigo 127,
caput).
3
Artigo 30 da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
viii
assim, ação e efeito de atuar, indicando também o modo por que alguém se
conduz no desempenho de função ou atividade profissional.4
Função Social do Ministério Público:
Consiste no dever de o membro do Ministério Público estar atento aos interesses
mais lídimos da sociedade, suas reais prioridades e carências mais profundas a
fim de direcionar harmoniosamente o agir do órgão ministerial com o interesse
daquela que está a defender – a sociedade. É nesse sentido que o interesse
público se revela e deve ser a essência de toda atuação dos Representantes do
Parquet, quer no corrigir desrespeitos ao ordenamento jurídico quer no que se
refere à prática de ilícitos criminais, propondo ações penais públicas, quer nos
casos de desvios da própria administração pública, como de qualquer particular
que, ao agir, possa ameaçar a coletividade e causar danos irreversíveis ou de
difícil reparação a ela, invocando a propositura de ações civis públicas. O
processo está a exigir daquele que tem a função de desempenhar o papel de
autor em nome da sociedade que ele leve em conta as diretivas aceitas por ela
para reivindicar a solução e a aplicabilidade do direito, e, em razão desse
compromisso do autor – Ministério Público com a coletividade que representa, é
que não deve ser indiferente aos seus membros a convicção daqueles em cujo
nome atua, isso porque, ao provocar a tutela estatal, ele o faz em nome do povo.5
Política Jurídica:
À Política Jurídica cabe buscar o direito adequado a cada época, tendo como
balizamento de suas proposições os padrões éticos vigentes, e a história cultural
do respectivo povo.6
4
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 22. ed. atualizada por Nagib Slaibi Filho e Gláucia
Carvalho. Rio de Janeiro: Companhia e Editora Forense, 2003, p. 169.
5
SALDANHA, Gisela Potério Santos. Da Função Social do Membro do Ministério Público.
Disponível
em
http://promotorjustiça.bolgspot.com/2007/03/da-funo-social-do-membro-doministerio.h... Acesso em: 30 de julho de 2009.
6
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política e Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, 1998, p. 80.
ix
SUMÁRIO
RESUMO .........................................................................................XIV
ABSTRACT ......................................................................................XV
INTRODUÇÃO ....................................................................................1
CAPÍTULO 1
ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ...............................................6
1.1 ORIGENS HISTÓRICAS ..................................................................................6
1.2 A ORIGEM MAIS PROVÁVEL .........................................................................8
1.3 ORIGEM DA EXPRESSÃO ............................................................................11
1.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL..........................................................12
1.5 O MOVIMENTO POLÍTICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFINIÇÃO DE
SEU PAPEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.......................................26
CAPÍTULO 2
O MINISTÉRIO PÚBLICO
NO
BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 ...........................................................................36
2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO CONSTITUCIONAL......................... 36
2.1.1 CONCEITO ..................................................................................................44
2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI ORGÂNICA NACIONAL - LONMP......... 45
2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE E SUA LEI ORGÂNICA.............60
2.4 OS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA INDEPENDÊNCIA, UNIDADE E
INDIVISIBILIDADE............................................................................................... 65
2.5 O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL.................................................. 67
x
CAPÍTULO 3
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO
GRAU................................................................................................. 87
3.1 FUNÇÕES TÍPICAS....................................................................................... 87
3.2 FUNÇÕES ATÍPICAS..................................................................................... 93
3.3 IDENTIDADE ONTOLÓGICA DO PROCURADOR DE JUSTIÇA................. 95
3.4 ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA............ 114
3.5 A FUNÇÃO SOCIAL E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU............................. 120
3.5.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE
SEGUNDO GRAU.............................................................................................. 120
3.5.2
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE
DA
ATUAÇÃO
DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU................................................... 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 131
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS......................................................... 139
ANEXO 1 – ENTREVISTA COM O MINISTRO ANTONIO HERMAN DE
VASCONCELLOS E BENJAMIN....................................................................... 148
ANEXO 2 – ENTREVISTA COM A MINISTRA ELIANA CALMON ALVES...... 155
ANEXO 3 - ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA JOSÉ
GALVANI ALBERTON....................................................................................... 160
ANEXO 4 - ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR LUIZ CÉZAR
MEDEIROS......................................................................................................... 169
ANEXO
5
–
ENTREVISTA
COM
O
MINISTRO
MAURO
CAMPBELL
MARQUES.......................................................................................................... 176
ANEXO 6 – ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA ODIL JOSÉ
COTA.................................................................................................................. 183
xi
ANEXO 7 – ENTREVISTA COM A DESEMBARGADORA SALETE SILVA
SOMMARIVA...................................................................................................... 189
ANEXO
8
–
ENTREVISTA
COM
O
DESEMBARGADOR
SÉRGIO
PALADINO......................................................................................................... 195
ANEXO 9 - ENTREVISTA COM A PROCURADORA DE JUSTIÇA VERA LÚCIA
FERREIRA COPETTI......................................................................................... 200
ANEXO 10 – ATO N. 226/2007/CPJ, DE 27 DE JUNHO DE 2007.................... 207
xii
RESUMO
A presente pesquisa se relaciona com o Programa de
Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica da UNIVALI, na área de
concentração Fundamentos do Direito Positivo, linha de pesquisa de Produção
e Aplicação do Direito, e se concentra na análise do padrão de ação dos
membros do Ministério Público Estadual, integrantes tanto do primeiro como do
segundo grau. Uma análise do conceito de Ministério Público presente no art.
127 da Constituição Federal de 1988, das atribuições que lhe são conferidas
pelo art. 129 da mesma Carta Magna e disciplinadas pela lei orgânica nacional
do Ministério Público (lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993) e pela lei
orgânica do Ministério Público Catarinense (LC n. 197, de 13 de julho de 2000),
deixa claro o divórcio existente entre o proceder dos órgãos de execução de
uma e outra instância. O segundo grau do Ministério Público passa por uma
crise de identidade admitida por alguns de seus integrantes e ex-integrantes,
diante da enraizada postura processual de fiscal da lei assumida antes da atual
Constituição Federal mas que se mantém, limitando seu desempenho
revelando descompromisso com a função social que lhe cabe. Fica a sensação
de que, à exceção do Procurador-Geral de Justiça, os avanços obtidos pela
instituição através da lei da Ação Civil Pública e da Constituição Cidadã de
1988 não foram assimilados pelo Órgão de Execução de segundo grau Procurador de Justiça -, diante do abandono do polo ativo (autor) nas ações
civis públicas, de improbidade administrativa e penais públicas em que o
Ministério Público é originariamente autor, deixando-as privadas de uma das
partes, em prejuízo do papel social que lhe cumpre desenvolver. Busca-se,
então, apoio na política jurídica para motivar uma reflexão crítica da atual
postura ministerial em segundo grau, com a intenção de construir o como deve
ser dessa instância jurisdicional, de modo a abandonar a inconstitucional
postura assumida pelo órgão de execução de segundo grau nas ações em que
o Ministério Público é originariamente parte.
PALAVRAS CHAVE: constitucionalidade, Ministério Público, Ministério Público
Estadual de Segundo Grau, atuação, função social, política jurídica.
xiii
ABSTRACT
This research belongs to Master's Degree Program in Law
Sciences – UNIVALI, in the area of Positive Law Principles, Law Production and
Application, and it concentrates on the analysis of action pattern of Members
from the State Public Department, in first and second levels. Analyzing the
concept of State Department present in the art. 127 from the Federal
Constitution of 1988, and the powers entitled by the art. 129 from the same
source and ruled by the National Organic Law of the Public Department (Law n.
8.625, February 12th, 1993) and Organic Law of the Public Department of Santa
Catarina (CL n. 197, July 13th, 2000) it is clear the discrepancy between the
Organs of Execution from the present institution. It is possible to verify that the
Public Department has been through an identity crisis admitted by some of its
members and ex-members, face to the rooted processional posture as a “law
inspector”, assumed before the current constitution and kept until these days.
This situation restrains the institutional performance, and also reveals apathy in
relation to the social function it is supposed to put in practice. It seems that,
exceptionally from the Justice General-Prosecutor, the improvements achieved
by the Institution through the Public Civil Action Law and the Citizen
Constitution of 1988 were not absorbed by the Excecution Organ of second
level – Justice Prosecutor, in face of abandonment of the active pole (author) in
public civil actions, administrative misconduct actions and public penal actions
in which Public Department is originally the author, so that they are deprived of
one party, damaging the social role that it is supposed to perform. What is
searched on this work is support on law politics to motivate a critical reflexion
about the current ministerial posture in second level, in an attempt to build a
how it should be in the Public Department institution, so that the
unconstitutional performance assumed by second level excecution organ be
neglected in actions in which the Public Department is originally party.
KEY WORDS: constitutionality, Public Department, action, social function, law
politics.
xiv
1
INTRODUÇÃO
A presente dissertação terá como foco principal avaliar se,
em face da atual forma de agir, há ou não necessidade de rever as normas que
regem a atuação do Procurador de Justiça do Ministério Público Estadual a fim de
promover uma adequada defesa dos interesses sociais, caso não atenda às
diretrizes constitucionais e às expectativas da sociedade.
O objetivo institucional é a obtenção do título de Mestre em
Ciência Jurídica pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica
da Universidade do Vale do Itajaí - Univali.
O seu objetivo científico é demonstrar se a atuação do
Ministério Público Estadual de segundo grau é compatível ou não com o desenho
constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Capítulo 1 trará as diversas correntes que explicam as
origens do Ministério Público e que buscam situá-lo historicamente, com destaque
nas raízes francesas. Procurar-se-á a origem da expressão Ministério Público: a
magistratura de pé, ereta, como consagrou a tradição francesa ao erigir, para
designá-lo, a palavra Parquet.
Será,
na
sequência,
documentado
o
surgimento
da
instituição no Brasil - no período colonial, sua trajetória pelo período imperial e
republicano anterior à Constituição de 1988. A ênfase estará na repercussão dos
pontos defendidos e no trabalho político desenvolvido pelo movimento nacional,
encabeçado pela Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp) durante
os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, a grande maioria dos quais
foram acatados.
No Capítulo 2, tratar-se-á do lugar do Ministério Público no
texto da Constituição Federal, nas leis orgânicas nacional e estadual de Santa
Catarina, conceituando-o num item à parte. No que respeita ao Ministério Público
Catarinense, ficará evidente a atribuição conferida pela Constituição Estadual aos
Promotores de Justiça, de proporem ações diretas de inconstitucionalidade
(ADINs) contra atos normativos e leis municipais que afrontam a Constituição
2
Estadual, propiciando célere e efetivo controle sobre a constitucionalidade
daquelas normas. Analisar-se-á, em seguida, os princípios institucionais da
independência, da unidade, e do promotor natural, (aqui incluída a questão dos
promotores ad hoc e as limitações impostas ao Procurador-Geral de Justiça na
designação de Promotores de Justiça para exercerem atribuições afetas a outros
órgãos de execução), contemplando, ao mesmo tempo, a interpretação da
doutrina e dos tribunais.
O comando dúbio do art. 600, § 4º do Código de Processo
Penal, que permite sejam apresentadas razões de apelação pela defesa do réu
condenado perante o juízo ad quem, obriga à pesquisa e crítica sobre a prática
assumida
por
diversos
Ministérios
Públicos
Estaduais
de
designarem
Procuradores e Promotores de Justiça para formularem contrarrazões de recurso,
ofendendo o princípio do promotor natural. A parte final do art. 610 do CPP será
examinada na perspectiva de suporte para mudança de posição processual do
membro do Ministério Público de segundo grau em relação àquela exercida, até
então, pelo Promotor de Justiça, autor originário da demanda.
No Capítulo 3, serão enfrentados os temas referentes às
funções típicas e atípicas do Ministério Público e interpretado o alcance da
expressão interesse público, contida no inciso III do artigo 82 do Código de
Processo Civil. Será feita referência à orientação editada pelo Conselho Nacional
dos Corregedores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União,
traduzida na Carta de Ipojuca, de 13 de maio de 2003, visando racionalizar a
intervenção ministerial nos processos judiciais cíveis.
A identidade ontológica do Procurador de Justiça será
discutida à luz dos arts. 31 e 41, inc. III da Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público, do art. 610 do CPP, da doutrina e, também, da interpretação dos
entrevistados e dos Ministros do STF Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo
Lewandowski.
A partir de então, o trabalho considerará, sobretudo, as
contribuições das entrevistas realizadas com os Ministros do Superior Tribunal de
Justiça Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Eliana Calmon Alves e
Mauro Campbell Marques; com os Desembargadores do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina Luiz Cézar Medeiros, Salete Silva Sommariva e Sérgio Paladino; e
3
com os Procuradores de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina José
Galvani Alberton, Odil José Cota e Vera Lúcia Ferreira Copetti.
Em decorrência da postura processual assumida perante os
tribunais pelo Ministério Público, nas ações penais, civis públicas e de
improbidade administrativa, em que o Promotor de Justiça é originariamente
sujeito ativo, procurar-se-á saídas para a ausência da parte autora no processo.
Há quem defenda que dois agentes ministeriais, – um na condição de autor e
outro na de custus legis – devam atuar na lide, ambos pertencentes ao segundo
grau de jurisdição. Mas há também quem entenda que o Promotor de Justiça que
interpôs a ação deve atuar como autor. Um grupo de juristas aceita,
tranquilamente, a posição de fiscal da lei do Ministério Púbico perante os
Tribunais. Outros entendem que somente quando atuou como custus legis em
primeiro grau justifica-se tal posição processual em segundo grau. Quando o
Promotor de Justiça atuou, originariamente, como autor da ação, seu sucessor
deve intervir na mesma posição processual. Finalmente, um grupo mais radical
não aceita a transformação que vem se operando em segundo grau e sugere, até,
a supressão dessa intervenção processual, caso permaneça nos atuais moldes.
Será realizada uma análise crítico-reflexiva da autuação do
Ministério Público Estadual em segundo grau à luz da política jurídica, para então
conceituar a política jurídica, com base no que é defendido pelas doutrinas do
direito natural, das teorias normativista e empirista. Quanto à doutrina culturalista,
ela é uma estratégia que objetiva a adequação das normas positivadas e válidas
aos valores culturais de justiça e utilidade social, o que torna possível aplicá-la na
atuação do Ministério Público Estadual de segundo grau.
Com apoio nas experiências dos Ministérios Públicos dos
Estados de São Paulo e Minas Gerais, que criaram procuradorias cíveis
especializadas em direitos coletivos e difusos e que atuam no polo ativo das
ações civis públicas intentadas pelos órgãos de execução do primeiro grau, será
colocada a questão: a condição de parecerista ou opinador assumida pelos
integrantes do Ministério Público de segundo grau contribui para a realização das
missões constitucionalmente atribuídas à instituição?
Por último, será tratada a questão da (in)constitucionalidade
da atuação do Ministério Público de segundo grau, com suporte nas funções
4
nucleares enumeradas no art. 129 da CF a fim de traçar um parâmetro entre a
prática e o dever ser dos órgãos de execução de segundo grau.
Nas considerações finais serão apresentados os pontos
conclusivos destacados e estimulada a continuidade de estudos e reflexão sobre
o tema deste trabalho.
No projeto da presente dissertação foram levantadas as
seguintes hipóteses:
a) as atribuições atualmente exercidas pelos procuradores
de justiça do Ministério Público Estadual de segundo grau atendem ao novo perfil
da instituição desenhado pela Constituição Federal vigente?
b) o princípio do promotor natural deve prevalecer em
relação à forma de atuação do Ministério Público Estadual de segundo grau?
c) o atual modo de intervenção no processo dos Membros
dos Ministérios Públicos Estaduais de segundo grau corresponde à expectativa da
sociedade brasileira?
Na fase de investigação7 será utilizado o método indutivo8,
na de tratamento de dados, o cartesiano9. O relatório dos resultados se apoiará
na lógica de base indutiva.
Nas diversas fases da pesquisa, serão utilizadas as técnicas
do
10
referente ,
da
categoria11,
do
conceito
operacional12,
da
pesquisa
bibliográfica13 e exploratória no banco de dados da Corregedoria-Geral de Justiça
do Ministério Público de Santa Catarina e nas normas internas de alguns dos
Ministérios Públicos Estaduais. Além disso, um questionário estruturado será
7
[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do
Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia
da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC, 2007. p. 101.
8
[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma
percepção ou conclusão geral [...].Idem, ibidem, p. 104.
9
Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidenciar, dividir, ordenar e avaliar) veja
LEITE, Eduardo de oliveira. A Monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
pp. 22-26.
10
[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado,
delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para
uma pesquisa. PASOLD, Cesar Luiz. Opus cit., p. 62.
11
[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia. Idem,
ibidem, p. 31.
12
[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja
aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]. Idem, Ibidem, p. 45.
13
Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. Idem,
Ibidem, p. 239.
5
submetido a integrantes do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina e do segundo grau do Ministério Público do Estado de Santa
Catarina.
6
CAPÍTULO 1
ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1.1 ORIGENS HISTÓRICAS
É uma tarefa das mais difíceis situar a origem histórica do
Ministério Público em razão das múltiplas hipóteses levantadas. Para alguns
autores, os vestígios mais antigos são encontrados no Egito, há quatro mil anos,
no magiaí, funcionário real a quem competia ser a língua e os olhos do rei; ouvir
as palavras da acusação; proteger o órfão, a viúva e o homem justo; tomar parte
nas instruções para descobrir a verdade e castigar os rebeldes, violentos e
mentirosos. Outros buscam sua origem na antiguidade clássica, na Grécia e em
Roma. Os primeiros traços, que podem constituir a semente do ofício, são
reconhecidos nos procuradores do rei, encarregados de defender o patrimônio do
príncipe e seus fiscais: nos éforos de Esparta, tesmótetas ou thesmotetis gregos,
ou nas figuras romanas dos advocati fisci, proetores fiscalis, censores, do
defensor civitatis, irenarcha, curiosi, statiornarii e frumentarii, nos procuratores
caesaris.14
Na Grécia e em Roma, a acusação criminal era feita pelos
familiares da vítima. Roberto Lyra, o Príncipe dos Promotores de Justiça
Brasileiros, esclarece:
Ao povo, quando não ao ofendido – cuibet ex populo – competia a
iniciativa do procedimento penal e os acusadores eram um Cesar, um
Cícero, um Hortêncio, um Catão, que, movidos pelas paixões ou pelos
interesses, abriam caminho à sagração popular em torneios de
eloquência facciosa. A técnica da função confundia-se com a arte de
conquistar prosélitos pela palavra. Por sua vez, os oradores atenienses,
constituídos em ‘magistratura voluntária’, conferiam ao debate judiciário
14
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico ao Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 37.
7
o mesmo caráter de pugilato intelectual, com o trágico poder de arrastar
15
os acusados à proscrição e ao extermínio.
Na Idade Média, também são encontrados funcionários
fiscais com atribuições que sugerem ancestralidade em relação ao Ministério
Público, os saions, visigodos pertencentes a uma tribo bárbara de origem
germânica, sucessores dos procuratores Caesaris. João Francisco Sauwen Filho,
referindo-se ao texto de João Monteiro, que, por sua vez, arrimou-se nas ideias
de Scialoja, transcreve:
Ao lado das funções fiscais propriamente ditas, sentinelas do tesouro,
verdadeiros carrascos dos devedores da fazenda pública, tinham os
Saions franca e permanente ingerência em longa série de atos da mais
rigorosa fisionomia civil. Na lição de Scialoja “eram inspetores, diretores
e executores de todas as sentenças dos tribunais; presidiam juntos à
abertura dos juízos; constrangiam os contumazes; punham-se
francamente ao lado dos que tinham injustiças a reparar ou injúria a
vingar; tutelavam o interesse da lei e o de eqüidade; faziam restituir bens
aos espoliados, indenizar os fiadores dos devedores ingratos, ressarcir
16
viúvas pobres e pupilos enganados por tutores desleais.
Ainda nesse período, menciona-se a existência de possíveis
ancestrais do Ministério Público entre os povos da antiga Gália e em civilizações
que se fixaram na Península Escandinava, os bailios (originários da Suécia) e os
senescais (da época dos reis merovíngios). Eram servidores dos senhores
feudais (um ministério privado), encarregados de defendê-los em juízo, razão pela
qual Sauwen Filho não os considera predecessores da Instituição do Ministério
Público.
No Império Carolíngio, os missi dominici (emissários do
senhor) criados por Carlos Magno, tinham a incumbência de reprimir os abusos
de seus representantes e ouvir-lhes as queixas. Exerciam a vigilância da
monarquia e atuavam como enviados do imperador no controle da administração
e da justiça locais.
Eram inspetores ambulantes que acompanhavam a atuação dos
funcionários de Carlos Magno, recebendo queixas e reclamações dos
15
LYRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2. ed. Editores Sergio Antonio Fabris
e Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1989. p. 17-18.
16
SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o estado democrático do
Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 28.
8
súditos do soberano, numa função parecida com a moderna ouvidoria,
com a finalidade última de se coibir práticas abusivas, além disso tinham
outras funções, como o controle da paz no interior do país a
regulamentação do direito canônico. Expressamente eram incumbidos
de coibir o falso testemunho, o perjúrio, os crimes de moeda falsa, e os
ladrões, em geral. Julgavam pedidos de auxílio por parte de pessoas
desamparadas (viúvas, deficientes, etc.), e serviam de curadores de
17
órfãos e incapazes.
Jádel da Silva observa que até no vindex religionis, do direito
canônico, busca-se um elo com as raízes da instituição, pois ele era encarregado
de fiscalizar o andamento dos processos e, portanto, exercia uma das funções do
Ministério Público atual.18
Finalmente, Octacílio Paula Silva, alicerçado em Cabral
Netto, sustenta que o Ministério Público teria surgido em 1289:
Cabral Netto informa ainda que, num diploma do Rei D. Afonso III, de 14
de janeiro de 1289, aparece o Procurador do Rei, com o cargo
permanente junto ao Monarca, tendo o privilégio de chamar à Casa do
Rei (Tribunal de Relação) as pessoas que com ele tinham pleitos. Isto
em Portugal, onde, já com D. João I (1.385/1422), no Regulamento da
Casa de Suplicação, definem-se as qualidades, as aptidões e os deveres
dos procuradores do Rei; no seu Livro das Leis e Posturas há
disposições reguladoras da intervenção dos procuradores do Rei nas
causas penais, e aparecem as figuras dos procuradores de justiça da
19
Casa de Suplicação.
Na Idade Média, durante o século XIII surgem, na França, os
avocatus du roi e os procureurs du roi que desempenhavam, inicialmente, a
missão de defender os interesses do monarca perante os tribunais.
1.2 ORIGEM MAIS PROVÁVEL
Todas estas têm algum ponto de contato com o Ministério
Público. O mais comum é admitir-se que a Instituição do Ministério Público surgiu
na França. A Ordenança de 25 de março de 1302, do rei Felipe IV, o Belo, é
17
SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Ministério Público: aspectos jurídicos. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4867>. Acesso em: 10 de novembro de 2008.
18
SILVA, Jádel da. Revista do Ministério Público Catarinense. Ano I, vol. 1. Jan./jun.1978, p. 52.
19
SILVA, Octacílio Paula. Ministério Público: estudo pragmático da instituição: legislação,
doutrina, jurisprudência. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 5.
9
considerada como o primeiro texto legal a tratar, objetivamente, dos procuradores
do rei. Sauwen Filho registra:
Com efeito, qualquer que seja a opinião que se possa ter quanto à
anterioridade de funcionários governamentais em outros estados
exercendo funções que hoje são confiadas aos Parquets, é certo que,
como instituição, o Ministério Público surgiu na França, tendo inclusive
até data precisa, 25 de março de 1302, quando Felipe, o Belo, através
de sua conhecida ordennance, reuniu tanto seus procuradores,
encarregados da administração de seus bens pessoais, como seus
advogados, que lhe defendiam os interesses privados em Juízo e que,
em conjunto, eram conhecidos pelo nome genérico de lês gens du roi,
numa única instituição. Com o decorrer do tempo, a instituição deixou de
zelar apenas pelos interesses privados do soberano, passando a exercer
funções de interesse do próprio estado. Vale dizer, passou a exercer um
“mister público”, ao invés de apenas exercer um “mister privado”, a
zeladoria dos interesses do monarca; e foi então que a designação
Ministério Público se consagrou, segundo informam Henri Roland e
20
Laurent Bover em Les Institutions Judiciaires.
Mazzilli concorda com Sauwen Filho, acrescentando que
Felipe IV apenas regulamentou o juramento e as obrigações dos seus
procuradores (procuratores nostri) em termos que levam a crer que as funções já
preexistiam.21
O doutrinador José Frederico Marques compartilha do
mesmo pensamento:
Os antecessores dos atuais promotores de justiça são os advogados e
procuradores do rei (les gens de roi) que, antes do século XVI eram
apenas os representantes dos interesses privados do monarca perante
os tribunais. O papel desses advogados e procuradores do rei foi
gradativamente ampliando-se parri passo com o fortalecimento dos
poderes dinásticos; e se tornaram eles, assim, “agentes do poder público
22
junto aos tribunais.
Outras ordonnances reais seguiram-se na França, adptando
o Parquet francês através dos séculos: a de 28 de dezembro de 1335, de Felipe
IV de Valois; a de Carlos VIII, em 1493, a de Luís XII, em 1498 e, a mais famosa
delas, a ordonnance criminelle de Luís XV, de 19 de agosto de 1670, que lançou
as bases do processo público. Segundo Lyra, iniciou-se, aí, a evolução do
20
In, Ministério Público brasileiro e o estado democrático do direito. p. 38.
In, Introdução ao Ministério Público. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 39.
22
In A Reforma do poder judiciário. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 171.
21
10
Ministério Público para a sua autonomia institucional, para a dignidade que lhe
reservam, hoje, as organizações judiciárias.23
As leis de 1791, a lei de 7 Pluvioso ano IX e, finalmente, o Código de
Instrução Criminal, consagraram as novas tendências. Essas
repercutiram, sobretudo, na Áustria, na Alemanha, em Portugal,
mantendo-se, por exceção, o procedimento ex-officio e a ação privada,
na Bélgica, na Holanda e, originariamente, na França, melhor se definiu
24
a sistematização.
A evolução do Ministério Público na França foi lenta. A
Revolução de 1789, encontrou um Ministério Público desgastado junto à opinião
pública, que chegou a considerar extinta a instituição. Seus integrantes, em certas
situações, mostravam acentuada tendência para confundir os interesses públicos
que representava com as regalias da realeza. A Assembleia Nacional
Constituinte, entretanto, optou por mantê-la, totalmente reformada, retirando-lhe a
natureza política e transformando-a em órgão do judiciário.
Um decreto de 08 de maio de 1790, que entrou em vigor em 27 de
setembro daquele ano, estabeleceu a vitaliciedade dos membros do
Ministério Público que seriam nomeados pelo rei e que só poderiam ser
demitidos por comprovada corrupção. Ainda nesse mesmo ano, em
agosto, outro decreto da Assembléia Nacional dividiu as funções do
Ministério Público em dois órgãos distintos: um Comissário do Rei,
nomeado pelo soberano e a quem cabia a missão exclusiva de zelar pela
aplicação da lei e pela correta execução das decisões judiciais, e o
Acusador Público, eleito pelo povo e que tinha a função de sustentar,
diante dos tribunais, a acusação dos réus. É, portanto, dessa data que
restaram evidenciadas de forma nítida as duas funções do Ministério
Público, conservada até nossos dias, a de dominus litis e a de custos
25
legis.
É deveras curiosa a evolução do Ministério Público.
Concebido para defender os arbítrios autocráticos dos monarcas medievais, foi
lentamente transformando-se para firmar-se como baluarte da democracia,
acompanhando a transformação política dos povos. Em 1302, diz Sauwen Filho,
era impossível admitir que a instituição pudesse agir em defesa da sociedade. A
mentalidade da época, o regime marcadamente autocrático e o estágio da
civilização europeia no despontar do século XIV impediram qualquer intento
23
Opus cit., p. 20.
Idem, ibidem, p. 20.
25
Opus cit., p. 42.
24
11
nesse sentido. Cidadania e direitos do cidadão eram coisas impensáveis no
mundo de então.
1.3 ORIGEM DA EXPRESSÃO
A palavra ministério deriva do latim ministerium, minister,
que significa ofício do servo, função servil ou somente ofício, mister, cuidado,
ocupação ou trabalho. O adjetivo que a acompanha pode ser analisado
subjetivamente, denotando a ideia de instituição estatal, ou objetivo, no sentido de
interesse geral ou social.
Emerson Garcia26, reportando-se à obra Curso de Direito
Processual Civil, de Gabriel de Resende Filho, diz que a origem da expressão
estaria associada à terminação ter, de minister, que indica comparação ou
graduação. Magister, deriva do comparativo de superioridade latino magis quam
(maior que), enquanto minister, por derivar de minus quam (menor que) e
significaria o menor, o que serve alguém ou servidor de alguma causa: ministros
do rei, ministros da fé, etc.
José Eduardo Sabo Paes27, citando a mesma obra, entende
que Ministério Público seria designação do servidor da lei, que a servia por meio
de representação. Na expressão de Chiovenda, o representante da lei.
Mazzilli diz que, designando os agentes que de qualquer
forma exercitam uma função pública, a expressão ministério público já se
encontrava em textos romanos clássicos. A expressão francesa ministère public
foi usada antes para referir-se a uma instituição nas correspondências trocadas
entre os procuradores do rei, quando mencionavam seu próprio ofício. Os
provimentos legislativos do século XVIII, mais tarde, usaram a expressão, ora
para referir-se a um magistrado específico incumbido do poder-dever de exercitálo, ora para significar o conjunto de agentes que exercia esse ofício.
26
In Ministério Público organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2005. p. 7.
27
In O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. Brasília: Brasília
Jurídica, 2003. p. 49.
12
A menção ao parquet28 (assoalho), expressão muito usada
para designar o Ministério Público, provém da tradição francesa, assim como as
expressões magistrature débout (magistratura de pé, ereta) e les gens du roi (as
pessoas do rei). Isso porque os procuradores do rei, antes de adquirirem a
condição de magistrados e de terem assento ao lado dos juízes, ficavam durante
as audiências em pé, sobre o assoalho (parquet). Os juízes, ao contrário,
atuavam sentados. Daí a expressão magistrature assise (magistratura sentada).
Paes critica o uso da palavra parquet como substitutiva de
Ministério Público, terminologia sedimentada nas legislações que adotaram a
Instituição, justamente por dar a impressão de posição subalterna ao membro do
Ministério Público em relação à magistratura. O que frontalmente atinge um dos
corolários da igualdade processual, que é a inexistência de hierarquia entre as
partes.29
É totalmente apropriada a crítica formulada, porquanto a
utilização da palavra parquet para designar um Promotor ou Procurador de
Justiça fomenta a idéia de que o Membro do Ministério Público estaria em posição
de inferioridade em face ao Magistrado, almejando, no futuro, tornar-se um. Essa
idéia vem traduzida na pergunta - que não é rara -, dirigida aos Promotores de
Justiça: “Quando te tornarás juiz?”
1.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL
É consenso entre os autores que tratam do tema, fixar as
raízes do Ministério Público Brasileiro no direito português vigente no período
28
A Profª Dra. Rosa Alice Mosimann esclarece que a expressão parquet tem sido usada em
sentido impróprio, pois deriva de parc que é compartimento, espaço delimitado. A palavra teve
numerosas designações: cercado de jardim, parte de um parque, de uma pastagem. Em 1366,
num sentido, portanto antigo, era parte de uma sala de justiça onde ficavam os juízes ou até os
advogados (cf. Barreau). A partir do século XVI a palavra adquiriu o sentido que ainda vigora: local
reservado aos membros do Ministério Público fora das audiências, sob a autoridade do procurador
geral. Por extensão, coletivamente: grupo de magistrados que exercem a função do Ministério
Público, sob a autoridade do procurador geral ou de um procurador da república. Magistrados do
Parquet: magistrature debout (em pé) e juízes (magistrature assisse – sentada). In Le Robert
dictionnaire alphabétique et analogique de la langue françoise. Société Du Nouveau Littré, Paris,
1983, vol. 5.
29
In O Ministério Público na construção do estado democrático de direito. p. 50.
13
colonial, imperial e início da república, regido pelas Ordenações Afonsinas (14461447), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603).
As Ordenações Afonsinas já traziam traços da instituição do
Ministério Público ao disporem no livro I, título VIII, Do Procurador dos Nossos
Feitos; no título XIII, Dos Procuradores, e do que não podem fazer Procuradores.
Já as Ordenações Manuelinas faziam menção às obrigações
do Promotor de Justiça (livro I) perante as Casas da Suplicação e nos juízos de
terras. Tratavam do Procurador dos Nossos Feitos (título XI) e do Promotor da
Justiça da Casa da Sopricaçam (título XII). O Promotor de Justiça deveria ser
alguém letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas e as
razões, para lume e clareza da justiça e para inteira “conservaçon del convém”.30
As Ordenações Manuelinas estabeleciam, também, a
existência de um Procurador dos Feitos da Coroa na Casa da Suplicação de
Lisboa (título XII), Procurador dos Feitos da Fazenda (título XIII), Promotor da
Justiça da Casa de Suplicação (título XV) e o Promotor de Justiça da Casa do
Porto (título XLIII).
As Ordenações Filipinas, em seu livro I, dispunham sobre o
Procurador dos Feitos da Coroa (título XII), o Procurador dos Feitos da Fazenda
(título XIII), o Promotor de Justiça da Casa de Suplicação (título XV) e o Promotor
de Justiça da Casa do Porto (título XLIII).
Em 1820, o Ministério Público português foi reorganizado em
decorrência da revolução liberal que eclodiu no Porto e que precipitou o regresso
de D. João VI a Lisboa.
muito embora mencionasse o Ministério Público só de passagem em seu
Artigo 192 para reconhecer aos Promotores da Justiça, legitimidade para
exercitar o recurso de revista perante o Supremo Tribunal de Justiça,
trouxe um clima mais liberal e portanto mais propício a que fosse o
Ministério Público organizado em moldes mais modernos. A organização
da Instituição veio por Decreto de 12 de novembro de 1822, o qual,
contudo, devido a uma reação absolutista provocada pela volta do
soberano a Portugal jamais seria aplicado.
............................................................................................
O Ministério Público Português veio, finalmente, a ser organizado de
forma definitiva, adquirindo a feição que hoje ostenta, pelo Decreto nº 24,
de 16 de maio de 1832, conhecido como “decreto sobre a reforma das
justiças”, assinado em Ponta Delgada pelo então Príncipe Regente, Dom
30
Idem, ibidem, p. 167.
14
Pedro, Duque de Bragança, em nome da Rainha Infanta, Dª Maria II de
31
Portugal.
Sauwen transcreve o entendimento de Isabel LopesCardoso em sua obra Breve Memória sobre a Procuradoria da República, na qual
afirma que o Decreto n. 24/1832 é um marco fundamental na vida do Ministério
Público e ficou a dever-se ao impulso criador de Mouzinho da Silveira, então
Ministro e Secretário de Estado da Repartição dos Negócios da Justiça.32 Esse
Decreto, assinado pelo Duque de Bragança – que não era outro senão D. Pedro I,
Imperador do Brasil –, estruturou o Ministério Público português, como um corpo
hierarquizado:
1ª – Foi criado o Supremo Tribunal de Justiça e instituído, junto a ele, o
cargo de Procurador-Geral da Coroa que, mais tarde, pelo Decreto nº 27
de 19 de maio do mesmo ano tornou-se o Chefe do Ministério Público
em Portugal, por disposição que determinava: “O Procurador-Geral da
Coroa é superior aos Procuradores Régios e entretém correspondência
com estes e com o Governo.”
2ª – Criou, para funcionar junto a cada um dos Tribunais de 2ª Instância,
um Procurador Régio, que viria a ser subordinado hierárquico do
Procurador-Geral da Coroa.
3ª – Colocou, junto aos Juízos de 1ª Instância, um Delegado de
Procurador-Régio, da escolha e confiança deste.
4ª – Deu ao Procurador-Geral da Coroa a função consultiva que lhe
permitia ser consultado tanto pelo Governo, nas matérias de seu
interesse, quanto pelas Câmaras, em matéria legislativa.
5ª – Todos esses cargos eram de nomeação e demissão discricionária
33
do Governo.
As Ordenações Manuelinas e Filipinas, que compunham o
direito positivo português, vigeram ao mesmo tempo no Brasil, durante o período
colonial. O Alvará do Rei Felipe III, de 7 de março de 1609 criou, na Bahia, o
Tribunal de Relação do Brasil, com um Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda
e Fisco e um Promotor de Justiça que, segundo Lyra, sendo que este último
velava pela integridade da jurisdição civil contra os invasores da jurisdição
eclesiástica, sendo obrigado a ouvir missa rezada por capelão especial, antes de
despachar e a usar Opa.34
31
SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus, cit., pp. 106-107.
Idem, ibidem, p.108.
33
Idem, ibidem, pp.108-109.
34
Opus cit., p. 21.
32
15
O doutrinador Mazzilli diverge da posição de Lyra o
doutrinador segundo ele, em 1609, funcionava junto ao Tribunal de Relação da
Bahia somente o
procurador da Coroa e da Fazenda que tinha função de “Promotor de
Justiça”, o qual “centralizava o ofício, não se podendo falar de uma
Instituição, muito menos em qualquer garantia ou independência dos
35
promotores públicos, meros agentes do Poder Executivo.
Embora um tanto confusa, a redação do artigo 55 do Alvará
do Rei Felipe III, de 7 de março de 1609, trazida por Paes, parece dar razão a
Mazzilli:
Art. 55. Servirá outrossim o dito Procurador da Coroa e dos feitos da
Fazenda de Procurador do Fisco e de Promotor de Justiça; usará em
todo o regimento, que por minhas ordenações é dado ao Promotor de
36
Justiça da Casa da Suplicação e ao Procurador do Fisco.
Em 1751, foi instalada a Segunda Relação na Cidade do Rio
de Janeiro, em 1808 (ano da chegada da família real portuguesa ao Brasil),
transformada na Casa de Suplicação do Brasil, que passou a ter competência
para julgar recursos contra decisões da Relação da Bahia.
O Decreto Imperial de n. 5.456, de 5 de novembro de 1873,
criou o Tribunal da Relação do Distrito das Províncias de São Pedro do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, com sede em Porto Alegre. Garcia esclarece
que foi a partir da transformação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em
Casa de Suplicação que se operou, nessa corte, a separação dos cargos de
Promotor de Justiça e de Procurador dos Feitos da Coroa e da Fazenda, sendo
cada qual ocupado por um agente distinto.37
Durante a monarquia, a Constituição Imperial promulgada
em 25 de março de 1824 dispunha, em seu artigo 48, que no juízo dos crimes
cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o Procurador da
Coroa e Soberania Nacional. O artigo 163, por sua vez, determinava a criação do
Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, sendo que, para
35
In Regime jurídico do Ministério Público. p. 45.
PAES, José Eduardo Sabo. Opus cit., p.168.
37
Opus cit., p. 32.
36
16
funcionar junto a eles, nomeava-se um de seus desembargadores que recebia o
título de Procurador da Coroa e exercia a chefia do Ministério Público.
Em 1829 foi instalado no Rio de Janeiro o Supremo Tribunal
de Justiça (criado no ano anterior), instância recursal para as Relações do Rio de
Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão.
O Código Criminal de 29 de novembro de 1832 tinha secção
reservada aos Promotores Públicos que dispunha sobre os requisitos para
nomeação e o rol de suas principais atribuições. Segundo o artigo 36 podiam ser
Promotores os que pudessem ser jurados, dando-se preferência àqueles
instruídos em leis, nomeados pelo Governo, na Corte, e pelo Presidente, nas
Províncias, pelo período de três anos, a partir de proposta tríplice das câmaras
municipais. O artigo 37 detalhava as atribuições do Promotor:
Art. 37. Ao promotor pertence as attribuições seguintes:
§ 1. Denunciar os crimes públicos e policiaes, e accusar os delinquentes
perante os jurados, assim como os crimes de reduzir à escravidão
pessoas livres, e cárcere privado, homicídio, ou a tentativa delle, ou
ferimentos com as qualificações dos arts. 202, 203, 204 do código
criminal, e roubos, calúmnias e injúrias contra o imperador, e membros
da família imperial, contra a regência, e cada hum dos seus membros,
contra a assembléia geral e contra cada huma das câmaras.
§ 2. Sollicitar a prisão, e punição dos criminosos, e promover a execução
das sentenças e mandados judiciaes.
§ 3. Dar parte às authoridades competentes das negligências, omissões
38
e prevaricações dos empregados na administração da justiça.
O Aviso Imperial, de 20 de outubro de 1836, incumbia os
Promotores de visitar prisões uma vez por mês, dar andamento nos processos e
diligenciar a soltura dos réus. O Aviso Imperial de 16 de janeiro de 1838
estabelecia que fossem os fiscais da lei. O Aviso Imperial de 31 de outubro de
1859 proibia o exercício da advocacia pelos Promotores de Justiça nas causas
cíveis que pudessem vir a ser objeto de processo-crime.
A reforma produzida pela Lei 261 de 3 de dezembro de
1841, e os regulamentos que se seguiram, estabeleceu a necessidade de os
Promotores Públicos serem bacharéis idôneos, sendo nomeados e demitidos pelo
Imperador ou pelos Presidentes das Províncias, além de incumbidos de produzir a
acusação dos delinquentes e fazê-los condenar.
38
BRÜNING, Raulino Jacó. História do Ministério Público catarinense. Florianópolis: Habitus,
2001. pp. 77-78.
17
A expressão Ministério Público foi utilizada pela primeira vez
no artigo 18 do Regimento das Relações do Império de 02 de maio de 1847.
O Decreto n. 3.310/1864, em seu artigo 9º, conferiu ao
Promotor a obrigação de proteger os africanos livres, como seus curadores,
contra todas as violações de direito, requerendo a favor deles quando
conveniente, inaugurando a função histórica do Ministério Público de atuar na
defesa dos interesses sociais.
A Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre
Livre), atribuiu-lhe a função de defensor dos fracos e indefesos, ao estabelecer
que lhe competia zelar para que os filhos libertos dos escravos fossem
devidamente registrados.
Assim, nas fases colonial e monárquica, o Ministério Público
não era uma Instituição, mas um aglomerado de atribuições que recaía sobre
agentes dissociados entre si e que não gozavam de quaisquer garantias, sendo
nítida a subordinação à Chefia do Executivo.39
Na fase republicana, inaugurada com a proclamação da
República, em 15 de novembro de 1889, as Províncias do Império foram
transformadas em Estados; houve a separação da Igreja e do Estado; foi
estabelecida a liberdade de cultos religiosos; criou-se o Registro Civil e a
obrigatoriedade do casamento civil.
Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição
da República – que se manteria até o golpe militar de outubro de 1930 –,
dispondo no artigo 58, § 2º, da seção Do Poder Judiciário, sobre a escolha do
Procurador-Geral da República dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal
e deixando a definição de suas atribuições para serem definidas em lei.
Comentando essa fase da história da Instituição, Sauwen Filho faz um reparo ao
Prof. Prudente de Moraes, para quem o Ministério Público teria sido criado pelo
Decreto n. 1.030, de 14 de novembro de 1890. Afirma que a independência e a
organização do Ministério Público são devidas ao Ministro da Justiça do Governo
Provisório, Manoel Ferraz de Campos Sales que viria a ser eleito Presidente da
República para o quadriênio de 1898-1902 -, em cuja gestão ministerial veio a ser
39
GARCIA, Emerson. Opus cit., p. 34.
18
editado, um mês antes daquele diploma legal, o Decreto n. 848, em 11 de outubro
de 1890, em cuja exposição de motivos se assevera:
O Ministério Público é uma instituição necessária em toda organização
democrática e imposta pelas boas normas da Justiça, a qual compete
velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devem ser
aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela
40
convier.
Como se percebe, já naquela época o legislador via o
Ministério Público como instituição imprescindível num regime democrático,
voltada ao zelo pela execução de normas a serem aplicadas pela Justiça Federal
e responsável por promover ação pública.
O Decreto n. 1.030/1890 determinou que o Ministério Público
funcionasse perante as justiças, investido nas condições de
o advogado da lei, o fiscal de sua execução, o procurador dos interesses
gerais, o promotor da ação pública contra todas as violações do direito, o
assistente dos sentenciados, dos alienados, dos asilados e dos
mendigos, requerendo o que for a bem da justiça e dos deveres de
41
humanidade.
A Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, em seu artigo 28,
atribuiu ao Procurador-Geral da República competência para representar os
interesses da União nas causas que lhe eram afetas, mesmo diante das Justiças
Estaduais, atribuição que permaneceu até o advento da Constituição Federal de
1988. O artigo 38 outorgava ao Ministério Público competência para arguir
perante o Supremo Tribunal Federal conflitos de jurisdição entre Estado e União,
no âmbito de competência daquela Corte de Justiça.
A estrutura organizacional do Ministério Público Federal foi
alterada pelo Decreto n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911, tendo sido mantidas
as características de suas atribuições, dispondo o artigo 158 que o Ministério
Público, perante as autoridades constituídas, é o advogado da lei e o fiscal da sua
execução, o promotor da ação pública contra todas as violações do direito42
40
SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.127.
LYRA, Roberto. Opus cit., p. 23.
42
SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.137.
41
19
O Decreto n. 13.273, de 20 de novembro de 1923, alterou a
Justiça do Distrito Federal e colocou em vigor o novo Código de Organização
Judiciária, no qual a instituição conservou o papel de defensora da lei e fiscal de
sua execução, conferindo-lhe independência em relação aos poderes públicos e
competência para intervir na disciplina Judiciária, estabelecendo garantias e
responsabilidades de seus membros e estendendo sua ação tutelar a todos os
componentes do judiciário.
Tão amplas resultaram as atribuições do Ministério Público
que o Ministro Alfredo Valadão, ao comentar suas características, previu que:
O Ministério Público se apresenta com a figura de um verdadeiro poder
do Estado. Se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das leis, por
certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes. Ao órgão
que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro órgão acrescentaria
ele – o que defende a sociedade e a lei, perante a justiça, parta a ofensa
de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do
43
Estado. (O grifo é nosso.)
Em que pese tão elogiosa referência à instituição, a
condição de nomeação discricionária e demissibilidade ad nutum44 do ProcuradorGeral pelo Presidente da República restringia a independência e a vitalidade do
agir institucional.
É dessa época o Código Civil que veio a lume por intermédio
da Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916, que daria ao Ministério Público a
incumbência de velar pelas fundações de direito privado (art. 26), atribuição ainda
43
LYRA, Roberto. Opus cit., p. 23.
Ad nutum (a pronúncia é/ad nútum) significa literalmente “a um aceno de cabeça”. Está ligada
ao tempo em que os imperadores romanos exerciam um tal controle do poder que um simples
aceno de sua cabeça podia significar uma decisão de vida ou de morte. Hoje a expressão é
utilizada para caracterizar uma decisão que depende exclusivamente do arbítrio de uma das
partes envolvidas, onde é muito freqüente, caracteriza “o direito que possui uma das partes que
integram a relação jurídica de fazê-la, independentemente da vontade da outra”. O síndico do
prédio pode ser destituído ad nutum pela Assembléia dos condôminos, os testamentos são
revogáveis ad nutum; a não ser que haja disposição expressa em sentido contrário, a procuração
que passei para meu corretor de imóveis pode ser revogada ad nutum; e assim por diante.
Na esfera pública, sabe-se que o detentor de um cargo de confiança pode ser afastado pela
simples vontade de quem o convidou, sem a necessidade de processo administrativo ou legal.
Exemplo claro ocorreu no mandato de FHC: no primeiro mandato de FHC, um certo ministro, que
estava sendo fritado (gíria para quem tem problemas), declarou aos jornais que “punha seu cargo
à disposição do Presidente”. Nos jornais do dia seguinte, Fernando Henrique simplesmente
retorquiu que os cargos de ministro estão SEMPRE à sua disposição – no que estava
absolutamente certo, já que, pelo art. 84 da Constituição Brasileira, os ministros são demissíveis
ad nutum. Disponível em http://wiktionary.org/wiki/ad_nutum. Acesso em: 10 de abril de 2010.
44
20
vigente. Também outorgou aos membros da instituição legitimidade para propor
ação de nulidade de casamento (art. 208, inciso II); defesa dos interesses dos
menores (art. 394, caput); ação de interdição (art. 447, inc. III); e legitimidade para
promover ação visando à nomeação de curador ao ausente (art. 463), além de
outras; as três últimas atribuições ainda permanecem no rol de suas
competências.
A Constituição Federal de 16 de julho de 1934 colocou o
Ministério Público na seção I do capítulo VI de seu título I que trata da disciplina
dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais. Estabeleceu, no art.
95, que a organização do Ministério Público da União, do Distrito Federal e
Territórios deveria ser realizada por Lei Federal e, nos Estados, por leis locais. No
§ 1º designa o Procurador-Geral da República como Chefe do Ministério Público
Federal nomeado pelo Presidente da República, mediante aprovação do Senado
Federal, dentre cidadãos com os mesmos requisitos estabelecidos para os
Ministros da Suprema Corte, com idêntica remuneração exonerável ad nutum. No
§ 3º ficou determinado que o preenchimento dos cargos de membros da
instituição dar-se-ia por concurso, no âmbito federal, e garantiu que a perda dos
cargos só aconteceria por sentença judicial, ou processo administrativo,
observada a ampla defesa. O art. 97 dispôs que os Procuradores-Gerais da União
e dos Estados não poderiam cumular o exercício deste múnus com outra função
pública, salvo de magistério. Quanto aos Ministérios Públicos Militar e Eleitoral,
eles se organizariam mediante leis especiais (art. 98). Finalmente, o § 6º do art.
104 reservou um quinto do número total de lugares nos tribunais superiores para
membros do Ministério Público ou advogados45.
Com efeito, essa Carta consagrou o princípio da estabilidade
funcional e a obrigatoriedade de concurso público, garantias destinadas ao
Ministério Público Federal, que acabaram por se estender aos Ministérios
Públicos Estaduais (art. 7º, inc. I, da CF de 1934).
45
O chamado quinto constitucional significa a reserva de uma vaga ao Ministério Público e outra
para Advogados, na proporção de 1/5 do número total de integrantes do tribunal.
21
A Carta Constitucional de 10 de novembro 1937 introduziu
no Brasil o Estado Novo46 decretado pelo Presidente Getúlio Vargas que, através
de um golpe de estado apoiado pelos militares, dissolveu o Senado da República,
a Câmara Federal, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras
Municipais, extinguiu os partidos políticos e passou a legislar por decretos-lei.
Essa Constituição revogou integralmente a anterior, conferiu ao Presidente da
República amplos poderes ditatoriais, que impôs severo retrocesso ao Ministério
Público. A nomeação do Procurador-Geral da República passou a não mais
depender da aprovação do Senado (art. 99), cabia ao Presidente da República
nomeá-lo e exonerá-lo; deveria ser ouvido no caso de pagamento de dívidas pela
Fazenda Pública, quando houvesse decisão judicial, e só poderia ser processado
e julgado pelo Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade (art.
101, alínea b). O art. 105 manteve a participação do Ministério Público no quinto
constitucional e o § 1º do artigo 109 autorizava o Ministério Público a promover a
cobrança da dívida ativa da União.
A par desse retrocesso, a produção legislativa foi abundante
no período do Estado Novo e alargou o campo de atuação do Ministério Público.
Nele foram promulgados os Códigos de Processo Civil (1939), o Código Penal
(1940) e o Código de Processo Penal (1941).
O Código de Processo Civil, promulgado pelo Decreto-lei n.
1.608, de 18 de setembro de 1939, veio substituir os códigos dos estados,
disciplinando a atuação do Ministério Público na esfera cível. O Ministério Público
passou a ser obrigado a intervir em diversas situações na condição de custus
legis. O Promotor de Justiça passou a atuar como fiscal da lei, devendo
apresentar parecer após a manifestação das partes. O art. 80, § 2º, determinava
sua participação nos feitos que envolvessem interesses de incapazes; o art. 445,
§ 3º, nas ações de usucapião; o art. 621, nos processos de emancipação; o art.
404, nas remissões de hipoteca; o art. 631, nas sub-rogações de bens
inalienáveis e o art. 742, na organização e fiscalização de fundações.
46
O Estado Novo vigorou entre 1937 e 1945, verdadeira ditadura que suprimiu o Poder
Legislativo e exacerbou o Poder Executivo.
22
A partir desse período, o promotor de Justiça passou a vincular-se à
defesa dos valores centrais de uma ordem social e econômica burguesa
de forte predominância rural e agrária. Desse modo, começa o fenômeno
do chamado “parecerismo”, que marcará toda a tradição de práxis
47
jurídica do Ministério Público. (O grifo é nosso.)
O Código de Processo Penal de 1941 fixou o Ministério
Público como titular da ação penal pública, atribuindo-lhe o poder de requisitar a
abertura de inquérito policial, realizar outras investigações e o dever de fiscalizar
a aplicação da lei penal, inclusive das penas cominadas.
A Constituição de 1946 voltou a colocar o Ministério Público
em título próprio (título III, arts. 125 a 128), desvinculado dos demais poderes,
conferindo-lhe as garantidas de estabilidade (após dois anos de exercício) e
inamovibilidade, suprimidas na Carta Outorgada de 1937. Os Membros do
Ministério Público da União - ante a justiça comum, militar, eleitoral e trabalhista -,
e dos Estados passaram a ser organizados em carreira e não poderiam ser
removidos a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério
Público,
com
fundamento
em
conveniência
de
serviço
(art.
127).
A
obrigatoriedade do concurso de ingresso e o acesso escalonado de entrância a
entrância (art. 128) foram fixados pela mesma constituição que conferiu aos
Procuradores da República a representação em juízo da União, podendo o
encargo ser exercido, nas comarcas do interior, pelo Ministério Público local (art.
126, § único). O Procurador-Geral da República seguiu sendo nomeado pelo
Presidente da República e demissível ad nutum (art. 126), cabendo ao Senado
Federal aprovar a escolha. O quinto constitucional foi previsto somente em
relação ao Ministério Público Estadual (art. 124, inc. V), mas também foi
assegurada sua participação na composição do Tribunal Federal de Recursos
(art. 103).
A Constituição de 24 de janeiro de 1967, pós golpe militar de
1964, surgiu em período farto em cassações de mandatos parlamentares e
suspensão de direitos políticos daqueles que ousavam discordar do regime
instalado. Ela resultou de um ato de força, sem consulta à população.
O Ministério Público foi incluído no capítulo do Poder
Judiciário (capítulo VIII, seção IX), sendo-lhe reservado os arts. 137 a 139.
47
PAES, José Eduardo Sabo. Opus cit., p. 174.
23
Basicamente, não foram introduzidas alterações ao texto de 1946: manteve-se a
autonomia da organização dos Ministérios Públicos dos Estados (art. 139) e da
União (art. 137), como carreira; ingresso mediante concurso de provas e títulos;
garantia de vitaliciedade após dois anos de exercício e de inamovibilidade (art.
138, § 1º). A nomeação do Procurador-Geral da República continuava
dependendo da aprovação do Senado (art. 138), permanecendo sua atribuição de
representar a União em juízo. A novidade foi a equiparação dos salários e
aposentadorias dos membros do Ministério Público e da magistratura.
A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969,
ficou conhecida como Constituição de 1969 em virtude de sua abrangência e
inovação em relação ao texto emendado. Na verdade, foi fruto de um novo golpe
militar: o Alto Comando da Revolução não permitiu que o Vice-Presidente
assumisse em substituição ao Presidente Costa Silva, acometido de grave
doença. O país passou a ser governado por uma junta de três ministros militares,
até a aprovação do General Garrastazu Médici que desempenhara, no Governo
anterior, as funções de Ministro Chefe do Serviço Nacional de Informações – SNI.
Nessa época duas ordens jurídicas conviviam no Brasil. A ordem
constitucional emergente da Carta de 1967, das leis por ela
recepcionadas e da legislação emanada do Congresso Nacional, e a
chamada Ordem Institucional Revolucionária, decorrente dos atos
baixados pelo Alto Comando da Revolução, através do Presidente da
República que igualmente o presidia, conhecidos como atos
institucionais, os quais não só escapavam ao controle jurisdicional do
Poder Judiciário bem como prevaleciam em eventual confronto com as
48
normas legais constitucionais.
Assim, o Ministério Público foi inserido no capítulo do Poder
Executivo (arts. 94 a 96) que demonstrou, nitidamente, a intenção dos
governantes de transformá-lo num órgão a seu serviço, a serviço do autoritarismo,
muito embora a redação da Emenda tenha praticamente repetido a Carta de
1946. Tão clara era essa intenção, que o art. 154 reconheceu ao ProcuradorGeral da República competência para requerer a suspensão de direitos políticos.
Os requisitos exigidos para escolha do Procurador-Geral da
República foram ampliados na Emenda n. 1, devendo recair sobre brasileiro nato,
48
SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p.158.
24
com mais de 35 anos, notável saber jurídico e boa reputação. A nomeação ficou
ao inteiro arbítrio do Presidente, sem necessidade de referendo do Senado
Federal (art. 95 e § 1º). Manteve-se o concurso público para ingresso na carreira
e a possibilidade de o Procurador-Geral de Justiça ingressar com declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual junto ao Supremo Tribunal
Federal.
Em 14 de abril de 1977, foi decretada a Emenda
Constitucional n. 7, que acrescentou um parágrafo único ao art. 96, prevendo que
lei complementar seria apresentada pelo Presidente da República a fim de
estabelecer normas gerais para a organização do Ministério Público nos estados:
seria a Lei Complementar n. 40/1981.
Outros poderes foram conferidos ao Procurador-Geral da
República pela Emenda Constitucional n. 7: representar ao STF para
interpretação definitiva de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 119, inc. I,
letra i); requerer ao STF que chamasse para si o julgamento de causas
processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais do país quando houvesse
imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças
públicas; avocar causas pelo Conselho Nacional da Magistratura, junto ao qual
oficiava o Procurador-Geral da República e a possibilidade de requerer medidas
cautelares nas representações formuladas pelo Procurador-Geral da República
tratadas na letra p do inciso II do referido art. 119.
A Emenda Constitucional n. 11/1978 introduziu o § 5º, no art.
32 da Constituição Federal de 1969 atribuindo ao Procurador-Geral da República
competência para requerer, junto ao Supremo Tribunal Federal, a suspensão do
exercício do mandato parlamentar até decisão final do Supremo Tribunal Federal
nos processos relativos à prática de crime contra a segurança nacional.
A Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981, que
regulamentou o parágrafo único, do art. 96, da EC n. 7/1977, foi a primeira a
instituir normas gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais, até
então constituídos de diferentes formas. Primeira, também, a conceituar a
instituição:
Art. 1º. O Ministério Público, instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o judiciário, pela
25
defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade,
pela fiel observância da Constituição e das leis, e será organizado, nos
Estados, de acordo com as normas da presente Lei Complementar.
A LC n. 40/1981 consolidou os históricos princípios
institucionais da unidade, de indivisibilidade e autonomia funcional, que foram
repetidos pela Constituição Federal de 1988, a exemplo da conceituação de
Ministério Público. Foi acrescentada a referência ao regime democrático, fato
incabível em 1981. O art. 3º estabelecia as funções institucionais de velar pela
observância da Constituição e das leis e prover-lhes a execução, além de
promover a ação penal pública. O art. 4º assegurou-lhe autonomia administrativa
e financeira, dando-lhe de dotação orçamentária. O art. 5º alterou a denominação
da instituição de Procuradoria-Geral do Estado para Procuradoria-Geral de
Justiça e os Promotores Públicos passaram a se denominar Promotores de
Justiça. O art. 6º determinou que o Ministério Público tivesse quadro próprio de
servidores. No que respeita aos Procuradores de Justiça, o art. 14 conferia-lhes a
representação do Ministério Público em segunda instância. O art. 15 relacionava
as atribuições do Ministério Público e o art. 16 assegurava-lhe a independência no
exercício das funções. Por último, o art. 55 vedava o exercício de suas funções do
Ministério Público a pessoas a ele estranhas.
O perfil institucional do Ministério Público, portanto, foi-lhe
atribuído antes da Constituição de 1988, quando a Confederação Nacional do
Ministério Público – Conamp, à época denominada Confederação das
Associações Estaduais do Ministério Público – Caemp, já trabalhava no sentido
de desenvolver uma consciência social na instituição, aliás, motivo da própria
criação da Confederação, como assinala Sauwen Filho.
O empenho institucional para a formatação do Ministério
Público, conforme registra Mazzilli, já se mostrara por ocasião da frustrante
reforma constitucional de 1977, bem como durante a votação das emendas
constitucionais por eleições diretas, emendas essas que foram abandonadas pelo
governo, ao sinal de contrariedade, nos estertores do governo Figueiredo.49
49
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva,
1989. p. 23.
26
Walter Paulo Sabella, em entrevista ao Jornal Carta
Forense, no dia 17 de julho de 2008, reportando-se aos fatos que antecederam à
edição da LC n. 40/1981, relata que:
os primeiros anos da década de oitenta, quando teve início uma cruzada
por todo o país, liderada pelo Ministério Público de São Paulo, com
vistas a sedimentar o que um líder do passado, Carlos Siqueira Neto,
chamou de ‘uma consciência nacional de Ministério Público’. Nesse
período, as lideranças paulistas viajaram o Brasil, proferiram palestras,
fomentaram debates, visando ampliar e fortalecer a crença em torno da
idéia de um Ministério Público nacionalmente forte, profissional, a serviço
50
da cidadania e da sociedade.
Em Santa Catarina, a Lei Complementar n. 17/1982 foi
promulgada, em cumprimento à determinação da LC n. 40/1981 e vigorou até a
edição da LC n. 197, de 13 de julho de 2000. Ela estabeleceu, em seu art. 7º, que
o chefe da instituição seria nomeado pelo Governador, em comissão, dentre os
membros com mais de 10 anos de carreira.
1.5 O MOVIMENTO POLÍTICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFINIÇÃO DE
SEU PAPEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Assembleia Nacional Constituinte foi convocada após mais
de 20 anos (1964-1985) de regime militar, pelo Presidente José Sarney, com o
objetivo de proporcionar uma nova ordem jurídica ao país. O processo teve início
com a convocação da chamada Comissão de Notáveis, de 50 integrantes, os
quais elaboraram o anteprojeto do novo texto constitucional, conhecido por
Anteprojeto Afonso Arinos, em homenagem a seu presidente. Com 350 votos a
favor, 12 contra e 21 abstenções, no dia 12 de abril de 1988, a Assembleia
Nacional Constituinte aprovou os artigos que deram o atual perfil ao Ministério
50
Disponível em: <http://www.conamp.org.br/índex.php?ID_Materia=2545xbusca>. Acesso em: 13
de agosto de 2008.
27
Público brasileiro51. O poderoso lobby do Ministério Público brasileiro conseguiu,
finalmente, excluí-lo do âmbito de qualquer poder no novo texto constitucional:
O Ministério Público terá estatura de quase um poder. Terá
autonomia funcional e administrativa, terá acesso direto ao Poder
Legislativo para projetos de lei de seu interesse, terá autonomia
para elaboração de sua proposta orçamentária.52
Anunciada a eleição dos Constituintes para 1986, o
Ministério Público Brasileiro tratou de se reunir em São Paulo, no VI Congresso
Nacional do Ministério Público, entre 22 e 29 de junho de 1985, com o objetivo de
preparar teses de nível constitucional, visando formular propostas preparatórias
para os trabalhos da Constituinte no que respeita ao Ministério Público:
Acorreram a tal Congresso promotores de justiça de todo o País, com
rica e madura produção jurídica institucional, especialmente nas áreas
de direito constitucional (4 teses); posição e organização constitucional
do Ministério Público (18 teses); quinto constitucional (1 tese);
representação da União (3 teses); interesses difusos (4 teses); direitos
humanos (2 teses); direito penal (4 teses); direito processual penal (7
teses); direito do menor (1 tese); direito civil e direito processual civil (5
53
teses).
Meses depois, em outubro de 1985, ainda com o objetivo de
colher subsídios para a Constituinte, por intermédio da aferição das opiniões
predominantes sobre os mais variados temas pertinentes à instituição, a Conamp
enviou 5.793 questionários aos membros do Ministério Público de todo o país;
977 foram respondidos.
A consulta institucional procurou contemplar todos os
aspectos, desde o posicionamento do Ministério Público no texto constitucional,
até a vedação ao exercício da advocacia. Das respostas às questões formuladas,
destacam-se as que obtiveram maior número de votos: 1) o Ministério Público
deverá figurar em título à parte na constituição (743); 2) o Procurador-Geral
poderá ser escolhido entre os procuradores de justiça (593); 3) a escolha do
Procurador-Geral
51
deverá
ocorrer
por
eleição
direta
de
toda
a
classe
Ministério Público agora será fiscal dos interesses coletivos. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, p.
2, 13.abr.1988.
52
CENEVIVA, Walter. Novas funções dão autonomia maior ao Ministério Público. Folha de São
Paulo. São Paulo, 20.abr.1988.
53
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 24.
28
indistintamente (275), quer dizer, com a participação, inclusive, dos Membros não
estáveis; 4) o nome escolhido não necessitará ser submetido à aprovação do
Legislativo (801); 5) a instituição deverá ter garantia de autonomia administrativa
e financeira (823) bem assim dotação orçamentária própria e global (770); 6) o
mandato do Procurador-Geral deverá ser de dois anos (690), com possibilidade
de uma recondução (472); 7) o Procurador-Geral poderá apresentar projeto de lei
para criação e extinção de cargos e fixação dos respectivos vencimentos (738); 8)
o ingresso nos cargos iniciais da carreira deverá ocorrer mediante concurso
público de títulos e provas (852); 9) deverá ser proibida a designação de promotor
ad hoc; 10) deve ser assegurada constitucionalmente a vitaliciedade (824), a
irredutibilidade de vencimentos (873) e a inamovibilidade (823). Foram
respondidas, ainda, questões sobre o quinto constitucional, promoções,
aposentadoria, pensão, vedações, funções institucionais, remuneração, dentre
outros.54
Paralelamente, desenvolvia-se o trabalho da Comissão de
Estudos Constitucionais cujo anteprojeto serviria de base para a proposta da
Carta de Curitiba. O Procurador-Geral da República à época (1986), José Paulo
Sepúlveda Pertence, também integrava a Comissão de Estudos Constitucionais e
tinha a seu encargo a redação da proposta de organização do Ministério Público
na Constituição. Ao concluí-la, Pertence convidou Luiz Antônio Fleury Filho e
Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo (presidente e secretário da Conamp,
respectivamente.) para apreciarem o texto antes de encaminhá-lo à Comissão de
Estudos Constitucionais. Várias sugestões da Classe foram, assim, incorporadas
ao texto.
Frente aos resultados dos questionários e às conclusões do
VI Congresso Nacional, a Conamp designou uma Comissão para consolidar os
dados, visando à elaboração de uma proposta a ser levada para discussão no 1º
Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e de Presidentes de
Associações do Ministério Público, que ocorreria em Curitiba, no período de 20 a
22 de junho de 1986.
54
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. pp. 25-28.
29
Nas vésperas desse Encontro, e visando a consubstanciar os pontos
básicos para um texto constitucional referente à instituição, a
Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo e a Associação Paulista do
Ministério Público constituíram uma comissão composta por Antônio
Ferraz dal Posso, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Cláudio
Ferraz de Alvarenga, José Emmanuel Burle Filho, Luiz Antônio Fleury
Filho, Moacyr Antônio Ferreira Rodrigues, Paulo Salvador Frontini, Pedro
Franco de Campos, Renato Martins Costa, Wálter Paulo Sabella e o
autor desta obra. Esta comissão, trabalhando sobre aquela consolidação
provisória da Conamp, bem como cotejando-a com os trabalhos da
Comissão de Estudos Constitucionais, procurou dar sistematização,
organicidade e profundidade ao texto que seria votado e discutido no
55
Encontro de Curitiba.
Essa comissão paulista produziu um documento síntese que
foi levado para discussão e aprovação no Encontro de Curitiba, oportunizando o
surgimento da chamada Carta de Curitiba56.
A Carta de Curitiba, datada de 21 de junho de 1986,
estampada na página da Conamp57, divide-se em três seções: disposições gerais;
do Ministério Público da União; do Ministério Público dos Estados e do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios; garantias e dispositivos colocados fora do
capítulo previsto para o Ministério Público. Dela evidenciam-se os seguintes
pontos:
1)
posição tipológica do Ministério Público em título à parte na Constituição;
2)
defesa do regime democrático;
3) escolha do Promotor-Geral dentre os integrantes da carreira pelos Promotores
e Procuradores de Justiça;
4) autonomia funcional, financeira e orçamentária, com dotação orçamentária
própria;
5) iniciativa para criação e extinção de cargos e fixação de vencimentos;
55
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 30.
Na verdade, foram três as Cartas que serviram de base para a defesa das posições do
Ministério Público Brasileiro, consoante informação recebida diretamente de Joaquim Cabral
Netto, ex-Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, ex-presidente da Conamp e autor de
Os Congressos Nacionais do Ministério Público; temas de teses apresentadas, 2005, Belo
Horizonte, editora Speed Editora Gráfica. A primeira foi elaborada na gestão do próprio Cabral à
frente da Conamp (então denominada Confederação das Associações Estaduais do Ministério
Público – Caemp), em 1980, e entregue ao Ministro da Justiça da época, Ibrahim Abi-Ackel. A
segunda data de 1986, e resultou do I Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e
Presidentes de Associações do Ministério Público, quando era presidente da Conamp Luiz Antônio
Fleury Filho, para ser utilizada na Assembleia Nacional Constituinte. A terceira reuniu as
conclusões do XIII Encontro Nacional do Ministério Público, realizado em 1999, que teve como
tema O Ministério Público Social.
57
Disponível em <http://www.conamp.org.br/index.php?ID_MATERIA=177>. Acesso em: 13 de
agosto de 2009.
56
30
6) garantia de independência funcional, vitaliciedade, irredutibilidade de
vencimentos e inamovibilidade;
7) instituição de um sistema de vedações;
8) regime jurídico-remuneratório igual ao da Magistratura;
9) representação por incompatibilidade de lei ou ato normativo;
10)
promoção da ação penal pública e supervisão dos procedimentos
investigatórios, com poder para requisitá-los e avocá-los;
11)
intervenção nos processos judiciais nos casos previstos em lei ou quando
existir interesse que lhe caiba defender;
12)
promoção do inquérito para instruir ação civil pública;
13)
conhecimento de representações por violação de direitos humanos e
sociais, por abuso do poder econômico e administrativo, com apuração e
encaminhamento como defensor do povo;
14)
promoção da ação civil pública e adoção de medidas administrativas
executórias em defesa dos interesses difusos e coletivos, dos interesses
indisponíveis e outros interesses públicos;
15)
proibição do exercício das funções ministeriais a pessoas estranhas à
carreira; e
16)
representação judicial da União.
Para Mazzilli, a Carta de Curitiba é resultado do trabalho de
harmonização de cinco fontes:
a) os principais diplomas legislativos já vigentes (CF e LC federal n.
40/81; b) as teses aprovadas no VI Congresso Nacional do Ministério
Público (Ministério Público e Constituinte, Justitia, São Paulo, 131 e 131A, jun. 1985); c) as respostas dos membros do Ministério Público do País
a uma pesquisa, sob forma de questionário-padrão, elaborada em
outubro de 1985, pela Conamp; d) o anteprojeto apresentado por
Sepúlveda Pertence à Comissão Afonso Arinos; e) o texto provisório,
elaborado por comissão provisória designada pela Conamp, preparatório
58
para a reunião final de Curitiba, realizada em junho de 1986.
A inserção da proposta de continuidade da representação
judicial da União aconteceu por conta da pouca sintonia existente entre o modelo
de Ministério Público almejado pelos seus membros em âmbito estadual e
federal. Os Procuradores da República ainda não integravam a Conamp e tinham
58
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. p. 24.
31
outra visão de Ministério Público. Não atuavam, em conseqüência, em harmonia e
união com os Ministérios Públicos Estaduais, eram representados pela ANPR –
Associação Nacional dos Procuradores da República, e postulavam prosseguir na
defesa da União como exercer também, exercendo a advocacia.
Bruno Amaral Machado, em entrevista uma SubprocuradoraGeral da República e um Procurador da República registra:
Um dos integrantes do MPF, participante de algumas discussões com
lideranças políticas e de classe, confirma ter havido certa “resistência” de
alguns integrantes do MPF à proposta temendo que houvesse ruptura
muito acentuada com o antigo modelo, no qual o MPF acumulava a
função de defensor da União. Segundo o relato de uma subprocuradorageral da República: “Conamp e ANPR não atuavam num ‘lobby’
unificado. O Álvaro (presidente da ANPR) queria que continuássemos
com a advocacia da União, mas ele ficou vencido, mas não convencido.
E hoje ele é o Advogado-Geral da União” (subprocuradora-geral da
República entrevistada em 09.02.2004. Essa visão é compartilhada por
outro membro do MPF que critica a criação da Advocacia Geral da União
(AGU):
Na época eu andava com o Álvaro, mas a Conamp era muito forte. Em
certos assuntos como as garantias constitucionais, a gente tinha
interesses comuns, como as garantias funcionais, a autonomia financeira
e administrativa. Mas a divisão começava na questão da defesa da
59
União [...]
Em entrevista à Folha de São Paulo, intitulada Força e
Independência são Fundamentais, Luiz Antônio Fleury, na condição de presidente
da Conamp, deu seu ponto de vista sobre o Ministério Público e a instituição que
a representação dos Ministérios Públicos Estaduais buscava conseguir na
Constituinte:
O Ministério Público é uma instituição ainda em desenvolvimento.
Caminha em busca da mais completa defesa da sociedade e do cidadão,
hoje agredidos por um recrudescimento da criminalidade violenta,
prejudicados pelos grandes escândalos financeiros vitimados pelos
loteamentos clandestinos e irregulares, iludidos pela propaganda falsa e
enganosa, lesados no seu habitat pela destruição ambiental, fraudados
pela destruição ambiental, fraudados no consumo de bens e serviços e
atingidos por tantas outras lesões aos demais interesses públicos
60
indisponíveis.
59
MACHADO, Bruno Amaral. Ministério Público: organização, representações e trajetórias.
Curitiba: Juruá, 2007. pp. 129-130.
60
FLEURY, Luiz Antonio. Força e independência são fundamentais. Folha de São Paulo, São
Paulo. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf>. Acesso em: 8 de novembro de 2008.
32
Também foi importante a proposta apresentada por Mazzilli
durante o VII Congresso Nacional do Ministério Público (Belo Horizonte em abril
de 1987), sobre a Carta de Curitiba e a Constituinte que, dentre as oito
conclusões aprovadas trazia a seguinte:
3ª) Não [...] reconhecia necessidade de criação de novos organismos
burocratizados do Estado para o mister de defensor do povo, cabendo
naturalmente a função de ouvidor ou de defensor do povo ao próprio
61
Ministério Público.
Essa tomada de posição foi importante quando se discutiu
na Constituinte, a possibilidade de criação do ombudsman, agente apolítico,
nomeado pelo Poder Legislativo para investidura temporária, destinado ao
controle da administração, à proteção dos direitos do cidadão e das liberdades
públicas, feridos ou ameaçados pelo Poder Público62, que possui força de
natureza pedagógica e persuasiva, não dispondo de ação sancionatória, nem
podendo impor juridicamente suas recomendações. Ele depende do prestígio do
Legislativo, que o nomeia, da cobertura da imprensa e da pressão da opinião
pública.63 Frente a tais limitações, que sugeriam diminuta eficácia de suas ações
de defensor do povo, dadas as dimensões continentais do país e nossa tradição
pouco afeita à aceitação de recomendações sem potencial penalizador,
prevaleceu a reivindicação da Conamp de incorporar ao Ministério Público as
referidas atribuições, por ser instituição impessoal, já organizada em carreira e
com atuação na esfera civil e na criminal.
O instituto jurídico do ombudsman foi constitucionalmente
incorporado ao Ministério Público por intermédio do inciso II do art. 129 da CF,
que determina zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias a sua garantia.
61
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição. p. 38.
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. O “Ombudsman” parlamentar e o Ministério
Público. Disponível em htpp//www.justitia.com.br/revistas/4bdw45.pdf. Acesso em: 10 de março de
2010.
63
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. O “ombudsman” parlamentar e o Ministério
Público. Disponível em htpp//www.justitia.com.br/revistas/4bdw45.pdf. Acesso em: 10 de março de
2010.
62
33
Fábio Kerche registra que muitos integrantes do Ministério
Público atribuíram a conquista da independência dos demais Poderes de Estado
na Carta Constitucional da instituição ao fato de
os constituintes não possuíam a dimensão exata do que estavam
aprovando. É como se o lobby organizado pela Confederação Nacional
do Ministério Público tivesse ‘enganado’ os parlamentares ou que os
constituintes “cochilaram” no momento da aprovação do projeto.
O mesmo autor, no entanto, fornece contraponto a essa
suspeita:
Minha posição alternativa parte da constatação de que a Constituição e a
Assembléia Nacional Constituinte caracterizaram-se por vários aspectos
que permitem afirmar que o MP como um defensor independente dos
direitos da sociedade não é um fato destoante de todo o resto do texto
constitucional. Pelo contrário, é fruto de elementos de cultura política e
de um determinado contexto histórico-político, refletidos em vários
pontos da Constituição, que permitiu que o lobby da Confederação do
MP obtivesse sucesso (leia-se sucesso parcial) na aprovação de sua
proposta. Dessa forma, A Assembléia Nacional Constituinte serviu como
uma espécie de “filtro” às propostas apresentadas, criando inclusive
mecanismos de limitação e controle por parte de outros Poderes de
Estado não previstos na proposta da Confederação Nacional do
Ministério Público (Conamp). Em outras palavras, a Conamp pode se
sentir vitoriosa, não porque “enganou” os sonolentos parlamentares, mas
sim, porque apresentou uma proposta que não era contrária aos
elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de
aspectos conjunturais e de cultura política presentes na Assembléia
64
Nacional Constituinte.”
Procurando responder à pergunta: Por que os constituintes
de 1987/1988 optaram por esse modelo?, Kerche considera ponto distintivo a
grande abertura que os Constituintes deram a vários grupos de pressão
(defensores públicos, delegados, Ministério Público), ouvindo-os desde o início
dos trabalhos e permitindo que todos fizessem lobby; a organização e o constante
acompanhamento realizado pela Conamp que lhes forneceu como proposta de
texto constitucional a Carta de Curitiba; a relativa facilidade que esse lobby
encontrou em defender junto aos constituintes a ideia de um agente não-político –
ou pelo menos, não-político partidário – responsável pela defesa dos interesses
64
KERCHE, Fábio. O Ministério Público e a constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. pp. 232-233.
34
da sociedade. Essa relativa facilidade se deve a um aspecto conjuntural e às
características de cultura política da época.
Seguindo ainda esse raciocínio, Kerche acrescenta:
o aspecto conjuntural refere-se à própria época em que os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte se desenvolveram – no fim de um
período autoritário-militar que durou mais de 20 anos (1964-1985). A
questão central para os constituintes, observando a Constituição de
1988, não era minimizar o Estado segundo os parâmetros liberais
clássicos mas, sim, democratizá-lo. Essa afirmação pode ser
corroborada observando-se vários aspectos como a ampliação dos
direitos coletivos (referendo, plebiscito, iniciativa popular), entre outros.
Para explicitar as características da cultura política da
época, Kerche apóia-se em Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, que identifica
três extratos da experiência histórica brasileira: 1) a negação indiscriminada do
passado – identificação de que os direitos individuais da tradição liberal não foram
suficientes para acabar com as desigualdades de nossa sociedade. Esse fato,
somado à figura fraca ou inexistente do indivíduo, seria necessário à revisão das
premissas individualistas do direito brasileiro e introduziria a noção de direitos
coletivos; 2) o legado getulista presente no reforço do papel do Estado como
agente privilegiado nas relações sociais, inclusive sob o aspecto paternalista e, 3)
a alternativa encontrada à participação política dos partidos, que consiste no
princípio participativo, traduzido em instrumento de reforço à cidadania e
rompendo o modelo liberal-clássico de representação política via partidos
políticos. Concluindo, Kerche afirma que o projeto da Conamp foi bastante
perspicaz
justamente porque se adaptava a diferentes concepções presentes na
“democrática” Assembléia Nacional Constituinte. Ele se diferencia
enquanto projeto porque não se apresentava enquanto concepção de um
único grupo, pelo contrário, por representar um modelo novo
diferenciado, era perfeitamente justificado como necessário tanto para
aquele que queria romper com o passado autoritário do país, quanto
para aquele que percebe o Estado como agente ainda fundamental para
a realização, inclusive, da cidadania e, finalmente, para aquele que
buscava formas alternativas de participação e interferência no debate
político e na defesa de interesses.
O MP, deste ponto de vista, é uma espécie de síntese dos vários
65
aspectos que marcaram a feitura da Constituição de 1988.
65
KERCHE, Fábio. O Ministério Público e a Constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. p. 241-244.
35
O modelo independente de Ministério Público definido na
Constituição Cidadã de 1988, portanto, é fruto da luta de seus integrantes, na
busca de uma identidade própria para a instituição e da construção de um órgão
despartidarizado para defender a sociedade.
A formatação que o Ministério Público conquistou no texto
constitucional, seu conceito, a Lei n. 8625, de fevereiro de 1993, que
regulamentou a atividade dos Ministérios Públicos Estaduais e a Lei
Complementar n. 197 de 19 de julho de 2000, que rege o Ministério Público do
Estado de Santa Catarina. Serão tratados a seguir, bem como os princípios
institucionais e constitucionais da independência, unidade, indivisibilidade e do
promotor natural.
36
CAPÍTULO 2
O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO CONSTITUCIONAL
O Ministério Público é considerado uma das grandes e
positivas novidades da Constituinte, um reforço da cidadania, fruto da
consolidação do estado democrático que sucedeu ao período de dominação
militar. O novo Ministério Público é comparável ao que sucedeu na área da saúde,
em que o lobby do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira logrou conquistar
um sistema totalmente diferente do então reinante, um Sistema Único de Saúde,
instituído pelos artigos 196 e seguintes da CF, que a considera um direito de
todos e dever do Estado, com ações e serviços disponibilizados à população de
modo universal, integral e gratuito.
No cumprimento de suas atribuições institucionais, o
Ministério Público tem laborado para defender os interesses da coletividade e
reprimir ilícitos praticados por personagens de grande influência no cenário
político e econômico da nação, que ferem diretamente a cidadania e o estado
democrático de direito e que, por vezes, atingem todos os brasileiros, razão pela
qual tem sido alvo de seguidas retaliações e intimidações que partem daqueles
que deveriam ser os primeiros a enaltecer tais iniciativas. Demonstram, portanto,
que não assimilaram a transformação política do Ministério Público e ostentam
padrões éticos censuráveis. Exemplo de pública e indevida admoestação partiu
do mandatário maior da nação, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na
37
cerimônia de posse do atual Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel
disse que o Ministério Público
tem a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas
na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da
mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado. [...] porque
um dia vai aparecer alguém que acha que vocês são demais e vai
mandar mudanças para o Congresso Nacional. [...] E nós sabemos que a
66
mudança nunca será para mais liberdade, será para mais castramento.
Deve-se
à
independência
do
Ministério
Público,
especialmente em relação ao Poder Executivo, a impossibilidade de cerceamento
da liberdade de ação de todos os seus membros, porquanto só devem obediência
à lei e às suas consciências. Caso contrário, o Presidente da República não teria
proferido
a
ameaça;
teria
interferido
diretamente
na
continuidade
das
investigações e ações deflagradas contra aqueles que não pretende ver
alcançados pelos longos braços da justiça.
O artigo 127 da Constituição Federal (CF) inaugura o
capítulo IV do livro que trata das funções essenciais à justiça, estabelecendo que:
Art. 127. O Ministério é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuas indisponíveis.
Estão aí delimitados os valores cuja defesa compete ao
Ministério Público: Ou seja, a função que tenha sido ou venha a ser atribuída ao
Ministério Público necessariamente há de evidenciar-se eficaz à defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis[...].67 Mais adiante, o autor afirma que afora esses valores
sua atividade corre o risco de colidir com outras normas e princípios
constitucionais, entre eles o da eficiência e o da responsabilidade dos
agentes públicos, que estão na essência do modelo republicano no qual
68
se assenta a estrutura do Estado Brasileiro .
66
ABERTON,
José
Galvani.
Castração
da
República.
Disponível
em
<http://wwww.aderbalmachado.com.br>. Acesso em: 28 de agosto de 2009.
67
Idem. Parâmetros da Atuação do Ministério Público no Processo Civil em Face da Nova Ordem
Constitucional. Atuação. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Procuradoria-Geral de
Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, Florianópolis. n. 11, jan./abr.2007. pp. 6061.
68
Idem, ibidem.
38
A assertiva justifica-se plenamente, porquanto na colisão de
uma norma com outra deve prevalecer a hierarquicamente superior, contrario
sensu restará desfigurada a Carta Política. Todo o ordenamento jurídico – ensina
Roberto Bobbio – deve constituir uma unidade (pressupõe como base do
ordenamento a norma fundamental) e, também, um sistema hierarquizado de
normas (totalidade organizada),
devendo submeter-se ao poder constituinte que é o poder último, ou, se
quisermos, supremo, originário, num ordenamento jurídico. [...] a norma
fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma
pertence a um ordenamento jurídico; em outras palavras, é o
69
fundamento de validade de todas as normas do sistema.
As normas fundamentais (constitucionais), por sua vez,
necessitam submeter-se ao comando dos princípios gerais expressos ou não, que
norteiam determinado ordenamento jurídico, pois eles estão em posição
hierarquicamente superior.
O constitucionalista Geraldo Ataliba esclarece que
Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, das diretrizes
magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por
toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do
governo (poderes constituídos).
Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e
desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da
jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser
70
prestigiados até as últimas conseqüências.
Bobbio vai mais longe afirmando que
não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras [...]
se são normas aquelas das quais os princípios gerais são
extraídos,
através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por
71
que não devam ser normas também eles.
O Ministério Público é instituição permanente porque se
constitui órgão de manifestação viva da soberania estatal, sendo dinâmico e
combativo na defesa da ordem jurídica, da democracia e dos interesses maiores
69
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro
Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UNB, 1999. pp. 34, 58 e 62.
70
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. pp. 6-7.
71
In Teoria do ordenamento jurídico. p.158.
39
da sociedade. Exemplo: quando promove ações cíveis e penais.72 E, como
instituição permanente, não pode ser retirada do texto constitucional pelo poder
constituinte derivado.
O Constituinte de 1988 reconheceu ao Ministério Público
caráter de órgão permanente, incumbindo-o de zelar pela soberania do Estado
Brasileiro ao partir do pressuposto de que o Estado atual é
permanentemente compelido a realizar o cidadão na sociedade por ele
organizada, reconhecendo-lhe direitos, defendendo seus legítimos
interesses, preservando a ordem jurídica e o próprio regime democrático,
zelando pela integridade dos interesses sociais
e individuais
indisponíveis, inclusive promovendo junto ao Judiciário as medidas
73
necessárias e compatíveis a esses deveres.
Portanto, o Ministério Público passou a desempenhar o
papel de defensor da sociedade, tendo sido sepultada, definitivamente, a época
em que realizada a defesa dos interesses dos governantes.
O Ministério Público é essencial à função jurisdicional, pois
lhe compete agir em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Segundo Mazzilli, ao afirmar-se que o Ministério Público é essencial à jurisdição,
se
diz menos do que deveria (o Ministério Público tem inúmeras funções
exercidas independentemente da prestação jurisdicional, como na
fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na
homologação de acordos extrajudiciais, no inquérito civil etc.), e,
paradoxalmente, se diz mais do que se deveria (pois o Ministério Público
74
não oficia em todos os feitos judiciais).
O Ministério Público é essencial à função jurisdicional do
Estado sempre que estejam em jogo interesses sociais e individuais indisponíveis,
ou quando a lei considera sua atuação necessária à defesa do bem-estar social.
O texto constitucional sucedeu à mudança que o Ministério
Público vinha experimentando com a promulgação do Código de Processo Civil
de 197375, que já previa a necessidade de sua atuação na defesa do interesse
72
BULOS, Uadi Lâmego. Constituição Federal anotada. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 1119.
73
SAUWEN FILHO, João Francisco. Opus cit., p. 199.
74
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 69.
75
Art. 82, inc. III do CPC.
40
público76. Posteriormente, com a edição da Lei da Ação Civil Pública (LACP) de
1985, que determina a obrigatoriedade de sua participação no processo, como
parte da demanda ou guardião da lei, o Ministério Público conseguiu
canalizar para si uma das mais radicais transformações do Direito
Brasileiro – a introdução dos direitos difusos e coletivos no ordenamento
jurídico e dos instrumentos destinados à sua tutela jurisdicional –
enquanto o debate jurídico e político que alimentava essa mudança
preconizava o fortalecimento da sociedade civil e nutria profunda
desconfiança em relação a instituições estatais como o Ministério
77
Público.
Com o advento da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de1990
(Código de Defesa do Consumidor), que introduziu o parágrafo terceiro na LACP,
estreitou-se ainda mais a relação do Ministério Público com a defesa dos direitos
coletivos ou difusos, já que recebeu nova incumbência, a de assumir a autoria da
lide em caso de desistência infundada ou abandono da ação pela associação
ativamente legitimada.
A defesa da ordem jurídica é o objetivo maior da atuação
ministerial.Tradicionalmente, o Ministério Público desempenhou a função de fiscal
da lei, tendo por objetivo a manutenção da ordem jurídica. A Constituição só fez
reforçá-la.
Consagrado como fiscal da lei, o Ministério Público deve ter sua
destinação compreendida à luz dos demais dispositivos constitucionais
que disciplinam sua atividade, sempre voltada para o zelo de interesses
sociais e individuais indisponíveis e do bem geral. Por isso, o art. 129, IX,
da Constituição veda-lhe exercer outras funções que não sejam
compatíveis com sua finalidade, como a representação judicial e a
78
consultoria jurídica de entidades públicas.
O fato não impede a ação do Ministério Público enquanto
órgão agente. Ao contrário, é especialmente nessa condição que deve realizar a
defesa dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil para a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, da CF), mesmo que essas finalidades sejam feridas pelos
76
Vide item 3.1.
ARANTES, Rogério Bastos. O Ministério Público e a política brasileira. São Paulo: EDUC –
Editora da PUC-SP, 2002. p. 24.
78
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 69.
77
41
poderes constituídos. Obedecendo a esses princípios, o STF decidiu no mandado
de segurança impetrado pelo Procurador-Geral da República contra ato praticado
pelo Presidente da República, que nomeou, para exercício em comissão,
Procurador-Geral da Justiça do Trabalho:
EMENTA – I - Legitimação ativa do Procurador-Geral da República de
impugnar ato do Presidente da República que entende praticado com
usurpação de sua própria competência constitucional e ofensivos a
autonomia do Ministério Público: análise doutrinária e reafirmação da
79
jurisprudência.
Ao atribuir ao Ministério Público a defesa do regime
democrático, o Constituinte reconheceu que a instituição somente poderá atingir
sua vocação de contribuir com a paz social se estiver inserida num regime de
liberdade. Nas palavras de Norberto Bobbio a democracia pode ser definida como
o sistema de regras que permitem a instauração e o desenvolvimento de uma
convivência pacífica.80 Num estado autoritário, o Ministério Público não disporá de
instrumentos legais para buscar o equilíbrio das relações entre o poder público e
a sociedade, porquanto o povo não elege seus representantes e não influi na
formulação das leis. Embora, num governo autoritário, o Ministério Público possa
representar a sociedade na área penal ao promover ações contra homicidas,
ladrões, estelionatários, etc., não estará autorizado a agir em favor de interesses
individuais indisponíveis, coletivos ou difusos. Estes últimos, no mais das vezes,
são violados pelo próprio administrador público, em razão da falta de
independência do órgão ministerial. Tampouco o judiciário terá a imparcialidade
necessária para decidir.
É verdade que em muitos modernos Estados democráticos não existe
um Ministério Público forte nem independente; também é verdade que
em Estados totalitários é comum que haja um Ministério Público forte
para ser usado como instrumento de opressão – mesmo entre nós este
recente exemplo não pode ser esquecido. A nosso ver, porém, no
primeiro caso, um Ministério Público forte e verdadeiramente
independente em nada empeceria as liberdades e as garantias
democráticas; ao contrário, contribuiria seriamente para assegurá-las e
até ampliá-las. No segundo caso, um Ministério Público forte mas não
79
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. MS n. 21.239-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence.
Disponível
em
<http://www.stf.jus.br/portal/interiroteor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado>.
Acesso em: 28 de agosto de 2009.
80
In O Tempo da memória: de sinete e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela
Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p. 156.
42
independente, nada mais seria do que uma volta ao passado, aos
agentes do rei, aos agentes do governo ou governantes, passado de que
precisa se distanciar, com certeza, o Ministério Público definido pela
81
Constituição de 1988.
O Ministério Público é o defensor dos direitos sociais e
individuais indisponíveis.
Na área cível, é tradicional a atuação do Ministério
Público em favor dos direitos individuais indisponíveis, conceito que inclui direitos
dos incapazes e aqueles que dizem respeito ao estado da pessoa. A questão está
prevista nos incisos I e II do art. 82 do Código de Processo Civil que fixa a
competência do Ministério Público de intervir, como custus legis, nesses casos:
quando houver interesse de incapazes e nas ações que versarem sobre o estado
da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de
ausência e disposições de última vontade.
Tão tradicional e histórica é a
intervenção do Ministério Público nos casos que tratem de interesses individuais
indisponíveis que no Código Civil de 1916, inciso I do artigo 448, incumbia-lhe
promover a interdição nos casos de loucura furiosa.
Arantes explicita que as duas funções na esfera cível acima
referidas do Ministério Público
estão fortemente marcadas pela idéia de uma dupla fragilidade a
requerer proteção estatal, respectivamente: a fragilidade do indivíduo
incapaz e a fragilidade da sociedade em preservar certos valores e
direitos que ela mesma definiu um dia como permanentes e que,
exatamente por isso, são fixados como indisponíveis no ordenamento
82
jurídico.
Os direitos sociais indisponíveis, cuja defesa incumbe ao
Ministério Público, estão enumerados exemplificativamente no inciso III do artigo
129 da Constituição Federal – meio ambiente e o patrimônio público e social – e
na Lei n. 7.347/1985, mais especificamente em seu artigo 1º: do consumidor,
bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e qualquer outro
direito difuso ou coletivo.
O parágrafo 1º do artigo 127 da CF traz os princípios
institucionais que regem o Ministério Público, ou seja, da unidade, da
indivisibilidade e da independência funcional, que serão tratados oportunamente.
81
82
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 114.
Opus cit., p. 26.
43
Já o parágrafo 2º e os seguintes desse mesmo artigo asseguram as tão
almejadas autonomias funcional, administrativa e financeira, pleiteadas pela
Conamp.
Dentre os pontos consignados na Constituição Federal em
detrimento das reivindicações contidas na Carta de Curitiba, destacam-se: a
posição tipológica do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – arrolado
entre os seguimentos do Ministério Público da União –; a denominação do Chefe
do Ministério Público – então intitulados Promotores-Gerais de Justiça -, e a forma
de escolha dos Procuradores-Gerais de Justiça que, ao invés de serem eleitos
diretamente por seus pares, devem integrar lista tríplice encaminhada ao Chefe
do Executivo Estadual que, livremente, escolherá quem chefiará a instituição pelo
lapso de dois anos, sendo permitida uma só recondução (art. 128, § 3º).
O texto constitucional define, ainda, as garantias e as
vedações a que estão submetidos os integrantes do Ministério Público. Dentre as
vedações inscritas no inciso II, do § 5º, do artigo 128 estão a proibição do
exercício da advocacia e de atividade partidária.
A proibição de que pessoas estranhas ao quadro funcional
do Ministério Público exercessem funções afetas aos integrantes da carreira
ministerial, reivindicação da categoria, foi acolhida pelos constituintes (§ 2º do art.
129). O resultado foi a salutar eliminação dos chamados promotores ad hoc83 do
processo. A proposta de legitimação exclusiva do Ministério Público para
promover inquéritos civis públicos e, não exclusiva, de ações civis públicas (artigo
129, inciso III) também foi vitoriosa.
Finalmente, o art. 129 da CF estipula as funções
institucionais do Ministério Público: a exclusividade da promoção da ação penal
pública; a obrigação de zelar pelo respeito aos poderes públicos e serviços de
relevância pública; a possibilidade de instaurar e presidir o inquérito civil público
para proteção dos patrimônios público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; a promoção da ação civil pública, sem
exclusividade; a promoção da ação de inconstitucionalidade; a defesa das
populações indígenas; e o exercício do controle externo da atividade policial. Esse
83
Possibilidade de pessoa estranha aos quadros do Ministério Público ser nomeada para exercer
as funções que lhe são privativas.
44
mesmo dispositivo fornece instrumentos para o exercício das funções descritas
mediante a expedição de notificações, requisições de documentos, diligências
investigatórias e instauração de inquéritos policiais.
2.1.1 CONCEITO
O conceito de Ministério Público é quase unânime entre os
doutrinadores, ou seja, o mesmo enunciado no art. 127, da CF, O Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
A definição sustentada por José Frederico Marques (citado
por Humberto Theodoro Júnior), pelo seu detalhamento e completude merece
transcrição:
O órgão através do qual o Estado procura tutelar com atuação militante o
interesse público e a ordem jurídica na relação processual e nos
procedimentos de jurisdição voluntária. Enquanto o juiz aplica
imparcialmente o direito objetivo, para compor litígios e dar a cada um o
que é seu, o Ministério Público procura defender o interesse público na
composição da lide, a fim de que o judiciário decida secundum jus, ou
administre interesses privados, nos procedimentos de jurisdição
84
voluntária. Com observância efetiva e real da ordem jurídica.
Por oportuna, registra-se a definição de Júlio Aurélio Vianna
Lopes:
O Ministério Público é a instituição cuja finalidade é a fiscalização da
efetividade das leis. Cabe ao mesmo verificar se a legislação está sendo
obedecida e, em caso contrário, provocar (geralmente através do Poder
Judiciário) os órgãos do Estado dotados da incumbência de obrigar seu
cumprimento. É neste sentido que o Ministério Público promove a
aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam presentes nas
relações sociais e não apenas nos textos legais. Suas atribuições
consistem em investigar e/ou propor às autoridades competentes as
medidas adequadas para a correção das situações que infringem as
85
disposições legislativas.
84
MARQUES, José Frederico, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Insolvência civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 131.
85
In O Novo Ministério Público brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 32.
45
Romualdo Flávio Dropa, por outro lado, conceitua o
Ministério Público como o conjunto de profissionais do direito devidamente
nomeados e que dentro de uma jurisdição estão encarregados de defender os
interesses da coletividade nacional que constituem a ordem pública.86
Todos os textos permitem afirmar que o Ministério Público é
o defensor do interesse público, o advogado da sociedade.
2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI ORGÂNICA NACIONAL – LONMP
Diversamente do que aconteceu em 1981, quando o
Ministério Público era regido por Lei Complementar (LC n. 40, de 14 de dezembro
de 1981), na atualidade os Ministérios Públicos Estaduais são regidos
nacionalmente por Lei Ordinária (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), como
decorrência da interpretação do artigo 61, § 1º, inciso II, d, da Constituição
Federal87. Quanto ao Ministério Público da União, que compreende o Ministério
Público Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios, é regido
pela Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre sua
organização, atribuições, e respectivo estatuto.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 1º)
expressa o conceito atual do órgão, repetindo o enunciado do caput do art. 127 da
CF. Em seu parágrafo único são igualmente repetidos seus princípios
institucionais. Os artigos 3º e 4º estabelecem os parâmetros sob os quais se
pautam as respectivas autonomia funcional, administrativa e financeira. Os
capítulos II e III definem quais são os órgãos de administração, de execução e
auxiliares do Ministério Público e detalham a composição e funções de cada um.
86
In O Ministério Público: parceiro do controle social. Disponível em: htpp:
//www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/4780/4350. Acesso em: 27
de agosto de 2009.
87
Sem pretensão de entrar no mérito sobre o acerto ou não do entendimento adotado, por fugir
ao propósito do presente estudo, remete-se o leitor que deseje obter comentários mais
aprofundados em torno do assunto, às obras de Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, p.
52 e de Pedro Roberto Decomain, Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, p.
11. O primeiro é contrário à natureza da LONMP, enquanto o segundo defende o entendimento
adotado.
46
O órgão de execução Procuradores de Justiça (art. 7º, inc. III), tem sua
competência definida no artigo 31: Cabe aos Procuradores de Justiça exercer as
atribuições junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral, e
inclusive por delegação deste.
Os tribunais à que se refere o artigo são os de Justiça, de
Justiça Militar e de Alçada. Merece detida reflexão o fato da mudança de posição
processual assumida pelos Procuradores de Justiça, nas ações penais públicas,
civis públicas e de improbidade administrativa em que os membros do Ministério
Público de primeiro grau atuaram como autores, pois passam a desempenhar a
função de custus legis. A indagação que se impõe diante da presente constatação
é se o artigo 31 da LONMP autoriza a transmutação ministerial de órgão agente
para órgão interveniente? E se a prática não interfere na função social que deve
nortear a atuação do Ministério Público, em razão da forma como é tratado
constitucionalmente?
É evidente que os Procuradores de Justiça têm total
autonomia no exercício de suas funções, podendo assumir posições contrárias às
defendidas pelos Promotores de Justiça e às sumuladas pelas Procuradorias
Cíveis ou Criminais, já que devem obediência unicamente aos fatos contidos nos
autos e aos textos legais. Decomain esclarece que
as súmulas de orientação jurídica prevalentes nas Procuradorias Cíveis
e Criminais, elaboradas segundo o artigo 20, não se revestem de caráter
vinculante, segundo, aliás, preceituado pelo próprio artigo. São úteis
para orientação dos Procuradores e Promotores de Justiça e dos demais
jurisdicionados de modo geral, mas não obrigam eventuais Procuradores
88
ou Promotores de Justiça que delas discordem, a lhes dar acatamento.
Contudo, existe respaldo legal para a supressão de uma
parte na ação penal pública, bem como naquelas em que o autor seja o Ministério
Público de primeiro grau?
A
presente
dissertação
pretende
responder
a
esse
questionamento, investigando se a missão institucional do Ministério Público de
promover o bem-estar social vem sendo atendida pelo seu segundo grau.
Necessário conferir se o Ministério Público, como formatado na Constituição
Cidadã de 1988, enfrenta a constatação de Bobbio, segundo a qual o grave
88
Opus cit., p. 253.
47
problema de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de
fundamentá-los, mas sim de protegê-los.
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas
jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais
e quantos esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são
direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual o
modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das
89
solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
As funções dos Procurador-Geral, Procurador e do Promotor
de Justiça, do Conselho Superior (órgãos de execução do Ministério Público), são
detalhadas no capítulo IV da LONMP. Os nove incisos do art. 25 enumeram
diferentes funções do Ministério Público, algumas já previstas na Constituição
Federal. Outras são definidas nas Constituições Estaduais, leis orgânicas e leis
esparsas, desde que compatíveis com a finalidade da instituição, sendo vedada a
representação judicial e a consultoria a quaisquer entidades públicas. A iniciativa
da ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais que afrontem às Constituições Estaduais pertence ao ProcuradorGeral de Justiça, segundo dispõe o inciso I, do artigo 29.
A Constituição do Estado de Santa Catarina (CE), de 5 de
outubro de 1989, no seu artigo 85, inciso VII, seguindo o preconizado na
Constituição Federal e na LONMP, atribui ao Procurador-Geral de Justiça, sem
prejuízo de outros colegitimados, competência para ajuizar ação direta de
inconstitucionalidade (ADIN) visando anular leis e atos normativos estaduais ou
municipais, que contradigam a Constituição Estadual. Mas, inova ao prever que
representante do Ministério Público (Promotor de Justiça) também pode aforar
ADIN contra leis e atos normativos municipais que entrem em contradição com a
Constituição Estadual. A intervenção do Ministério Público nas ADINs que não
sejam de sua iniciativa é obrigatória, na condição de custus legis, conforme
previsto na determinação do § 1º do artigo 103 da CF e no § 1º do artigo 85 da
CE. A mesma obrigatoriedade de intervenção acontece nas arguições incidentais
de inconstitucionalidade.
89
In A Era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.
25.
48
Nesses casos, considerando-se que o Ministério Público foi erigido à
categoria de guardião judicial dos dispositivos da Constituição, cumpre
lhe seja dada vista dos autos, inclusive durante a tramitação do processo
em primeira instância, para manifestação acerca da questão
constitucional, ainda quando não se trate de processo incluído dentre
aqueles em que, por força de dispositivo legal, seja exigida sempre a sua
90
participação como custos legis (sic).
O Ministério Público está, pois, legitimado a arguir
incidentalmente a inconstitucionalidade de dispositivo de lei ou norma estadual ou
municipal, que firam a CE, tanto nas ações em que for parte, quanto nas que
intervier como fiscal da lei. Compete ao Procurador-Geral de Justiça a iniciativa
de representação para fins de intervenção do Estado em seus Municípios a fim de
assegurar a observância dos princípios indicados na CE ou prover a execução de
lei, de ordem ou de decisão judicial (art. 25, inc. II, e 29, inc. II, da LONMP e art.
129, inc. IV). Cabe assinalar que a intervenção dos estados nos municípios ou da
união nos estados, nos municípios localizados no Distrito Federal ou nos
Territórios, são exceções permitidas pelos artigos 34 e 35 da CF.
O exercício privativo da ação penal pública incondicionada
91
ou condicionada
pelo Ministério Público, previsto no art. 25, inc. III da LONMP e
art. 129, inc. I, da Constituição faz parte de sua própria história
seja porque nela se encontra uma das raízes históricas da instituição,
seja porque por meio dela exerce uma parcela direta da soberania do
Estado. É no seu não-exercício que se identifica a única hipótese em que
o Ministério Público condiciona o ius (sic) puniendi do Estado
92
Soberano.Todas as demais funções não lhe são privativas.
Deve ficar claro que o não exercício do munus de deflagrar a
ação penal pública é exclusivo do Ministério Público, quando ele promove o
arquivamento fundamentado de inquérito policial ou de peças de investigação que
versam sobre crimes, desde que a postulação tenha sido acatada pelo juiz
competente ou endossada pelo Procurador-Geral de Justiça. Por outro lado, a
simples inércia na propositura da ação penal pública, durante o prazo legal, dá
90
DECOMAIN, Pedro Roberto. Opus cit., p. 253.
Para a deflagração de processo penal nas ações penais públicas incondicionadas, o Ministério
Público não se submete a qualquer pré-requisito, salvo embasamento dos fatos apurados em
peças de investigação. Outros crimes, porém, demandam prévia autorização do ofendido ou de
seu representante legal, ou, ainda, do Ministro da Justiça (art. 24, do CPP) são as denominadas
ações penais públicas condicionadas.
92
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 130.
91
49
ensejo ao ajuizamento de ação penal privada, conforme preveem os artigos 5º,
LIX, da CF e 29, do Código de Processo Penal (CPP).
Com todo o respeito que merece Mazzilli, - sem dúvida o
maior estudioso da atualidade em assuntos relacionados ao Ministério Público
Brasileiro da atualidade - ousa-se acrescentar que, além do não exercício da ação
penal pública, também é ação privativa do Ministério Público a instauração e a
presidência do inquérito civil público, autorização já prevista no § 1º do art. 8º da
Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, antes de ser inserida no inciso III do artigo
129 da CF e, posteriormente, no inciso IV do artigo 25 da LONMP.
Quando as infrações penais forem consideradas de menor
potencial ofensivo, a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, em obediência ao
disposto no artigo 98, inciso I, da CF, prevê a possibilidade de o Ministério Público
propor transação ou suspensão condicional do processo. A transação penal só é
permitida em se tratando de contravenções penais e crimes cujas penas máximas
previstas não ultrapassam o tempo de dois anos (art. 61, com a alteração
introduzida pela Lei dos Juizados Criminais Federais). Quando os crimes tiverem
pena mínima cominada igual ou não superior a um ano, o Ministério Público
poderá propor a suspensão condicional do processo desde que, - em ambas as
situações – estejam preenchidos os requisitos legais pelo autor do fato em
apuração.
Cumpre referir, também, que o atual texto constitucional
determinou a exclusão de nosso ordenamento jurídico da criticada ação penal ex
officio, na qual se confundiam acusador e investigador ou acusador e julgador, já
que a ação penal, nas contravenções e crimes de lesões corporais e homicídio
culposo, iniciava com uma portaria expedida pela autoridade policial ou pelo juiz
(Lei n. 4.611, de 2 de abril de 1965).
É função do Ministério Público a promoção da ação civil
pública e do inquérito civil público (artigos 58, § 3º e 129, inciso III, da CF e artigo
25, inciso IV, da LONMP) para proteção do meio ambiente, do patrimônio público
e social, e de outros interesses difusos e coletivos, bem como interpor ação de
responsabilidade
civil
decorrente
parlamentares de inquérito.
de
infrações
apuradas
por
comissões
50
O inquérito civil público (ICP), instaurado e presidido pelo
Ministério Público, permite a coleta de elementos de convicção destinados a
lastrear a propositura de ação civil pública, a celebração de termo de ajustamento
de conduta, a expedição de recomendação, a requisição de inquérito policial, a
requisição de investigações disciplinares e éticas, dentre outras providências. O
resultado das investigações também poderá redundar no requerimento de
arquivamento do inquérito perante o Conselho Superior do Ministério Público,
caso falte comprovação dos fatos que determinaram a deflagração do ICP (art. 30
da LONMP). O ICP objetiva a proteção de interesses coletivos, difusos e
individuais indisponíveis e homogêneos, tais como: meio ambiente, consumidor,
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, saúde
pública, idosos e direitos humanos. A alínea b do inciso IV do artigo 25 da
LONMP, por sua vez, atribui ao Ministério Público legitimidade para aforar ACP
com a finalidade de anular ou declarar a nulidade de atos lesivos ao patrimônio
público, à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas
administrações indireta, fundacional ou de entidades privadas de que participem.
O inciso V do artigo 25 da LONMP confere ao Ministério
Público a participação, na condição de fiscal do devido cumprimento da lei,
sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções
institucionais, não importando a fase ou o grau de jurisdição em que se encontrem
os processos. Trata-se de intervenção determinada por lei, como ocorre nas
situações previstas no artigo 82 do CPC, nos processos previstos no Estatuto da
Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso, na Lei de Falências, na Lei do
Mandado de Segurança, nas ações civis públicas, nas ações de improbidade e
inconstitucionalidade, dentre tantas outras, cuja análise será realizada quando se
falar sobre a Carta de Ipojuca93.
Também compete ao Ministério Público a tarefa de fiscalizar
estabelecimentos que abriguem pessoas presas, idosas, crianças e adolescentes,
incapazes e pessoas com deficiência (art. 25, inc. VI) a fim de aferir-lhes, não só
as condições físicas das instalações, o funcionamento e o cumprimento da
legislação pertinente, mas, especialmente, para garantir aos institucionalizados
93
A Carta de Ipojuca/PE, expedida pelo Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério
Público dos Estados e da União, em 13 de maio de 2003, contém orientações referentes à
racionalização da atuação dos Membros do Ministério Público na área cível.
51
condições dignas de tratamento e de vida, haja vista a necessidade de dar-lhes
maior atenção, em razão da situação vulnerável em que se encontram.
O inciso VII do art. 25 deixa ao arbítrio do Ministério Público
a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente (natural e do
trabalho), do consumidor, da política penal e penitenciária e de outros afetos a
sua área de atuação.
É totalmente livre a decisão da administração superior do
Ministério Público – Procurador-Geral de Justiça, Colégio de Procuradores de
Justiça, Conselho Superior ou Corregedoria-Geral – sobre a conveniência e a
oportunidade de serem ou não designados Membros do Ministério Público para
integrarem esses organismos. Em Santa Catarina, tem sido comum a indicação
de Promotores e Procuradores de Justiça para participarem de Conselhos
Municipais e Estadual Antidrogas, Direitos das Pessoas com Deficiência e
Conselho Penitenciário Estadual, embora os dispositivos legais não possam impor
ao Ministério Público a obrigação de integrar esse ou aquele Conselho, porém,
nada impede que seja reservada vaga a representante da Instituição, a qual
deliberará positiva ou negativamente a respeito. O Ministério Público está
autorizado a defender judicialmente o patrimônio público, de ofício, para
responsabilizar gestores do dinheiro público condenados por Tribunais e
Conselhos de Contas (inciso VII do artigo 25).
Os Tribunais de Contas (TCs) são órgãos auxiliares de
controle externo do Poder Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, cujas atribuições estão alinhadas no art. 71 da Constituição
Federal. As áreas objeto de fiscalização dos Tribunais de Contas estão descritas
no art. 70 da CF: contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das três esferas
de governo e de entidades da administração direta e indireta. Nos Municípios
onde não existam Tribunais de Contas, suas contas são fiscalizadas pelos
Tribunais de Contas Estaduais.94 Ao julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiro, valores e bens públicos, da administração
direta e indireta, inclusive das fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
Poder Público, e as contas daqueles que derem causa à perda, ao extravio ou a
94
A Constituição Federal vigente, no art. 31, § 1º, proibiu a criação de novos Tribunais, Conselhos
ou órgãos de Contas Municipais.
52
outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, cabe aos TCs
aplicar as sanções previstas em lei, além de multa proporcional ao dano causado
ao erário àqueles responsáveis por gastos ilegais. Mas como suas decisões
possuem caráter administrativo e não jurisdicional, compete-lhes representar ao
Poder competente ou ao Ministério Público sobre as irregularidades ou abusos
apurados (inciso XI do art. 71 da CF). Uma vez encaminhada ao Ministério
Público a representação, quando necessário, o órgão competente adotará as
medidas pertinentes objetivando a responsabilização judicial daqueles que hajam
sido condenados pelos Tribunais de Contas a restituírem dinheiro ao erário
público.95 Finalmente, o inciso IX do artigo 25 permite que o Ministério Público
interponha recursos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ), intervenha ele no processo como parte ou custus legis.
A natureza das matérias, cuja apreciação compete ao
Supremo Tribunal Federal, estão descritas no art. 102 da CF, mediante
interposição de recurso ordinário (inciso II) ou extraordinário (inciso III); a
competência do Superior Tribunal de Justiça é traçada pelo art. 105 da CF.
Quanto aos incisos X e XI do art. 25, que conferiam ao
Ministério Público os encargos de receber diretamente da autoridade policial o
inquérito por ela realizado, em se tratando de ação penal pública, e o de autorizar
a dilação de prazo para conclusão da investigação policial, foram vetados pelo
Presidente da República. Todavia, o pleito em favor da desburocratização da
tramitação do inquérito policial, com seu recebimento direto, continua fazendo
parte da pauta de reivindicações da Conamp, seguidamente reiterado em seus
congressos nacionais.
Ao Procurador-Geral de Justiça, no art. 29 e incisos, da
LONMP, são cometidas especificamente as funções de representar aos Tribunais
locais por inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais; representar para fins de intervenção do Estado nos Municípios;
representar o Ministério Público nas sessões plenárias dos Tribunais; ajuizar ação
penal de competência originária dos Tribunais; determinar o arquivamento de
representação, notícia de crime, peças de informação, conclusão de comissões
parlamentares de inquérito; delegar a membro do Ministério Público suas funções
95
DECOMAIN, Pedro Roberto. Opus cit., p. 170.
53
de órgão de execução e exercer as atribuições previstas nos incisos II e III do art.
129 da CF, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o
Presidente da Assembleia Legislativa ou os Presidentes dos Tribunais, bem como
quando, contra eles, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser
ajuizada a competente ação.
Outras funções institucionais são atribuídas aos órgãos de
execução de primeiro grau (Promotores de Justiça), pelo artigo 32, ressalvadas
aquelas previstas na CF, na CE, na Lei Orgânica Nacional e demais leis: impetrar
habeas corpus; impetrar mandado de segurança e requerer correição parcial,
inclusive perante os tribunais locais; atender a qualquer pessoa do povo, tomando
as providências cabíveis; oficiar perante a Justiça Eleitoral de primeira instância,
com as atribuições do Ministério Público Eleitoral, previstas na Lei Orgânica do
Ministério Público da União que lhe forem pertinentes, além daquelas
estabelecidas na legislação eleitoral e partidária.
Os Promotores de Justiça são órgãos de execução do
primeiro grau do Ministério Público que atuam nas diversas comarcas de cada
Estado da Federação (primeira instância judiciária). No entanto, o inciso I, do art.
32, abre exceção à regra, legitimando os Promotores de Justiça a atuarem na
segunda instância judiciária (Tribunais de Justiça e Tribunais de Alçada), na
impetração de habeas corpus e mandado de segurança, bem como de
apresentarem requerimento de correição parcial. Podem,
inclusive, em causas de alçada nas quais atuem como custos legis,
interpor recurso extraordinário. [...] Nesses casos cabe-lhe velar pela
perfeita aplicação do Direito ao caso concreto no qual oficie por força de
disposição legal. Embora também aí o direito de utilizar-se de todos os
recursos disponíveis, segundo a lei processual aplicável à espécie,
estivesse implícito nessa razão de ser de sua participação no processo,
não é demasia deixar-se claro o seu direito de recorrer também perante
96
o STF e o STJ.
Não é raro que um Promotor de Justiça ingresse com
habeas corpus (HC) para devolver o direito de ir e vir à(s) pessoa(s) presa(s) fora
da situação de flagrância ou sem a devida ordem judicial (art. 5º, inc. LXI, da CF)
ou contra Tribunal de Justiça, conforme ilustra o acórdão unânime da 5ª Turma do
96
Idem, ibidem, pp. 255 e 172.
54
STJ, em HC impetrado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, a
favor de 53 detentos:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
LEGITIMIDADE.
REMOÇÃO
DE
PRESOS
CONDENADOS
DEFINITIVAMENTE.
CADEIAS
PÚBLICAS.
SUPERLOTAÇÃO.
ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO ADEQUADO. Detém o
Ministério Público, ante o texto constitucional (art. 127) e desde que
ocorrente a hipótese prevista no inciso LXVIII, art. 5º da Carta da
República, legitimidade ativa ad causam para ajuizar em favor de
indiciado, réu ou condenado, a ação penal de habeas corpus. A lei
outorga aos pacientes o direito de cumprir pena na penitenciária, mas é
certo que nesta inexistem vagas para eles. Inexistindo vagas na
penitenciária, caso não permanecessem os pacientes nas delegacias,
deveriam ser postos em liberdade, o que afronta a exigência de que
cumpram as penas que lhes foram impostas no devido processo legal.
Legítima, pois, a constrição. (STF. HC n. 7233-DF, reg. n. 98.0007033-8,
97
5. Turma, rel. Min. Felix Fischer. DJ 11.05.1998).
É, igualmente, admissível a impetração de habeas corpus,
por membro do Ministério Público de primeiro grau diretamente ao STF, graças à
resolução baixada pelo Tribunal de Justiça que alterou competência de órgãos do
Poder Judiciário. Como reconhece o acórdão da 2ª Turma do STF, em que foi
relatora a Min. Ellen Gracie, proferido no habeas corpus n. 91024-6, do Rio
Grande do Norte, em 05.08.2008:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSTULADO DO
JUIZ NATURAL. ESPECIALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA (RATIONE
MATERIAE).
RESOLUÇÃO
DE
TRIBUNAL
DE
JUSTIÇA.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Alegação de possível
violação do princípio do juiz natural em razão da resolução baixada pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. 2. Reconhece-se
ao Ministério Público a faculdade de impetrar habeas corpus e mandado
de segurança, além de requerer correição parcial (Lei nº 8.625/93, art.
32, I). A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus
tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos
interesses individuais indisponíveis (HC 84.056, rel. Min. Eros Grau, 1ª
Turma, DJ 04.02.2005, e o Ministério Público tem legitimidade para
impetrar habeas corpus quando envolvido o princípio do juiz natural (HC
98
84.103, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 06.08.2004).
97
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus. Brasília, DF. 11 de maio de 1998.
Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/toc.jsp?tipo_visualizaçao=RESUMO&livre=7233&b=AC
OR>. Acesso em: 29 de agosto de 2009.
98
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus. Disponível em:
<http:www.stf.jus.br/portal/jurisprudência./listarJurisprudencia.asp?s1=HC%2091024%20RN&base
=baseAcordaos>. Acesso em: 21 de setembro de 2009.
55
Exemplifica a legitimação do Promotor de Justiça para
impetrar mandado de segurança diretamente perante o Tribunal de Justiça, a
impugnação de ato de Juiz de Direito que violar ou ameaçar violar direito
processual do Ministério Público, caso não exista recurso apropriado, ou que não
assegurar efeito suspensivo a recurso contra previsão legal. MANDADO DE
SEGURANÇA. Promotor de Justiça. Legitimidade para propor mandado de
segurança contra ato de Juiz de Direito. (STJ. RMS 8026/SP, 4. Turma, rel. Min.
Bueno de Souza, DJ 12.02.2001. p.115)99.
O inciso I do art. 32 autoriza, ainda, o Promotor de Justiça
a interpor recurso de correição parcial, inclusive perante os tribunais locais
competentes. Esse tipo de recurso também é denominado de reclamação e
costuma estar previsto nos Códigos de Organização Judiciária dos Estados, como
esclarece Decomain. Contrariando essa tendência, o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina inovou, inserindo em seu Regimento Interno a previsão do recurso de
reclamação, assim consignando: Art. 243. Caberá reclamação de decisão que
contenha erro ou abuso, que importe na inversão da ordem legal do processo,
quando para o caso não haja recurso previsto.
A correição parcial ou reclamação destina-se à insurgência
contra decisões de primeira instância para as quais não haja recurso específico
previsto em lei. Exemplifica o cabimento da correição parcial a decisão da 3ª
Turma da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,
prolatada a unanimidade no acórdão 47-4/322 (2008-2639997), da comarca de
Goiânia:
EMENTA: CORREIÇÃO PARCIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR. OPINIO DELICTI. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUERIMENTO DE REMESSA DO
INQUÉRIO POLICIAL A OUTRO JUÍZO. Na fase da propositura da ação
penal, cabe ao Ministério Público examinar os pressupostos processuais
para formação do opinio delicti, não podendo o Juiz decidir sobre a
convicção do órgão acusador, tampouco deixar de encaminhar o
inquérito ao juízo apontado como competente. CORREIÇÃO PARCIAL
100
CONHECIDA E PROVIDA. (O grifo é nosso.)
99
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=1996007904188&dt_publicaçao+12/02/20
01>. Acesso em: 28 de agosto de 2009.
100
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Disponível em:
<http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/exclusividade>. Acesso em: 29 de agosto de 2009.
56
A
reclamação
n.
2008.007731-1,
da
Comarca
de Lages/SC, relator o Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, de 25 de abril de 2008,
é outro exemplo, cujo acórdão é o seguinte:
RECLAMAÇÃO INTENTADA CONTRA DESPACHO QUE, APESAR DA
MANIFESTAÇÃO DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
EM SENTIDO DIVERSO, DESIGNOU AUDIÊNCIA PARA PROPOSTA
DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – FATOR QUE
IMPORTOU EM INVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL – LEI N.
11.340/06 QUE VEDA A APLICABILIDADE DAS BENESSES DA LEI N.
9.099/95 – APLICABILIDADE DO ART. 41 DA LEI “MARIA DA PENHA”
101
– RECLAMAÇÃO PROCEDENTE.
No caso específico do Estado de Santa Catarina, existe
outra exceção à regra, que torna legítima a atuação de Promotores de Justiça na
segunda instância judiciária. Ela está prevista do art. 85, inc. VII, da Constituição
Estadual que, ao lado de outros colegitimados, autoriza o Promotor de Justiça a
ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo
municipal, que se contraponha às determinações da Constituição Estadual. A
legitimidade do representante do Ministério Público prevista no inciso VII do artigo
85 da Constituição Estadual de Santa Catarina foi disciplinada no artigo 99, inciso
III, da Lei Complementar Estadual n. 197/2000, que assim dispõe:
Art. 99. Cabe aos Promotores de Justiça exercer as atribuições de
Ministério Público junto aos órgãos jurisdicionais de primeira instância,
competindo-lhes, ainda:
III - propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
municipal, em face da Constituição Estadual, e a ação de
inconstitucionalidade por omissão, em face de preceito da Constituição
Estadual, no âmbito dos municípios de sua atuação.
Márcia Aguiar Arend e Max Zuffo, no artigo O Promotor de
Justiça está legitimado a propor Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo municipal frente à Constituição do Estado de Santa Catarina, assinalam
que há certa homogeneidade no tratamento da matéria nas Constituições
Estaduais, as quais erigem o Procurador-Geral de Justiça como único órgão de
101
BRASIL. Disponível em:
<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?qTodas=&qFrase=&qUma=&qNa
o=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=20080077311&qEmenta=&qClasse=&qRelator=Moacyr+de+Moraes+Lima+Filho&qForo=&qOrgaoJulgador=&q
Cor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10>. Acesso em: 21 de setembro de 2009.
57
execução do Ministério Público legitimado para ingressar com ADINs contra leis e
atos normativos municipais.
O Estado de Santa Catarina constitui exceção à concepção homogênea
retro indicada, já que a carta constitucional dos catarinenses previu no
inciso VII do art. 85, a legitimidade do representante do Ministério
Público para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo municipal contestado em face da Constituição, além da
legitimidade do Procurador-Geral de Justiça já prevista no inciso III do
mesmo artigo, reconhecendo-se nesta feliz e sábia posição do
constituinte catarinense uma hipótese de legitimidade concorrente
102
disjuntiva.
A inédita iniciativa do legislador catarinense permite uma
mais célere e eficaz atuação ministerial no controle de constitucionalidade da
legislação em vigor nos 293 municípios catarinenses. O quadro estatístico a
seguir demonstra a efetividade desse controle diante das ações interpostas pelos
Promotores de Justiça (primeiro grau) e pelo Procurador-Geral de Justiça
(segundo grau):
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Primeiro grau
13
22
17
45
22
19
13
18
42
20
Segundo grau
93
100
14
22
30
36
33
70
43
21
Total
106
122
31
67
52
55
46
88
85
41*
*Dados coletados até o dia 31.07.2009.
Fonte: Corregedoria-Geral do Ministério Público de Santa Catarina.
Sobre essa questão, o Procurador de Justiça do Estado de
Santa Catarina e Professor Universitário Dr. Paulo de Tarso Brandão faz
importante observação ao mencionar que, em sendo atribuição prevista
constitucionalmente
(CE),
não
só
a
iniciativa
da
ação
direta
de
inconstitucionalidade contra lei ao ato normativo municipal cabe ao Promotor de
102
AREND, Márcia Aguiar e ZUFFO, Max. O Promotor de Justiça está legitimado a propor ação
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal frente à Constituição do Estado
de Santa Catarina. Revista Atuação Jurídica. Associação Catarinense do Ministério Público,
Florianópolis, ano 4, número 7, p. 71, dezembro de 2001.
58
Justiça, mas, também, o acompanhamento da lide até decisão final. A confirmarse tal posição, seria a única exceção ao art. 31 da LONMP que estabelece ser
atribuição dos Procuradores de Justiça atuar junto aos tribunais. Mais, seria a
única exceção à afirmação de que os Promotores de Justiça podem postular ao
segundo grau e não no segundo grau, especificamente em relação ao órgão de
execução de primeiro grau do Estado de Santa Catarina.
Uma das atribuições mais relevantes e tradicionais do
Membro do Ministério Público é o atendimento a qualquer do povo (art. 32, inc. II).
Diariamente acorre aos gabinetes expressivo número de pessoas buscando
orientação, efetuando representações e reclamações.
A todas o Membro do
Ministério Público atende e - nas situações que estejam inseridas em sua área de
atuação -, adota as providências cabíveis, quer se insiram na esfera dos direitos
individuais disponíveis ou indisponíveis, coletivos ou difusos. Quando a matéria
objeto do pedido de orientação, representação ou reclamação que não estiver nos
limites das atribuições do consultado, a pessoa deve ser encaminhada para o
órgão competente. Afirma-se que o atendimento deve efetuar-se mesmo em se
tratando de direito individual disponível, porque o inciso é genérico, não faz
qualquer restrição.
É por intermédio do contato diário com a população e suas
instituições (associações, conselhos, sindicatos, etc.) que o membro do Ministério
Público toma conhecimento de seus problemas e anseios para melhor representálas e melhor agir no cumprimento de sua missão constitucional, de modo a
assegurar a concretização dos legítimos interesses e combater irregularidades e
abusos de que padecem para assegurar as garantias e interesses coletivos e
sociais, além dos individuais indisponíveis que, pela sua natureza, têm caráter de
ordem pública. Sendo o Ministério Público uma instituição democrática, incumbida
da defesa dos direitos individuais e sociais indisponíveis, é primordial que
mantenha um canal aberto de comunicação com a sociedade que representa,
sendo o mais apropriado a escuta ativa das pessoas que o procuram com fatos
concretos para enfrentar.
Não há como se admitir que o membro do Ministério Público,
dentro da moldura que a CF/88 deu à instituição, proceda como mero burocrata,
manifestando-se como parecerista nos processos e exercendo o papel de
59
acusador sistemático. É necessário que estabeleça inteiração com a comunidade
que representa e com ela se sintonize, participando de atividades comunitárias e
sensibilizando-se com as mazelas que a assolam. Só assim obterá respeito e
confiança, pois a força da lei, por si só, não se mostra suficiente para tais
conquistas.
O Constituinte deixou clara a preocupação de que o Membro
do Ministério Público não pode se descurar de estabelecer uma concreta
integração com a comunidade, participando de seu dia-a-dia - para que tal
vivência sirva para nortear suas ações - ao obrigá-lo a residir na comarca da
respectiva lotação (§ 2º do art. 129 da CF). Apenas em situações excepcionais e
mediante autorização é que ele poderá residir fora da área de abrangência da
comarca, em qualquer um dos municípios que a compõe.
A previsão constitucional insculpida no art. 129, § 2º nada mais é do que
simples positivação de uma necessidade lógica-fundamental natural
concernente ao representante do Parquet – afinal, não se pode admitir,
jamais, um promotor (bem como um juiz) cumprindo sua função
profissional senão engajado na sua sociedade, e, para tanto, é
103
imprescindível residir nela.
O capítulo V da LONMP enumera as atribuições dos Centros
de Apoio Operacionais, Comissão de Concurso, Centro de Estudos e
Aperfeiçoamento Funcional, órgãos de apoio administrativo e estagiários, todos
órgãos auxiliares das atividades funcionais do Ministério Público.
As principais garantias reservadas aos integrantes do
Ministério Público são: a) a vitaliciedade após dois anos de exercício da função,
quando não mais poderá perder o cargo senão por sentença judicial transitada em
julgado; b) a inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, e, c) a
irredutibilidade de vencimentos (artigo. 38, incisos I, II e III, capítulo VI, da
LONMP). Essas garantias também estão previstas nos itens a, b e c, do inc. I, §
5º, do art. 128 da CF).
103
FARIAS, Cristiano Chaves de. A Função social do Promotor de Justiça e a necessidade de
residir na comarca. Disponível em: <http://.raul.pro.br/artigos/pjresid.htm>. Acesso em: 28 de
agosto de 2009.
60
Ainda
do
capítulo
VI
da
LONMP
constam,
exemplificativamente, as prerrogativas dos membros do Ministério Público,
enumeradas nos artigos 40, 41 e 42 que, na visão de Mazzilli,
são os privilégios, as vantagens e as imunidades funcionais. Nem toda a
prerrogativa é garantia. As prerrogativas são distinções ou vantagens
que se ligam ao cargo; já as garantias são da pessoa, do órgão, do ofício
ou da Instituição, para assegurar o exercício funcional. Assim, por
exemplo, o uso de vestes talares e insígnias é prerrogativa, mas não é
104
garantia; a independência funcional, sim, é uma garantia.
Os deveres e vedações, os vencimentos, vantagens e
direitos e a carreira dos membros do Ministério Público são tratados nos capítulos
VII, VIII e IX da LONMP.
2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE E SUA LEI ORGÂNICA
Existem peculiaridades da estruturação e das atribuições
conferidas aos diversos órgãos do Ministério Público do Estado de Santa
Catarina. A Lei Complementar n. 197, de 13 de julho de 2000, veio a lume 12
(doze) anos depois de promulgada a Carta Magna vigente e 7 (sete) anos após a
edição LONMP, por iniciativa do então Procurador-Geral de Justiça, José Galvani
Alberton, conforme facultava o art. 2º da LONMP.
Uma vez promulgada a LC n. 40/1981, o Ministério Público
Catarinense viu-se obrigado a adaptar-se à uniformização por ela determinada, já
que antes de sua vigência os Ministérios Públicos Estaduais estavam organizados
de diferentes formas. A primeira mudança na legislação catarinense operou-se
por meio da Emenda Constitucional n. 15 que, entre outras providências, as
garantias de estabilidade e inamovibilidade aos integrantes do Ministério Público.
Seguiu-se a promulgação da lei complementar estadual n.
17/1982 (Lei Orgânica do Ministério Público), que o organizou, desvinculando-o
da representação da Fazenda Pública Estadual em juízo. Foi a partir de 1982 que
o Ministério Público iniciou a caminhada que o separou do Poder Executivo e
104
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 93.
61
permitiu que estruturasse seu próprio quadro de servidores, até então inexistente,
de acordo com Brüning.105
O Ministério Público Catarinense precedeu os demais
congêneres Estaduais na discussão de seu papel perante a sociedade. Em 1982,
realizou a II Conferência Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e o XXIII
Encontro Estadual do Ministério Público que teve por tema central A dimensão
social do Ministério Público. As teses aprovadas no evento foram publicadas em
revista de igual nome. Segundo o Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina,
Dr. João Carlos Kurtz, que redigiu a apresentação da revista, a proposta do
Encontro era analisar e definir fórmulas e procedimentos capazes de orientar o
seu potencial de serviços em favor da coletividade.106 Dois anos depois (1984),
criou-se o Departamento Estadual do Consumidor (Decom), primeira instituição
nacional a atuar na defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e
difusos do consumidor, alcançando considerável sucesso na composição
extrajudicial de conflitos. Segundo Brüning, das 597 reclamações registradas
naquele ano, 468 foram solucionadas sem necessidade de recorrer ao
Judiciário.107 Encorajados por essa experiência, que perdurou até 1987, outros
Ministérios Públicos criaram, em sua estrutura, órgãos semelhantes.
Muitos foram os contratempos surgidos no seio do Ministério
Público de Santa Catarina ante a demora em instituir sua lei orgânica. Organizado
nos moldes da LC n. 40/1981, sua estrutura ficou defasada em 12 (doze) anos
com relação à CF e à LONMP, demandando improvisação para poder atender às
novas determinações constitucionais e sua regulamentação. A recusa de
recebimento de recurso interposto por Promotor de Justiça, candidato mais antigo
inscrito à remoção por antiguidade, em razão de o órgão competente para recebêlo e examiná-lo ainda não estar criado, é um exemplo disso.
A LC n. 197/2000 possui 279 artigos e 3 livros: o primeiro
livro trata da autonomia, da organização e das atribuições do Ministério Público,
sendo subdividido em 3 títulos: autonomia do Ministério Público; sua organização
105
Opus cit., p. 219.
KURTZ, João Carlos. A Dimensão social do Ministério Público. Anais da II Conferência
Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e XXIII Encontro Estadual do Ministério Público.
Procuradoria-Geral de Justiça de Santa Catarina e Associação Catarinense do Ministério Público,
Florianópolis, p. 13, set. 1982.
107
Opus cit., p. 223.
106
62
e o terceiro suas atribuições. O segundo livro diz respeito ao estatuto do
Ministério Público e tem 4 títulos: a organização da carreira; as substituições; os
deveres, impedimentos, direitos, garantias e prerrogativas específicas e,
finalmente, o quarto título dispõe sobre o regime disciplinar. O terceiro livro
registra as disposições transitórias.
A primeira grande novidade instituída pela LC n. 197/2000
foi prever (no art. 7º, inc. V) seu órgão de execução, a Coordenadoria de
Recursos, encarregada de deduzir razões de inconformismo das decisões do
Tribunal de Justiça perante os tribunais superiores.
Sendo dos Procuradores de Justiça as atribuições residuais
para atuarem junto aos tribunais, quando não cometidas ao Procurador-Geral (art.
31, LONMP), a legitimidade da Coordenadoria de Recursos foi contestada, com
freqüência, sob o argumento de violação do princípio do promotor natural. A
competência da Coordenadoria de Recursos, chefiada por um Procurador de
Justiça, está prevista no art. 98 da LC n. 197/2000:
Art. 98. Compete à Coordenadoria de Recursos:
I – interpor recursos judiciais, inclusive aos Tribunais Superiores, sem
prejuízo concorrente de outros órgãos do Ministério Público;
..............................................................................................................
III – pugnar pela defesa das teses jurídicas de interesse da Instituição
sempre que debatidas em recursos interpostos por seus órgãos ou pelas
partes;
Após idas e vindas de decisões judiciais pró e contra a
legitimidade de atuação, firmou-se o entendimento de que, havendo previsão, na
lei orgânica, de criação do órgão, não há ofensa ao princípio do promotor natural.
Ilustra a afirmação a decisão proferida em sede de recurso especial:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL, LEGITIMIDADE
POSTULATÓRIA DA COORDENADORIA DE RECURSOS PARA
SUBSCREVER PETIÇÃO RECURSAL NO LUGAR DO PROCURADOR
DE JUSTIÇA QUE ATUOU NO FEITO. PRINCÍPIO DO PROMOTOR
NATURAL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
A ofensa ao princípio do Promotor Natural verifica-se em hipóteses que
presumem a figura do acusador de exceção, lesionando o exercício
pleno e independente das atribuições do Ministério Público, o que não
ocorre nos autos. A atuação ministerial pautada pela própria organização
interna, com atribuições previamente definidas em Lei Orgânica do
Ministério Público estadual, não configura violação ao Princípio do
63
Promotor Natural (Precedentes). Recurso provido. (STJ RE nº 904.422
108
– SC (2006/0258071-3), 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer.
Outro acréscimo foi realizado no art. 8º que incluiu a
Secretaria-Geral do Ministério Público como órgão auxiliar. Nesse mesmo artigo
figuram os Centros de Apoio Operacional, destinados a estimular a integração e o
intercâmbio entre os órgãos de execução que atuem na mesma área de atividade
e que tenham atribuições comuns: remeter informações técnico-jurídicas, sem
caráter vinculativo, aos órgãos ligados à sua atividade e estabelecer intercâmbio
permanente com entidades e órgãos públicos e privados que atuem em áreas
afins.
O Conselho Superior do Ministério Público de Santa
Catarina tem caráter híbrido, pois a LC n. 197/2000, nos arts. 5º, inciso III, 7º,
inciso III e 23, consideram-no tanto órgão da administração superior como de
execução. É composto por 9 membros, sendo dois permanentes (ProcuradorGeral de Justiça e Corregedor-Geral) e outros 7 eleitos pelo primeiro grau e pelo
Colégio de Procuradores. Tem várias atribuições, dentre as quais se destacam as
de decidir sobre: a) a movimentação na carreira dos membros do Ministério
Público (processos de promoção e remoção); b) o vitaliciamento de Promotores
Substitutos; c) os recursos interpostos sobre o resultado final de concurso de
ingresso na carreira do Ministério Público, em última instância; d) deliberar sobre
instauração de sindicância; e) eleger os membros da Comissão de Concurso; f)
opinar sobre o afastamento da carreira; g) autorizar afastamento para frequentar
cursos ou seminários de estudo no exterior; h) rever os pedidos de arquivamento
de inquéritos civis ou peças de informação; e i) sugerir ao Procurador-Geral a
expedição de recomendação (sem caráter vinculativo) de medidas a serem
adotadas pelos órgãos do Ministério Público.
O mesmo caráter híbrido referido é atribuído ao Colégio de
Procuradores de Justiça, integrado por todos os membros do segundo grau de
Jurisdição. São suas principais atribuições: a) convocar eleição para ProcuradorGeral de Justiça; b) eleger e destituir o Corregedor-Geral; c) aprovar a proposta
orçamentária anual; d) eleger seus representantes no conselho superior – em
108
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http:/www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/toc.jsp?tipo_visualizaçao=RESUMO&livre=904422&b=A
COR>. Acesso em: 29 de agosto de 2009.
64
número de 4 (2 titulares e 2 suplentes); e) dar posse ao Procurador-Geral de
Justiça e ao Corregedor-Geral do Ministério Público; e f) propor ao ProcuradorGeral a criação de cargos e serviços auxiliares, modificações na lei orgânica e
providências relacionadas ao desempenho das funções institucionais (arts. 5º,
inciso II e 7º inciso II).
Atualmente o Ministério Público Catarinense conta com os
seguintes Centros de Apoio Operacionais: Infância e Juventude; Cidadania e
Fundações;
Moralidade
Administrativa;
Ordem
Tributária;
Controle
de
Constitucionalidade; Criminal; Meio Ambiente, Consumidor e Informações e
Pesquisas. Para cada um dos Centros de apoio existe um Conselho Consultivo,
composto de 7 Promotores de Justiça, que têm a função de discutir matérias e
programas afetos ao respectivo Centro (esse Conselho também não encontra
similar nos Ministérios Públicos de outros estados).
O órgão de execução Procurador-Geral de Justiça em Santa
Catarina divide suas atribuições com o Subprocurador para Assuntos Jurídicos e
o Subprocurador Administrativo, reunidos na Subprocuradoria-Geral, estes
últimos livremente escolhidos pelo primeiro. Já o Corregedor-Geral do Ministério
Público conta com a colaboração de um Subcorregedor. Tanto o ProcuradorGeral como o Corregedor-Geral podem indicar assessores dentre os Promotores
de Justiça da mais elevada entrância ou Procuradores de Justiça, os quais serão
designados pelo primeiro (art. 18, inc. XX, letra g e art. 39).
Outra inovação do Ministério Público Catarinense é o
Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais (CCPPI) que possui
16 membros, entre titulares e suplentes. Um representa o segundo grau e os
demais 7 regiões do Estado. Sua missão é assessorar o Procurador-Geral de
Justiça, apresentando sugestões para elaboração do Plano Geral de Atuação,
bem como manifestar-se, quando convocado, sobre matéria de interesse
institucional.
Por fim, foi criada em 2004 a Ouvidoria do Ministério Público,
órgão auxiliar destinado a contribuir para a melhoria dos padrões de transparência
e presteza das atividades desenvolvidas pelos órgãos, membros e servidores.109
109
Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 29 de agosto de 2009.
65
2.4 OS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA INDEPENDÊNCIA, UNIDADE E
INDIVISIBILIDADE
As garantias asseguram o princípio da independência
funcional aos membros do Ministério Público (art. 129, § 1º, CF) para que possam
exercer tranquila e livremente seus misteres, sempre que
condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro
desequilíbrio nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos,
crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, incapazes
em geral – todos estes, entre outros, sofrem algum tipo de limitação
fática ou jurídica. É evidente que nem por serem pobres, incapazes ou
deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição
do discrímen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão.
Contudo, o que ocorre efetivamente é que, mesmo quando tenham
razão, muralhas verdadeiramente intransponíveis muitas vezes se
110
erguem entre eles e seus interesses mais legítimos.
A garantia da independência alcançada pelos membros do
Ministério Público não se justifica, unicamente, pelos interesses dos vulneráveis
socioeconomicamente que defende. Ela é mais necessária quando deve agir em
detrimento de interesses de pessoas poderosas e influentes. Nada deve obstar o
desempenho das tarefas que lhe são afetas, nem mesmo o discurso intimidador
do Presidente da República já transcrito, ou as recentes declarações do
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Gilmar Mendes – na cerimônia de
posse do novo Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Gurgel –, procurando
imputar ao Ministério Público a morosidade do judiciário brasileiro.
Cabe insistir no fato de a CF assegurar, a Promotores e
Procuradores de Justiça, no desempenho de suas funções, total independência e
autonomia. Por isso ficam adstritos ao cumprimento das Constituições (Federal e
Estaduais), às leis e às próprias consciências. Nem os atos normativos de órgãos
superiores da instituição podem obrigá-los, quando disserem respeito
ao que devam ou não fazer. Estamos a referir-nos aqui à plena liberdade
no exercício da atividade-fim (se, p. ex., é caso de dar ou não denúncia,
110
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. pp. 376-377.
66
se é caso de pedir condenação ou absolvição ou de recorrer ou não),
111
neste ponto é irrestrita a liberdade funcional.
Nem o Judiciário pode exigir qualquer atitude do Ministério
Público, pois ele é totalmente independente da Magistratura:
Entre o juiz e o promotor de justiça, existem relações de ordem
processual tão-somente. Não cabe ao magistrado judicial dar ordens ao
Ministério Público no plano disciplinar e da jurisdição censória. Os
vínculos que se formam entre o Judiciário e o Ministério Público, numa
relação processual, derivam apenas das normas que regulamentam os
atos processuais e disciplinam, juridicamente, a ordem do juízo ou
112
instância.”
A única subordinação que existe entre os Membros do
Ministério Público é de ordem administrativa e diz respeito às atividades-meio,
normalmente disciplinadas por atos, portarias, instruções emanadas do
Procurador-Geral, Corregedor-Geral e outras autoridades administrativas da
instituição. São exemplos das denominadas atividades-meio: determinações para
a) enviar relatórios mensais da Promotoria ou Procuradoria de Justiça, b)
comunicar ajuizamento de certos tipos de ações, c) efetuar avaliação de
servidores, estagiários e bolsistas lotados no órgão de atuação, d) comunicar
afastamento da comarca, etc. O princípio da independência funcional opõe-se,
pois e precisamente, ao princípio da hierarquia.113
As características próprias do Ministério Público e os
princípios institucionais da independência administrativa e autonomia funcional
consagrados na CF impedem que a um Promotor ou Procurador de Justiça sejam
impostas quaisquer restrições ou procedimentos no exercício de suas funções. O
Procurador-Geral de Justiça, o Conselho Superior, o Corregedor-Geral, os
Procuradores de Justiça e os Centros de Apoio Operacionais podem expedir
recomendações, orientação, informações técnico-jurídicas e atos normativos,
relacionados aos Promotores de Justiça, mas sem caráter vinculativo
(fica a
critério de cada um segui-los), conforme consta dos artigos 10, inciso XII; 15,
inciso X; 17, inciso IV; 33, incisos II e V da LONMP.
Sauwen Filho faz oportuna observação sobre o assunto:
111
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 202.
MARQUES, José Frederico. Opus cit., p.175.
113
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 203.
112
67
O que não se pode, contudo, admitir é a imposição a um membro do
Ministério Público, no exercício de suas funções, por órgão da
Administração Superior ou qualquer outra autoridade estatal, de um
comportamento em relação à determinada matéria cuja solução dependa
114
de sua convicção.
No art. 127, § 1º, da CF estão previstos os princípios
institucionais da unidade e da indivisibilidade que também são reproduzidos pela
LONMP.
Unidade significa que o Ministério Público, na Constituição
Federal, é considerado um só órgão, sob a direção de uma única chefia. O
princípio da indivisibilidade quer dizer que os membros do Ministério Público de
cada um dos ramos (Federal, Trabalho, Militar, Distrito Federal e Territórios e
Estados) podem ser substituídos uns pelos outros, segundo a forma prevista em
lei. Completando essas determinações, Mazzilli ressalta que não há unidade ou
indivisibilidade entre membros de Ministérios diversos; só há, dentro de cada
Ministério Público, e, assim mesmo, apenas dentro do limite da lei.115
2.5 O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL
Numa visão retrospectiva do Ministério Público, Geraldo
Batista de Siqueira, no artigo Promotor ad hoc e o princípio do promotor
natural116, referindo-se à tese de Paulo Cézar Pinheiro intitulada O Ministério
Público no processo civil e penal, afirma que a Constituição Federal de 1967 (art.
153, § 4º), a exemplo da ora vigente que proíbe a existência de tribunais de
exceção, nega também a base de sustentação jurídica ao chamado promotor ad
hoc, que seria o promotor de exceção. Mais adiante, lembra que os tribunais,
embasados no art. 2º da LC n. 40/1981, passaram a admitir a presença do
promotor natural, em qualquer etapa da relação processual, exemplificando com o
114
Opus cit., p. 213.
In Introdução ao Ministério Público. p. 71.
116
SIQUEIRA, Geraldo Batista de. Promotor ad hoc e o princípio do promotor natural. Ciência
jurídica – 67, p. 34, jan/.fev. 1996.
115
68
acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatado pelo Des. Marcos Elias
de Freitas Barbosa:
através dos princípios institucionais do Ministério Público, previstos pelo
art. 2º da Lei Complementar nº 40/81, consistente na sua “unidade,
indivisibilidade e autonomia funcional”, limites foram impostos aos
Poderes do Procurador-Geral de Justiça que não poderá, destarte,
através de mera portaria, fazer pura e simples designação de um
Promotor para o lugar ou para as funções de outro, salvo se para o
117
desempenho de funções administrativas ou afetas à instituição.
O art. 93 da LC n. 02/1990, de 12 de novembro de 1990, do
Estado de Sergipe adota o mesmo entendimento ao dispor que:
Nenhum membro do Ministério Público poderá ser afastado do
desempenho de suas atribuições, nos procedimentos em que oficie ou
deva oficiar, exceto por motivo de interesse público ou, por
118
impedimentos decorrentes de férias, licença ou afastamento.
Embora os tribunais caminhassem para um entendimento
único quanto à impossibilidade de nomear-se promotor ad hoc, sob a égide da LC
n. 40/1981, ainda vigorava, nessa época, a ação penal ex officio, iniciada
mediante portaria ou auto de prisão em flagrante expedidos por magistrado ou
delegado de polícia, numa afronta à imparcialidade que deve nortear a atuação
judicial. O magistrado, ao dar início à ação penal mediante portaria, assumia
duplo papel, de acusador e julgador, situação esdrúxula que representava
exceção ao exercício da acusação pelo Ministério Público. Tanto foi contestada
essa autorização anômala da Lei n. 4.611/1965, que o STF se viu obrigado a
editar a Súmula n. 601, de 17 de outubro de 1984, com o seguinte teor:
Os artigos 3º, II e 55 da Lei Complementar 40/1981 (Lei Orgânica do
Ministério Público) não revogaram a legislação anterior que atribui a
iniciativa para a ação penal pública, no processo sumário, ao juiz ou à
119
autoridade policial, mediante portaria ou auto de prisão em flagrante.
117
Idem, ibidem.
BRASIL. Lei Complementar. Disponível em:
<http://www.mp.se.gov.br/3%20legislação/Institucional/Lei%20Complementar%20nº%200021990%20-%20Lei%20Orgânica%20do%20MP%20Sergipe%20%20Alterada%20e%20Consolidada.pdf>. Acesso em: 29 de agosto de 2009.
119
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 601 de 17 de outubro de 1984. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(601.NUME.)%20NAO%20
S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 1º de setembro de 2009.
118
69
Superada, definitivamente, a fase da ação penal pública ex
officio com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – que, como se viu,
reserva ao Ministério Público a exclusividade da penal pública (art. 129, inc. I) –,
surge, no HC n. 67.759-2/RJ, de 1990 (DJ de 1º de julho de 1993), a discussão
sobre a existência do princípio do promotor natural.
Antes de ater-se às posições defendidas pelo Ministro Celso
de Mello (relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio de Mello, Carlos Velloso e
Sydney Sanches, de um lado, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves, de
outro, comenta-se o surgimento e conceituação do princípio do promotor natural.
Ao lado de Sérgio Demoro Hamilton, Jaques de Camargo
Penteado e Paulo Cézar Pinheiro, Mazzilli defendia, de forma precursora, ainda
em 1976, o princípio do promotor natural, com base nas garantias da
independência e inamovibilidade do Membro do Ministério Público, explicitando
que a inamovibilidade liga-se ao exercício das funções do promotor, e não à sua
presença física na Promotoria. Sustentava ainda, em decorrência, que o poder de
designação do procurador-geral não pode sobrepor-se às garantias do órgão do
Ministério Público nem sobrepor-se à discriminação de atribuições previstas em
lei. Com a edição da Carta Constitucional de 1988 passou, também, a
correlacionar o princípio do promotor de justiça natural com o princípio
constitucional de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente, consagrado direito fundamental inscrito no art. 5º, inc.
LIII, da CF. A autoridade competente para promover a ação penal pública é o
Ministério Público:
vemos que o princípio do promotor natural hoje faz parte do devido
processo legal. Sob este prisma, a norma do art. 5º, LIII, da Constituição
Federal, a nosso ver, deve também ser considerada, a um só tempo, o
princípio do juiz e do promotor com competência e atribuição legal para
120
oficiarem no caso.
Bruno Amaral Machado concorda com a primeira parte da
posição de Mazzilli e, depois de conceituar inamovibilidade, afirma que
Tal garantia ao membro do MP corresponde ao princípio do ‘promotor
natural’, que integra o devido processo legal, vedando o ‘acusador de
120
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. p. 204.
70
exceção’. Não se impede a designação de membro do MP para atuação
em processos determinados, desde que seja respeitada exigência legal
previamente estabelecida. Em outras palavras, caso existam critérios de
121
substituição.
Celso Quintella Aleixo, por sua vez, defende a segunda
parte da posição de Mazzilli – fundada no art. 5º, inc. LIII, da CF. Asseverando
que o princípio do promotor natural significa que as funções relativas à
determinada promotoria necessitam ser estabelecidas prévia e impessoalmente e
que, uma vez definidas, não podem ser retiradas, salvo se houver mudança de
atribuições devidamente aprovadas pelo Colégio de Procuradores de Justiça, em
processo administrativo específico. Ou seja, ninguém pode escolher quem será o
Promotor que irá processá-lo, ou o que irá participar do julgamento de seus
processos. Na sequência, explícita:
A necessidade da existência do princípio é a mesma do princípio do juiz
natural: evitar que haja o Promotor de exceção, ou de encomenda,
constituído para um caso específico. O Ministério Público, quando atua
como parte, embora formalmente parcial, é materialmente imparcial.
Embora processualmente ele possa ocupar o pólo ativo da relação
processual, do ponto de vista do direito material o Ministério Público é
imparcial, pois somente tem comprometimento com o interesse da
sociedade, que pode ou não ser contrário ao interesse daquele que
ocupa o pólo passivo no processo. É por isto que o Promotor pode lutar,
inclusive através de recursos, pela improcedência de um pedido contido
122
em uma ação que ele mesmo deflagrou. (O grifo é nosso.)
Para
Vladimir
Stasiak,
a
previsão
constitucional
da
inamovibilidade e da independência funcional, como princípios institucionais do
Ministério Público, assegura a existência do promotor natural, conceituando-o
como aquele com atribuições legais para atuar em determinada causa, que tenha
ingressado na carreira por meio de concurso público, e que não tenha sido
designado para um caso específico.123 (O grifou é nosso.)
Já Lopes atribui a teoria do promotor natural à inexistência
de hierarquia funcional entre os membros do Parquet.124
121
Opus cit., p.134.
In Uma Nova Perspectiva sobre a nomeação do Procurador-Geral de Justiça e o princípio do
Promotor Natural. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, n. 20, p. 52, jul/dez. 2005.
123
In O Princípio do promotor natural e sua relevância na administração da justiça. Revista dos
Tribunais. vol. 771, p. 495, jan. 2000.
124
Opus cit., p. 163.
122
71
No artigo Reflexões em torno do princípio do promotor
natural, publicado na Revista de Assuntos Criminais, da Procuradoria-Geral da
República, o Procurador da República Claudio Lemos Fonteles (ex-ProcuradorGeral) entende que o princípio do promotor natural não está radicado na
inamovibilidade, mas na independência funcional. Ele não vê incompatibilidade
entre o princípio do juiz e o do promotor natural, frente ao disposto no inciso LIII
do artigo 5º da CF. Fonteles repete a posição assumida nos autos do habeas
corpus do Rio de Janeiro acima mencionado, no qual se discutia a viabilidade ou
não de o Procurador-Geral de Justiça daquele Estado designar Promotor de
Justiça para acompanhar todos os inquéritos policiais que dissessem respeito à
operação bandeja, destinada a reprimir o tráfico de drogas. Ele endossa, ainda, o
significado que dá à expressão Paulo Cézar Pinheiro Cardoso, Membro do
Ministério Público Carioca:
A teoria do promotor natural ou legal, como anteriormente afirmado,
decorre do princípio da independência, que é imanente à própria
instituição. Ela resulta, de um lado, da garantia, de toda e qualquer
pessoa física, jurídica ou formal que figure em determinado processo que
reclame intervenção do Ministério Público, em ter um órgão específico do
parquet atuando livremente com atribuição predeterminada em lei, e,
portanto, o direito subjetivo do cidadão ao Promotor (aqui no sentido
lato), legalmente legitimado para o processo. Por outro lado, ela se
constitui também como garantia constitucional do princípio da
independência funcional, compreendendo o direito do Promotor de oficiar
nos processos afetos ao âmbito de suas atribuições.
Este princípio, na realidade, é verdadeira garantia constitucional, menos
dos membros do parquet e mais da própria sociedade, do próprio
cidadão, que tem assegurado, nos diversos processos em que o MP
atua, que nenhuma autoridade ou poder poderá escolher Promotor ou
Procurador específico para determinada causa, bem como que o
pronunciamento deste membro do MP dar-se-á livremente, sem qualquer
125
tipo de interferência de terceiros.
Independentemente de onde se vincule o surgimento do
princípio do promotor natural (que também alguns chamam de promotor legal), se
na garantia da inamovibilidade ou na da independência, ou do juiz natural, ou das
três hipóteses em conjunto, é pacífico na doutrina e na jurisprudência o
entendimento de que consagra sua existência para evitar designações arbitrárias
que visem atender interesses outros que não o cumprimento da lei e o do
125
CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro. Ministério Público no processo civil e penal: o promotor
natural – atribuição e conflito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 50.
72
convencimento pessoal de cada membro da instituição, regular e previamente
investido em atribuições expressamente definidas.
Conclui-se, então, que promotor natural é aquele membro do
Ministério Público com atribuições legais para atuar em determinadas matérias,
que não pode ser afastado do exercício de suas funções, por órgão da
Administração Superior ou qualquer outra autoridade estatal, salvo com seu
consentimento.
Com certeza, muito mais precisa e abrangente é a
conceituação de Carneiro, in verbis:
O Princípio do promotor natural pressupõe que cada órgão da instituição
tenha, de um lado, as suas atribuições fixadas em lei e, de outro, que o
agente, que ocupa legalmente o cargo correspondente ao seu órgão de
atuação, seja aquele que irá oficiar no processo correspondente, salvo
as exceções previstas em lei, vedado, em qualquer hipótese, o exercício
das funções por pessoas estranhas aos quadros do parquet.
Todo e qualquer ato do Procurador-Geral que contrarie tal princípio,
ainda que editado com aparência de legalidade como designações,
avocação, delegação e formação de grupos especiais, é absolutamente
nulo, incapaz de produzir qualquer tipo de efeito e sujeito a medidas
legais que visem ao restabelecimento da observância do princípio do
126
promotor natural,
Voltando à decisão do STF no HC 67.759-2/RJ, de 1990,
publicada no Diário da Justiça de 1º de julho de 1993, os Ministros Celso de Mello
(relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio de Mello e Carlos Velloso
posicionaram-se a favor da existência do promotor de justiça natural. A
divergência entre eles consistiu no entendimento do Min. Celso de Mello que,
embora admitindo sua existência constitucional, sustentava que ele só se tornaria
efetivo após a edição de lei infraconstitucional, enquanto os outros três
sustentavam sua imediata aplicabilidade. Por seu turno, o Ministro Sidney
Sanches não aceitava que a Constituição contivesse, explicita ou implicitamente,
o princípio do promotor natural, só reconhecendo a possibilidade de sua
instituição mediante lei. Já os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da
Silveira rejeitaram, simplesmente, a existência do princípio. Das acalentadas
discussões desenvolvidas na Suprema Corte de Justiça do país, resultou acórdão
assim ementado:
126
Idem, ibidem, p. 51.
73
‘HABEAS CORPUS’ – MINISTÉRIO PÚBLICO – SUA DESTINAÇÃO
CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS – A QUESTÃO
DO PROMOTOR NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 –
ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR
INOCORRÊNCIA
–
CONSTRANGIMENTO
INJUSTO
NÃO
CARACTERIZADO – PEDIDO INDEFERIDO.
O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema
constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações
casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de
exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica,
destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida
em que lhe assegura o exercício pleno e independente de seu ofício,
quanto a tutelar a própria coletividade a quem se reconhece o direito de
ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção
se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados,
estabelecidos em lei.
A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas de
independência funcional e da inamovibilidade dos membros da
Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o
poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade
institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo
hegemônico e incontrastável.
Posição dos Ministros Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence,
Marco Aurélio e Carlos Veloso. Divergência apenas quanto à
aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade de
interpositio legislatoris para o efeito de atuação do princípio (Ministro
Celso de Mello); incidência do postulado, independentemente de
intermediação legislativa (Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e
Carlos Veloso).
Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor
Natural mediante lei (Ministro Sidney Sanches).
Posição de expressa rejeição desse princípio consignada nos votos dos
Ministros Paulo Brossard, Octavio Galotti, Néri da Silveira e Moreira
127
Alves.
O disciplinamento legal a que se referiam os Ministros Celso
Mello e Sidney Sanches veio antes mesmo da publicação do acórdão em
destaque, embutido na Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (LONMP), que em
seu art. 10, inciso IX, letras f e g, limita a possibilidade do Procurador-Geral de
Justiça designar membros do Ministério Público às hipóteses de:
f) assegurar a continuidade dos serviços, em caso de vacância,
afastamento temporário, ausência, impedimento da suspensão do titular
de cargo, ou com consentimento deste;
g) por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais
afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão
previamente ao Conselho Superior do Ministério Público.
127
FONTELES, Claudio Lemos. Reflexões em Torno do Princípio do Promotor Natural. Revista de
Assuntos Criminais. Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República. 2ª Câmara de
Coordenação e Revisão. pp. 80-81.
74
Portanto, afora os casos de indeferimento de arquivamento
de inquérito policial, peças de informação ou inquérito civil, só é permitido ao
Procurador-Geral de Justiça substituir Promotor ou Procurador de Justiça no
exercício de suas funções processuais: a) se ele concordar em ser substituído; b)
quando a decisão for previamente confirmada pelo Conselho Superior do
Ministério Público.
Glauber S. Tatagiba do Carmo, Promotor de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, fornece pertinente conclusão ao tema:
Ora, os arts. 5º, LIII; 127, § 2º e 128, § 5º, I, b da Constituição Federal e
os arts.10, IX, g; 15, VIII; 24; 33, V, entre tantos outros da LONMP, são
regras embebidas pelo Princípio do Promotor Natural. Todas elas
possuem um sentido nuclear: o de que não é possível extirpar as
atribuições de um órgão de execução ou substituir um membro da
instituição titular de um órgão de execução por outro, salvo exceções
128
expressas.
Prevê o artigo 10, inciso IX, d, da Lei n. 8.625/1993, que o
Procurador-Geral de Justiça poderá, ele próprio, ou designar outro membro da
instituição para oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de
não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de
quaisquer peças de informação.
Ao examinar um inquérito policial ou peças de informação como estabelece o art. 28 do Código de Processo Penal -, o Promotor de Justiça
pode concluir não ser possível apresentar denúncia e, em consequência, postular
o arquivamento ao juiz competente. Se o juiz discordar dos fundamentos que
embasaram o pedido de arquivamento, deverá remeter o inquérito policial ou as
peças de informação ao Procurador-Geral de Justiça, e este oferecerá denúncia
ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no
pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender (art. 28
do CPP).
Quanto ao arquivamento de inquérito civil, o assunto está
disciplinado no art. 9º da Lei n. 7.347/1985, que trata da ação civil pública para
defesa de interesses difusos e coletivos. Uma vez concluído o inquérito civil
128
CARMO, Glauber S. Tatagiba do. Supremo Tribunal Federal e a revisão do princípio do
Promotor Natural. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, n. 21, p. 147, jan/jun. 2005.
75
instaurado para coleta de subsídios que possam embasar a ação civil pública, o
Promotor de Justiça pode concluir pela inexistência de fundamentos para propor a
ação, competindo-lhe, então, promover o arquivamento fundamentado do
inquérito, o qual deverá ser encaminhado ao Conselho Superior do Ministério
Público para reexame e homologação. Se o Conselho Superior discordar do
arquivamento postulado, cabe-lhe designar outro Membro do Ministério Público
para a propositura da ação civil pública (art. 9º, § 4º, da Lei n. 7.347/1985). Travase nesse caso, um conflito entre o art. 10, inc. IX, d, da LONMP e o art. 9º, § 4º,
da LACP, pois o primeiro reza que a designação de membro do Ministério Público
compete ao Procurador-Geral de Justiça e, ao segundo, que o encargo é
conferido ao Conselho Superior do Ministério Público. Sendo as duas leis de
mesma hierarquia, qual deverá ser aplicada? Decomain concilia a disposição da
LACP com o art. 30, da LONMP, sugerindo uma alternativa sensata e isenta:
Ora, se é incumbência do Conselho Superior decidir sobre a confirmação
ou não do arquivamento de inquéritos civis, nada sendo reservado nessa
matéria, à discrição do Procurador-Geral de Justiça, quer nesta lei, quer
em outras, claro está que ao Conselho Superior deve ainda ser
reservada a possibilidade de designação de outro membro do MP, que
não o autor da manifestação de arquivamento, para a propositura da
ação civil pública, entendimento inverso poderia colocar o Conselho
Superior do Ministério Público em situação de subordinação ao
Procurador-Geral de Justiça. Teria o Conselho que solicitar ao
Procurador-Geral a designação de membro da Instituição para a
propositura da ação. E se o Procurador-Geral, membro nato do Conselho
(inciso I deste artigo, bem como artigo 14, I, desta lei Infra), houvesse
votado pela confirmação do arquivamento do inquérito, sendo voto
129
vencido?
Nas duas situações analisadas há substituição do órgão do
Ministério Público, em virtude de discordância do pedido de arquivamento de
inquérito policial formulado, peças de informação ou inquérito civil, mas não se
constata ferimento ao princípio do promotor natural em si, senão consequência do
não acolhimento do pedido de arquivamento das referidas peças de investigação
pelos órgãos incumbidos de reexaminar, administrativamente, a decisão do órgão
de primeiro grau. Entretanto, a designação de outro membro do Ministério Público
implica total respeito ao princípio da independência funcional que detém todo
membro do Ministério Público.
129
Opus cit., p. 57.
76
A única exceção ao princípio do promotor natural encontrase na letra g, do inciso IX do artigo 10 da LONMP, que prevê a possibilidade do
Procurador-Geral de Justiça designar outro membro do Ministério Público por ato
excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro
membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho
Superior do Ministério Público. Logo, somente em situações extraordinárias,
devida e previamente autorizadas pelo Conselho Superior, pode ser afastado o
Promotor de Justiça de suas atribuições processuais.
A possibilidade do
afastamento discricionário é inaceitável, já que tem a finalidade de contemplar
interesses menores dos detentores do poder político ou econômico. Mazzilli,
assim se manifesta sobre o assunto:
O princípio do promotor natural não impede, pois, que, em situações
estritas e definidas na lei, seja afastado o promotor de justiça do
processo em que deveria atuar, ou removido da Promotoria de que é
titular. Cabe, assim: a) remoção compulsória, sob representação do
procurador-geral ou do corregedor-geral ao Conselho Superior do
Ministério Público ou até mesmo por determinação de ofício deste último
colegiado; b) afastamento cautelar, antes ou no curso de ação civil para
perda do cargo; c) suspensão cautelar durante processo disciplinar.
Nesses casos, caberá designação excepcional e fundamentada de outro
130
membro da instituição para oficiar no lugar do substituído.
Em nota de rodapé, na mesma obra e página, Mazzilli traz
dois exemplos que podem determinar o afastamento do Promotor de Justiça da
comarca ou do processo: quando Promotor de Justiça, em comarca do interior,
que se casar com a única juíza. Se nenhum deles tomar a iniciativa de buscar
promoção ou remoção voluntárias, em favor do interesse público, poderá haver
remoção compulsória sem caráter punitivo, pois ambos estariam impedidos de
oficiar simultaneamente nos processos. Ou, na situação em que, havendo
impedimento legal para oficiar num determinado processo, porém não querendo o
titular impedido afastar-se voluntariamente, arguido o incidente, poderá ser
designado outro Promotor de Justiça.
Com base no conceito de promotor natural, que, como se
viu, possui sede constitucional, cumpre analisar a regularidade ou não da práxis
estabelecida de nomear-se membro do Ministério Público para ofertar
130
In Regime Jurídico do Ministério Público. p. 206.
77
contrarrazões a recurso de apelação em processo crime, diverso daquele que
atuou na instrução do processo, quando a defesa invocar a aplicação do § 4º do
art. 600 do Código de Processo Penal, de 3 de outubro de 1941 – parágrafo
acrescido pela Lei n. 4.336, de 1º de junho de 1964 –, que autoriza ao apelante
apresentar razões de inconformidade no tribunal ad quem, quando assim o
declarar na petição ou termo de apelação.
Um
levantamento
efetuado
pelo
Centro
de
Apoio
Operacional Criminal, do Ministério Público de Santa Catarina, no mês de
setembro de 2009, num universo de 7 Estados, deixou patente que: a) no Estado
do Piauí as contrarrazões de recurso decorrentes da aplicação do § 4º do art. 600
do CPP são formuladas por Procuradores de Justiça; b) nos Estados de Santa
Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul, são formuladas por Promotores de
Justiça designados, salvo nos dois últimos Estados quando os processos são
originários das Capitais, os quais são remetidos às Promotorias de origem para
serem respondidos; c) nos Estados de Pernambuco, Mato Grosso do Sul e
Rondônia, após a apresentação das razões de apelação, os processos são
remetidos às Comarcas de origem para que sejam contra-arrazoados pelos
Promotores de Justiça que atuaram na instrução. Diante de tal diversidade de
procedimentos, cabe indagar: nas situações dos itens a e b não restaria sendo
violado o princípio do promotor natural?
Diversos são os autores que se debruçam sobre essa
questão. Para Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio
Scarance Fernandes é indiferente que as contrarrazões sejam apresentadas pelo
Promotor de Justiça da comarca onde tramitou o processo ou outro órgão do
Ministério Público designado:
Formuladas pelo réu as razões diretamente no tribunal, as contra-razões
podem ser elaboradas por promotor designado, ou pelo promotor da
causa. Se houver pedido de arrazoamento na superior instância, deve a
parte ser intimada para apresentar suas contra-razões, no momento
131
adequado, sob pena de nulidade.
Apesar do respeito que os ilustres autores merecem,
discorda-se da posição de indiferença assumida. A designação de Promotor de
131
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio
Scarance. Recursos no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 156.
78
Justiça que não oficiou no processo constitui violação ao princípio do promotor
natural, sem qualquer amparo nas hipóteses de substituição previstas na LONMP.
Rômulo de Andrade Moreira, no artigo intitulado O art. 600, §
4º, CPP e as contra-razões do Ministério Público – os princípios do promotor
natural e da independência funcional, ao enfocar o disposto no art. 5º, inc. XXXVII
e LIII, da CF – em que, segundo seu entendimento, reside o princípio do promotor
natural –, afirma:
Com, efeito, obedecendo-se a este princípio, o único Promotor de Justiça
com atribuições para oferecer contra-razões de uma apelação interposta
nos autos de uma ação penal é, induvidosamente, o Promotor de Justiça
que atua perante a respectiva vara criminal, cujas atribuições estão
inclusive, pré-estabelecidas em lei (em sentido material), salvo justo e
comprovado impedimento (férias, promoção, remoção, etc). Fora daí é
usurpação de atribuições e, mais, macula ao referido princípio
constitucional, ao qual não se pode opor, por exemplo, o argumento da
celeridade, agilização, rapidez, etc. Aliás, a propósito, como dizia
Carnelutti, “se La giustizia è sicura non è rápida, se è rápida non è
132
sicura”. (O grifo é nosso.)
No mesmo artigo, após advertir que os princípios basilares
do Ministério Público são a independência e a autonomia funcionais, conclui
Moreira:
entendemos que no caso do art. 600, § 4º do Código de Processo Penal,
devem os autos ser remetidos ao Promotor de Justiça de primeira
133
instância para providenciar a feitura e a juntada das contra-razões.
O permissivo legal, introduzido pela Lei n. 4.336, de 1º
Junho de 1964 no artigo 600 do CPP, autorizando o apelante a requerer na
petição de recurso a apresentação de suas razões na superior instância, onde
será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes
pela publicação oficial não pode significar a substituição do órgão originário do
Ministério Público, autor da ação penal pública, que ainda não esgotou o exercício
de sua atribuição funcional no processo. Ademais, o puro e simples afastamento
do Promotor de Justiça atuante no processo fere o princípio do promotor natural.
132
MOREIRA, Rômulo de Andrade. O art. 600, § 4º, do CPP e as contra-razões do Ministério
Público – os princípios do promotor natural da independência funcional. Disponível em:
<http://jusvi.com/artigos/2206>. Acesso em: 5 de setembro de 2009.
133
Idem, ibidem.
79
A causa para adoção da referida medida processual – já que
foi introduzida em nosso ordenamento jurídico em 1964 – pode ter facilitado o
exercício da defesa dos acusados, após sentença condenatória, desobrigando
seus advogados (então, geralmente, radicados nas capitais) de realizarem longas
e penosas viagens ao interior para apresentarem suas razões de inconformismo,
às quais se refere Eduardo Silveira Melo Rodrigues. Todavia, hoje tal facilidade
não mais se justifica. Não só pela melhoria das estradas, incremento e ampliação
do transporte terrestre e aéreo, mas devido ao sensível aumento dos cursos de
direito no país - e consequente aumento do número de advogados com atuação
no interior dos Estados -, mas, também, pelas inovações tecnológicas trazidas
pela informática, que permitem a remessa on line das petições de recursos e das
próprias razões recursais, às Comarcas do interior. De qualquer modo, essa
prática enraizou-se em nosso sistema recursal, como demonstrou o levantamento
realizado ainda em 1990, pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, no
qual se concluiu que cerca da metade dos recursos de apelação cujos motivos de
inconformismo são apresentados diretamente ao Tribunal, no Estado de São
Paulo, é proveniente de feitos processados na própria Capital.134
O Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Ato
n. 67/91-PGJ, de 10 de setembro 1991, alterado pelos Atos n. 76/91, n. 061/92PGJ e n. 108/92, deu uma solução intermediária à hipótese do art. 600, § 4º, do
CPP. Ele atribuiu aos Promotores de Justiça Criminais oficiantes nos respectivos
processos oriundos da capital, dos foros regionais e dos tribunais do júri, bem
como aos Promotores de Justiça de falências, no que se refere aos crimes
falimentares, a função de rebater as razões de apelação. Quanto aos recursos de
apelação interpostos no interior, eles eram contra-arrazoados por Promotores de
Justiça designados pelo Procurador-Geral de Justiça.
Posteriormente, o Ato n. 091/96-PGJ, de 10 de junho de
1996, em observância ao art. 5º, inc. LIII, primeira parte da Constituição Federal, e
ao art. 10, inc. IX, g, da Lei n. 8.625/1993, que consagraram o princípio do
promotor natural, considerou que: a elaboração de contrarrazões, quando a
decisão impugnada for de primeira instância, é uma atribuição do Promotor de
134
RODRIGUES, Eduardo Silveira Melo. O Excepcional arrazoamento de recurso em segunda
instância (o artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal). Disponível em:
<http://www.justitia.com.br/Revistas/5d266d.pdf>. Acesso em: 8 de setembro de 2009.
80
Justiça que atua no respectivo processo; em virtude da garantia da
inamovibilidade, não se admite que o Promotor de Justiça, fora dos casos legais,
seja compulsoriamente afastado de suas funções; do mesmo modo, considerando
que a apresentação das razões do recurso diretamente no tribunal, para
satisfazer a comodidade do recorrente ou de seu advogado, não desloca o feito
do juízo a que foi distribuído, não pode servir para subtraí-lo do promotor natural,
resolveu o Senhor Procurador-Geral de Justiça:
Art. 1º. Na hipótese do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal, as
contra-razões devem ser elaboradas pelo Promotor de Justiça que atua
135
no respectivo processo.
Ora, o § 4º do art. 600 do CPP determina, em sua segunda
parte que, apresentada a petição ou termo de apelação por meio do qual se
requer a apresentação de razões na superior instância, serão os autos remetidos
ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos
legais, notificadas as partes pela publicação oficial. Como aos membros do
Ministério Público deve ser aberta vista pessoal dos autos, tão logo sejam
recebidos na Procuradoria-Geral de Justiça, nada obsta que se providencie o
devido encaminhamento à Promotoria de Justiça de origem.
O art. 610 do CPP, por sua vez, determina que os autos irão
imediatamente com vista ao Procurador-Geral pelo prazo de 5 (cinco) dias, e, em
seguida, passarão, por igual prazo ao relator, que pedirá designação de dia para
o julgamento. Por evidente, a par de a previsão legal constituir-se em exagerada
concentração de atribuições para o Procurador-Geral de Justiça, é impossível que
ele oficie pessoalmente em todos os processos, restando-lhe recorrer à
designação. A designação de Procurador de Justiça para oferecer contrarrazões
opõe-se à tradição de oficiar como custus legis nesse grau de jurisdição; mais:
não incumbe ao Procurador de Justiça arrazoar recurso algum, na medida em que
exerce suas atribuições junto aos tribunais (art. 31 da LONMP), cumprindo ao
Promotor de Justiça exercer atividades ministeriais junto aos órgãos de primeira
instância. Além disso, a designação de Promotor de Justiça para substituir quem
tenha oficiado na origem do processo, afronta o princípio do promotor natural
135
Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos
1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009.
81
consagrado constitucionalmente. Afastá-lo do processo não se circunscreve entre
as hipóteses previstas na LONMP, sobre as quais já se discorreu. Milita, ainda, a
favor da remessa dos autos ao promotor natural o fato de ele não haver esgotado
suas atribuições, posto que a apresentação de razões recursais no tribunal ad
quem não é capaz de sobrepor-se ao princípio em questão. Ademais, o texto do §
4º do art. 600 é anterior à Constituição Federal e sua interpretação necessita ser
adequada à nova diretriz estabelecida pela Constituição de 1988, como acontece
com os artigos 419 e 448 do CPP, que aventam a possibilidade de ser nomeado
promotor ad hoc, figura definitivamente eliminada do ordenamento jurídico-penal
em vigor.
Por fim, defende-se que, se houve motivo, em 1964, para
inserção da faculdade prevista no § 4º do art. 600 do CPP, na atualidade ela não
mais se justifica, impondo-se sua revogação. Enquanto isto não acontece, pelas
razões expostas, principalmente frente a sua incompatibilidade com o princípio do
promotor natural, resta ao Procurador-Geral determinar o encaminhamento dos
autos ao órgão ministerial que nele tenha atuado originariamente, tão logo
aportem à Procuradoria-Geral, a exemplo do que ocorria no Ministério Público
Paulista, conforme disciplinava o art. 2º do Ato n. 091-PGJ, de 10 de junho de
1996:
Art. 2º. Aberta a vista para as contra-razões, a Procuradoria-Geral
Justiça providenciará a pronta remessa dos autos à Promotoria
Justiça pertinente, cuja Secretaria, observando o prazo legal, cuidará
restituí-los, oportunamente, à origem, para envio à Procuradoria
136
Justiça a que o feito deva ser distribuído.
de
de
de
de
Infelizmente, em nome da comodidade, houve um retrocesso
na postura do Ministério Público Paulista, no que diz respeito à oferta de
contrarrazões de apelação, em processo-crime cuja defesa tenha optado por
oferecer suas razões de inconformidade perante o Tribunal de Justiça. O Ato n.
091/96 foi revogado pelo Ato Normativo n. 350-PGJ, de 29 de março de 2004. Ele
deixa
a
cargo
da assessoria do Procurador-Geral o oferecimento de
contrarrazões. Esse ato normativo, em seu art. 1º, abre por exceção – ao que
136
Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos
1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009.
82
deveria ser regra – a possibilidade do Promotor de Justiça de origem oferecer as
contrarrazões recursais, desde que tenha requerido antes da subida do feito ao
Tribunal de Justiça competente, a oportuna remessa dos autos com vista.137
Observa-se, uma discrepância ainda maior no atuar
ministerial, na esfera do Ministério Público Federal. O Procurador da República da
1ª Região, Paulo Queiroz, afirma que a prática, naquela instituição, é nomear um
segundo Procurador da República, para exercer o papel de autor da ação penal
pública, ou seja, num mesmo processo penal, em que a defesa do réu haja
optado por apresentar razões em grau recursal, funcionam dois membros do
Ministério Público: um como autor da ação e outro como custus legis:
O mais importante reside, no seguinte: a distinção entre autor e fiscal da
lei, apesar de tradicional e recorrente, é infundada, porque pressupõe
dualidade onde existe ou deve existir unidade. Com efeito, por ser
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado (CF,
art. 127), sua missão constitucional em todos os processos em que
intervém, é sempre a mesma, independentemente de quem a represente
(Promotor, Procurador etc.) e da capacidade ou grau de jurisdição (juízo,
tribunal, conselhos etc.) em que atue. Além disso, por ser a instituição
una/indivisível, não parece razoável que possa se fazer representar,
autonomamente, por mais de um membro num só processo, não raro
para repisar os mesmos argumentos. Aliás, exatamente por isso,
ninguém propõe que, na primeira instância ou nas ações penais
originárias, atuem dois Promotores/Procuradores, um como autor da
ação penal, outro como fiscal da lei.
Essa situação (duas ou mais intervenções) é ainda mais incompatível
quando, nas apelações criminais, o apelante, valendo-se do disposto no
art. 600, § 4º, do Código de Processo, apresenta razões em segundo
grau, quando é então designado um Procurador Regional para
apresentar contra-razões e outro para atuar como fiscal da lei, como se
representassem instituições distintas ou cumprissem funções
138
institucionais diversas. (O grifo é nosso.)
Impressiona a constatação de que em toda essa alentada
discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a existência e respeito ao princípio
do promotor natural circunscreva-se a atuação dos membros do Ministério Público
de primeiro grau! Como se os membros do Ministério Público de segundo grau
pertencessem a outra instituição e, por isso, estariam dispensados de respeitar
esse princípio.
137
Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/Page/portal/chefia_gabinete/atos/atos
1996/448FF05CA>. Acesso em: 14 de setembro de 2009.
138
QUEIROZ, Paulo. Sobre a intervenção do Ministério Público em Segundo Grau. Boletim dos
Procuradores da República n. 75, jul/2007. p. 16
83
A Constituição Federal não estabelece nenhuma diferença
entre os membros do Ministério Público, oficiem eles no primeiro ou no segundo
grau de jurisdição. Ambos possuem as mesmas garantias, prerrogativas e
vedações, incumbindo-lhes desempenhar as mesmas funções institucionais, com
observância da respectiva esfera de atuação. Devem respeitar os mesmos
princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional, como o do
promotor natural (art. 5º, inc. LIII, CF). De modo que não é razoável, muito menos
constitucional não se submeterem às mesmas regras de repartição de atribuições
aqueles que representam o Ministério Público perante os tribunais.
Se à lei e ao Conselho Superior dos Ministérios Públicos
compete fixar atribuições para a uma ou outra Promotoria de Justiça, de maneira
que quando provida mediante opção, remoção ou promoção por determinado
Promotor de Justiça ele só possa ser afastado nas hipóteses previstas no inciso
IX, letras f e g, do art. 10, da LONMP, são incompreensíveis as razões pelas
quais essa normativa não se estende ao segundo grau Ministerial.
O costume que permeia a falta de especificação das
atribuições afetas às Procuradorias de Justiça deve ceder espaço ao moderno
Ministério Público defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, sob pena de seus membros serem
tomados pela apatia, desinteresse e conformismo com a exclusiva produção de
peças que pouco influenciam o destino das causas sobre as quais se pronunciam
como meros opinadores, desvinculados dos compromissos assumidos perante à
sociedade e indiferentes à realidade na qual foram construídos.
Apesar de o Procurador de Justiça desenvolver atribuições
residuais em relação ao Procurador-Geral de Justiça (art. 31, LONMP), o primeiro
é o Promotor Natural das causas que tramitam em segundo grau de jurisdição. As
exceções que permitem ao membro do Ministério Público de primeiro grau
provocar a segunda instância de jurisdição - habeas corpus, mandado de
segurança, reclamações e ações diretas de inconstitucionalidade de leis e normas
municipais em Santa Catarina - limitam-se a autorizá-lo a postular junto ao
tribunal, mas quem postula no tribunal e, consequentemente, torna-se o promotor
natural destas ações é o Procurador de Justiça. E, municiado como está com as
garantias da inamovibilidade e da independência funcional, não pode ser
84
afastado, nem se afastar, da obrigação legal de atuar nas matérias de sua
atribuição, submetendo-se unicamente ao comando da lei e a sua convicção
pessoal.
Ademais, como se afirmou, as atribuições dos Procuradores
de Justiça podem e devem ser definidas administrativamente pelo Colégio de
Procuradores de Justiça, conforme acontece com aquelas afetas aos Promotores
de Justiça, sem que haja necessidade de lei específica para defini-las. Nesse
ponto os entrevistados Ministro Herman Benjamin (anexo 1), Procuradores de
Justiça Alberton (anexo 3), Cota (anexo 6) e Coppeti (anexo 9), os
Desembargadores Medeiros (anexo 4), Sommariva (anexo 7) e Paladino (anexo
8) concordam com a desnecessidade de lei para definir as atribuições dos
Procuradores de Justiça, enquanto a Minª Eliana Calmon (anexo 2) concorda
parcialmente com a posição, pois entende que haja necessidade de mudança
legislativa na área cível.
Como a Resolução n. 04/2001 do Ministério Público de
Minas Gerais, republicada com alterações em 24 de maio de 2005, que criou a
Procuradoria de Justiça de Direitos Coletivos e Difusos com atribuição exclusiva
para atuar como parte nos recursos interpostos em ações civis públicas e
populares139, o Ato n. 226/2007,CPJ, de 27 de junho de 2007, de Santa Catarina,
exemplifica a possibilidade e legalidade da definição de atribuições aos membros
do Ministério Público de segundo grau, pois cria na Procuradoria de Justiça Cível
o Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério
Público e define sua estrutura e âmbito de atuação (anexo 10), o qual,
infelizmente, não chegou a ser operacionalizado.
Aliás, além de comprovar a possibilidade da fixação
administrativa de atribuições aos Membros do Ministério de segundo grau, a
Resolução n. 04/2001 e o Ato n. 226/2007 prestam-se para demonstrar a
preocupação com a orfandade em que são lançadas as ACPs intentadas pelos
Promotores de Justiça, quando em grau de recurso. Ações que, não raras vezes,
visam assegurar a sobrevivência de um ecossistema ou a implementação de
serviços de saúde para atender toda uma comunidade desassistida pelo poder
139
Disponível em: http://www.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/3827 Acesso em: 9 de
janeiro de 2010.
85
público, por exemplo. Portanto, é o próprio Ministério Público que vem expondo
sua preocupação com o conflito de identidade dos membros de seu segundo
grau, situação tratada no item 3.3 deste trabalho e nas entrevistas efetuadas. Isso
porque, além de comprometer a continuidade do trabalho desenvolvido em
primeiro grau, prejudica, principalmente, o compromisso assumido perante a
coletividade ao serem ajuizadas as ações civis públicas. Extensivamente,
prejudica o compromisso e o destino das ações penais públicas e de improbidade
administrativa, como também, das populares, cuja titularidade o Ministério Público
teve que assumir frente ao abandono do autor.
É importante repetir a opinião dos entrevistados sobre a
posição de custus legis assumida em segundo grau pelo Ministério Público: a) ela
é um equívoco (Herman Benjamin, anexo 1); b) a questão é que dar parecer por
dar parecer é uma situação retrógrada (Medeiros, anexo 4); c) rigorosamente a
atuação do Ministério Público ou ela persiste como autor da ação ou ela não se
justifica (Alberton, anexo 3); d) e arremata Cota: sou favorável a extinguir a
postura de custus legis. O Ministério Público será sempre autor, com as
implicações naturais, podendo inclusive pedir absolvição, por exemplo, nos
processos crimes. (Anexo 6.)
Embora haja exceções, em 90% das ACPs propostas pelo Ministério
140
Público Federal ou pelos Ministérios Públicos Estaduais, no STJ ele
não se manifesta. A regra é o silêncio, até porque para intervir com a
mesma qualidade do autor, tem que conhecer profundamente os fatos,
as teses jurídicas e a matéria. A meu juízo é um milagre que o Ministério
Público Estadual ou Ministério Público Federal obtenham ganho de
causa nas ACPs de grande repercussão no STJ porque, na maior parte
das vezes, há um silêncio ministerial absoluto do autor da ação.
(Herman Benjamin, anexo 1.)
Logo, o Ministério Público brasileiro não pode mais se omitir
de repensar a posição de custus legis assumida pelo segundo grau nas causas
de autoria do próprio Ministério Público que, além de não atender as atribuições
inseridas na CF, está longe de atender ao interesse da sociedade, principal
destinatária das suas ações.
140
Refere-se ao Membro do Ministério Público presente a sessão de julgamento que se limita a
atuar como custus legis.
86
No próximo capítulo, depois de tratar das funções típicas e
atípicas do Ministério Público, será enfrentado o conflito de identidade que as
diferentes funções institucionais, exercidas nas duas etapas processuais, suscita
internamente na instituição, pois rompe com o princípio do promotor natural. A
diferença já vem sendo percebida no mundo jurídico e breve será percebida pela
sociedade que poderá colocar em dúvida a necessidade de existir um custus legis
em segundo grau, e discutir o custo financeiro que a prática representa.
Descortina-se, ainda, no próximo capítulo, o caminho aberto
pela política jurídica a fim de viabilizar um redirecionamento das ações do
Ministério Público de segundo grau para que cumpra com os seus deveres sociais
e afaste a névoa de inconstitucionalidade que envolve sua atuação processual.
87
CAPÍTULO 3
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO
GRAU
3.1 FUNÇÕES TÍPICAS
A vocação do Ministério Público é atuar com maior
intensidade nas funções que lhe são típicas, isto é, que lhe são próprias, como
promover as ações penal e civil públicas, a ação de improbidade administrativa, a
ação direta de inconstitucionalidade, defender a ordem pública, o regime
democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, zelar pelo respeito
aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos
assegurados na Constituição, entre outras.
No âmbito penal, o Ministério Público atua (ou deveria atuar
sempre) como parte, pois age em nome do Estado no desempenho de seu
poder/dever de punir quem comete crime ou contravenção. Não há dúvida quanto
a essa posição processual junto à primeira instância judicial. Já na segunda
instância a questão é discutível, pois o Ministério Público assume a posição de
fiscal da lei (custus legis), assunto do próximo item.
O Ministério Público pode atuar no processo civil tanto na
condição de órgão agente (parte) como na de órgão interveniente (fiscal da lei,
custus legis). Todavia, no entendimento de Mazzilli, que se apóia na lição de
Cândido Rangel Dinamarco,
88
essa distinção não satisfaz, primeiro porque não enfrenta em
profundidade todos os aspectos da atuação ministerial; em segundo
lugar, porque, nem por ser fiscal da lei, deixa o membro do Ministério
Público de ser titular de ônus e faculdades processuais, e, portanto, deve
141
sempre ser considerado parte, para todos os fins processuais.
O autor também defende que a análise da atuação do
Ministério Público, na área civil, deve ser vista sob o prisma da forma como
desempenha seu papel, para que se compreenda a causa e a finalidade dessa
mesma atuação:
a)
autor, por legitimidade ordinária (como nas ações de nulidade de
casamento, nas ações diretas de inconstitucionalidade e outras, nas
quais age por legitimação ordinária, como órgão do Estado);
b)
autor, por substituição processual (como nas ações civis públicas
ambientais, ou ainda, em caráter subsidiário, na defesa da vítima pobre
na ação reparatória ex delicto, ou também na defesa do incapaz na ação
de investigação de paternidade);
c)
interveniente em razão da natureza da lide (como nas ações
diretas de inconstitucionalidade, mandado de segurança, ação popular,
questão de estado da pessoa etc., quando age em defesa da ordem
jurídica, desvinculado a priori dos interesses das partes);
d)
interveniente em razão da qualidade da parte (como nas ações em
que haja interesse de incapazes, acidentado do trabalho, indígena,
pessoa portadora de deficiência etc., quando, mais que ser um mero
custos legis (sic) exerce antes uma verdadeira atuação protetiva ou
assistencial, em favor da parte hipossuficiente);
e) réu (como nos embargos do executado ou nos de terceiro, quando
o próprio Ministério Público seja o exequente, ou ainda nas ações
rescisórias de sentença proferida em ação civil pública movida pela
142
instituição).
Questão tormentosa é a de interpretar o alcance da parte
final do inciso III do art. 82 do CPC, que estabelece a intervenção do Ministério
Público nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou qualidade da parte. Sobretudo quando a falta de participação
do Ministério Público acarreta a nulidade do processo (art. 84 do CPC).
De acordo com o mencionado no item 2.1, é indiscutível e
tradicional a intervenção ministerial nas demandas que envolvem interesses de
incapazes e naquelas que dizem respeito ao estado da pessoa, pátrio poder,
tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de
última vontade (incisos I e II do art. 82 do CPC). Situação inteiramente diversa
141
In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2007. pp.79-80
142
Idem, ibidem, p.80
89
ocorre com a expressão interesse público, em face de sua generalidade. Doutrina
e jurisprudência procuram esclarecê-la. Alguns defendem a intervenção do
Ministério Público em todos os feitos para fiscalizar a correta e imparcial aplicação
da lei. Essa interpretação, naturalmente, não condiz com a limitação imposta no
inciso III do art. 82 do CPC, além de ser infactível ante a realidade institucional,
intervir em todos os feitos, antes de encerrar um benefício, poderia
representar um entrave, repudiado por todo o corpo social –
notadamente porque uma intervenção concebida e operada em tais
dimensões acabaria por consagrar mais um culto cartorial e formalístico,
despiciendo e oneroso, do que uma política voltada à geração de
143
resultados úteis e efetivos.
Na definição formulada por De Plácido e Silva, interesse
público,
ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de
proveito coletivo ou geral. Está, pois, adstrito a todos os fatos ou a todas
as coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral,
144
ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva.
Mazzili vai além ao afirmar que: Embora não haja consenso
sobre a noção de interesse público, essa expressão tem sido predominantemente
utilizada para alcançar o interesse e o proveito social ou geral, ou seja, interesse
da coletividade, considerada em seu todo.145 Portanto, não se justifica a
intervenção do Ministério Público em ações de cunho meramente patrimonial em
que participem a União, Estados ou Municípios, sem evidência de interesse geral
vinculado a fins sociais, ao bem-comum, consoante se posicionou o STF:
Ação ordinária de indenização movida por Prefeitura Municipal contra
empresa privada. Intervenção do Ministério Público. Interpretação do
inciso III, do artigo 82, do Código de Processo Civil. No exame de cada
caso deve o julgador identificar a existência ou não do interesse público.
O fato de figurar na relação processual pessoa jurídica de direito público
ou entidade da Administração indireta não significa, por si só, a presença
de interesse público, de modo a ensejar a obrigatória atuação do
143
ALBERTON, José Galvani. A Intervenção do Ministério Público frente à hipótese contemplada
no art. 82, III, fine, do Código de Processo Civil. Atuação: Revista Jurídica do Ministério
Público Catarinense. Procuradoria-Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério
Público, Florianópolis, n. 2, p. 65, jan./abr. 2004.
144
SILVA, De Plácido e. Opus cit., p. 760.
145
In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. p. 45.
90
Ministério Público. O interesse público, aí, quer significar um interesse
geral ligado a valores de maior relevância, vinculados aos fins sociais e
às exigências do bem comum que a vontade própria e atual da lei tem
em vista. Na espécie, há simples ação de indenização a envolver o
interesse patrimonial do município, sem repercussão relevante no
interesse público, de modo a justificar a intervenção prevista no n. III, do
art. 82 da Lei Adjetiva Civil. Recurso extraordinário conhecido em face do
dissídio jurisprudencial, e provido. (RE 90.286-4 – PR – 2ª T. – j.
146
28.09.1979 – rel. Min. Djaci Falcão – v. u. STF)
O entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é
o mesmo:
Processual. Competência – Ação Declaratória de Inexistência de
Obrigação Tributária – Juízo da Fazenda – Comarca do Interior –
Admissibilidade – precedentes da Corte nesse sentido. Ministério Público
– Interesse da Fazenda Pública – Intervenção desnecessária. Segundo a
remansosa jurisprudência, guardando a anulatória e a declaração de
inexistência de débito tributário similitude com as cautelares e, portanto,
acessoriedade com a execução fiscal, a competência para o processo é
do Juízo do devedor. ‘O interesse público de que trata o art. 82, III, do
CPC não acarreta a intervenção obrigatória do parquet nas lides em que
haja interesse da Fazenda Pública, portanto tem ela representante
próprio e privilégio ao duplo grau de jurisdição.’ Decisão: por votação
unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. (AI nº
9369, Joinville, rel. AMARAL E SILVA, in DJ, nº 9232, de 12.05.1995, p.
147
10).
É inegável a resistência interna para com a interpretação
restritiva da autuação do Ministério Público na área cível que se defende, sob o
fundamento de perda de espaço processual. Há críticas, também, quanto à
elasticidade interpretativa da expressão interesse público, pois poderia induzir
membros do Ministério Público a tomarem gosto pela omissão, procurando,
simplesmente, livrar-se dos processos. Em nenhum dos sentidos defende-se o
atuar ministerial. Há questões de relevância e urgência que necessitam a atenção
do Ministério Público para o efetivo cumprimento das atribuições relevantes que
lhe foi guindada pela sociedade e inseridas na Constituição Federal em busca da
verdadeira e almejada JUSTIÇA SOCIAL.148
É procedente a preocupação de otimizar e racionalizar a
intervenção do Ministério Público no processo civil em face da evolução
146
LEX. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ano 2. Janeiro de 1980. n. 13, p. 207.
Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=800 Acesso em: 16 de outubro de
2009.
148
ROCHA, Rosan da. Atribuições e atuações dos membros do Ministério Público nas
causas cíveis frente ao ordenamento jurídico e à necessidade social. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=800>. Acesso em: 1º de outubro de 2009.
147
91
institucional, a fim de adaptá-la ao novo perfil traçado pela Constituição Federal
que prioriza a defesa dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis,
na qualidade de órgão agente e a
justa expectativa da sociedade de uma eficiente, espontânea e integral
defesa dos mesmos interesses notadamente os relacionados com a
probidade administrativa, a proteção do patrimônio público e social, a
qualidade dos serviços públicos e de relevância pública, a infância e
juventude, as pessoas portadoras de necessidades especiais, os idosos,
149
os consumidores e ao meio ambiente, (O grifo é nosso.)
O Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério
Público dos Estados e da União enfrentou a questão em destaque ao editar a
Carta de Ipojuca (PE), em 13 de maio de 2003, na qual considera exclusividade
do Ministério Público na identificação do interesse que justifique a intervenção da
Instituição na causa.”150 (O grifo é nosso.) E, sem caráter normativo e vinculativo,
propõe:
Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro
da Instituição, ao verificar não se tratar de causa que justifique a
intervenção, limitar-se a consignar concisamente a sua conclusão
151
apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos.
A orientação também dispensa a atuação de mais de um
órgão do Ministério Público em ações individuais ou coletivas (parte e fiscal da
lei). Quando há sua intervenção, em caso de recurso interposto pelas partes,
faculta ao agente ministerial de primeiro grau resguardar-se para manifestação,
tão somente, sobre a admissibilidade recursal; a Carta, ainda, relaciona
demandas e hipóteses em que considera desnecessária a intervenção ministerial.
A partir da Carta de Ipojuca, os Ministérios Públicos
Estaduais passaram a editar atos dando efetividade às orientações nela inseridas
com interpretação teleológica dos preceitos. Foi o caso de Santa Catarina que,
por intermédio do Ato n. 103/2004 PGJ, de 5 de outubro de 2004, instituiu a
possibilidade de intervenção ministerial que chamou de meramente formal,
explicitando no parágrafo 1º do artigo 1º, que:
149
Disponível em: <http://200.189.113.44/cgmp/Carta_Ipojuca.html>. Acesso em: 6 de maio de
2008.
150
Idem, ibidem.
151
Idem, ibidem.
92
§ 1º Considera-se meramente formal a intervenção que, muito embora
decorra de interpretação de dispositivo legal, não importe,
necessariamente, no exercício de defesa de interesse tutelável pelo
152
Ministério Público.
O parágrafo 3º do mesmo artigo desaconselha que, na
intervenção meramente formal, seja invocada somente a inexistência de interesse
público. A manifestação deve, pois, ser fundamentada com suporte no que os
autos contêm e decorrer de consciente convencimento do examinador, não
importando em renúncia do direito de receber o processo (§ 1º do art. 3º), já que a
tramitação processual poderá revelar situação que altere o entendimento do
órgão ministerial. No artigo 3º são relacionadas, em 25 itens, hipóteses de
intervenção formal tais como: habilitação ao casamento, separação judicial
consensual, ação declaratória de união estável; ação de alimentos e revisional
entre pessoas capazes, procedimentos de jurisdição involuntária que não
envolvam pessoas incapazes, requerimento de falência, ação de desapropriação
indireta sem presença de incapazes; ações anulatórias de ato administrativo,
embargos de terceiro, conflito de incompetência, impugnação ao valor da causa,
mandado de segurança que trate de licenciamento de veículos e ação de
cobrança, indenizatória, possessória ou de despejo em que forem partes Estado e
Município, as respectivas fazendas públicas, ou empresas a eles vinculadas,
dentre outras.
A posição do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais
do Ministério Público, portanto, revela a tendência do Ministério Público Brasileiro
de fixar sua atuação nas causas constitucionalmente previstas, deixando os
interesses individuais a cargo dos advogados e das defensorias públicas.
152
Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/portal_detalhe.asp?Campo=1931&secao_id>.
Acesso em: 22 de setembro de 2009.
93
3.2 FUNÇÕES ATÍPICAS
Funções atípicas são atribuições conferidas ao Ministério
Público que confrontam sua destinação global.
Há quem defenda que as funções atípicas do Ministério
Público estão inseridas nas atividades extrajudiciais, quando atua como
conciliador, investigador e quando intermedia a solução de conflitos extrajudiciais.
Todavia, esta posição não se mostra totalmente correta já que a Constituição
Federal outorgou ao Ministério Público a exclusiva iniciativa de promover o
inquérito civil (inciso III do artigo 129 da CF), função eminentemente extrajudicial
que se destina a compor questões de grande alcance social, como na defesa dos
interesses
coletivos,
difusos
e
individuais
homogêneos.
Chegando
ao
conhecimento do membro do Ministério Público que a água distribuída à
população de determinada cidade estaria fora dos padrões de potabilidade
estabelecidos para consumo humano, incumbe-lhe instaurar inquérito civil para
investigar, coletar documentos, requisitar a realização de perícias, recolher
depoimentos, etc. a fim de esclarecer devidamente o assunto. Convencido do
ferimento de direito coletivo, pode propor a efetivação de termo de ajustamento de
conduta com a entidade responsável pela coleta e distribuição de água, para que
sane as irregularidades constatadas dentro de cronograma definido. Uma vez
aceita a pactuação, será descartada a judicialização da questão, pelo menos
enquanto os itens acordados forem cumpridos. Outra hipótese de desnecessidade
de aforamento de ACP ocorre quando, concluída a investigação, o representante
do Ministério Público constata a inocorrência de ofensa ao direito que se disse
transgredido, ou, no decorrer do próprio inquérito civil, o indiciado adota as
providências necessárias e regulariza a questão impugnada.
Ao longo da história da instituição, ela exerceu algumas
funções incompatíveis com a sua destinação, a exemplo da defesa judicial dos
interesses patrimoniais da União, que hoje lhe é vedada pelo art. 129, inc. IX, da
CF, e da comprovação de tempo de atividade rural para fins de aposentadoria,
conforme dispunham os incisos III e IV, parágrafo único do art. 106, da Lei n.
8.213/1991, hoje revogados.
94
É pertinente o entendimento de Mazzilli no sentido de que
ainda
exercita atualmente o Ministério Público algumas funções atípicas, de
forma supletiva, como: a) o patrocínio do reclamante trabalhista onde
não haja Justiça do Trabalho (CLT, art. 477, § 3º; Lei 5.584, art. 17); b)
assistência judiciária aos necessitados onde não haja órgãos próprios da
Defensoria Pública; c) a substituição processual das vítimas pobres de
crime, nas ações ex-delicto (CPP, art. 68); d) a substituição processual
do réu revel ficto onde ainda persista essa atribuição (CPC, art. 9º, II, e
parágrafo único). Doravante, nessas hipóteses, à medida que se
implantem os órgãos competentes das Defensorias Públicas, a eles deve
153
vir a caber a assistência judiciária aos necessitados.
Cabe acrescentar a assistência nas rescisões de contrato de
trabalho, onde não houver Sindicato ou representante do Ministério do Trabalho
(art. 477, § 3º, da CLT), bem como a homologação de acordo de alimentos
celebrado por escrito entre as partes, o qual valerá como título extrajudicial (art.
57, § único, da Lei n. 9.099/1995).
Mazzilli conclui que o mais correto seria dizer que o
Ministério Público atua sempre que estiver em jogo interesse indisponível, seja ele
individual ou coletivo, fazendo o alerta de que, embora disponível o interesse
individual homogêneo, dependendo de sua natureza, abrangência e expressão
social, também, deverá atuar.154 Neste contexto insere-se a decisão que se
transcreve:
LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. Ativa. Ministério Público. Ação
Civil Pública. Demanda sobre contratos de financiamento firmados no
âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Tutela de direitos e
interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social.
Pertinência ao perfil institucional do MP. Inteligência da CF 127 e 129, III
e IX. Precedentes. O MP tem legitimação para ACP em tutela de
interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como
os de mutuários em contratos de financiamento pelo sistema Financeiro
da Habitação [...]. (STF, 2ª T., RE 470135 AgR-ED/MT, rel Min. Cezar
155
Peluzo, j. 22.05.2007, DJU 29.06.2007, p. 138)
153
In Introdução ao Ministério Público, p. 127.
Idem, ibidem, p.128.
155
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RE%20470135("CEZAR%2
0PELUSO".NORL.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO".NORV.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO".
NORA.%20OU%20"CEZAR%20PELUSO".ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 29 de
agosto de 2009.
154
95
Importa evidenciar que o Ministério Público, atuando em
função típica ou atípica, sempre age em busca do interesse público, do bem geral
da coletividade, como ensina Mazzilli na obra Introdução do Ministério Público.
Esse autor exemplifica quais são as ações típicas que podem provocar a atuação
do Procurador de Justiça:
a) como autor, propondo, entre outras, a ação rescisória, o habeascorpus, o mandado de segurança, a ação civil ou a ação penal públicas
originárias dos tribunais etc.; b) como interveniente em razão da
natureza da lide, desvinculado à qualidade das partes, em ações de
nulidade de casamento ou mandados de segurança; c) como assistente
ad coadjuvandum, em ação de competência originária ou recursal dos
tribunais, na qual se justifique sua intervenção protetiva pela qualidade
da parte, o que ocorre sempre que haja interesses de índios, incapazes,
ou pessoas portadoras de deficiência; d) como substituto processual e
autorizado pela legislação local, propor, v.g. ação civil pública em defesa
de interesses coletivos de consumidores ou de investidores no mercado
156
de valores mobiliários.
Convém destacar, igualmente, que a divisão das funções
típicas e atípicas em matéria cível não atinge os Procuradores de Justiça, uma
vez que atuam junto aos tribunais, razão pela qual não realizam nenhuma das
funções atípicas enumeradas. A única exceção – para quem considera todas as
atividades extrajudiciais funções atípicas – é a instauração de inquérito civil que
pode ser de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça.
3.3 IDENTIDADE ONTOLÓGICA DO PROCURADOR DE JUSTIÇA
Consoante já destacado no subtítulo 2.2, a LONMP não
realiza maiores incursões nas atribuições dos Procuradores de Justiça. O
parâmetro para sua atuação está delineado no art. 31, no qual o legislador
determina quais atribuições devem exercer junto aos tribunais, a não ser que
sejam cometidas ao Procurador-Geral de Justiça. Logo, o art. 31 da LONMP não
autoriza a transmudação processual do órgão do Ministério Publico de agente
para órgão interveniente. A redação do art. 31 da LONMP não faz menção ao
156
In Regime jurídico do Ministério Público, pp. 413-414.
96
polo processual em que deve se situar a atuação dos Procuradores de Justiça.
Tem por escopo delimitar a esfera em que devem exercer suas atribuições (junto
aos tribunais) e os limites dessa atuação. Contrário sensu, estão impedidos de
oficiar no primeiro grau de jurisdição e nos casos de competência do ProcuradorGeral de Justiça, salvo se houver delegação. Assim, embora caiba a esse último
representar o Ministério Púbico nas sessões plenárias dos tribunais e ajuizar
ações diretas de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e
municipais que ofendam a Constituição Estadual, está autorizado a delegar tais
misteres ao órgão de execução Procurador de Justiça. O mesmo ocorre com
relação aos processos criminais em grau recursal, apesar do comando dos arts.
610 e 613 do CPP, que determinam que os autos devem ir com vista ao
Procurador-Geral de Justiça.
Já o art. 41, inc. III, da LONMP estabelece a prerrogativa
dos membros do Ministério Público, quando no exercício de sua função: ter vista
dos autos após distribuição às Turmas ou Câmaras e intervir nas sessões de
julgamento, para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato. Portanto,
da interpretação sistemática dos dispositivos 31 e 41, inc. III, da LONMP
decorrem quatro conclusões: a) os Procuradores de Justiça não podem atuar em
primeira instância; b) exercem uma função residual, pois só podem exercer
atribuições não conferidas ao Procurador-Geral de Justiça, além daquelas que lhe
forem delegadas pelo chefe da instituição; c) há concentração de atribuições nas
mãos do Procurador-Geral de Justiça; d) a abertura de vista não significa
apresentar peça escrita.
Parte dessa função residual dos membros do Ministério
Público de segundo grau concentra-se, tradicionalmente, na esfera penal. Quando
em grau de recurso os autos irão imediatamente com vistas ao procurador-geral
pelo prazo de 5 (cinco) dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator,
que pedirá designação de dia para julgamento (art. 610, parte final, do CPP). Por
evidente, tal atividade é delegada pelo Procurador-Geral dos Estados aos
Procuradores
de
Justiça
e
pelo
Procurador-Geral
da
República
aos
Subprocuradores da República – os primeiros para atuarem junto aos Tribunais
de Justiça (TJs) e os segundos junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
97
Assumindo
a
posição
de
parte
ou
interveniente,
a
independência funcional do Procurador de Justiça está totalmente preservada
porquanto ela lhe é assegurada como princípio institucional e garantia funcional
(art. 127, §§ 1º e 2º, da CF). Contudo, não há como refutar as implicações que
decorrem de uma ou outra opção quando o Ministério Público é originariamente
parte da demanda (autor ou réu).
Acredita-se que, por força da previsão inserida no caput,
parte final do art. 610 do CPP, se tenha criado o senso comum de que a natureza
das funções do Promotor de Justiça e do Procurador de Justiça são distintas,
razão pela qual este último tem a posição de custus legis junto aos tribunais.
O entendimento de que a intervenção processual do
Ministério Público em segundo grau deve ser de parecerista é reforçado pelo
previsto no parágrafo único do art. 610, do CPP, segundo o qual o ProcuradorGeral se manifesta por último, na sessão de julgamento de recurso criminal. Não
há dúvida de que é uma interpretação que encontra simetria na história da
instituição, conforme assinala a digressão histórica efetuada por Fernando da
Costa Tourinho. Em 1942, o Procurador-Geral de Justiça era pessoa da confiança
do Executivo, normalmente estranha aos quadros do Ministério Público, por isso
mesmo, guardando ele equidistância das partes, atuava como verdadeiro custos
legis (sic).157 Com o passar do tempo, do crescimento populacional, do aumento
da criminalidade e, consequentemente, do número de processos, houve
necessidade de criação de cargos de Procurador de Justiça para auxiliar o
Procurador-Geral, que já não tinha condições de fazer frente ao volume de
trabalho. No decorrer dos anos, o Procurador-Geral deixou de ser pessoa
estranha à instituição, passando a ser escolhido dentre um de seus integrantes.
No entanto, apesar de superadas as circunstâncias que justificaram a mudança
da posição processual do Ministério Público – de parte para fiscal da lei –, a
legislação infraconstitucional e a prática ministerial não foram adequadas aos
novos tempos, permanecendo a esdrúxula situação.
O Procurador de Justiça ascendeu ao último degrau da
carreira através de promoção, por merecimento ou antiguidade, provindo da
157
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. vol. 2. 9. ed.
rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 393.
98
última entrância da carreira no primeiro grau (final, especial, 4ª entrância), na qual
sempre exerceu a função de autor da ação penal pública. De sorte que continua
umbilicalmente ligado à acusação, à condição de parte na relação processual,
não se justificando que opere uma verdadeira metamorfose em seu proceder para
assumir a postura de fiscal da lei e, pior, deixando a ação penal sem autor.
Reconhecendo ser difícil o corte desse cordão umbilical, Tourinho Filho propõe
que:
para evitar essas traições, a nosso ver, deveria o Ministério Público, na
segunda instância, limitar-se à análise dos processos sob o aspecto
formal (observância dos pressupostos recursais), deixando a apreciação
do mérito aos Tribunais, mesmo porque é raro um Procurador de Justiça
que atue dentro daquela linha traçada por Sérgio Demoro Hamilton (A
158
técnica do parecer, Revista do Tribunal do Rio de Janeiro, 19/19).
Essa posição doutrinária merece respeito, porém, não
considera o fato de o Ministério Público ser o representante do Estado, autor da
ação penal pública e defensor da sociedade, não podendo abrir mão do múnus,
poder-dever, que lhe é privativo; tampouco considera a necessidade de
preservação do equilíbrio do contraditório.
Sobre o assunto, o Desembargador Luiz Cézar Medeiros,
assim se posiciona:
Se o Ministério Público começou a atuar como autor em determinada
lide, ele tem de continuar como autor até o fim, para que a sociedade
seja melhor defendida. Ele tem que ter as mesmas prerrogativas e
obrigações de qualquer autor, até porque os interesses que defende são
muito mais abrangentes do que os de uma lide individual. Se ele é uno e
indivisível como diz a CF, deve se levantar e ir à tribuna defender essa
postura, como autor comprometido com a causa em julgamento. Atuando
como custus legis acaba ocorrendo um fator complicador, pois já vimos
aqui pareceres contrários às ações civis públicas propostas pelo
Promotor de Justiça. (Anexo 4. O grifo é nosso.)
Também, é inaceitável para o Ministério Público moderno da
CF de 1988, o entendimento de que: finda a instrução criminal em primeiro grau, o
Ministério Público deveria assumir a posição de custus legis, sustentado no Anexo
n. 8, pelo Des. Sérgio Paladino, presidente da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina159. Essa mudança de posição no decurso do processo
158
159
Idem, ibidem, p. 394.
Ex-Procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina.
99
e na Comarca de origem, significaria exigir do Promotor de Justiça o desempenho
do papel de um verdadeiro camaleão, pois teria que acusar até o encerramento
da instrução e desvestir-se desta condição para, em seguida, exercer somente
parte de seu múnus, deixando de lado a sua função de dominus litis. É uma
mudança impossível de ser operada de uma hora para a outra no cérebro de
qualquer indivíduo, quanto mais daquele que, conhecedor dos fatos e de todas as
peculiaridades do processo, efetivamente, já tem uma opinião formada sobre a
culpabilidade do agente, seja para buscar sua condenação (que poderá perseguir
se a sentença for absolutória), ou para absolvê-lo, solução que também poderá
buscar reverter junto ao tribunal, caso a decisão seja condenatória. Assim, em
que pese a originalidade da posição, com o devido acatamento, ela é
impraticável.
Sobre a dificuldade de assumir postura processual diversa
daquela costumeiramente exercida, a Procuradora de Justiça de Santa Catarina,
Vera Lúcia Ferreira Coppeti reforça que:
às vezes há confusão. Os Membros do Ministério Público que atuam no
segundo grau são todos originários do primeiro e trazem consigo,
inevitavelmente, o vezo da parcialidade com a qual tinham de lidar na
defesa dos direitos e interesses que lhe eram confiados. Assim,
acontece de o parecerista, ainda que não o faça propositalmente, tratar
alguns temas de forma parcial. (Anexo 9)
Voltando ao parágrafo único do art. 610 do CPP, não há
dúvida de quem são os advogados ali referidos, estejam eles atuando na defesa
do réu ou na assistência do Ministério Público. Mas, quem são as partes? Uma
delas, naturalmente, é o acusado e a outra só pode ser o Estado, detentor do jus
puniendi, que deveria estar representado pelo Ministério Público oficiante junto ao
tribunal, como defende Mazzilli:
Quer a atuação do Ministério Público num feito se dê por promotores ou
procuradores de Justiça, o que importa é a causa da atuação
institucional. Assim, se o Ministério Público propõe uma ação penal
pública, é ele o órgão autor, e essa é a posição que assume tanto o
promotor de Justiça que faz a audiência, como do procurador de Justiça
que oficia junto ao tribunal.
160
160
(O grifo é nosso.)
In Regime jurídico do Ministério Público. pp. 422-423.
100
Fica evidente que o Promotor de Justiça não pode atuar na
fase recursal do processo penal – salvo se for autorizado pelo Procurador de
Justiça oficiante na sessão -, já que é desnecessária a pluralidade de órgãos
ministeriais (autor e fiscal da lei) em um mesmo processo, tanto na primeira como
na segunda instâncias, por fugir à razoabilidade justamente porque desde a
propositura da ação, penal ou cível, ou mesmo na atuação interveniente, nos
propomos a alcançar um resultado social e juridicamente legítimo.161 Além disso,
não se pode esquecer que o Ministério Público é regido pelos princípios da
unidade e da indivisibilidade.
Ademais, não é razoável que o comprometimento com a
causa, assumido perante a coletividade, seja relativizado nessa fase processual,
o que não é lançar menos valia sobre a atuação do Procurador de Justiça. Muito
pelo contrário, o que se pretende é clarificar que a supressão do autor da ação
não é correta, pois deve continuar a ser desempenhada pelo Ministério Público,
agora atuante perante o tribunal, onde o Procurador de Justiça deve assumir a
condição de promotor natural, constitucionalmente prevista. Impõe-se, portanto,
uma releitura do parágrafo único do art. 610, bem como do art. 613, do CPP. A
interpretação predominante nos tribunais, infelizmente, não é compatível com a
função ministerial de detentor da pretensão punitiva do Estado, tampouco com o
novo perfil imposto pela CF.
Celso Jerônimo de Souza, Promotor de Justiça do Acre, traz
à tona a situação que, segundo ele, justificaria a atuação de dois órgãos
ministeriais numa mesma ação pena: quando o Promotor de Justiça recorre para
reformar uma sentença absolutória – ou mesmo quando rebate um recurso
pugnando pela confirmação de sentença condenatória – e o Procurador de
Justiça, a quem cabe pronunciar-se junto ao tribunal, discorda das teses
defendidas pelo primeiro. Souza, então, indaga a quem competirá defender o
recurso ou a resposta, já que na visão tradicional o membro do Ministério Público
de segundo grau atua na condição de fiscal da lei? Na tentativa de encontrar uma
saída para o imbróglio criado, Souza propõe a atuação simultânea de dois órgãos
161
BASTOS FILHO, Orlando; MARTINES JÚNIOR, Eduardo. Aproximação das instâncias do
Ministério Público e reformulação das Procuradorias de Justiça. Disponível em:
<http://www.apmp.com.br/jurídico/artigos/docs/2002/09-27>. Acesso em: 1º de setembro de 2009.
101
ministeriais, como exceção, para que não seja ferido o interesse da sociedade,
principal destinatária das atividades ministeriais:
O Promotor de Justiça que inaugurar a instância recursal ou responder
recurso poderá fazer a sustentação oral no segundo grau, quando
couber, por ocasião do seu julgamento, na qualidade de órgão-agente,
enquanto o Procurador de justiça funcionará como órgão-interveniente,
162
vale dizer, fiscal da lei.
No item 2.2, ao examinar-se a LONMP, foram abordadas as
exceções abertas pelo inciso I do art. 32, que autorizam o Promotor de Justiça a
provocar a segunda instância judiciária, ou seja: na impetração de habeas corpus
e mandado de segurança, apresentação de correição parcial (ou reclamação),
inclusive, de acordo com o inciso IX do art. 25, em causas de alçada nas quais
atue como custus legis para interpor recurso extraordinário. No caso específico de
Santa Catarina, conforme autoriza a CE, pode, também, representar por
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal (art. 95, inc. III). Como se
vê, não está aí incluída a possibilidade de o Promotor de Justiça realizar
sustentação oral em processo no qual tenha recorrido ou apresentado
contrarrazões. Disto resulta a diferença entre postular ao tribunal e postular no
tribunal. Esta última tarefa é dos Procuradores de Justiça que, via de
consequência, têm atribuição de apresentar recursos contra atos do tribunal ou de
seus órgãos.
Destarte, seria um grande transtorno e desperdício de
tempo, energia e dinheiro público promover o deslocamento de um Promotor de
Justiça que atue em comarca distante da capital e com dificuldades de transporte,
como acontece no Estado do Acre, por exemplo. Isso sem falar na necessidade
de designar outro membro da instituição para responder pela Promotoria do
viajante. A considerar, ainda, o clima negativo, de confronto mesmo, que se
estabeleceria na sessão de julgamento entre os dois representantes ministeriais,
situação que, certamente, levaria a um distanciamento – maior do que o já
existente -, entre as duas instâncias, o que inviabiliza a tese sustentada.
A posição assumida pela Ministra Eliana Calmon Alves,
integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma Criminal do STJ, segundo a qual, quando o
162
SOUZA, Celso Jerônimo de. Sustentação oral do Ministério Público nos tribunais. Atuação:
Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, n. 6, p. 205 e 227, maio/ago. 2005.
102
Ministério Público na origem for parte nos autos, devam participar dois Membros
do Ministério Público em segundo grau: um na condição de custus legis e outro
como autor. O custus legis seria aquele a quem toca representar o procuradorgeral na divisão do trabalho e o outro seria designado especialmente pelo
procurador-geral (anexo 2), mostra pouca eficácia. Senão por outro motivo, pelo
fato de que o designado para atuar como parte também não possui afinidade com
os fatos por não ter participado da instrução do feito. Em consequência, pouco, ou
quase nada poderá esclarecer e acrescentar ao processado.
Ontologicamente e idealmente, não há razão para que haja tanto
discrímen na percepção. A rigor, seja em primeiro ou em segundo grau,
a missão constitucionalmente confiada ao Ministério Público pelos arts.
127 e 129 da Constituição não deveria mudar. Fale-se de Promotorias ou
Procuradorias de Justiça, a verdade incontestável é que ambas as
unidades deveriam constituir órgãos de execução do Ministério Público
que, no espaço dos seus misteres, na combinada (mas nunca
concomitante) atuação como órgão interveniente e agente, deveriam
concentrar esforços conscientes no privilégio do exercício da segunda
163
possibilidade, como hoje infeliz e distorcidamente ainda não ocorre. (O
grifo é nosso.)
A posição clara e firme do Ministro Antonio Herman de
Vasconcellos e Benjamin – também integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma
Criminal do STJ -, egresso do Ministério Público Estadual de São Paulo, bem
define como deveria ser a participação do Ministério Público junto aos tribunais:
Deve ser conforme a posição processual assumida originariamente na
primeira instância. Na minha opinião, quando o Ministério Público é
parte, não há necessidade de intervenção de nenhum outro
representante do parquet, como custus legis. A posição de custus legis
em segundo grau só se justifica quando o Ministério Público
originariamente, assim houver integrado a lide. (Anexo 1. O grifo é
nosso.)
O Ministério Público deve buscar maior integração entre os
membros das duas instâncias para que se obtenha uma visão sistêmica de sua
atuação, desenvolvendo o Procurador de Justiça um trabalho combinado com o
realizado pelo Promotor de Justiça, ocupando a mesma posição processual,
163
BERCLAZ, Márcio Soares. O Ministério Público em segundo grau diante do enigma da
esfinge (e a Constituição da República): decifra-me ou devoro-te! Ministério Público: reflexões
sobre princípios e funções institucionais. Organizador RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. São Paulo:
Atlas S.A., 2010. p. 247.
103
porquanto a ambos incumbe defender a mesma sociedade e desenvolver a
mesma função social. Se o órgão ministerial de segundo grau discordar das teses
defendidas pelo seu antecessor no processo, isso faz parte da independência
funcional que cada um detém. Ademais, quem pode afirmar qual delas melhor
atende ao interesse público se ambos têm seus argumentos alicerçados na lei e
na jurisprudência? O que não pode acontecer é transformar-se o tribunal numa
arena, olvidando-se o interesse público que deve nortear o agir ministerial em
qualquer circunstância, acirrando os conflitos nas relações internas dos
integrantes das duas instâncias. Em se admitindo a hipótese defendida pela
Ministra, iniciar-se-ia a derrocada da instituição. Aliás, difícil entender bem porque
as razões da Intervenção da Segunda Instância seriam diversas das que ditaram
a participação da Primeira.164
Medeiros faz uma observação interessante sobre o trato
processual da manifestação contrária, em segundo grau, no que respeita à
procedência de ação cível interposta por Promotor de Justiça. Suponha-se que
numa Comarca, seja ajuizada pelo Ministério Público uma ACP que, após regular
tramitação, não obtenha sucesso, resultando em sentença que a declare
improcedente. Inconformado, o Promotor de Justiça, autor da ação, interpõe,
tempestivamente, recurso de apelação buscando reverter a decisão. Depois de
respondido o recurso pelo réu, os autos ascendem à Procuradoria de Justiça,
sendo que o Procurador de Justiça, a quem coube pronunciar-se naqueles autos,
posiciona-se contrariamente à pretensão do autor e concorda com a
improcedência declarada. Naturalmente, o Tribunal de Justiça poderia entender
que houve desistência da ação ou julgar deserto o recurso. Mas, o Ministério
Público não pode desistir da ação ou do recurso interposto, logo a saída não é
boa. (Anexo 4).
Não cabe, aqui, aprofundar o assunto, que pode ser
explicado pelo princípio institucional da independência funcional. No entanto, fica
a dúvida de como deve ser interpretada a manifestação ministerial de segundo
grau diante da impossibilidade de o Ministério Público abandonar a lide que tenha
ajuizado ou desistir do recurso que formulou. Afinal, em última análise, opinando
164
DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Posição do Ministério Público de segunda instância no
cível. Justitia. São Paulo, a. 43, vol. 112, p. 120, jan./mar. 1981.
104
pela improcedência da ACP, o membro do Ministério de segundo grau estará
desistindo do recurso, recuando do que defendeu desde a propositura da ação.
De qualquer modo, posturas tão antagônicas são pouco comuns e tenderão a ser
raríssimas – senão inocorrentes - na medida em que os órgãos de execução das
duas instâncias assumirem idênticas posições processuais.
No que respeita à insuficiência da solução clássica relativa à
intervenção plural de membros do Ministério Público num mesmo feito cível,
Mazzilli faz pertinente afirmação:
A verdade é que a multifária intervenção do Ministério Público deve levar
os procuradores e Justiça praticamente às mesmas posições
processuais que se identificam na atuação dos promotores de Justiça. O
paralelo só não é perfeito porque os procuradores não prestam
assistência judiciária, tarefa que, posto muito rara e só encontrada em
casos restritos, ainda subsiste residualmente entre os promotores, onde
não houver órgãos próprios. Na Capital, porém, não existe nem mesmo
165
esse pressuposto fático.
A questão ontológica que se põe repousa no exame das
razões que levaram a maioria dos doutrinadores, os tribunais, o Ministério Público
e, especialmente, os representantes do Ministério Público no segundo grau de
jurisdição a aceitarem tão passivamente o desvirtuamento da condição de
dominus litis que a Constituição Federal lhes outorgou, sujeitando-se a
regramentos contidos em Regimentos Internos de Tribunais, quando qualquer
nova atribuição conferida ao Ministério Público só pode derivar de lei.166.
Cabe insistir: a história institucional pode explicar essa
tradição até certo ponto, não mais a partir do momento em que o Ministério
Público foi organizado em carreira, conquistou independência e seu chefe passou
a ser integrante da própria instituição.
Referindo-se à identidade ontológica do Ministério Público
de segundo grau, o Procurador de Justiça da área criminal do Ministério Público
Catarinense, Odil José Cota, tece contundente e ácida crítica acerca da
165
In Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
p. 413.
166
Art. 5º, § 2º, da Lei Complementar Federal n. 75, de 20.05.1993: Somente a lei poderá
especificar as funções atribuídas pela Constituição Federal e por esta Lei Complementar ao
Ministério Público da União, observados os princípios e normas nelas estabelecidas. Art. 25, caput
da Lei 8.625 de 12.04.1993: Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na
Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: [...].
105
impropriedade da condição de parecerista desempenhada pelos Procuradores de
Justiça do Ministério Público Estadual frente ao vigente texto constitucional:
Deve-se à falta de visão de seus membros, ao comodismo, conformismo,
e a mania de seus membros se acharem superiores, pensando que a
sociedade não vai cobrar resultados, eficiência e eficácia. Não é porque
o Ministério Público é uma instituição permanente que ele vai
permanecer, se exercer a parcela da soberania do Estado, com
comodismo. Mudar é preciso. A Constituição de 1988 mudou nosso
perfil, porque, na prática, insistimos ou demoramos em adotá-lo? (Anexo
6. O grifo é nosso.)
O Desembargador Medeiros167, membro do Grupo de
Câmaras de Direito Público e da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, ao ser perguntado sobre a adequação do atuar
ministerial nos tribunais aos preceitos constitucionais, afirma: Não está
perfeitamente adequada em função do que falamos até agora. A questão é que
dar parecer por dar parecer é uma situação retrógrada. (Anexo 4. O grifo é
nosso.) É igual o posicionamento do Procurador de Justiça da área cível do
Ministério Público de Santa Catarina – por duas vezes Procurador-Geral de
Justiça -, José Galvani Alberton: Na segunda instância a minha posição sobre o
assunto é muito clara: a atuação do Ministério Público persiste rigorosamente
como autor da ação ou não se justifica. (Anexo 3. O grifo é nosso.)
Portanto, é preciso desvelar-se a verdadeira identidade
social e política da instituição do Ministério Público no segundo grau de jurisdição
que, para Guilherme Costa Câmara, não pode ser alheada de perspectiva
ontológica, dentro das balizas constitucionais e com olhos para o futuro.168
Segundo De Plácido e Silva, identidade em sentido jurídico,
seja em relação às pessoas, às coisas ou aos fatos, a identidade quer
significar o que é o mesmo, no fundo, embora visível em forma diversa
ou demonstrado diferentemente. E, por esse modo não se entende nem
se indica coisa nova, fato novo ou matéria nova, mas os mesmos, já
demonstrados ou expostos anteriormente. Neste sentido, pois,
identidade claramente significa mesmidade, não semelhança ou
169
paridade”.
167
Ex-Procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina.
CÂMARA,
Guilherme
Costa.
O
Poder
Ministerial.
Artigo
disponível
em:
Acesso em: 24 de
<http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Constitucional/guilherme.html>.
setembro de 2009.
169
Opus cit., p. 692.
168
106
Ora, se o Ministério Público, uno e indivisível que é, possui
identidade de autor da ação penal pública quando oferece a denúncia,
acompanha a instrução processual, é cientificado da sentença e com ela se
conforma, dela recorre, ou responde a recurso do condenado, não é admissível
que, na sequência, só porque o processo tramitará em outra instância, o autor
assuma uma nova identidade, contestável sob vários pontos de vista, inclusive
porque é estranho ao processo penal - em se tratando de ação penal pública - a
existência, pura e simples, de um fiscal da lei, saído do nada, e deixando o
processo perneta, só com a perna da defesa do acusado. É consabido que, na
primeira instância é o Promotor quem acumula, em sua atuação, as condições de
autor e custus legis, não havendo razão plausível para desmembramento desta
dupla função, ou seríamos forçados a aceitar a esdrúxula hipótese de que dois
Promotores deveriam atuar num mesmo processo: um deflagrando a ação penal e
outro fiscalizando a atividade daquele, da defesa e do juiz.
A Procuradora de Justiça Copetti, ao falar sobre a posição
processual que deve ser assumida pelo Ministério Público em segundo grau em
face da atuação como autor na propositura da lide, afirma:
O Ministério Público, em segundo grau, deve manter sua posição de
parte quando foi o autor da ação, seja ela penal pública, civil pública ou
por ato de improbidade administrativa.
Os motivos desse convencimento são vários: só assim continua havendo
contraditório no segundo grau; mantém-se uma coerência institucional e
estimula-se a discussão interna e o desenvolvimento de posturas
uniformes perante os interesses cuja defesa estão a cargo do Ministério
Público. (Anexo 9. O primeiro grifo é nosso.)
Apesar de a parte final do art. 610, do CPP, indicar que os
autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral, não obriga o Procurador
de Justiça a emitir parecer quando os recebe. Sem o mínimo propósito de
desrespeitar aqueles que entendem o contrário, de acordo com a posição de
alguns entrevistados e do Procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Sergio
Demoro Hamilton, é de bom alvitre que se reitere o sentido processual da palavra
107
vista que traduz o sentido de exame, ou a ação de ver para examinar ou ter
ciência, como ensina De Plácido e Silva.170
Ao examinar os autos, o Procurador de Justiça se inteira dos
fatos, das provas produzidas, das teses sustentadas pelo Promotor de Justiça e
pelo Advogado do réu, forma seu convencimento e decide se fará ou não
sustentação oral na sessão de julgamento. Poderá, igualmente, verificar se préquestionará
questão
constitucional,
indispensável
para
ensejar
eventual
interposição de recurso extraordinário, consoante dispõe a Súmula 282, do STF:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão
recorrida, a questão federal.171 O procedimento não desmerece a atuação do
Procurador de Justiça, pelo contrário, dá mais dinamismo às sessões de
julgamento, promove maior integração com os Promotores de Justiça, permitindo
troca de informações com o recorrente – por exemplo -, para esclarecer qualquer
ponto que lhe pareça obscuro, contribuindo para o compartilhamento de valores e
consolidação da imagem interna e externa de coesão da instituição. Também
contribui para evitar tratamento desigual entre as partes do processo e a
construção de teses institucionais. Os autos, depois da vista do Procurador de
Justiça, não retornam para a defesa que não conhecerá o teor da manifestação
acostada. Essa situação, certamente, gera desequilíbrio processual e ofensa ao
princípio do contraditório. A situação de desvantagem da defesa do réu em
relação ao tribunal, depois de juntado o parecer ministerial, é cristalina, seja ele
pela reforma da sentença absolutória ou confirmação da condenatória. A
desvantagem é traduzida pela corriqueira adoção dos fundamentos do parecer
exarado pelos Desembargadores ou, o que é mais grave, a reprodução integral
do parecer como razão de decidir no acórdão.
Da série de nove entrevistas realizadas, afere-se que os
Desembargadores do TJSC Salete Silva Sommariva e Sérgio Paladino
consideram que na situação em comento não há prejuízo à defesa do réu,
porquanto a transcrição parcial ou total do parecer do Procurador de Justiça
representaria, ao invés de uma adesão ao seu posicionamento, as conclusões da
170
Opus cit., p. 1492.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201
_300>. Acesso em: 15 de outubro de 2009.
171
108
própria câmara ou turma, sem necessidade de repetição ou acréscimos. A
Procuradora de Justiça Coppeti tem entendimento semelhante, porém sob
premissa diversa. Para ela:
o julgador pode encampar argumentos de doutrinadores, que outra coisa
não são senão meros pareceristas, das partes, de outros juízes e do
Ministério Público, esteja este na posição de parte ou de custus legis
porque, em qualquer caso, este se equipara àqueles. Afinal, o parecer
tem mesmo o objetivo de influenciar o julgador. (Anexo 9)
Embora
defensáveis
e
aceitáveis
as
argumentações
desenvolvidas pelos Desembargadores e Procuradora de Justiça, causa
perplexidade a decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo, adotada no acórdão do recurso em sentido estrito n. 283.532-3/4, em
que é embargante o Ministério Público, ao determinar que fosse desentranhado o
parecer produzido pela Procuradoria de Justiça, sob o entendimento de que, na
forma como foi redigido, poderia influenciar a decisão dos jurados (juízes de fato
nos crimes sujeitos a julgamento pelo Tribunal do Júri):
Observe-se que o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, que
não é Órgão da acusação, traz peculiar descrição dos fatos, além de
aprofundar exame das provas, o que é inconcebível na presente fase, e
poderá influenciar os Srs. Jurados, comprometendo o veredicto. Pelo
exposto,
nega-se
provimento
ao
recurso.
Determina-se
o
desentranhamento do parecer de fls. 174/176, mantendo em envelope
172
lacrado na contracapa dos autos. (O grifo é nosso.)
Impedir que o Ministério Público cumpra suas atividades
com autonomia e independência funcional é desconsiderar o comando
constitucional do art. 127 da CF que dispõe ser ele órgão essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica. No entanto,
admite claramente que o pronunciamento do membro de segundo grau do
Ministério Público influi na decisão do processo, seja seu destino decidido pelo
Tribunal do Júri ou pelo Tribunal de Justiça.
Enfrentando o assunto em exame, Rogério Schietti Machado
Cruz, em recente artigo, sustenta:
172
Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1888635>. Acesso em:
1º de dezembro de 2009.
109
O fato de emitir parecer e de, em sua conclusão “opinar” pelo provimento
ou não do recurso, não significa que deixou o Ministério Público de agir
como parte. Conclusão diversa levaria a conceber-se um processo com
apenas uma parte – o acusado – o que nos parece um verdadeiro
absurdo, notadamente diante do princípio acusatório que norteia a
persecução penal pátria.
.................................................................................................................
O que o Código de Processo Penal prevê, no art. 610, é a abertura de
“...vista ao procurador-geral pelo prazo de 5 (cinco) dias...”, nada dizendo
quanto à necessidade de o Procurador de Justiça apresentar peça
173
escrita na qual opine pelo provimento ou improvimento do recurso.
Esse mesmo doutrinador, em outro artigo que analisa o
parecer do Ministério Público ante a isonomia e o contraditório, citando Luis
Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, defende que:
Do princípio do contraditório decorre o princípio da bilateralidade da
ação. À ação corresponde a exceção. Aos atos do autor opõem-se os
atos do réu e vice-versa. Assim desenvolve-se o processo numa marcha
dialética. Mais ao fundo desse princípio encontra-se o próprio princípio
da isonomia, também restaurador de todo processo de interpretação
legal.
Desses dois princípios decorre a consequência lógica de o réu falar nos
autos depois do autor. A essa altura, pergunta-se: no processo penal,
quando o processo crime atinge o grau recursal qual das partes fala por
último? O réu ou o Ministério Público? Os artigos 610 e 613 do Código
de Processo Penal nos dá (sic) a resposta: o Ministério Público
manifesta-se depois da defesa e, ordinariamente, a defesa sequer tem
vista do que foi oficiado pelo Ministério Público – a não ser que requeira
174
vista dos autos.”
O STF já se manifestou sobre o assunto através de sua
segunda turma, negando habeas corpus impetrado por defensor público do
Paraná, que pleiteava – legitimamente – em benefício do réu, igual tratamento ao
dispensado à parte contrária. O Ministro Relator, Carlos Velloso, para denegar a
ordem, louvou-se unicamente nos dispositivos do CPP (arts. 610 e 613 do CPP),
deixando de lado a CF - cuja defesa cabe especificamente ao STF -, que
173
In A Atuação do Ministério Público no Julgamento de Recursos, em face da Lei 9.099/95.
Brasília, Clubjus, 29 abr. 2009. Disponível em: <http://clujus.com.br/?content=2.23541>. Acesso
em: 5 de setembro de 2009.
174
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Parecer do Ministério Público ante a isonomia e o
contraditório. Disponível em: <http://metajus.com.br/meus_artigos_artigos24.html>. Acesso em: 13
de setembro de 2009.
110
consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa no artigo 5º, inciso LV,
alçados à categoria de direitos fundamentais175.
A recém criada Defensoria Pública do Estado de São Paulo
trouxe novamente a questão à tona e alguns de seus integrantes vêm
sustentando, em preliminar de qualquer recurso ou habeas corpus, a necessidade
de abertura de vista dos autos após a juntada do parecer ministerial. Em matéria
publicada na página virtual da referida Defensoria, é proposta a seguinte súmula:
ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS, EM SEGUNDA INSTÂNCIA, PARA
A DEFENSORIA PÚBLICA APÓS A APRESENTAÇÃO DO PARECER
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – PARIDADE DE ARMAS –
HOMENAGEM AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA –
176
INOBSERVÂNCIA – NULIDADE DO JULGAMENTO.
Já a posição dos entrevistados ficou dividida: a) para
Alberton emitido o parecer, a outra parte deve poder manifestar-se para que
também reveja o que está no processo. Deve haver paridade no tratamento das
partes. (Anexo 3.) b) Cota entende que não há necessidade de pronunciamento
da defesa porque o parecer não vale nada. Seu único valor é o da urgência, não
deve e não pode demorar. (Anexo 6. O grifo é nosso.) c) Copetti, por sua vez, diz
que a transcrição de parte do parecer ministerial no acórdão parece-me não afetar
a posição do Ministério Público no feito e nem a validade da decisão. (Anexo 9.)
Almir Alves Moreira, Procurador de Justiça do Estado de
Minas Gerais, no artigo intitulado Atuação do Procurador de Justiça nos
processos em que o Ministério Público atuar como parte, pontua que:
Promotor e Procurador de Justiça exercem as mesmas funções, porém
em etapas processuais distintas, e essa relação de organicidade impede
a intervenção simultânea de ambos os representantes do Ministério
Público numa mesma fase do processo salvo se for outra a causa
interventiva. Se os autos são remetidos ao Tribunal com manifestação do
Ministério Público na qualidade de parte, não é lógico que a Instituição,
através de um outro órgão de execução, pronuncie-se sobre a tese
ministerial antes de apreciada e julgada pelo Judiciário, haja vista que o
Procurador de Justiça não é órgão revisor ou censor dos trabalhos do
175
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 70.283-0/PR, de 9.11.1993. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72329. Acesso em: 19 de outubro
de 2009.
176
Disponível em:
<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Rpositorio/20/Documentos/Teses/Penal/11.doc>. Acesso
em: 19 de outubro de 2009.
111
Promotor de Justiça que oficiar em primeira instância.
nosso.)
177
(O grifo é
O texto endossa, com peculiar clareza, a manifestação do
Ministro Cezar Peluso, do STF, de 20 de fevereiro de 2008, na condição de relator
do HC 87.926-8/SP, quando defende ser inviável a cisão da atuação do Ministério
Público em fase de recurso do processo:
entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no
campo recursal, em processo-crime: não há excogitar que, em primeira
instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau
de recurso – que, frise-se, constitui mera fase do mesmo processo -, se
178
dispa dessa função para entrar a agir como simples fiscal da lei.
(O
grifo é nosso.)
Intensa discussão tem sido travada entre os integrantes do
STF acerca do momento processual adequado em que o Ministério Público deve
realizar sua sustentação oral na sessão de julgamento. Em especial no processo
penal, ante o que determina a parte final do parágrafo único do art. 610 do CPP:
o Ministério Público deve realizar sustentação, quando assim o pleitear, após a
defesa. Reiteradamente tem-se contrariado essa disposição, o que demonstra
nitidamente que o CPP necessita ser reinterpretado segundo a CF a fim de
preservar o contraditório e a ampla defesa. É o que conclui o STF, por
unanimidade, no HC 87.926-8/SP:
AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público.
Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustentação
oral da defesa após a do representante do Ministério Público. Provimento
ao recurso. Condenação do réu. Ofensa às regras do contraditório e da
ampla defesa, elementares do devido processo legal. Nulidade
reconhecida. HC concedido. Precedente. Inteligência dos arts. 5º, LIV e
LV, da CF, 610, § único, do CPP, e 143, § 2º, do RI do TRF da 3ª
Região. No processo criminal, a sustentação oral do representante do
Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre
179
preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento. (O grifo é
nosso.)
177
Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/3860>. Acesso em:
24 de outubro de 2009.
178
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/pesquisainteiroteor/.asp#>. Acesso em: 27 de maio de 2008.
179
Idem. Ibidem.
112
Nesse mesmo julgamento, o Ministro Carlos Britto enfatiza
que em matéria penal, o Ministério Público não pode atuar binariamente como
acusador e como custas iuris; os papéis não podem ser confundidos, porque as
zonas de uma e de outra atuação são por demais tênues, imprecisas, vagas, e,
portanto, perigosas180. Por último, brada que: A defesa tem que falar por último,
senão não é defesa.181 Para finalizar, cabe reproduzir parte do voto do Ministro
Ricardo Lewandowski no acórdão em discussão:
não é possível cindir o Ministério Público, que é uno, como nós sabemos.
[...] De um lado considerá-lo como dominus litis, e, de outro, como
custos legis (sic). Em segundo lugar, verifico que o princípio do
contraditório é absolutamente fundamental. E sem o contraditório não há
que falar-se em devido processo legal, principalmente no que toca ao
aspecto substantivo, que é matizado exatamente pelos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. Em terceiro lugar, [...] o prejuízo é
efetivo, porque a intervenção da defesa a posteriori, ou seja, a
intervenção da defesa em primeiro lugar e depois rebatendo o Ministério
182
Público, claro fica configurado aí o prejuízo.
Portanto, embora o STF não diga que o Ministério Público
deve atuar como parte junto aos tribunais no processo-crime, implicitamente
coloca-o na condição de autor quando define que ele não pode se manifestar
após a defesa para não ferir o princípio do contraditório, da ampla defesa, da
razoabilidade ou da proporcionalidade.
Impõe-se, ainda, reiterar a advertência feita pelo jurista
italiano Piero Calamandrei, lembrada pelo Subprocurador de Justiça Antonio
Araldo Ferraz dal Pozzo:
não se compreendia bem qual a contribuição prática para a exata
decisão da causa que pudesse derivar dessa espécie de consulência
oficial sobre a quaestio júris, confiada a um magistrado jurista a um
colégio de magistrados juristas que de direito sabiam tanto quanto ele e
que para interpretar bem a lei não tinham nenhuma necessidade de seu
183
parecer.
Pelo exposto, fica demonstrada a crise de identidade que
permeia a atuação do Ministério Público junto aos Tribunais – antevista por
180
Idem. Ibidem
Idem. Ibidem.
182
Idem. Ibidem.
183
In Posição do Ministério Público de segunda instância no cível. Justitia. São Paulo a. 43, vol.
112, 1981, jan./mar. p. 120.
181
113
Calamandrei (1889/1956). É necessário enfrentá-la e dar-lhe um basta, pois
somente assim poderá ser revitalizada sua atividade a fim de que possa
contribuir, efetivamente, para a realização da justiça. Já é tempo de assumir uma
posição firme a respeito, evitando que julgamentos sejam protelados com
questionamentos do tipo: o parecer do Procurador de Justiça quando o Ministério
Público é parte originariamente, sem oportunidade formal de manifestação da
defesa, fere princípios constitucionais e processuais? É caso de nulidade
processual? Deve o Ministério Público falar antes ou depois da defesa? São
procedimentos que causam insegurança jurídica e, por vezes, prejuízos
irreparáveis à sociedade que lhe incumbe defender e proteger.
A propósito, Berclaz, com peculiar propriedade, enfatiza que
é preciso enfrentar essa situação, já que não se coaduna com as diretrizes
constitucionais e prejudica a construção da unidade institucional:
Já passou a hora de se pensar a (re) construção do Ministério Público
em segundo grau a partir da leitura clara e pedagógica das múltiplas
funções conferidas pela Constituição Cidadã, uma das quais o
desempenho de atribuições extrajudiciais,
..............................................................................................................
enquanto os membros de primeiro grau sempre devem concentrar
atribuições extrajudiciais e judiciais, estas últimas tanto como órgão
agente como interveniente, o mesmo não acontece com os Procuradores
de Justiça que, via de regra, limitam suas atividades gerais, ao
desempenho de atividades judiciais, a sua maior parte na condição de
“fiscal da lei” como espectadores passivos de uma segmentada realidade
processual. Dessa forma, também é pela impossibilidade de se exigir
que Procuradores de Justiça, na sua atuação como custos legis (sic),
tenham que concordar sempre com as posições defendidas por
Promotores de Justiça, o que se faz em nome da independência
funcional tão cara a estes e que obviamente também se estende
àqueles, que o melhor caminho e solução para este impasse que
prejudica a construção da unidade é simplesmente eliminar a atuação
como órgão interveniente nas situações em que o Ministério Público já
ocupa papel de parte, tarefa que não só elimina este problema como, de
outro lado, abre perspectiva e reserva de energia para que os órgãos de
execução de segundo grau assumam funções mais condizentes e
184
próximas com a identidade constitucional do Parquet.
(O grifo é
nosso.)
A
permanência
desse
sistema
dual
importará
num
distanciamento cada vez maior entre Promotor e Procurador de Justiça, bem
como descaracterizará a instituição, gerando a idéia de que ascender ao segundo
grau implica atingir, como diz Berclaz, uma zona de amortecimento e conforto,
184
Opus cit., pp. 256 e 261.
114
cuja função é a preparação para a aposentadoria e/ou vivência exclusiva de
experiências de política institucional. Essa verdadeira patologia dificulta o
exercício efetivo das missões constitucionais atribuídas ao Ministério Público,
prejudicando sobremaneira a defesa e a promoção dos direitos da sociedade,
além de contrapor-se ao princípio constitucional da unidade.
3.4 ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA
A política jurídica apresenta um pluralismo conceitual
proveniente de várias correntes doutrinárias. É necessário, então, num primeiro
momento, decompor a expressão para melhor analisá-la.
Plácido e Silva diz que o termo política é derivado do latim
politice e procedente do grego politiké, que tem, na acepção jurídica, o mesmo
sentido filosófico,
designa a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado.
Assim, é seu objetivo estabelecer os princípios, que se mostrem
indispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, ao
cumprimento de suas precípuas finalidades, em melhor proveito dos
governantes e governados. Nesta razão, a política mostra o corpo de
doutrinas, indispensáveis ao bom governo de um povo, dentro das quais
devem ser estabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bom
funcionamento das instituições administrativas do Estado, para que
assegure a realização de seus fundamentais objetivos, e para que traga
185
a tranqüilidade e o bem-estar a todos quantos nele se integrem.
Para Bobbio, Matteucci e Pasquino, o conceito de política,
entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente
ligado ao poder. Este tem sido tradicionalmente definido como “consistente nos
meios adequados à obtenção de qualquer vantagem (Hobbes)”.186
185
Opus cit., p. 1055.
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 4.
ed., v. 2, Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto
Cascais e Renzo Dini. Brasília: Universidade de Brasília, 1992. p. 954
186
115
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes definem política como
tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios
públicos.187 Nesse contexto, Aristóteles afirma que:
Cidade é um tipo de associação, e toda associação é estabelecida tendo
em vista algum bem (pois os homens sempre agem visando a algo que
consideram ser um bem); por conseguinte, a sociedade política [polis], a
mais alta dentre todas as associações, a que abarca todas as outras,
tem em vista a maior vantagem possível, o bem mais alto dentre
188
todos.
Afirma também que o homem é um animal político e que a
justiça é o liame entre os homens nas Cidades, pois a administração da justiça, a
qual é a determinação do que é justo, é o princípio da ordem na sociedade
política.189 (O grifo é o nosso.) Portanto, a política tem por objetivo a obtenção da
paz e do bem-estar da comunidade administrada por determinado governo, que
deve se organizar estabelecendo princípios e normas jurídicas aos quais deve se
submeter, como devem submeter-se os governados.
Por jurídico, termo derivado do latim juridicus, de jus (direito)
e dicere (dizer), entende-se, [...] tudo o que é regular, que é legal, que é conforme
o Direito. Desse modo, a qualidade de jurídico evidencia a de justo legal, porque
mostra estar dentro da justiça e da ordem judiciária.190 Melo aprofunda o conceito
de jurídico definindo-o como termo relativo aos princípios de Direito ou à ordem
jurídica de um Estado. Não se confunde, necessariamente, com legal, cuja
referência é à conformidade com determinado preceito de lei, restritamente.191
Reportando-se à justiça política, Moacyr Motta da Silva
assenta que: Em sentido amplo, define-se por justiça política o conjunto de leis,
criado pela sociedade política, destinado a regular a vida entre os homens.192
Traz, em seguida, o conceito de justiça política em Aristóteles:
187
In Dicionário básico de filosofia. 3. Ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
p. 215.
188
ARISTÓTELES. Política. Trad. Pedro Constantin Tolens. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 53.
189
Idem, ibidem, p. 57.
190
SILVA, De Plácido e. Opus cit., p. 801.
191
In Dicionário de direito político. Florianópolis: OAB-SC Ed., 2000. p. 68.
192
SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. 2. ed. rev. e atualiz. Curitiba:
Juruá, 2008. p. 93.
116
Compreende a justiça natural e a justiça que se funda na lei. O filósofo
reconhece a existência de justiça natural, decorrente da própria natureza
das coisas e, de outra, produto da vontade do homem. Assinala, ainda,
que são naturais certos elementos que, em todos os lugares, possuem a
mesma força, uma só natureza. O ser humano não tem poder para
modificar as coisas da natureza. São exemplos: o fogo, as marés, o
193
vento, o nascer e o pôr-do-sol ou o decurso do tempo.
Melo, por sua vez, conceitua política sob três enfoques:
1.
Estudo sistemático das coisas do Estado. 2. Estudo das formas de
Poder nas relações humanas. 3. Usada a palavra como um atributivo,
teremos uma expressão que denota um conjunto de meios ou de
estratégias visando a um fim (Política da Educação, Política do Poder,
194
Política do Direito, etc.).
Na definição do mesmo autor, política jurídica é:
1.
Disciplina que tem como objetivo o Direito que deve ser, em
oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da
aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do
conjunto de estratégias que visam à produção de conteúdo da norma, e
sua adequação aos valores Justiça (V.) e Utilidade Social (V.). 3.
Complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou
proposição de normas jurídicas ou de mudanças de rumo na
Jurisprudência dos Tribunais, tendo como referente a realização dos
195
valores jurídicos. 4. O mesmo que Política do Direito.
A política jurídica é um dos fundamentos desta pesquisa,
porque seu objetivo é obter um direito mais justo e socialmente útil. O Promotor
ou Procurador de Justiça, como os demais operadores do direito, devem
participar dessa estratégia, pois o político do direito será:
todo aquele que, impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica
social, apresente-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua
sensibilidade e sua experiência a serviço da construção de um direito
196
que pareça mais justo, legítimo e útil.
Os partidários da corrente do direito natural (jusnaturalistas),
segundo Mello, destacam que o preceito do justo é só aquele compadecente com
193
Idem, ibidem, p. 93.
In Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB-SC Ed., 2000. p. 76-77.
195
Idem, ibidem, p. 77.
196
Idem. Fundamentos da política jurídica. p.131.
194
117
o Direito Natural, [...] ao qual todo o direito positivo deveria adequar-se.197 O
mesmo autor cita, como representante do jusnaturalismo, Pascual Marin Perez,
para quem todo direito positivo deve ser interpretado segundo o enfoque do
direito natural. Em consequência, para aquele autor, A Política do Direito seria o
conjunto de regras que determinam a vinculação do homem de governo ao Direito
Natural, através da técnica jurídica e com rigorosa lealdade aos princípios
ideológicos do Estado, na mais ampla acepção do vocábulo.198
O maior representante da teoria normativista do direito, Hans
Kelsen, defende que só a norma formalmente válida faz com que algo seja
jurídico. O que importa é que a norma seja válida, conforme o direito.
Evidenciando que com o termo norma quer-se significar que algo deve ser ou
acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada
maneira.”199
Em sua obra Teoria pura do direito, Kelsen delimita o
objeto da Ciência do Direito e o objeto da Política do Direito, ou seja, separa
epistemologicamente o estudo do “direito que é” (objeto da Ciência do Direito) do
“direito que deve ser e como deve ser” (objeto da Política Jurídica).200 (O grifo é
nosso.) Melo complementa afirmando que, na definição de Kelsen, tínhamos um
aspecto de Política propriamente dita (buscar o direito que deve ser) e outro de
tecnologia jurídica (como deve ser feito o Direito).201
Na doutrina empirista, da qual Alf Ross é legítimo
representante, a Política do Direito seria mera sociologia jurídica aplicada ou
técnica legislativa. Melo, embora renda homenagem ao pioneirismo na utilização
da expressão política jurídica, critica essa posição dogmática reducionista de
Ross argumentando que:
Esse discurso reducionista, que nada mais aceita senão a relação
norma-conduta pressuposta, só admite para a Política Jurídica o
seguinte âmbito limitado de participação: os problemas especificamente
técnico-jurídicos de natureza sociológica e outros conectados com estes;
197
Idem, ibidem, p. 25.
Idem, ibidem, p. 29.
199
In Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. Ed. Armênio Amado. Coimbra, 1976.
p. 21.
200
MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Disponível em:
<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index>. Acesso em: 8 de dezembro de 2009.
201
Idem, Fundamentos da política jurídica. p. 38.
198
118
a atividade de sopesar considerações e decidir como árbitro dos
especialistas e participar na formação lingüística da decisão.
..............................................................................................................
Insiste o Autor que a Política Jurídica cumpre apenas papel de “guia”, de
“estrela polar”, como se a política não fosse ação e sim mero “lócus”
indicativo. [...] O Político do Direito exerceria, assim, apenas, o papel de
aconselhamento, quer fazendo doutrina, quer assessorando as
202
autoridades legislativas e judiciárias.
A doutrina culturalista também se propõe a explicar a política
jurídica, refletindo sobre as múltiplas instituições políticas que compõem as
sociedades numa visão culturalista:
ou seja encarando o Direito como fenômeno cultural, [...]. Entendemos
que a consciência jurídica da comunidade inclui, além das motivações de
interesse e dos resultados psicológicos das persuasões, o fruto das
experiências e das práticas sociais acumuladas no imaginário social,
resultantes das lutas sociais, dos conflitos entre interesses de classes,
dos acertos e desacertos nas relações políticas, enfim não só do lento e
inexorável aprendizado pelos sofrimentos e pelas decepções, mas se
repetem na vida social. Tudo isso vai formar, na consciência Jurídica de
sociedade, uma concepção de “direitos alternativos”, como
interpenetrações de direito vivido (práticas sociais) e do direito imaginado
203
(representações jurídicas dos desejos).
Melo deixa claro que Miguel Reale (defensor da doutrina
culturalista) contribuiu expressivamente, por intermédio de sua obra, para o
entendimento mais adequado do significado da política jurídica na atualidade,
tendo dedicado especial atenção para
o fato de a Política Jurídica figurar como parte culminante da Teoria do
Estado, tanto no campo do saber político, quanto no saber jurídico; é que
ela representa o ponto de intercessão ou interferência das duas
pesquisas no plano empírico-positivo, como prudência legislativa e
204
jurídica.
Reale sustenta em sua Teoria tridimensional do direito
que a estrutura do direito é essencialmente tridimensional, integrada pelos
elementos fato, valor e norma. Melo, por sua vez, destaca que, para a teoria e
práxis da política jurídica, é fundamental pensar em valor, como faz Reale, que o
define como
202
Idem, ibidem, pp. 41-42.
Idem, ibidem, p. 44.
204
Idem, ibidem, p. 47.
203
119
uma intencionalidade historicamente objetiva no processo da cultura,
implicando sempre o sentido vetorial de uma ação possível.”
Possibilidade e realizabilidade são, em suma, qualidades inseparáveis
do valor, e, por via de conseqüência, da experiência jurídica, enquanto é,
205
necessariamente, experiência de valores.
Pela pertinência com a matéria tratada nesta dissertação,
destaca-se a seguinte abordagem feita por Melo:
A Política Jurídica é aberta, polissêmica, participativa, e comprometida
com as utopias sociais. Torna-se, assim, o mais adequado espaço de
criação democrática no universo jurídico, pois nem se compadece com o
autoritarismo do pensamento jurídico tradicional, que fala em nome da
lei, nem com o pensamento de contemporâneas correntes pseudoemancipatórias que falam em nome de uma verdade social imobilizada
por signos configurados em velhos preconceitos vestidos de novas
roupagens. Resgata semiologicamente o sentido do justo e do útil não
através de discursos enganosos dirigidos pelo poder à sociedade, nem
com os suspiros nostálgicos do jusnaturalismo, mas vendo-os como
valores culturais resultantes das experiências das lágrimas e dos
206
sorrisos que afloram no painel da vida.
Sendo, então, uma estratégia que objetiva a adequação das
normas positivadas e válidas aos valores culturais de justiça e de utilidade social,
a política Jurídica ocupa uma esfera intermediária entre a norma e os
anseios sociais. Sua atuação está conectada com uma maneira de
realizar a justiça, em sua acepção ampla, sem abandonar a segurança
jurídica, recomendando sempre a aplicação da norma mais justa para o
caso concreto, sem contudo, desconsiderar a necessidade de
207
manutenção do sistema jurídico-social.
Aplicando os ensinamentos da política jurídica, em especial
os da corrente culturalista, ao Ministério Público, pode-se dizer que a caminhada
evolutiva da instituição até seu atual estágio constitucional necessita ser
revigorada e legitimada. Faz-se necessário adotar uma ação político-institucional
destinada a mantê-lo em consonância com as legítimas aspirações sociais.
Como ficou demonstrado, a atuação desenvolvida hoje pelo
Ministério Público Estadual de segundo grau nem sempre se insere nas
exigências do direito que é. Surge, então, em caráter de urgência, a necessidade
205
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed., 7. Tiragem. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 94.
206
In Fundamentos da política jurídica. pp. 48-49.
207
PIFFER, Carla. A Importância da política jurídica para a atuação do Ministério Público. In
Atuação: revista jurídica do Ministério Público Catarinense. n. 5, jan./abr.2007. p. 38.
120
de aplicar-se a política-jurídica para uma reflexão crítica que consiga construir o
como deve ser dessa instância ministerial.
3. 5 A FUNÇÃO SOCIAL E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU
3.5.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE
SEGUNDO GRAU
Nos subtítulos 3.1 e 3.2 foram tratadas as funções típicas e
atípicas do Ministério Público, tendo sido estabelecido que o campo de atuação
dos Procuradores de Justiça são as atividades típicas, portanto, de cunho
processual, nas quais desenvolvem (ou deveriam desenvolver) funções bivalentes
de parte ou interveniente (custus legis). Atuando numa ou noutra posição
processual, é certo que devem ter como parâmetro a preservação e a garantida
dos valores inscritos no art. 127 da CF, como bem enfatiza Paulo Bonavides.
Também ficou demonstrada a posição ambígua que, nessa
instância, o Ministério Público mantém em relação às atribuições que lhe são
conferidas pelo art. 129 da CF, na medida em que se restringe a opinar, emitir
pareceres, ao invés de exercitar ações proativas de promover e defender. A
situação revela distanciamento e descompromisso para com a sociedade que ele
tem o dever de proteger, ao ponto de ser questionada a própria necessidade de
existência dos Procuradores de Justiça estaduais de segundo grau. Essa dúvida
foi levantada por ninguém menos que integrantes e ex-integrantes da instituição
que se sentem ou se sentiram desconfortáveis no papel, como desabafa o
Procurador de Justiça José Galvani Alberton:
Na segunda instância minha posição sobre o assunto é muito clara: a
atuação do Ministério Público persiste rigorosamente como autor da
ação ou não se justifica, o que constitui um inconveniente no contexto
atual da justiça brasileira, já que me parece algo supérfluo. Se eu
defender a posição de que o Ministério Público deva atuar como autor, a
121
parte ré, o demandado, deveria também ter uma segunda oportunidade
de se posicionar, como o autor, ou seja, o processo não precisa fazer o
caminho da Procuradoria-Geral de Justiça. Isso se deve a uma prática
retrógrada do processo brasileiro; não há nada que justifique essa
participação no segundo grau, nem mesmo na esfera criminal. Estou
fazendo uma censura à própria lei, ao próprio modelo. A ação inicia na
primeira instância, há uma decisão e, eventualmente, um recurso. Em
havendo recurso, as partes deduzem as suas razões no primeiro grau e,
subindo o recurso, compete ao segundo grau decidir. Qual a finalidade
de passar pelo Ministério Público, ele vai julgar? Não, pois a ele não
compete julgar. Vai complementar a acusação feita na primeira instância,
tanto na esfera cível como na criminal? Neste caso é necessário abrir
vista para outra parte, em razão do princípio da ampla defesa. Nisso
reside uma anomalia, sem considerar que, por uma questão de política
administrativa ou de gerência do sistema da prestação jurisdicional, não
podemos, no contexto atual da justiça brasileira, nos permitir
determinados preciosismos. É um comportamento que, a rigor, deveria
ser dispensado, por onerar tanto em termos financeiros quanto em
termos de celeridade da jurisdição. O jurisdicionado, em conseqüência,
padece desnecessariamente. Eu defendo a segunda instância desde que
lhe sejam cometidas atribuições como órgão agente, de acordo com o
modelo de Ministério Público expresso na Constituição. O Ministério
Público só pode ser agente, conforme o verbo utilizado na CF defender.
Ele tem que defender algum daqueles valores que estão elencados no
208
art. 127, da CF. Não há outro espaço para ele. (O grifo é nosso.)
Ao responder se a intervenção enquanto custus legis nos
tribunais é justificável, quando o Ministério Público de primeiro grau for autor da
ação, o Procurador de Justiça Odil José Cota, afirma: Sou favorável à extinção da
postura de custus legis. O Ministério Público será sempre autor [...]. (Anexo 6.)
Noutra passagem, manifestando-se sobre como deveria ser a participação do
Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, coloca em
dúvida a continuidade dessa atuação: O Ministério Público de segundo grau, caso
mantido, atuaria como um grande escritório para os processos em grau de
recurso. Os Procuradores de Justiça exerceriam, no segundo grau, a pretensão
punitiva do Estado. (Anexo 6.)
O entrevistado Ministro Herman Benjamin compartilha da
mesma convicção:
Eu acho que devemos rediscutir a própria figura do custus legis,
limitando-a aos casos em que não há Ministro Público autor. Devemos
abrir mão do custus legis sempre que o Ministério Público for autor, já
que, nesse caso, é desnecessário e descaracteriza a isonomia. Se
houver Ministério Público autor e a existência do custus legis impedir a
208
Procurador de Justiça, em exercício na área cível, do Ministério Público de Santa Catarina.
(Anexo 3)
122
sustentação oral ou a defesa das teses da sociedade, há que se abrir
mão do custus legis. (Anexo 1. O grifo é nosso.)
Deduz-se, então, que além de uma crise de identidade, o
Ministério Público de segundo grau discute a sua própria existência nos moldes
atuais, ou seja, põe em dúvida sua função social.
Nos primórdios da existência humana, o homem procurou
viver em sociedade no intuito de se proteger contra os ataques de animais e das
intempéries. Com o passar do tempo, verificou que o compartilhamento de
habilidades entre os integrantes do grupo proporcionava bem-estar a todos. Se o
homem pertence a uma comunidade, portanto, tem o dever de contribuir, segundo
suas possibilidades, adicionando esforços para atingir o desenvolvimento e a
estabilidade dessa mesma comunidade. O homem tem o dever de ser solidário
com seus semelhantes, pois não se basta a si mesmo.
Desse modo o homem se obriga a participar, permitindo que todos
possam usufruir de sua capacidade a fim de favorecer uma comunidade
cada vez mais próxima do ideal. No entanto, de outro lado, traduz-se em
um ônus insuportável o homem que integra uma coletividade e dela só
usufrui benefícios sem contribuir em nada para o desenvolvimento dela e
a geração de bem-estar social.
Nesse sentido é que se impõe a busca da função social de cada Membro
integrante do Ministério Público, a qual por certo há de implicar em
obrigações a realizar para o cumprimento do destino institucional
delineado por Campos Salles, no princípio da República, de ser
“instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas
boas normas da justiça, a qual compete velar pela execução das leis,
decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça e
promover a ação pública onde ela convier.” Daí a origem vocacional de
defesa da legalidade democrática mais tarde alcançada com a Carta da
209
República de 1988. (O grifo é nosso.)
A Procuradora de Justiça do Ministério Público de Minas
Gerais, Gisela Protério Santos Saldanha, baseada na experiência exitosa da
Procuradoria dos Direitos Difusos e Coletivos, que levou à assunção da postura
de parte autora perante o Tribunal de Justiça daquele Estado nas ACPs ajuizadas
por Promotores de Justiça, reclama que idêntica atitude deve ser adotada pelos
Procuradores de Justiça que atuam na área criminal para que a defesa da
209
SALDANHA, Gisela Potério Santos. Da Função social do membro do Ministério Público.
Disponível
em:
http://promotorjustiça.bolgspot.com/2007/03/da-funo-social-do-membro-doministerio.h... Acesso em: 30 de julho de 2009.
123
sociedade se apresente factível em grau recursal.210 A Procuradora também
considera que a implantação da referida Procuradoria torna-se necessária para
corrigir a atuação do Ministério Público junto aos tribunais, de modo a aperfeiçoar
o trabalho e agilizar os processos, complementando:
É desse modo que entendemos que a função social de cada membro se
desvela, e tais transformações antes de representarem críticas, são
colaborações dirigidas à melhoria da qualidade de atuação de cada
Procurador de Justiça, para que lhe seja oportunizado desempenhar com
melhor estrutura a função típica de agente, e isto implica ter-se
conhecimento efetivo de cada caso, aproximar-se dos debates orais nos
tribunais, por onde nossos processos percorrem, envidando esforços
para atingir o sucesso do caso, sucesso esse que não é do Procurador
de Justiça e tampouco do Promotor de Justiça, mas da sociedade, que o
211
Ministério uno e indivisível representa.
Esses esforços são encetados, parcialmente, na condição
de controlador, segundo Copetti, e de modo algum no segundo grau como
registram em suas entrevistas: Medeiros, Herman Benjamin, Alberton, Cota e
Campbell. (Anexos 9, 1, 3, 6 e 5, respectivamente.)
A desvinculação do compromisso com a inerente função
social no Ministério Público de segundo grau é de tal ordem, que chega a não
reconhecer interesse público, em execução de termo de ajustamento de conduta
firmado nos autos de inquérito civil numa das Promotorias de Justiça de
Improbidade Administrativa de Florianópolis, como se verifica no agravo de
instrumento n. 2008.043965-2, interposto ao processo 023.08.030760-7, que
tramitou na primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina,212 o que mereceu comentário do Min. Herman Benjamin:
O prejuízo é enorme. Essa é uma visão completamente ultrapassada e
em confronto direto com o direito moderno que está preocupado, não
apenas com a concessão de direitos e o estabelecimento de obrigações,
mas, com o respeito à implementação desses direitos e obrigações. É
injustificável que o Ministério Público brigue para fazer valer a lei até a
celebração de um TAC e depois não possa ele próprio executar esse
título. A hipótese vale tanto para ocaso em que o título foi celebrado pelo
Ministério Público, como quando é celebrado por outros co-legitimados
(associações e o próprio poder público). Se o Ministério está legitimado
210
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
212
Disponível em: <http://app.tjsc/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?>. Acesso em: 8 de
dezembro de 2009.
211
124
para defender direito em juízo sem título algum, com maior razão quando
ele existe. (Anexo 1. O grifo é nosso.)
Alberton alerta para a insegurança jurídica e a desconfiança
na instituição geradas pelo proceder, enquanto Copetti destaca que, além de
prejudicar a sociedade, viola um dever funcional.
Impõe-se uma reflexão crítica a propósito da atuação do
Ministério Público Estadual em segundo grau, não só para impedir que seja
amordaçado (como pretendem seus inimigos), mas para que atenda às
expectativas da sociedade ou do povo, como diagnostica o advogado paranaense
Dálio Zippin Filho:
E o povo o que espera do Ministério Público no início deste Terceiro
Milênio? Espera que o Promotor de Justiça pós-moderno seja capaz de
estender uma ponte por cima do abismo que separa o discurso científico
do discurso da ética e da política. Que acredite no que faz pensando que
a verdade e a eloqüência são inseparáveis e que ambas brotam do
coração. Que seja movido pela paixão, sentimento que o fará perseguir e
realizar a justiça. Que seja um eterno estudante integrando-se em um
processo de educação continuada. Que tenha um projeto continuado de
educação de vida, conhecendo a realidade, interpretando
adequadamente os fenômenos da micro ou da macro-comunidade onde
atua, penetrando na psicologia do semelhante, para quem atua. Esperase que a verdadeira revolução deva começar na consciência de seus
integrantes, pois o Promotor de Justiça exerce um poder político e dele
213
não deve abdicar. (O grifo é nosso.)
Como se vê, as esperanças depositadas no Ministério
Público são deveras relevantes e não podem ser frustradas pelo comodismo ou
insensibilidade aos reclamos e aspirações da sociedade. O desempenho de sua
função social inclui a aproximação do discurso ético e político, processando os
ímprobos, os que praticam crimes, especialmente aqueles que prejudicam toda a
sociedade, instigando os administradores públicos a implementarem as políticas
necessárias
à
consecução
dos fundamentos
e
objetivos
da
república,
consagrados nos arts. 1º e 3º da CF.
213
In O Ministério Público. Disponível em: <htpp://www.parana.online.com.br/canal/direito-ejustiça/news/260167/?noticia>. Acesso em: 10 de setembro de 2009.
125
3.5.2
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE
DA
ATUAÇÃO
DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL DE SEGUNDO GRAU
Na pesquisa realizada não se localizou doutrinador, julgado
ou escrito, que aprofundasse reflexões sobre a temática da constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da atuação parecerista ou opinativa do Ministério Público
Estadual, junto aos Tribunais de Justiça, quando é transposta a posição de parte
assumida em primeira instância, para fiscal da lei. A manifestação mais próxima
dessa questão é do Procurador Regional da República e professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB), Paulo Queiroz:
Parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo
grau como “custos legis” (sic), posição inclusive que não raro ofende o
contraditório e a amplitude da defesa: No futuro a autuação do MP como
parecerista deve ser abolida, se é que de fato foi recepcionada na
214
Constituição.
Faz-se, pois, necessário, recorrer às funções nucleares
enumeradas no artigo 129 da CF para traçar um parâmetro entre a prática e o
dever ser dos órgãos de execução em exame. Ficou suficientemente explicitado
que a função exercida por eles é sempre fiscalizatória, de custus legis, salvo as
exceções das competências originárias dos Procuradores-Gerais de Justiça e as
experiências das Procuradorias Especializadas em Direitos Difusos e Coletivos,
dos Ministérios Públicos de Minas Gerais e São Paulo.
Efetivamente, as atribuições do Ministério Público são
aquelas enumeradas no art. 129 da CF, do qual se depreende serem todas de
caráter ativo: a) o inciso I estabelece a atribuição de promover a ação penal
pública, e promover significa ajuizar, intentar e dar andamento, não opinar ou
emitir parecer; b) o inciso II impõe zelar pelo respeito aos poderes públicos, aos
serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (e não opinando); c) o inciso
III determina promover (e não opinar) o inquérito civil e a ação civil pública; d) o
214
In Sobre a Intervenção do Ministério Público em Segundo Grau. Disponível em:
<http://www.clubjus.com.br/print.php?content=2.16762> Acesso em: 4 de dezembro de 2009.
126
inciso IV ordena promover a ação de inconstitucionalidade (e não opinar); e) o
inciso V prevê a defesa dos direitos e interesses indígenas (e não opinar); f) o
inciso VI autoriza expedir notificações e requisitar documentos e informações, e
não opinar sobre tais atos; g) o inciso VII determina o exercício do controle
externo da atividade policial, não opinar sobre ele; h) o inciso VIII autoriza
requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, e não
opinar a respeito; e i) o inciso IX autoriza o exercício de outras funções, desde
que compatíveis com as que lhe incumbem e proíbe a representação judicial e a
consultoria jurídica a entidades públicas. Ou seja, em nenhum momento a
Constituição Federal determina que o Ministério Público seja um parecerista, um
opinador. O Procurador de Justiça Catarinense Odil José Cota acresce:
A essência da Constituição de 1988, ao tratar das funções institucionais
do Ministério Público, fala em promover, defender, exercer em todos os
incisos do artigo 129, e omite opinar e sugerir. Por outro lado, fosse a
justiça, como um todo, uma empresa privada à beira de uma crise,
necessitando um enxugamento, quem os diretores dispensariam em
primeiro plano? Os que promovem? Os que decidem? Ou os que
opinam, sugerem e aconselham? (Anexo 6. O grifo é nosso.)
O
entrevistado
Ministro
do
STJ,
Mauro
Campbell
Marques,215 considera que o atuar do Ministério Público junto aos tribunais não
está adequado ao comando constitucional. Aliás, a maioria dos entrevistados é da
mesma opinião.
O doutrinador Paulo Vasconcelos Jacobina manifesta toda a
sua revolta sobre a passividade dos membros do Ministério Público:
Que os juízes contratem assessores para lhes ajudar, e que o Ministério
Público seja parte ativa em todas as lides, deixando o trabalho de dar
opinião, de dar palpites à assessoria dos juízes e tribunais. [...] o
Ministério Público não é órgão jurisdicional, nem muito menos – mesmo
para a tristeza de muitos – órgão administrativo do judiciário. É falta de
dignidade institucional deixarmos o judiciário regulamentar nossa
atuação profissional por regimento interno. [...] O regimento pode
convidar-nos a atuar, mas nós somos os únicos juízes da oportunidade,
conveniência e do conteúdo da nossa manifestação. [...] Não podemos
funcionar como consultores do juiz, em processo nenhum, por vedação
216
constitucional.
215
Integrante da 1ª Seção e da 2ª Turma do STJ, oriundo do Ministério Público do Amazonas,
onde foi por duas vezes Procurador-Geral de Justiça.
216
In O Ministério Público como fiscal da lei na ação penal pública. Boletim dos Procuradores da
República. Ano 1, n. 6 out.1998. p. 24.
127
Jacobina, no artigo em destaque, desenvolve um raciocínio
interessante que visa situar a função processual do Ministério Público em
segundo grau. Para ele, o Ministério Público atua sob dois prismas: pode ser
autor, quando promove uma ação ou dá início a uma demanda na busca de uma
prestação jurisdicional e pode ser chamado a intervir, manifestar-se em ação
proposta por terceiros com a finalidade de identificar a existência ou não de
interesse social ou individual indisponível, como parte autônoma.
Não deixa, porém, de ser parte, vinculada a sua atuação à existência do
interesse que motivou a sua intervenção ele não é autor nem réu, mas
interveniente. Não está psicologicamente atrelado à pessoa de nenhuma
das partes, mas está juridicamente atrelado ao interesse indisponível
posto em juízo. [...] Identificado esse interesse, por ele próprio, ele não é
mais imparcial. Pode apenas atuar na defesa desse interesse, e não
como espectador distante, proferidor de oráculos ou auxiliar pouco digno
do juiz. Na defesa do interesse identificado, ele aduzirá razões jurídicas
argumentativas, requererá a produção e produzirá provas e,
eventualmente, recorrerá. Não é, repita-se, auxiliar do juiz, mas parte –
embora em posição diversa da parte autora e da parte ré – e parte
vinculada à defesa acirrada de um interesse. Neste sentido o Ministério
217
Público é sempre parcial, portanto. (O grifo é nosso.)
A posição do autor é reforçada quando se constata que, se o
Ministério Público em primeiro ou segundo graus atua, por força do disposto nos
incisos I e II do artigo 82 do CPC, em ações que versam sobre interesse de
incapazes, estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento,
declaração de última vontade e ausência, não é imparcial, age – como afirmado
no item 1.3 – para preservar valores e direitos considerados permanentes e, por
isso, requerem a proteção estatal, ante a fragilidade do incapaz e a incapacidade
da sociedade em preservá-los.
A posição de Copetti, na entrevista fornecida, é semelhante
quando assevera que a manifestação em segundo grau tem a finalidade de
influenciar a decisão do Tribunal (Anexo 9), portanto não é imparcial. Compete ao
Ministério Público, junto aos tribunais, a mesma e única missão que rege a
atuação em primeira instância, a de defender a ordem jurídica, o regime
democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, limites
estabelecidos pelo art. 127 da CF, conforme adverte Paulo Bonavides:
217
Idem, ibidem.
128
O Ministério Público, por conseguinte, nem é governo, nem oposição. O
Ministério Público é constitucional; é a Constituição em ação, em nome
da Sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e
salvaguarda das instituições.
Se há regra ou princípio de política jurídica que o rege, esta regra ou
princípio é a norma que deve fazê-lo obediente aos fins institucionais
insculpidos no art. 127, da Carta Magna. Descumpridos esses fins, o
órgão se descaracteriza e se desfigura pelo falecimento de seus valores
218
objetivos. (O grifo é nosso.)
Se o Ministério Público não pode desbordar das missões
que a CF lhe reservou e tornar-se mero espectador da cena processual, não há
legitimação para que oficie junto aos tribunais diversamente da posição originária
que assumiu, deixando a sociedade indefesa, insegura e o processo capenga,
sem autor, como acontece na ação penal pública, nas ações civis públicas, nas
ações de improbidade e em todas aquelas deflagradas por Promotores de Justiça.
O Ministro Herman Benjamin é taxativo:
Nós não podemos calar o Ministério Público autor a pretexto de ter um
Ministério Público custus legis presente. Se optar for necessário, é
preferível ter um Ministério Público autor que um Ministério Público
custus legis. Se for diferente teremos em todas as ACPs sustentações
orais feitas pelos maiores escritório de advocacia em nome do(s) réu(s),
um silêncio absoluto do autor e, por via de consequência, estará ausente
a voz da sociedade. (Anexo 1. O grifo é nosso.)
Uma mostra viva e irrefutável do abismo que se abriu entre o
Ministério Público de segundo grau e suas obrigações constitucionalmente
estabelecidas traduz-se no seu comportamento frente a questões que envolvem
direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis, pois é tênue – senão
quase nula – a defesa que se realiza nas sessões de julgamento das ações civis
públicas propostas por Procuradores e Promotores de Justiça no STJ, como
enfatizou o Ministro Herman Benjamin ao revelar que, em 10% das ACPs
propostas pelo Ministério Público, apenas, ocorre manifestação do representante
ministerial, situação que coloca em risco o destino de questões, muitas vezes, de
relevância nacional.
218
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa – por um direito
constitucional de luta e resistência e uma nova hermenêutica por uma repolitização da
legitimidade. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 384.
129
A meu juízo é um milagre que o Ministério Público Estadual ou o
Ministério Público Federal obtenham ganho de causa nas ACPs de
grande repercussão no STJ porque, na maior parte das vezes, há um
silêncio absoluto do autor da ação. (Anexo 1).
Essa omissão é ratificada pelo Desembargador Medeiros.
Referindo-se ao desempenho dos Procuradores de Justiça no julgamento dos
recursos das ACPs no TJ/SC de iniciativa do Ministério Público, assim se
pronunciou:
Durante o tempo que estou aqui – e lá se vão dez anos – só houve duas
intervenções em ACPs, nem foram sustentações orais, foram apenas
intervenções. Para nós Desembargadores, seria muito importante que
houvesse manifestação do Ministério Público, especialmente quando há
sustentação oral contundente da outra parte, quando o MP é o apelado,
Depois, outra dificuldade reside em que, nem sempre, o Procurador que
participa da sessão é da área, não precisa ser aquele Procurador que
deu o parecer, mas que seja algum que atue na área. Deve haver uma
especialização dos Procuradores. (Anexo 4).
Portanto, não se coaduna com a matriz constitucional a
transposição processual de titular privativo da ação penal pública, autor da ação
civil pública e autor da ação de improbidade, para a posição de parecerista ou de
opinador atualmente desempenhada pelo Ministério Público nos tribunais. Essa
mudança de posição processual fere o princípio do promotor natural, que faz
parte do devido processo legal, previsto no art. 5º, inc. LIII, da CF, conforme
assinalou Mazzilli.219 Urge que os Procuradores de Justiça abandonem o
comportamento confortável de assessores de luxo de juízes, desembargadores e
ministros, pois não é essa a função que a carreira lhes obriga, não é para tal
atuação que são remunerados, muito menos é o que a sociedade deles espera.
o exercício das atribuições do Ministério Público em segundo grau
encontra-se substancialmente alienado da missão constitucional que lhe
exige a complexa sociedade brasileira pós-moderna nas suas carências,
demandas e conflitos por efetivação de direitos humanos e
fundamentais, especialmente quanto a sociedade livre e solidária
estabelecida como objetivo da República (art. 3º, inc. I, da Constituição)
220
ainda é projeto aberto em busca de concretização.
219
In A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. p. 77 e seguintes.
220
BERCLAZ, Márcio Soares, opus cit. pp. 241-285.
130
Em conclusão, respondendo ao subtítulo desse terceiro
capítulo, por não encontrar respaldo constitucional, a atual forma de agir dos
Membros do Ministério Público Estadual de segundo grau nas causas antes
enumeradas, quando propostas por seus pares em primeiro grau – e, por
extensão pelos Procuradores da República junto aos Tribunais Regionais
Federais, STJ e STF – ofende a Constituição Federal e, consequentemente, é
inconstitucional.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
transformação
dos
antigos
procuradores
do
rei,
encarregados de defender seu patrimônio e interesses privados, em defensores
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis levou mais de quatro mil anos para acontecer. As atribuições por
eles exercidas nas diferentes origens localizadas pelos pesquisadores:
Egito,
antiguidade clássica (Grécia e Roma), Idade Média (Germânia, Gália, civilizações
da Península Escandinava), no direito canônico ou pelos procuradores do rei da
Casa da Suplicação de Portugal, em 1289, pouco se assemelham às atuais
funções dos Membros do Ministério Público, muito especialmente dos Promotores
e Procuradores de Justiça brasileiros.
Nos períodos do Estado Novo (1937-1945) e da dominação
militar (1964-1984) houve grande efervescência política e legislativa no Brasil e,
apesar do autoritarismo reinante, o delineamento da instituição iniciado através do
Código Civil (1916) ganhou novos contornos nos textos dos Códigos Penal
(1941), de Processo Penal (1941) e de Processo Civil (1939), reformado em 1973.
Mas foi a Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981, que introduziu
profundas e sensíveis transformações na forma de atuação do Ministério Público
brasileiro, aproximando-a de sua atual formatação. Foram instituídas normas
gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais, consolidados os
princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da autonomia funcional;
estabelecidas as funções institucionais de velar pela observância da Constituição
e das leis, e promover-lhes a execução; além de promover a ação penal pública.
A mesma lei complementar assegurou-lhe autonomia administrativa e financeira;
determinou que tivesse quadro próprio de servidores; conferiu aos Procuradores
de Justiça a atribuição de representar o Ministério Público em segunda instância e
vedou o exercício das funções institucionais a pessoas estranhas à carreira.
Também foi estabelecido o conceito de Ministério Público que serviu de base para
aquela expressa na Constituição de 1988.
O advento da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que
autorizou o Ministério Público a promover ações civis públicas em defesa de
132
direitos metaindividuais, ao lado de outros colegitimados, e outorgou-lhe a
exclusividade para instauração de Inquérito Civil Público, foi outro marco a
contribuir para consolidar o desenho constitucional do Ministério Público.
Já nessa época, os membros da Conamp, sucessora da
Caemp, contribuíram para definir o perfil do Ministério Público, organizados que
estavam desde a edição da Emenda Constitucional de 1977, em que foi prevista a
edição de lei complementar para dispor sobre a instituição.
Foi
durante
os
trabalhos
da
Assembléia
Nacional
Constituinte, convocada para delinear uma nova ordem jurídica no país, que o
movimento político do Ministério Público influiu decisivamente na definição de seu
papel na Constituição de 1988. A Conamp - com apoio nas opiniões
predominantes sobre temas relativos à instituição, recolhidas em quase mil
questionários respondidos por Membros do Ministério Público de todo o Brasil, e
nas teses apresentadas em congressos, sintetizadas nas propostas da Carta de
Curitiba -, exerceu vigilância permanente a fim de evitar que o texto constitucional
ferisse as aspirações institucionais, as quais se harmonizavam com o contexto
histórico e político vigentes. Como assevera Fábio Kerche, a Conamp obteve
sucesso na luta para firmar o Ministério Público como defensor independente dos
direitos da sociedade, porque apresentou uma proposta que não era contrária aos
elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de
aspectos conjunturais e de cultura política presentes na Assembleia Nacional
Constituinte.221
O Ministério Público conquistou posição de independência
em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na CF de 1988 que o
definiu, em seu art. 127, como instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Por ser
instituição permanente, não pode ser retirada da Constituição. É essencial à
função
jurisdicional sempre que estiverem em jogo interesses sociais e
individuais indisponíveis, já que lhe compete defender a manutenção da ordem
jurídica e a defesa do regime democrático, porquanto ela só pode contribuir para
221
KERCHE , Fábio. O Ministério Público e a constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, ano 7, n. 26, abr.jun/99. p. 232-233.
133
a realização da paz social se estiver inserida num regime de liberdade. O
Ministério Público é defensor dos direitos individuais indisponíveis nos processos
que versam sobre interesse de incapaz, estado da pessoa, pátrio poder, tutela,
curatela, interdição, casamento, declaração de ausência, disposições de última
vontade e saúde. Ele defende os interesses sociais indisponíveis em questões
relativas ao meio ambiente, patrimônio público e social, criança e adolescente,
pessoas com deficiência, idosos, saúde pública, consumidor, bens de valor
artístico, estético, turístico e paisagístico e qualquer outro direito difuso ou
coletivo.
Dentre outras conquistas, o texto constitucional estabelece,
ainda, as garantias e vedações de seus membros; proíbe a nomeação de
pessoas estranhas à carreira para exercício das funções que lhe são pertinentes;
dá-lhe exclusividade na instauração de inquérito civil público; autoriza-o,
concorrentemente com outros órgãos públicos e da sociedade civil, a promover a
ação civil pública e garante aos Ministérios Públicos Estaduais a formação de lista
tríplice dentre os integrantes da carreira para posterior escolha de seu
Procurador-Geral pelo chefe do Poder Executivo.
A Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, rege a atuação dos
Ministérios Públicos Estaduais, estabelecendo em seu art. 31 que compete aos
Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde que
não cometidas ao Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste, regramento
que permite inferir que o órgão de execução Procurador de Justiça (art. 7º, inc. III,
da LONMP) desempenha funções residuais em relação àquelas cometidas ao
órgão de execução Procurador-Geral de Justiça (art. 7º, inc. I, da LONMP), o qual
concentra a maioria das atribuições em segundo grau de jurisdição, de acordo
com o art. 29, da LONMP.
Outras duas disposições legais, que reforçam a conclusão
sobre a concentração de atribuições junto aos tribunais de justiça pelo
Procurador-Geral de Justiça, são encontradas nos artigos 610 e 613, caput, do
CPP, as quais determinam que sejam os autos dos processos-crime em grau de
recurso remetidos imediatamente com vista ao Procurador-Geral de Justiça, pelo
prazo de cinco dias, donde resulta a estratégia, comumente adotada, de delegar
aos Procuradores de Justiça essa função, por ser humanamente impossível a um
134
Procurador-Geral examinar todos os processos-crime que tramitam num Tribunal
de Justiça.
As
disposições
legais
mencionadas
–
resquício
do
autoritarismo que imperou no país - podem ter influenciado os ocupantes do
segundo grau do Ministério Público a se manterem aquietados no que respeita à
atuação processual, sem se preocuparem em amoldá-la às novas exigências
constitucionais. Continuaram a emitir pareceres, opiniões, nas ações penais
públicas, bem assim nas ações civis públicas e de improbidade administrativa,
iniciadas por seus pares em primeiro grau, agindo somente como fiscais da lei e
mantendo-se equidistantes das partes, imparciais, tal como acontecia na fase préconstituição de 1988. Esse comportamento expressa completa desconsideração
ao princípio do Promotor Natural com sede no art. 5º, inc. LIII, da CF, prejudica o
exercício da função social do Ministério Público junto aos tribunais, pois se afasta
dos compromissos assumidos quando da deflagração da ação, seja penal ou civil,
a pretexto de uma neutralidade (imparcialidade) sem sustentação na legislação
infraconstitucional, muito menos na CF.
O perfil das ações desenvolvidas pelo Ministério Público
deve ajustar-se, forçosamente, ao estabelecido no art. 127 da Constituição e deve
permanecer
o
mesmo
em
todos
os
processos
nos
quais
intervém,
independentemente de quem esteja atuando (Promotor ou Procurador de Justiça),
pois representam a mesma instituição e cumprem a mesma missão de defesa dos
valores inscritos no citado artigo.
O descompromissado lançamento de um parecer em
processo deflagrado pelo Ministério Público de primeiro grau não mais se
conforma com o modelo independente e proativo - tão avidamente reivindicado
pelo próprio Ministério Público - assentado em nossa Lei Maior.
Da mesma forma, o artigo 610 do CPP não obriga a emissão
de parecer pelo Ministério Público de segundo grau, impondo, apenas, que lhe
seja aberta vista pessoal, para que tome ciência do processado, verifique se foi
observado o devido processo legal, postule eventual diligência sanatória e,
principalmente, prepare sustentação oral do recurso quando da sessão de
julgamento, caso entenda necessário.
135
No mesmo diapasão se insere o comando do art. 41, inc. III,
da LONMP. Aliás, este artigo é mais explícito ao dispor que, após distribuição dos
autos às turmas ou câmaras, eles devem ir com vista ao Ministério Público,
competindo-lhe intervir nas sessões de julgamento, para sustentação oral ou
esclarecimento de matéria de fato. Portanto, a atuação, por excelência, do
Procurador de Justiça deve concentrar-se na sessão de julgamento do processo
que lhe foi distribuído, quando pode desenvolver sustentação oral ou aclarar os
pontos que entender necessários e, também, decidir se vai recorrer da decisão
que vier a ser proferida, caso não se coadune com as teses defendidas pelo
Ministério Público. A supressão do parecer - tradicionalmente emitido nessa fase
processual – que é‚ na esmagadora das vezes‚ o único contato com a causa -,
possibilitará o estabelecimento do necessário vínculo entre o Membro do
Ministério Público de segundo grau e o interesse indisponível em jogo.
A exemplo da eliminação do indigesto promotor ad hoc e da
ação penal ex officio, situações que enfraqueciam e distorciam o papel do
Ministério Público na lide processual e perante os interesses sociais que lhe
compete defender, urge abandonar a praxe processual parecista ou opinativa
entre os Membros de segundo grau da instituição, nos casos mencionados, para
que suas manifestações não firam os princípios constitucionais e processuais da
ampla defesa, do devido processo legal e da isonomia processual, não se
divorciem da realidade, tampouco dos legítimos interesses da sociedade e não
percam o caráter de essenciais à função jurisdicional previsto no caput do art. 127
da CF.
Assim como se defende a prevalência do princípio do
Promotor Natural quando as razões de inconformismo com a sentença
condenatória são apresentadas perante o tribunal de justiça, frente à falta de
suporte legal para afastar o Membro do Ministério Público que originariamente
propôs a ação penal pública, e pela ausência de contemporaneidade em tal
proceder, é imanente ao vigente ordenamento jurídico que a sociedade não se
quede indefesa pela supressão da parte que deu causa à persecução penal,
defesa de interesses coletivos ou individuais indisponíveis e daqueles que
praticaram ações de improbidade administrativa.
136
O Procurador-Geral de Justiça (que eventualmente pode ser
222
Promotor de Justiça)
e o Procurador de Justiça são os Promotores Naturais das
causas que tramitam em segundo grau de jurisdição. As exceções que permitem
ao Membro do Ministério Público de primeiro grau provocar a segunda instância
de jurisdição - habeas corpus, mandado de segurança, reclamações e ações
diretas de inconstitucionalidade de leis e normas municipais em Santa Catarina,
não interferem neste princípio e, tampouco o maculam, pois limitam-se a autorizar
o Promotor de Justiça a postular ao tribunal, mas não no tribunal. O Membro do
Ministério Público de segundo grau não pode ser afastado – a não ser nas
situações especificadas na LONMP -, nem se afastar da obrigação legal de atuar
nas matérias de sua atribuição, submetendo-se unicamente ao comando da lei e
ao seu convencimento pessoal. Tampouco tem autorização constitucional ou legal
para posicionar-se processualmente em polo diverso ao originariamente assumido
pelo Membro do Ministério Público de primeiro grau.
O casuísmo deve ser banido na fixação das atribuições dos
Procuradores
de
Justiça
que
podem,
perfeitamente,
ser
definidas
administrativamente pelo Colégio de Procuradores de Justiça, como acontece
com aquelas afetas aos Promotores de Justiça, sem que haja necessidade de lei
específica para defini-las. São exemplos desse procedimento a Resolução nº
04/2001, do Ministério Público de Minas Gerais, que criou a Procuradoria de
Justiça de Direitos Coletivos e Difusos com atribuição exclusiva para atuar como
parte nos recursos interpostos em ações civis públicas e ações populares, bem
como no Ato n. 226/2007, CPJ, de 27 de junho de 2007, de Santa Catarina, que
cria, na Procuradoria de Justiça Cível, o Núcleo Especial de Defesa das Ações
Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define sua estrutura e âmbito de
atuação (anexo 10).
Defende-se que o Ministério Público Estadual brasileiro não
pode mais se omitir de repensar a posição de custus legis assumida pelos
Membros de seu segundo grau nas causas originalmente deflagradas pelo próprio
Ministério Público, permitindo-se o indevido exercício de parcela de seu múnus
funcional e motivando o conflito de identidade que se instalou em seu meio. O
222
Algumas Leis Orgânicas Estaduais – como a catarinense - permitem que Promotores de
Justiça se candidatem e, consequentemente, integrando a lista tríplice formada, possam ser
nomeados Procuradores-Gerais de Justiça.
137
comportamento provoca dúvidas sobre a necessidade de sua existência nos
moldes atuais, tanto interna corporis como no mundo jurídico.
Conclui-se, no presente trabalho, que não há necessidade
de alterar o arcabouço legal que organiza e disciplina o Ministério Público. Já que
se constatou ser inconstitucional a intervenção do Ministério Público Estadual de
segundo grau na condição de parecista ou opinador em processos iniciados pelo
Promotor de Justiça. Essa transmutação processual não corresponde a essência
das funções nucleares enumeradas nos incisos do art. 129 da CF que encerram
atribuições de caráter ativo: promover a ação penal pública; zelar pelo respeito
aos Poderes Públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos
assegurados na constituição promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
promover o inquérito civil e a ação civil pública; defender os direitos e interesses
das
populações
indígenas;
expedir
notificações;
requisitar
documentos,
diligências investigatórias e instauração de inquérito policial; exercer o controle
externo da atividade policial a fim de verificar se ela se coadunar com a matriz
constitucional de titular privativo da ação penal pública; e, exercer outras funções
que lhe forem conferidas, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas. Portanto, em nenhum momento a
Constituição Federal determina que o Ministério Público seja um parecerista, um
opinador.
Abandonando a opinião daqueles que entendem ser
inaceitável, de consultoria dos juízes, subalterna ao judiciário ou cômoda a atitude
em comento, é certo que, assumindo só parte da função ministerial (fiscal da lei),
o Ministério Público de segundo grau descumpre também as missões que regem
toda a instituição, explicitadas no art. 127 da CF. E, se descumpre suas missões
constitucionais frustra as expectativas da sociedade, pois deixa de atender à
função social que lhe compete desenvolver, rompendo com o dever de direcionar
sua atuação na defesa dos legítimos interesses sociais.
Ao abdicar de agir perante os tribunais como parte nas
esferas criminal e cível, o Ministério Público descarta, indevidamente, o
compromisso que motivou a provocação da tutela estatal que, em última análise,
só pode ter sido de defender os direitos e interesses do povo. Deixa de dirigir
seus esforços para atingir o sucesso do caso, sucesso esse que não é do
138
Procurador de Justiça e tampouco do Promotor de Justiça, mas da sociedade,
que o Ministério uno e indivisível representa.223
A política jurídica que resgata semiologicamente o sentido
do justo e do útil224 por intermédio de seu olhar direcionado aos valores
resultantes das experiências das lágrimas e dos sorrisos que afloram no painel da
vida225, fornece ferramenta competente para embasar a adequação das normas
positivadas e válidas aos valores culturais de justiça e utilidade social vigentes e,
assim, provocar o surgimento de uma política institucional capaz de realinhar o
proceder do Ministério Público Estadual de segundo grau, realinhamento que
pressupõe obediência aos ditames constitucionais que transformaram o Ministério
Público em defensor da sociedade, de cuja função não pode e não deve desviarse, sob pena de mutilação.
223
SALDANHA, Gisela Potério Santos. A Função Social do Membro do Ministério Público. Artigo
disponível em: http://promotordejustiça.blogst.com/2007/03. Acesso em: 30 de julho de 2009.
224
MELO, Osvaldo Ferreira de. Opus cit., p. 49.
225
MELO, Osvaldo Ferreira de. Opus cit., p. 49.
139
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148
ANEXO 1
ENTREVISTA COM O MINISTRO ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E
BENJAMIN
MEMBRO DA 1ª SEÇÃO E DA 2ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA/STJ
LOCAL DA ENTREVISTA – STJ/BRASÍLIA
Datas: 20 e 26 de outubro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin - Nós não podemos calar o
Ministério Público autor a pretexto de ter presente um Ministério Público custus
legis, se optar for necessário, é preferível ter o primeiro em detrimento do
segundo ou teremos, em todas as ACPs, sustentações orais dos maiores
escritórios de advocacia em nome do(s) réu(s), um silêncio absoluto do autor e,
em consequência, a voz da sociedade estará ausente.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
A. H. V. B. - A ampla defesa e a isonomia devem ser vistas em sua forma
contextual e substantiva, não apenas em um plano estritamente formal, já que,
nesta perspectiva, estritamente formal, não há falta de isonomia, nem prejuízo à
149
ampla defesa, pois as mesmas peças processuais estão à disposição de ambas
as partes. Só que isonomia e ampla defesa, no campo processual, é um fato mais
amplo que inclui sustentação oral e distribuição de memoriais, incluindo entrevista
pessoal com desembargadores e com ministros. Muitas vezes o entendimento do
relator sobre uma determinada matéria é influenciado pelo contato direto com
uma das partes e mesmo com a sustentação oral, embora seu voto esteja
definido por escrito. Não é incomum, após uma boa sustentação oral, o relator
optar pela vista regimental com suspensão do julgamento, para reapreciar os
argumentos do réu ou da defesa.
Então, ampla defesa e isonomia, em casos complexos, significam muito mais do
que a juntada das peças estabelecidas no CPP e CPC, incluem sustentação oral
e distribuição de memoriais.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
A. H. V. B. - Eu acho que devemos rediscutir a própria figura do custus legis,
limitando-a aos casos em que não há Ministro Público autor. Devemos abrir mão
do custus legis sempre que o Ministério Público for autor, já que, nesse caso, é
desnecessário e descaracteriza a isonomia. Se houver Ministério Público autor e
a existência do custus legis impedir a sustentação oral ou a defesa das teses da
sociedade, há que se abrir mão do custus legis.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que
cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
A. H. V. B. - Independentemente da análise desse dispositivo, duas questões
precisam ser colocadas: uma de caráter pragmático e outra de aperfeiçoamento
legislativo, que pode demorar. Eu estou mais preocupado com uma melhoria do
sistema; mesmo com a norma expressa na Lei Orgânica, nada impede que se crie
internamente no Ministério Público, um sistema de atuação conjunta entre o
Procurador de Justiça, que formalmente representa o Ministério Público em
150
segunda instância e o Promotor de Justiça do caso concreto. Isso viria a fortalecer
e dar maior embasamento às opiniões do Ministério Público em segunda
instância. E contribuiria para um efetivo contraditório entre as várias posições
levadas à apreciação dos desembargadores e dos ministros. Como está hoje, o
custus legis quebra o contraditório e enfraquece a legitimidade e a qualidade da
decisão judicial.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é
interpretação compatível com os arts. 127 a 129 da CF? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
A. H. V. B. - Essa pergunta não foi respondida.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
A. H. V. B. - Na verdade, é inconstitucional, a meu juízo, suprimir a defesa judicial
da sociedade. Ela deve alcançar a última instância.
7) No processo crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido desta expressão:
a)
examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b)
emitir parecer;
c)
tendo sido emitindo parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d)
há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista à
outra parte, como ocorre atualmente?
e)
e quando o tribunal acolhe e transcreve parte ou integralmente o parecer
ministerial como fundamento da decisão?
A. H. V. B. – Veja é uma vista para se levantar todas as questões colocadas, não
apenas as processuais, vista para se levantar todas as questões colocadas, não
apenas as processuais como também as institucionais interna corporis. Por
exemplo, se a matéria é muito complicada, é o caso de chamar um determinado
Procurador ou a equipe integrada por um grupo de Procuradores para tratar do
151
tema. O que caracteriza uma anomalia, é o Ministério Público estar especializado
na primeira instância e não na segunda, caso em que se exige um trabalho mais
minucioso do que perante o juiz de primeiro grau.
A manifestação do Ministério Público em segundo grau, hoje, é vista como custus
legis, e isso é um equívoco, não custa repetir. Hoje o custus legis existente em
segunda instância acaba, em vez de auxiliar o Ministério Público e o interesse
público, por prejudicar a atuação do autor.
8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento
das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em
que percentual?
A. H. V. B. - Embora haja exceções, em 90% das ACPs propostas pelo Ministério
Público Federal ou pelos Ministérios Públicos Estaduais, não há manifestação oral
do Ministério Público no STJ. A regra é do silêncio, até porque para intervir com a
mesma qualidade do autor, é preciso conhecer profundamente os fatos, as teses
jurídicas e a matéria. A meu juízo é um milagre que o Ministério Público Estadual
ou Ministério Público Federal obtenham ganho de causa nas ACPs de grande
repercussão no STJ porque, na maior parte das vezes, há um silêncio absoluto do
autor da ação.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
A. H. V. B. Não vejo razão legal ou prática para se negar essa possibilidade.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
A. H. V. B. - A atuação do próprio Ministério Público, o que é desnecessário, já
que estamos gastando recursos escassos - humanos e financeiros - para
sustentar uma figura que é apenas um conselheiro de luxo do tribunal ou do juiz.
Isso não mais se justifica. Até porque o ministro ou o desembargador não se
152
impressionam com pareceres genéricos de quem, mesmo sendo esforçado, não é
especialista na matéria e nem familiarizado com os fatos.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
A. H. V. B. - Não há necessidade de mudar a legislação. Nada impede que, numa
sustentação oral, o procurador de justiça ou subprocurador-geral da república,
como fazem os grandes escritórios de advocacia, façam a introdução geral do
tema e das questões controvertidas e, em seguida, passem a palavra para o
procurador da república ou promotor de justiça que aforou a ação para que traga
elementos precisos de convencimento.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
STJ?
A. H. V. B. - Deve ser conforme a posição processual assumida originariamente
na primeira instância. Na minha opinião, quando o Ministério Público é parte, não
há necessidade de intervenção de nenhum outro representante do parquet, como
custus legis. A posição de custus legis em segundo grau só se justifica quando o
Ministério Público originariamente assim houver integrado a lide.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
A. H. V. B. - O prejuízo é enorme. Essa é uma visão completamente ultrapassada
e em confronto direto com o direito moderno que está preocupado, não apenas
com a concessão de direitos e o estabelecimento de obrigações, mas com o
respeito à implementação desses diretos e obrigações. É injustificável que o
Ministério Público brigue para fazer valer a lei até a celebração de um TAC e
depois não possa ele próprio executar esse título. A hipótese vale tanto para o
caso em que o título foi celebrado pelo Ministério Público, como quando é
celebrado por outros co-legitimados (associações e o próprio poder público). Se o
153
Ministério Público está legitimado para defender direito em juízo sem título algum,
com maior razão deve fazê-lo quando ele existe.
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
A. H. V. B. - Desde que fique claro que ele está presente não como custus legis,
mas como autor. A questão preambular é outra. É deixar estabelecido que se há
Ministério Público autor na primeira instância, na segunda instância não haverá
Ministério Público custus legis. Não se trata de acabar com a figura de custus
legis, mas de estabelecer regras claras para essas duas atuações. O Ministério
Público custus legis continua importante e a figura deve ser prestigiada e
preservada, mas não como fiscal do promotor ou procurador autores. Essa visão
é incompatível com a reforma constitucional de 1988, pois o segundo grau,
nessas condições, é herdeiro de um modelo antigo, ultrapassado e que solapa o
atendimento das necessidades sociais e políticas. O papel do Ministério Público
não é mais e não pode ser de conselheiro do juiz quando existir Ministério Público
autor, sobretudo se essa manutenção significar a denegação de presença e de
participação do Ministério Público autor.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
A. H. V. B. - Conheço, sendo que a Procuradoria dos Direitos Difusos e Coletivos
de São Paulo é anterior à de Minas Gerais. Lutei muito pela sua aprovação
enquanto Conselheiro no Conselho Superior. Na época, minha proposta
formalizada e publicada no Diário Oficial foi derrotada.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
A. H. V. B. - Essa pergunta não foi respondida.
154
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
A. H. V. B. - O modelo atual deixa muito a desejar por ainda ser reflexo de uma
posição monocrática, do Ministério Público de gabinete, em que o trabalho era
exercido, especialmente em segunda instância, na elaboração de peças de forma
solitária.
Eu acredito que, pela dimensão nacional dos interesses difusos e
coletivos que hoje são atribuídos ao Ministério Público, procuradores de justiça e
subprocuradores-gerais da república têm o dever - da mesma forma que o
parquet saiu do casulo para buscar legitimação para agir nestes casos - de
também defender esses interesses e bens com as mesmas armas técnicas e
instrumentos que estão sendo utilizados pela parte contrária.
A figura do Ministério Público custus legis em ACPs – um protagonista passivo,
neutro e que lava as mãos - presta um desserviço à tutela dos interesses difusos
e coletivos e, ao final das contas, à própria sobrevivência da instituição nesse
campo de litigiosidade massificada.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
A. H. V. B. - Não, pelo menos na forma atual.
19) Em caso negativo, qual seria a solução?
A. H. V. B. - Uma possibilidade é a idéia de criar procuradorias ou câmaras de
segundo grau, compostas de promotores de justiça de última instância, por prazo
determinado – 5 anos, por exemplo, - para atuarem junto aos tribunais.
Reconheço que essa é uma proposta radical e, por esta razão inviável hoje. Mas
é válida para provocar o debate. Atualmente, com o afunilamento da carreira, em
verdade, não há mais uma carreira, pois o último posto fica inalcançável para
muitos. Ademais, se queremos uma segunda instância ativa e não passiva, nada
melhor do que criar mecanismos de oxigenação permanente, razão da proposta
de limitação temporal, como no Judiciário Estadual, seria uma saída. Não há
necessidade de toda a estrutura do segundo grau.
155
ANEXO 2
ENTREVISTA COM A MINISTRA ELIANA CALMON ALVES
MEMBRO DA 1ª SEÇÃO E DA 2ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA/STJ
LOCAL DA ENTREVISTA: BRASÍLIA/STJ
Data: 26 de outubro de 2009
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Eliana Calmon Alves - Já pensei muito a respeito e entendo que devam participar
dois Membros do Ministério Público em segundo grau: um na condição de custus
legis e outro como autor. O custus legis seria aquele a quem toca representar o
procurador-geral na divisão do trabalho e o outro seria designado especialmente
pelo procurador-geral. Assumo essa posição por terem as ações civis públicas um
conteúdo político maior e haver necessidade de o Ministério Público nelas
advogar como autor.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
E. C. A. - Há ofensa aos dois princípios. Na perspectiva do que defendo o
funcionamento do Ministério Público, o autor deve advogar a tese que está sendo
posta, fazer sustentação a oral e não se, no tribunal, comportar como custus legis,
156
que deve ser imparcial. O representante ministerial que possui assento no tribunal
não tem o mesmo envolvimento de quem participa do processo como autor.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
E. C. A. - Sim, a intervenção dos procuradores nos tribunais como custos legis se
justifica, já que o responsável pelo parecer não tem envolvimento com a questão,
não se imiscui na prova e fiscaliza a regularidade do processo, razão pela qual, o
custus legis não se confunde com o autor, que é parcial e se envolve com a tese.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que
cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
E. C. A. - Autoriza a atuar como custus legis e não afronta a CF, pois o
procurador-geral delega atribuição para funcionar junto à determinada câmara ou
turma e não nos processos A ou B.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é
interpretação compatível com os arts. 127 a 129 da CF? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
E. C. A. - Essa concentração não afronta a CF, pois toda instituição tem que ter
uma chefia, uma organização e um direcionamento.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
E. C. A. - Isso é uma tragédia que precisa ser corrigida com urgência, de acordo
com o que defendo. O Ministério Público precisa advogar a tese que está posta
na ação, fazendo sustentação oral e tudo o mais que pode ser feito, pois ele é
parcial, é parte.
157
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
E. C. A - A abertura de vistas é para tudo: arguir nulidade, requerer
complementação de prova, decidir se há necessidade de fazer sustentação oral
para agir como autor, porque no crime ele é autor da ação penal pública. Não
cabe oferecer um parecer, porque no crime não existe custus legis.
8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento
das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em
que percentual?
E. C. A. - Não tem feito sustentações orais. Pode até defender, eventualmente,
um ponto de vista, mas não faz sustentação oral.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
E.C.A. – Nesse caso pode, desde que divida o tempo com o procurador que atua
junto à câmara ou turma, pois é uma só pessoa, ainda que quatro ou cinco se
pronunciem.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
E. C. A - Atua visando à regularidade do processo e do ato que assiste. Ele é o
fiscal da magistratura, ou seja, avaliza o bom funcionamento da sessão.
158
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
E. C. A. - Acho que na esfera cível, sim.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
STJ?
E. C. A. – Essa pergunta já foi respondida.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
E. C. A. - Pode acontecer, não é por estar ali que deve concordar com tudo, ele
pode chegar à conclusão de que o assunto discutido não era cabível.
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
E. C. A. – Sim, e traria mais harmonia institucional. Esse link entre quem ajuizou o
processo e o segundo grau tem que ser feito.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
E. C. A. - Não conheço, mas considero oportuna a iniciativa, que ficou melhor
ainda, porque o processo lhes é dirigido como se advogados fossem.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
E. C. A. - Com certeza.
159
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
E.C.A. - Não. E o que é pior, tem que ser o Procurador-Geral da República.
Infelizmente, os procuradores não costumam se pronunciar; não há necessidade,
porém, de nenhuma mudança legislativa para que isso aconteça.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
E. C. A. - O Estado passou de credor a devedor.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
E. C. A. – Essa pergunta ficou sem resposta.
160
ANEXO 3
ENTREVISTA COM
O
PROCURADOR
DE
JUSTIÇA JOSÉ
GALVANI
ALBERTON
PROCURADOR DE JUSTIÇA DA ÁREA CÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE
SANTA CATARINA
LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA/FLORIANÓPOLIS
Data: 13 de novembro de 2009
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
José Galvani Alberton – Na segunda instância minha posição sobre o assunto é
muito clara: a atuação do Ministério Público persiste rigorosamente como autor da
ação ou não se justifica, o que constitui um inconveniente no contexto atual da
justiça brasileira, já que me parece algo supérfluo. Se eu defender a posição de
que o Ministério Público deva atuar como autor, a parte ré, o demandado, deveria
também ter uma segunda oportunidade de se posicionar, ou seja, o processo não
precisa fazer o caminho da Procuradoria-Geral de Justiça. Isso se deve a uma
prática retrógrada do processo brasileiro; não há nada que justifique essa
participação no segundo grau, nem mesmo na esfera criminal. Estou fazendo uma
censura à própria lei, ao próprio modelo. A ação inicia na primeira instância, há
uma decisão e, eventualmente, um recurso. Em havendo recurso, as partes
deduzem as suas razões no primeiro grau e, subindo o recurso, compete ao
segundo grau decidir. Qual a finalidade de passar pelo Ministério Público ele vai
julgar? Não, pois não lhe compete julgar. Vai complementar a acusação feita na
primeira instância, tanto na esfera cível como na criminal? Neste caso é
161
necessário abrir vista para outra a parte, em razão do princípio da ampla defesa.
Nisso reside uma anomalia, sem considerar que, por uma questão de política
administrativa ou de gerência do sistema da prestação jurisdicional, não
podemos, no contexto atual da justiça brasileira, nos permitir determinados
preciosismos. É um comportamento que, a rigor, deveria ser dispensado, por
onerar tanto em termos financeiros quanto em termos de celeridade da jurisdição.
O jurisdicionado, em conseqüência, padece desnecessariamente. Eu defendo a
segunda instância desde que lhe sejam cometidas atribuições como órgão
agente, de acordo com o modelo de Ministério Público expresso na Constituição.
O Ministério Público só pode ser agente, conforme o verbo utilizado na CF,
defender. Ele tem que defender algum daqueles valores que estão elencados no
art. 127 da CF. Não há outro espaço para ele.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
J. G. A. - Esta pergunta já foi respondida acima. Eu, efetivamente, acho que há
ferimento aos dois princípios.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
J. G. A. - Não faz nenhum sentido. É redundante. A hipótese que admito
(inclusive, defendi esse posicionamento num artigo que publiquei) é a utilização
do parecer para suprir eventuais vácuos deixados pelo autor, nas hipóteses, por
exemplo, em que se discute interesses de incapazes – mesmo que o Ministério
Público não tenha sido autor. O parecer seria uma espécie de longa-manus das
peças processuais produzidas pela defesa daqueles interesses no primeiro grau.
Mas sem esquecer que, em tais hipóteses, para não desequilibrar o processo,
impõe-se que a parte adversa seja autorizada a nova manifestação, em segundo
grau.
162
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
J. G. A.- Exercer atribuições junto aos tribunais não significa necessariamente
atuar como custus legis. Não me parece que o art. 31 imponha essa
transmutação. É o Ministério Público que, por não ter tido competência ou
coragem de desvencilhar-se de praxes ultrapassadas, está aceitando essa
posição subalterna – tal como um adjetivo supérfluo ou desnecessário que
pretende apenas enfeitar o substantivo.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça é
interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
J. G. A. - Eu vejo aqui uma oportunidade de salvar a situação: não só ampliando a
legitimação do primeiro grau, mas partilhando com o segundo grau essas
atribuições que hoje estão concentradas exclusivamente nas mãos do procuradorgeral de justiça. Isso é resquício, talvez, do regime ditatorial, da fragilidade do
espírito democrático, ou uma tentativa escamoteada de manipulação do Ministério
Público, já que, na medida em que se concentra poder nas mãos do procuradorgeral, que além disso é nomeado pelo Poder Executivo, o Ministério Público se
põe na alça de mira, torna-se um alvo fácil. Em frente a uma determinada
hipótese, ele pode, circunstancialmente, em razão da forma como foi investido no
cargo, sofrer assédio para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ao passo que se
essas atribuições fossem pulverizadas entre os procuradores de justiça,
impessoal e ordenadamente, o alvo se diluiria, oferecendo mais segurança para o
efetivo implemento das medidas a cargo do Ministério Público e, por
consequência, para a própria sociedade.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
163
J. C. A. - Acredito que não. Isso importaria uma fragmentação da lógica do
processo e, como consequência, a violação do devido processo legal, partindo da
premissa de que o Ministério Público está agenciando interesse da sociedade. Na
fase recursal, não parece lógico o Ministério Público (autor) inverter o sentido
original da demanda. Isto é tarefa do Judiciário.
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
J. C. A - Essas questões pontuais aqui colocadas traduzem exatamente a
anomalia da qual acabamos de tratar. Realmente, emitido um parecer, a outra
parte deve poder manifestar-se para que também reveja o que está no processo.
Deve haver paridade no tratamento das partes.
Se o tribunal transcreve o parecer, é mais uma evidência de que a fratura
aconteceu.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
J. G. A. - Eu não sei se essas sustentações têm ocorrido, mas pelo menos houve
uma iniciativa, no âmbito de segundo grau, de ser constituída até uma
procuradoria especializada. Quando era Procurador-Geral de Justiça fiz uma
proposta no âmbito do Conselho de Procuradores, antes de instituir o Centro de
Controle de Constitucionalidade, no sentido de repassar para o Colégio, de uma
forma impessoal, a tarefa de questionamento da constitucionalidade das leis
164
municipais e estaduais, mediante distribuição através de um sistema de
rastreamento sistemático e permanente das normas editadas. A recusa foi geral.
Quebrar praxes e padrões é muito difícil. Quando se cristaliza determinado
padrão de conforto pessoal é difícil mudar, ainda que haja prejuízo institucional e
de caráter social.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
J. G. A. - Eu não vejo dificuldade maior em permitir a um promotor de justiça de
fazer sustentação oral perante os tribunais, se ele é o autor da ação. O que
poderia salvar a segunda instância, nesse caso, segundo meu ponto de vista, é
aquele partilhamento de funções de acordo com a gravidade e as circunstâncias.
Se for para se manter uma segunda instância, que seja qualificada e dignificada,
acabando com a prática de uma segunda instância meramente palpiteira. Isso já
não se coaduna com os dias atuais, nem com os princípios da eficiência e da
razoabilidade que estão presentes na CF/88. É um modelo imperial.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
J. G. A. - É uma boa pergunta. De quem deve fiscalizar os interesses? Se a parte
for incapaz, o Ministério Público até pode coadjuvar o advogado dessa parte. No
mais, nada há para fiscalizar. Se pensarmos em fiscalizar a regularidade do
processo, então teríamos que atuar em todos eles. Ademais, o tribunal já tem
atribuição legal (dever) de fiscalizar a ordem do processo, nas primeira e segunda
instâncias. O Ministério Público, por sua vez, deveria ser uma instituição retilínea.
Se o promotor de justiça tem legitimidade para começar a ação na comarca, tem
legitimidade para terminá-la no segundo grau. Se a iniciativa for deferida a um
procurador de justiça, ele deve acompanhar seu desenvolvimento em qualquer
tribunal.
165
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
J. G. A. - Não é questão de mudança legislativa, já que as normas ordinárias
precisam se harmonizar com o espírito da CF. Se temos o dever de defender
determinado valor, precisamos defendê-lo sistematicamente. Na ação penal, por
exemplo, não compete ao procurador de justiça colocar-se contra a tese
sustentada pelo promotor de justiça que recorreu. Compete ao réu contestá-la e
ao tribunal apreciar essa tese. O Ministério Público de segundo grau não é órgão
julgador da atuação do Ministério Público de primeiro grau, sob pena de violação
do princípio da independência funcional. O Ministério Público não pode se anular
através do posicionamento de seus diversos órgãos. Qual é a segurança jurídica
que a sociedade possui? Essas posições são altamente deletérias do ponto de
vista da segurança jurídica da sociedade.
As mudanças legislativas necessárias estão no âmbito do processo civil e penal.
E se devemos agenciar os interesses da sociedade, sempre que a norma se
contrapuser ou dificultar a realização desse interesse, cabe-nos optar pela
mudança, seja da lei ordinária, seja da própria Constituição. Conrad Hess trabalha
bem essa questão do tencionamento das normas.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
J. G. A. - Essa questão já foi respondida.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
J. G. A. - Pois é, veja a insegurança jurídica que isso gera. Nós temos uma
instituição
constituída
constitucionalmente
e
programada
para
defender
determinados interesses. Esses interesses começam a ser defendidos na base
pelo promotor, culminando na realização de um TAC. Depois o procedimento
sobe para a segunda instância e outro Ministério Público diz que aquele interesse
não é defensável. Que juízo a sociedade irá fazer dessa instituição que ela criou?
166
No mínimo vai gerar dúvidas quanto à confiabilidade da instituição. Estimo que
todas as instituições têm o dever de lealdade no trato de todas as questões
sociais.
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
J. G. A. - Não só aproximaria como daria maior credibilidade e segurança à
sociedade. Devemos batalhar intensamente no sentido de alcançar esse objetivo.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
J. G. A. - Confesso que não conheço essas experiências. Mas são iniciativas que
parecem extremamente válidas. Nós temos que, realmente, valorizar o Ministério
Público e construir um modelo que lhe permita atuar como tal.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
J. G. A. - A legislação que temos abre um espaço enorme no qual podemos
transitar. A questão é interpretar nossas atribuições segundo os objetivos da
República Federativa do Brasil. Normalmente, é o que acontece quando a norma
é interpretada no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Isso
não é uma alegoria moral, é um comando jurídico que nos obriga, aliás, obriga a
todos os agentes públicos, do maior ao menor escalão. Todos deveriam saber
que esse artigo da CF existe e que devem caminhar na direção dele.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
J. G. A. - Seguramente não está. O responsável é o apego à praxe. Vamos ser
honestos: repito que há um certo padrão de conforto na manutenção dessa
167
situação. Você tem a obrigação de dar um palpite e, a rigor, não tem
compromisso com o interesse de ninguém. Isso não é saudável sob o ponto de
vista do aperfeiçoamento institucional e do resgate dos compromissos assumidos
pelo Ministério Público – e incluo o Judiciário -, notadamente no cumprimento de
sua função social. A crítica que eu faço, é que costumamos nos entusiasmar com
as conquistas já consolidadas e ficamos sem resolver as demandas reprimidas.
Preferimos, muitas vezes, nos entusiasmar com os dados estatísticos. Lembro
que participei de uma sessão no Tribunal/SC, na qual estavam em julgamento
156 processos pautados, sendo que 95 eram representados por recursos de
empresas seguradoras que se negavam a honrar os compromissos assumidos
com o pagamento do seguro obrigatório alegando que, mesmo se tratando de
seguro obrigatório, havia moléstia preexistente. Aí perguntei se aquela pauta
havia sido montada especificamente para discutir esse assunto, porém me
disseram que ela foi montada de modo aleatório. Eis aí um exemplo dos espaços
que estamos deixando de ocupar: o comportamento das companhias seguradoras
deveria
estar
sendo
acompanhado,
primeiro
pelos
serviços
de
polícia
administrativa (SUSEPE) e, complementarmente, pelo Ministério Público,
atacando coletivamente a questão para censurar a omissão do órgão fiscalizador
(polícia administrativa), que está permitindo a propagação desse tipo de
demanda. Ao invés disso, preocupamo-nos em dar um parecer em casos
isolados, só porque tem interesse de menor. A consequência é o Judiciário
entupido de processos: uma estatística falsa, que não retrata, a rigor, um trabalho
racional em prol da justiça. São coisas que precisam ser pensadas. É confortável
ficar dando palpite. Mas, temos que raciocinar que o Ministério Público existe para
a sociedade e devemos aceitar de bom grado nossa missão de defendê-la.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
J. G. A. - De tudo que foi dito, conclui-se que não.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
J. G. A. - A saída estaria no enriquecimento da pauta de trabalho, o que implicaria
o incremento de legitimações ativas para ações originárias perante o segundo
grau. Apenas como exemplo, destaco as ADINs de leis estaduais, as ações de
168
improbidade contra agentes públicos estaduais, as ACPs constitutivas de
obrigação de fazer ou não fazer contra entes estaduais, e determinadas ações
coletivas cujos efeitos transcendessem os limites das jurisdições locais de
primeiro grau. Obviamente, para algumas dessas legitimações reclama-se
alteração legislativa. Não me parece, contudo, que haja outra saída. Seria a
maneira de o segundo grau dignificar-se como órgão agente, afastando-se de sua
condição adjetiva, que pouco serve à sociedade e pouco contribui para o
fortalecimento político da instituição.
169
ANEXO 4
ENTREVISTA COM DESEMBARGADOR LUIZ CÉZAR MEDEIROS
MEMBRO DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO E DA 3ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA
CATARINA
LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Data: 17 de novembro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Luiz Cézar Medeiros - Se o Ministério Público começou a atuar como autor em
determinada lide, ele tem de continuar como autor até o fim para que a sociedade
seja melhor defendida. Ele tem que ter as mesmas prerrogativas e obrigações de
qualquer autor, até porque os interesses que defende são muito mais
abrangentes do que os de uma lide individual. Se ele é uno e indivisível, como diz
a CF, deve se levantar e ir à tribuna defender essa postura, como autor
comprometido com a causa em julgamento. Atuando como custus legis acaba
ocorrendo um fator complicador, pois já vimos aqui pareceres contrários às ações
civis públicas propostas pelo promotor de justiça.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
170
L. C. M. - A rigor, atuando como custus legis não feriria. Mas o assunto arranha o
princípio da isonomia. Já tivemos reclamações sobre o assunto. Há toda aquela
manifestação no contraditório e, depois, o processo vem para manifestação do
procurador de justiça como custus legis e a outra parte não tem a mesma
oportunidade. O processo entra em pauta para julgamento sem que a outra parte
conheça o conteúdo da manifestação proferida na PGJ. Na verdade, o que o
procurador de justiça faz ao receber o processo oriundo da primeira instância é
um arremate que lhe permite preencher lacunas que, eventualmente, o promotor
não tenha percebido.
É, realmente, uma situação que precisa ser repensada, porque se for aberta vista
à parte contrária, mesmo atuando o procurador de justiça como custus legis, vai
ser prejudicial à celeridade processual. E se for um caso de réu preso? Não seria
o caso de se abdicar daquela manifestação? É preciso refletir.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
L. C. M. - Raramente, a não ser quando o procurador coloca a sua posição
pessoal que, às vezes, é diferente da posição institucional. Acho interessante isso
no Ministério Público, porque independentemente de ter suas convicções
pessoais, como também acontece com os juízes, ele pode traçar políticas
institucionais, como aconteceu no caso do lixo doméstico, nas ações que
envolveram o número de vereadores.
O procurador, opinando, não é forçosamente, o autor, porque ele pode
manifestar-se contrariamente ao autor. O tribunal teria que aceitar a postulação
como desistência da ação ou julgar deserto o recurso? Mas o Ministério Público
não pode desistir da ação ou do recurso interposto, logo essa saída não é boa.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
171
L. C. M. - Este é um artigo que merece reflexão. O exercício de atribuições pelo
procurador de justiça junto ao segundo grau, numa interpretação harmônica, não
alija o promotor de justiça de, também, atuar nessa esfera de jurisdição, até
porque existem ações que podem ser interpostas diretamente no Tribunal de
Justiça por este último; é exemplo um mandado de segurança contra um
Secretário Estadual.
5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é
interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
L. C. M. - Aqui eu vou especular, pois entendo que tal disposição (do art. 31)
deva-se ao temor de deixar nas mãos do promotor de justiça determinadas
decisões que seriam melhor avaliadas por um procurador de justiça, pessoa mais
experiente e com uma visão mais ampla, sobre a qual o procurador-geral exerce
um certo controle. É o receio de perder o controle sobre certas matérias frente à
autonomia dos Membros do Ministério Público, um resquício de autoritarismo que
vigia antes da CF. Em incidentes de inconstitucionalidade, por exemplo, há
desembargadores que não aceitam sejam suscitados por promotor de justiça, pois
entendem que só ao procurador-geral compete ingressar com ação direta de
inconstitucionalidade a despeito da disposição de nossa CE. O procurador-geral
de justiça precisa desconcentrar e distribuir o poder que detém, até porque dará
um grau maior de importância à atuação do procurador de justiça tornando-lhe
mais fácil o exercício de seu múnus, afastando-o de pressões, como o
arquivamento de peças de informação.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
L. C. M. - Não vejo essa autorização. Penso que o artigo 31 da LONMP não
interfere nesse ponto.
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
172
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
L. C. M - A Procuradoria deveria viabilizar um mecanismo de, na hora em que o
processo lá aporta, remetê-lo ao promotor de justiça que originariamente nele
atuou, já que não existe a figura do custus legis. E a defesa faz isso de propósito,
para pegar alguém que não tenha aqueles argumentos de quem atuou na
instrução do processo para contrapor, que viu o réu debochar na hora de prestar
depoimento, etc.
O correto seria o tribunal, ao receber as razões recursais, encaminhar
diretamente à comarca de origem o processo para contrarrazões. Ao final, o art.
610 do CPP, acaba sendo incompatível com o texto legal e constitucional.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
L. C. M. – Durante o tempo que estou aqui – e lá se vão dez anos - só houve duas
intervenções
em
ACPs,
nem foram
sustentações
orais,
foram
apenas
intervenções. Para nós desembargadores, seria muito importante que houvesse
manifestação do Ministério Público, especialmente quando há sustentação oral
contundente da outra parte, quando o Ministério Público é o apelado. Outra
dificuldade reside em que, nem sempre, o procurador que participa da sessão é
da área. Não precisa ser aquele procurador que deu o parecer, mas que seja
algum que atue na área. Deve haver uma especialização dos procuradores.
Na área criminal, embora não seja regra, já é mais comum o PGJ ou
procuradores de justiça fazerem sustentação oral.
173
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
L. C. M. - Embora o Tribunal de Justiça não tenha admitido, na minha opinião
pessoal, poderia. Não há por que não permitir. Se eu estivesse presidindo a
sessão, não vejo porque não poderia dar a palavra ao promotor de justiça autor
da ação que aqui viesse. Mas, não sei se deixaria o procurador falar também.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
L. C. M. - Não sei te dizer. Porque a atividade de custus legis do procurador de
justiça é muito mais para trás, do que aconteceu, do que daquilo que vai
acontecer.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
L. C. M. - Eu penso que seria interessante essa mudança legislativa, mas
enquanto ela não ocorrer, há mecanismos para fazer isso funcionar.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
L. C. M. - Acho que ela deveria ser mais ativa, no sentido de maior
comprometimento com a causa, mesmo que no primeiro grau o promotor tenha
atuado como custus legis. Portanto, dentro daquela linha, se a participação
originária for como autor, assim deve ser no tribunal; se for como fiscal da lei,
assim deverá prosseguir na câmara. Daí a necessidade de especializar a
participação dos procuradores nas sessões, para que não haja necessidade de
adiar julgamentos em razão de o procurador não ter familiaridade com
determinadas
matérias.
O
procurador
que
deu
o
parecer
não
será,
necessariamente, o mesmo que vai participar da sessão, mas que seja algum que
atue na área da família, por exemplo, se essa for a matéria em exame.
174
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
L. C. M. - Nós aqui temos assentado que TAC é TAC. Portanto, um título
executivo extrajudicial, desde que líquido e certo. Ou então ele necessitará ser
liquidado antes. Até para que a parte que se obriga num ajustamento de conduta
não assine por assinar, esperando que não dê em nada. Cito aqui o exemplo da
execução de um TAC celebrado contra um frigorífico por haver poluído o meio
ambiente, lá do oeste do Estado. O promotor, juntamente com um procurador,
veio conversar comigo e a parte contrária, na sessão de julgamento, foi defendida
por um grande escritório de advocacia de São Paulo. No entanto, em nome do
Ministério Público ninguém se pronunciou. Mesmo assim, o executado foi
condenado a pagar 150 mil reais, numa demonstração de que não é brincadeira
firmar um TAC; a decisão teve o caráter pedagógico de evidenciar isso.
Eu costumo dizer que existem certas ações que o promotor de justiça executa
após as quais poderia se aposentar tranquilamente, já que mudam a história. É o
caso de um trabalho realizado em Canoinhas por dois promotores de justiça na
área de loteamentos, que acabou com os loteamentos clandestinos no município.
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
L. C. M. - Evidentemente que sim.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
L. C. M. - Não conheço as situações, mas o caminho é esse. Aqui no Tribunal eu
consegui convencer os desembargadores a darem prioridade às ACPs.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
175
L. C. M. – É a mesma resposta à pergunta nº 14.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
L. C. M. - Não está perfeitamente adequado em função do que falamos até agora.
A questão é que dar parecer por dar parecer é uma situação retrógrada. Eu
defendo o seguinte: não se deve tolher a manifestação do Ministério Público se
ele quiser se pronunciar, mas também não se pode fazer isso em prejuízo da
outra parte.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
L. C. M. – De certa forma sim, porém não no processo, mas através das políticas
institucionais que vem desenvolvendo e implantando. Uma ação civil pública
equaciona problemas que afetam um sem-número de pessoas, como a intentada
contra os bancos pela cobrança de boletos bancários. Recentemente um banco
foi multado porque deixou de cumprir a sentença dada. Por isso, o Ministério
Público não pode se descuidar de executar as sentenças que lhe são favoráveis
nas ACPs. Em função dessa atuação ministerial na área do consumidor, hoje nós
temos os advogados da porta do Procon, como antigamente se dizia que
tínhamos advogados de porta de cadeia. Eles ficam lá esperando o consumidor
para ajuizarem ações individuais que uma ação civil pública resolveria não só que
caso pontual. Não entendo porque os procuradores de justiça não podem estar
atuando nesta área, que além de ajudar a sociedade, ajudaria o Judiciário com a
redução de demandas individuais.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
L. C. M. – Essa pergunta não foi respondida.
176
ANEXO 5
ENTREVISTA COM O MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
MEMBRO DA 1ª SEÇÃO E DA 2ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA/STJ
LOCAL DA ENTREVISTA: BRASÍLIA/STJ
Data: 26 de outubro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Mauro Campbell Marques - Acho correta a postura como custus legis, desde que
o procurador de justiça em segundo grau tenha alguma cautela em sua conduta.
Eu costumava fazer uma discussão das teses com o Membro do Ministério
Público de primeiro grau autor da ação. Isso fazia com que, quando eu divergisse
do ponto de vista por ele sustentado, de duas uma: ou eu mantinha meu ponto de
vista, ou haveria, excepcionalmente, um convencimento contrariando a tese que
eu sustentava, para que houvesse uma política pública da instituição. Defendo
que não deve haver dicotomia de atuação, para não impor constrangimentos e
não vulnerar o Ministério Público em suas teses, pois isso é tudo que os inimigos
do Ministério Público querem: desautorizar a instituição em segundo grau. A
unicidade de conduta da instituição não pode ser uma falácia. Reconheço ser
essa uma posição pessoal minha, Mauro Campbell Marques, e não institucional.
Isso é uma exceção à regra.
Por conseguinte, eu não tive nenhuma dificuldade de atuação nos meus dez anos
de Procurador de Justiça com os colegas atuantes no primeiro grau. Porém, há
casos emblemáticos no Amazonas, de Promotores de Justiça tentarem defender
177
seu ponto de vista, inclusive em sessão do Tribunal Pleno, e o Procurador-Geral
lançar parecer e fazer sustentação oral contrária a tese do Ministério Público de
primeiro grau.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
M. C. M. - Sim, eu entendo que há ofensa, nesse caso. Se não houver uma
simbiose de atuação entre os primeiro e segundo graus, nós podemos destruir
toda a prova, o que é motivo de muita preocupação de minha parte. Temo uma
certa banalização do segundo grau. Eu cito como exemplo o direito penal.
Dificilmente, hoje, uma ação penal tem fim. O STF intervém mesmo ciente de não
ter
criminalistas
em
sua
composição,
membros
que
tenham
atuado
prioritariamente no campo penal. Ele age como guardião constitucional impondo
barreiras ao questionável comportamento do Ministério Público. Senão vejamos:
do volume de inquéritos que a Senhora recebe em seu gabinete, eu posso
garantir que não teria condições de cumprir seus prazos, se não arriscar a
elaboração de uma peça exordial e postergar a prova para a instrução criminal. A
regra geral era capear o inquérito com uma denúncia generalizando a culpa lato
sensu, ou seja, admitindo como verdadeiro o fato que é imputado ao indiciado
para ver se no decurso do processo eu me convenço do contrário. Esta era a
regra e meu temor com relação à ACP: não quero ver o STF podando a atuação
do Ministério Público, mercê da banalização da ACP, o que é ainda mais grave na
área civil, porque nós é quem fazemos o inquérito civil. Exemplifico com o caso de
ACPs em que o Ministério Público se arvora na condição de Procurador do
Estado para executar títulos dos Tribunais de Contas. Cabe-lhe verificar, apenas,
se houve improbidade; verificar se quem tinha a obrigação legal de cobrar não o
fez, não substituir a Procuradoria do Estado.
178
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
M. C. M. - No processo contemporâneo passou a ser dispensável essa dupla
atuação que só tem servido para criar problemas orgânicos nos Ministérios
Públicos.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
M. C. M. - Concordo com esse comando legal, por dar consistência à atuação
ministerial.
5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é
interpretação compatível com a CF, artigos 127 a 129 CF? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
M. C. M. - Com certeza é um excesso de concentração, tanto que eu tinha atos
instrutórios em meu gabinete delegando todas as atribuições aos procuradores e
promotores de justiça. Por exemplo, na questão discutível do foro privilegiado em
improbidade administrativa, tão logo assumi, baixei uma instrução normativa
delegando todas as atribuições ao primeiro grau resolução que está vigente até
hoje no Estado do Amazonas.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
M. C. M. - No caso das ações de competência originária do procurador-geral de
justiça, evidentemente que não.
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
179
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
M. C. M. - Se ele está agindo como custus legis, há necessidade de
pronunciamento, de emitir parecer, pois o dispositivo induz a isso. Em caso de
vista do processo ele tem que se pronunciar.
No Amazonas somos 21 Procuradores de Justiça e 150 Membros e raras foram
às vezes em que houve um divórcio entre o parecerista e aquele que realizou
sustentação oral do parecer. Mas não há vinculação, o segundo pode divergir do
primeiro. Eu mesmo, como Procurador-Geral, em três ocasiões, desconsiderei o
parecer de meu antecessor. No Amazonas e, como em todo o país, não há
vinculação entre quem dá o parecer e aquele que participa da sessão de
julgamento no tribunal.
8) O Ministério Público Federal em atuação no STJ, representando o ProcuradorGeral da República, tem realizado sustentações orais nas sessões de julgamento
das ACPs em que Procurador Federal ou Promotor de Justiça sejam autores? Em
que percentual?
M. C. M. – A quém do que se imagina. Muitas vezes vemos ações que requerem
a atuação do Ministério Público oficiante no STJ para aclarar e/ou reforçar as
posições assumidas, mas isto não ocorre. Todavia, na 2ª Turma e na 1ª Sessão,
eu vejo que o Ministério Público é vigilante, a atuação existe, numa média de
50%.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo subprocurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
180
M. C. M. - Perdemos isso na 1ª Sessão no julgamento de um caso do Acre em
que foi anulado um julgamento da 2ª Turma porque se permitiu que o Procurador
de Justiça do Acre sustentasse oralmente o seu recurso na tribuna, mesmo
estando presente o Subprocurador da República. O caso foi levado à Corte
Especial que, por maioria, anulou o julgamento. Cabe evidenciar que, naquele
caso do Acre, o Ministério Público agia como substituto processual, já que o
Estado se omitira. Tratava-se do processo sobre o escândalo do Canal da
Maternidade; um mandado de segurança em que havia um Ministério Público
autor e outro parecerista. Entendo que o Tribunal precisa evoluir neste aspecto,
deve haver custus legis e parte. Todo o problema advém da hierarquização da
carreira, promotor de justiça não toma assento em tribunal. Eu não vejo como
factível - dentro da estrutura do Ministério Público atual - que um procurador da
república substitua o subprocurador atuante no STJ, para sustentar sua ação,
sobretudo se considerar que não se trata de uma instância recursal, 3ª instância,
é um Tribunal de precedentes.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
M. C. M. - Ele fiscaliza o aspecto formal, observa a atuação do Membro do
Ministério Público de primeiro grau, verifica se a tese é boa, se houve
investigação adequada, o mais não é tarefa do procurador de justiça.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
M. C. M. - Deve haver uma lei disciplinando o assunto. Lembro aqui a
manifestação do Min. Carvalhido: aberto esse precedente, de conceder vista, isso
levaria a situação no STJ, de abrir vista a todos os promotores de justiça para que
contra-arrazoassem os recursos e os processos ficariam paralisados.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
STJ?
181
M. C. M. - Cada vez mais presente, sob o ponto de vista fiscalizador da atuação
do tribunal.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
M. C. M. – É reprovável!
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
M. C. M. - Esta é a minha opinião, eu só não vejo como essa possibilidade
poderia ser operacionalizada, nos moldes atuais do Ministério Público. Não
conheço Estado em a prática exista.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
M. C. M. - Não conheço. No Amazonas nós não temos procuradorias
especializadas,
nós
não
temos
demanda
suficiente
para
especializar
procuradorias e também não temos câmaras especializadas, a não ser cível e
criminal, as câmaras reunidas e isoladas que atuam em mandado de segurança e
matéria de direito público. Quando eu assumi como Procurador Geral havia duas
procuradorias especializadas em recursos. Fiz um levantamento e apurei que elas
estavam praticando dois atos por ano. Na época, provei que cada parecer custava
R$ 74.000,00 – um crime contra o contribuinte do Amazonas -, extingui as duas
transformando-as em Procuradoria Cível e em Procuradoria de Direito Público.
Porém, não vejo nem impedimento legal para que se especializem procuradorias,
exceto no Amazonas, não obstante os Centros de Apoio Operacionais
Especializados traçarem a política institucional do Ministério Público.
182
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
M. C. M. - Certamente, com a condição de haver uma lei para tanto.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
M. C. M. - Não. E, pior, aqui no STJ, onde os senhores subprocuradores-gerais
têm atuação de Procurador-Geral da República. Temos de lutar por uma mudança
de postura.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
M. C. M. - De jeito nenhum. Eu me arrependi profundamente de ter aceito a
promoção para o segundo grau, sentia-me uma pessoa inoperante. Compensava
a frustração fazendo todos os meus processos mais os dos meus colegas que
estavam atrasados.
Há necessidade de repensar o papel do Ministro Público de segunda instância.
19) Que lhe parece a idéia de criação de procuradorias ou câmaras de segundo
grau, compostas de Promotores de Justiça de última instância, por prazo
determinado, para atuarem junto aos tribunais, assim como ocorre no judiciário
estadual?
M. C. M. - Não concordo com isso, seria nefando. Se houver abolição da segunda
instância, teremos uma jurisdição capenga.
20) O Ministério Público de segundo grau, na forma atual, deve continuar
existindo? Uma única instância não daria conta das funções ministeriais como
acontece em outros países e diante da possibilidade dos promotores de justiça
ser procuradores-gerais de justiça?
M. C. M. - À primeira parte da pergunta respondo que não. À segunda, digo que é
interessante a hierarquia no Ministério Público para acompanhar a justiça. Os
tribunais não costumam aceitar a inscrição de promotor de justiça para concorrer
ao cargo de ministro ou desembargador pelo quinto constitucional.
183
ANEXO 6
ENTREVISTA COM O PROCURADOR DE JUSTIÇA ODIL JOSÉ COTA
PROCURADOR DE JUSTIÇA DA ÁREA CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DE SANTA CATARINA
LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
Datas: 13 de novembro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Odil José Cota - De autor, essencialmente de autor. A essência da Constituição
de 1988, ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, fala em
promover, defender, exercer, em todos os incisos do artigo 129, e omite opinar e
sugerir. Por outro lado, fosse a Justiça, como um todo, uma empresa privada à
beira de uma crise, necessitando um enxugamento, quem os diretores
dispensariam em primeiro plano? Os que promovem? Os que decidem? Ou os
que opinam, sugerem e aconselham?
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
O. J. C. - Não há o ferimento, face à postura dos seus integrantes que mantêm o
dever legal do pronunciamento imparcial, isento, como se fossem julgadores. No
184
momento que tomarem postura de autor, de parte, haverá o ferimento dos
aludidos princípios.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
O. J. C. - Sou favorável à extinção da postura de custus legis. O Ministério Público
será sempre autor, com as implicações naturais, podendo inclusive pedir
absolvição, por exemplo, nos processos criminais.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
O. J. C. - De lege ferenda, precisa mudar. Num primeiro momento, resolver-se-ia
com a mudança de postura do Procurador-Geral de Justiça e uma delegação
geral e mais ampla.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é
interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
O. J. C. - Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter redesenhado o perfil do
Ministério Público, a instituição ainda trouxe vícios da estrutura antiga que
precisam ser enfrentados com coragem na busca do cumprimento de sua missão.
Devo reconhecer que, na prática, os procuradores de justiça atuam com bastante
independência, pelo menos em Santa Catarina.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
O. J. C. - Penso que o próprio art. 129 da Constituição Federal não autoriza a
transmutação.
É necessária a mudança de postura, deixando claro que o
Ministério Público de segundo grau passa a atuar como parte nos processos que
185
correm nos tribunais e decisão dos órgãos superiores de cada Ministério Público
(PGJ, Colégio de Procuradores, CSMP, Procuradorias, Corregedorias, etc.)
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
O. J. C. - Juízes, advogados e operadores de direito insistem em falar em vistas,
palavra inexistente no vernáculo.
a) Atualmente, emitir parecer.
c) Não, o parecer não vale nada. Seu único valor é o da urgência, não deve e não
pode demorar.
d) Atualmente, não, porque o parecer é imparcial, isento, como uma sentença. O
problema que precisa ser enfrentado está surgindo com a postura de
procuradores de justiça essencialmente de parte, quando poderia surgir, em razão
dela, prejuízo à parte contrária.
e) Depende, se a postura, a posição, foi forte, como autor ou réu, há nulidade. Se
foi, como é a regra, isenta, não há por que falar em nulidade.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
O. J. C. - Posso falar na esfera criminal. O percentual é muito pequeno. No que
me concerne advogados criminais estão protestando quando faço sustentação
186
oral com postura de parte das manifestações produzidas em gabinete.
Presidentes de Câmaras Criminais têm autorizado a tréplica para os defensores.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
O. J. C. - Não vejo problema, no que respeita à especialização ou ao maior
conhecimento da causa contanto que seja mantida a divisão atual de Ministério
Público em primeiro e segundo grau, não vejo como possa o promotor de justiça
participar da sessão do tribunal. A solução seria o promotor de justiça munir o
procurador de elementos fáticos e jurídicos para a sustentação oral.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
O. J. C. - Tradicionalmente (a mudança extinguiria o procedimento) fiscaliza o
processo em si quanto às condições da ação e o cumprimento da lei e da
Constituição.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
O. J. C. - Penso ser possível mudar a postura antes da mudança da lei. Uma vez
feita a opção pelo novo perfil, buscar-se-ia a mudança ou a adaptação legislativa.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
O. J. C. - O Ministério Público de segundo grau, caso mantido, atuaria como um
grande escritório para os processos em grau de recurso. Os procuradores de
justiça exerceriam, no segundo grau, a pretensão punitiva do Estado. Na área
criminal, onde atuo, sugiro que os procuradores de justiça elaborem as
contrarrazões dos recursos da defesa e, também no caso de recurso do promotor,
que os autos subam para a Procuradoria-Geral, onde os procuradores fariam as
razões, os memoriais e as sustentações orais, tudo como autores da ação.
187
13) Há prejuízo para a sociedade, quando, por exemplo, na execução de um
TAC, o Procurador de Justiça se manifesta pela ausência de interesse público a
ser tutelado na lide?
O. J. C. - Partindo do fato de que o TAC já foi ajustado, não há como um
procurador de justiça alegar ausência de interesse ou falta de legitimidade para se
manifestar. Logo, há prejuízo para a sociedade, podendo haver nulidade. Fica a
dúvida: quem deu causa pode alegá-la?
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
O. J. C. - Sem dúvida, e estaríamos cumprindo a vontade do constituinte. Não
consigo entender como alguém, hoje em dia ainda, defende o custus legis.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
O. J. C. - Conheço parcialmente. A ideia surgiu com a Carta de Ipojuca – PE
(13.05.2003), da qual participei como Corregedor-Geral do Ministério Público de
Santa Catarina e, sem falsa modéstia, fui um dos mais entusiasmados por
acreditar, como acredito, no novo paradigma.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
O. J. C. - A integração virá ou aumentará quando o Ministério Público de segundo
grau passar a representar, a defender os interesses dos Promotores de Justiça
das Comarcas, que são os mesmos do Ministério Público, uno e indivisível,
salvaguardada a independência funcional.
188
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
O. J. C. - Não está. Deve-se à falta de visão de seus membros, ao comodismo,
conformismo e à mania de se acharem superiores, pensando que a sociedade
não vai cobrar resultados, eficiência e eficácia. Não é porque o Ministério Público
é uma instituição permanente que ele vai continuar sendo, se exercer a parcela
da soberania do Estado com comodismo. Mudar é preciso. A Constituição de
1988 mudou nosso perfil, porque, na prática, insistimos ou demoramos em adotálo?
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
O. J. C. - Não, enquanto não assumir o novo perfil.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
O. J. C. - Penso ter, dentro das minhas limitações, indicado, não o caminho, mas
uma trilha que começa a ser aberta, em busca da saída.
189
ANEXO 7
ENTREVISTA COM A DESEMBARGADORA SALETE SILVA SOMMARIVA
MEMBRO DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
SANTA CATARIA
LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Data: 25 de novembro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Salete Silva Sommariva - Considero que o papel predominante do Ministério
Público no tribunal seja o de custus legis. Ele atua como fiscal do bom andamento
processual, na defesa dos interesses das partes, o que corresponde a um papel
mais social. Quando o promotor de justiça é autor da ação, o procurador de
justiça que atua junto ao tribunal, acumula as funções de fiscal da lei e autor.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
S. S. S. - Eu entendo que não, porque o advogado pode ter acesso aos autos
após a manifestação do procurador de justiça e pode, inclusive, distribuir
memorais antes da sessão de julgamento, além de realizar sustentação oral na
própria sessão de julgamento. Não há necessidade de abertura formal de vista
para que o advogado assim aja.
190
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
S. S. S. - À primeira parte da pergunta já respondi que sim. Com referência à
outra, entendo que o procurador de justiça, quando se manifesta, também
desempenha o papel de autor, pois essa atuação junto com a de custus legis,
diria que se confundem, se completam.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
S. S. S. - Eu acredito que a lei autoriza já que a redação do artigo é ampla.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça, é
interpretação compatível com a CF em seus artigo. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
S. S. S. - Pessoalmente sou contra toda forma de concentração de poder. No
estado democrático de direito o poder sempre deve ser distribuído, pois todo
poder concentrado se torna nocivo à instituição a que se dirige. Por isso, o chefe
do Ministério Público deve dividir e partilhar seu poder entre os integrantes da
instituição. A lei deveria melhor dispor a esse respeito distribuindo parcelas de
poder dentre os diversos órgãos institucionais.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
S. S. S. - Entendo que esta autorização não existe.
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
191
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
S. S. S. - A vista é para emitir parecer e não há previsão legal para abertura à
parte contrária para que se manifeste. Mas, não existe óbice a que o réu,
espontaneamente, fale nos autos ou distribua memorais, como já me referi.
Quanto ao item e, entendo que não há prejuízo quando se transcreve o parecer
do Ministério Público de segundo grau. A transcrição não representa uma adesão
ao posicionamento do procurador de justiça, mas as conclusões da própria
câmara ou turma, sem necessidade de repetição e acréscimos.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
S. S. S. - Não temos conhecimento de tais dados.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
S.S.S. - A prática demonstra que, geralmente, a sustentação oral permanece a
cargo do procurador de justiça que participa da sessão, mas existem casos
isolados em que o promotor de justiça, tendo atuado no caso em primeiro grau,
faz sustentação oral.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
192
S. S. S. - A função dos representantes do Ministério Público é zelar pela
segurança jurídica, garantir a regularidade do processo e a igualdade entre os
litigantes. Ele, em suma, deve ser fiscal de todo o processo, de forma abrangente.
Deve estar sempre atento para apontar falhas e indicar soluções.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
S. S. S. - Desconheço a fundo a legislação referente à organização do Ministério
Público, mas acredito que não haja necessidade de uma ampla modificação
legislativa, até porque a CF, em seu art. 129, descreve as funções do Ministério
Público. Talvez uma alteração em matérias procedimentais fosse interessante
para que se delimitasse esta ou aquela função, para que fossem bem definidas as
atribuições.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
S. S. S. - A participação do Ministério Público no TJ já é muito relevante, e a
atuação dos integrantes da Procuradoria demonstra o zelo que se tem com o
processo e as partes. Não acredito que se necessite de mudanças no modo de
proceder desses profissionais.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
S. S. S. - Pode-se até imaginar que haveria prejuízo (abstratamente falando).
Mas, mesmo sem atuar há algum tempo nestas questões, me pergunto: se a
Procuradoria se manifesta por ausência de interesse público em determinado
processo, não o faz de forma infundada, mas porque entende que, realmente, não
há interesse público. Trata-se de uma forma de evitar que alguém continue a
executar uma ação que, segundo ela, não haveria razão de persistir.
193
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
S. S. S. - Certamente aproximaria. Mas não sei se a sociedade seria melhor
defendida. O fato de a PGJ estar um pouco afastada do Ministério Público de
primeiro grau a deixa mais livre para, eventualmente, discordar da posição de um
colega. Como está mais afastada do cotidiano da ação, pode olhar os autos sob
outra ótica, e é sempre bom a gente encontrar opiniões de terceiros que buscam
o mesmo objetivo que os nossos, qual seja, a melhor aplicação do direito e da
justiça.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
S. S. S. - Não conheço a experiência desses Estados, mas certamente a
especialização permite otimizar a atividade, deixando-a mais célere e uniforme.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
S. S. S. - Haverá integração, mas, como foi dito, é sempre interessante conhecer
opiniões diversas, ainda que na mesma instituição. Não se trata de dividir o
Ministério Público mas, ao contrário, de buscar, com o debate, a união e a melhor
solução para o caso concreto.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
S. S. S. - O Ministério Público tem diversas funções definidas pela CF, entre elas,
a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do Estado Democrático de
Direito. Por conta disso, o fato de a PGJ atuar, em sua ampla maioria das vezes,
como fiscal (parecerista), nada mais é do que uma forma de dar concretude a
194
estas funções, de trabalhar lado a lado com o tribunal para garantir a melhor
prestação aos jurisdicionados
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
S. S. S. - Na medida em que seu objetivo é resguardar a boa aplicação da lei e a
efetividade da justiça, não há como imaginar que não exerça uma de suas
funções sociais.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
S. S. S. – A questão fica prejudicada.
195
ANEXO 8
ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR SÉRGIO PALADINO
PRESIDENTE DA 1ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
SANTA CATARINA
LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Data: 25 de novembro de 2009
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Sérgio Paladino - Pessoalmente sempre entendi que o Ministério Público em
segundo grau deve atuar como fiscal da lei, assumindo uma postura equidistante
das partes, comprometido com a realização da lei. Aliás, entendo que, finda a
instrução criminal em primeiro grau, o promotor de justiça deve assumir a postura
de custus legis.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
S. P. - Entendo que não, já que nessa etapa ele não se pronuncia como parte,
mas como fiscal da lei.
196
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
S. P. - Sim, conforme já foi respondido acima, a posição processual do Ministério
Público é de custus legis em segundo grau e não se confunde com qualquer das
partes.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que
cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
S. P. - Sim, pois este artigo não faz nenhuma restrição à alteração.
5)
Essa concentração de poder nas mãos do procurador-geral de justiça é
interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
S. P. - Não vejo excesso de concentração de poder nas mãos do ProcuradorGeral de Justiça, porque cada instituição deve possuir um chefe, um dirigente
maior que distribua atribuições entre seus integrantes.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
S. P. - Não tenho atuado na área cível desde que assumi o cargo de Procurador
de Justiça, por isso não me sinto em condições de responder a esta pergunta.
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
197
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
S. P. – O artigo autoriza a emitir parecer sem necessidade de abrir vista à parte
contrária e quando o tribunal transcreve parcial ou integralmente a manifestação
do procurador de justiça é porque não há o que acrescentar: os integrantes da
câmara e o Ministério Público estão de acordo.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
S. P. - Como disse, não tenho atuado na área cível.
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
S. P. - Não vejo nenhum problema no procedimento.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
S. P. - A regularidade do processo e o cumprimento da lei.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
S. P. - Não há necessidade de qualquer alteração, pelo menos, na área penal
considero tudo certo.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
S. P. - Como acontece na atualidade, como custus legis.
198
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
S. P. - Sim.
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
S. P. - As funções são diferentes, razão pela qual não há necessidade de
alteração da posição processual do Ministério Público de segundo grau.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
S. P. - Não conheço e prefiro não opinar a respeito.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
S. P. - Esse assunto já foi tratado na questão de número 14.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
S. P. - Entendo que sim e que a posição processual do Ministério Público junto
aos tribunais está correta, até porque os procuradores de justiça nos ajudam
muito.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
S. P. - Perfeitamente.
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
199
S. P. – A questão fica prejudicada.
200
ANEXO 9
ENTREVISTA COM A PROCURADORA DE JUSTIÇA VERA LÚCIA FERREIRA
COPETTI
PROCURADORIA DE JUSTIÇA DA ÁREA CÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DE SANTA CATARINA
LOCAL: PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
Data: 03 de dezembro de 2009.
1) Qual a posição processual a ser assumida pelo Ministério Público em segundo
grau, quando atuou originariamente no processo como parte das ações penal e
civil públicas ou da ação de improbidade?
a) de autor?
b) de custus legis?
c) por quê?
Vera Lúcia Ferreira Copetti - O Ministério Público, em segundo grau, deve manter
sua posição de parte quando foi o autor da ação, seja ela penal pública, civil
pública ou ato de improbidade administrativa.
Os motivos dessa convicção são vários: só assim continua havendo contraditório
no segundo grau; mantém-se uma coerência institucional, estimula-se a
discussão interna e o desenvolvimento de posturas uniformes perante os
interesses cuja defesa estão a cargo do Ministério Público.
Há, ainda, o aspecto relacionado com a possibilidade de que, a partir da mudança
do caráter da autuação ministerial, seja alterada a legislação processual,
dispensando-se a produção de contrarrazões no primeiro grau que teriam lugar,
então, no segundo, dando celeridade aos recursos.
2) Atualmente, assumindo a posição de custus legis nos tribunais, nas esferas
criminal e cível, quando o Ministério Público é
autor da lide na origem, os
princípios da isonomia processual e da ampla defesa não são feridos, já que o
201
réu não tem mais oportunidade de pronunciar-se nos autos antes da sessão de
julgamento?
V. L. F. C. - Na verdade, em tais casos, o réu, ainda que sem caráter de
obrigatoriedade, pode manifestar-se e o faz, frequentemente, apresentando
memoriais dos quais o Ministério Público, via de regra, sequer toma
conhecimento.
É a defesa da sociedade que fica sem patrono quando o Ministério Público, da
posição de parte, passa à de custus legis, lugar que não lhe permite postular,
apenas opinar, sem o empenho que, no primeiro caso, pode levá-lo a desenvolver
um trabalho comprometido com o sucesso da demanda, a ponto de sustentar
suas posições nas sessões de julgamento e esforçar-se pela agilidade nos
julgamentos.
3) Justifica-se a intervenção como custus legis nos tribunais, se houver Ministério
Público autor? Ou o custus legis, nesses casos, confunde-se com o autor, apesar
de opinar?
V. L. F. C. - A resposta à primeira pergunta, penso, está implícita na do item
anterior.
Quanto à segunda questão, às vezes há confusão. Os Membros do Ministério
Público que autuam no segundo grau são todos originários do primeiro e trazem
consigo, inevitavelmente, o vezo da parcialidade com o qual tinham que lidar na
defesa dos direitos e interesses que lhe eram confiados. Assim, acontece de o
parecerista, ainda que não o faça propositadamente, tratar alguns temas de forma
parcial.
4) O art. 31 da LONMP autoriza a transmudação do Ministério Público agente
(autor ou réu) em custus legis ao dispor que cabe aos Procuradores de Justiça
exercer as atribuições junto aos Tribunais desde que não cometidas ao
Procurador-Geral, e inclusive por delegação deste.
V. L. F. C. – Essa pergunta não foi respondida.
202
5) Essa concentração de poder nas mãos do Procurador-Geral de Justiça, é
interpretação compatível com a CF em seus arts. 127 a 129? A que se deve tal
normatização? Qual a saída?
V. L. F. C. – A concentração de atribuições determinada pela Lei Orgânica na
pessoa do Procurador-Geral de Justiça é resquício, acredito, dos tempos em que
o Procurador-Geral era também o defensor do Estado. Sequer havia a exigência
de que fosse integrante da carreira. Era do interesse do governante que o
nomeava que ele concentrasse o mais possível os poderes da instituição.
Atualmente, na vigência de uma Constituição que adotou o regime democrático e
deu ao Ministério Público a incumbência de defendê-lo; diante de uma demanda
sempre crescente por celeridade processual; pelo combate à improbidade
administrativa e à criminalidade, sobretudo a de colarinho branco, e pela solução
de outros problemas atinentes à cidadania, a concentração, além de antidemocrática, dificulta o trabalho do Ministério Público por torná-lo mais lento e, ao
mesmo tempo, menos combativo.
A saída envolve mais do que a simples mudança legislativa.
Para transmudar essa postura há que se desenvolver uma discussão institucional,
como alguns MPs estaduais já fizeram, envolvendo o Procurador-Geral, os
procuradores e os promotores de justiça, no sentido de que trabalhem juntos,
debatam e assentem teses institucionais, de modo a alcançar uma unidade não
apenas formal, mas substancial da instituição.
6) Existe autorização constitucional/legal para a supressão do autor na ação penal
pública, na ACP, ou na ação de improbidade, quando o processo estiver em grau
de recurso? Qual?
V. L. F. C. - Não. Pelo contrário, penso que a supressão do autor da ação no
segundo grau pode ser visto como causador da ausência de pressuposto de
constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo porquanto, sendo
o Ministério Público, por substituição processual, o representante da sociedade,
quando ele assume posição diversa da original, queda-se a sociedade sem
representação e, consequentemente, faltará ao processo pressuposto para seu
desenvolvimento válido e regular.
203
7) No processo-crime, quando os autos sobem com vistas, de acordo com o art.
610, CPP, qual o sentido dessa expressão:
a) examinar para verificar a necessidade de efetuar sustentação oral e
prequestionamentos na sessão de julgamento;
b) emitir parecer;
c) tendo emitido parecer, deve ser aberta vista à outra parte?
d) há prejuízo processual quando é emitido parecer sem abertura de vista para a
outra parte, como ocorre atualmente?
e) e quando o tribunal transcreve parte ou integralmente o parecer ministerial
como razão da decisão?
V. L. F. C. - Considerando que o CPP ainda mantém, na disciplina individual dos
recursos, a previsão de que o Ministério Público no primeiro grau oferece as
contrarrazões, a vista prevista no art. 610 se destina à emissão de parecer.
Item c – Não, vide resposta à pergunta de n. 2.
Item d – Sim, pode haver prejuízo para a sociedade, pelos motivos indicados na
resposta à pergunta de n. 2.
A transcrição de parte do parecer ministerial no acórdão parece-me não afetar a
posição do Ministério Público no feito nem a validade da decisão.
A transcrição será incluída na fundamentação e, para externar as razões de seu
convencimento, o julgador pode encampar argumentos de doutrinadores, que
outra coisa não são senão meros pareceristas, das partes, de outros juízes e do
Ministério Público, esteja este na posição de parte ou de custus legis porque, em
qualquer caso, este se equipara àqueles. Afinal, o parecer tem mesmo o objetivo
de influenciar o julgador.
8) O Ministério Público Estadual em atuação no TJ/SC, representando o
Procurador-Geral de Justiça, tem realizado sustentações orais nas sessões de
julgamento das ACPs em que o Procurador-Geral de Justiça ou promotor de
justiça sejam autores? Em que percentual?
V. L. F. C. - Sim. O percentual não pode ser apurado aqui, na PGJ, mas as atas
do TJ contêm os registros.
204
9) O autor da lide (procurador ou promotor) pode fazer sustentação oral no STJ,
desde que introduzido pelo sub-procurador da república que participa da sessão,
como acontece com os grandes escritórios de advocacia?
V. L. F. C. - Diante do disposto no art. 31 da Lei n. 8625/93, penso que não: Cabe
aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde
que não cometidas ao Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por delegação
deste.
10)
O órgão do Ministério Público que atua como custus legis nos tribunais
fiscaliza quem?
V. L. F. C. - Fiscaliza a atuação dos julgadores de segundo grau, podendo
manifestar-se e interpor recursos sempre que entender necessário.
11) Há necessidade de mudança legislativa para que o Ministério Público assuma,
junto aos tribunais, a condição de parte nas ações iniciadas pelo Ministério
Público (nas esferas cível e criminal)?
V. L. F. C. - Não vejo necessidade de mudança no tocante às atribuições que são
exercidas junto ao TJ.
12) Na sua opinião, como deveria ser a participação do Ministério Público no
TJ/SC?
V. L. F. C. - Tendo participado do grupo de trabalho que elaborou a proposta que
foi levada ao Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina e se tornou o Ato n.
226/2007/CPJ, penso que o referido ato226 define a forma pela qual podemos e
devemos atuar perante o TJSC.
13) Há prejuízo para a sociedade quando, por exemplo, na execução de um TAC,
o procurador se manifesta pela ausência de interesse público a ser tutelado na
lide?
V. L. F. C. - Sem dúvida, não somente prejuízo para a sociedade, mas violação do
dever funcional.
226
O Ato n. 226/2007/CPJ, de 27 de junho de 2007, criou na Procuradoria de Justiça Cível o
Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define a
sua estrutura e o âmbito de atuação (anexo 10).
205
14) A atuação combinada do Ministério Público de primeiro e segundo grau não
aproximaria mais as duas instâncias da instituição, resultando, em consequência,
uma sociedade melhor defendida?
V. L. F. C. - Sim. Vide resposta ao item 5.
15) Conhece a experiência dos Ministérios Públicos de MG e SP, que criaram
procuradorias específicas para atuar nas questões que envolvem interesses
coletivos, difusos ou individuas indisponíveis, assumindo o papel de autor, quando
a ACP for proposta por promotor de justiça? O que lhe parece?
V. L. F. C. - Conheço, ainda que não tenha tido contado direto com os colegas
que lá atuam. Parece-me uma iniciativa relevante, necessária e que deve ser
disseminar por outros Ministérios Públicos.
16) Atuando como parte ou custus legis em primeiro e segundo graus não haverá
maior integração entre os dois?
V. L. F. C. - Sim. Vide resposta ao item 5.
17) O atuar do Ministério Público junto aos tribunais está adequado aos novos
parâmetros da CF? A que se deve a continuidade do atuar parecerista do
Ministério Público?
V. L. F. C. - Os novos parâmetros da CF/88 conferem ao Ministério Público, sem
dúvida, a possibilidade de uma atuação mais ativa, vale dizer, como parte. A
continuidade do atuar parecerista se deve, segundo penso, à resistência à
mudança que caracteriza todas as instituições (porque a mudança importa aceitar
desafios, alterar as práticas, correr riscos, etc.) e ao comodismo que proporciona
uma convivência mais tranquila com as elites e com os demais agentes do mundo
jurídico.
18) O Ministério Público junto aos tribunais desempenha sua função social?
V. L. F. C. - A atuação custus legis nos tribunais reproduz, em linhas gerais, a
mesma do primeiro grau. Desse modo, o Ministério Público atua em defesa da
206
ordem jurídica, da Constituição, sobretudo naquilo que diz respeito aos direitos
fundamentais, inclusive os sociais e individuais indisponíveis.
Assim, em sua missão de controlador, penso que desempenha função social
19) Em caso negativo, qual seria a saída?
V. L. F. C. – A questão fica prejudicada.
207
ANEXO 10
ATO N. 226/2007/CPJ
Cria na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das Ações
Civis Públicas de autoria do Ministério Público e define a sua estrutura e o âmbito
de atuação.
O PRESIDENTE DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, com
fundamento no art. 43 da Lei Complementar n. 197, de 13 de julho de 2000, após
aprovação do Colégio de Procuradores de Justiça, nos termos do art. 20, inciso
XIV, da mesma Lei, e
Considerando a decisão tomada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, em
sessão realizada, em 1º de novembro de 2006, que autorizou a criação na
Procuradoria de Justiça Cível de órgão especializado na defesa das teses objeto
de ações civis públicas interpostas pelo Ministério Público;
Considerando a necessidade de acompanhamento do trâmite e o resultado
dessas ações perante o Tribunal de Justiça; e, ainda,
Considerando que, nas referidas ações, não há intervenção de outro órgão
ministerial como fiscal da lei (art. 5º, §1º, da Lei n. 7.347/85); art. 92 do Código de
Defesa do Consumidor e art. 17, §4º, da Lei n. 8.429/92, o que autoriza a
intervenção do Procurador de Justiça, órgão de execução do Ministério Público
perante os tribunais (art. 31 da Lei n. 8.625/1993 e art. 96 da Lei Complementar n.
197/2000), também na condição de parte,
208
Resolve:
Art. 1º Criar na Procuradoria de Justiça Cível o Núcleo Especial de Defesa das
Ações Civis Públicas de autoria do Ministério Público de Santa Catarina.
Art. 2º Compete ao Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas:
I - oficiar, nas ações civis públicas em que o Ministério Público de Santa Catarina
seja autor e nos respectivos recursos, realizando o acompanhamento processual
e oferecendo memoriais, quando necessário, sem prejuízo de outras iniciativas,
tendentes a agilizar e otimizar os resultados em favor da sociedade;
II - participar das sessões do Tribunal de Justiça nas quais estejam em pauta os
processos referidos no inciso anterior, ou de outros em que tenham oficiado
integrantes do Núcleo Especial de Defesa, sustentando oralmente, sempre que
cabível e necessário, as teses e os argumentos em que se tenha fundamentado o
Ministério Público;
III - colocar-se, por intermédio de todos os seus integrantes, à disposição dos
Membros do Ministério Público, especialmente os de Primeiro Grau, objetivando a
definição de estratégias para o êxito das ações e dos recursos referidos no inciso
I; e
IV - integrar-se com os Centros de Apoio Operacional, visando ao fortalecimento
dos mecanismos de cooperação com órgãos de execução, em primeiro e
segundo graus, e à concretização das políticas institucionais.
§ 1º Competirá ao Procurador de Justiça a quem coube a análise do processo
decidir sobre a conveniência e oportunidade das medidas a que alude este artigo,
sem prejuízo de outras que reputar pertinentes.
209
§ 2º No propósito de otimizar os resultados do trabalho do Núcleo, poderão os
Procuradores de Justiça que o integram definir rotinas e procedimentos, repartir
tarefas por áreas de especialização, estabelecer premissas de atuação e adotar
outras medidas correlatas, dando-lhes a devida divulgação, para conhecimento de
todos os órgãos do Ministério Público.
Art. 3º O Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas será composto por
5 (cinco) Procuradores de Justiça integrantes da Procuradoria de Justiça Cível.
Art. 4º A Coordenadoria de Processos e Informações Jurídicas (COPIJ) fará
distribuir aos Procuradores de Justiça lotados no Núcleo todas as ações civis
públicas de autoria do Ministério Público, independentemente de seu conteúdo
temático.
Art. 5º O Núcleo Especial de Defesa das Ações Civis Públicas conceberá e
implementará instrumentos de acompanhamento estatístico, aptos a aferir o
desempenho e a eficácia de suas próprias atividades.
Art. 6º Este Ato entrará em vigor na data de sua publicação.
PUBLIQUE-SE, REGISTRE-SE, COMUNIQUE-SE.
Florianópolis, 27 de junho de 2007.
GERCINO GERSON GOMES NETO
PRESIDENTE DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA
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univali a função social do ministério público estadual de segundo grau